courrier/courrier 14-07-06

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courrier/courrier 14-07-06
c onvidado
6
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AMIR ISSA
Ainda a crise timorense
Petróleo para garantir proventos às gerações vindouras. Onde
EITURAS simplistas e ignorantes em Portugal vêem a
errou ele? Desde logo ao despedir um terço das forças armadas,
crise em Díli como se se tratasse de um braço-de-ferro
convidando à sublevação. Mas também ao manter no Governo
entre agentes pró e antiportugueses. Há até quem assoum ministro com passado criminoso, que lhe arruinou a relação
cie Ramos Horta, o novo PM [primeiro-ministro], a intecom a Igreja e o Presidente, corrompeu a polícia, armou milíresses australianos ou americanos. Nunca deixei de o
cias e atiçou divisões; e que agora se vinga, procurando arrastar
criticar, pessoal e publicamente, sempre que dele discorconsigo o ex-PM. Errou na política salazarenta de não ter dívidei. Mas não cometo a injúria nem o grave erro, de atribuir a
das na banca, mas deixando 80 por cento da população sem
Ramos Horta desígnios hostis a Portugal ou tendentes a reduzir
nada para fazer ou comer. Errou por subestimar a Igreja — num
a influência portuguesa em Timor Leste, e em especial a da
país onde as homilias continuam a ser os «media» — e por
língua — que ele, como ninguém, sempre defendeu como estruesvaziar de poderes o Presidente, desaproveitando-lhe a capaciturante da nação timorense. Só temos de nos culpar a nós por
dade de comunicar com o povo
não se falar já mais português
ANA GOMES
— que ele, PM, por inabilidade,
em Timor — e os nossos profesEurodeputada socialista e ex-dirigente do PS
só conseguia indispor.
sores e os seus alunos, sem rácom Ferro Rodrigues, nasceu em Lisboa há 52 anos.
Mari Alkatiri errou, em sudio, TV e jornais em língua portuDiplomata formada em Direito, foi consultora
ma, porque nunca se libertou da
guesa, conseguiram autênticos
de Eanes em Belém e representou Portugal
matriz totalitária, nem deixou
milagres.
na ONU, Tóquio e Londres. Destacou-se na secção
que a Fretilin dela se libertasse,
Outros comentadores, que
de interesses de Portugal na Indonésia (e tornou-se
como se viu no Congresso do
nunca se deram ao trabalho de
embaixadora), pela defesa do povo de Timor-Leste.
braço no ar. A verdade, é que o
pôr pé em Timor, desunham-se
povo nunca elegeu Alkatiri priagora para nos entranhar uma nomeiro-ministro, como elegeu Xanana Gusmão para a presidênva e redutora esquizofrenia: um «inimigo» estrangeiro dá jeito
cia. Em 2001, o povo foi chamado a escolher uma Assembleia
para explicar insuficiências próprias. E desta vez não é indonéConstituinte, que a UNTAET, por pressa e comodidade, como
sio, é australiano.
tem notado Pedro Bacelar de Vasconcelos, deixou transformar
Os interesses estratégicos de Camberra são naturais: além
em Assembleia Legislativa, convertendo o chefe do partido doda localização charneira já determinante da tentativa de contiminante, a Fretilin, em primeiro-ministro. Já em 2001 Mari Alkanuar no território após a II Guerra Mundial, o apetite australiatiri não conseguia conter a tentação totalitária: em plena campano só poderia ser aguçado pelas perspectivas de petróleo e gás.
nha eleitoral, vangloriava-se de que a Fretilin ia ganhar com 85
Mas os responsáveis timorenses que mais apontam o dedo à
por cento dos votos; e os seus apoiantes ameaçavam os adversáAustrália não só esqueceram estes interesses, como lhes fizerios de ir varrer ruas (na altura protestei junto de Alkatiri; como
ram o jogo: as dissenções intratimorenses aproveitam a quem,
reagiria se só tivesse 60 por cento? Enganei-me por pouco — a
de fora, nem precisa de dividir para reinar. Quanto a Portugal,
Fretilin teve 57,37 por cento dos votos).
sem interesses estratégicos, apenas com obrigações e sentimenClaro que outros actores timorenses também cometeram
tos relativamente a Timor, a distância e a falta de capacidades
erros ao longo desta crise. Incluindo o Presidente Xanana Gusencarregam-se de limitar veleidades interventivas.
mão, que nunca deveria ter-se deixado associar aos militares e
Mantenho que esta crise, aproveitando embora a interesses
polícias revoltosos ou a milícias.
alheios, é de produção timorense. E que o ex-primeiro-ministro,
Uns e outros erros são também nossos — de Portugal e da
que continuo a considerar um homem sério, é o principal rescomunidade internacional, por não investirmos suficientemenponsável. Pela crise e pelo seu prolongamento desnecessário.
te na assessoria política e técnica das instituições timorenses.
