eletroforese de proteínas e imunofixação

Transcrição

eletroforese de proteínas e imunofixação
imunologia
FAN
Anticorpos Antinucleares
1. Introdução
A presença de anticorpos direcionados para antígenos “próprios”, auto-anticorpos,
é uma característica das doenças auto-imunes. Auto-anticorpos são imunoglobulinas
normais, que fazem parte do repertório do sistema imune de pessoas saudáveis. Sendo
assim, apresentam significado patológico apenas na presença de doença, quando
encaixam-se em critérios diagnósticos que utilizam parâmetros não apenas laboratoriais,
mas também clínicos, histológicos e radiológicos (1).
2. Evolução da pesquisa do fator antinuclear (FAN)
A descoberta das células LE por Hargraves, em 1948, marcou o início da pesquisa
moderna sobre a patogênese do Lúpus e do descobrimento dos anticorpos antinucleares. A
formação destas células é resultado da fagocitose por neutrófilos de restos nucleares
sensibilizados por anticorpos para DNA e histonas. Encontra-se positiva em apenas 60 % a
80 % dos casos de LES em atividade. A pesquisa de células LE é um teste obsoleto,
amplamente substituído pela imunofluorescência (2).
A técnica de imunofluorescência indireta foi adaptada para a pesquisa de
auto-anticorpos, em 1957, por Fries. Esta técnica baseia-se na ligação dos anticorpos
antinucleares presentes no soro do paciente, com vários substratos celulares fixados em
lâmina, que contêm os antígenos nucleares e citoplasmáticos. Diversos substratos
antigênicos foram utilizados, como, por exemplo, corte de fígado ou rim de rato, imprint de
fígado de camundongo, leucócitos humanos e diversas linhagens celulares. Estes
substratos foram substituídos largamente por células HEp-2 (FAN-HEp2). Estas células
imortalizadas originam-se de carcinoma laríngeo humano e crescem em monocamadas
sobre lâminas de vidro.
As vantagens do uso de células HEp-2 são (1,2):
‰
‰
‰
‰
‰
possuem antígenos humanos não encontrados em tecidos de roedores e em maior
concentração. Os antígenos SSA/Ro e centromérico estão presentes em grandes
quantidades nestes substratos e ausentes no fígado de rato;
apresentam todas as fases de divisão celular;
possuem uma relação núcleo/citoplasma em favor do núcleo, o que facilita o
reconhecimento de vários rearranjos fluorescentes;
possuem vários nucléolos, permitindo avaliar sua forma de apresentação nos
padrões nucleolares;
têm um citoplasma rico em fibrilas e organelas, fundamentais no reconhecimento
dos padrões citoplasmáticos.
-1-
imunologia
3. Padrões do FAN-HEp2
Os resultados do FAN-HEp2 são liberados de acordo com padrões morfológicos
distintos e com a quantidade de auto-anticorpos que é determinada pelo título. A utilização
da célula HEp-2 permitiu o reconhecimento de mais de 30 padrões nucleares e
citoplasmáticos. O Primeiro Consenso Nacional para a Padronização dos Laudos de FAN em
células HEp-2 padronizou as leituras de FAN, corrigindo a nomenclatura divergente até
então utilizada (vide quadro 1). O II Consenso Nacional para Padronização dos Laudos de
FAN em HEp-2 abordou as associações de cada padrão de fluorescência observado com um
ou mais antígenos celulares e as possíveis associações clínicas de cada padrão/autoanticorpo com doença específica, além de abordar padrões mistos. Por fim o II Consenso
indica que os laudos dos padrões citoplasmáticos presentes que passaram a ser
considerados como FAN positivos, a fim de se valorizar estes achados (3,4).
