Estudo da transferência de massa durante a desidratação osmótica

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Estudo da transferência de massa durante a desidratação osmótica
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 13, n. 2, p. 91-97, abr./jun. 2010
DOI: 10.4260/BJFT2010130200012
Estudo da transferência de massa durante a desidratação osmótica de mirtilo
Study of mass transfer during the osmotic dehydration of blueberry
Autores | Authors
Giovana Domeneghini MERCALI
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS)
Departamento de Engenharia Química
e-mail: [email protected]
Carolina Pereira KECHINSKI
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS)
Departamento de Engenharia Química
Programa de Pós-Graduação em
­Engenharia Química (PPGEQ)
Rua Luis Englert, s/n°, Campus Central,
CEP: 90040-000
Porto Alegre/RS - Brasil
e-mail: [email protected]
Julia Alvarez COELHO
Isabel Cristina TESSARO
Lígia Damasceno Ferreira
MARCZAK
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS)
Departamento de Engenharia Química
e-mail: [email protected]
[email protected]
[email protected]
Autor Correspondente | Corresponding Author
Recebido | Received: 31/03/2009
Aprovado | Approved: 21/06/2010
Resumo
A desidratação osmótica é um processo utilizado para a remoção parcial de
água de alimentos mediante a imersão dos mesmos em uma solução hipertônica.
Neste trabalho, a influência da temperatura (30-50 °C) e da concentração da
solução osmótica (45-60 °Brix) sobre o mecanismo de transferência de massa foi
investigada durante a desidratação osmótica de mirtilo. A difusividade mássica
efetiva da água foi determinada pelo uso da solução analítica da Segunda Lei
de Difusão de Fick com base nos dados experimentais de soluções binárias de
sacarose/água. O Modelo de Peleg (1988) foi utilizado para predizer a umidade
de equilíbrio do produto. A variável temperatura da solução osmótica apresentou
grande influência nos parâmetros do modelo e nos valores de difusividade
mássica efetiva. O aumento da concentração de sacarose na solução osmótica,
assim como o aumento da temperatura de processo, provocaram um aumento na
difusividade mássica efetiva da água, cujos valores encontrados estão na faixa
de 0,65-2,28 x 10-10 m2 s–1.
Palavras-chave: Mirtilo; Difusividade mássica efetiva; Desidratação osmótica;
Transferência de massa.
Summary
Osmotic dehydration is used to partially remove water from plant tissues by
immersion in a hypertonic solution. The objective of this work was to investigate
the effect of the temperature (30-50 °C) and concentration (45-60 °Brix) of the
osmotic solution on the mass transfer mechanism during the osmotic dehydration of
blueberry. The effective diffusivity of the water was determined using the analytical
solution of Fick’s Second Law based on the data for binary solutions of sucrose/
water. Peleg’s model was used to predict the moisture content of the product at
equilibrium. The temperature of the osmotic solution showed a great influence on
the parameters of the model and on the values for effective mass diffusivity. Both,
an increase in sucrose concentration of the osmotic solution and an increase in
process temperature, resulted in higher values for the effective mass diffusivity of
the water, with values in the range from 0.65 to 2.28 x 10-10 m2 s–1.
Key words: Blueberry; Effective diffusivity; Osmotic dehydration; Mass transfer.
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Estudo da transferência de massa durante a desidratação osmótica de mirtilo
MERCALI, G. D. et al.
1 Introdução
O mirtilo (blueberry, em inglês) é um fruto muito
popular nos Estados Unidos e Canadá, e somente há duas
décadas vem sendo cultivado no Brasil. As frutas são do
tipo baga, de coloração azul-escura, de formato achatado
e têm, em geral, em torno de 1,0-2,5 cm de diâmetro e
1,5-4,0 g de peso, podendo ser destinadas tanto para o
consumo in natura quanto para o processamento (KLUGE
et al., 1994). O mirtilo é conhecido por conter apreciáveis
níveis de compostos antioxidantes, como compostos
fenólicos (especialmente flavonoides e antocianinas),
que têm uma elevada atividade biológica e são os
principais responsáveis pelo potencial nutracêutico
da fruta (CAO et al., 1996; SELLAPPAN et al., 2002).
Para o produtor rural, o interesse paira nas grandes
potencialidades econômicas e na elevada rentabilidade
que o cultivo do mirtilo pode proporcionar.
