MaquetaciŠn 1

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MaquetaciŠn 1
The city of criticism to the modern movement
Laís Bronstein
Unversidad Federal Rio de Janeiro, Brazil
From the 60’s on, architecture and city turn out to be a binomial found in the different speeches
all over the european and north-american scenarios. Their position coincided through the idea
of the reconciliation of both architecture and city, which Anthony Vidler identified as the “Third
Tipology”. This means that the historical mechanisms of urban analysis of the so-called neorationalists, together with the analytical formalism acclaimed by the Cornell School, would
become the main pieces of the urban interventions inspired on the criticism to the Modern
Movement.
In the various areas of culture and thought, this period pointed out the impossibility of any
unitary synthesis. The end of the metanarratives announced by Jean-François Lyotard shaped
itself in the urban problematic through the coexistence of the different ideas and the exaltation
of the fragmentary character through which the city should be worked. Tipology and urban
morphology, together with the claiming for an autonomous discipline formed the basis for an
intervention in the existing city from those years on.
The first urban experience based on the criticism to the Modern Movement was the IBA –
Internationale Bauausstellung - which took place in West Berlin during the 80’s. Through the
analysis of the speeches and theories on its organization process, we can design a framework
from its more cristalized attitudes and practices, and identify the inflexion points they
promoted in relation to the tradition of the modern architecture and urbanism. IBA, if
considered far beyond its built results, can give us the key to better understand the scope of
such a debate and show us the clear influence it had on the urban interventions that followed,
such as the Olympic Barcelona and Rio Cidade.
[email protected]
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INTRODUÇÃO - REVISÃO E CRÍTICA
Embora as críticas e tentativas de revisão do Movimento Moderno ocorridas nos anos 50 tenham
favorecido a criação de um clima de questionamentos e incertezas no cenário arquitetônico,
será apenas na década de 60 que se cristalizam as teorias que mais tarde serão
convencionalmente chamadas de pós-modernas, e que nas décadas seguintes terão
oportunidade de materializar-se, saindo do âmbito exclusivamente teórico e das pranchetas de
desenho.
A problemática que envolve a arquitetura no chamado período pós-moderno apresenta um
caráter distinto em relação aos gestos revisionistas dos últimos CIAM`s, e uma lógica até certo
ponto externa aos parâmetros da arquitetura moderna, tendo sido em grande parte introduzida
através dos trabalhos de Ernesto N. Rogers na Itália e Louis I. Kahn nos Estados Unidos. A
reformulação da arquitetura através de uma apreciação histórica e fenomenológica constituiu
uma valiosa contribuição destes autores, abrindo um caminho sem volta em direção ao
pluralismo na disciplina. Esta situação é detectada por Simon Marchán Fiz (1982), que inclui o
caso da arquitetura dentro de uma condição cultural mais abrangente: “A arquitetura de nosso
presente se desdobra segundo múltiplos modos de ser cuja unidade não pode ser restaurada,
participa da episteme de nosso momento. A homogeneidade, reflexo mais visível nas histórias
do Movimento Moderno que da sua realidade, se diluiu na heterogeneidade de uma dispersão
de opções que praticam a coexistência, sancionam as diferenças e com frequência nos
submergem no desconcerto. A atual cultura do mosaico, enquanto conjunto de fragmentos
justapostos onde nada é necessariamente universal se não é por convenção, incide
poderosamente, na disciplina arquitetônica.”[1] A impossibilidade de seguir tratando o discurso
arquitetônico a partir de um corpo teórico unitário dará margem ao surgimento de distintas
lógicas de projeto, geradas a partir de várias classes de crítica ao Movimento Moderno.
A ausência de regras ou postulados que orientassem este novo momento confirma uma já
suspeita mudança dos tempos. Tratava-se de um período que se movia por vias negativas,
evidenciando as falhas de seu antecessor, configurando uma outra situação, inabarcável
segundo os critérios rígidos da historiografia do Movimento Moderno e de qualquer síntese
unitária. O fim das metanarrativas anunciado por Jean-François Lyotard(1979) se traduz neste
momento na coexistência de várias posturas cujo fio condutor coincide com o ensimesmamento
da arquitetura como disciplina própria, singularizada por sua tradição formal e sua dimensão de
significados. A idéia de autonomia da arquitetura, argumento de base dos chamados neoracionalistas, se mostra como um foco comum de resistência frente aos dois principais alvos da
crítica ao Movimento Moderno: o funcionalismo e o determinismo histórico.
