Clique aqui para baixar Apostila de Educação Patrimonial
Transcrição
Clique aqui para baixar Apostila de Educação Patrimonial
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL MATERIAL DE APOIO AO PROFESSOR * REFORMA E RESTAURO DO ANTIGO PAÇO MUNICIPAL DE PARATY Março de 2012 1 SUMÁRIO Apresentação 03 UNIDADE I - O que é Arqueologia Os vestígios arqueológicos O sítio arqueológico Os sambaquis A arte rupestre O trabalho do arqueólogo 04 06 07 08 09 10 UNIDADE II - O que é Patrimônio Cultural Preservação Sobre o tombamento A candidatura de Paraty a patrimônio mundial O patrimônio natural e cultural de Paraty As comunidades tradicionais (indígenas, caiçaras e quilombolas) Quem são os Guarani A aldeia de Paraty-Mirim Comunidades quilombolas Quilombo do Campinho Comunidades caiçaras As festas religiosas e populares A Ciranda O Carnaval O patrimônio histórico e arquitetônico Caminho do Ouro Museu de Arte Sacra de Paraty Forte Defensor Perpétuo 13 14 15 17 18 20 20 20 21 21 22 24 25 26 27 30 32 33 UNIDADE III – A evolução da cidade de Paraty O povoamento da região de Paraty As sesmarias A antiga Vila de Paraty Os séculos XIX e XX Os sobrados de Paraty O antigo Paço Municipal de Paraty Documentos queimados Técnicas construtivas tradicionais Alvenaria de pedra Pau-a-pique ou taipa de mão Enxaimel 34 34 34 35 38 40 42 44 51 51 52 53 Sugestão de atividades 54 Fontes de consulta 55 2 Apresentação Este material foi elaborado com o objetivo de auxiliar professores e educadores de Paraty a desenvolverem atividades de educação patrimonial junto aos alunos, apresentando conceitos e informações sobre arqueologia, sobre o rico patrimônio cultural de Paraty e sobre a restauração do Antigo Paço Municipal, uma das mais importantes edificações do conjunto arquitetônico situado no Centro Histórico da cidade. O material vem acompanhado de fotos e imagens que podem ser trabalhadas em sala de aula e de sugestões de atividades que poderão ser desenvolvidas nas escolas, de modo que os estudantes tenham acesso a informações e possam reconhecer a importância de preservar o patrimônio cultural local. As sugestões de atividades foram pensadas tendo como público-alvo alunos dos 8º e 9º anos do ensino fundamental e alunos do ensino médio. As atividades educativas sugeridas poderão ser realizadas após a visita dos alunos ao Antigo Paço Municipal, tanto durante o trabalho de reforma e restauração como após a conclusão das obras do prédio, ocasião em que os visitantes poderão ver exposição fotográfica (fotos antigas e fotos da obra) e exposição das peças arqueológicas encontradas no local. 3 UNIDADE I - O que é Arqueologia A Arqueologia pode ser definida como a ciência que estuda o passado humano a partir dos vestígios e restos materiais deixados pelos povos. A Arqueologia PréHistórica estuda vestígios de sociedades que não dominavam a escrita, enquanto a Arqueologia Histórica se debruça sobre os vestígios de sociedades que dominavam essa forma de expressão. Mas esta ciência não estuda apenas o passado remoto da humanidade. Assim, estudos vêm sendo desenvolvidos no subsolo de grandes cidades, nas sedes de antigas fazendas, em quilombos, campos de batalha, navios naufragados e fortes, permitindo que se conheçam inúmeros aspectos do cotidiano que geralmente não constam dos documentos oficiais. É muito grande a responsabilidade do arqueólogo: muito antes de ser um pesquisador, ele é um cientista voltado à preservação da herança cultural humana. Estatueta feminina em argila, Santarém (PA). Acervo: MAE- USP. Foto: Wagner de S. e Silva Ponta de flecha em sílex. Acervo: MAE-USP. Foto: Wagner de S. e Silva Peso para sal datado de 1822, encontrado na Casa de Registro. Fonte: Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. Foto: Adriana Mattoso 4 Colhendo informações para a pesquisa etnoarqueológica entre grupos Xerente, TO. Acervo: MAE - USP Foto: Walter F. Morales A Etnoarqueologia estuda o indígena atual para compreender sociedades extintas. Acervo: MAE - USP Foto: Walter F. Morales Cotidiano em aldeia Xerente no Tocantins: produção de cestaria em palha. Acervo: Museu de Arqueologia e Etnologia - USP Foto: Walter F. Morales 5 Os vestígios arqueológicos cabanas), Através dos mais variados vestígios (como materiais deixados pelas sociedades estruturas construídas pelo homem antigas, (aparentes ou já escondidas sob o o arqueólogo procura as inscrições pinturas rupestres) invisível, irrigação, caminhos ou ruínas de casas comportamentos e vestígios materiais portanto, as pistas crenças, ideias. Os canais e solo), pelas antigos desenhos reconstituir o mundo que lhe é formado como e de e outras edificações. constituem, de que o arqueólogo dispõe para reconstruir os diferentes modos de vida do passado. Estes vestígios podem ser artefatos, objetos, fragmentos ou evidências (como vasos de cerâmica ou de pedra, ferramentas em pedra lascada e pedra polida, sepultamentos ou urnas funerárias, restos de fogueira, silos e Buscando vestígios através de sondagens manuais. Sítio Areia Branca 5, Itapeva, SP. Acervo: Museu de Arqueologia e Etnologia-USP Foto: Paulo De Blasis até os buracos de estacas das Escavação de uma estrutura de sepultamento, sítio Areia Branca 6, Itapeva, SP. Acervo: Museu de Arqueologia e Etnologia-USP Foto: Paulo De Blasis Detalhe de sepultamento em Água Vermelha, SP. Acervo: Museu de Arqueologia e EtnologiaUSP. Foto: Erika González 6 O sítio arqueológico arqueológicos Sítio arqueológico é o nome dado ao considerados bens patrimoniais da local onde os vestígios das atividades União. humanas arqueológicos é feito por interesse do passado ficaram preservados. Existem vários tipos de sítios arqueológicos sambaquis, abrigos os (como os aldeamentos, os rupestres). Os O brasileiros registro de são bens científico ou ambiental. sítios arqueológicos são muito variados, apresentando grandes diferenças entre si: podem ser uma grande aldeia ou um pequeno acampamento de caça. Um sítio arqueológico pode ser definido também pelo potencial Diferentes áreas de escavação permitem conhecer a dimensão e profundidade do sítio. Água Vermelha, SP. Acervo: Museu de Arqueologia e Etnologia-USP Foto: Eduardo Goes Neves de descobertas que ele oferece – quanto mais antigo e mais transformações ele tenha passado, mais importantes são as informações que ele pode conter. Da mesma forma, um sítio pode apresentar grande variedade e quantidade de objetos, ou pode conter um único Toca do Cassununga (Paraty - RJ) Foto: André Bazzanella Escritório Técnico IPHAN na Costa Verde tipo de evidência. Todos os sítios Mapeando sítio arqueológico com o auxílio de teodolito. Sítio Areia Branca 5, Itapeva, SP. Acervo: Museu de Arqueologia e Etnologia-USP Foto: Erika González Trecho do antigo Caminho do Ouro (Paraty-RJ) 7 Os sambaquis - O nome sambaqui vem da língua tupi (tampa = marisco, e ki = amontoado), e é mais ou menos isto que os sambaquis representam. Grupos que habitaram o litoral tinham o hábito de juntar em um mesmo lugar as coisas que faziam e comiam. Em um sítio sambaqui encontramos marcas de fogueiras, de habitações, restos de alimento e dezenas de sepultamentos. Encontramos, ainda, muitos dos instrumentos que os grupos utilizavam em suas atividades, como pontas projéteis em osso, lâminas de machado, quebra-coquinhos, agulhas, pesos de rede, anzóis e outros mais. Colar feito a partir de dentes de mamíferos e peixes encontrado em sambaqui, SP. Acervo: MAE-USP. Foto: Wagner de S. e Silva Toca do Cassununga (Paraty - RJ). Foto: Escritório Técnico IPHAN na Costa Verde – André Bazzanella Monumento construído com conchas, o sambaqui se destaca na paisagem. O sitio Figueirinha-I, em Jaguaruna (SC), atinge aproximadamente 15 metros