Frutas como o mirtilo, por possuírem alta atividade
de água, são altamente perecíveis, implicando perdas
pós-colheita superiores a 30% da produção. A desidra­
ta­ção osmótica representa uma alternativa tecnológica
para reduzir essas perdas e aumentar a vida útil dos
frutos. Essa tecnologia tem sido usada, principalmente,
como pré-tratamento de alguns processos convencionais
– como a liofilização, a secagem a vácuo e a secagem
por ar – a fim de melhorar a qualidade final, reduzir
custos energéticos ou mesmo para desenvolver novos
produtos. Na literatura, existem trabalhos que exploram
este aspecto da utilização da desidratação como uma
etapa prévia desses processos (RASTOGI et al., 2002;
FERNANDES et al., 2006; ANDRADE et al., 2007).
A desidratação osmótica é um processo no qual
os alimentos são colocados em contato com soluções
concentradas de sólidos solúveis que possuem maior
pressão osmótica e menor atividade da água. A complexa
estrutura celular dos alimentos pode ser considerada uma
membrana semipermeável, e a diferença no potencial
químico da água entre o alimento e o meio osmótico é a
força motriz para a desidratação. Desse modo, ocorrem
dois fluxos de transferência de massa em contracorrente:
perda de água do alimento para solução e transferência
de soluto da solução para o alimento. A remoção osmótica
de água de frutas e legumes é frequentemente realizada
como um processo prévio para melhorar a qualidade
sensorial dos produtos secos e manter a sua integridade.
A desidratação osmótica utiliza temperaturas moderadas
que melhoram a retenção de cor, sabor e aromas voláteis
quando comparada a processos de desidratação
tradicionais.
Numerosos estudos têm sido realizados para
descrever adequadamente a transferência interna de
massa que ocorre durante a desidratação osmótica de
alimentos e para modelar o mecanismo do processo. Um
grande número de investigadores utiliza a Segunda Lei de
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Difusão de Fick para estado transiente a fim de estimar a
difusividade mássica da água e/ou do soluto, a partir de
dados experimentais obtidos com as mesmas condições
de fronteira e condição inicial usadas na formulação
matemática. No entanto, a comparação das difusividades
mássicas obtidas nesses estudos é difícil em função
da variação da composição e da estrutura física dos
alimentos e, também, devido aos diferentes métodos
e modelos empregados para estimar a difusividade
(SINGH et al., 2007).
A influência das principais variáveis de processo
– concentração e composição da solução osmótica,
temperatura, tempo de imersão, pré-tratamentos, agitação,
natureza do alimento e sua geometria, razão entre
solução/amostra, entre outras – sobre o mecanismo de
transferência de massa e sobre a qualidade dos produtos
tem sido estudada extensivamente para um grande número
de produtos, como a banana (RASTOGI et al., 1997;
MERCALI et al., 2010), o jenipapo (ANDRADE et al., 2007),
o abacaxi (RASTOGI e RAGHAVARAO, 2004; JENA e DAS,
2005; LOMBARD et al., 2008), a maçã (KAYMAK‑ERTEKIN
e SULTANOĞLU, 2000; SERENO et al., 2001), a cenoura
(SINGH et al., 2007), a batata (KHIN et al., 2006), o mamão
(FERNANDES et al., 2006), o tomate cereja (AZOUBEL e
MURR, 2000; TELIS et al., 2004), entre outros.
Nsonzi e Ramaswamy (1998) investigaram a
cinética de transferência de massa durante a desidratação
osmótica de mirtilos em soluções com concentração de
sacarose variando entre 47 e 70 °Brix e temperaturas de
processo variando entre 37 e 50 °C. A estimativa das
difusividades mássicas efetivas da água e do soluto foi
realizada mediante utilização da solução analítica da
Segunda Lei de Fick. Os resultados demonstraram que
ambas as difusividades aumentam com o aumento da
temperatura e com o aumento da concentração da solução.
Para as condições acima mencionadas, a difusividade
mássica efetiva da água variou entre 1,98 x 10 -10 e
5,10 x 10-10 m2 s-1, e a difusividade mássica efetiva dos
sólidos, entre 2,54 x 10-10 e 2,22 x 10-10 m2 s-1.
Kaymak-Ertekin e Sultanoğlu (2000) investigaram o
mecanismo da desidratação osmótica de fatias de maçã
em diferentes concentrações de sacarose, dextrose e
soluções mistas de sacarose-dextrose, e em diferentes
temperaturas. As difusividades mássicas efetivas da água
e do soluto foram calculadas e valores na faixa de 10-10 a
10-11 m2 s-1 foram encontrados.