O Movimento Moderno ao que a chamada crítica pós-moderna faz referência se resumiria a
um conjunto enumerável de princípios formais, sociais e técnicos identificáveis dentro da
produção arquitetônica compreendida entre início e meados do século XX. Seriam estes(Harvard
Architectural Review, 1980): “um método de desenho baseado nos princípios do funcionalismo,
em um determinismo programático e em um expressionismo técnico e estrutural; uma convicção
no potencial da tecnologia e da industrialização; uma preferência estética por formas abstratas
relacionadas ao processo industrial, desprovidas de ornamentação ou referência histórica; e uma
crença positivista, utópica, em soluções universais para o problema da habitação e da moradia
urbana.” [2]
Na esfera urbana destacam-se os modelos inspirados na Carta de Atenas, onde a cidade é
dividida em zonas monofuncionais através de um novo traçado viário e em esquematismos que
ignoravam o tecido existente. Também a dissociação disciplinar entre arquitetura e urbanismo
foi um fator que contribuiu para a transformação do conceito de espaço público. Seria a
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consagração do chamado “modelo progressista” de urbanismo, na definição dada por Françoise
Choay (1965).
Contudo, como já foi dito, é na crítica ao funcionalismo arquitetônico e ao determinismo
histórico que recaem os argumentos centrais destes anos, e da IBA em particular. Ainda que
generalizar toda a produção da arquitetura moderna sob três ou quatro procedimentos
constitua uma injustiça com suas melhores épocas, poucos autores irão poupar ataques neste
sentido. Deste modo, será a sua versão institucionalizada, aquela mais identificada com o Estilo
Internacional e com as intervenções urbanas do segundo pós-guerra, a que se faz referência. A
arquitetura moderna que supostamente deveria renovar-se constantemente e que
contraditoriamente se vê convertida em mais um estilo, e em um conjunto de fórmulas.[3]
A CIDADE REIVINDICADA
Uma vez expostas suas críticas, convém então elucidar a que “cidade” os protagonistas deste
debate dirigiram suas investigações. Assim como o conceito de cidade no Movimento Moderno
estava diretamente relacionado com a emergência de uma sociedade industrial, a passagem
para um novo estágio do capitalismo, caracterizado sobretudo pelo advento de novas
tecnologias e de novos meios de produção revelará um distinto enfoque nos temas urbanos. A
crise dos modelos tidos como ideais implicará na revisão dos valores antes discriminados,
gerando com isto um crescente processo de avaliação e propostas. Desta forma, a cidade a que
se faz referência é aquela cidade real descrita por Giulio Carlo Argan (1984), a cidade existente,
agora convertida em um vasto campo de estudos, tanto de seus aspectos formais e materiais,
quanto de sua história e natureza. Análises morfológicas, de sua imagem, a relação entre seus
espaços públicos e privados, seus monumentos, marcos simbólicos e suas tipologias edilícias são
priorizados por sobre diagnósticos técnicos e quantitativos.
Questiona-se a cidade funcionalista moderna, sua arquitetura padronizada, seus planos em
larga escala, suas promessas de eficácia e ordem, suas previsões de um desenvolvimento
urbano/social ilimitado, sua vocação determinista e suas pretensões universalizadoras. Uma vez
fracassadas grande parte destas intenções, nota-se uma fase de “desmistificação” do papel do
arquiteto e da própria arquitetura, desencadeando discursos menos ambiciosos.
Diferentemente da conotação quase doutrinária do discurso do Movimento Moderno, os
argumentos de sustentação destas novas propostas baseavam-se em vias negativas –
enumerando o não deveria ser mais levado em conta – do que propriamente promovendo a
criação de um novo estatuto, propondo estratégias práticas e procedimentos subjetivos de ação
mais do que impondo modelos herméticos. Bastante heterogêneas em sua formulações, as
inúmeras teorias surgidas a partir dos anos 60 apresentam seu ponto comum na recuperação, ou
simples alusão, sob variados aspectos, da cidade existente. A preocupação com os danos
causados pelas intervenções anteriores é compartilhada por grande parte dos arquitetos deste
momento.