de altura. Foto: Paulo De Blasis 8 A arte rupestre No Brasil, as pinturas rupestres mais antigas datam de 12 mil anos de idade e foram encontradas na região de São Raimundo Nonato, no Piauí. São desenhos de animais, pessoas, plantas e objetos, muitas vezes retratando cenas da vida cotidiana ou eventos cerimoniais. Esses desenhos são testemunhos gráficos de antigos agrupamentos humanos. Além das pinturas, muitos sítios apresentam outro tipo de arte rupestre, as gravuras, feitas com a técnica da abrasão(raspagem) das pedras, resultando figuras em baixo relevo. Pinturas sobrepostas em paredão rochoso. Parque Nacional da Serra da Capivara. Toca do Boqueirão da Pedra Furada (PI). Acervo: Zanettini/Documento. Foto: Erika González Gravuras geométricas encontradas em sítio (abrigo), região do alto Araguaia, MT. Foto: Erika González Figuras de animais em paredão rochoso, GO. Foto: Irmhild Wust 9 O trabalho do arqueólogo Para realizar arqueólogo seu trabalho, o procura identificar e escavar sítios arqueológicos, onde documenta estruturas e coleta objetos que pertenceram ao cotidiano de uma determinada sociedade. Em seguida, inicia a fase de estudos e trabalhos sistemáticos em laboratório, onde procura relacionar Entendendo e interpretando o tempo através das camadas de sedimentos. Acervo: Museu de Arqueologia e Etnologia USP. Foto: Paulo De Blasis os objetos coletados ao grupo que os produziu e ao seu modo de vida. O arqueólogo realiza assim uma série de atividades, como o preenchimento de fichas de cadastro, medição da área, descrição dos vestígios, registro fotográfico, coleta de peças, análises e estudos de laboratório. As equipes de pesquisa contam com especialistas de diferentes áreas: zoólogos, geógrafos, geólogos e antropólogos físicos, entre outros. Do mesmo modo, o arqueólogo lança mão de procedimentos e análises desenvolvidos em outras áreas de conhecimento, como a matemática, a física e a química. Arqueólogos examinando paredões no vale do rio Tocantins, em busca de inscrições rupestres. Acervo: Museu de Arqueologia e Etnologia – USP. Foto: Erika González 10 Uma das principais atividades é a humana escavação arqueológica. A noção de peças escavação está fortemente vinculada profundos ao ocupação bem mais antiga. processo geológico de mais recente, encontradas em pertenceriam enquanto estratos a uma estratificação do solo, que obedece à denominada "lei da superposição": as camadas superiores do terreno seriam resultado de ações recentes, enquanto camadas inferiores e mais profundas seriam resultado de ações antigas. A deposição de peças arqueológicas no solo obedece ao mesmo princípio geral: as encaixadas Escavação no Sítio Sauipe 17, Sauipe, BA. Foto: David Glatt nos estratos próximos à superfície seriam relacionadas a uma ocupação Mesmo quando feita com grande cuidado, a escavação é uma atividade destrutiva: ao retirar as peças do solo, o arqueólogo está "apagando" os vestígios de nosso passado. Isto quer dizer que não é possível repetir uma escavação, e por esta razão o pesquisador precisa realizar uma documentação bastante precisa e rigorosa. Assim fichas, diários, mapas, plantas, desenhos, fotografias, filmagens e depoimentos constituem, juntamente com o conjunto de peças coletadas, os ingredientes para o estudo em laboratório. Técnica de relevé, utilizada para a reprodução de grafismos. Acervo: MAE – USP. Foto: Erika González 11 Sítio pré-histórico Santa Elina, Jangada (MT). Foto: Flávio Calippo Químico e arqueólogo colhendo amostra para análise. Cidade de Pedra, Rondonópolis (MT) Foto: Karin Shapazian Para realizar uma pesquisa arqueológica, é necessário possuir graduação. No Brasil, existem poucos cursos de graduação em arqueologia e em algumas faculdades há somente pós-graduação (mestrado ou doutorado). Com o diploma o arqueólogo está apto a realizar uma pesquisa, mas antes deve entrar em contato com o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão federal que é responsável pela proteção dos bens culturais do nosso país. Para realizar uma pesquisa, o arqueólogo segue um procedimento. É necessário montar um projeto, possuir uma equipe e ter documentos para solicitar autorização de pesquisa ao IPHAN. Após aprovação desta primeira etapa do processo, a autorização é publicada no Diário Oficial da União, com um período determinado para início e conclusão do estudo. Se algum dia identificarmos um material de populações antigas ou um sítio arqueológico, como um abrigo com pintura rupestre, devemos contatar o IPHAN (o Escritório Técnico do IPHAN na Costa Verde fica na Praça Monsenhor Hélio Pires s/n – Centro Histórico - Tel: 3371-6291), que pedirá a um profissional para realizar uma pesquisa. A destruição de qualquer material arqueológico ou cultural constitui crime, sujeito a pena de multa. O trabalho no edifício do antigo Paço Municipal segue todas essas exigências, tanto no âmbito arquitetônico como arqueológico. Este sítio faz parte do patrimônio cultural e está protegido pela constituição brasileira e pela Lei Federal nº 3924/61. 12 UNIDADE II - O que é Patrimônio Cultural O patrimônio cultural é o conjunto de manifestações, realizações e representações de um povo, de uma comunidade. É o conjunto de bens materiais e imateriais que por seu relevante valor simbólico se associa à história ou à identidade cultural de um determinado agrupamento humano. Ele está presente em todos os lugares e atividades: nas ruas, em nossas casas, em nossas danças e músicas, nas artes, nos museus e escolas, igrejas e praças. Nos nossos modos de fazer, criar e trabalhar. Nos livros que escrevemos, na poesia que declamamos, nas brincadeiras que organizamos, nos cultos que professamos. Ele faz parte de nosso cotidiano e estabelece as identidades que determinam os valores que defendemos. É ele que nos faz ser o que somos. Museu da Inconfidência - Ouro Preto (MG) Fonte: Wikipedia Ceramista em atividade - Acervo IPHAN Tatuagem usando grafismo indígena Acervo IPHAN 13 Os elementos naturais também fazem parte do patrimônio cultural - o Brasil é repleto de exemplos, como o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, as Cataratas do Iguaçu, no Paraná, ou o encontro das águas que formam o rio Amazonas, em Manaus. Morro do Pão de Açúcar (RJ). Fonte: Wikipedia O encontro das águas na confluência dos rios Negro e Solimões (Manaus - AM). Fonte: Wikipedia Panorâmica do lado brasileiro das Cataratas do Iguaçu (PR). Fonte: Wikipedia O patrimônio cultural de cada comunidade é importante na formação da identidade de todos nós, brasileiros. A herança cultural permite a uma sociedade reconhecer suas origens e compreender a necessidade de transmitir esses valores às gerações futuras. Preservação O termo preservação é usado para designar o conjunto de ações que se destinam à proteção e conservação de bens culturais cujo significado e permanência constituem referenciais importantes para a memória de uma nação, de um povo, 14 de uma cidade ou região. A proteção desses bens garante às gerações futuras o conhecimento de sua própria história e cultura, promovendo, dessa forma o exercício da cidadania. Preservar é, em suma, conhecer, identificar, valorizar, proteger, conservar e, em muitos casos, restaurar a integridade dos bens culturais, sejam eles físicos ou simbólicos. O Estado tem papel fundamental nessa tarefa, servindo-se de vários instrumentos legais que são utilizados de acordo com a natureza dos bens que se destinam à preservação. Sobre o tombamento Tombamento é a declaração de que um bem se encontra sob proteção oficial, mediante seu registro em livro próprio do órgão de proteção ao patrimônio cultural, nos níveis federal, estadual ou municipal. Os tombamentos federais são da responsabilidade do IPHAN e começam pelo pedido de abertura do processo, por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. O tombamento tem como objetivo preservar bens materiais de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo a destruição e/ou descaracterização de tais bens. Pode ser aplicado aos bens móveis e imóveis, de interesse cultural ou ambiental. É o caso de fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas etc. O nome "tombamento" tem origem lusitana e é uma referência ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, local onde se acham preservados documentos históricos ligados à formação e à expansão da nação portuguesa, incluindo aqueles relativos às suas antigas colônias, como o Brasil. Tombar não significa desapropriar o bem, o direito de propriedade é mantido, embora limitado em vista da proibição quanto à demolição ou descaracterização. Cabe ao proprietário zelar pela manutenção e conservação do bem tombado, como também prestar contas de seu estado de conservação quando solicitado pelo órgão governamental competente. 