O presente trabalho tem por objetivo analisar o
efeito da concentração e da temperatura da solução
osmótica sobre o mecanismo de transferência de massa
durante a desidratação osmótica de mirtilo e determinar
a difusividade mássica efetiva da água. Para tanto, foi
realizada uma estimação de parâmetros da solução
analítica da Segunda Lei de Fick, a partir dos dados
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experimentais em soluções binárias de sacarose/água
com diferentes concentrações e temperaturas.
2 Material e métodos
2.1 Desidratação osmótica e análises
físico-químicas
O mirtilo (Vaccinium corymbosum L.), adquirido
em um mercado local, passou por um processo de
classificação e seleção através de duas peneiras com
diâmetros de 1,00 e 1,25 cm. Em cada experimento, foi
determinado o diâmetro de quarenta frutas com o auxílio
de um paquímetro. O diâmetro médio dos frutos utilizados
nos experimentos foi de 1,17 ± 0,02 cm. A desidratação
osmótica foi realizada em um tanque de acrílico dotado de
uma serpentina conectada a um banho termostático para
a manutenção da temperatura constante. A razão entre o
volume de amostra e o volume da solução osmótica foi de
1:120 (g/g). Esta razão elevada deve-se à utilização de um
aparato experimental já disponível e que foi dimensionado
para a desidratação de outro produto, que requeria um
volume de solução maior. Um agitador mecânico de pás foi
colocado no sistema a fim promover uma intensa agitação
e, dessa forma, garantir que a condição de contorno de
concentração especificada na superfície fosse satisfeita.
A solução osmótica utilizada foi uma mistura de água
destilada e sacarose com concentrações variando de
45 a 60 °Brix. A fim de avaliar o efeito da temperatura,
os experimentos foram realizados em temperaturas entre
30 e 50 °C. O processo de desidratação osmótica foi
realizado num período de tempo 5 h. As amostras foram
retiradas da solução osmótica em intervalos de 1 h e, em
seguida, secas com o auxílio de um papel absorvente
para remover a solução aderida.
A determinação de umidade, em base seca, foi
feita pelo método gravimétrico, de acordo com AOAC
930.04 (HELRICH, 1990). O teor de umidade da amostra
em base seca, (x t), foi calculado considerando-se a
diferença de massa antes e depois da secagem. Este
procedimento foi feito para os seis pontos de cada
experimento e em duplicata.
A avaliação estatística dos resultados foi realizada
utilizando o Programa Statística ® 7.0. Para avaliar a
influência das variáveis independentes sobre a variável de
resposta, utilizou-se a ANOVA com confiança de 95%.
2.3 Modelo matemático
O modelo utilizado neste estudo, baseado na
Segunda Lei de Difusão de Fick para o estado transiente,
determina a quantidade de água que deixa a fruta
(considerada uma esfera) em função do tempo. De
acordo com Crank (1975), a solução analítica da Segunda
Lei de Difusão em coordenadas esféricas é dada pela
Equação 1:
xi − x eq
x 0 − x eq
=
∞
6
1
t

− ∑ 2 exp  −i2 π 2De 2  2
π
r 

i= 0 i
(1)
em que x representa o teor de umidade de uma amostra,
em base seca (g de água/g de sólidos secos), os
subíndices t, 0 e eq representam o teor de umidade
num tempo t qualquer de desidratação, no início e no
equilíbrio, respectivamente; D e (m 2 s -1) representa a
difusividade mássica efetiva da água, ro (m) é o raio da
partícula, e i é o número de termos da série.
Essa solução é válida para as seguintes condições
de contorno e condição inicial:
• para t = 0, x = x0, 0 < r < r0
• para t > 0, x = xeq em r = r0
• para t > 0, ∂x/∂r = 0 em r = 0
A condição de contor no de concentração
especificada na superfície da esfera (r = r0) é alcançada
devido ao alto coeficiente convectivo de transferência
de massa, decorrente do elevado grau de agitação da
solução osmótica.