Tal inflexão no pensamento sobre a arquitetura e as cidades é identificada por Anthony
Vidler (1976) como “terceira tipologia”, um conceito que expõe sobre bases cristalinas a questão
da autonomia da arquitetura reivindicada pelas críticas mais consolidadas ao Movimento
Moderno. Para o autor, esta atitude seria uma primeira tentativa de legitimação da disciplina a
partir de sua própria singularidade e auto-formação. O recurso a tipologia edificatória e a
morfologia urbana seriam instrumentos para confirmar a especificidade da arquitetura e das
cidades enquanto estruturas formais. Ao contrário das duas “tipologias” racionalistas anteriores
- a primeira calcada na crença da ordenação racional da natureza, cujo paradigma seria a
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cabana primitiva de Laugier, e a segunda relacionada analogicamente com a natureza da
máquina – a chamada terceira tipologia teria seu ponto de inflexão na não-recorrência a
elementos alheios ao universo arquitetônico para a construção de um discurso. A associação
incondicional da arquitetura com a cidade abre margem para uma interpretação em base
essencialmente formal e histórica da disciplina, desacreditando qualquer elemento ou condição
alheios a sua natureza. Subentende-se aqui também uma dura crítica ao funcionalismo e ao
enfoque positivista em que a disciplina se apoiava até então.
Porém, ao mesmo tempo que se verifica um certo consenso em relação às premissas para a
intervenção urbana, se presencia também uma proliferação de discursos e posturas, que
dispersos em uma infinidade de “ismos”, apresentarão desde um criteriosas, até o pastiche. A
fragmentação e a pluralidade do discurso terão seus reflexos diretos nas intervenções urbanas
subsequentes, tendo sido a IBA (Internationale Bauausstellung) a primeira oportunidade
concreta de reunir e evidenciar tal situação.[4] Dedicado a transformar Berlim mais uma vez no
centro do debate internacional, Kleihues tratará de expor através da IBA o resultado de tanta
teorização sobre a arquitetura e as cidades. A inserção do objeto arquitetônico e de pequenos
trechos urbanos na cidade existente seria a partir de então o seu grande quebra-cabeças.
DE VOLTA À CIDADE EXISTENTE
A idéia de base do programa inicial da IBA estava na conjugação da arquitetura com o
planejamento urbano, que apresentavam-se até então como disciplinas dissociadas. Neste
sentido, o redescobrimento da história da cidade como pré-condição de projeto estava
subentendido, assim como as relações não somente funcionais e socioeconômicas, senão
também filosóficas e principalmente artísticas, que deveriam influir na intervenção urbana.
A cidade, pois, seria uma complexa composição de arranjos espaciais, que por sua vez
corresponderiam a diferentes funções e modos de vida, relacionados a distintos momentos de
formação. Esta também deveria estimular novas soluções relacionadas ao clima cultural de cada
época, atuando como um verdadeiro campo experimental. Para Kleihues, a evolução das cidades
dentro de uma lógica exclusivamente funcional negou qualquer perspectiva de pluralidade e
interlocução entre seus distintos requerimentos. A retomada da cidade existente como objeto
de reflexão e interação, de seu traçado histórico como base constante para futuras intervenções,
aliados a uma arquitetura com ênfase estética (arquitetura como arte) e dotada de identidade e
significados (arquitetura como linguagem), compõem a fundamentação primeira de seus
trabalhos na IBA.
PLURALIDADE E FRAGMENTAÇÃO
A idéia do “centro da cidade como lugar para viver”, lema do setor de construções novas,
apresentava-se como um procedimento difuso, que compreendia um conjunto de trabalhos
divididos entre seminários, investigações, informes, simpósios, mostras e concursos relacionados
a singularidade de cada área de intervenção da Neubau. Esta nova Exposição de arquitetura
seria uma oportunidade de direcionar os trabalhos para as áreas de Berlim ocidental que
encontravam-se em crescente estado de deterioração e abandono. Desta forma, a IBA é vista
como uma inflexão no entendimento mais convencional de “exposição de arquitetura”, não
como algo relacionado a uma idéia central, definitiva e modélica, senão como um processo no
qual os resultados iriam se delineando segundo encaminhamentos menos estáticos. Daí a defesa
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de um pluralismo, entendido como a confrontação simultânea de distintos pontos de vista, e
como a impossibilidade de se chegar a uma teoria única e definitiva.
