Alimentar Mentalidades, Vencer a Crise Global
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Alimentar Mentalidades, Vencer a Crise Global
econômicos P01 Empreendimentos e população local em regiões de florestas tropicais Atas Proceedings ISBN 978-989-8550-19-4 P01 · Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicais Coordenadores Gilberto de Souza Marques (UFPA) [email protected] Indira Cavalcante da Rocha Marques (SEED-AP) [email protected] Nádia Socorro Fialho Nascimento (UFPA) [email protected] Aluizio Lins Leal (UFPA) [email protected] A Amazônia distribui-se por 8 países sulamericanos. Em 1966 a ditadura militar brasileira passou a apoiar a agropecuária na Amazônia e nos anos 1970 iniciou a implantação de grandes projetos energético-minerais (ferro, alumínio, hidrelétricas, etc.). A agricultura familiar foi secundarizada. Políticas similares foram conduzidas por outros países amazônicos. Atualmente há grande produção mineral e do agronegócio, conduzidas por empresas nacionais e multinacionais. Em paralelo, ocorre urbanização desordenada, conflitos fundiários e problemas socioambientais, envolvendo grandes empreendimentos econômicos e a população local (índios, caboclos, seringueiros, etc). Objetivamos analisar este quadro na Amazônia e em outras regiões de florestas tropicais. 2472 | ESADR 2013 GRANDE MINERAÇÃO E POPULAÇÃO LOCAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA1 Gilberto Marques – UFPA, [email protected] Indira Rocha Marques, [email protected] Resumo: A Amazônia, desde a chegada dos portugueses ao Brasil, se constituiu como uma economia primária, sustentada no extrativismo de seus recursos naturais. No final dos anos 1970 esse perfil foi aprofundado, definindo à sua porção oriental a função de região exportadora mineral. O papel desempenhado pelo Estado brasileiro foi fundamental no sentido estabelecer as bases necessárias para tal. Tem-se conformado uma sociedade com fortes características de colônia mineral, presenciando modernas técnicas de extração das riquezas naturais com uma realidade caótica do ponto de vista ambiental e social. Palavras-chave: Amazônia, acumulação capitalista, Estado, colônia energético-mineral Introdução Este trabalho tem como objetivo analisar a trajetória da Amazônia a partir de sua conformação como uma economia primária e extrativista. Destacamos o processo de apropriação dos recursos naturais regionais e o papel desenvolvido pelo Estado brasileiro na associação entre capital estatal e grande capital privado nacional e internacional. Concluí-se que a região vem sendo constituída como uma moderna colônia energético-mineral. Colônia porque sua produção está submissa à lógica da reprodução ampliada de capital na escala nacional e mundial. Moderna pelo fato dos projetos-enclaves de exploração mineral utilizarem técnicas avançadas de apropriação intensiva da natureza. A grande questão que fica é pensar criticamente o lado nada moderno da degradação ambiental e social imposta pelo capital. Para alcançar nossos objetivos, reconstituímos brevemente a economia regional desde a colonização portuguesa e a produção da borracha até a fase dos grandes projetos minerais, procedendo uma análise evolutiva desde a decisão de implantá-los até o momento atual, onde o Estado se apresenta secundariamente na produção - ainda que criando as condições necessárias (infraestruturais, institucionais e financeiras) para a operação dos mesmos. A formação de uma economia primária e extrativista A colonização portuguesa da Amazônia brasileira ocorreu sustentada na conformação de um modelo extrativista, produzindo um verdadeiro genocídio indígena e a uma economia primário-exportadora, com baixa agregação de valor e apropriação bruta da natureza (sem grande incorporação tecnológica). Este modelo refletia as nobreza e burguesia portuguesas, relativamente mais atrasadas, se comparadas as de outros países europeus, particularmente a da Inglaterra. Esta configuração imposta pelos portugueses foi mantida mesmo quando o Brasil declarou sua independência da metrópole luzitana. Nas últimas décadas do século XIX o aumento da demanda 1 Este trabalho teve o título numa Amazônia: uma moderna colônia energético-mineral? numa versão preliminar do mesmo. 1 Atas Proceedings | 2473 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural industrial pelo látex (matéria prima da borracha) fez as atenções internacionais se voltarem para a Amazônia pelo fato de que a hevea brasiliensis (seringueira amazônica) ser a espécie vegetal que melhor respondia às necessidades da indústria. Um grande fluxo de renda se formou na Amazônia. Em sua base estava o trabalhador direto, o seringueiro, que se embrenhava na mata, colhendo o látex que era comercializado por uma cadeia de atravessadores. Como não dispunha de recursos mínimos para realizar a produção, o seringueiro endividava-se junto ao seringalista (controlador do seringal) comprando mercadorias “fiadas” para poder extrair o produto. Os preços eram muito elevados. Por outro lado, era o seringalista que comprava o látex, estabelecendo um preço bastante rebaixado. Resultado: o trabalhador direto era preso numa cadeia de endividamento. Produzia riquezas, alimentando as camadas sociais superiores (seringalistas, comerciantes, exportadores, banqueiros), mas ficava na miséria (MARQUES, 2007; LOUREIRO, 2004). A massa de mais-valia produzida era enorme. Essa forma de organização da produção, o aviamento, foi o meio encontrado pela dinâmica capitalista para gerar, a baixo custo, um montante significativo de riquezas, em grande parte fluindo para a Europa e EUA. A expansão da produção dependia do aumento da força de trabalho, conseguida principalmente através da imigração nordestina (SANTOS, 1980). A massa de capital imobilizada na produção era pequena quando comparada ao volume da força de trabalho, conformando uma pequena composição orgânica de capital (relação entre capital constante e capital variável). Do ponto de vista do capital constante (matérias primas, insumos, máquinas, instalações, equipamentos etc.) sua parcela fixa (máquinas, equipamentos e instalações) era bastante resumida, limitando-se ao barracão (espaço de comercialização dentro do seringal) e similares. Outras partes do capital fixo (como facas, cuias e os demais equipamentos da extração) eram pagas pelo próprio trabalhador. Também não havia processo de industrialização. O látex tinha um beneficiamento mínimo. As bolas de látex eram feitas artesanalmente pelo seringueiro a partir da defumação do produto ainda na mata. Essa produção era dominada pelo capital comercial. Este se remunera na esfera da circulação (compra e venda de mercadorias), de modo que não estimulava o investimento em outros processos. Interessava a apropriação e comercialização primária da natureza local. Esses elementos que interligam a realidade regional à dinâmica da acumulação capitalista no mundo ajudam a explicar o reduzido processo de industrialização amazônica e a permanência de uma economia sustentada no extrativismo tradicional. Quando os preços do látex caíram no mercado internacional2 a partir de 1911 a economia amazônica entrou em profunda crise, prolongada nas décadas seguintes. Essa realidade sofreria alteração no decorrer dos anos 1950 e particularmente com o estabelecimento da ditadura militar em 1964. No final da década 2 Em decorrência da disputa interimperialista que levou a Inglaterra a comandar o plantio da seringueira amazônica em larga escala no Sudeste Asiático. 2 2474 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 de 1950 o governo federal iniciou a construção da rodovia Belém-Brasília, que, além de abrir novo mercado de terras e atrair outros proprietários, tinha como objetivo integrar a região à economia nacional como consumidora de produtos indústrias do Sudeste brasileiro e ao mesmo tempo lhe fornecer matériasprimas.3 A dinâmica do capitalismo internacional também estabeleceria relações com a economia amazônica. Após a Segunda Guerra Mundial consolidou-se uma nova divisão internacional do trabalho (DIT) onde alguns países do 3º mundo, que, em industrialização, passavam a receber filiais de multinacionais. Estas buscavam explorar uma força de trabalho barata e com baixo grau de organização. Aproveitavam-se ainda da proximidade com as fontes de matérias-primas e dos favores distribuídos pelos governos locais. Com isso, garantiam o controle dos mercados destes países e se apropriavam de significativa massa de maisvalia, em grande parte enviada aos seus países de origem por meio da remessa de lucro às matrizes. No caso do Brasil esse novo papel na DIT seria cumprido inicial e principalmente pelo Sudeste. A Amazônia só consolidaria uma função destacada, e com especificidades, no decorrer dos anos 1970, com os grandes projetos minerais. A ditadura militar brasileira impulsionou na Amazônia projetos para a exploração mineral em escala industrial, voltados para o exterior. Mas a primeira experiência deste tipo de extração ocorreu no Amapá. Em 1945, na Serra do Navio, foram descobertas as reservas de manganês, mineral usado na indústria siderúrgica. O minério foi explorado pela mineradora Icomi, que na prática representava os interesses da multinacional norteamericana Bethlehem Steel (LEAL, 2011; MARQUES, 2009). As reservas minerais foram estimadas para exploração por 50 anos, tempo de concessão da mina. A primeira exportação ocorreu em 1957 e no final dos anos 1970 o manganês de alto teor já havia se esgotado. A exploração do manganês ainda permaneceu nos anos 1980, mas em ritmo descendente, sendo encerrada na década seguinte. Deixando um dano ambiental e social de enormes proporções. A Icomi formalmente pertencia ao Grupo Caemi, do empresário Azevedo Antunes, um dos empresários envolvidos nas articulações com os militares golpistas de 1964. Isso lhe rendeu diversos frutos, entre os quais a propriedade do projeto Jari (como sócio majoritário), quando este foi nacionalizado. A atuação da ditadura militar 3 Esse sentido expresso na construção rodovia nos ajuda a entender o insucesso da política proposta pela SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), criada em 1953, que se propôs a implementar uma política de industrialização regional por meio da substituição de importações, incluindo os produtos do Sudeste brasileiro. Essa última era o pólo dinâmico da economia brasileira. Mas apesar de sua força, o processo de acumulação de capital no país não estava tão sedimentado a ponto de impulsionar, apoiar ou aceitar a industrialização em outras regiões. Naquele momento, a dinâmica capitalista exigia o contrário: concentrar e centralizar capital no núcleo central da produção burguesa do Brasil. 3 Atas Proceedings | 2475 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural O estadunidense Daniel Ludwig adquiriu grandes extensões de terra (3,7 milhões de hectares, segundo suas próprias informações) na fronteira entre os estados do Pará e Amapá (rio Jari), nas quais dispunha de controle absoluto, numa área de terras devolutas na União. O empresário com o apoio do presidenteditador Castelo Branco e dos incentivos governamentais montou uma grande plantação de arroz, pinus para a produção de celulose (sobre área de floresta alta), pecuária e ainda uma mineradora para a extração de bauxita refratária. Logo depois, o complexo Jari passou a explorar caulim. O projeto Jari encontrou muitas dificuldades financeiras e o questionamento de um setor dos militares devido à concentração de poder e extensa área de terras em mãos estrangeiras. O governo militar nacionalizou o empreendimento, assumiu as dívidas pendentes e ainda injetou US$ 180 milhões, entregando o complexo a um consórcio de empresários, cujo comando ficou a cargo de Azevedo Antunes, sócio de Ludwig em outros empreendimentos. A atuação de Antunes e Ludwig na Amazônia deixam claro que importantes interesses estavam em jogo e a ditadura militar brasileira se submetia a eles. 4 Em 1966 o governo Castelo Branco lançou a Operação Amazônia, um conjunto de instituições e legislação criada para redefinir a atuação do governo federal na região. A SPVEA foi substituída pela SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) e fundou-se o BASA (Banco da Amazônia) e a Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus). Os incentivos fiscais foram expandidos, incorporando-se fortemente a agropecuária. Outras mudanças, de cunho nacional, também tiveram forte impacto sobre o espaço regional, foi o caso do Estatuto da Terra e do novo Código de Mineração, consolidando a separação entre a propriedade da terra e do subsolo - além de abrir o setor mineral a exploração direta das empresas multinacionais. As mudanças em curso sedimentavam um papel que a região cumpriria particularmente a partir da segunda metade dos anos 1970 no processo de acumulação de capital no Brasil e na divisão internacional do trabalho: ser exportadora de produtos minerais. Uma das definições que subsidiaram a redefinição do papel do Estado na Amazônia sob a ditadura militar era a compreensão de que a região representava um imenso “espaço vazio” que deveria ser ocupado para que o Brasil não sofresse questionamento quanto à sua soberania sobre a mesma. Mas a interpretação do espaço vazio servia aos interesses do grande capital (nacional e internacional) que se associava ao Estado brasileiro para explorar as riquezas naturais amazônicas. Assim, a ocupação dos espaços vazios significava antes de tudo a ocupação das possibilidades de transformar a natureza em mercadoria, e, como tal, obter lucro. Isso ficou evidente durante o seminário de lançamento da Operação Amazônia, realizado a bordo do navio Rosa da Fonseca no trajeto entre Belém e Manaus, sobre o rio 4 Gaspari (2002) fez uma reconstrução da ditadura onde em alguns momentos parece que várias lideranças golpistas não queriam ou não arquitetaram o golpe. Diferentemente, Alves (2005) afirma que a tomada do poder estatal foi precedida de um bem orquestrado movimento de desestabilização do governo Goulart, impulsionado pela Escola Superior de Guerra (ESG) e sustentado no Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e no Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), envolvendo corporações multinacionais, capital brasileiro associado-dependente, governo estadunidense e militares brasileiros. Para Silva (2003), a ESG cumpriu papel central na construção da Doutrina de Segurança Nacional, base necessária para o estabelecimento da ditadura. 4 2476 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Amazonas. Sérgio Cardoso de Almeida, empresário, latifundiário e deputado paulista, foi claro nos objetivos da burguesia nacional em relação à Amazônia: “ao empresário interessa saber onde pode aplicar o seu dinheiro para ganhar mais dinheiro, pois essa é a maneira de atender à patriótica convocação de ocupação brasileira na Amazônia” (FOLHA DE SÃO PAULO, 16/04/1967). O Estado brasileiro respondeu com enormes somas de dinheiro (grosso modo a fundo perdido) e infraestrutura, distribuindo recursos públicos (e se endividando) que se transformavam gratuitamente em capital privado. Assim, consolidava-se a associação entre Estado e capital privado para a “ocupação” da Amazônia. Produção mineral em larga escala: os grandes projetos Essa associação se aprofundaria com as descobertas minerais. Desde o golpe militar de 1964 haviam sido intensificadas das pesquisas geológicas na Amazônia, especialmente na sua porção oriental.5 Importantes reservas minerais foram localizadas. Em 1966, a Codim, subsidiária da Union Carbide, descobriu reservas de manganês na serra do Sereno (Marabá) e em 1967 a United States Steel, através da sua subsidiária brasileira, a Companhia Meridional de Mineração, detectou as reservas de ferro da serra Arqueada (Carajás, com 18 bilhões de toneladas) e de manganês em Buritama. Desde 1968 a região de Carajás vinha sendo estudada pela CVRD (Companhia Vale do Rio Doce). Em 1970, os estudos passaram a ser efetuados pela Amza (Amazônia Mineração S/A), formada pela CVRD (50,9% das ações) e pela United States Steel (com 49,1% das ações). Em 1969 foram descobertas as reservas de bauxita (matéria-prima do alumínio) em Oriximiná, com 1,1 bilhão de toneladas6 (BENTES, 1992; MARQUES, 2007; MONTEIRO, 2005). A Constituição de 1967 estabeleceu que as jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituíam propriedade distinta do solo quando se tratasse de exploração ou aproveitamento industrial. Com isso, possibilitou-se a aprovação do novo Código de Minas (1967), que implantou o regime res nullius, em que o subsolo não teria dono. Esta medida foi acompanhada de outras que criaram a figura da empresa de mineração (sociedade organizada no país, independente da origem do capital) e garantiram o predomínio do setor privado, deixando o Estado com papel suplementar. O governo golpista, ainda que sob um discurso de segurança nacional, colocava descaradamente os recursos minerais brasileiros à disposição dos capitais internacionais.7 No caso da Amazônia, a mudança na legislação mineral se somaria a outras medidas, como o Estatuto da Terra e o estabelecimento dos incentivos fiscais, para sedimentar as bases de um novo e importante papel 5 Amazônia oriental: Pará, Amapá, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão. Em Carajás as estimativas iniciais giravam entre 14 e 18 bilhões de tonelada de ferro. Nestes projetos minerais a exploração ou demonstrou que as reservas eram maiores ou levou (e ainda leva) a descobertas de novas minas. 7 Vale registrar que em 1965 o presidente-ditador Castelo Branco autorizou que parte do levantamento aerofotogramético do país, fosse feito, sem concorrência pública, pela força aérea dos EUA (USAF), de modo que o Bureau of Mines de Washington teve acesso privilegiado das jazidas minerais brasileiras (OLIVEIRA, 1988). 