Uma vez que, nas condições de trabalho
empregadas, as condições de equilíbrio não foram
alcançadas em 5 h de desidratação, os valores da taxa
inicial de transferência de massa, N0 (g água por g sólidos
secos s-1), e concentração de água nas condições de
equilíbrio, xeq (g água por g sólidos secos), foram obtidos
2.2 Planejamento fatorial
Foi realizado um planejamento experimental
fatorial 22 com ponto central, para analisar a influência de
diferentes condições de processo sobre a difusividade
mássica efetiva da água (D e). Os fatores estudados
foram: temperatura e concentração de açúcar na
solução osmótica. Este planejamento fatorial consiste
em quatro pontos do fatorial completo e dois pontos
centrais, totalizando seis experimentos. A Tabela 1
mostra os valores reais e codificados das variáveis
independentes.
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Tabela 1. Planejamento Fatorial 2 2 com repetição no ponto
central.
Exp
Valores Codificados
Valores Reais
T
Conc.
T (°C)
Conc. (°Brix)
1
–1
–1
30
45,0
2
–1
1
30
60,0
3
0
0
40
52,5
4
0
0
40
52,5
5
1
–1
50
45,0
6
1
1
50
60,0
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ajustando os dados experimentais ao Modelo de Peleg
(1988) (Equação 2):
t
k 2 + k1t 0,9
(2)
em que k 1 e k 2 são parâmetros do modelo, obtidos
por regressão linear a partir de dados experimentais.
Os valores de x eq e N 0 estão relacionados com as
constantes k1 e k2, de acordo com as Equações 3 e 4,
respectivamente:
x eq = x 0 −
1
k1 1
N0 =
k2
1,0
0,8
xt/x0
xi − x 0 =
1,1
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0
1
30 °C e 45%
40 °C e 52,5%
Essas equações têm sido utilizadas para descrever
os processos de adsorção em vários alimentos (AZOUBEL
e MURR, 2000; PARK et al., 2002; CORZO et al., 2007).
Esse modelo foi adotado por Khin et al. (2006) para
a modelagem da transferência de massa durante a
desidratação osmótica de cubos de batatas não revestidos
e revestidos com soluções de alginato de sódio (1%) e
soluções de pectina de baixa metoxilação. O mesmo
modelo também foi aplicado para estudar a cinética da
transferência de massa durante a desidratação osmótica
de maçã, utilizando-se soluções osmóticas combinadas
de sacarose e sal (SACCHETTI et al., 2001).
Os valores de difusividade mássica efetiva
(D e) foram deduzidos via estimação de parâmetros
a par tir da inclinação da curva que relaciona o
Número de Fourier (F o ) em função do tempo de
imersão ( Fo = D e t / r02 ), considerando todos os pontos
experimentais.
3 Resultados e discussão
Durante a desidratação osmótica do mirtilo, o
teor de umidade (x - kg de água/kg de sólidos secos)
em diferentes tempos de imersão foi experimentalmente
obtido para os seis experimentos. Os valores de
teor de umidade de cada curva foram normalizados
(x t/x 0) para uma melhor comparação dos resultados
experimentais e estão plotados em função do tempo de
imersão (Figura 1). A análise das curvas mostra que os
experimentos realizados com temperaturas mais elevadas
apresentam um maior decréscimo no teor de umidade.
Os experimentos realizados à temperatura de 50 °C
foram os que apresentaram maior perda de água com
o tempo. De acordo com Khoyi e Hesari (2007), esse
comportamento é explicado por duas razões, decorrentes
do aumento da temperatura: diminuição da viscosidade
da solução osmótica e aumento da difusividade mássica
efetiva no fruto. Além disto, é possível verificar que, para
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3
4
5
Tempo (h)
(3)
(4)
2
30 °C e 60%
50 °C e 45%
40 °C e 52,5%
50 °C e 60%
Figura 1. Variação do conteúdo de umidade com o tempo de
imersão durante a desidratação osmótica.
uma mesma temperatura, a perda de água é pouco
influenciada pela concentração de açúcar.
Na medida em que as condições de equilíbrio
não foram alcançadas em 5 h de desidratação para
as concentrações e temperaturas de solução osmótica
estudadas, os valores de taxa inicial de transferência
de massa (N0) e concentração de equilíbrio (xeq) foram
obtidos ajustando os dados experimentais ao modelo
de Peleg (Equação 3). Este modelo é uma equação de
dois parâmetros que pode ser empregada para predizer
satisfatoriamente – ou ao menos estimar – valores de
perda de água após longos tempos de exposição a partir
de dados experimentais de tempos relativamente curtos.
Essa equação é um modelo empírico que não é derivada
de nenhuma lei física e de teorias difusivas; por isso, não
leva em consideração os fenômenos físicos envolvidos
(PELEG, 1988).