Quadro 1: Padrões de FAN-Hep2 (3,4)
Padrões nucleares
Padrões citoplasmáticos
‰
‰
‰
Padrão homogêneo
Padrão tipo membrana nuclear
Padrão pontilhado
- Pontilhado pleomórfico
- Pontilhado do tipo pontos isolados
- Pontilhado grosso
- Pontilhado grosso reticulado
- Pontilhado fino
- Pontilhado centromérico
- Pontilhado fino denso
Padrões nucleolares
‰
‰
‰
Nucleolar homogêneo
Nucleolar aglomerado
Nucleolar pontilhado
‰
‰
Citoplasmático fibrilar:
- Citoplasmático fibrilar linear
- Citoplasmático fibrilar filamentar
- Citoplasmático fibrilar segmentar
Citoplasmático pontilhado:
- Citoplasmático pontilhado polar
- Citoplasmático pontilhado c/ pontos isolados
- Citoplasmático pontilhado fino denso
- Citoplasmático pontilhado fino
- Citoplasmático pontilhado reticulado
Padrões relacionados ao aparelho mitótico
‰
‰
‰
Centríolo
Ponte intercelular
Fuso mitótico:
- NuMA 1
- NuMA 2
Padrões mistos
‰
‰
‰
‰
Misto do tipo nucleolar homogêneo e nuclear pontilhado grosso com placa metafásica decorada em anel
(cromossomos negativos)
Misto do tipo Nuclear e Nucleolar pontilhado com placa metafásica positiva
Misto do tipo citoplasmático pontilhado fino denso a homogêneo e nucleolar homogêneo
Misto do tipo nuclear pontilhado fino com fluorescência do aparelho mitótico
Os quadros 2, 3 e 4 incluem a definição dos possíveis auto-anticorpos presentes em
cada padrão com a respectiva relevância destes para a clínica reumatológica. Deve-se frisar
que essas associações antigênicas são relativas, em sua maioria. Portanto, a relevância
clínica do padrão de fluorescência fornece uma orientação provisória, que deve ser
confirmada mediante testes imunológicos específicos para identificação dos autoanticorpos sugeridos no teste de FAN-HEp2 (4).
-2-
imunologia
Quadro 2: Padrões nucleares de FAN HEp-2, principais auto-anticorpos associados e
associações clínicas mais freqüentes (4).
Padrões
Relevância clínica por auto-anticorpos
Nuclear pontilhado
centromérico
Anticorpo anti-centrômero
Esclerose Sistêmica forma CREST; Cirrose Biliar Primária.
Nuclear homogêneo
Anticorpo anti-DNA nativo
Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES).
Anticorpo anti-Histona
Lúpus induzido por drogas; LES idiopático.
Anticorpo anti-cromatina (DNA/Histona, nucleossomo)
Artrite Reumatóide (AR); Artrite Idiopática Juvenil, importante associação com
uveíte na forma oligoarticular; Síndrome de Felty; Cirrose Biliar Primária.
Nuclear tipo membrana
nuclear contínua
Anticorpo anti-lamin e contra envelope nuclear – lamins
Hepatites auto-imunes; Raramente associado a doenças reumáticas (algumas
formas de LES e esclerodermia).
Nuclear pontilhado
pleomórfico/PCNA
Anticorpo contra núcleo de células em proliferação
LES.
Nuclear pontilhado fino
denso
Anticorpo anti-proteína p 75 kDa
Pode ser encontrado em indivíduos saudáveis, Cistite Intersticial, Dermatite
Atópica, Psoríase e Asma.
Nuclear pontilhado tipo
pontos isolados com
menos de dez pontos
Anticorpo anti-p80 coilina
Não apresenta associação clínica definida.
Nuclear pontilhado tipo
pontos isolados com
mais de dez pontos
Nuclear pontilhado
grosso
Anticorpo anti-Sp100 (anti-p95)
Cirrose Biliar Primária; pode ocorrer em diversas outras condições clínicas.
Anticorpo anti-Sm
LES.
Anticorpo anti-RNP
LES; Esclerose Sistêmica (ES); AR; critério obrigatório no diagnóstico da
Doença Mista do Tecido Conjuntivo (DMTC).
Nuclear pontilhado fino
Anticorpo anti-SSA/Ro
Síndrome de Sjögren Primária (SS); LES; Lúpus neonatal e Lúpus Cutâneo
Subagudo.
Anticorpo anti-SSB/La
Lúpus neonatal; LES; SS.
Anticorpo anti-Mi-2
Dermatomiosite, embora raramente ocorra na polimiosite do adulto.
LES: Lúpus Eritematoso Sistêmico.
AR: Artrite Reumatóide.
DMTC: Doença Mista do Tecido Conjuntivo.
ES: Esclerose Sistêmica.
SS: Síndrome de Sjögren Primária.
-3-
imunologia
Quadro 3: Padrões citoplasmáticos e relacionados ao aparelho mitótico, principais autoanticorpos associados e associações clínicas mais freqüentes (4).
Padrões
Citoplasmático fibrilar
linear
Relevância clínica por auto-anticorpos
Anticorpo anti-actina
Hepatite auto-imune, Cirrose.
Anticorpo anti-miosina
Hepatite C, Hepatocarcinoma, Miastenia Gravis. Quando em títulos baixos ou
moderados podem não ter relevância clínica definida.
Citoplasmático fibrilar
segmentar
Anti-α-actinina, anti-vinculina e anti-tropomiosina
Miastenia Gravis, Doença de Crohn e Colite ulcerativa. Quando em títulos
baixos ou moderados podem não ter relevância clínica definida.