A aversão a qualquer teoria ou proposta urbana homogeneizadora refletia também uma
crítica de Kleihues aos conjuntos habitacionais construídos em Berlim nestes últimos anos, e o
suporte teórico para sua defesa de uma fragmentação dos projetos entre distintos arquitetos,
uma prática que se tornou recorrente da Neubau. Como na cidade do século XIX, onde cada
edifício difere-se do que lhe é contíguo, mas ao mesmo tempo estabelece uma correspondência
dentro dos padrões de escala, gabarito e alinhamento, a proposta de Kleihues buscava este tipo
de vitalidade. Esta sua postura invoca uma a autonomia de certos elementos - apartamentos,
edifícios, quadras – dentro de um tecido historicamente definido. As questões funcionais, sociais
e formais, diferenciadas em cada solução, e evidenciadas pela participação de distintos
arquitetos, estariam contribuindo assim para imprimir uma maior variedade ao panorama
urbano, dentro de uma ordem preestabelecida.[5]
CRITÉRIOS OPERACIONAIS
A cidade – no caso, a cidade histórica européia - é vista por Kleihues a partir de certas
constantes. Sua maior fortuna está no seu plano, na própria configuração geométrica de seu
traçado, seu assentamento bidimensional, na hierarquia e desenho de seus componentes: ruas,
praças, canais, quarteirões e espaços verdes. Tais elementos traduziriam a memória da cidade,
sua idéia primeira e fundacional, o fator a ser considerado em qualquer intervenção urbana.
Também é o plano o elemento que permaneceria no tempo, fazendo presente esta memória.
Kleihues identifica na construção dos edifícios a representação tridimensional do desenho da
cidade, sua estereometria, a relação entre matéria e o espaço. Os edifícios como obra de
arquitetura traduziriam a feição espiritual, cultural e intelectual de cada lugar, sua imagem.
Trasladando suas considerações para Berlim, Kleihues promoverá através da IBA a
reconstrução de determinados trechos da cidade segundo o seu traçado urbano original e de
variações em torno deste. Ainda que Berlim apresentasse uma situação particular dentro do
contexto europeu, a única maneira de promover uma intervenção criteriosa, era para o autor, a
partir destas diretrizes. Aplicando uma estratégia diferenciada segundo cada área, a
reconstrução crítica de Kleihues objetivou uma “pluralidade na totalidade”. Por totalidade leiase memória histórica; e por pluralidade, a inserção de Berlim no debate arquitetônico do
momento.
A RECONSTRUÇÃO CRÍTICA DE JOSEF PAUL KLEIHUES
O termo reconstrução crítica cunhado por Kleihues em meados da década de 80 - e portanto,
quando os trabalhos da IBA já estavam em estágios avançados - é talvez a denominação mais
politicamente correta que o arquiteto encontrou para resumir e divulgar o processo conduzido
por ele na Neubau, inicialmente conhecido como “o centro da cidade como lugar para viver.”[6]
Posteriormente, Hans Stimmann irá apropriar-se deste mesmo termo para enquadrar o seu
trabalho desenvolvido após a queda do Muro, porém, tratava-se da importação fechada e
acrítica de um modelo para contemplar solicitações bastante distintas das que desencadearam o
processo da IBA.
A reconstrução crítica de Kleihues nos interessa aqui como uma classe de manifesto do
autor em defesa da pluralidade. Pluralidade no sentido de basear seu trabalho na
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experimentação e na participação simultânea e ativa dos arquitetos expoentes do quadro
internacional no processo da IBA. Pluralidade também no entendimento de Kleihues da
inexistência de uma linha única de pensamento no quadro da arquitetura do momento. E
pluralidade, por fim, por querer retratar através da IBA este momento singular e multifacetado
decorrente da crítica ao Movimento Moderno.
A primeira vista um mecanismo regulador de recomposição do tecido urbano oitocentista
de Berlim, a reconstrução crítica foi, na realidade, um processo que buscou contemplar alguns
dos eixos teóricos mais destacados do momento, mostrando-se muito variada e até certo ponto
eclética quando considerada a partir de seus interstícios. Esta, entretanto, não foi um projeto
individual de Kleihues, senão todo o seu contrário. Kleihues atuou como uma espécie de
regente de orquestra, sintonizando ao mesmo tempo os mais variados discursos do momento. A
reconstrução crítica resultou ser um collage de fragmentos da crítica ao Movimento Moderno,
por ele utilizados para compor sua desejada “pluralidade construída”. Neste collage,
identificamos seis arquitetos cujas aportações participaram da construção prática e conceitual
dos trabalhos de Kleihues, construção esta que estratificamos a seguir de acordo com os
distintos graus de influência que teve cada um destes autores.