15 Com a finalidade de preservar o conjunto arquitetônico da cidade de Paraty, seu entorno imediato e a paisagem do município, algumas edificações e determinadas áreas foram tombadas pelo governo estadual e pelo governo federal. Em 1945 o sítio histórico foi elevado à categoria de Monumento Histórico do Estado do Rio de Janeiro. Esse mesmo sítio histórico foi tombado em 1958 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), englobando a Santa Casa de Misericórdia. O Forte Defensor Perpétuo e as igrejas localizadas no interior do sítio histórico foram tombados isoladamente. Em 1966 um decreto converteu a cidade em Monumento Nacional, fixando áreas especiais de proteção no sítio tombado. Em 1974, com o intuito de aumentar a área de proteção para além do conjunto arquitetônico histórico (passando, assim, também a abranger toda a mata circundante), foi tombado todo o território do Município de Paraty. Vista do Centro Histórico a partir da baía de Paraty Acervo Prefeitura Municipal de Paraty 16 A candidatura de Paraty a patrimônio mundial No ano 2000, o então prefeito do município de Paraty encaminhou ofício ao Ministro da Cultura para que se efetivasse a inscrição da cidade de Paraty na Lista Indicativa. À época, a proposta recebeu a denominação de “O Parque Nacional da Bocaina e o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico de Paraty” e tinha como intuito a inscrição do sítio como bem cultural. A atual proposta para inscrição de Paraty na Lista do patrimônio mundial da UNESCO é resultado da reformulação e aprofundamento do dossiê intitulado “O Caminho do Ouro de Paraty e sua Paisagem”, apresentado em 2009. Em 2009, a UNESCO recomendou uma mudança na abordagem proposta, reorientando a candidatura de Paraty para a categoria de sítio misto, e não apenas como bem cultural, dadas as singularidades da relação estabelecida entre as populações tradicionais, o sítio histórico e a natureza. Essa solução faz justiça aos atributos de Paraty: lugar de abundância, de exuberância e de riqueza, onde cultura e natureza se complementam de tal forma que é difícil descrever até onde vai a obra natural e onde inicia a indústria humana. O Brasil, que apresentou em 2011 o terceiro dossiê de proposição, "Paraty, Cultura e Natureza", agora sob a coordenação direta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), está convencido de que Paraty reúne todos os requisitos necessários ao seu reconhecimento como Patrimônio da Humanidade e enquadramento na Lista do Patrimônio Mundial como sítio misto, complementando e engrandecendo ainda mais o seleto rol de excepcionalidades já reconhecidas pela UNESCO. Foram solicitadas revisão e complementações pela UNESCO que estão sendo elaboradas neste momento pelo governo brasileiro. Em amarelo – área proposta. Em vermelho – Zona de amortecimento Fonte: Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. 17 O patrimônio natural e cultural de Paraty O patrimônio histórico e arquitetônico de Paraty é riquíssimo, fruto da origem secular da cidade. A herança colonial e imperial permanece viva nos casarões, nos sobrados, nas igrejas, nas ruas de Paraty, que preserva até hoje os seus encantos arquitetônicos. Devido aos elementos de sua formação histórica, Paraty conta com um vasto e rico patrimônio cultural. A cultura paratiense se mantém e se renova ao longo do tempo, manifestando-se em diferentes espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais coletivas. Essa riqueza cultural se revela também em festas religiosas (algumas centenárias) e em manifestações artísticas. Com cerca de 80% de sua área ocupada pela Mata Atlântica e com uma baía exuberante, Paraty possui uma rica biodiversidade e em seu território foram identificadas centenas de espécies de peixes, moluscos, aves, além de mamíferos marinhos, mamíferos terrestres, répteis e anfíbios. Serra da Bocaina. Fonte: Wikipedia Praia Vermelha (Paraty – RJ). Foto: site Paraty Convention & Visitors Bureau Em Paraty há três Unidades de Conservação Ambiental, áreas com características naturais importantes e limites definidos: o Parque Nacional da Serra da Bocaina, a Área de Proteção Ambiental do Cairuçu e a Reserva Ecológica da Juatinga. A riqueza ambiental de Paraty atrai turistas de todo o mundo, sendo cada vez mais necessário e importante pensar em formas de preservar as tradições culturais locais e diminuir o impacto ambiental associado ao turismo, tornando-o uma atividade ecologicamente sustentável, geradora de renda e promotora de desenvolvimento social e econômico para as comunidades locais. 18 Saco do Mamanguá.: Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. Foto: Adriana Mattoso Fonte: Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. Foto: Renato dos Anjos 19 As comunidades tradicionais (indígenas, caiçaras e quilombolas) Paraty possui comunidades étnicas que compõem um rico cenário de tradições que ainda influenciam o modo de vida de toda cidade, sendo o elo entre várias gerações. Os saberes, conhecimentos e modos de fazer estão enraizados no cotidiano das comunidades, apesar das influências que sofrem. Quem são os Guarani No Brasil, os Guarani são aproximadamente 40 mil, subdivididos em três grupos linguísticos: Nhándeva, Kayová e Mbyá. Eles vivem, hoje, em dezenas de aldeias espalhadas por mais de 100 municípios de 10 estados brasileiros. No Rio de Janeiro, os Guarani que vivem no litoral sulfluminense são basicamente Mbyá, e estão estimados em mais de 500 indivíduos distribuídos em quatro aldeias: Sapukai, em Bracuí, no município de Angra dos Reis, ParatyMirim, Araponga e Rio Pequeno, no município de Paraty. Chegaram a partir do final da década de 1940, em sucessivas ondas migratórias, quando se deslocaram discretamente do vale do rio Paraná em direção ao litoral fluminense, onde foram contatados, em 1972, com a abertura da estrada Rio-Santos. A aldeia de Paraty-Mirim A aldeia está situada às margens do Rio Carapitanga, próxima à estrada que dá acesso a Paraty-Mirim. A população indígena que reside na aldeia não é originária da região, perdeu grande parte de seu acervo cultural no que se refere às artes tradicionais (como a música, a cerâmica e o tear) e procura resgatar as suas práticas culturais ancestrais. Foto: site Associação Nhandeva Foto: site Associação Nhandeva 20 Comunidades quilombolas Quilombolas é designação comum dada aos escravos refugiados em quilombos, ou descendentes de escravos negros cujos antepassados no período da escravidão fugiram dos engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e pequenas propriedades onde executavam diversos trabalhos braçais para formar pequenos vilarejos autônomos chamados de quilombos. No Brasil há mais de mil comunidades quilombolas que se mantêm vivas e atuantes, lutando pelo direito de propriedade de suas terras. Quilombo do Campinho A comunidade Campinho da Independência foi fundada no século XIX por três mulheres escravas (Marcelina, Antonica e Luzia) que viviam na casa grande da antiga Fazenda Independência. Com o fim da escravidão, o senhor da fazenda doou às mulheres a terra onde hoje vivem cerca de 120 famílias remanescentes de antigos escravos. Os habitantes do local têm um histórico de lutas e conquistas pela regularização de suas terras. A comunidade sobrevive em torno do artesanato (cestaria, cerâmica), do plantio para venda e para consumo (milho, feijão, banana) e de atividades ligadas ao turismo étnico (nas quais se pode travar contato com práticas culturais como o jongo). 