Contudo, este modelo tem se mostrado capaz
de representar dados experimentais de vários estudos
publicados, assim como no presente trabalho, cujos
resultados são apresentados na Tabela 2. Em todos os
casos, o coeficiente de regressão foi superior a 0,95,
indicando que o modelo previu satisfatoriamente o ponto
de equilíbrio. A variável xeq apresentou valores entre 1,11 e
1,83 g de água por g de sólidos secos. Verifica-se que
xeq diminuiu com o aumento da concentração da solução
osmótica. Já N0 aumentou com o aumento da temperatura
e com o aumento da concentração da solução, tendo
apresentado valores entre 2,48 e 10,12 g água por g de
sólidos secos s-1.
A Figura 2 mostra a variação da perda de água
adimensional (Mt/M∞) em função do tempo de imersão
durante a desidratação osmótica de mirtilo. Mt representa
a quantidade de água perdida no tempo t; M∞ representa
a quantidade de água perdida quando o sistema atinge
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0,12
0,10
0,08
Fo
Tabela 2. Ajuste dos dados experimentais do teor de umidade
ao modelo de Peleg.
Exp. T Conc. a
b
R2
xeq
N0 x 104
(°C) (°Brix)
1
30
45,0 0,23 4028,67 0,95 1,69
2,48
2
30
60,0 0,20 2739,36 0,99 1,23
3,65
3
40
52,2 0,21 2475,77 0,99 1,43
4,04
4
40
52,2 0,19 2048,45 0,99 1,11
4,88
5
50
45,0 0,22 1109,37 1,00 1,83
9,01
6
50
60,0 0,21
988,18 1,00 1,47
10,12
0,06
0,04
0,02
0,00
–0,02
0
1
2
3
4
5
Tempo (h)
30 °C e 45%
40 °C e 52,5%
1,0
40 °C e 52,5%
50 °C e 60%
Figura 3. Número de Fourier em função do tempo de
imersão.
0,8
Mt/M∞
30 °C e 60%
50 °C e 45%
0,6
0,4
0,2
0,0
0
1
2
3
4
5
Tempo (h)
30 °C e 45%
40 °C e 52,5%
30 °C e 60%
50 °C e 45%
40 °C e 52,5%
50 °C e 60%
Figura 2. Variação da perda de água adimensional com o
tempo de imersão.
a condição de equilíbrio. As curvas possuem uma
linha de tendência em que a perda de água aumenta
exponencialmente com o tempo, existindo no início
do processo de desidratação uma alta taxa de perda
de água, seguida de valores menores no decorrer do
tratamento osmótico.
A partir dos valores de variação de perda de água
adimensional, foram obtidos, via estimação de parâmetros,
os correspondentes valores para o Número de Fourier,
utilizando-se a Equação 2. O gráfico do Número de
Fourier versus o tempo de imersão dá origem a uma reta
( Fo = D e t / r02 ), conforme visualizado na Figura 3.
Nos materiais homogêneos convencionais,
assume-se que a taxa de difusão é constante sob a
influência de gradiente de umidade uniforme. Entretanto,
em materiais biológicos, isso não parece ser verdade,
especialmente nos estágios finais do processo. Um
gradiente não uniforme de umidade é desenvolvido com o
decorrer do tratamento osmótico e a difusividade mássica
efetiva deixa de ser um valor constante, passando
a variar com a posição e o tempo de desidratação
(RASTOGI et al., 2000). Em frutas, D e geralmente
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decresce com o passar do tempo devido a fenômenos
de encolhimento e plasmólise das células do tecido.
Nsonzi e Ramaswamy (1998) avaliaram o encolhimento
do mirtilo durante o processo de desidratação osmótica e
observaram que o encolhimento após 4 h de tratamento foi
inferior a 10%. Contudo, na Figura 3, é possível perceber
que, para as condições deste trabalho, a difusividade
mássica efetiva é independente do tempo, visto que as
retas obtidas apresentam a mesma inclinação durante
todo o tempo de desidratação. Caso houvesse variação
significativa da difusividade mássica com o tempo, as
curvas da Figura 3 deixariam de ter um comportamento
linear para tempos maiores.
A Tabela 3 mostra os valores de difusividade
mássica efetiva da água para diferentes combinações
de temperatura e concentração, obtidas por meio
da multiplicação do raio da esfera ao quadrado pelo
coeficiente angular das curvas apresentadas na Figura 3.