Citoplasmático pontilhado
polar
Anticorpo anti-golginas
Raro no LES, SS e outras doenças auto-imune sistêmicas. Relatado na Ataxia
Cerebelar Idiopática, Degeneração Cerebelar Paraneoplásica, infecções virais
pelo vírus Epstein Barr (EBV) e pelo vírus da imunodeficiência Humana (HIV).
Quando em títulos baixos ou moderados podem não ter relevância clínica
definida.
Citoplasmático pontilhado
fino
Anticorpo anti-Histidil t RNA sintetase (Jo-1)
Anticorpo marcador de Polimiosite no adulto. Descrito raramente na
Dermatomiosite.
Citoplasmático pontilhado
com pontos isolados
Anticorpo Anti-EEA1 e anti-fosfatidilserina
Não há associações clínicas bem definidas.
Anticorpo anti-GWB
SS; também encontrado em diversas outras condições clínicas.
Citoplasmático pontilhado
reticulado
Anticorpo anti-mitocôndria
Cirrose Biliar Primária; Esclerose Sistêmica. É relativamente comum o
encontro deste padrão na ausência de anticorpos anti-mitocôndria.
Citoplasmático pontilhado
fino denso
Citoplasmático fibrilar
filamentar
Raramente associado a anticorpos encontrados na Polimiosite.
Aparelho mitótico tipo
centríolo
Anticorpo anti-α-enolase
Em baixos títulos não tem associação clínica definida. Em altos títulos é
sugestivo de Esclerose Sistêmica.
Aparelho mitótico tipo
ponte intercelular
Anticorpo anti-β-tubulina
Pode ser encontrado no LES e na DMTC. Outros anticorpos ainda não bem
definidos podem gerar o mesmo padrão.
Aparelho mitótico
tipo NuMA1
Anticorpo anti-centrofilina ou NuMa1
SS; descrito também em diversas outras doenças auto-imunes.
Aparelho mitótico
tipo NuMA2
Anticorpo anti-HsEg5
Diversas condições auto-imunes com baixa especificidade.
Anticorpo anti-vimentina e anti-queratina
Anti-queratina é o anticorpo mais importante em doença hepática alcoólica.
Descritos em várias doenças inflamatórias e infecciosas. Quando em títulos
baixos ou moderados podem não ter relevância clínica definida.
LES: Lúpus Eritematoso Sistêmico.
DMTC: Doença Mista do Tecido Conjuntivo.
SS: Síndrome de Sjögren Primária.
-4-
imunologia
Quadro 4: Padrões nucleolares de FAN HEp-2, principais auto-anticorpos associados e
associações clínicas mais freqüentes (4).
Padrões
Relevância clínica por auto-anticorpos
Nucleolar aglomerado
Anticorpo anti-Fibrilarina ( U3-nRNP)
Esclerose Sistêmica (ES), especialmente com comprometimento visceral
grave, entre elas a hipertensão pulmonar.
Nucleolar pontilhado
Anticorpo anti-NOR-90
ES; também descrito em outras doenças do tecido conjuntivo, porém sem
relevância clínica definida.
Anticorpos anti-RNA polimerase I
ES de forma difusa com tendência para comprometimento visceral mais
freqüente e grave.
Nucleolar homogêneo
Anticorpo anti-PM/Scl
Síndrome de Superposição da Polimiosite com Esclerose Sistêmica.
Raramente encontrado em casos de Polimiosite ou Esclerose Sistêmica sem
superposição clínica. Outros auto-anticorpos mais raros podem apresentar
esse padrão.
ES: Esclerose Sistêmica.
O soro do paciente com doença auto-imune pode apresentar vários auto-anticorpos
diferentes. Sendo assim, é freqüente o achado de padrões mistos: periférico e homogêneo,
periférico, homogêneo e pontilhado, traduzindo a presença de mais de um auto-anticorpo,
ou de apenas um auto-anticorpo específico (4). Vide Quadro 5.
Quadro 5: Padrões mistos, principais auto-anticorpos associados e associações clínicas
mais freqüentes (4).
Padrão
Relevância clínica por auto-anticorpos
Misto do tipo Nucleolar homogêneo
e nuclear pontilhado grosso com
placa metafásica decorada em anel
(cromossomos negativos)
Anticorpo anti-Ku
Superposição Polimiosite e Esclerose Sistêmica. Podem ocorrer no LES
e Esclerodermia.