ALDO ROSSI E COLIN ROWE
Como primeiras influências – aqui consideradas como a base inegociável do discurso de fundo
desta Exposição, e por assim dizer, sua “fonte conceitual primária,” estão as figuras de Aldo
Rossi e Colin Rowe. Em ambos, assim como também nos demais autores estudados, a
consideração da cidade existente como ponto de partida é o eixo comum que os alinha frente a
crítica ao Movimento Moderno.[7]
O discurso de Aldo Rossi, exposto em sua maior parte em L´Architettura della Città, é
importado para o contexto berlinês em vários aspectos que o identifica como um dos
representantes mais influentes da vertente neo-racionalista da crítica pós-moderna. A
sistematização dos estudos sobre a cidade, que se reflete na necessidade de criação de uma
ciência urbana, e a individualização dos diversos níveis formais através de estudos tipomorfológicos foi um dos eixos privilegiados.
A faceta rossiana da reconstrução crítica continuava presente através dos componentes
subjetivos da sua teorização, que por sua vez correspondiam com a apelação poética do
racionalismo invocado nos textos de Kleihues. O mecanismo de analogia do processo
compositivo de Rossi, e seu conceito de locus se traduziam na importância conferida pela IBA
para a arquitetura como imagem e como geradora de sensações. Estes procedimentos se
colocam como uma crítica a negação da dimensão de significados por parte da arquitetura
moderna.
É inegável pois, a influência de Rossi. Sem embargo, existiu outro fator da equação de base
dos trabalhos da IBA que amenizou, e de certa maneira distendeu, a rigidez que o roteiro
rossiano poderia proporcionar se aplicado literalmente. A ordem de Rossi é subvertida nesta
Exposição ao serem conciliadas suas sérias intenções com o tom provocador dos escritos de Colin
Rowe. Rossi e Rowe, unidos pelo privilégio dado a arquitetura das cidades como operação
formal, ocupam os dois extremos da balança conceitual de Kleihues. Isto quer dizer que dois dos
teóricos de maior peso no debate destes anos foram os mentores não declarados desta
Exposição.
A influência de Rowe está mais presente nesta equação conceitual do que a primeira vista
possa parecer. A reconstrução crítica foi, na sua intenção original, um incentivo a
experimentação e uma chamada a convivência de variadas concepções de projeto e convicções
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ideológicas dentro de um tecido urbano existente. A certeza de que a problemática urbana
somente poderia ser tratada por partes, promovendo um amplo laboratório experimental de
formas é um denominador comum entre a IBA e as idéias consagradas em Collage City, que por
sua vez remetem-se aos métodos de análise e compositição privilegiados nas décadas de 60 e 70
pelo Urban Design Studio da Escola de Cornell. Também é um procedimento em consonância
com as idéias de fragmentação e pluralidade defendidas por teóricos da pós-modernidade em
outros campos da cultura.
A concepção de espaço público como ente formal, e a certeza que a qualidade urbana passa
necessariamente por uma precisa delimitação física é de clara inspiração “roweniana”. Isto quer
dizer que o objeto arquitetônico cumpre seu maior papel quando é considerado como
conformador de espaços abarcáveis, e como agente qualificador de realidades singulares. Este
procedimento representa a oposição de Rowe, e da IBA, a idéia de espaço abstrato e contínuo
do Movimento Moderno. Também a visão da cidade como uma variada composição de cheios e
vazios, e o equilíbrio tenso entre suas diversas partes, parece ser mais um ponto destacável de
afinidade com Colin Rowe. Este aspecto reflete o rechaço, por parte da IBA, do privilégio dado
pela arquitetura moderna à construção de objetos autônomos e isolados.