21 Comunidades caiçaras Caiçara é uma palavra de origem tupi que designava uma armadilha para cercar o peixe. Com o passar do tempo, passou a ser o nome dado às palhoças construídas nas praias para abrigar as canoas e os apetrechos dos pescadores e, mais tarde, para identificar o morador de Cananeia. Posteriormente, passou a ser o nome dado a todos os indivíduos e comunidades do litoral dos Estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Comunidade caiçara (Paraty - RJ) Fonte: Wikipedia Sede da Associação de Moradores e Amigos do Mamanguá. Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. Foto: Renato dos Anjos Em Paraty existem comunidades de pescadores que ainda preservam alguns de seus hábitos e características originais. As comunidades mais tradicionais estão localizadas nas regiões mais isoladas, como Ponta Negra e Saco do Mamanguá. A abertura da estrada BR 101 (Rio – Santos) provocou profundas transformações nessas comunidades: grileiros, especulação imobiliária e turismo desordenado entre outros fatores forçam a descaracterização de sua cultura. Históricos como a luta dos moradores de Trindade e Praia do Sono são reflexos visíveis da luta pela perpetuação de toda uma herança cultural. 22 Pescador. Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. Foto: Adriana Mattoso Pescador. Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. Foto: Dom João de Orleans e Bragança Fonte: Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. Foto: Adriana Mattoso 23 As festas religiosas e populares As festas religiosas e populares de Paraty representam uma das principais manifestações do rico acervo da cultura imaterial existente na cidade. As manifestações compreendem procissões, folguedos, festejos, cantorias e danças. Uma das mais importantes manifestações religiosas é a Festa do Divino Espírito Santo (“Festa do Divino”). Festa do Divino. Fonte: Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. Foto: Renato dos Anjos Em 2005 o IHAP - Instituto Histórico e Artístico de Paraty encaminhou ao IPHAN requerimento solicitando o Registro de Bem Cultural de Natureza Imaterial da Festa do Divino Espírito Santo da Cidade de Paraty. Após os trâmites junto ao IPHAN, a Superintendência do Rio de Janeiro deu início ao Projeto de Identificação e Inventário para o Referenciamento e Instrução do pedido de Registro da Festa. Tendo em vista que a Festa do Divino de Paraty é uma manifestação em torno da qual se aciona uma série de referências culturais atreladas à devoção, optou-se pela realização do Inventário de Referências Culturais da Festa do Divino Espírito Santo da Cidade de Paraty utilizando a metodologia do INRC – Inventário Nacional de Referência Cultural, compreendendo este bem cultural a partir da categoria Celebrações. Após 18 meses, o resultado do trabalho é a produção de um dossiê que reúne acervo de registros audiovisuais e documentos pesquisados durante o Inventário; um registro em DVD da edição da Festa do Divino inventariada no ano de 2009; a sistematização dos dados nas fichas do INRC; além da produção de textos analítico-reflexivos, de caráter etnográfico, que compõem a instrução do Processo de Registro. As conclusões da pesquisa evidenciam a expressividade desse fenômeno religioso e cultural, no entanto a decisão favorável ao Registro da Festa do Divino como Patrimônio Imaterial do Brasil caberá ao Conselho Consultivo do IPHAN, instância máxima de decisão do órgão, composto por representantes da sociedade civil de reconhecido destaque no cenário nacional. 24 A Ciranda A Ciranda veio de Portugal no período colonial, transformou-se e fincou raízes em várias regiões do Brasil. Há alguns grupos de cirandeiros em Paraty, alguns mais tradicionais e outros mais recentes, como a Ciranda Elétrica, que substituiu os tradicionais instrumentos acústicos por instrumentos elétricos, embora mantendo a raiz original. Segundo Diuner Mello, a Ciranda em Paraty antigamente era chamada de Chiba: “Os Chibas, bailes na roça, duravam a noite toda. Lá se executavam vários tipos de danças". Foto: site Cirandas de Paraty Ciranda. Fonte: Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial UNESCO. Foto: Lia Capovila 25 O Carnaval Durante o Carnaval, estão presentes nas ruas de Paraty vários blocos locais, a tradicional banda Santa Cecília , os famosos bonecos Assombrosos do Morro, Mascarados e o Bloco da Lama. Os famosos bonecos , característicos do carnaval de rua de Paraty. Foto: Giancarlo Mecarelli Criado há 26 anos, o Bloco da Lama teve origem em uma simples brincadeira e se tornou hoje um dos mais conhecidos blocos de Paraty. Os foliões têm o corpo completamente coberto com a lama da praia do Jabaquara e surgem na tarde de sábado de carnaval caracterizados como homens das cavernas. O Bloco da Lama, uma das marcas do Carnaval paratiense. Foto: Giancarlo Mecarelli 26 O patrimônio histórico e arquitetônico O Centro Histórico de Paraty é um dos mais harmoniosos conjuntos arquitetônicos coloniais do Brasil e reúne, entre seus 33 quarteirões, cerca de 500 construções preservadas (casas térreas, sobrados, armazéns e praças). O traçado urbano foi estruturado desde o início do século XVIII e os logradouros periféricos sofreram ocupação e adensamento ao longo dos séculos XIX e XX. O assentamento urbano de Paraty se estruturou em condições diversas das vilas que até então se haviam estabelecido no Brasil – que buscavam a proteção de sítios elevados, eram cercadas por muralhas ou paliçadas, apresentando malhas urbanas irregulares, dotadas de quarteirões difusos onde predominava a linha curva. Paraty buscou a planície, contígua ao porto, organizando-se segundo desenho geométrico, no qual os quarteirões são claramente diferenciados e predomina a linha reta. Como consequência, o atual centro histórico da cidade é formado por malha francamente ortogonal, embora implantada com pouco rigor geométrico – característica brasileira, que se distingue dos modelos mais regulares implantados pelos portugueses no oriente, com os quais Paraty não deve ser confundido. Vista aérea de Paraty – Acervo IPHAN 27 Além da estrutura regular, a paisagem urbana é marcada pela preponderância absoluta da arquitetura colonial luso-brasileira, mesclando sobrados e casas térreas, notabilizada pela quase ausência de conventos e organizações religiosas, de onde se sobressaem as poucas igrejas mais por suas posições estratégicas na malha urbana do que por dimensões ou suntuosidades – virtualmente inexistentes em Paraty. Em síntese, o centro histórico de Paraty pode ser descrito como composto por vias predominantemente retilíneas, pavimentadas por grandes pedras cortadas e assentadas irregularmente, que apresentam como ponto de fuga o mar ou a interposição de trechos do próprio casario – como regra, as ruas não são interceptadas por praças nem por edifícios oficiais ou religiosos que direcionem as vias. Rua Marechal Deodoro - Acervo João Miranda / IHAP Igreja Matriz de Nª. Srª. Dos Remédios - Acervo IPHAN. 