Misto do tipo Nuclear e Nucleolar
pontilhado com placa metafásica
positiva
Anticorpo anti-Topoisomerase I (Scl-70)
ES forma difusa. Mais raramente pode ocorrer na Síndrome CREST e
superposição Polimiosite/Esclerodermia.
Misto do tipo citoplasmático
Anticorpo anti-rRNP
pontilhado fino denso a homogêneo LES é mais freqüentemente relacionado à Psicose Lúpica.
e nucleolar homogêneo
Misto do tipo nuclear pontilhado
fino com fluorescência do aparelho
mitótico
Anticorpo anti-NuMa1
SS; pode ocorrer também em outras condições auto-imunes ou
inflamatórias crônicas.
LES: Lúpus Eritematoso Sistêmico.
ES: Esclerose Sistêmica.
SS: Síndrome de Sjögren Primária.
-5-
imunologia
4. Interpretação
O FAN-HEp2 é um teste de triagem, sendo que a interpretação dos seus resultados
deve ser feita com referência à história do paciente e ao estado da doença clínica. Um teste
positivo para FAN-HEp2 isolado não é diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES),
sendo necessário observar os critérios diagnósticos da American Rheumatology Association
(ARA). Podem também estar presentes, em geral em títulos mais baixos (< 1:160), em
outras doenças reumáticas: Artrite Reumatóide, Esclerodermia, Síndrome de Sjögren e
Hepatite auto-imune. Além disto, vários medicamentos podem ocasionar FAN-HEp2
positivo: Hidralazina, Carbamazepina, Hidantoína, Procainamida, Isoniazida, Metildopa,
AAS, dentre outros (1, 10,11).
Indivíduos jovens normais apresentam 37,7% de FAN-HEp2 falso-positivo no título
1/40, 13,4% na diluição 1/80, 5% a 1/160 e 3,3% a 1/320 (5). A incidência de resultados
falso-positivos aumenta gradativamente em pacientes acima de 40 anos, que têm uma
freqüência maior de auto-anticorpos relacionados ao uso de drogas e anticorpos
anti-histonas (1,6).
Após a adoção do HEp2 como substrato, um número crescente de reações positivas
em indivíduos normais ou naqueles com diferentes processos inflamatórios específicos e
inespecíficos, e que não guardam nenhuma relação com doenças reumáticas auto-imunes,
têm sido detectadas (4). Em geral, valores acima de 1:320 são considerados significativos na
avaliação de uma doença auto-imune, entretanto, valores elevados também podem ser
encontrados, ocasionalmente em pacientes sadios (7,8). Outro fato a ser ressaltado na
presença de FAN-HEp2 positivo é a possibilidade de elevações transitórias dos títulos em
indivíduos com processos infecciosos agudos (5,9).
Um teste FAN-HEp2 negativo é uma evidência contra o diagnóstico de LES,
entretanto, podem ocorrer reações falso-negativas em alguns pacientes com anti-SSA/Ro
isolado, anti-Jo-1, anti-P ribossomal, baixos títulos de anticorpos ou na presença de
imunocomplexos. A possibilidade de um indivíduo apresentar LES ativo com FAN-HEp2
negativo é menor que 1%. Nesta situação, os pacientes devem ser avaliados de acordo com
a suspeita clínica quanto à presença anti-SSA/Ro e anti-cardiolipina (4).
O quadro 6 enumera as causas de falso-positivo e falso-negativo do FAN-Hep2 para
LES. É importante lembrar que não existe relação entre os títulos de FAN-Hep2 e a atividade
da doença. Sendo assim, este ensaio não tem utilidade como teste de acompanhamento
dos pacientes (1).
Quadro 6 : Reações falso-negativas e falso-positivas com FAN-HEp2 (1,5,6)
Reações falso-negativas
Reações falso-positivas
‰
‰
‰
‰
Presença de anticorpos anti-SSA/Ro, uma vez que
o mesmo pode ser eliminado durante o processo
de fixação das células na lâmina. A HEp-2 tem
maior sensibilidade para identificação desses
anticorpos em relação ao fígado de rato,
entretanto, falso-negativos podem ocorrer.
Anticorpos anti-DNA de fita simples (ss-DNA)
podem tornar-se inacessíveis após a formação da
fita dupla.
Presença de imunocomplexos ou baixos títulos de
anticorpos.
Durante o uso de corticóide ou outra terapia
imunossupressora deve-se repetir o exame 3
meses após a retirada do medicamento. Neste
caso, o exame deve ser repetido 3 meses após a
retirada do medicamento.
‰
‰
‰
‰
‰
‰
Anticorpos anti-nucleares em títulos mais baixos
(geralmente < 1:160) não são específicos para
nenhuma doença do colágeno e podem ocorrer na
artrite reumatóide, esclerodermia, síndrome de
Sjögren, hepatite auto-imune e indivíduos
saudáveis.