6 5 Atas Proceedings | 2477 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural que a região cumpriria na acumulação capitalista brasileira, em sua dinâmica de capital em nível mundial: ser fornecedora de produtos naturais, particularmente minerais e/ou intensivos em energia. As descobertas minerais exigiam o controle direto da região por parte do Executivo federal. Não se aceitariam contestações. Era exatamente isso que se propunha a fazer um grupo de guerrilheiros que no final dos anos 1960 passou a se instalar no vale do Araguaia-Tocantins. Mas essa era a área de descoberta das principais jazidas minerais e também do mais importante fluxo de entrada dos novos grandes proprietários na Amazônia.8 A ditadura resolveu dizimá-los e aproveitar o fato para “limpar” a região para o capital (mineral e agropecuário) que se propunha instalar na região. No plano internacional, o início da década de 1970 foi marcado pelo choque do petróleo e a crise da economia internacional. Neste cenário, o governo brasileiro elaborou II PND (II Plano Nacional de Desenvolvimento). O plano partia da constatação de que a industrialização pesada almejada pelo governo Juscelino Kubitschek não atingira plenamente seu objetivo. A indústria produtora de maquinário e matérias-primas pesadas fora apenas parcialmente implementada. Buscava-se agora implantar este núcleo mais pesado do setor I da economia, aquele que produz meios de produção, segundo a definição de Marx (2005). Quando eclodiu a crise nos anos 1970 o governo militar decidiu que não seguiria uma política econômica ortodoxa, cortando gastos e adotando medidas recessivas. O objetivo seria completar o ciclo da industrialização pesada, na definição de Mello (1998), iniciada nos anos 1950. Com isso, impunha-se uma marcha forçada à economia nacional (CASTRO, 1985). Essa intenção era reforçada e dificultada pelo fato dos principais governos do capitalismo central buscarem transferir o peso da crise para as demais nações. No final da década de 1970 os EUA adotaram políticas de proteção de sua economia e do dólar, elevando as taxas de juros, e provocando uma subida em cascata das taxas de juros no mercado internacional. O Resultado foi a explosão do endividamento dos países que, como o Brasil, haviam tomado empréstimos para tocar em frente a industrialização retardatária. Pagava-se um preço elevado pela valorização artificial do capital ao nível mundial. Uma parte significativa do capital não percorria o ciclo D-M-D’, aquele que produz mercadoria, mas D-D’, onde dinheiro produz artificialmente mais dinheiro. A intensificação do endividamento externo brasileiro gerava maiores problemas à economia nacional, provocando um estrangulamento cambial. O governo militar buscava então estimular a exportação de mercadorias de modo a obter saldos positivos na balança comercial e com isso pagar as parcelas que venciam da dívida externa.9 A opção por impulsionar o setor produtor de meios de produção pesados, substituindo importações, redefiniu o papel que a região deveria cumprir na reprodução capitalista brasileira. Determinou-se que a 8 9 Incluindo aqui o Mato Grosso, também cruzado pelo mesmo vale. Uma análise interessante do endividamento externo brasileiro e de sua estatização pode ser encontrada em Cruz (1984; 1995). 6 2478 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Amazônia (em particular a porção oriental) a função de ser exportadora de produtos minerais. Assim, o II PND assumiu de fato e definitivamente a região como “fronteira de recursos naturais”, destacadamente minerais, ou seja, território fornecedor de matéria-prima bruta aos países já industrializados. Essa mudança já esboçada desde meados dos anos 1960, agora ganhava mais importância e concretude.10 Um programa referência dessa nova postura foi o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, o Polamazônia (1974), destinado a ocupar os “espaços vazios e à utilização dos eixos viários articulando-se aos projetos de desenvolvimento setorial nas áreas preferenciais” (SUDAM, 1976, p. 46). Entre estes pólos, o de Carajás (em torno das reservas de ferro da Serra dos Carajás, Sudeste do Pará) foi o que recebeu mais atenção do governo federal, o que significou concentração de investimentos e, posteriormente, uma vida própria, conformando o Programa Grande Carajás. Os grandes investimentos do II PDA/II PND se concentravam em transportes, mineração e energia. Os recursos para mineração se localizavam principalmente na exploração do ferro de Carajás e, secundariamente, na bauxita de Trombetas (município de Oriximiná-PA). Somente o investimento em Carajás era equivalente ao montante que o plano havia programado para todo o programa de indústria e serviço. Os investimentos em energia priorizavam a hidrelétrica de Tucuruí. Esta concentração de recursos respondia aos “interesses nacionais” na Amazônia, particularmente à busca de divisas internacionais via exploração de seus recursos naturais.11 Além da crise econômica brasileira, diversos fatores externos pesaram na definição do papel mineral da Amazônia, destacadamente a disputa interimperialista. A corrida pelo controle de novas reservas minerais; o aumento da pressão ambiental nos países industrializados, fazendo com que plantas industriais muito poluentes passassem a ser transferidas para regiões onde a legislação de proteção ao meio ambiente fosse mais branda; a crise econômica mundial e a subida dos preços do petróleo, encarecendo os custos da geração de energia elétrica, levando alguns países monopolistas a voltarem suas atenções para as regiões com enorme potencial energético e mineral; a subida dos juros internacionais e do endividamento dos países desenvolvimentistas, estimulando atividades exportadoras nestes países. O II PND refletiu esta situação, buscou substituir importações e abrir novas frentes de exportação (MARQUES, 2007). Delineou-se assim um processo de ocupação na Amazônia por meio de grandes projetos governamentais e privados: empreendimentos de porte considerável, tecnologia avançada e implementados por complexos empresariais entre Estado12 e capital privado nacional e estrangeiro. Com os grandes projetos energético10 A adequação regional ao II PND foi feita pelo II PDA (II Plano de Desenvolvimento da Amazônia, 1974-1979). A autonomia da SUDAM e das demais instituições locais para elaborar políticas a partir dos reclames regionais ficava definitivamente comprometida. Tratava-se somente de adequar regionalmente as linhas gerais do plano nacional. 11 Afora isso, ainda permaneceu elevado o montante destinado à agropecuária, mas localizado em áreas selecionadas (com destaque aos grandes empreendimentos do Sul/Sudeste do Pará) que totalizaram Cr$ 5 bilhões. 12 O governo federal atuou diretamente na condução de atividades de levantamento e prospecção. Em 1970 fundou-se a 7 Atas Proceedings | 2479 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural minerais a região foi efetivamente inserida na estratégia econômica do capitalismo dominante a nível mundial.13 Assim, em meados dos anos de 1970 vários projetos de grande dimensão começaram a ser implantados na Amazônia Oriental, tais como: projeto Ferro-Carajás e projetos de alumínio (Trombetas e Albrás/Alunorte). Naquele momento o mercado mundial de alumínio estava sob o controle de um cartel formado por 6 empresas: Alcoa (USA), Alcan (Canadá), Alusuisse (Suíça), Kaiser Aluminium (USA), Pechiney (França) e Reynolds (USA). Algumas dessas empresas haviam começado a promover pesquisas na Amazônia no final dos anos 1950. Logo após a descoberta de bauxita no rio Trombetas (município de Oriximiná/PA), a Alcan criou uma subsidiária: a Mineração Rio do Norte (MRN). Nesse mesmo ano (1969) foi iniciado o Projeto Trombetas. Esse empreendimento teve um refluxo em 1972, retomando o nível de produção em 1976/77. Nesse intervalo de tempo, mas precisamente em 1973/74, essa empresa foi reorganizada a partir de um acordo entre Alcan/CVRD, o que levou à incorporação de várias empresas como acionistas - sendo que apenas três eram nacionais, as demais eram estrangeiras. O Ferro-Carajás ficou sob a responsabilidade exclusiva da CVRD a partir de 1977 quando essa empresa adquiriu as ações da US Steel, com “apoio” do Banco Mundial e do Tesouro Nacional (LOBO, 1996; MARQUES, 2007; LEAL, 2010). No caso da Albrás/Alunorte, o projeto foi fruto de um acordo firmado em 1976 entre empresários japoneses do ramo da indústria de alumínio e os governos do Pará e do Brasil, resultando na criação do Complexo Industrial de Barcarena/PA. O governo brasileiro encarregou-se de oferecer a infra-estrutura necessária ao projeto, ficando o governo do Japão responsável pela tecnologia e parcela do financiamento. Esse projeto foi empreendido por um consórcio formado pela CVRD, através de sua subsidiária Valenorte, e a NAAC (Nippon Alumínio Company Ltda.) que era uma associação de 33 entidades, onde o maior acionista era o OECEF (Overseas Economic Fund), órgão do governo japonês (BENTES, 1992). Para o funcionamento das duas fábricas era necessário um grande volume de energia elétrica. Isso levou o governo militar a construir uma mega-hidrelétrica, a de Tucuruí (fundando a estatal Eletronorte para tal), assumindo os custos para si e fornecendo a energia ao empreendimento com uma tarifa subsidiada (também fornecida para a Alumar no Maranhão) que retirava dos cofres públicos até US$ 200 milhões anuais. Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) a fim de produzir conhecimento mineralógico e colocá-lo à disposição das empresas mineradoras. Entre os programas criados, destacamos o Radam (Radar da Amazônia), para fazer o levantamento aeroradarmétrico de 1,5 milhões de quilômetros quadrados da região, visando a ocorrência de minérios. 13 O interesse primeiro do capitalismo monopolista em entrar em projetos como os que foram implantados na Amazônia não é necessariamente a lucratividade dos mesmos, mas sim o controle da produção de matérias-primas vendidas a preços baixos às multinacionais, favorecendo a acumulação de capital na sede dessas empresas. Pode-se obter lucro reduzido ou mesmo prejuízo no local da extração mineral desde que isso signifique a elevação dos lucros na indústria sediada no país imperialista. 8 2480 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 O projeto Albrás (alumínio primário) iniciou sua produção em 1985. Naquele período sua plena capacidade de produção era esperada para a ordem de 320mil t/ano no ano de 1989. Já a Alunorte (alumina) teve postergada a conclusão da sua construção em função de disputas entre a ALCAN (canadenses), ALCOA e japoneses. Afora isso, a implantação do empreendimento interessava muito mais à CVRD do que à NAAC (japoneses), já que esta última objetivava centralmente a produção do alumínio primário. Isto foi evidenciado, na prática, com a saída da NAAC do projeto Alunorte em janeiro de 1987.14 Paralelo a isso, a ALCOA, junto à SHELL e à construtora Camargo Corrêa montaram uma planta industrial (Alumar) para produzir aquilo que a Alunorte produziria. O capital que a construtora incorporou na empreeitada foi exatamente o lucro que ela obtivera na construção da hidrelétrica de Tucuruí – US$ 2 bilhões, segundo Leal (2011). O aprofundamento da crise econômica brasileira no final dos anos 1970 reforçou mais ainda os propósitos do governo federal para a Amazônia, culminando na criação do Programa Grande Carajás (PGC) em 24 de novembro de 1980. O Programa instituiu um regime especial de incentivos tributários e financeiros para empreendimentos localizados na sua área de atuação. Sua direção administrativa coube a um conselho interministerial. A área de influência direta do PGC alcançou 10,6% do território brasileiro e mais de 240 municípios do Maranhão, Pará e Tocantins. A província mineral de Carajás e outras áreas do PGC registram grande incidência de ferro, bauxita, ouro, níquel, cobre, manganês, cassiterita e minerais não-metálicos (COTA, 2007; LÔBO, 1996). Segundo Hall (1991), o PGC originalmente estava estimado em US$ 62 bilhões e tinha como eixo de suas atividades a mineração. O complexo da mina de Carajás (CVRD) formava a espinha dorsal do PGC. No início da década de 1990 o PGC já tinha obtido empréstimo estrangeiro de aproximadamente 1,8 bilhões de dólares do investimento inicial de US$ 4,9 bilhões de dólares até 1990. Loureiro (2004) afirma que o governo brasileiro aceitou a imposição do Banco Mundial e assumiu os grandes volumes do financiamento, de modo que 68% dos investimentos foram decorrentes de recursos diretos do governo ou de suas instituições financeiras. Como retorno aos empréstimos tomados no exterior, o governo brasileiro ofereceu aos “empresários” estrangeiros os investimentos na implantação da infraestrutura: estrada de ferro, barragens, etc. O PGC representou não apenas a perda de controle sobre a área por parte dos governos estaduais da Amazônia, mas também a redução do poder de intervenção das instituições tradicionais. SUDAM, SUFRAMA e BASA não tinham poder de decisão sobre o Programa, nem sobre os projetos minerais especificamente. Esta forma de ocupação, com a grande produção mineral, foi característica da ocupação 14 A retomada da implantação da Alunorte em 1993 foi comandada pela CVRD sob um esquema de financiamento e facilidades fiscais concedidos pelo governo paraense. Montou-se uma nova estrutura acionária, composta pela CVRD com 44,8%, MRN com 24,6%, NAAC com 16,1%, CBA com 5,7% e outros participantes. O projeto teve sua capacidade ampliada para 1,1 milhão tpa de alumina, das quais 700 mil tpa foram destinadas a Albrás. O total dos investimentos foi estimado em torno de US$ 875,6 milhões. 9 Atas Proceedings | 2481 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural do capital monopolista internacional, tornada possível por conta dos interesses comuns entre a burguesia brasileira e a estrangeira com aval e estimulo do Estado brasileiro. Os projetos em torno da grande mineração envolviam interesses e capitais que extrapolavam em muito a capacidade de intervenção da burguesia regional amazônica e tinham como objetivo pilhar os recursos naturais. Podemos perceber que a partir dos anos 1950, mas particularmente no decorrer da década de 1970, desde a rodovia Transamazônica até os Grandes Projetos, ocorre uma significativa ampliação do papel do governo federal na região amazônica. Para isso, usou-se de diversos instrumentos como, por exemplo, os meandros do combate à guerrilha do Araguaia e o GETAT (Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins), criado em 1980, reprimindo movimentos sociais e recolhendo terras. Não é demais constatar a coincidência da área de atuação do GETAT (Sudeste do Pará) com a área de incidência mineral do Programa Grande Carajás e com a área de maior procura por latifundiários do Sul e Sudeste do país. Também neste período a internacionalização econômica da região ganhou novo impulso, colocando seus recursos naturais no mercado internacional, aceitando a “colaboração” dos capitais multinacionais. Do ponto de vista da economia regional, com os grandes projetos ocorreu uma reconfiguração produtiva e relação com o exterior, mas confirmando sua condição de região semi-colonial. Excluindo a produção do manganês amapaense, que entrara em comercialização em 1957, a pauta de exportação amazônica até os anos 1960 sustentava-se em produtos extrativos tradicionais: pescado, castanha-do-Pará, madeira, óleos, etc. No decorrer dos anos 1980 de forma efetiva isso mudou radicalmente, consolidando uma divisão de papéis delineada desde a ditadura militar. A Amazônia ocidental15 teve sua economia hegemonizada pela produção da Zona Franca de Manaus – com componentes importados, montando mercadorias eletroeletrônicas voltadas para o mercado interno brasileiro. Na Amazônia oriental a pauta de exportação foi dominada pelos produtos minerais. Em comum a ambas estavam as atividades agropecuárias. Visualizando a forma de capital predominante na Amazônia, podemos destacar que até os anos 1950 pelo menos o capital mercantil/comercial foi a face que se sobressaiu – e pouco exigiu em investimento na produção. A economia regional centrava-se em produtos extrativos tradicionais. A partir desta década ganha mais visibilidade, consolidando-se posteriormente com os grandes projetos, o capital industrial/financeiro impulsionado pelo Estado - o que exige um montante de investimento produtivo bastante significativo (seja em infraestrutura ou em montagens de unidades produtivas). Para essa nova fase, a presença estatal foi decisiva e extrapolou em muito as fronteiras da SUDAM. Aqui entendemos a tomada de grandes extensões de terras pelo Governo Federal (processo de federalização das terras), até então sob o controle dos governos estaduais. 15 Amazonas, Roraima, Acre e Rondônia. 2482 | ESADR 2013 10 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 É possível perceber que tanto a burguesia regional quanto a burocracia, ficaram marginais na definição da nova fase de desenvolvimento da Amazônia. Não é que a classe dominante local deixasse de compor o bloco no poder (POULANTZAS, 2000), particularmente quanto à composição dos governos estaduais, mas, relativamente, ela perdeu parte do espaço de poder que dispunha. A decisão de ter como centro a mineração (baseada principalmente em Tucuruí-Albrás-Carajás) e alguns poucos produtos exportáveis foi tomada fora da região e levando em consideração os interesses dos grandes capitais, incluindo acentuadamente os interesses multinacionais.16 Apesar dos numerosos e significativos projetos agropecuários aprovados pela SUDAM, o interesse maior do governo federal para a Amazônia não tomava como centro a agropecuária, mas a mineração. Isso poderia até não estar tão claro no final da década de 1960, apesar das indicações já presentes, mas ficou no decorrer dos anos 1970. Contraditoriamente, a fase da mineração, que passa a atrair mais atenção e investimentos do Governo Federal e entra em produção na década de 1980, enfraquece relativamente o principal órgão federal de desenvolvimento regional: há um esvaziamento político e econômicofinanceiro da SUDAM17. Nos anos 1970, aparentemente no auge da SUDAM, gestou-se um projeto no qual a Amazônia integrouse de forma decisiva no processo de acumulação capitalista brasileira (em suas associações com a divisão internacional do trabalho) como fornecedora de produtos naturais, principalmente minerais.18 Constituiuse um projeto impulsionado pelo Estado brasileiro onde a Superintendência (e mesmo a SUFRAMA) seria coadjuvante, de modo que o projeto teria que permanecer vivo e fortalecido, mas ela não necessariamente. Ao mobilizar recursos para a “integração” da Amazônia, o Estado garantiu a inserção de capitais nesta região. Mais que isso: proporcionou a acumulação ampliada para uma fração do capital, respondendo aos interesses da burguesia nacional e multinacional. A própria burguesia regional aceitou um papel subordinado nessa nova fase contente com as terras recebidas e os resíduos (não pequenos se comparados ao capital regional) dos incentivos fiscais. 16 17 18 Bentes afirma que o Programa Grande Carajás foi gestado no exterior via estudos da Amza e, sobretudo, da JICA (Japan International Cooperation Agency). Isso também coincide no decorrer dos anos 1980 com a diminuição dos incentivos fiscais para a agropecuária, levando muitos pesquisadores a equivocadamente localizar a crise da SUDAM e do desenvolvimento regional amazônico nos anos 1980 e na redução dos incentivos fiscais. Cometem esse erro por compreenderem a realidade regional dissociada da lógica de reprodução ampliada do grande capital nacional e multinacional – nesse último, impulsionada pela estratégia de seus respectivos imperialismos. Evidentemente estamos nos referindo particularmente à Amazônia oriental, objeto por excelência destas políticas e da atuação da Superintendência. 