28 Vista parcial do Centro Histórico de Paraty tendo ao fundo o antigo Paço Municipal – Acervo IPHAN Vista aérea de Paraty – Acervo IPHAN 29 Caminho do Ouro Percorrido desde muito tempo pelos indígenas, esse caminho foi apropriado ainda no século XVI pelos colonizadores europeus, que viram nele uma das melhores vias de penetração no sertão então inexplorado - por ali circulou o metal extraído das minas descobertas em meados do século XVIII no interior do Brasil. Decaída a produção do ouro, o caminho permaneceu em uso, interligando o planalto ao litoral, conhecendo mais tarde novo surto de riquezas no desenvolvimento da cultura cafeeira. Seu apogeu histórico, entretanto, deu-se no momento em que constituiu o caminho oficial do transporte do ouro – embarcado em Paraty para o Rio de Janeiro e depois para Portugal. Dos quase 2 mil quilômetros que ligam Paraty às cidades mineiras de Ouro Preto, Mariana e Diamantina, está em Paraty o trecho pavimentado mais expressivo e bem conservado do antigo Caminho do Ouro. O trecho de Paraty distingue-se pela existência de larga extensão pavimentada, dotada das ruínas de pousos e registros, cuja origem remonta ao século XVII e que conheceu sucessivas melhorias ao longo do século XVII até meados do século XIX. Uma Carta Régia de 1703 mandou que se instalasse na cidade uma Casa do Registro do Ouro para controlar o fluxo do metal vindo das minas. A Casa do Registro ou Casa dos Quintos foi instalada no Caminho, no alto da serra. O trecho do Caminho do Ouro em Paraty encontra-se calçado de pedra, em excelente e bom estado de conservação, por cerca de 75% do seu percurso. Os 25% remanescentes deste trecho encontram-se perfeitamente identificáveis tendo porém sofrido diferentes níveis de erosão natural. A pavimentação deste trecho do caminho com pedras foi necessária devido à alta pluviosidade da Serra combinada com declives acentuadíssimos. Por isto ele só se tornou trafegável com esse calçamento construído com grandes cuidados de engenharia. Graças a isso esse trecho antigo do caminho do ouro sobreviveu em sua materialidade enquanto outros trechos dessa rota tornaramse estradas hoje pavimentadas de asfalto ou desapareceram na mata ou na lama. Ele foi utilizado como principal rota entre Paraty e o Vale do rio Paraíba do Sul até os anos 1950/60, quando da abertura da rodovia Paraty/Cunha. 30 Os trechos do século XVIII são compostos por pedras mais toscas, mais arredondadas e menos resistentes. Já no século XIX o calçamento foi composto por rochas de formato mais retilíneo, as maiores medindo mais de um metro de lado, entremeadas por areia grossa e outras menores que dão uniformidade ao conjunto. A face superior é mais regular. Têm em média 20 centímetros de altura, mas pedras enormes também foram utilizadas, criando momentos impressionantes ao longo do percurso. Esta camada superior se assenta sobre outra composta de saibro e pedregulho, cuja espessura varia em torno de 10 centímetros. Os trechos do século XIX apresentam uma faixa central de largura variando entre 60 e 80 centímetros, composta de pedras mais largas e regulares, com duas faixas de bordo, com os blocos inclinados em direção ao centro. Dessa forma, o centro da calçada apresenta um desnível em relação aos bordos, e direciona o correr das águas da chuva. O calçamento original foi construído em pedra seca, com trechos entre 3 e até 10 metros de largura, sustentado por muros de arrimo de até cinco metros de altura, que acompanham as curvas de nível da serra. O Marco de Sesmaria, o sistema de escoamento de águas pluviais com suas guias e drenos, bueiros, e especialmente uma galeria de pedra cobrindo um vão de sete metros e meio, denominado viaduto, com guarda-corpo e pingadeiras para proteger a estrutura da construção, atestam a excelência da cantaria, técnica que constitui uma especialidade portuguesa. Trecho do antigo Caminho do Ouro (Acervo Sítio Histórico e Ecológico do Caminho do Ouro) 31 Museu de Arte Sacra de Paraty O Conjunto arquitetônico, localizado no Largo de Santa Rita e tombado pelo IPHAN, é composto por igreja, consistório, sacristia, cemitério com columbário e pátio ajardinado. Entre 1967 e 1976, passou por minuciosa restauração, sendo adaptado para funcionar como museu. O Museu de Arte Sacra de Paraty abriga importante acervo de arte sacra pertencente a ordens religiosas da cidade, expondo peças dos séculos XVII, XVIII e XIX, com destaque para as imagens da padroeira de Paraty (Nossa Senhora dos Remédios), além das coroas e cetros usados nos cortejos de festas religiosas tradicionais da cidade. Museu de Arte Sacra, Igreja de Santa Rita. Fotos: Cynthia Tarrisse 32 Forte Defensor Perpétuo O Forte Defensor Perpétuo foi erguido em 1703 pelos colonizadores portugueses para proteger o porto e defender o acesso à baía de Paraty dos ataques piratas. Com o declínio econômico da região, o forte ficou em ruínas, sendo reconstruído em 1822, quando recebeu o nome atual em homenagem ao imperador D. Pedro I. O forte foi tombado pelo IPHAN em 1957 e restaurado nos anos 1960. No local há desde 1984 uma exposição permanente com objetos do artesanato da região, uma casa de farinha e utensílios de cozinha de casa rural. Também fazem parte do acervo do Forte tachos ou caldeirões para a produção de açúcar, de origem inglesa, e outras peças de fazendas da região, como um tronco de escravos e tambores de Jongo, todos do período colonial. ( site IPHAN) ( site IPHAN) 33 UNIDADE III – A evolução da cidade de Paraty A história do antigo Paço Municipal está ligada à história de Paraty e às transformações econômicas, políticas e sociais que a cidade sofreu desde o período colonial. Antes de conhecer a história do prédio, portanto, é necessário abordar alguns aspectos da história da cidade. O povoamento da região de Paraty A região da baía de Ilha Grande era habitada por povos indígenas. A descoberta dessa região em 1502 está vinculada às primeiras expedições de exploração da costa brasileira feitas pelos colonizadores portugueses. No entanto, o seu povoamento pelos europeus só ocorreria décadas mais tarde a partir da empreitada de Martin Afonso de Souza, que chega ao Brasil em 1530 com o objetivo de encontrar caminhos que levassem às cobiçadas minas peruanas. Naquele momento, Martim Afonso funda o povoado de São Vicente e ao doar terras almejava fixar moradores na porção que lhe cabia no “Novo Mundo”. A partir de então, o povoamento da capitania de São Vicente ocorreria de forma lenta. Segundo o historiador Diuner Mello, estes moradores de São Vicente aos poucos foram se espalhando pelo litoral na direção norte e sul, criando pequenos povoados e chegando à região de Angra dos Reis. Nessas paragens, naquela ocasião, os tamoios, índios que ocupavam essa porção do continente, comerciavam com os franceses o paubrasil, animais selvagens exóticos e peles. Cronistas como Hans Staden e o padre José de Anchieta deixaram testemunhos desse período e As sesmarias A colonização das terras brasileiras ocorreu pelo sistema de sesmarias, no qual o donatário recebia um pedaço de terra e tinha a obrigação de colonizá-la no prazo de cinco anos, sob pena de perdê-la. No caso de Paraty as sesmarias eram entregues a colonos da capitania de São Vicente. A primeira sesmaria da região foi criada por volta de 1560 em algum local do atual município de Angra dos Reis. registram os primitivos nomes daquelas sítios. 