Anticorpos heterófilos.
Drogas: Hidralazina, Carbamazepina, Hidantoína,
Procainamida,
lsoniazida,
Metildopa,
ASS,
Minoxidil, Quinidina, entre outros.
Cerca de 25% a 50% dos pacientes com doença
inflamatória crônica, nas infecções virais agudas,
neoplasias ou estresse psicológico.
Ocorrência espontânea de auto-anticorpos
naturais pode ser encontrada em indivíduos
assintomáticos.
Mieloma múltiplo e Crioglobulinemia.
-6-
imunologia
Deve-se ainda lembrar da possibilidade de variações dos títulos do FAN-HEp2
quando realizado em laboratórios ou dias diferentes. A taxa de concordância de resultados
de uma mesma amostra, em dois laboratórios diferentes, varia de 50% a 71,8% (12,13).
5. Testes específicos para detecção dos auto-anticorpos
Após um teste de triagem positivo (FAN-HEp2) deverá ser feita a pesquisa dos
auto-anticorpos separadamente. Alguns destes testes são marcadores diagnósticos e
outros, marcadores prognósticos ou indicadores de determinadas características clínicas.
Para esta finalidade, várias técnicas podem ser utilizadas, como a imunodifusão,
hemaglutinação, ELISA e imunoblot (14,15,16,17).
5.1. Anticorpos anti-DNA de cadeia dupla ou nativo (ds-DNA): anticorpos contra ds-DNA são
encontrados em cerca de 40 % a 70 % dos pacientes com LES ativo. É o único
auto-anticorpo que foi claramente implicado na patogênese do LES, com formação de
imunocomplexos, deposição renal, inflamação local e glomerulonefrite. Sendo assim, sua
presença está relacionada com maior probabilidade de acometimento renal. O ds-DNA é
encontrado no LES e sua presença é um dos critérios da ARA para o seu diagnóstico.
Porém, não é específico, podendo ocorrer em baixos títulos na Artrite Reumatóide (AR),
Hepatite Crônica Ativa, Lúpus induzido por drogas, Síndrome de Sjögren, Doença Mista do
Tecido Conjuntivo (DMTC), Miastenia Gravis e infecções, como a esquistossomose e
malária. São várias as metodologias disponíveis para detectar os anticorpos anti-DNA,
sendo a imunofluorescência em Crithidia luciliae a melhor, devido à rara ocorrência de
reações falso-positivas. Níveis crescentes ou altos títulos de anticorpos anti-dsDNA
associados a baixos níveis de complemento quase sempre significam exacerbação da
doença ou doença em atividade. Entretanto, os títulos de anti-dsDNA podem permanecer
elevados, mesmo com a remissão clínica da doença. A avaliação clínica é o melhor
parâmetro para determinação da atividade do LES (6,17).
5.2. Anticorpos anti-DNA de cadeia simples (ss-DNA): anticorpos anti-DNA de fita simples
(ss-DNA) são anticorpos diretos contra as bases púricas e pirimídicas. Está presente em
52% dos pacientes com LES, porém não é um teste específico para nenhuma doença, pois
mostra-se positivo em 57% dos casos de Lúpus induzido por drogas, 58% dos casos de
Hepatite Crônica Ativa, 40% dos casos de Mononucleose Infecciosa, 60% dos casos de AR,
7% dos casos de glomerulonefrites crônicas e 15% dos casos de Cirrose Biliar Primária.
Devido a sua baixa especificidade, tem pouca utilidade na avaliação das doenças
auto-imunes. Entretanto, pode ser útil nos pacientes com suspeita de LES, com FAN-Hep2
persistentemente negativo (18).
5.3. Anticorpos anti-histona: histonas são proteínas associadas ao DNA genômico e as suas
subunidades são chamadas nucleossomas. Anticorpos anti-histonas ocorrem no Lúpus
induzido por drogas em 96% dos pacientes, juntamente com anticorpos para o ss-DNA. No
LES pode ser encontrado em 50 % a 70% dos pacientes e na AR, em 20% dos casos. A
procainamida é a droga mais comumente envolvida na síndrome “Lúpus-símile" (20).
5.4. Anticorpos anti-proteínas nucleares (ENA): são anticorpos dirigidos contra proteínas
ribonucleares pequenas, extraíveis pela salina (ENA): RNP, Sm, SSA/Ro, SSB/La, Scl-70 e
outros. Não há vantagem na sua solicitação em conjunto. Devem ser solicitados
isoladamente, conforme indicação clínica (1).