11 Atas Proceedings | 2483 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Intensificação da apropriação privada dos recursos naturais Nos Planos de Desenvolvimento da Amazônia (PDA’s) a região foi entendida como “fonte de recursos naturais” e a natureza restringiu-se, de um lado, à matéria-prima e, de outro, à mercadoria na forma de terras para comercialização e acumulação. Seguindo a concepção estritamente economicista e que entende a natureza como um obstáculo ao progresso, documentos e discursos oficiais chamaram a se lutar para vencer as forças da natureza e conquistar dos “espaços vazios” amazônicos; “homens de negócio, vitoriosos em outras partes do Brasil, [...] estais, outrossim, como brasileiros, motivados pelo dever de criar riquezas numa região que hoje representa para todos nós desafio de proporções colossais” (SUDAM apud NAHUM, 1999, p. 37)19. A natureza amazônica, artificialmente separada do homem e compreendida como a-histórica, transformou-se tão somente em fonte de recursos naturais, fator de produção (destacando apenas sua dimensão física) - daí a grande preocupação em desenvolver pesquisas para mensurar o tamanho dos “estoques de matérias-primas” a serem explorados, “ocupação dos espaços vazios” e “avanço da fronteira”. Isso traria consequências terríveis para o(s) ecossistema(s) amazônico(s). Para ocupar áreas mais rapidamente chegou-se, inclusive, a utilizar o “agente laranja” (produto químico usado pelos EUA na Guerra do Vietnam) para desflorestar a mata. O discurso governamental e empresarial pressupunha (ou se procurava fazer crer) que não havia ninguém. E o índio e o caboclo que lá habitavam? Estes, não por acaso, desapareceram no discurso e planos oficiais.20 Após os anos 1980 abriu-se um período de forte aplicação das políticas neoliberais no Brasil. Collor de Mello sofreu o impeachment a partir das imensas mobilizações populares que desestabilizaram as bases de sustentação de seu governo. Seu vice, Itamar Franco, assumiu a Presidência do país, e constituiu as condições necessárias à eleição de Fernando Henrique Cardoso. Em coincidência com Collor estava a adoção do neoliberalismo, que tinha como uma de suas diretrizes principais a privatização das empresas estatais e a abertura da economia brasileira ao capital multinacional. Dentre as “reformas” que a bancada parlamentar do governo aprovou, e que aprofundaram o saque sobre a Amazônia, estavam o fim do monopólio brasileiro sobre o subsolo (e suas riquezas), sobre as telecomunicações e a aprovação da lei de patentes, através da qual o Brasil se comprometeu a pagar pela utilização de uma tecnologia ou procedimento que tenha sido patenteado por uma empresa em outro país. Com isso, se um laboratório multinacional patentear a substância ativa de uma planta amazônica, teremos que pagar para usá-las. Alguns desses laboratórios mantêm ONGs e “pesquisadores” na Amazônia que 19 Essa compreensão já estava presente desde a colonização portuguesa, passando pelo discurso de Getúlio Vargas no Amazonas, mas foi com a ditadura militar que ele foi materializado mais a fundo. 20 A Amazônia carregava assim a noção de atraso, o que expressava uma determinada concepção de progresso como modernidade e industrialização. A integração seria a forma de romper com o que se concebia como atrasado. Essa esperança foi carregada pela própria burguesia regional em relação ao capital nacional. 12 2484 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 usam o conhecimento das comunidades locais para saber a utilização de determinada planta e depois patentear. É uma das formas da chamada biopirataria.21 A Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em 1997, pelo preço de R$ 3,3 bilhões. Somente em reservas de ferro em Minas Gerais e na Serra dos Carajás a empresa contava com 12,9 bilhões de toneladas. Dispunha ainda de R$ 700 milhões em caixa e já dava um lucro anual superior a R$ 500 milhões – valor que cresceria exponencialmente em decorrência do enorme investimento que havia sido feito na companhia pouco antes da privatização. Em condições normais, o preço pago pela empresa representa atualmente pouco mais que o lucro de um mês da mesma. A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no final de 2001, diferente do que se poderia esperar, manteve as linhas gerais da política econômica anterior. Ademais, as privatizações não foram questionadas e ainda se abriu sucessivas linhas de crédito do BNDES à Vale para que ela ampliasse sua produção e também adquirisse outras empresas no exterior. A privatização da Vale é o marco de um novo momento na grande mineração na Amazônia. A ação do Estado, que se apresentava como produtor passa a se localizar na constituição das condições institucionais, legais, infraestruturais e financeiras à exploração do empreendimentos privados.22 Parte do Estado brasileiro ainda permanece em diversos empreendimentos, por meio da posse direta ou indireta de ações dos mesmos, mas o que tem de significativo é que a grande mineração não mais é conduzida formalmente por uma estatal, mas por diversas multinacionais. Deste modo, o novo século assistiu a entrada e generalização de inúmeras empresas minerais explorando produtos diversos no território amazônico. O Pará é um estado que representa bem esse processo. Daqui decorre uma segunda característica da atual produção mineral em solo paraense. Nas primeiras décadas, a produção era extremamente concentrada e facilmente localiza. Era principalmente (1) o ferro e a bauxita, em Parauapebas (Sudeste do Pará) e (2) o corredor do alumínio com a MRN (Oriximiná/rio Trombetas, no Oeste do Pará) e Albrás-Alunorte (Barcarena) – para o qual contavam com a energia de Tucuruí. É verdade que havia outras empresas e minérios em extração, como o caulim do Jari e a bauxita do também Jari e de Paragominas, mas eles não se comparavam em termos de valor aos dois casos citados. Atualmente há uma relativa pulverização de investimentos minerais no território paraense. Falamos em pulverização não em termos de redução do investimento por empreendimento, mas de surgimento de diversos novos projetos de extração mineral, conduzidos pelo grande capital. 21 Fernando Henrique também contratou a Raytheon Company (EUA), por R$ 1,4 bilhão, para montar um Serviço de Vigilância da Amazônia (SIVAM). Usando satélites, aeronaves e outros recursos, a empresa faz o levantamento de nossas riquezas. O governo ainda impôs a chamada Lei Kandir, que exonera do ICMS a exportação de produtos minerais, barateando o preço e com isso aumentando a competitividade artificialmente, mas sangrando ainda mais a arrecadação pública e os recursos. 22 Ações que ele já fazia anteriormente, mas também atuando diretamente na produção. 13 Atas Proceedings | 2485 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural A bauxita de Juruti é um dos casos desta fase atual da mineração na Amazônia. O município de Juruti fica na fronteira com o Amazonas. No ano 2000 a Alcoa iniciou a prospecção nos platôs de Juruti Velho (interior do município), sobre uma área de comunidades ribeirinhas. Em 2005, ela obteve a licença prévia para a instalação do empreendimento extrativista mineral. Em 2006, o projeto estava em instalação, o que inclui porto às margens do rio Amazonas, ferrovia, entre outras. A mina tem uma estimativa de 700 milhões de toneladas métricas de bauxita de alto teor, um dos maiores depósitos do mundo possibilitando a expansão da refinaria da Alumar no Maranhão, também de propriedade da Alcoa. A mina de Juruti tem um planejamento de produção de 2,6 milhões de toneladas métricas anuais. A partir de Juruti a Alcoa já estendeu suas pesquisas para outras áreas da região, como o Lago Grande (que incorpora vários municípios do Oeste do Pará), mapeando a potencialidade mineral e entrando com pedido de lavra junto ao governo brasileiro. Além do fato ser um projeto relativamente novo, o caso da Alcoa/Juruti apresenta uma outra especificidade. A comunidade local se organizou para enfrentar a multinacional. Reunidas em torno da Associação das Comunidades de Juruti Velho (Acorjuve), a população local conseguiu que o INCRA criasse em 2005 o Projeto de Assentamento Agroextrativista de Juruti Velho (PAE Juruti Velho), criando uma institucionalidade que possibilita alguma proteção à comunidade local. Com a intermediação do INCRA, Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual a empresa teve que sentar à mesa com a população para discutir o pagamento pela lavra mineral na área da comunidade e a compensação pelos danos causados. As negociações prolongam-se até os dias atuais, mas a Acorjuve já tem recebido um repasse financeiro da multinacional. Apesar de toda a diversidade mineral da Amazônia, sua pauta de exportação sustenta-se basicamente em cinco minerais, tendo um amplo predomínio do ferro sobre os demais. A China tornou-se o principal consumidor do minério amazônico, seguida por Japão, EUA e países europeus. Principais produtos exportados pela indústria extrativa mineral da Amazônia Legal, 2008/2009 FONTE: MDIC/SECEX – IBRAM (2010) 14 2486 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Com o apoio governamental, que se mantém no governo Dilma Rousseff, ampliou-se a apropriação das riquezas minerais, sociais e biogenéticas. Grandes mineradoras multinacionais estão instaladas em diversos pontos da região. É destacadamente o caso do Pará, mas isso ocorre em toda a Amazônia como, por exemplo, o Amapá, de onde se extrai ouro, ferro e diversos outros minerais, inclusive urânio (comercializado ilegalmente no mercado internacional). O interesse das mineradoras é a extração mineral simples, ou seja, sem beneficiamento, confirmando o papel da região como uma colônia bio-energético-mineral.23 É o caso do ferro de Carajás, que é extraído lavado e colocado nos trens que o levam ao porto no Maranhão para ser embarcado nos navios para o exterior. Essa é a função da Amazônia na atual DIT imposta pela acumulação de capital na lógica da globalização do saque, ditada pelas multinacionais, incluída a Vale. A possibilidade de alguma transformação mineral depende da oferta pública de energia barata, por isso a pressão pela construção de hidrelétricas pelo governos24 Previsão de investimentos pela indústria mineral no Pará até 2015 FONTE: SINMINERAL, 2011. 23 Apesar de não aprofundarmos a temática, incluímos no “bio” a produção do agronegócio (soja, gado, dendê, celulose, etc.), que se apropria da natureza via derruba da floresta e exploração do solo, mas também da exploração descontrolada da biodiversidade amazônica. Ademais, além da extração madeireira ilegal, a biopirataria permanece na impunidade: plantas, animais e recursos hídricos contrabandeados em grande escala. Chega-se ao extremo de haver denúncias de contrabando de água. Grandes navios cargueiros internacionais que transportam mercadorias para a região estariam voltando a seus países carregados com água captada na bacia amazônica. 24 Para estimular a produção mineral (e outros setores em outras regiões do país), o governo federal tem planejado a construção de dezenas de mega-hidrelétricas nos rios amazônicos, algumas já em implementação como é o caso das localizadas no rio Madeira (Jirau e Santo Antonio - Rondônia) e a hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu, no Pará (cujas estimativas de custo da construção chegam a R$ 30 bilhões – é a farra das construtoras) 15 Atas Proceedings | 2487 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Projetava-se até 2014 um investimento na Amazônia Legal de US$ 25,67 bilhões para aumentar a extração mineral e US$ 6,77 bilhões para fazer transformação mineral (beneficiamento). Diante dos incentivos públicos e construção da infraestrutura de apoio pelo governo, a projeção dos investimentos no beneficiamento foi expandida - o que não significa necessariamente que estas promessas sejam concretizadas pelas multinacionais. Assim, pelos levantamentos feitos no início de 2011, os investimentos previstos até 2015 somente no estado do Pará totalizam US$ 27,031 bilhões na extração mineral. A esse montante se somam US$ 2,704 bilhões em infraestrutura e transporte que significam inversão em portos e na Estrada de Ferro de Carajás, respondendo aos interesses imediatos da apropriação bruta de nossas riquezas naturais. A transformação mineral soma US$ 11,356 bilhões previstos. Os investimentos na extração mineral e em infraestrutura totalizam-se 71% do que se planeja até 20015. O minério extraído in natura da Amazônia se transforma em geração de mais riqueza e emprego nos países para onde se exporta. Proporção dos investimentos minerais planejados no Pará até 2015 FONTE: SINMINERAL (2011), elaboração do autor. Ainda que em 2009 a economia regional tivesse sofrido forte redução nos preços dos minérios (reduzindo conjunturalmente sua participação relativa na economia regional), a pauta de exportação da região manteve a produção mineral como principal setor, com 41% do total exportado. 16 2488 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Participação da indústria mineral no total da exportação da Amazônia Legal em 2009. FONTE: MDIC/SECEX – IBRAM (2010), elaboração do autor. No caso do Pará, essa proporção é muito maior. Em 2010, de tudo que este estado exportou 86% decorreu da produção mineral. Toda essa massa de riqueza produzida poderia ser muito maior se tivesse outra destinação, social, e não apenas o lucro e interesse das multinacionais monopolistas. Como não é assim, ela reforça gritantemente a contradição que opõe riqueza para poucos e miséria para muitos. Participação da indústria mineral no total da exportação do Pará em 2010. FONTE: SINMINERAL (2011), elaboração do autor. Além dos interesses eleitorais imediatos da oligarquia local e de outros setores, como os latifundiários, a proposta de divisão territorial do Pará, criando outros dois estados (Carajás e Tapajós), interessa diretamente às grandes mineradoras (assim como às multinacionais dos grãos), que terão controle mais imediato e amplo das riquezas naturais, negociando com uma burguesia regional ainda mais frágil e vendida. Considerações finais As políticas estatais tomaram o progresso como decorrência do capital. Modernizar era capitalizar a região, romper o seu “atraso”, integrá-la ao restante do país. Aos setores oprimidos não coube perguntar 17 Atas Proceedings | 2489 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural qual o sentido do progresso lhes interessava. Mais que isso: não se acreditou, ou não se quis fazer crer, que eles tivessem a capacidade de contribuir efetivamente para a construção de um projeto de desenvolvimento regional. Eles deveriam ser passivos em um duplo sentido: primeiro, recebendo e assimilando as políticas elaboradas por outros; segundo, não reagindo frente a elas, mesmo quando se chocassem com seus interesses. Neste cenário, a Amazônia, que historicamente se constituiu como uma economia primária e extrativista, ganhou novos contornos na segunda metade da década de 1970, tornando-se um centro exportador de minérios. Para tal foi introduzida uma moderna tecnologia de extração, mas desvinculada dos interesses da população local que tanto almeja um verdadeiro desenvolvimento. A tecnologia dos grandes projetos minerais respondeu e continua a responder os interesses do grande capital nacional e internacional. A outra face da moeda é a permanência e aceleração da degradação ambiental e social. A ação do Estado brasileiro foi fundamental da conformação do novo papel que a Amazônia passou a cumprir na reprodução capitalista nacional. A partir da década de 1990, cujo destaque foi a privatização da CVRD, a apropriação dos recursos minerais amazônicos foi intensificada. A diferença em relação aos anos 1970 e 1980 é que nestas décadas o Estado brasileiro, ainda que servindo aos interesses do grande capital, se apresentava como produtor. Atualmente, a participação estatal é secundária na exploração dos recursos naturais regionais, deixando nossas riquezas diretamente, e sem intermediários, nas mãos das grandes multinacionais, ainda que pintadas de verde e amarelo, como é o caso da Vale. Ainda que a realidade amazônica possa nos levar a certo pessimismo, não podemos deixar de ver que os movimentos sociais, apesar de todas as limitações, nunca deixaram de se mostrar presentes e em muitos casos passaram a ter mais visibilidade. Ademais: estamos diante do desafio histórico de mudar o rumo das políticas públicas sociais e econômicas e construir um projeto alternativo que atribua ao desenvolvimento um sentido social e diametralmente oposto do que foi presenciado até aqui. Isso pressupõe lutar contra a dominação do capital. Referências ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Bauru, SP: Edusc, 2005. BENTES, Rosineide. Um novo estilo de ocupação econômica da Amazônia: os grandes projetos. In: Estudos e problemas amazônicos: história social e econômica e temas especiais. Belém: Secretaria de Estado de Educação/CEJUP, p. 89-114, 1992. CASTRO, Antonio de Barros. Ajustamento x transformação. A economia Brasileira de 1974 a 1984. 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Abordamos as decisões políticas do governo federal e suas consequências sobre a região, entre as quais o apoio estatal à grande propriedade em detrimento dos pequenos produtores. A anti-reforma agrária na Amazônia Com a ditadura militar no Brasil, iniciada em 1964, desenvolve-se o processo de modernização conservadora da agricultura brasileira, modernizou-se o processo técnico de produção, mas mantendo a mesma estrutura concentradora da propriedade fundiária. Ainda que a “modernização” não tenha alcançado a Amazônia tal qual ocorreu no Sul e Sudeste do país, suas consequências (diretas ou indiretas) se fizeram presentes. Palmeira e Leite (1998) afirmam que o lugar estratégico destinado à especulação financeira e à exportação agropecuária e agro-industrial, como fonte de divisas no modelo de desenvolvimento da ditadura militar, foi decisivo para a “escolha da via da modernização conservadora”. A intervenção estatal nesse processo passou, então, por três instrumentos básicos: 1) principalmente pelos créditos subsidiados, que foram concentrados em um pequeno número de “grandes tomadores”; 2) incentivos fiscais às atividades agropecuárias e correlatas, particularmente na Amazônia e Nordeste; 3) política de terras com enorme 1 Este trabalho tem uma versão preliminar sob o título Políticas estatais na configuração agrária da Amazônia brasileira. 