34 Em 1596 a expedição de Martim Correa de Sá chega à região com o objetivo de atingir o Vale do Paraíba. Para tanto, serviu-se de antigas trilhas indígenas: a “Trilha dos Guaianás” (os guaianás eram índios que também habitavam aquela região e que mantinham boas relações com os portugueses). O uso dessas trilhas foi determinante nos anos seguintes, como explica Diuner Mello: O certo é que a partir de então este lugar passa a ser ponto de entrada e passagem obrigatória para os que buscavam o sertão, subindo o caminho da serra. Vindos do Rio de Janeiro em barcos, daqui subiam a serra até atingir São Paulo e o interior e por aqui entravam as mercadorias vindas da Europa. Em virtude da movimentação existente nesta região, do desenvolvimento do comércio de gêneros alimentícios, tecidos e especiarias, enriqueceu o povoado. A antiga Vila de Paraty A fixação do primitivo núcleo de Paraty ocorreu a partir do Morro da Vila Velha (atual Morro do Forte) e atendeu à necessidade de defesa do povoado, situado em um ponto estratégico que possibilitava o controle do acesso à baía da Ilha Grande. A ocupação dessa posição não foi, porém, duradoura e, em 1636, Maria Jacomé de Mello doou parte da sua sesmaria para nela se estabelecer a futura Vila de Paraty, entre a margem direita do Rio Perequê-Açu e a margem esquerda do Rio Patitiba (atual Mateus Nunes). 35 Imagem aérea. As áreas destacadas correspondem ao antigo Morro da Vila Velha e ao Centro Histórico. 36 O reconhecimento da vila (com o nome de Vila de Nossa Senhora dos Remédios de Paraty) aconteceu em fevereiro de 1667, mediante carta régia de D. Afonso VI. Em outubro do mesmo ano foi instalada a primeira Câmara Municipal e foram nomeados os juízes e autoridades. Esse panorama, conforme explica Diuner Mello, acelerou o desenvolvimento comercial, o plantio de cana-de-açúcar e a fabricação de aguardente e açúcar. A descoberta de ouro em Minas Gerais no final do século XVII transformou a vila de Paraty em local de embarque do ouro e pedras preciosas para o Rio de Janeiro, de onde seguiam para Lisboa, capital da metrópole. O antigo Caminho do Ouro que ligava Paraty às zonas de mineração foi o elemento fundamental desse processo. O movimento no porto de Paraty intensificou-se não apenas com o embarque de ouro, mas também com a entrada de ferramentas, gêneros alimentícios e escravos para abastecer São Paulo e as minas. As primeiras descrições da Vila de Paraty, nas primeiras décadas do século XVIII, revelam um rústico aglomerado cujas casas em sua grande maioria são erguidas em taipa e cobertas de palha. Entretanto, o comércio com a região das minas incrementou a economia da vila trazendo certa abastança que se refletiu em algumas construções nas quais se utilizou a alvenaria de pedras. Uma característica do desenvolvimento urbano de Paraty foi a preocupação com a padronização estética de suas construções. Desde o final do século XVIII foram criadas normas para as edificações de modo a garantir o aspecto ordenado e harmonioso do núcleo urbano. As primeiras regulamentações municipais de que se tem notícia datam de 1799 e procuraram determinar a aparência e a altura das novas edificações, bem como medidas das portas, janelas e prumadas. Em 1831 e 1836, novas regulamentações estabeleceram regras complementares. Para evitar incêndios, foram proibidas as construções em madeira e as coberturas de palha, que deveriam ser trocadas por telhas. Buscou-se também garantir bons índices de salubridade, determinando o calçamento das ruas (obra iniciada ainda no século XVIII) e impondo a obrigação de os munícipes manterem a frente de suas casas limpas. 37 A pavimentação das ruas do centro histórico foi executada utilizando-se pedras irregulares (assentamento conhecido como pé-de-moleque). O calçamento irregular das ruas é um elemento típico de Paraty, sendo parte da imagem da cidade e uma das principais características do centro histórico. As ruas foram projetadas com uma inclinação para uma calha central e caimento em direção ao mar, facilitando, assim, o escoamento das águas. Site Paraty Convention & Visitors Bureau Os séculos XIX e XX O ciclo do café fez surgir um novo interesse por Paraty, fato que possibilitou a sua elevação à categoria de cidade em 1844. O café produzido no vale do Paraíba era escoado pelo porto de Paraty e nessa época a cidade funcionava como entreposto de abastecimento de produtos que seguiam para as fazendas daquela região. Da cidade partiam tropeiros com suas mulas levando sal, azeite, produtos europeus de luxo para os barões do café. Nesse período, foram feitas melhorias urbanas: a construção de praças públicas, a constituição de um cemitério, a construção de um chafariz e do novo mercado, além da ponte de desembarque. A partir do século XIX, o crescimento urbano de Paraty passa a ocorrer também na direção do litoral para o interior e não apenas paralelamente em relação à linha do mar. Devido ao grande incremento das atividades comerciais, ocorreu uma transformação nos tipos de edificações, os sobrados se desenvolveram a partir das casas térreas préexistentes, às quais foi acrescentado mais um pavimento. 38 No final do século XIX, Paraty passou por um período de estagnação econômica devido à construção da estrada de ferro que passou a ligar o Rio de Janeiro a São Paulo através do Vale do Paraíba, transferindo para aquela região a rota do comércio de café, isolando Paraty e fazendo cessar o movimento do porto. Sobreviveriam somente as atividades dos pescadores e os engenhos de aguardente, em menor escala devido à escassez de mão-de-obra motivada pela abolição da escravatura. Paraty viveu assim um grande período de isolamento e esquecimento em relação ao restante do país. Para a historiadora Marina de Mello e Souza, do final do século XIX até a década de 1960, “a cidade pouco se alterou em sua materialidade, assim como na maneira de viver e de pensar das pessoas, mantendo-se muito parecida com o que era há 200 anos”. (SOUZA, 2008, p. 92). Esse isolamento começou a ser rompido somente nos anos 50, conforme o relato de Diuner Mello: A década de 1950 veio modificar substancialmente a vida de Paraty com a construção de uma estrada de rodagem ligando Paraty à cidade de Cunha, no Estado de São Paulo. Por esta estrada alcançava-se a cidade de Guaratinguetá e a Via Dutra que une as duas maiores metrópoles brasileiras, Rio e São Paulo. A viagem de barco [...] continuou a existir [...]. A nova estrada, porém, possibilitava um maior e melhor fluxo de transporte, em menor tempo, com mais segurança e qualidade. [...] Por ela começaram a descer os paulistas que, eternos aventureiros, buscavam o litoral perdido dos sonhos e o encontravam nessa cidade abandonada, diferente [...]. Apesar de sérios problemas como a constante queda de barreiras, deslizamento de pista e outros menores, eles adquiriram velhas casas, às vezes em ruínas, e as restauraram com capricho e bom gosto para veraneio. A década de 70 introduziu um novo dinamismo em Paraty, fortemente impulsionado pela construção da rodovia litorânea Rio-Santos (a BR-101). Este fator desencadeou muitas transformações econômicas, intensificando atividades de comércio e prestação de serviços – especialmente o turismo – e culminou em acréscimo populacional. 