5.4.1. Anticorpos anti-Sm: o anticorpo anti-Sm possui alta especificidade para o LES, porém
com sensibilidade de apenas 25 a 30%, quando a técnica utilizada é a imunodifusão radial
ou imunoprecipitação. Quando realizado por imunoensaio enzimático, reações
-7-
imunologia
falso-positivas podem ocorrer em 23% dos pacientes com AR, 25% dos com Esclerose
Sistêmica (ES), 9% das polimiosites e 2% dos indivíduos normais. Alguns estudos associam
a sua presença com nefrite branda de curso benigno, outros o associam com envolvimento
do SNC e exacerbação clínica da doença (14,21).
5.4.2. Anticorpos anti-RNP: o anticorpo anti-RNP é dirigido contra a fração nuclear das
ribonucleoproteínas (sn-RNP). Aparece em baixos títulos em 30 % a 40 % dos pacientes com
LES, lúpus discóide, AR, síndrome de Sjögren (SS) e lúpus induzido por droga. Altos títulos
de RNP, na ausência de anti-Sm, são fortemente sugestivos de DMTC, quando ocorrem em
95 % a 100 % dos casos. Há uma menor prevalência de acometimento renal em pacientes
com este auto-anticorpo (20,21).
5.4.3. Anticorpos anti-SSA/Ro: os anti-SSA/Ro são anticorpos contra o antígeno Ro, que é
uma proteína citoplasmática ligada ao RNA, cuja função é desconhecida. Está presente em
cerca de 90% dos pacientes com Síndrome de Sjögren primária (SS), e 15% dos casos de SS
associado à AR. No LES é detectado em 40% dos casos, onde marca as seguintes formas
clínicas: Lúpus eritematoso neonatal; Lúpus eritematoso subcutâneo; Deficiência
homozigota de C2 e C4; LES com FAN falso negativo (o antígeno SSA/Ro pode ser lavado
durante a fixação celular levando a resultados negativos na imunofluorescência); LES com
pneumonite intersticial. Pode estar presente em até 15% da população normal (21,22).
5.4.4. Anticorpos anti-SSB/La: o antígeno SSB/La é uma proteína celular ligada a RNAs
pequenos. A presença do anti-SSB/La está fortemente associada à SS, ocorrendo em cerca
de dois terços dos pacientes com esta desordem e no LES, em 10% a 15%. Pacientes com
LES e anticorpos anti-SSA/Ro e anti-SSB/La têm uma evolução mais leve da doença em
comparação com aqueles sem o anti-SSB/La. A técnica utilizada para a dosagem destes
anticorpos é a imunoprecipitação. A taxa de detecção aumenta bastante quando são usados
o teste ELISA, a hemaglutinação e o imunoblot (21,22).
5.4.5. Anticorpos anti-Scl-70 (anti-Topoisomerase I): estes anticorpos são contra a proteína
DNA topoisomerase I. Ocorrem em 75% dos pacientes com esclerose sistêmica progressiva
na sua forma difusa (ESP). Podem ser encontrados em pacientes com fenômeno de
Raynaud, antes do surgimento das manifestações clínicas da ES (9,12).
5.5. Anticorpos anti-Jo-1: estes anticorpos são direcionados para a enzima histidil-T-RNA
sintetase e estão presentes em mais de 30% dos pacientes com Polimiosite. É raro em
pacientes com Dermatomiosite (aproximadamente 10%) e em outras doenças reumáticas.
Existem evidências de que os títulos de anti-Jo-1 podem variar de acordo com a atividade
da miosite e que sua quantificação pode ser útil no seguimento destes pacientes. É
considerado o anticorpo marcador de mau prognóstico da polimiosite e está associado à
Alveolite Fibrosante e SS (20).
5.6. Anticorpos antifibrilarina (U3-RNP): são anticorpos contra a fibrilarina nucleolar e
encontrados em pacientes jovens com esclerodermia. As técnicas utilizadas para sua
detecção são o imunoblot e a imunodifusão (16).
5.7. Anticorpos anti-RNA polimerase I: ocorrem em 4 % a 20 % dos pacientes com ES,
sendo que em 13% na forma difusa. Detectados por imunoblot (16).
5.8. Anticorpos anti-NOR-90: relacionado com esclerodermia e fenômeno de Raynaud. A
realização de imunoblot é necessária para sua identificação (15).
5.9. Anticorpos anti-PM-Scl (PM-1): os anticorpos anti-PM-Scl ocorrem tipicamente em
pacientes com a síndrome de sobreposição polimiosite/esclerodermia, mas também na
polimiosite e esclerodermia isoladas. Estão associados com bom prognóstico (16,23).