1 Atas Proceedings | 2493 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural transferência de terras públicas a particulares, principalmente na Amazônia Legal.2 Além desses elementos, outras políticas também atingiram o setor agrícola/agrário como a construção de grandes obras públicas (hidrelétricas, açudes e estradas, por exemplo), estimulando a especulação fundiária. Dessa forma a “modernização” beneficiou não apenas os latifundiários tradicionais, mas atraiu outros setores e capitais (de origens diversas) para investimentos e especulação. Produziu-se uma associação e coincidência de interesses (“incrustadas” na própria máquina estatal) em torno dos negócios que envolviam a terra. Em 1966 o governo militar lançou a “Operação Amazônia”3. Com ela os créditos governamentais ao setor privado passavam a alcançar até 75% dos recursos necessários à implantação dos projetos. Além da ação da SUDAM, foram desenvolvidos projetos nacionais com impactos regionais como o Programa de Integração Nacional (PIN, responsável pela construção da rodovia Transamazônica), o Programa de Redistribuição de Terras (Proterra) e o próprio I Plano Nacional de Desenvolvimento (IPND). Os incentivos fiscais inicialmente restritos à indústria, logo migraram acentuadamente para a pecuária, provocando intensa busca por terras para a conformação de fazendas. Para isso, os grandes proprietários recorreram aos mais variados métodos, legais ou não. Parte componente da Operação Amazônia, a Lei nº 5.174/66 colocou a agropecuária, na prática, como setor privilegiado na distribuição dos incentivos fiscais na Amazônia oriental brasileira.4 Segundo os dados do ministro do interior daquele período (LIMA, 1971), já em 1967 a agricultura/agropecuária abocanhou 73% dos recursos provenientes dos incentivos fiscais. Isso não representou uma simples compensação à oligarquia regional, mas o movimento de configuração de um novo projeto para a região, onde mesmo na agropecuária os setores regionais teriam que conviver com setores de outras regiões. Esta mudança radical, da indústria à agropecuária, que em si já negava a tese da substituição regional de importações, implicou, na análise de Loureiro (2004), em sérias conseqüências para a região: corrida por grandes extensões de terra, 5 impulsionando os conflitos, pois quanto maior a terra, maior seria o montante de incentivos fiscais; desaceleração da industrialização; significativos danos ambientais; substituição do projeto 2 A Amazônia Legal corresponde a aproximadamente 60% do território brasileiro e compreende os estados do Amazonas, Roraima, Acre, Rondônia, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão. Os sete primeiros estados formam a região Norte do Brasil. 3 Conjunto de leis e instrumentos institucionais que, entre outros, redefiniram a política de incentivos fiscais para a Amazônia e criaram a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o Banco da Amazônia (Basa) e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). 4 Que corresponde aos estados do Amapá, Pará, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão. 5 Processo no qual os grandes proprietários recorreram aos mais variados métodos, legais ou não. 2 2494 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 (ou da expectativa) desenvolvimentista regional por um projeto inicialmente alheio à burguesia regional e à região. Ao incluir a produção madeireira e agropecuária entre os setores incentiváveis e ao reconhecer o valor das terras como recursos próprios dos que viessem a pleitear a ajuda financeira, o Estado estabeleceu íntima relação entre incentivos fiscais e grande propriedade da terra. Por conseguinte, podemos supor como natural que os setores regionais (detentores de baixa capitalização) fossem estimulados a requisitar os incentivos fiscais por meio de projetos agropecuários, pois eles podiam supervalorizar artificialmente seus imóveis (apresentados como contrapartida financeira), alguns dos quais conseguidos por meio de grilagem. A concentração crescente de terras que se observa para exploração agropecuária, madeireira e mineral passou a conflitar com a procura dos pequenos produtores, principalmente imigrantes. Já no governo Costa e Silva (1967-1969) a questão da terra, particularmente em relação à região amazônica, havia sido transformada num problema militar. Para o ministro do interior, general Albuquerque de Lima, ligado à Escola Superior de Guerra (ESG), a integração da Amazônia se tornava um problema nacional e responderia à pressão fundiária no Nordeste, com ocupação dos “espaços vazios” - para o qual a presença dos militares seria fundamental. Marcado pela repressão à guerrilha do Araguaia, o governo Médici (1969-1974) retirou ministérios importantes das mãos de militares favoráveis a medidas de reforma agrária e os repassou a pessoas contrários a ela e defensoras somente do estabelecimento da grande empresa agropecuária. Isso tinha implicações sobre a Amazônia. O Instituto Brasileiro da Reforma Agrária (IBRA) foi substituído pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), mas enquanto o primeiro era subordinado à Presidência da República o segundo se tornava uma autarquia do Ministério da Agricultura, demonstrando que, apesar do PIN e do Proterra, a questão agrária ficava em segundo plano.6 Destitui-se, assim, progressivamente a base institucional necessária à reforma agrária e a Amazônia, diferentemente do discurso oficial, deixava de ser a “solução” para o problema agrário brasileiro. Em meio às redefinições provocadas pela crise econômica nacional, no período do Presidente Geisel (1974-1979) a Amazônia deixou de ser concebida formalmente como 6 Com isso, não apenas se priorizava a empresa agrícola como se reorientavam os fluxos migratórios “para fora do campo e não para o campo, abrindo um espaço maior e sem conflitos para a instalação e expansão da grande empresa capitalista no setor agropecuário, especialmente nas novas regiões” (MARTINS, 1984, p. 45). 3 Atas Proceedings | 2495 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural uma região-problema (definição que cabia agora tão somente ao Nordeste) para ser tomada como uma fronteira de recursos. Além disso, no decorrer desse governo, muito em função dos problemas da economia, a agricultura passou a ser vista não do ponto de vista do abastecimento do mercado interno, mas da necessidade de geração de divisas. Por outro lado, a região Norte até então fora concebida como a solução dos problemas agrários do país: a terra sem homens receberia os homens sem terra. A partir de meados dos anos 1970 consolidou-se a negação dessa política, de modo que a terra sem homens deveria receber os homens do capital (e que por conta das facilidades dos incentivos nem precisariam necessariamente estar com grandes volumes financeiros).7 Ocorre, então, uma concentração de terras até mesmo na região da rodovia Transamazônica, que havia sido tomada como a área de localização de pequenos produtores, via colonização. Inicialmente o governo distribuiu lotes de 100 hectares, mas, em seguida, alegando não ter procura suficiente, passou a vender lotes de 500 hectares a comerciantes, empresários e madeireiros locais e de outros estados. Esses lotes ficavam atrás daqueles de 100 hectares (localizados diretamente ao lado da rodovia). O Incra facilitou aos novos proprietários a compra dos lotes de 100 hectares (na frente), sob a alegação de serem lotes de apoio. Os pequenos assentados, sem apoio público, viram-se na situação de vender suas terras para os proprietários de renda mais elevada, produzindo reconcentração da terra.8 Desse modo, a conclusão que se chegou foi que a política de assentamento de trabalhadores rurais na Amazônia respondeu à necessidade de se “distribuir alguma terra para não distribuir as terras, esse acabou sendo o lema de fato da política governamental de colonização dirigida” (IANNI, 1979, p. 81). Mais do que isso: na prática, os pequenos produtores rurais, em muitos casos, cumpriram a função de abrir a mata em regiões de difícil acesso, para os médios e grandes proprietários que viriam depois.9 7 O resultado pode ser visto nos dados levantados por Martins (1995) quanto às terras das zonas pioneiras do país - que não se limitavam à Amazônia, mas eram concentradas particularmente nela. Nesses dados, constatamos que entre 1950 e 1960, 84,6% das terras dessas zonas foram ocupadas por propriedade de até 100 hectares. Na década 1960 aprovaram-se o Estatuto da Terra, os incentivos fiscais e o governo transitou do populismo à ditadura e de uma postura que concebia certa reforma agrária a uma posição anti-reforma. Nesse intervalo (1960-1970), 64,7% das terras foram incorporadas por estabelecimentos superiores a 100 hectares. Em 1975 das novas terras “distribuídas” apenas 0,2% destinaram-se às propriedades com menos de 100 hectares e 99,8% foram entregues a estabelecimentos com área superior a 100 hectares – sendo que desse total 75% concentraram-se em propriedades superiores a 1.000 hectares. 8 Loureiro (2004) constatou que em 1986, nos trechos Altamira-Itaituba e Altamira-Marabá (Projeto de Colonização Altamira), onde as terras haviam sido desapropriadas para a reforma agrária, 40% das mesmas estavam nas mãos de médios e grandes proprietários. 9 Recebiam alguma porção de terra, enfrentavam as dificuldades em áreas de difícil acesso e quando “amansavam” a mesma, diversos processos lhes pressionavam a repassá-las a outros proprietários. 4 2496 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 O PIN havia se proposto a assentar 100 mil famílias somente em seu primeiro ano (1971) e um milhão até o final dos anos 1970, mas, de acordo com Loureiro (2004), em 1983 o Incra registrou o assentamento de tão somente 66 mil famílias em toda a Amazônia, demonstrando o distanciamento da política de distribuição de terras a pequenos produtores por parte do governo. A distribuição das terras priorizou o grande proprietário. O repasse dos incentivos também se destinou às grandes propriedades, sem a necessidade de capital na mesma proporção. Segundo Martins (1995), até julho de 1977 a SUDAM havia aprovado 336 projetos agropecuários, num total de Cr$ 7 bilhões, sendo que deste valor Cr$ 2 bilhões seriam recursos próprios das empresas. Pouco em relação ao total? Sim, mas ainda assim um valor superestimado na medida em que, como já afirmamos, a Superintendência aceitava o valor declarado das terras como componente do valor que as empresas deveriam apresentar. Estas recebiam terras do governo, compravam a preços irrisórios ou mesmo as grilavam e depois inflavam seu valor para obter grandes somas de incentivos do governo.10 O apoio à grande propriedade e outras políticas correlatas reconfiguraram o próprio espaço regional amazônico. Na década de 1950 e no ano de 1960 a região tinha uma forma de ocupação, onde a distribuição populacional ocorria ao longo de seus rios principais, destacadamente o Amazonas. A ocupação econômica também seguia este movimento. Com as políticas implementadas a partir dos anos 1950 (Rodovia Belém-Brasília) e 1960 (Operação Amazônia, apoio à agropecuária e grande propriedade fundiária e abertura de novas estradas) ocorreu a reconfiguração espacial regional, passando-se a ocupar não apenas as margens dos rios, mas outras áreas de acordo com a disposição das rodovias e concentração dos projetos econômicos. A doutrina de “defesa” da Amazônia por meio da ocupação de seus “espaços vazios” mostrava sua face: o “esvaziamento dos espaços ocupados, porque é uma doutrina de expulsão do homem para a colocação do boi, ou seja, é preciso ocupar dessa forma, e não de outra, para defender” (MARTINS, 1995, p. 122). O aumento da organização dos trabalhadores e do número de conflitos no Vale do Araguaia-Tocantins levou, segundo Martins (1984) e Loureiro (2004), à criação do Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), subordinado ao Conselho de Segurança Nacional – uma verdadeira intervenção militar no Incra.11 Isso respondeu à 10 A Superintendência financiou inúmeros projetos que estavam em áreas conflituosas, pois não exigia nenhuma comprovação da ausência de conflito nas mesmas – bastava o solicitante dos incentivos declarar que não havia litígio na área. 11 Criado em fevereiro de 1980, o Getat tinha jurisdição, segundo Emmi (1999), sobre uma área de 200.000 km², envolvendo o sudeste do Pará, norte de Goiás (hoje Tocantins) e o oeste do Maranhão. 5 Atas Proceedings | 2497 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural necessidade de proteger os interesses dos grandes proprietários e de grandes empresas, buscando evitar “perda” de terras ou mesmo de fazendas para os trabalhadores. Assim, se com o Getat o governo federal se regionalizava era porque devia dar respostas aos conflitos agrários na região (ou dar garantias à política de terras em curso) e também manter um ambiente favorável ao estabelecimento do Programa Grande Carajás (PGC)12 e outros empreendimentos correlatos. O governo federal ampliou seu controle sobre as terras amazônicas. O processo de federalização das mesmas já havia sido impulsionado no início dos anos 197013 com a imposição do fato de que 100 km de cada lado das rodovias federais localizadas na região passariam para as mãos do governo federal de acordo com as determinações do Conselho de Segurança Nacional (Decreto 1.164/71), seguindo o processo de centralização política no Executivo federal. Segundo Loureiro (2004), apenas 29,7% das terras paraenses ficaram sob jurisdição do Governo do Estado/Iterpa, o restante passou para a órbita do governo federal. A federalização das terras da Amazônia era condição necessária à geopolítica da centralização. Era impossível sobrepor o poder federal ao poder local e regional sem confiscar a sua principal base de sustentação, que é a terra, e o controle dos mecanismos de distribuição de terras entre os membros das oligarquias. O combate à oligarquia implicava em expropriá-la do seu principal meio de poder, que é a terra (MARTINS, 1984, p. 50). Paulatinamente intensificou-se a concentração de poder no Executivo federal em detrimento da autonomia dos estados brasileiros. A federalização e militarização da questão fundiária e a criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (1982) e do Getat centralizaram no novo Ministro as decisões concernentes à questão fundiária. Mas o deslocamento espontâneo e crescente de grandes massas de imigrantes colocava em xeque a política do governo militar e o lema do Presidente Geisel de segurança com desenvolvimento, pois os posseiros passavam a se enfrentar com grileiros e empresas beneficiadas pelos incentivos fiscais. 12 Programa criado pelo governo para explorar grandes reservas minerais na Amazônia, particularmente o ferro da província mineral de Carajás (Sudeste do Pará). 13 Não podemos esquecer que a existência dos territórios federais na região Norte (Amapá, Roraima e Rondônia) já colocava parcela mais que considerável do espaço amazônico sob a órbita direta do governo federal – que era quem dispunha da autoridade política, administrativa e financeira sobre os mesmo, nomeando, inclusive, governadores e prefeitos. 6 2498 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Resultados da política de ocupação sustentada na grande propriedade agropecuária O Getat foi extinto em 05 de maio de 1987 por meio do Decreto-Lei nº 2.328/87 que transferiu o seu patrimônio e responsabilidades fundiárias ao Incra. Também em 1987 (25 de novembro) o Decreto-Lei 1.164 foi extinto, depois de 16 anos em vigor e de ter confiscado 100 km laterais das terras estaduais que ficassem às margens das rodovias federais construídas ou planejadas na Amazônia. As terras foram devolvidas à jurisdição dos estados, mas “já estavam irremediavelmente comprometidas” (LOUREIRO, 2004, p. 142). Afora isso, as áreas que compunham o PGC (confiscada posteriormente ao decreto) não foram devolvidas. Qual o resultado final desse processo? “A terra estava dividida desigualmente, favorecendo as diversas frações do capital (transnacional, nacional e regional) e pressionada pelos posseiros que se comprimiam nos interstícios e mesmo no interior da grande propriedade rural” (LOUREIRO, 2004, p. 151). A propriedade se mostrou extremamente concentrada e a pequena propriedade secundarizada. Os conflitos foram uma constante durante todo esse período. De 1964 a 1997 o Pará liderou as estatísticas da violência no campo brasileiro com 694 mortos. Somente 18,59% destes foram investigados (CPT, 2000).14 A tabela a seguir apresenta a evolução da estrutura da propriedade fundiária no Estado do Pará no intervalo entre 1960 e 1995. TABELA 1: PROPORÇÃO DO Nº E DA ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS, PARÁ 19601995 Grupos de área 1960 1970 1980 1995 ÁREA TOTAL – PARÁ – 1960-1980 (hectares) nº de estabelecimentos área Nº de estabe- área lecimentos nº de estabelecimentos área nº de estabelecimentos Área Menos de 10 41,8% 2,5% 47,6% 2,1% 36,2% 1,6% 31,4% 0,9% 10 a (-) de 100 46,9% 23,1% 45,7% 19,0% 51,3% 19,1% 50,7% 18,3% 100 a (-) de 1000 7,0% 28,0% 4,7% 14,6% 11,2% 21,8% 16,8% 29,9% 1000 a (-) de 10000 0,7% 28,3% 0,7% 29,2% 0,7% 21,8% 1,1% 27,1% 0,04% 18,1% 0,06% 35,0% 0,09% 35,7% 0,0% 23,8% 3,6% - 1,2% - 0,2% 10000 e mais Não declarados Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Fonte: IBGE, Censos Agropecuários, Censo Agrícola do Pará (1960). 14 Se levarmos em consideração que as estatísticas oficiais, e mesmo as da Comissão Pastoral da Terra (CPT), são subestimadas pelo fato de muitos crimes não terem chegado ao conhecimento público, concluiremos que estes números são bem maiores. 7 Atas Proceedings | 2499 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Pelo que se percebe em 1960 o total de pequenos proprietários (aqueles com menos de 100 hectares) representavam 88,7% do total de propriedades e concentravam em suas mãos 25,6% da área do Estado paraense, enquanto que os proprietários com mais de um mil hectares (apenas 581 propriedades) dispunham de 46,4% da área. Em 1970 um total de 93,3% das propriedades estava nas mãos de pequenos produtores, mas eles dispunham tão somente de 21,1% da área do Estado (reduzindo sua participação em relação a 1960), enquanto os grandes proprietários (com mais de um mil hectares) acumulavam 64,2% das terras. Em 1980 as propriedades com menos de 100 ha (195.816 imóveis) dispunham de 20,7% da área paraense enquanto que os proprietários com mais de um mil hectares concentravam 57,5% das terras, menos que em 1970, mas entre estes apenas 199 propriedades dispunham de 35,7% da área total do Pará, demonstrando que houve uma concentração ainda mais acentuada nas grandes propriedades. Em 1995 do conjunto de proprietários existente no Estado paraense 82,1% podiam ser classificados como pequenos, mas somente 19,2% da área estavam em suas mãos. Os donos dos grandes estabelecimentos rurais correspondiam a apenas 1,1% do conjunto de proprietários, porém dispunham de 50,9% do território estadual. Analisemos apenas os extremos. Os mini-proprietários (aqueles com menos de 10 hectares) dispunham de 2,5% das terras do Pará em 1960, 2,1% em 1970 e 1,6% em 1980. Se no início já se apropriavam de uma área proporcionalmente pequena, progressivamente foram perdendo ainda mais espaço no cenário regional. De outro lado, as propriedades com 10.000 hectares ou mais ocupavam 18,1% da área em 1960, chegaram a 35,7% em 1980 e reduziram a 23,8% em 1995, ano em que o total de propriedades não atingia 0,1% do número de estabelecimentos rurais. Nesse mesmo ano os mini-proprietários correspondiam a 31,4% do total de proprietários, mas acumulavam somente 0,9% da área total. Esses números da concentração fundiária no Pará são superiores aos índices nacionais. Do ponto de vista da configuração da economia, salvo alguns produtos com crescimento satisfatório, a agricultura não apresentou o dinamismo esperado, de modo que ainda hoje o Pará é um importador de alimentos. Por outro lado, o investimento estatal possibilitou o desenvolvimento de um significativo rebanho de gado bovino no Estado paraense. A tabela seguinte apresenta a evolução recente do mesmo no Pará e nos estados da Amazônia Legal. Até o início dos anos 1990 a evolução da bovinocultura esteve diretamente vinculada à concessão dos incentivos fiscais, via SUDAM e Basa 8 2500 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 principalmente. Com a forte redução dos mesmos, a grande produção agropecuária buscou outras fontes de financiamento, mas em grande medida ainda estatais. Tabela 2: Rebanho bovino dos Estados da Amazônia Legal (cabeças), 2001-2007 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Brasil Acre Amapá Amazonas Maranhão Mato Grosso Pará Rondônia Roraima Tocantins Amazônia Legal 2007 176.388.726 185.348.838 195.551.576 204.512.737 207.156.696 205.886.244 199.752.014 1.672.598 1.817.467 1.874.804 2.062.690 2.313.185 2.452.915 2.315.798 87.197 83.901 81.674 82.243 96.599 109.081 103.170 863.736 894.856 1.121.009 1.156.723 1.197.171 1.243.358 1.208.652 4.483.209 4.776.278 5.514.167 5.928.131 6.448.948 6.613.270 6.609.438 19.921.615 22.183.695 24.613.718 25.918.998 26.651.500 26.064.332 25.683.031 11.046.992 12.190.597 13.376.606 17.430.496 18.063.669 17.501.678 15.353.989 6.605.034 8.039.890 9.392.354 10.671.440 11.349.452 11.484.162 11.007.613 438.000 423.000 423.400 459.000 507.000 508.600 481.100 6.570.653 6.979.102 7.659.743 7.924.546 7.961.926 7.760.590 7.395.450 51.689.034 57.388.786 64.057.475 71.634.267 74.589.450 73.737.986 70.158.241 Fonte: IBGE - Pesquisa Pecuária Municipal, efetivo em 31/12. O Pará é o maior produtor da região Norte do Brasil e o segundo principal da Amazônia Legal – o Mato Grosso lidera o rebanho nessa região. Em 2001 havia 11.046.992 cabeças de bovinos no Pará e 51.689.034 na Amazônia Legal. O efetivo paraense atingiu 18.063.669 animais em 2005 e nos dois anos seguintes, acompanhando um movimento conjuntural do país, caiu até o montante de 15.353.989 cabeças em 2007. Pelos dados da Agência de Defesa Agropecuária do governo do Pará em maio de 2009 o rebanho já havia se expandido para 17.649.151 animais. A política governamental de estímulo à produção bovina foi acompanhada não apenas da expansão do rebanho, mas, também da área aberta para pastagens e da própria degradação ambiental. Em 1975 o Pará dispunha de pouco mais de 3 milhões de hectares de terras ocupadas por pastagens – na Amazônia Legal eram 20,3 milhões de hectares. Em 2006 a parcela ocupada com essa atividade no território paraense saltara para 13,2 milhões de hectares, correspondendo a 21,38% da área de pastagens da região. 