39 Os sobrados de Paraty No final do século XVIII, Paraty apresentava um conjunto arquitetônico constituído na sua maioria por casas de um único piso. Nas primeiras décadas do século XIX, devido ao enriquecimento da cidade com o comércio do café, muitas casas passaram a ter um segundo pavimento, construído a partir das edificações térreas pré-existentes. A não correspondência entre os vãos dos primeiros e segundos pisos é uma característica de muitos sobrados paratienses (isso se deve não só aos diferentes períodos em que os andares foram construídos, como também às regulamentações promovidas pelo poder público). Na parte inferior prevalecia a atividade de comércio, e a parte superior era destinada à residência das famílias. Com a estagnação econômica sofrida pela cidade após o declínio do comércio de café houve uma reestruturação em algumas edificações e os armazéns reassumiram a sua função residencial. Sobrados de Paraty - Acervo João Miranda / IHAP 40 Típica residência de Paraty com suas fileiras de portas do estabelecimento comercial à frente e janelas da residência aos fundos. Arquivo do IPHAN. Alçados de ruas de Paraty onde se encontram duas alturas distintas de sobrados, resultado provável das diferentes épocas em que foram construídos ou de diferentes regulamentações promovidas pelo poder público. Fonte: Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais – Lisboa. Inventário do Patrimônio Arquitetônico. 41 O antigo Paço Municipal de Paraty Prédio atual da Câmara Municipal de Paraty, na confluência da Rua do Comércio com Samuel Costa. Neste ponto, esta última alarga-se como que compondo o adro da Igreja do Rosário. Nessas condições, o edifício da Câmara possui maior área livre à sua testada configurando-se num diminuto, porém gracioso Paço Municipal. Foto: s/a. e s/d. Rua Dr. Samuel Costa. Ao centro vê-se o alçado principal da Igreja do Rosário e, à esquerda, quase de perfil, o sobrado adquirido pela Câmara Municipal em 1908. Acervo João Miranda / IHAP. A história desse prédio acompanha a evolução de Paraty desde o período colonial. A edificação original era térrea e ocupava apenas a esquina das ruas Samuel Costa (antiga rua do Rosário) e do Comércio. Sua construção teria ocorrido ainda no século XVIII – o que pode ser observado pelos batentes de portas e janelas no térreo, feitos em pedra. Em algum momento, já no século XIX, um segundo pavimento teria sido construído, com outras ampliações ao longo da rua do Comércio - o que pode ser verificado pelos batentes de madeira. O prédio pertencia a Leovegildo Alves da Rocha Barreto e constitui-se como um típico sobrado de um próspero mercador que reservou o térreo aos negócios e o andar superior para moradia. Em 1863 o prédio foi alugado e passou a sediar a Câmara Municipal de Paraty . Aspecto parcial da Rua do Comércio com Samuel Costa. Ilustração de Patrícia Sada 42 Em 1908 a Câmara Municipal decide comprar o imóvel, negócio que se concretiza pela quantia de três contos de reis. A vendedora era a então viúva de Leovegildo Barreto, Dona Maria Magdalena Barreto, residente no Rio de Janeiro, o que denota a alta condição econômica dessa família. Prédio da Câmara Municipal de Paraty, adquirida à viúva Maria Magdalena Barreto em 1908. Foto s/a. e s/d. – Acervo João Miranda/IHAP Em muitas cidades brasileiras até o início do século XX a administração pública era exercida diretamente pelas Câmaras, como nos tempos coloniais. Em Paraty, com a criação do cargo de prefeito, o sobrado passou a ser compartilhado entre a Câmara e a Prefeitura. Antigo Paço Municipal - Acervo IPHAN 43 Documentos queimados Sabe-se que em 1932, o prédio foi requisitado para abrigar tropas do Governo Federal que enfrentava os revoltosos de São Paulo. Naquele momento, afirmam alguns paratienses que a municipalidade esvaziou as salas do pavimento térreo abarrotadas de documentos referentes a Paraty e os incinerou para ceder lugar à soldadesca. A relação do paratiense com o passado e as tradições é de reverência (.). No entanto, a cidade pouco guardou de seus registros. Para entendermos esse fenômeno citamos trecho da obra da historiadora Marina de Mello e Souza: O passado é motivo de orgulho de grande parte dos moradores da cidade, e mesmo quando esse sentimento não é explícito aparece no respeito às tradições, na permanência das formas antigas de comportamento e de religiosidade. Esse sentimento, difuso entre as pessoas, compensa de alguma forma o descaso com o qual os documentos escritos foram até agora tratados pelos administradores públicos e religiosos. Grande parte dos arquivos perdeu-se com a ação de bichos, umidade ou mesmo foram destruídos. O passado era algo valorizado como formador de uma maneira de ser. Não precisava ser guardado em armários, pois estava presente no dia a dia, nos casos contados, na memória dos vivos. Só recentemente essa atitude modificou-se, ao mesmo tempo em que houve uma valorização das tradições e bens culturais a serem preservados, fazendo com que surgisse o interesse em se guardar documentos manuscritos, impressos e fotográficos, como mais um testemunho palpável de tempos gloriosos que estavam na raiz do ser paratiense. (Parati, a cidade e as festas, p. 222). Rua do Rosário (atual Samuel Costa) e à direita o sobrado da Câmara Municipal. Segundo o historiador Diuner Mello a foto é de 1932, pois registra a presença dos soldados das forças federais que ocuparam a cidade durante o conflito. Acervo João Miranda / IHAP. 44 Inserido nessa mudança de atitude para com o conhecimento da história da cidade, o Instituto Histórico e Artístico de Paraty vem trabalhando, ao longo de sua existência, na preservação da memória documental escrita e iconográfica de Paraty, desenvolvendo projetos voltados para a organização e a catalogação de seu acervo histórico, constituído em sua maioria de documentos e livros da Câmara Municipal que foram resguardados. Esse possibilitou a publicação dos Roteiros Documentais I e II c om transcrição de documentos dos séculos XVIII, XIX e XX, facilitando o acesso a estudantes e pesquisadores, além da Coleção Paratiana, disponível na Biblioteca Municipal Fabio Villaboim e que atende o mesmo propósito. Antiga Cadeia: Sede da Biblioteca Municipal Fabio Villaboim e do Instituto Histórico e Artístico de Paraty. Foto: Lucineide Silva. E 45 Acervo João Miranda / IHAP ( década de 1940) À esquerda, lateral do prédio da antiga Prefeitura e Câmara de Paraty, em seu alçado voltado para a Rua do Comércio. À direita, Igreja do Rosário. Acervo João Miranda / IHAP. 46 Em segundo plano a empena com seis portas remanescentes do prédio vizinho ao sobrado da Câmara, localizado na Rua do Comércio. Foto da década de 1940 que exibe os alunos da Escola Lopes Trovão perfilados. Acervo João Miranda / IHAP. Parada do Dia 7 de Setembro em frente ao Prédio da Câmara, na presença do então Prefeito Paulo “Carijó” C. de Moura. Foto da década de 1970. Acervo João Miranda/ IHAP. 47 Outra parada do Dia 7 de Setembro. Foto da década de 1970. Fonte: Acervo João Miranda/ IHAP. Detalhe do balcão no alçado principal do Sobrado da Câmara. Foto da década de 1960. Fonte: Acervo João Miranda/IHAP 48 Fachada do antigo Paço Municipal – Acervo IPHAN O salão nobre da Câmara de Paraty funcionou como tribunal de justiça até a construção do atual prédio do Fórum Silvio Romero. Em 2002, Prefeitura Municipal deixa de compartilhar o prédio da Câmara Municipal, instalando-se no bairro do Pontal. No salão nobre estão depositadas as “Varas de Vereança”, bastões originais, únicos no Brasil, datados dos séculos XVIII e XIX, e que eram conduzidos pelas autoridades nas ocasiões festivas e solenes. Há também os sofás da antiga Loja Maçônica, destinados aos aprendizes. Encontramos também o dossel e crucifixo sobre a mesa da presidência e as réplicas das antigas cadeiras e tribunas (as tribunas originais estão sendo restauradas). Suas paredes são revestidas de papéis estampados e há um quadro com fragmentos de antiga bandeira da Vila do século XVIII. 