-8-
imunologia
5.10. Anticorpos anti-Ku: são anticorpos dirigidos contra um par de proteínas chamadas
P70/80. São encontrados em 50% dos pacientes com Doença de Graves, na esclerodermia
(14 % a 40 %), LES (1 % a 19 %) e na síndrome de sobreposição esclerodermia-polimiosite
(26 % a 55 %). Foram recentemente identificados em 23 % dos pacientes com hipertensão
pulmonar primária, doença freqüentemente associada ao fenômeno de Raynaud, anticorpos
antinucleares e vasculite pulmonar (20).
5.11. Anticorpos anti-Ki: encontrados em 10% dos pacientes com LES associado com
sinovite, pericardite, hipertensão pulmonar e alta prevalência de envolvimento do SNC. São
pouco específicos, sendo também encontrados na Tireoidite de Hashimoto e na doença
pulmonar intersticial isolada (14).
5.12. Anticorpos anti-Mi-2: são anticorpos que reagem com proteínas nucleares não
identificadas. Aparecem na dermatomiosite (Dm), com sensibilidade de 20%. Podem ser
vistos na Dm do adulto, Dm juvenil ou Dm associada à neoplasia e na Cirrose Biliar
Primária (14).
5.13. Anticorpos anti-Hsp-90: têm sido encontrados em 50% dos pacientes com LES e 2 a
6% dos com Polimiosite. A Hsp-90 é uma proteína de membrana e citoplasmática associada
com a função dos linfócitos T e secreção de linfocinas, estando aumentada no soro de
pacientes com LES (26).
5.14. Anti-PCNA: é muito específico para Lúpus, não sendo detectado em outras doenças
reumáticas. É encontrado em 3% a 6 % dos pacientes com LES e, apesar de específicos, não
mostram associação com nenhuma característica clínica (15).
5.15. Anti-Centrômero: são anticorpos dirigidos contra o cinetocore do aparelho mitótico.
Ocorrem em 22% a 36% dos pacientes com esclerose sistêmica. Sua presença correlacionase com fenômeno de Raynaud, e está presente em 98% da forma CREST (Calcinose,
fenômeno de Raynaud, dismotilidade esofageana, esclerodactilia e telangectasias).
Reportado em 22% a 36% dos casos de esclerodermia. Também descrito em casos de
Tireoidite de Hashimoto (15).
6. Referências bibliográficas
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Pardini R. Laboratório nas Doenças Reumáticas. In:
Moreira
C,
Carvalho
MAP.
Reumatologia.
Diagnóstico e Tratamento. 2 ed. 2001; 101-21.
von Mülhlen CA, Nakamura RM. Clinical and
laboratory evaluation of systemic rheumatic
diseases. In: Henry JB. Clinical Diagnosis and
management by laboratory methods. 20th; 974-89.
Pfrimer IAH, Francescantônio PL, von Mühlen CA.
Primeiro Consenso Nacional para Padronização dos
Laudos de FAN HEP-2. Padronização da
Nomeclatura de acordo com o Primeiro Consenso
Nacional Brasileiro.
Francescantônio PL, Cruvinel WM, Guimarães FNC.
Segundo Consenso Brasileiro de Fan HEp-2.
Definições para a padronização da pesquisa de autoanticorpos contra constituintes do Núcleo (FAN HEp2), Nucléolo, Citoplasma e Aparelho Mitótico.
Tan EM, Feltkamp TEW, Smolen JS, et al. Range of
antinuclear antibodies in "healthy" individuals.
Arthritis Rheum. 1997; 40: 1601-11.
Egner W. The use of laboratory tests in the diagnosis
of SLE. J Clin Pathol. 2000; 53: 424-32.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
Vaile JH, Dyke L, Kherani R, et al. Is high titre ANA
specific for connective tissue disease? Clin Exp
Rheumatol. 2000: 433-8.
Wang DY. Serial antinuclear antibodies titre in
pleural and pericardial fluid. The European
Respiratory Journal. 2000; 15: 1106-10.
Craig WY, Ledue TB, Johnson AM, Ritchie RF. The
distribution of antinuclear antibody in normal
children and adults. J Rheumatol. 1999; 26: 914-6.
Hietarinta M, Lassila O. Clinical significance of antinuclear antibodies in systemic rheumatic diseases.
Ann Med. 1996; 28:283-91.
Kavanaugh A, Tomar R, Reveille J, et al. Guidelines
for clinical use of the antinuclear antibody test and
tests for specific autoantibodies to nuclear antigens.
Arch Pathol Lab Med. 2000; 124: 71-81.