Se ele se tivesse demitido mais cedo, as forças estrangeiras talMas ainda podemos compensar. Esta crise abalou Timor Leste
vez nem tivessem de ter sido pedidas. E ele teria saído mostrane a sua imagem internacional. Mas ainda se pode tirar partido
do desapego ao poder e com mais dignidade.
dela como uma oportunidade para reencarrilar a democracia
Mari Alkatiri governou bem nalguns aspectos, em especial
em Timor.
na dura negociação com a Austrália e na criação do Fundo do
L
PALAVRAS DITAS
GEORGE W. BUSH,
Presidente
dos EUA
tã está a perder terreno face à Europa
socialista e ateia. É preciso que isso mude». Rzeczpospolita, Varsóvia
l Respeitador
l Lógica
«Sabem, o problema
da diplomacia, é que é preciso tempo
até que as coisas mexam. Se uma pessoa agir sozinha pode avançar mais rapidamente», explicou o chefe da Casa Branca numa conferência de imprensa em Chicago. Newsweek, Nova Iorque
KUNIO KITAMURA,
presidente do Planeamento Familiar no Japão
TILMAN LAMPARTER,
biólogo alemão
l Concreto
«Em pequenas doses, é um bom fertilizante. Mas uma acidez excessiva é prejudicial à terra e pode destruir ou mesmo matar árvores», explica, falando das
centenas de milhares de adeptos de futebol que urinaram nos espaços verdes do
centro de Berlim. The Observer, Londres
l Observador
«Muito simplesmente, os japoneses não
fazem amor». É assim que explica a diminuição da natalidade no Arquipélago. The
Japan Times, Tóquio
MACIEJ GIERTYCH,
eurodeputado polaco
l Ameaçador
«Actualmente, temos uma enorme falta
de homens de Estado com esta envergadura», disse ao Parlamento Europeu a propósito do general Franco. «A europa cris-
KELSEY MOULTON,
director do jardim zoológico
de Queensland, na Austrália
MARIO VARGAS LLOSA,
escritor peruano
l Decepcionado
«Tenho vergonha de ser amigo de Israel. Israel tornou-se um país superpoderoso e arrogante. É obrigação dos
amigos mostrarem-se altamente críticos em relação à sua política». Disse o
escritor, tradicionalmente considerado favorável a Israel, numa conferência israelo-palestiniana, em Madrid, do «International Freedom Fund». Ha’Aretz, Telavive
«Expô-la num museu seria como vender
a nossa própria mãe à ciência» A propósito da tartaruga Harriet, o mais velho animal
do mundo, que morreu com 176 anos. Foi,
provavelmente, o próprio Charles Darwin
quem a trouxe das ilhas Galápagos (ou Arquipélago de Colombo), no Oceano Pacífico. The Australian, Sidney
ROBERTO CALDEROLI,
vice-presidente do Senado italiano
l Radical
«A vitória de Berlim é uma vitória da nossa identidade, de uma equipa que alinhou lombardos, napolitanos, venezianos e calabrianos e que ganhou contra
uma equipa que sacrificou a sua própria
identidade, alinhando negros, islamitas
e comunistas para obter resultados». Tal
é a conclusão que o eleito pela Liga do
Norte tirou da vitória da Itália contra a França, na final do Campeonato do Mundo de
Futebol. La Stampa, Turim
Um homem
de prestígio
de origem
egípcia,
mas sente-se
profundamente
italiano. Tem 27
anos. O seu primeiro álbum,
Uomo di prestigio («um homem de prestígio»), já está á venda em Itália desde 7 de
Julho. A sua infância? Difícil: «Na minha
escola, éramos três filhos de imigrados. A minha mãe decidiu chamar-me
Massimo para facilitar a relação com os
outros… Isso provocou em mim uma
certa confusão». A sua adolescência?
Turbulenta, pode dizer-se. Beat Street
(1984, um dos primeiros filmes dedicados
ao «hip hop») abre-lhe uma porta; o «rap»
permite-lhe fugir ao seu quotidiano e redescobrir as suas raízes. Após ter lavado
loiça, sido pedreiro e mais tarde empregado de uma livraria, Amir chegou à conclusão de que o «rap» era a sua vocação. Em
1997, gravou um excerto com Masito dei
Colle der Fomento, um grupo conhecido
no meio, e assina o seu primeiro contrato
com a editora Virgin. No álbum, evoca a
sua história e experiências de vida, «sinto-me orgulhoso por ser considerado o
porta-voz dos filhos de imigrados. A Itália ainda não está pronta para a mistura
de culturas, mas isso não tardará». Corriere della Sera, Milão
É
DR
COURRIER INTERNACIONAL
GENTE D’AMANHÃ
NADIA HABIB
Bolos em tempo
de guerra
ATURALMENTE, há a guerra, a vida é terrível, mas as pessoas continuam a querer casar-se. E para o seu
casamento, desejam que tudo seja perfeito. Até em Bagdade», explica esta mulher de 53 anos dotada de um sólido sentido de humor e de paixão pelos casamentos e os bolos, de que fez a sua profissão.
Ah, os bolos! Nadia Habib tem um catálogo completo de fotografias, orgulhosa de
mostrar as suas mais belas realizações —
o bolo representando uma enorme pilha
de embrulhos-presentes ou o bolo com
dez pés de altura, sustentado por uma coroa de balões insuflados com hélio. Evidentemente, como reconhece, os tempos
são difíceis. As flores? Aconselha os
«pombinhos» a recorrerem às artificiais,
pois as verdadeiras tornaram-se inacessíveis. As fitas douradas? Utilizam-se as beges, são mais fáceis de encontrar. No seu
jardim, Nadia Habib instalou dois grandes
geradores e bidões de combustível para
os alimentar. No seu ateliê de costura e
cozinha, trabalha com o marido, a filha e
três assistentes. Cada bolo é motivo de
preocupação. E aquele casamento irá
mesmo realizar-se? Recentemente, uma
tia do noivo morreu num atentado, pouco
antes da data prevista… A multiplicação
das barreiras e dos pontos de controlo
permitir-lhe-á efectuar as entregas a tempo e horas? Nem tarde nem demasiado
cedo senão o creme de manteiga derrete
nem demasiado tarde, caso contrário, a
boda termina, pois os convidados querem regressar de dia. The New York Times
«N