OSWALD MATHIAS UNGERS E ROB KRIER
Se Aldo Rossi e Colin Rowe estavam na base deste pensamento diretor da Exposição, outros
autores participaram de maneira menos decisiva, sem contudo deixar de serem influentes, na
reconstrução crítica. Como derivações dos discursos de Rossi e Rowe, ou como fontes conceituais
secundárias, destacamos os trabalhos de Oswald Mathias Ungers e Rob Krier, dois personagens
de peso da crítica destes anos.[8]
A influência de Ungers manifesta-se por ser um autor que compartilha grande parte das
convicções de Kleihues, tendo também ele direcionado seus trabalhos a partir de uma síntese do
pensamento de Rossi e Rowe, fato que confirma a transcendência que tiveram as formulações
destes dois arquitetos na consolidação da crítica ao Movimento Moderno no contexto alemão.
Ungers trabalha rigidamente guiado pela pesquisa tipológica, ao mesmo tempo que desenvolve
uma metodologia bastante curiosa de intervenção urbana, numa operação que mescla
procedimentos neo-racionalistas, com o formalismo analítico da Escola de Cornell - Instituição
onde lecionou por vários anos. Seu conceito de cidade como “arquipélago” e suas idéias sobre o
redirecionamento urbano de Berlim no que ele denominou “cidade na cidade”, são construções
surgidas a partir da certeza de que qualquer atitude deveria ser pensada a partir de distintos
fragmentos, e que a experimentaçao tipológica seria um mecanismo privilegiado de conferir
maior variedade ao panorama urbano.
Os estudos levados a cabo por Ungers nas Sommerakademies de Berlim nos anos 1977 e
1978 funcionaram quase como ensaios prévios para os experimentos da IBA que não podem ser
ignorados em nenhuma pesquisa sobre esta Exposição. Em definitiva, a influência de Ungers nos
trabalhos se dá por esta lente meio rossiana, meio roweniana de análise urbana e investigação
formal, aliados a uma excessiva fidelidade entre seu discurso e os projetos apresentados.
A influência de Rob Krier na fundamentação da IBA é, por assim dizer, bastante menos
culta. Por serem suas teorias sobre a cidade demasiado cristalinas, seus reflexos nesta Exposição
ocorreram de forma nada conflitiva. Rob Krier oferece a seus ouvintes um léxico bastante
detalado de como intervir no espaço urbano, reduzindo as inquietudes de Rossi e o discurso
neo-racionalista a um manual muito variado de formas urbanas politicamente corretas.
Resgatando o trabalho de Camilo Sitte, o modelo de cidade aclamado por Krier se projeta na
IBA quando contemplamos o lado mais ordenado deste evento.
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A opção por desmembrar os projetos maiores entre vários participantes assim como a
tentativa de reduzir a escala dos trechos urbanos, proporcionando percursos menos extensos,
são aspectos que provém dos esquemas de Krier e de suas experiências anteriores em Berlim, e
que se opõem frontalmente aos grandes planos promovidos pelo urbanismo moderno. A IBA se
aproveita da objetividade das propostas de Krier para disciplinar as intervenções através da
delimitação formal de ruas, praças e quarteirões. Este lado regulador foi o resultado material
que mostrou ser o mais transcendente de toda Exposição, e o fator que adjudicou ao termo
reconstrução crítica uma interpretação bastante limitada na coordenação dos projetos para a
cidade reunificada encabeçados por Hans Stimmann.
JOHN HEJDUK E CHARLES MOORE
Se as figuras de Aldo Rossi, Colin Rowe, Oswald Mathias Ungers e Rob Krier compuseram as
partes principais do quebra-cabeças conceitual da reconstrução crítica, esta também concedeu
espaço a outras participações pontuais que funcionaram como contribuições periféricas. Este é o
caso dos arquitetos John Hejduk e Charles Moore, também protagonistas de importantes
vertentes do discurso da época, mas que tiveram uma influência pouco marcante no processo da
IBA[9].
Parecendo querer esconder-se detrás de suas máscaras[10], o trabalho de Hejduk traduzia
uma refinada construção de pensamento, manifestada através de uma interpretação quase
“autista” da arquitetura. O fato de ter sido a IBA sua primeira oportunidade para construir
edifícios “de verdade”, aliado a séria irreverência de seus projetos, demostraram ser argumentos
suficientes para incluir-lo neste estudo em detrimento de outros autores com aportações afins.
Seus projetos constituem na IBA um contraponto frente as demais posturas claramente
contrárias ao discurso do Movimento Moderno. O trabalho de Hejduk exerceu uma crítica
silenciosa que não deixa entretanto, de postular-se de maneira contundente frente ao debate
destes anos.