Nakamura RM, Ivor L, Hannon WH, et al. Quality
assurance for the Indirect immunofluorescence test
for Autoantibodies to Nuclear Antigen (IF-ANA);
Aproved Guideline. NCCL5 1996; 16:1-15.
Kern P, Kron M, Hiesche K. Measurement of
antinuclear antibodies: assessment of different test
systems. Clin Diagn Lab Immunol. 2000; 72-8.
-9-
imunologia
14. Cabral AR, Alarcón-Segovia D. Autoantibodies in
svstemic lupus erythematosus. Current Opinion in
RheumatoIogy. 1998; 10: 409-16.
15. Cook L. New Methods for Detection of Antinudear
Antibodies. Clin Immunol Immunopathol. 1998; 88:
211-20.
16. Hang L, Nakamura RM. Current concepts and
advances in clinical laboratorv testing for
autoimmune diseases. Clin Rev Clin Lab Sciences.
1997; 34:275-311.
17. Bradwell AR. Immunoflorescent antinuclear antibody
tests. In: Rose NR, Hamilton RG, Detrick B. Manual
of Clinical Laboratory Immunology. 6 th. 2002: 92232.
18. Nakamura RM, Bylund DJ, Tam EM. Current status of
available standards for quality improvement of assay
for detection of autoantibodies to nuclear and
intracellular antigens. J Clin Lab Anal. 1994; 8: 360-8.
19. Nakamura RM, Tam EM. Recent Advances in
laboratory tests and the significance of antibodies to
nuclear antigens in systemic rheumatic diseases.
Clin Laboratory Med. 1986: 6: 41-53.
20. Peng SL, Craft J. Aninuclear antibodies. In: Ruddy:
Kelley’s Textbook of Rheumatology. 2001: 161-71.
21. Slater CA, Davis RB, Shmerling RH. Antinuclear
Antibory Testing. Arch Intern Med. 1996; 156:
1421-5.
22. Scofield RH, Farris AD, Horsfall AC, Harley JB. Fine
specifity of the autoimmune response to the Ro/SSA
and La/SSB ribonucleoproteins. Arthritis Rheum.
1999; 42: 199-209.
23. Osteriand CK: Laboratory diagnosis and monitoring
in chronic systemic autoimmune diseases. Clin
Chem. 1994; 11: 2146-2153.
24. Reeves WH, Satoh M, McCauliffe. Antibody testing by
non-fluorescein isothiocyanate (FITC) methods. In:
Rose NR, Hamilton RG, Detrick B. Manual of Clinical
Laboratory Immunology. 6 th. 2002: 933-950.
25. Richardson B, Epstein WV. Utility of the fluorescent
antinuclear antibody test in a single patient. Ann
Intern Med. 1981; 95: 333-35.
26. Mills JA. Systemic Lupus Erythematosus. New Engl J
Med. 1994; 330: 1871-9.
O Instituto de Patologia Clínica Hermes Pardini dispõe:
Fator anti-nuclear (HEp2)
Soro, líquido pleural, líquido sinovial, líquor.
Método: Imunofluorescência indireta.
Anti-jo-1
Soro.
Método: Hemoaglutinação.
Anti-SCL-70 (Topoisomerase I)
Soro.
Método: Hemoaglutinação.
Anti-DNA nativo (ds-DNA)
Soro.
Método: Imunofluorescência indireta utilizando antígeno Crithidia Luciliae.
Anti-Histona
Soro.
Método: Imunoensaio enzimático.
Anti-Sm
Soro.
Método: Hemoaglutinação.
Anti-RNP
Soro.
Método: Hemoaglutinação.
Anti-SSA/RO
Soro.
Método: Hemoaglutinação.
Anti-SSB/LA
Soro.
Método: Hemoaglutinação.
Anti-PCNA
Soro.
Método: Imunofluorescência indireta.
Anti-Centrômero
Soro
Método: Imunofluorescência indireta.
- 10 -

Documentos relacionados

Padrões de FAN HEp-2, principais auto-anticorpos

Padrões de FAN HEp-2, principais auto-anticorpos Anticorpo anti-golginas (cisternas do aparelho de Golgi): raro no LES, SS e outras doenças auto-imune sistêmicas. Relatado na Ataxia Cerebelar Idiopática, Degeneração Cerebelar Paraneoplásica, infe...

Leia mais

Pesquisa de autoanticorpos em pacientes com Lúpus Eritematoso

Pesquisa de autoanticorpos em pacientes com Lúpus Eritematoso e de provas laboratoriais, inespecíficas e específicas.

Leia mais