9 Atas Proceedings | 2501 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Tabela 3: Área ocupada por pastagens* nos estados da Amazônia Legal, em há Estado 1975 1985 1996 2006 Amazônia Legal (%) Acre 124.100 326.030 614.210 1.032.430 1,68% Amapá 350.020 478.890 244.980 432.030 0,70% Amazonas 192.380 476.130 528.910 1.834.530 2,98% Pará 3.037.190 6.596.390 7.455.730 13.167.860 21,38% Maranhão 3.808.830 5.446.560 5.310.550 6.162.690 10,00% Mato Grosso 11.243.470 16.404.370 21.452.060 22.809.020 37,03% Rondônia 224.570 1.100.880 2.922.070 5.064.260 8,22% Roraima 1.353.170 1.247.210 1.542.570 806.560 1,31% Tocantins 10.650.900 11.078.150 10.290.860 16,71% Amazônia 20.333.730 42.727.360 51.149.230 61.602.240 100,00% Legal Brasil 165.652.250 179.188.430 177.700.470 172.333.070 FONTE: IBGE, Resultados Preliminares do Censo Agropecuário 2006. * Pastagens naturais e plantadas (degradadas e em boas condições) Por outro lado, a área de lavoura plantada com arroz, feijão, mandioca, milho, cacau e pimenta-do-reino (as primeiras são culturas de subsistência e de abastecimento do mercado local) caiu de 810,6 mil hectares em 1985 para 602,8 hectares em 1995-1996. Essas culturas tiveram redução em seus rendimentos, demonstrando a baixa inovação tecnológica: em 1995 apenas 1,7% do total de estabelecimentos tinham tratores, somente 3,8% recorreram à assistência técnica e menos da metade destes a conseguiram por fontes governamentais (IBGE, 1996). A política aplicada pelo governo trouxe à região os fortes graus de concentração dos setores urbanos da economia nacional, o que ficou evidenciado em uma amostra de 211 projetos, em 1985, onde apenas 7,5% destes abocanharam 41,5% dos investimentos fiscais (COSTA, 2000); a pecuária concentrou o grosso dos projetos, 87,8% dos recursos aprovados até 1980 destinavam-se a este setor.15 Em outra amostra, também reunida por Costa, com 106 projetos constata-se que as empresas gigantes (banco Bradesco S/A, por exemplo), representando apenas 19% destes, estabeleceram projetos onde o valor total equivalia a 47,2% do total geral de investimento da amostra (investimento e incentivos fiscais). Seguindo esses, encontramos os grupos familiares forâneos (famílias Lunardelli, Do Val e outras - São Paulo e Minas Gerais, principalmente) com 22,4% dos investimentos, alcançando 75% de incentivos para seus investimentos. Os grupos oligárquicos locais totalizaram 21,5% dos investimentos. 15 As informações dos projetos incentivados pela SUDAM, levantados por Loureiro (2004), dão conta de que até 1985 foram aprovados 1.418 projetos em toda a Amazônia, dos quais 61% foram para a agropecuária, sendo que destes 40% concentraram-se no Mato Grosso e 35% no Pará, ou seja, ¾ dos projetos aprovados restringiram-se a dois estados apenas. Do total de projetos aprovados (1.418) apenas 459, segundo as informações da própria Superintendência, poderiam ser considerados como estando em operação. 10 2502 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Finalmente, um grupo de empresas de menor expressão (o que não deve ser entendido como pequenas) obteve 8,9% dos investimentos (COSTA, 2000). Constatamos que a oligarquia local teve que aceitar a entrada de novos proprietários por conta da possibilidade de acessar algum recurso dos incentivos fiscais governamentais. Como extensão também aceitou a entrada do grande capital para a exploração dos projetos minerais. Existe correlação entre os números de concentração dos incentivos com o aumento da violência? O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) fez um levantamento dos assassinatos de trabalhadores rurais no Pará entre 1966 e 1986. Costa (2000) cruzou esses dados com a distribuição espacial dos incentivos fiscais e chegou à conclusão de que a aceleração da violência no campo amazônico guardou estreita relação com os grandes projetos agropecuários. A região Sul/Sudeste paraense,16 concentradora de incentivos fiscais, tem o maior rebanho bovino do Estado. Ela também concentrou a ocorrência dos conflitos agrários. Ano 1996 1997 1998 1999 Total Dados gerais sobre a violência no campo, Sul e Sudeste do Pará 1996-1999 Ocupações Nº de Mortos Presos Trabalho Ameaças Famílias famílias escravo de morte despejadas 29 3.902 34 45 674 12 20 4.874 11 19 473 12 209 34 4.200 10 34 254 14 211 32 4.619 03 64 506 10 655 115 17.595 58 162 1907 48 1075 Fonte: Comissão Pastoral da Terra Em 1996 ocorreu o massacre de Eldorado dos Carajás, onde a polícia militar assassinou 19 trabalhadores rurais que participavam de uma marcha pela rodovia PA-150 reivindicando terra para cultivar. Naquele ano 3.902 famílias foram envolvidas em conflitos. De 1996 a 1999 foram 17.595 famílias envolvidas em conflitos na região, 58 mortos, 1.907 casos de trabalho escravo e 1.075 famílias despejadas. A estrutura da década de 1980 foi importante na configuração da década seguinte. Se nos detivermos sobre a estrutura agrária/agrícola do Estado em 1995 verificaremos a importância da unidade camponesa,17 onde na estrutura relativa da força de trabalho 16 Comumente se refere ao Sul do Pará como a região que compreende a porção leste do sul do Estado, de modo que seria mais preciso chamá-la como Sudeste. 17 Unidade de produção camponesa: a família caracteriza-se como seu parâmetro. Grande latifúndio empresarial: estabelecimento rural onde o uso ou não da terra e dos recursos naturais decorrem de critérios empresariais e capitalistas. Fazenda é a estrutura em que o titular personifica uma “racionalidade mais próxima do capital mercantil”, objetivando o lucro por meio de fórmulas de maximização que mantêm o seu patrimônio, terra e gado, assim como uma espécie de “consumo de luxo”. Correlacionando esta definição para os números do IBGE sobre o Pará em 1985, pode-se afirmar que as parcelas de terra entre 0 e 200 ha “estão decisivamente influenciados pelas unidades camponesas ali presentes”. Da mesma forma pode-se 11 Atas Proceedings | 2503 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 89,75% provinham dessas unidades (sendo que desse percentual 81,34% eram membros não remunerados da família), seguidos 8,95% de fazendas e 1,30% dos latifúndios empresariais. Isso significa que os camponeses respondiam por 90% do total de pessoal ocupado na produção animal e vegetal do Estado. As fazendas representavam 9% e os latifúndios empresariais 1% das ocupações. Em 1985 do total de terras em utilização no setor agropecuário 67% eram ocupados pela pecuária e 32% pela agricultura. Dez anos após, 84% das terras eram utilizadas como pastagens e apenas 14,8% estavam com a agricultura (das quais 3% eram de lavouras permanentes). Os dados em si demonstram o quanto a agropecuária avançou sobre a plantação. Esse processo foi mais intenso entre fazendeiros e latifúndios empresariais que apresentaram, em 1995, aproximadamente 93% de suas áreas em utilização comprometidas com pastagens (IBGE, 1996). Porém, mesmo os pequenos produtores não ficaram isentos do mesmo. Do valor total da produção animal e vegetal em 1995, segundo os dados do IBGE (1996) e Costa (2000), os camponeses contribuíram com 64,4%, seguidos de 27,1% das fazendas e 8,5% dos latifúndios empresariais. A agricultura foi fundamentalmente uma atividade camponesa, de onde se constatou que 86,2% do valor total desse subsetor decorreram dessas unidades produtivas, seguido de 11,5% das fazendas e 2,3% dos latifúndios empresariais. A grande propriedade se assentou majoritariamente sobre a pecuária de grande porte, do qual 46,9% do valor produzido decorreram de fazendas e 18,3% de latifúndios empresariais. Mesmo aqui os camponeses participaram com 34,8%. No Sudeste do Pará, 75,72% da produção das fazendas se concentraram nesta atividade. Para os latifúndios empresariais o número subiu para 84,24%. Oligarquia regional e reorganização do espaço rural paraense A história da sucessão governamental no Pará desde o final do século XIX, pelo menos, até os anos 1960 foi marcada por grandes enfrentamentos entre os diversos setores da oligarquia regional. No pré-golpe de 1964 a fração liderada por Magalhães Barata18 havia assumido o governo do Estado. Com o golpe militar, o governador Aurélio do Carmo foi destituído do cargo, fechando o ciclo baratista na política paraense. enquadrar as propriedades entre 200 e 5.000 ha como fazendas e as propriedades superiores a isso como latifúndios empresariais (COSTA, 2000b, p. 1 e 2). 18 Militar e chefe político local que governou o Pará. Barata morreu em 1959, mas já havia conseguido eleger seu sucessor, mantendo ativa suas posições populistas e clientelistas. 12 2504 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Durante os governos militares a oligarquia regional não se viu significativamente atacada em suas propriedades. As políticas federais e estaduais mantiveram (com contradições é verdade) a presença oligárquica em detrimento de pequenos produtores, mas com um elemento novo: a incorporação de novos atores a esta elite. Aproveitando-se dos incentivos fiscais, da facilidade de acesso a terra e outros atrativos do Estado, empresários e latifundiários de outras regiões passaram a se localizar na Amazônia dividindo espaço com antigos proprietários e se enfrentando com ribeirinhos, caboclos e pequenos produtores que haviam chegado por meio da imigração. Para Fernandes (1999), os novos grupos que se caminharam para o Pará eram descendentes de famílias tradicionais paulistas, plantadoras de café, que nos anos 1940 e 1950 já haviam adquirido terras no Paraná, Norte de Minas e sul de Goiás. Localizaram-se inicialmente na região dos rios Gurupi, Capim (Paragominas) e no Vale do Araguaia (Conceição do Araguaia).19 Nos anos 1960 e 1970, os incentivos fiscais para projetos agropecuários no Pará concentraram-se principal e “coincidentemente” nas regiões de Paragominas e do Araguaia-Tocantins (Sudeste paraense), área de entrada dos proprietários que vinham de outras regiões. Na prática, os incentivos para a agropecuária destinavam-se prioritariamente para os que vinham de fora.20 Evidentemente, a burguesia agrária regional se movimentava para participar da partilha dos mesmos, mas mudanças significativas nesse sentido foram sentidas nos anos 1980. Pelos dados da SUDAM (1991) até 1987, pelo menos, a região do Marajó, tradicional produtora de gado, teve 24 projetos aprovados pela Superintendência. Desses apenas um foi antes de 1980. Assim, a partir dos anos 1980 os incentivos para a agropecuária (gerenciados pela SUDAM) alcançaram outras regiões paraenses. Isso coincidiu com a ascensão do PMDB ao governo estadual. Mas desconcentração espacial 19 O fazendeiro paulista Lanari do Val se apropriou imediatamente de 768 mil hectares (160 mil alqueires), vendendo metade logo em seguida. Outra grande família a se instalar na região foi a Lunardelli. A família Malzoni em associação com outras pessoas, chegou à região em 1961 ocupando também 160 mil alqueires e também vendendo parte logo em seguida. O restante deu origem a três fazendas (constituídas como empresas S/A) que individualmente se beneficiaram dos incentivos fiscais no período de 1966 a 1971. Posteriormente, elas foram fundidas originando uma nova empresa que recebeu incentivo do governo. Anos depois recorreu a uma atualização financeira do projeto recebendo mais financiamento. Assim, podia-se receber três ou até mais financiamentos para o mesmo empreendimento. 20 A aparente fertilidade do solo, as estradas, as riquezas florestais e minerais atraíam aqueles que queriam formar grandes propriedades e empresas agropecuárias. Os próprios incentivos também atuavam nesse sentido na medida em que a aprovação de um projeto pela SUDAM valorizava as terras ao seu redor e atraía outros interessados. Incentivos e concentração de terras caminharam juntos, se estimularam mutuamente e foram mais intensos na região em questão. 13 Atas Proceedings | 2505 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural dos incentivos fiscais para a agropecuária ocorreu ao mesmo tempo em que se presenciava a forte redução dos mesmos e o enfraquecimento da SUDAM. Ainda que apresentassem interesses comuns (a defesa da propriedade contra o posseiro, por exemplo), os latifundiários “paraenses” tinham diferenças com os novos latifundiários que aqui chegavam. Isso ficou demonstrado nas suas formas de associação. Os “pioneiros” paraenses já se organizavam em associações rurais patronais. Com as mudanças impostas pela ditadura, a sua federação de associações passou a se chamar Federação da Agricultura do Pará – FAEPA, reunindo os sindicatos de grandes produtores rurais. Esta federação representava os antigos proprietários locais e, segundo Fernandes (1999), se restringia às microrregiões do Salgado, Bragantina e Marabá. Já os “novos” proprietários fundaram em 1968, no Sul do Pará, a Associação de Empresários Agropecuários da Amazônia (AEA), cuja sede ficava em São Paulo, local onde residiam os negócios prioritários e os proprietários filiados à nova entidade. “Foi no sentido de eficientizar em seu favor o acesso aos benefícios disponíveis para o 'desenvolvimento regional' que os 'novos' donos de terras fundaram [a AEA]” (FERNANDES, 1999, p. 92). Oligarquia e propriedade de terras sempre mantiveram relações umbilicais, a tal ponto que mudanças na segunda implicaram redefinições na primeira. Durante a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), através do decreto-lei nº 5.878/43, criou-se Fundação Brasil Central (FBC) para, através da distribuição de grandes extensões de terra, interiorizar a região Central do país, principalmente as áreas entre os rios Araguaia e Xingu e o Brasil Central e Ocidental. Posteriormente, com o anúncio da construção da rodovia Belém-Brasília (1958) houve uma corrida pelas terras amazônicas e uma grande transferência de terras públicas para a propriedade privada. Pelos dados de Santos (LOUREIRO, 2004) entre 1959 e 1963 foram concedidos 5.646.375 hectares de terras devolutas do Estado do Pará, no ano seguinte mais 834.668 hectares. A procura pelos empresários do Centro-Sul por terras que ficariam às margens da nova rodovia levou a oligarquia regional requerer e conseguir a propriedade dos castanhais do Sul do Estado. Os proprietários passaram, simultaneamente, a “gozar de grande poder político e a exercerem um controle social rígido sobre os trabalhadores da castanha, em decorrência da apropriação privada da terra e de sua cobertura florestal” (LOUREIRO, 2004, p. 50). Contudo, não foi somente a oligarquia local que se beneficiou do poder político decorrente da propriedade da terra. Os proprietários de fora também passaram a disputá-lo, intensificando a busca por controlar novas áreas. Fernandes (1999) cita que no curto 14 2506 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 intervalo entre 1959 e 1963 o Estado do Pará emitiu 1.575 títulos, quase que o dobro do que fora emitido em 34 anos (1924-1958) que foi de 840 títulos. Somente na região do Araguaia, em apenas 3 anos (1961-1964) foram emitidos 759 títulos que significaram 3.306.204 hectares. O processo de privatização de grandes parcelas de terras amazônicas ocorreu desde os anos 1950, pelo menos, mas foi com a ditadura militar e a extensão dos incentivos fiscais que isso se aprofundou. Economia, sociedade e o modo de vida sustentados no caboclo, na roça e no extrativismo foram profundamente alterados. Também ocorreram mudanças nas relações de poder. Em muitos casos, como os novos proprietários não residiam na região, seus representantes diretos, os gerentes das fazendas, passaram a controlar parcela do poder dominante local - em alguns momentos chegaram a dirigir algumas prefeituras. Isso levou a um enfraquecimento relativo da oligarquia local (as famílias tradicionais). No caso de Marabá, na década de 1970 presenciou-se a chegada de outros concorrentes: de um domínio absoluto a burguesia local tradicional teve que aceitar a entrada e convivência com o capital financeiro. Nos anos 1980, principalmente, se consolidou uma situação em que Marabá não era mais somente a terra da oligarquia da castanha, de camponeses e de índios, passando a ser, também, de bancos, pecuaristas, grileiros, colonização, militares e mineradoras privadas e estatais. Isso quer dizer que os novos grandes proprietários negavam de conjunto a antiga oligarquia? Não. A sua estratégia de sustentação os levava a estabelecer relações e alianças locais, “em sua feição local se associa a políticos da região no afã de se popularizar, usando expedientes de paternalismo, no que lembram os velhos coronéis” (EMMI, 1999, p. 18). A oligarquia local perdeu o monopólio da terra ao mesmo tempo em que presenciou uma transformação do significado da propriedade fundiária. A terra torna-se mercadoria da mesma forma como qualquer outra. De base e expressão maior do poder, numa economia extrativista não-especificamente capitalista, ela passa a ter uma expressão, em certo sentido secundário, numa economia fundamentada no capital industrial-financeiro. Isto ficou patente com os novos latifúndios apropriados pelos grandes bancos como o Bamerindus21 em Marabá (54.597 hectares) ou o Bradesco em Conceição do Araguaia (61.036 hectares) ou ainda pelas indústrias multinacionais como a Volkswagen (139.392 hectares) em Santana do Araguaia (EMMI, 1999, p. 110). 