Através de suas estruturas, Hejduk desmistifica qualquer conotação funcional ou apelação
humanista que a arquitetura possa ter. Seus projetos para a IBA – Vítimas e Berlin Masque - se
dissolvem em um sem-fim de fragmentos que não objetivam a nenhuma unidade, desterrando
qualquer tipo de visão totalizadora. Inclassificável segundo parâmetros convencionais de
projeto, a obra de Hejduk contribuiu ao processo da IBA ao apresentar a interpretação mais
radical do debate acerca da intervenção urbana. Seus projetos refletem uma atitude
extremamente resignada, e por sua vez em extrema consonância com o fenômeno da pósmodernidade na arquitetura.
A contribuição de Charles Moore, por sua vez, foi menos extensa do que aparentou ser. A
enorme publicidade dispensada ao seu conjunto de Tegel transmitiu uma falsa dimensão de seu
papel no processo da Exposição. A influência de Moore como representante da crítica
protagonizada por Robert Venturi no cenário norte-americano esteve apenas timidamente
presente nos trabalhos da IBA. Kleihues parece não haver pactado amplamente com a falta de
rigor e com a ampla hibridez projetual defendida pela facção pop do debate destes anos, ainda
que se identificasse com as inquietudes de seu colega norte-americano no que diz respeito as
restrições figurativas e de significado impostas pela arquitetura moderna. Neste sentido, a
eleição do longínquo setor de Tegel para a construção do projeto habitacional de Moore não
deve ser vista de modo algum como um fato casual.
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DERIVAÇÕES URBANAS DA CRÍTICA AO MOVIMENTO MODERNO
Os vários fragmentos do discurso e prática dos autores estudados, juntamente com os aspectos
destacados da IBA e da crítica ao Movimento Moderno são a seguir recompostos segundo
quatro eixos temáticos. Nestes, nos concentramos em identificar os pontos que mais
transcenderam nas experiências urbanas posteriores e que tiveram na IBA seu primeiro e maior
campo experimental.
O primeiro eixo temático compartilhado pelos autores estudados, foi a mudança de escala
no tratamento da problemática urbana. A cidade vista através de distintas partes constitui uma
aportação que se opôs aos grandes planos promovidos pelo urbanismo moderno, introduzindo
a idéia conciliadora de “projeto urbano”. Neste particular está também implícita uma mudança
no objeto de estudo. A criação de modelos ideais e independentes de uma realidade anterior é
suplantada pela consideração da cidade existente como condicionante inicial de qualquer
trabalho.
Também estão aqui subentendidas a particularização e identificação de distintas realidades
que compõem a cidade. Utilizando os rígidos mecanismos de análise de Rossi e de Ungers, a
reconstrução crítica também se alinha com estes autores e com os chamados neo-racionalistas
por sua associação incondicional da análise urbana em base disciplinar, leia-se, tipologia e
morfologia.
O segundo eixo temático se concentra na relação entre cidade existente e objeto
arquitetônico. Partindo dos instrumentos de análise propostos por Rossi, a IBA opta pelo lado
experimental incentivando relações dialéticas entre as diferentes áreas urbanas, deslocando o
protagonismo do objeto arquitetônico isolado para opções morfológicas que sua inserção no
tecido urbano pode derivar. Mesclando as propostas de Rowe e Ungers, a cidade passa a ser
vista como um somatório de fragmentos de distintas realidades. A pluralidade invocada por
Kleihues e a necessidade de exteriorizar na IBA este momento da arquitetura tem sua
concretização em parte viabilizada pela clara influência destes dois autores. Nestes pontos, se
pode ler a crítica ao método operativo de base funcionalista do Movimento Moderno, e
também, a retomada de um repertório com fundamento disciplinar para o pensamento sobre as
cidades.
A terceira parte se relaciona com o espaço público. Nos trabalhos da IBA esta questão se
converteu numa preocupação condicionante dos projetos, que por sua vez estava
fundamentada em uma concepção antagônica a noção de espaço pautada nos moldes do
urbanismo moderno. Todos os argumentos relativos a identidade urbana, memória ou
significado formulados pelos distintos autores se relacionavam, em último termo, com uma
dimensão formal. Ou seja, a questão do espaço público no debate que propiciou a IBA mostrava
sobretudo a evocação da concepção de espaço tradicional, o espaço como forma, perceptível
como volume, abarcável e claramente delimitado por diferentes arquiteturas.