49 Interior do Plenário da Câmara de Paraty. Formatura do Ginásio. Foto da década de 1960. Fonte: Acervo João Miranda/IHAP Plenário da Câmara. Solenidade com a presença do então Prefeito Antonio Nubile França, do Presidente da Câmara Irênio Araujo Marques e do Vice-Prefeito Norival R. de Oliveira. Na imagem vê-se o dossel sobre a mesa da presidência e um dos bancos da antiga Loja Maçônica ‘União e Beleza’. Foto da década de 1960. Fonte: Acervo João Miranda/ IHAP. O sobrado é uma das construções mais importantes do Centro Histórico e testemunha as diversas transformações pelas quais a cidade passou. Justifica-se, plenamente, a necessidade de preservar e revitalizar esse precioso exemplar do acervo arquitetônico e cultural da cidade, que está passando por um trabalho de restauração de seus aspectos característicos para que seja remodelado e reintegrado de forma harmoniosa à paisagem do centro histórico. 50 Plenário da Câmara na visita do Secretário de Obras do Estado do Rio de Janeiro, com a presença do Prefeito ‘Nhonhô’ e do Presidente da Câmara, Irênio Araujo Marques. Foto da década de 1960. Fonte: Acervo João Miranda/ IHAP. Salão da Câmara de Vereadores. Foto da década de 1940. Fonte:Arquivo IPHAN 51 Técnicas construtivas tradicionais Nas edificações que fazem parte do conjunto arquitetônico do Centro Histórico de Paraty, é possível identificar técnicas construtivas tradicionais. O sobrado foi construído com diversas técnicas, destacando-se a alvenaria de pedras, o pau-a-pique e o enxaimel de tijolos. Podemos identificar a presença de alvenarias de pedra no pavimento térreo, o que remete à edificação térrea do século XVIII. Alvenaria de pedra Alvenaria formada por pedras de diversos tamanhos, arrumadas umas sobre as outras, com utilização de um material ligante (argamassa, por exemplo) e calçadas com lascas da mesma pedra. As pedras são grandes e com faces planas. A construção de alvenarias de pedra é caracterizada pelas grandes espessuras, com pelo menos 1/5 de sua altura. Alvenaria de pedra no antigo Paço Municipal – Centro Histórico de Paraty Foto: Cynthia Tarrisse Alvenaria de pedra na Igreja Nossa Senhora da Conceição – Paraty-Mirim Foto: Cynthia Tarrisse 52 O pau-a-pique está presente na compartimentação interna do pavimento superior. Diferentemente do que podemos observar nas casas térreas paratienses (onde a estrutura de madeira é composta por palmeiras, pau de mangue ou bambus amarrado com cipós), no sobrado do antigo Paço Municipal o gradeado de madeira é feito com madeira serrada e pregos. A identificação desta técnica é bastante particular no conjunto arquitetônico de Paraty, o que provavelmente caracteriza a sua execução já no século XIX. Pau-a-pique ou taipa de mão Pau-a-pique em edificação contígua à Igreja N. Sra. da Conceição (Paraty-Mirim) e em casa térrea do Centro Histórico de Paraty. Fotos: Cynthia Tarrisse O pau-a-pique, também conhecido como taipa de mão, é uma tradicional técnica construtiva brasileira, definida por uma estrutura de madeira entremeada por gradeado de varas equidistantes, amarradas entre si por cipós, preenchida com barro colocado manualmente. À terra utilizada na taipa de mão é comumente adicionado um pouco de capim ou cal e areia, para aumentar o seu endurecimento e evitar rachaduras. No Centro Histórico de Paraty essas alvenarias receberam acabamento alisado e caiação. No período colonial, esta técnica construtiva foi muito difundida, sendo que em Paraty foram utilizadas apenas na compartimentação interna das edificações, considerando a fragilidade de sua composição frente às intempéries. Argamassa e pau-a-pique de alvenaria no salão da Câmara de Vereadores. Antigo Paço Municipal - Centro Histórico de Paraty Foto: Cynthia Tarrisse 53 É possível identificar o enxaimel nas alvenarias externas do pavimento superior e empena do telhado. Neste caso os painéis de vedação são executados em tijolos maciços, técnica construtiva utilizada a partir do século XIX. A utilização desta técnica acaba por evidenciar o acréscimo do segundo pavimento na edificação térrea do século XVIII. As alvenarias receberam acabamento alisado e caiação. Enxaimel O enxaimel é um sistema de madeira autônomo e de origem muito antiga, que se desenvolveu na Idade Média. A madeira bruta é serrada em peças estruturais providas de encaixes, sem a utilização de pregos. A montagem das peças forma um sistema estrutural autônomo que depois de montado é preenchido com material de vedação. Os painéis de vedação podem ser executados, em pau-apique ou tijolos maciços. Detalhe do telhado do antigo Paço Municipal – Foto: Cynthia Tarrisse 54 Sugestão de atividades Arqueologia Programar uma visita com os alunos a um dos sítios arqueológicos existentes em Paraty (região urbana, zona rural ou zona costeira). Os alunos podem fazer registros escritos e fotográficos da visita e posteriormente apresentar na escola seminários sobre a importância desses sítios. Patrimônio Cultural Pesquisa sobre o patrimônio histórico, arquitetônico e ambiental de Paraty. Pesquisa sobre as comunidades tradicionais de Paraty (indígenas, caiçaras, quilombolas) Antigo Paço Municipal Desenhar fachadas de antigos sobrados de Paraty Construir maquetes de antigos sobrados de Paraty. Essas maquetes poderão fazer parte da exposição prevista no prédio após a restauração. Estudar as técnicas construtivas (taipa, pau-a-pique etc.) e materiais utilizados na edificação dos antigos sobrados do centro histórico de Paraty e realizar uma oficina reproduzindo essas técnicas em uma prancha ou tabuleiro de pequenas dimensões (características das construções). Essas pranchas poderão fazer parte da exposição prevista no prédio após a restauração. Entrevistar um arqueólogo envolvido na escavação do sobrado. Entrevistar um arquiteto envolvido na restauração do sobrado. Entrevistar um historiador que conheça a história do sobrado. Entrevistar moradores antigos de Paraty que tenham vivenciado as transformações pelas quais passou o prédio e que possam dar algum testemunho sobre isso. 55 Fontes de consulta Arqueologia Brasileira – www.itaucultural.org.br Associação Nhandeva - www.nhandeva.org Cirandas de Paraty - www.cirandasdeparaty.com.br Dossiê de candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial apresentado à UNESCO (2011) Instituto Histórico e Artístico de Paraty - www.ihap.org.br IPHAN - www.iphan.gov.br MELLO, Diuner. Paraty Estudante.Instituto Histórico e Artístico de Paraty e Prefeitura Municipal de Paraty – Gráfica Freitas, Angra dos Reis, RJ, 2009. MELLO, Diuner. Roteiro do Visitante. Informativo turístico e cultural.3@ ed. Gráfica Servgraf, Paraty, 2011. Paratiando - www.paratiando.com Paraty Convention & Visitors Bureau - www.paratycvb.com.br Quilombo do Campinho - www.quilombocampinho.org.br Rameck, Maria José S., Mello, Diuner (orgs).Roteiro Documental do Acervo Público de Paraty. Instituto Histórico e Artístico de Paraty.Gráfica e Editora Dias, 2003 SADA, Patrícia. Paraty: traçados de um centro histórico. São Paulo: Projeto, 1989. Silo Cultural José Kleber - www.silocultural.org.br SOUZA, Marina de Mello e. Parati, a cidade e as festas. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2008. Wikipedia - pt.wikipedia.org 56 EQUIPE DO PROJETO Coordenadora Lucineide Silva Arquiteta Cynthia Tarrisse Gerente Administrativo Weriks Ribeiro Secretária Milena Barros Auxiliar Eduardo Oliveira Coordenador Pedagógico Ovídeo Poli Junior Prefeitura Municipal de Paraty Prefeito José Carlos Porto Neto Instituto Histórico e Artístico de Paraty Presidente Maria José S. Rameck Antiga Cadeia s/n- Largo de Santa Rita Centro Histórico – Paraty – RJ Tel/Fax 24)3371 1056 www.ihap.org.br [email protected] IHAP 57
Documentos relacionados
Trajetórias do patrimônio cultural e os sentidos dos seus usos em
deixando a bela Paraty perder a sua primazia no escoamento de produtos entre Rio e São Paulo. E assim, isolada, mas com um passado vivo em suas heranças formais e simbólicas, a joia da Coroa brasil...
Leia mais