21 Em 1980 o banco Bamerindus possuía 14 castanhais. 15 Atas Proceedings | 2507 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Essa quebra do monopólio fundiário das oligarquias locais se confirma nos dados do Incra e Iterpa apresentados por Emmi: “de 44% da área total declarada em 1972, as grandes antigas famílias tradicionais caem para 33% em 1976 e apenas 14% em 1981. Processa-se uma diluição de seu domínio num universo substancialmente ampliado e bastante diversificado” (EMMI, 1999, p. 116-117). Para isso, muito contribuiu também a repressão à guerrilha do Araguaia e os investimentos em torno do Projeto Carajás. Esses investimentos e o apelo ao financiamento externo para sua efetivação exigiam “garantias de tranqüilidade pública que só o poder central podia oferecer: o município de Marabá passa para a área de Segurança Nacional. [...] Em nível administrativo oficial, o podercentralizador do Estado nacional esmaga o poder local” (EMMI, 1999, p. 117-118). A oligarquia local reagiu tentando se rearticular, também usando a força e até mesmo questionando a atuação dos órgãos federais na região. Não foi suficiente. Ela poderia até continuar no bloco de poder, mas não mais como fração dominante. Os colonos sem terra e trabalhadores extrativistas também passaram a reivindicar as terras de castanhais e isso aprofundou os conflitos agrários. Novamente a oligarquia tradicional reagiu, e mais forte ainda. Para Emmi (1999), essa reação não foi apenas uma defesa de sua propriedade, mas, uma tentativa de manter a estrutura de dominação política que se enfraquecia na medida em que os trabalhadores se organizavam e a questionavam. Analisando o processo brasileiro, Martins concluiu que a tentativa de esvaziar politicamente o campo22 acabou por trazer contradições para a própria política da ditadura militar. A federalização de enormes parcelas do território nacional retirou da oligarquia regional a base de seu instrumento de poder, a terra, destruindo ou comprometendo o poder tradicional de coronéis e chefes políticos locais. “Numa certa medida, o confisco territorial acompanha o banimento da burguesia regional, dos fazendeiros, dos comerciantes, dos benefícios da ocupação dos novos territórios” (MARTINS, 1984, p. 57). Contudo, são justamente esses que sustentavam localmente o governo que apresentava essa política. A contradição assim foi construída, mas, ainda que com conflitos, algumas mediações e processos de convivência mútua foram desenvolvidos. Ainda segundo Martins (1984), a política dos incentivos fiscais desarticulou as relações de poder na Amazônia. Acreditamos que é mais correto falar em uma rearticulação do poder, na medida em que entraram em cena outros atores para disputar o poder local com a burguesia/oligarquia regional, mas que, do ponto de vista do pequeno produtor e do trabalhador sem-terra, na prática, cumpriu o mesmo papel: concentração 22 Buscou-se, entre outros, impedir o surgimento de uma força política no campo que conduzisse a luta camponesa. 16 2508 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 terra e oposição à luta política pela reforma agrária. É preciso ver que para consolidar a política no campo amazônico o governo federal não se propôs a destituir a oligarquia local, mas impô-la sua autoridade e os novos proprietários que ele estimulava a migrar para a região. Assim, mesmo com contradições, é possível pensar numa aliança entre governo federal autoritário e burguesia/oligarquia regional. As grandes políticas “nacionais” definidas para a Amazônia, grosso modo, foram bem recebidas pelas classes dominantes amazônicas,23 que se encontravam, desde há muito tempo, marcadas por fragilidade econômica e miopia política. Considerações finais A partir dos anos 1950, mas particularmente no decorrer da década de 1970, desde a Transamazônica até os grandes projetos minerais, ocorreu uma significativa ampliação do papel do governo federal na região amazônica. Para isso usou-se de diversos instrumentos como, por exemplo, os meandros do combate à guerrilha do Araguaia e o Getat (Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins). Não é demais constatar a coincidência da área de atuação do Getat com a região de incidência mineral do Programa Grande Carajás e com a área de maior procura por latifundiários do Sul e Sudeste do país. Também nesse período a internacionalização da região ganhou novo impulso, não no sentido que denunciavam os nacionalistas quanto à perda de soberania (pelo menos formal), mas na colocação de seus recursos naturais (principalmente minerais) no mercado internacional a preços inferiores a seu valor real, aceitando para isso a “colaboração” dos capitais multinacionais. Para Martins (1984) a ampliação dos conflitos agrários na Amazônia decorreu, primeiro, da reprodução aqui (uma “região pioneira”) da estrutura fundiária existente nas velhas regiões; segundo, do fato de que nas regiões pioneiras mais remotas a ordem pública se subordinou, grosso modo, ao poder privado. Mas não foram apenas os conflitos agrários de que fala Martins que passaram a compor a realidade regional. Os modernos complexos dos grandes projetos passaram a conviver (porque acabaram produzindo-as) com o atraso das cidades-favela, a exemplo de Parauapebas, constituída a partir do portão de entrada do chamado cinturão verde da CVRD. Miséria, fome, desemprego e prostituição são algumas das características dessas cidades. 23 No período do lançamento da Operação Amazônia e do Encontro de Investidores (1966) em torno da mesma o jornal O Liberal, representante de grandes interesses da burguesia/oligarquia local, assim se expressou: “reina geral expectativa em torno da reunião de investidores sulinos que despertam para as nossas riquezas naturais, dando ao povo da Amazônia a esperança de que para ela, desponte um novo horizonte de prosperidade e progresso” (O LIBERAL apud LOUREIRO, 2004, p. 73). 17 Atas Proceedings | 2509 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural A ação do Estado na Amazônia caminhou no sentido da estatização, mas permeada pelo interesses privados: federalizou as terras para controlá-las e repassá-las aos grandes latifundiários, negando a possibilidade de reforma agrária verdadeira ou de um modelo de desenvolvimento sustentado na pequena propriedade; estatizou a produção mineral assumindo para si os custos da implantação dos grandes projetos mineral-energéticos, mas repassando essa produção ao capital privado por um preço muito inferior ao seu valor efetivo.24 Em síntese: o Estado estatizou para privatizar, colocou o público a serviço do privado em detrimento do social. As políticas estatais tomaram o progresso como decorrência do capital. Modernizar era capitalizar a região, romper o seu “atraso”, integrá-la ao restante do país. Aos setores oprimidos não coube perguntar qual o sentido do progresso lhes interessava. Mais que isso: não se acreditou, ou não se quis fazer crer, que eles tivessem a capacidade de contribuir efetivamente para a construção de um projeto de desenvolvimento regional. Eles deveriam ser passivos em um duplo sentido: primeiro, recebendo e assimilando as políticas elaboradas por outros; segundo, não reagindo frente a elas, mesmo quando se chocassem com seus interesses. Ainda que isso possa nos levar a certo pessimismo, não podemos deixar de ver que os movimentos sociais, apesar de todas as limitações, nunca deixaram de se mostrar presentes e em muitos casos passaram a ter mais visibilidade. Mais que isso: estamos diante do desafio histórico de mudar o rumo das políticas públicas sociais e econômicas e construir um projeto alternativo que atribua sentido social ao desenvolvimento. Referências bibliográficas COMISSÃO PATORAL DA TERRA. Violência no Campo: A Luta pela Terra no Sul e Sudeste do Pará no Ano de 1999. Marabá, 2000. COSTA, Francisco. Formação agropecuária da Amazônia: os desafios do desenvolvimento sustentável. Belém: UFPA/NAEA, 2000. EMMI, Marília. A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais. Belém: NAEA/UFPA, 1999. FERNANDES, Marcionila. Donos de terras: trajetórias da União Democrática Ruralista – UDR. Belém: NAEA/UFPA, 1999. GARRIDO FILHA, Irene. O projeto Jari e os capitais estrangeiros na Amazônia. Petrópolis-RJ: Vozes, 1980. IANNI, Otávio. Colonização e contra-reforma agrária na Amazônia. Petrópolis-RJ: Vozes, 1979. 24 Posteriormente, no decorrer dos anos 1990, quando reuniu condições, repassou essas empresas estatais diretamente para o capital privado nacional e internacional em processos no mínimo questionáveis quanto à sua real mensuração de valor e isenção de corrupção. 18 2510 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Agrícola – Pará, 1960. Rio de Janeiro: IBGE, 1961. _________. Censo Agropecuário 1995-1996. Rio de Janeiro: IBGE, 1996. _________. Resultados preliminares do Censo Agropecuário 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. _________. Pesquisa Pecuária Municipal. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. LOUREIRO, Violeta R. Amazônia: Estado, homem, natureza. Belém: Cejup, 2004. MARQUES, Gilberto. Estado e desenvolvimento na Amazônia: a inclusão amazônica na reprodução capitalista brasileira. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2007 (tese de doutorado). MARTINS, José de S. 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Petrópolis-RJ: Vozes, 1980. 19 Atas Proceedings | 2511 2512 | ESADR 2013 A COMERCIALIZAÇÃO DO AÇAÍ E SEUS EFEITOS PARA A ECONOMIA DO MUNICÍPIO DE BELÉM/PA: UM ESTUDO SOB A ÓTICA DO PRONAF Iran Farias Mendes; Graduado em Administração e Especialista em Economia Regional e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected] Cácio Ribeiro de Carvalho; Graduado em Administração e Especialista em Finanças pela Faculdade Ideal - FACI. E-mail: [email protected] Edson Ugulino Lima; Graduado em Administração e Pós-Graduado em Logística Empresarial pela Universidade da Amazônia - UNAMA; Especialista em Economia Regional e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected] Rossicléa Ferreira do Nascimento; Graduada em Administração e Direito pela Universidade da Amazônia - UNAMA e Especialista em Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. E-mail: [email protected] RESUMO: O artigo discute a comercialização do açaí no município de Belém/PA destacando a dinâmica da atividade desde o beneficiamento do fruto até a mesa. Evidenciando quais os efeitos dessa atividade para a economia local. A pesquisa tem como principal objetivo analisar a comercialização do açaí no município de Belém sob a ótica das linhas de Crédito Rural do Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF disponibilizadas pelo Banco da Amazônia. A logística, o processamento e o consumo do açaí movimentam as feiras livres de Belém, empregam mãode-obra local, geram oportunidades de negócios para o segmento às voltas com o renitente desequilíbrio social. A natureza da pesquisa é qualitativa apresentada sob a estratégia descritiva e exploratória, tendo como finalidade precípua a descrição do fenômeno que no caso é a comercialização do açaí sem interferir na ocorrência do processo. Os dados foram trabalhados conforme a análise de conteúdo através das hipóteses seja ela explícito e/ou latente. Por fim, a pesquisa destaca o apoio do poder público através das políticas de crédito rural, dentre elas, o PRONAF, que vem contribuindo para o desenvolvimento local. O estudo destaca a importância da atividade em relação às questões ambientais, como também o fato de que a maioria dos comerciantes tem na atividade, a única fonte de renda para o sustento de suas famílias e vendem o produto tanto no mercado interno quanto ao mercado externo. O segmento passa por profundas mudanças tornando-se um produto muito utilizado pelas indústrias/agroindústrias na fabricação de seus subprodutos, e pela possibilidade de consumi-lo de diferentes formas sem comprometer suas propriedades originais, tendo como conseqüência a mudança de comportamento tanto cultural pela população local, como também do mercado da atividade em função da elevação de seu preço influenciando outros setores da economia. Palavras-chave: açaí; comercialização; PRONAF; Belém-Pa. ABSTRACT - The article discusses the açaí in the city of Belém / PA highlighting the dynamics of the activity from the processing of the fruit to the table. Showing what the effects of this activity to the local economy. The research has as main objective to analyze the açaí in the city of Bethlehem from the perspective lines of the National Rural Credit for Strengthening Family Agriculture - PRONAF provided by Banco da Amazônia. The logistics, processing and consumption of acai move the fairs of Bethlehem, employ labor, local labor, generate business opportunities for the segment dealing with the stubborn social imbalance. The nature of qualitative research is presented in a descriptive and exploratory strategy, having as main purpose the description of the phenomenon that is the case the açaí without interfering with the occurrence of the process. The data were processed according to the content analysis through either explicit hypotheses and / or latent. Finally, the survey highlights the government support through policies of rural credit, among them, PRONAF, which has contributed to local development. The study highlights the importance of the activity in relation to environmental issues, as well as the fact that most traders have in the activity, the only source of income to support their families and sell the product both in the domestic and foreign markets . The segment undergoes profound changes becoming a product widely used by industries / agribusinesses in the manufacture of its products, and the ability to consume it in different ways without compromising their unique properties, with the consequent change in behavior by both cultural population site, as well as market activity due to the increase of its price influencing other sectors of the economy.. Keywords: acai; marketing; PRONAF; Belém-Pa.. Atas Proceedings | 2513 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 1 INTRODUÇÃO O açaizeiro (Euterpe Olerácea Mart.) é uma palmeira nativa da floresta Amazônica encontrada nas áreas das matas de terra firme, várzeas e igapós, sendo que seus frutos originam o “vinho de açaí”, uma bebida muito apreciada e utilizada na alimentação popular (CALZAVARA, 1972). O termo “vinho de açaí” foi utilizado pelos antigos colonizadores da região, devido à cor do açaí ser parecida com a do vinho. Em alguns lugares esse termo ainda é empregado pela população, mas comumente a bebida é chamada de açaí. Mera coincidência, o açaí é rico em antioxidantes naturais, a exemplo, as antocianinas, e possui 33 vezes mais antocianinas (substância que dá coloração ao fruto) que o vinho tinto. Com a descoberta das funcionalidades do fruto, o açaí vem tomando proporções cada vez maiores na mídia nacional e internacional como fonte de saúde, sendo utilizado na indústria de produtos fitoterápicos, e ainda proporcionando um leque de opções para o público em geral desde a gastronomia até a produção de cosméticos, de forma que o açaí deixou de ser um produto meramente popular e passou a fazer parte também, das classes que possuem maior poder aquisitivo. A explosão do fruto nos principais mercados do Brasil, em função da industrialização e congelamento da polpa, ocasionou um aumento exorbitante da demanda “estima-se que no Estado do Rio de Janeiro sejam consumidas cerca de 500 toneladas mensalmente, 150 toneladas em São Paulo e outras 200 toneladas nos demais estados brasileiros” (SILVA, 2010). A procura pelo “vinho” se deve em razão dos vários atributos que o açaí possui e pela possibilidade de consumí-lo de diferentes formas, tais como: com granola, suco de laranja, suco de acerola, açaí em barra, açaí com banana, açaí com morango etc.; atendendo aos hábitos e costumes de consumidores de outras regiões do país, sem comprometer as suas propriedades originais. Dada a importância social e econômica do produto para as populações nativas no âmbito local, o açaí é responsável em grande parte pela redução do êxodo rural, pela geração de receitas, pela manutenção da cultura que depende do sistema de produção desenvolvido. É um produto marcado por uma crescente demanda dos mercados interno e externo, fomentando e estimulando os elos da cadeia produtiva, suprindo o fornecimento de insumos para as agroindústrias. Neste sentido, Lopes (2003, p. 19) em seus registros destaca que: A exploração racional do açaí é de fundamental importância para a economia rural paraense, dado que responde pela sustentação econômica das populações ribeirinhas, por se constituir na principal fonte de matéria prima para a agroindústria do palmito e de produção do vinho de açaí, produto bastante demandado. No Estado do Pará, o açaí é a base alimentar de muitas famílias de baixa renda além de ser consumido por todas as classes sociais. Com as novas descobertas da ciência (altos valores nutricionais), houve um aumento da demanda pelo fruto no mercado nacional, o que elevou significativamente o preço do produto no mercado local. Existem também, alguns comerciantes que processam o fruto para atender a demanda local e destinam parte do açaí na forma pasteurizado para o mercado exportador. No âmbito econômico, a região de Belém é o epicentro da economia do açaí, a considerar que a procura pelo “vinho” tornou-se um negócio rentável para quem o comercializa. Sob o ponto de vista social, o setor é responsável por cerca de 25 mil empregos diretos e gera anualmente mais de R$ 40 milhões em receitas através das atividades de extração, transporte, comercialização e industrialização dos frutos na região (SILVA, 2010). Boisier (1996, apud DALLABRIDA; BECKER, 2008, p.181) em seus estudos assinala que construir uma região sobre o aspecto social significa: 2514 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 [...] potencializar sua capacidade de auto-gestão, transformando a sociedade mais [...], organizada, coesa, consciente da identidade sociedade-região, capaz de mobilizar-se por projetos políticos coletivos, isto é, capaz de transformar-se em sujeito de seu próprio desenvolvimento. Nesse aspecto, a capacidade da região de promover o seu próprio desenvolvimento, viabiliza novos negócios e agrega valor aos empreendimentos já existentes. A compreensão dos efeitos da dinâmica do açaí para a economia local do município do Belém está diretamente ligada ao elevado potencial de mercado que o fruto possui, ao relacionamento do segmento com diversos setores da economia impulsionando outras atividades produtivas ligadas ao açaí, estimulando o fluxo de produtos e serviços, tornando a região de Belém e o seu entorno num celeiro de oportunidades. Fruto do extrativismo da Amazônia, o açaí aqui comercializado atende também, a questão ambiental, a exemplo, o mercado consumidor do E.U.A, exige que o açaí seja um produto baseado na produção orgânica. E as solicitações deste mercado específico são a rigor atendidas. Existem localidades em que a produção é baseada sem o uso de agrotóxicos e conservantes, onde são verificados os aspectos desde manejo de plantas, de solo e biodiversidade e ainda o produto possui certificação, para efeito de rastreabilidade da cadeia produtiva, se for o caso. Na verdade, o açaí é um produto que atende de maneira geral a mudança de comportamento dos mercados do universo globalizado conquistando novos espaços e consumidores. 