Operacionalmente isto significou a reconsideração de ruas, praças, quarteirões e pátios
interiores que compunham o tecido urbano oitocentista de Berlim como um guia programático
da intervenção. A soma das aportações de Rossi e de Rowe deu como resultado prático a
interpretação mais redutiva de Krier, pois o experimentalismo inicialmente proposto se viu
muitas vezes comprometido por um ideal urbano pré-estabelecido.
Por último, aparece a questão figurativa. Presente em todos os autores, a utilização em
maior ou menor grau de algum recurso figurativo constituiu outro ponto de mudança patente
em relação aos dogmas do Movimento Moderno. Dita prática, sem embargo, não se relacionou
com uma postura historicista, entendida como a recuperação de alguma ideologia anterior, e
sim como a reutilização de códigos já vistos agora desprovidos dos condicionantes históricos que
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proporcionaram seus respectivos surgimentos. Seria uma crítica a noção de “forma pura”, a
recuperação de uma condição anterior em que a forma estaria associada a um significado. A
necessidade comum de recorrer a códigos, signos, tipos, ou qualquer outro elemento
pertencente a um vocabulário existente confirma o lado poético previsto no declarado
racionalismo de Kleihues, e constitui o diferenciador mais imediato entre as diversas
interpretações individuais, frente ao chamado pela reconstrução crítica de Berlim.
São estes, pois, os pressupostos e procedimentos destacáveis com que a crítica ao
Movimento Moderno pode aderir-se a superfície rugosa de Berlim e ser exportada a
experiências urbanas de outras cidades. São também estes os aspectos que confirmam uma
inflexão de pensamento frente a arquitetura e as cidades, que tiveram na crítica ao Movimento
Moderno seu agente propulsor.
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Notas
[1] MARCHÁN FIZ, S. (1982). “Entre el orden y la diseminación”. Arquitectura, n.238, pp.21-22.
[2] VVAA. (1980). “Beyond the Modern Movement. Editorial”. The Harvard Architecture Review, vol I, pp.
4-5.
[3] Sobre o tema ver MONTANER, J. M. (1993). Después del Movimiento Moderno. Barcelona: Gustavo Gili,
quando fala da existência de uma versão domesticada do Movimento Moderno.
[4] Nos anos 70, destaca-se o caso de Bolonha nos temas da recuperação urbana, porém será apenas no
setor da Neubau da IBA que a inserção de obras novas, conjugadas com o tecido urbano histórico, se
converteu no objetivo principal dos trabalhos.
[5] Cfr. KLEIHUES, J. P. (1987) “The critical reconstruction of the city”. Domus, jul/ago.
[6] O termo “reconstrução crítica” é por primeira vez utilizado por Kleihues em seu texto “La ricostruzione
critica della città” de 1985, que é uma variação de seu texto anterior “Die Anfänge der
Bauausstellung” de 1984.
[7] Aldo Rossi foi vencedor do concurso Kochstrasse/Wilhelmstrasse. Também possui um edifício residencial
construído em Rauchstrasse, dentro do projeto de Rob Krier. Colin Rowe foi consultor científico da
IBA.
[8] Oswald Mathias Ungers participa da IBA com o projeto para o setor de Friedrichvorstadt e para o
concurso da área do Kulturforum (não vencedor). Teve dois edifícios residenciais construídos, um em
Lutzowplatz, outro em Friedrichvorstadt. Rob Krier foi vencedor do concurso de Rauchstrasse, onde
teve dois edifícios construídos, e foi o autor do projeto de Ritterstrasse, com dois edifícos de sua
autoria.
[9] John Hejduk teve três projetos construídos na IBA: um edifício-portal em Friedrichstrasse, um conjunto
de três edifícios no setor de Friedrichstadt sul e uma “villa urbana” no setor de Tegel. Participou em
dois concursos onde obteve menção honrosa, um intitulado “Vítimas”, o outro “Berlin Masque”.
Charles Moore foi o vencedor do concurso de Tegel, onde construiu uma biblioteca e dois edifícios
residenciais.
[10] Sobre o conceito de “máscara” no trabalho de Hejduk, ver: PLA, M. (2000).“Máscaras” in FLORES, R.;
PRATS, E. (Edits.) John Hejduk. House for a Poet. Barcelona: Edicions UPC.
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Bibliografia
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Editori Riuniti.
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