Nessa tabela, observa-se que o ajuste foi bom, pois
os coeficientes de correlação foram superiores a 0,97.
Nota‑se, ainda, que os valores de difusividade efetiva da
água obtidos ficaram na faixa de 0,65 a 2,28 x 10-10 m2 s-1.
Nsonzi e Ramaswamy (1998) determinaram a difusividade
mássica efetiva da água durante a desidratação osmótica
de mirtilos e encontraram valores na faixa de 1,98 x 10-10
a 5,10 x 10-10 m2 s-1. A diferença entre os resultados deste
estudo e os resultados encontrados na literatura pode
ser explicada pela utilização de diferentes cultivares. No
Brasil, vários cruzamentos entre os grupos highbush e
rabitteye (RASEIRA e ANTUNES, 2004) foram realizados
para a obtenção de uma planta mais adaptada às
condições edafoclimáticas locais (SILVA, 2007). Por isso,
os frutos cultivados no Brasil apresentam características
distintas dos frutos cultivados no Hemisfério Norte,
como: elevado vigor; plantas longevas; tolerância ao
calor e à seca; baixa exigência na estação fria; longo
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Tabela 3. Valores de difusividade efetiva da água para diferentes
combinações de temperatura e concentração da solução
osmótica.
Exp.
T
Conc.
R2
De x 1010
(°C)
(°Brix)
(m2 s-1)
1
30
45,0
0,990
0,65
2
30
60,0
0,974
0,87
3
40
52,2
0,992
1,07
4
40
52,2
0,996
1,14
5
50
45,0
0,984
2,15
6
50
60,0
0,992
2,28
Tabela 4. Análise de variância dos experimentos de desidratação
osmótica do mirtilo.
SS
df
MS
F
p
Concentração de 2,11702 1
2,1170 864,09 0,0216
açúcar (%)
Temperatura (°C) 0,03428 1
0,0343 13,99 0,1663
Falta de ajuste
0,19344 2
0,0967 39,48 0,1118
Erro
0,00245 1
0,0024
Total
2,34720 5
SS representa a soma dos quadrados; df são os graus de liberdade;
MS é a soma dos mínimos quadrados; F é o valor de F calculado; p é
a probabilidade.
período entre floração e maturação; frutos firmes e
com longa vida pós-colheita, e diferentes médias de
massa de matéria fresca e de diâmetro longitudinal de
frutos (ANTUNES et al., 2008). Essas características,
principalmente as morfológicas, fazem com que o
processo de desidratação osmótica do mirtilo produzido
no Brasil seja particularmente diferente.
Ainda na Tabela 3, observa-se que a difusividade
mássica efetiva da água aumenta com o aumento da
temperatura e é pouco influenciada pela concentração
da solução, dentro da faixa de valores estudados. As
maiores temperaturas forneceram os maiores valores de
difusividade mássica efetiva da água, porém temperaturas
superiores a 50 °C podem promover uma maior
degradação dos compostos fenólicos (STOJANOVIC e
SILVA, 2007; KECHINSKI et al., 2010).
A Tabela 4 mostra os resultados obtidos pela
ANOVA para os fatores temperatura linear e concentração
de açúcar linear. A análise desta tabela mostra que,
para um nível de significância de 95%, o efeito linear da
temperatura é significativo e o efeito da concentração de
açúcar não é significativo sobre a difusividade mássica
efetiva da água.
4 Conclusões
O presente trabalho estudou o efeito da concentração
e da temperatura da solução osmótica sobre o mecanismo
de transferência de massa durante a desidratação
osmótica de mirtilo. Os resultados mostraram que a perda
Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 13, n. 2, p. 91-97, abr./jun. 2010
de água é favorecida pelo aumento da temperatura e
pouco influenciada pela concentração de açúcar. Os
experimentos realizados com temperaturas mais elevadas
apresentam um maior decréscimo no teor de umidade.
A difusividade mássica efetiva da água aumenta com
o aumento da temperatura e é pouco influenciada pela
concentração da solução, dentro da faixa de valores
estudados. O modelo de difusão esférica baseado na
solução da Segunda Lei de Fick mostrou-se adequado
para determinar a difusividade mássica efetiva da água
em mirtilos. Os valores de difusividade mássica efetiva da
água encontrados foram de 0,65 a 2,28 x 10-10 m2 s-1.
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