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Analisar a comercialização do açaí no município de Belém sob a ótica das linhas de Crédito Rural do PRONAF; 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Discutir a dinâmica do fruto no cenário econômico; Identificar e dar visibilidade as Linhas de Crédito Rural do PRONAF voltadas para o setor; Refletir sobre a questão ambiental da atividade para a região; 3 METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo, exploratório quanto aos fins, qualitativo quanto à natureza e, bibliográfico quanto aos meios, com fundamentação em Vergara (2004), Lakatos e Marconi (2010). Descritivo considerando que tem como finalidade precípua a descrição do fenômeno no caso à comercialização do açaí sem interferir na ocorrência do processo. Exploratório, haja vista, abordagem do tema com um “olhar” do PRONAF. Qualitativa quanto a natureza, considerando análise e interpretação dos dados, cujo propósito do estudo é emitir ao setor produtivo, informações acerca da importância da cultura do açaí para a economia local, com agregação de valor do fruto no comércio do município de Belém. Atas Proceedings | 2515 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Bibliográfico, porque na construção da fundamentação teórico-metodológica do trabalho utilizou-se como base, dados secundários, através dos conhecimentos teóricos e literatura especializada desenvolvidos a respeito do tema sob análise, na qual o estudo remete a comercialização do açaí e seus efeitos para a economia do município de Belém (PA), destacando pontos relevantes para a elaboração deste artigo. Os dados foram trabalhados conforme enfatiza Minayo (2003, p. 74) “a análise de conteúdo visa verificar hipóteses ou descobrir o que está por trás de cada conteúdo manifesto. [....] o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado e/ou simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto (seja ele explícito e/ou latente). Neste sentido Vergara (2004) corrobora quando registra que analise de conteúdo é uma técnica de tratamento de dados cuja finalidade é identificar o que está sendo dito a respeito de determinado tema. 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES Na seqüência, serão discutidos como ocorre à comercialização do açaí no município de Belém, analisando a dinâmica do fruto no cenário econômico, as linhas de crédito rural do PRONAF para o financiamento da cultura e a importância da atividade para o setor em relação à questão ambiental. 4.1 A DINÂMICA DO AÇAÍ A dinâmica do mercado faz com que ocorram mudanças no ambiente de negócios e com a explosão do açaí no Sudeste do país (eixo Rio - São Paulo) e ainda, E.U.A, Europa e Ásia, o consumo do “vinho” de açaí passou a fazer parte do cardápio das famílias com maior poder aquisitivo (SANTANA apud SILVA; SILVA, 2006). O açaí se constitui o alimento básico de grande parcela da população no Estado do Pará, principalmente dos povos ribeirinhos que o consomem na safra, em todas as refeições do dia, e o exploram em sua quase totalidade na forma extrativa, sendo de vital importância na sustentação econômica dos ribeirinhos, bem como na dieta alimentar da população urbana. A cultura do açaí faz parte da identidade regional da população paraense. No Estado encontram-se 17 dos 20 maiores municípios produtores de frutos de açaizeiros nativos do País. São eles: Limoeiro do Ajuru, Ponta de Pedras, São Sebastião da Boa Vista, Muaná, Oeiras do Pará, Igarapé-Miri, Mocajuba, Afuá, São Miguel do Guamá, Inhangapi, Magalhães Barata, Barcarena, Cachoeira do Arari, São Domingos do Capim, Marapanim, Irituia e Santa Luzia do Pará. No Maranhão, onde se encontram outros importantes centros produtores, os destaques são os Municípios de Luís Domingues, Carutapera e Amapá do Maranhão. Os frutos quando maduros são conhecidos popularmente em duas variedades: o açaí roxo ou preto e o açaí branco. O roxo apresenta frutos na cor azul tendendo para violácea, e o branco na cor verde escuro. Essas variedades são comumente encontradas nas feiras livres de Belém na forma “in natura” ou transformada em “vinho” e consumido a qualquer hora do dia. Existem também, outros tipos de açaí, a exemplo, o açaí Parol ou Paral que ocorre quando o fruto não está totalmente maduro e possui manchas esverdeadas, o açaí Tuíra é aquele bastante maduro e que fica com uma tonalidade acinzentada, o açaí Tinga é quando os frutos já estão maduros, mas que não empreta ou escurece, entre outros. 2516 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Além do suco do açaí passaram a ser fabricados, vinhos, produtos energéticos, produtos de estética e beleza, etc..; Essa nova tendência trouxe investimentos para o setor de gastronomia e turismo de negócios formando capital complementar nessas áreas, além de outras atividades indutoras para a região, a exemplo, a instalação de agroindústrias. De acordo com a literatura de Souza, (2005, apud HIRSCHMAN, 2009, p.34), os investimentos e as atividades indutoras dispõem do seguinte papel: atuam como agentes indutores do crescimento econômico [...] encadeamentos para trás no processo de produção (verticais) que tem origem da compra de insumos, e encadeamentos para frente (horizontais) em função da venda dos insumos. [...] Uma atividade qualquer será considerada atividade chave, quando seus efeitos de encadeamento sobre a produção da economia são superiores a média do conjunto dos setores, tanto para trás, como para frente no processo produtivo. São essas atividades que estimulam o crescimento econômico por meio dos encadeamentos para trás e para frente dos elos da cadeia produtiva do açaí, no que se refere à compra e venda entre os setores, a fim de atender a demanda local e outros mercados do Brasil e do exterior. O açaí transformou o Estado do Pará no principal produtor do planeta como o correspondente a 700 mil toneladas por ano e em torno de US$ 1 bilhão arrecadados somente com a exportação, sendo que o Estado também é o maior produtor e consumidor de “vinho” (O LIBERAL, 2011). Isso se deve em razão de que na Amazônia, é onde existe a maior incidência botânica do fruto o açaí, e ainda é uma cultura altamente exigente de mão de obra local e responsável pela sustentação econômica de muitas famílias. Estima-se que na cidade de Belém haja aproximadamente 4.000 pontos de venda do açaí período da safra (julho a dezembro) e 1.500 pontos na entressafra (janeiro a junho), e o consumo diário de açaí gire em torno de 200 mil litros por dia (O LIBERAL, 2010), sendo que a produção para o mercado local é uma atividade de baixo custo e de boa rentabilidade econômica para as populações nativas. A venda de polpa de açaí congelada, que segue para outros mercados e estados brasileiros, têm gerado muitas divisas para o Estado do Pará. É essa exportação o motivo principal da escassez do produto e da elevação dos preços no mercado interno em grande parte do ano, principalmente no período de entressafra (janeiro a junho). 4.1.1 A Logística e a Comercialização O açaí consumido em Belém no período da safra (julho a dezembro) vem principalmente das regiões das ilhas e do Arquipélago do Marajó. Na entressafra, com a escassez do fruto no mercado de Belém, o Estado do Maranhão é quem acaba abastecendo o mercado paraense, uma vez que, o período da safra do açaí maranhense, coincide com os meses da entressafra do açaí no Estado do Pará. A logística da atividade ocorre através das rodovias e também, das hidrovias que transportam o açaí por meio de barcos em condições precárias de médio e pequeno porte, muito característico na nossa região. Considerando o fato do açaí possuir caráter perecível e após a colheita sofrer oxidação, diferentes agentes sociais participam no transporte da atividade para que o açaí chegue em boas condições até o consumidor final. Dentre os agentes estão: ribeirinhos, produtores rurais, atravessadores, comerciantes, associações e cooperativas que de alguma forma acabam participando dos elos da cadeia produtiva da atividade, fortalecendo ainda mais o potencial APL do açaí. Neste sentido Costa (2010, p.128) assevera que: Atas Proceedings | 2517 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural É importante ter em mente que um APL pode englobar uma cadeia produtiva estruturada localmente ou concentrar-se em um ou alguns elos de uma cadeia produtiva de maior abrangência espacial, regional, nacional ou mesmo internacional. Isso acaba permitindo que a atividade se torne flexível, eficiente e dinâmica, aumentando a capacidade potencial do APL, tornando a cadeia produtiva do açaí altamente competitiva. Ao chegar em Belém, a comercialização do fruto ocorre nas primeiras horas do dia na Feira do Açaí (Ver-o-Peso), Porto da Palha, Porto do Sal, Vila da Barca, Icoaraci e Estrada Nova, onde os ribeirinhos e atravessadores negociam o preço dos paneiros ou rasas1. Os frutos são comercializados em rasas de 28 kg e alcançam preços variáveis durante o ano que variam de R$ 30,00 no período da safra e pode chegar até R$ 160,00 no período da entressafra. As transações comerciais do açaí na feira do Ver-o-Peso, principal ponto atacadista do fruto ocorrem ainda de madrugada e a instabilidade dos preços da rasa de açaí ocorre de acordo com o passar das horas, em função da oxidação que o fruto sofre, do tipo de açaí e da sua localidade de origem. Essas negociações ocorrem tanto no período da safra quanto da entressafra. Em virtude de apresentar caráter perecível, o açaí deve ser comercializado e consumido nas primeiras horas após a colheita. A comercialização do “vinho” na forma “in natura” no mercado de Belém é bastante diversificada, a mistura do açaí com produtos protéicos é feita com peixe (predominante no meio rural), charque (produto de grande preferência, mas limitado pelo poder de compra), camarão, carne e com a própria refeição. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), os preços praticados no ano de 2012 em 25 locais no comércio do açaí em Belém/PA (feiras livres, pontos de venda e supermercados) sofreram variação de 2,22%, 7,49% e 8,57% grosso, médio e papa respectivamente no período de janeiro à dezembro conforme tabela abaixo. Essa variação se justifica em parte, pela escassez do produto no período da entressafra (janeiro à julho), o que ocasiona a alta dos preços do açaí no bolso do consumidor e reflete a necessidade do setor em se estruturar melhor em relação a estocagem do açaí após o beneficiamento, transporte e a própria produção com vistas a manter a sazonalidade do produto durante todo o ano. Tabela – 1 Preços de Açaí Comercializados em Belém Produto Açaí PAPA GROSSO MÉDIO Preço Médio (R$) dez.12 17,6 15,18 11,05 Preço Médio (R$) jan.12 16,22 15,02 10,3 Preço Médio (R$) dez.11 16,21 15,02 10,3 variação em 2012 jan-dez % 8,57 2,22 7,49 Fonte: Conab, jan. 2013 A perspectiva é que a falta de oferta do produto no período da entressafra seja solucionada, a fim de que esse mercado atenda a demanda das outras regiões do país, uma vez que, o estuário amazônico possui potencial produtivo para isso e abriga um estoque significativo da espécie. O aumento da procura pelo fruto ocorre em função de suas propriedades nutricionais e anti-oxidantes e vem propiciando um novo segmento no mercado de alimentos e cosméticos, tendo em vista que consumo do “vinho” ter se constituído numa espécie de modismo no sudeste brasileiro e em outras regiões do país. 1 Os paneiros de açaí ou rasas constituem a medida local que corresponde à 02 latas de 20 litros, aproximadamente 28 kilos. 2518 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 4.1.2 O Processamento e o Consumo O “vinho” do açaí é obtido por meio do processamento manual ou mecânico. O processo de maceração ocorre quando os frutos são amassados de forma manual em um crivo especial após terem permanecido em água quente durante 10 a 15 minutos, sendo que o suco é recolhido em um alguidar de barro. A outra forma de obter o suco se dá através de máquinas despolpadoras, com adição de água durante o processamento de onde se obtém um suco de consistência pastosa de cor violácea, dependendo da quantidade de água utilizada no seu processamento, este é classificado em grosso ou especial, médio ou regular e fino ou popular. A qualidade do “vinho” depende exclusivamente da procedência dos frutos, do processamento e dos materiais utilizados no despolpamento, os equipamentos e utensílios utilizados devem ser em aço inoxidável para não acumular sujeira e possibilitar a proliferação de fungos e contaminação de outros vetores. O fruto deve passar por quatro lavagens. A 1ª com água corrente, para a retirada de impurezas e insetos provenientes do campo e do transporte. Na 2ª os frutos, permanecem de molho em uma solução contendo hipoclorito, ocasião em que são feitos vários revolvimentos nos frutos, e também, a catação com um crivo ou uma peneira das partículas em suspensão. A 3º lavagem é para retirar o excesso de cloro da água e na 4ª, o fruto fica de molho antes de ser processado de fato. O local onde ocorre o processamento deve possuir possui higienização adequada, como também, as pessoas que manipulam o fruto, utilizam uniformes e protetores adequados. Na região Norte, o “vinho” é consumido como suco com ou sem açúcar, acompanhado de farinha de mandioca ou tapioca e peixe entre outras iguarias, alimentação típica das populações nativas, sendo a principal refeição do dia. Nas outras regiões do Brasil e no mercado internacional, o suco é consumido acompanhado de frutas, com guaraná e cereal. A lógica do mercado é atender aos desejos e necessidades dos clientes, propiciando aos consumidores diferentes combinações de açaí, seja industrializado e pasteurizado, com xarope de guaraná, em pó, com doce de leite, geléia e licor de açaí. No Estado do Pará, o açaí é a base alimentar de muitas famílias de baixa renda. O fruto enquanto produto final atende principalmente o mercado local há aproximadamente dois séculos. A considerar que o “vinho” é uma bebida encorpada, que possui alto teor nutritivo e energético. Nos últimos anos, com a descoberta das funcionalidades do fruto, houve uma procura maior pelo suco, que é o alimento básico diário das refeições da população local, principalmente da população de baixa renda. Atualmente, esse produto vem sendo cobiçado e tem conquistado outros segmentos. Neste sentido, Rogez (2000, apud LOPES 2003) enfatiza que. Vale a pena destacar que os consumidores do meio rural, ingerem o suco do açaí três vezes ao dia, nas principais refeições, durante o ano todo, enquanto que os consumidores urbanos consomem uma única vez ao dia, no almoço ou ocasionalmente como sobremesa com açúcar. O registro evidência que na atual conjuntura do mercado globalizado e altamente competitivo, o homem está “voltando as suas raízes” e valorizando o que a natureza lhe proporciona de melhor e saúde e qualidade de vida. Atas Proceedings | 2519 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 4.2 AS LINHAS DE CRÉDITO DO PROGRAMA NACIONAL PARA FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR (PRONAF) PARA O SETOR O Hoje, o papel dos Bancos regionais é fomentar as regiões mais atrasadas do país e destinar financiamentos através dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste (FNO, FNE e FCO), capazes de aumentar a capacidade produtiva da região. No caso da Amazônia é o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte - FNO exclusivo do Banco da Amazônia, onde os agricultores podem acessar através do FNOAmazônia Sustentável (para médios e grandes produtores) e do PRONAF (para pequenos e mini-produtores) créditos disponíveis para a cultura do açaí à uma taxa de juros bastante atrativa, estimulando a produção no meio rural, de forma que a renda gerada por essas atividades sejam utilizadas em favor da modernização da estrutura produtiva, da diversificação da produção e das necessidades sociais da região. O crédito destinado para a cultura do açaí, através do PRONAF é voltado exclusivamente para as atividades de plantio, extração, transporte, comercialização e industrialização dos frutos. No atual Plano Safra 2012/2013, os recursos disponíveis do PRONAF para o financiamento do açaí são para Grupo A e A/C (agricultores assentados da Reforma Agrária ou do Plano Nacional para o Crédito Fundiário – PNCF); o Grupo B e a Linha Mais Alimentos - MA; e ainda através das linhas especiais, Pronaf AGROECOLOGIA, Pronaf FLORESTA, Pronaf AGROINDÚSTRIA e Custeio ISOLADO; Para acessarem o crédito, os beneficiários terão que obter a DAP (Declaração de Aptidão do PRONAF), que tem validade de 06 anos, e é um documento gratuito fornecido pelas Empresas Oficiais de Assistência Técnica e Extensão Rural de todo país, com a anuência do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. Na DAP consta a base de cálculo da renda bruta anual da unidade familiar para efeito de enquadramento no Grupo ou Linha do Programa, como também, o tamanho da terra que não pode ser superior a 04 módulos fiscais e 50% da renda obtida pela família do agricultor ter que ser oriunda das atividades desenvolvidas na unidade familiar. Só é permitido a propriedade ter no máximo até dois empregados, o agricultor tem que morar no estabelecimento rural ou em local próximo e a gestão do empreendimento tem que ser familiar. A partir dessas informações, serão elaborados pela Assistência Técnica pública ou privada, projetos específicos com análise técnica, econômica e financeira da proposta e de acordo com o perfil dos agricultores e a linha de crédito ou grupo ao qual serão enquadrados. Nestes termos, dependendo do Grupo ou da Linha de financiamento em que o proponente foi enquadrado, o teto operacional das operações variam de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) para operações de custeio podendo chegar até R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para operações de Investimento com custeio associado, a uma taxa de juros que varia de 0,5% podendo chegar a 4,0%, sendo que o prazo máximo para o reembolso da operação varia de 02 anos podendo chegar até 20 anos e a carência dos empreendimentos varia de 02 anos até 12 anos. Em algumas operações há ainda, o bônus de adimplência de 25% para os beneficiários do Pronaf B ou de 40% de desconto para os mutuários do Pronaf A para quem liquidar a operação dentro do prazo previsto (BANCO DA AMAZÔNIA, 2013). Nesse contexto, a agricultura familiar tornou-se um importante segmento da produção agrícola do país, sendo grande geradora de emprego no campo e responsável pela maior parte da produção que abastece o mercado interno, ou seja, cerca de 70% dos alimentos consumidos que chegam à mesa dos brasileiros. 2520 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Esses produtores familiares respondem ainda por cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, desempenhando papel importante na economia de um grande número de municípios, o que a torna indispensável para o desenvolvimento do país. 4.3 O AÇAÍ SOB A ÓTICA AMBIENTAL Cada vez mais aumenta o interesse público por questões ambientais e a condução de uma política voltada para a utilização dos recursos naturais de forma ordenada e racional se tornou prioridade nos setores ligados aos processos produtivos do açaí. A contar que os açaizais nativos estavam em extinção porque eram explorados para a extração do palmito, cuja produção depende exclusivamente do corte integral da árvore. Com o aumento da demanda pelo “vinho” de açaí em outras regiões e países tornou-se mais rentável manter os açaizais nativos para a extração do fruto, contribuindo decisivamente para sua preservação. Houve a necessidade de produzi-lo de forma sustentável. Rogez (2000) ressalta que: Os frutos do açaizeiro que eram voltados, principalmente, para o autoconsumo, passa a ocupar uma posição preponderante na renda familiar. O aumento da demanda pelo vinho de açaí está provocando a passagem progressiva de um produto naturalmente “extraído” para outro “manejado” racionalmente explorado e enriquecido. Assim, os usos de técnicas que auxiliam no manejo racional do açaí, foram sendo incorporadas na atividade como forma de explorá-lo sem comprometer o meio ambiente. Haja vista, o açaí contribui para a expansão da economia da região, cujo desafio conforme enfatiza Cota (apud TEISSERENC et al 2008, p.102) é conciliar “desenvolvimento sustentável, desenvolvimento e proteção ambiental”. O sistema de produção do açaí proporciona a recomposição de áreas desmatadas, o enriquecimento do solo através das folhas, galhos e sementes que caem da palmeira e que naturalmente acabam fazendo a ciclagem de nutrientes, serve de sombra para outras espécies nativas, mantém o equilíbrio do ecossistema da região e gera renda para a família do agricultor. Nessas circunstâncias, a atividade acaba integrando famílias, aproveitando a mão de obra existente, evita o êxodo rural, agrega outras atividades produtivas de subsistência e aprimora cada vez mais a produção de açaí e de outros produtos agroflorestais, fortalecendo a agricultura familiar e fomentando o comércio dessa iguaria na região. Existe também, no Estado do Pará, o cultivo do açaí baseado na produção orgânica que atende a um mercado específico (E.U.A), que exige uma produção mais saudável. A cultura do açaí proporciona uma exploração de forma sustentável. Do fruto é extraído o “vinho” para o consumo alimentar, a borra é utilizada na fabricação de produtos de estética e beleza, as fibras para a produção de vassouras e na fabricação de móveis e utensílios e na indústria de automóveis, as folhas e o tronco são utilizados na cobertura e na construção de casas, a semente “caroço” pode ser utilizado na indústria de torrefação de café, de móveis, na extração de óleo comestível, como ração animal, carvão vegetal e adubo orgânico (TINOCO, 2005, apud PEROTES; LEMOS, 2008). E ainda, o “caroço” é utilizado na fabricação de artesanato regional, a exemplo, as biojóias. Além de se aproveitar tudo da palmeira, a cultura estimulou o desenvolvimento de subprodutos, o que resultou na instalação de indústrias e agroindústrias na região. Registros confirmam tais informações vejam: Atas Proceedings | 2521 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural O desenvolvimento da agroindústria contribui, não somente para o aproveitamento dos recursos, como também para a diminuição de perdas agregando um valor à produção e ainda, para a valorização e a fixação do homem do campo em seu meio, com a geração de empregos em todos os níveis, aumento de renda regional, diminuição das tensões sociais e aumento das exportações [...] (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, 1996, p.28). Ao lado de outros produtos de enorme valor comercial, a comercialização do açaí garante uma renda permanente para quem o comercializa, o produto conquistou o mercado de Belém que tornou-se um celeiro de pontos que comercializam o açaí sob todas as formas e ainda, as agroindústrias instaladas na região metropolitana da cidade, exportam o produto durante o ano todo para o centro-sul do país, considerando que existe uma demanda crescente pelo fruto e ainda possibilidades de expansão para o mercado internacional. 5 CONCLUSÃO O açaí é uma atividade que vem se destacando na economia brasileira, a comercialização do fruto gera emprego e renda, movimenta o comércio do fruto, atrai investimentos para a região, estimula o desenvolvimento da produção, dos vetores de sua distribuição, via ocupações produtivas e ainda atende uma demanda crescente do mercado externo. O apoio do poder público através das políticas de crédito rural voltadas para o financiamento da cultura contribui também para o desenvolvimento local. Em que pese à necessidade do setor se tornar cada vez mais dinâmico, existe a preocupação por parte dos comerciantes em negociarem o fruto em condições ideais para o consumo, tendo em vista que o açaí sofre oxidação e é altamente perecível. Nestas condições, o fruto oriundo de diferentes localidades chega ao mercado de Belém ainda de madrugada para ser comercializado. A comercialização da matéria prima possibilita além do suco, a fabricação de subprodutos tais como doces, geléias, sorvetes, bombons, licores, energéticos, na preparação de mix (composto de yogurte, guaraná, banana e acerola) etc., pelas indústrias e agroindústrias instaladas no entorno de Belém que atendem o mercado local e exportam boa parte do que produzem para o mercado externo (principalmente ao Centro-Sul do país). É interessante pontuar que o sistema de produção da cultura atende a lógica do desenvolvimento por meio do manejo racional sem comprometer o meio ambiente. Isso ocasiona a expansão da economia no município de Belém, tornando a atividade altamente monetizada. Nas feiras livres da capital paraense é possível consumir o açaí de diferentes formas e ao sabor do mercado, com carne, peixe, pirarucu frito, camarão, farinha de mandioca, farinha de tapioca, etc., e ao gosto do cliente. As transações comerciais com o açaí geram renda e parte dessa renda é utilizada para modernizar os pontos onde o fruto é comercializado. No mercado informal, existem muitos comerciantes que trabalham nesse ramo de forma autônoma na periferia da cidade, sem muitas condições, sendo a única fonte de renda para o sustento de suas famílias. O comércio do açaí é uma atividade economicamente rentável, a exemplo, o litro do açaí médio custa entre R$ 10,00 (dez) à R$ 12,00 (doze) reais no período da safra (julho á dezembro). Na entressafra (janeiro à junho) o preço do litro do tipo papa ou grosso varia de R$ 15,00 (quinze reais) podendo chegar até R$ 18,00 (dezoito reais) no centro da cidade e dependendo do local de compra esse preço pode até aumentar ou baixar. Existem supermercados em Belém que chegam a cobrar até R$ 28,00 (vinte e oito reais) num litro do açaí grosso na entressafra. Considerando que os preços praticados no mercado são regulados 2522 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 de acordo com a oferta e a demanda do produto, mesmo assim, o açaí com os preços exorbitantes ou não, tem um mercado promissor muito disputado para quem sobrevive da atividade. A comercialização do açaí via agroindústrias com vistas a atender o mercado externo é mais exigente e o beneficiamento do produto inclui despolpadeiras industriais, pasteurizador, seladora pneumática (empacotamento) e datador pneumático (registra e enumera os lotes) e por fim a câmara frigorífica para manter o produto em temperatura adequada até o seu destino final. Esses procedimentos adotados são necessários para que o açaí chegue em ótimas condições de consumo até os consumidores. Essas transações comerciais, contribuem para a entrada de divisas no Estado, projetando ainda mais o segmento. Enfim, o consumo do açaí em Belém passa por profundas alterações. De um produto tipicamente regional e componente da alimentação cotidiana da população, tem se tornado um produto para a população de maior poder aquisitivo dada sua elevação de preço. Isso pode ser um indutor de maior industrialização e desenvolvimento de outros produtos derivados deste fruto. Persistindo este movimento a médio e longo prazo, pode ocorrer uma mudança não simplesmente econômica ou alimentar, mas de cunho cultural na medida em que ele se tornará menos presente na alimentação cotidiana da maioria da população regional. Por outro lado, o aumento da demanda extrarregional, eleva os preços, estimula a ampliação da área plantada. Dependendo do cruzamento destas dinâmicas teremos determinadas configurações do mercado regional e do consumo local, e consequentemente a mudança de comportamento do mercado do açaí na economia do município de Belém. REFERÊNCIAS ABAETÉ se mobiliza contra os barbeiros. O Liberal, Belém, 30 out. 2011. Saúde, caderno Atualidades, p. 15. BANCO DA AMAZÔNIA. Financiamento Pronaf. Disponível em: <http:// www.bancoamazonia.com.br/> Acesso em: 20 mar. 2013. COSTA, Eduardo J. M. da. Arranjos produtivos locais, políticas públicas e desenvolvimento regional. 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Atas Proceedings | 2523 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural LAKATOS, Eva M.; MARCONI, Marina de A. Metodologia do trabalho científico. 6. ed.São Paulo: Atlas 2010. p 41 LOPES, Maria Lúcia Bahia. Distribuição dos retornos sociais do manejo do açaí no Estado do Pará. In: GRAÇA, Hélio (Org.). O meio amazônico em desenvolvimento: exemplo de alternativas econômicas. Belém: Banco da Amazônia, Gerin, 2003. p.19 – 46. MINAYO, M. C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 22. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. OLIVEIRA, Maria do Socorro Padilha de; FARIAS NETO, João Tomé de; PENA, Rosinelson da Silva. Açaí: técnicas de cultivo e processamento. In: SEMANA DA FRUTICULTURA, FLORICULTURA E AGROINDÚSTRIA FLOR PARÁ, 7., 20 a 23 junho de 2007. Belém – Pará: HANGAR - Centro de Convenções e Feiras da Amazônia, 2007. PEROTES, Kleber Farias; LEMOS, José Carivaldo Filgueira de. 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MARIA LÚCIA BAHIA LOPES; Drª em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa - UFV; Professora do Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano da Universidade da Amazônia (UNAMA). E-mail: [email protected] LINDAURA AROUCK FALESI; Drª em Ciências Agrárias pela Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA; Professora do Programa de Mestrado em Economia da Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected]; GISALDA CARVALHO FILGUEIRAS; Drª em Ciências Agrárias pela Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA; Professora do Programa de Mestrado em Economia da Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected] RESUMO O açaizeiro (Euterpe Oleracea Mart.) é nativo da Amazônia brasileira, mas, é no estado do Pará que ocorre maior incidência natural dessa palmácea. As maiores concentrações ocorrem em solo de várzeas e igapós, compondo ecossistema de floresta natural ou em forma de maciços conhecidos como açaizais. Com a expansão do mercado consumidor e limitação da oferta extrativa do recurso forçou uma mudança de exploração nos extratores que passaram a buscar alternativas de exploração sustentável da palmeira. Desde 2002 iniciou-se mudanças no padrão agrícola da cultura do açaí no Pará, decorrente de tecnologia de manejo do açaí de várzea e seu plantio em terra firme, onde parte da produção passou para uma base de cultivo. O açaí tem sua importância na alimentação da população de baixa renda, na inclusão social pela geração de emprego e renda e melhoria na qualidade de vida da população ribeirinha do Estado. Por tudo isto, o objetivo desta pesquisa foi o de analisar os benefícios gerados pela produção do açaí, averiguar os desafios para os produtores em acompanhar a expansão da demanda e visualizar sua organização em arranjos produtivos locais (APLs). Para o dimensionamento dos benefícios aos consumidores e produtores aplicou-se o modelo do Excedente do Produtor e do Consumidor. Os resultados quanto à formação do excedente, comprovou-se que houve melhoria com aumento da produção e da renda, gerando excedente para o consumidor e produtor, sendo maior para este último. Quanto à formação de APLs, ainda é fraco com relação à atividade, entretanto, vislumbra-se como de grande potencial para ajuste na produção agroindustrial, valorização e aprimoramento de habilidades produtivas. Palavras-chaves: Açaí, Excedentes do consumidor e do produtor, Pará, Arranjos produtivos locais (APL). 1 Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor. 1 | 2525 Atas Proceedings VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 1 INTRODUÇÃO O açaizeiro (Euterpe Oleracea Mart.) é nativo da Amazônia brasileira e o estado do Pará é o principal centro de concentração natural dessa palmácea. É na região do estuário do Rio Amazonas que se encontram as maiores e mais densas populações naturais de palmeiras do açaí, adaptadas às condições elevadas de temperatura, precipitação pluviométrica e umidade relativa do ar. Essas concentrações ocorrem em solo de várzeas e igapós, compondo ecossistema de floresta natural ou em forma de maciços conhecidos como açaizais, com área estimada em um milhão de hectares (Nogueira et al, 2005). Até meados de 2000, grande parte da produção ainda era extrativa, porém, o processo de industrialização de frutas mudou o cenário, estimulando a evolução para os plantios racionais em área de terra firme. Com o aumento da demanda interna e externa, a mudança do padrão agrícola de uma base produtiva extrativa para uma de cultivo reflete o interesse dos produtores em aumentar a oferta com a finalidade de atrair agroindústrias de processamento de polpa de frutas. Em 2012, cerca de 96% da produção de frutos originou-se no extrativismo, enquanto os 4% restantes eram provenientes dos açaizais manejados e cultivados em várzea e terra firme. Para Silva et al (2006), a utilização de novas tecnologias de manejo e de cultivo racional tem sido de fundamental importância para a exploração sustentável da cultura do açaí, contribuindo para atenuar o déficit de oferta, em face do aumento da demanda de mercado, visto que tem permitido ganhos expressivos em produtividade, garantindo renda para produtores e agroextrativistas, além de assegurar, mesmo a preços mais elevados, o consumo de açaí no estado do Pará. Neste contexto, a exploração racional do açaí é de fundamental importância para a economia rural paraense, dado que responde pela sustentação econômica das populações ribeirinhas, por se constituir na principal fonte de matéria-prima para a agroindústria de palmito e de produção do vinho de açaí, produto bastante demandado atualmente. Assim, os frutos do açaizeiro, que até pouco tempo eram destinados, principalmente, para o autoconsumo, passa a ocupar uma posição preponderante na renda familiar, representando até 80%, da renda dos caboclos (Lopes, 2001). Diante do exposto, o objetivo deste artigo foi analisar a distribuição dos retornos socioeconômicos do manejo do açaí para produção de fruto entre consumidores 2 2526 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 e produtores no estado do Pará decorrente de sua produção organizada em arranjos produtivos locais (APLs). Para tanto, organizou-se este artigo em quatro seções, além desta pequena introdução. Na seção dois, discute a base teórica, na terceira, descreve-se a metodologia. Na quarta seção tem-se a discussão dos resultados e na quinta, procedese com a conclusão. 2 ASPECTOS TEÓRICOS Para a avaliação dos benefícios socioeconômicos decorrentes da dinâmica da produção do açaí, foram utilizadas a Teoria do Desenvolvimento Endógeno, com enfoque nos estudos relacionados ao desenvolvimento regional e local e análise de Excedente Econômico. 2.1 TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO As décadas de 1980 e 1990 marcaram uma evolução na teoria do desenvolvimento econômico, em especial pela falência do modelo fordista de produção em massa, a qual abre caminho para as discussões em torno das estratégias de desenvolvimento local, com foco nas aglomerações de empresas em determinado espaço geográfico. A globalização e a abertura econômica, verificadas com muita intensidade nos anos de 1990, impuseram às empresas e regiões um desafio sem precedente no campo da competitividade. Como forma de adaptação, muitas empresas têm procurado desfazer e não criar raízes territoriais, visando à busca constante de competitividade através da procura de subsídios, mão de obra barata e facilidades de mercado (Amaral Filho, 1998). Podem-se identificar pelo menos cinco fontes estruturais dessa grande transformação, conforme ainda Amaral Filho (1998): Crise do planejamento e da intervenção regionais centralizadores; Reestruturação do mercado; Megametropolização; Globalização e abertura dos mercados; e Utilização da tecnologia da informação e das telecomunicações. Crise do planejamento e da intervenção regionais centralizadores: descentralização político-administrativa, verificado desde o início dos anos de 1980, implicando a descentralização dos papéis dos atores regionais, das decisões e dos investimentos. Esse processo gerou maior valorização do território e do poder local em 3 Atas Proceedings | 2527 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural detrimento do poder central. Reestruturação do mercado: a oferta passou a ser orientada pela redução de custos fixos e pela flexibilidade nas decisões, nas ações e nas formas de produzir. Como consequência, essas transformações têm demonstrado certo favorecimento em relação às pequenas e médias empresas. Megametropolização: os problemas sociais inerentes às grandes metrópoles e à necessidade de ampliação da oferta de serviços e equipamentos públicos, em escala gigantesca, têm causado crises financeiras para as administrações públicas. Isso tem estimulado o deslocamento espacial dos investimentos, geralmente para regiões pouco afastadas dos territórios metropolitanos e desenvolvidos. Globalização e abertura dos mercados: o processo de deslocamento de investimentos e de plantas industriais à procura de fatores de produção competitivos revela apenas o lado funcional das empresas. Além disso, ocorre o deslocamento da referência Estado-Nação para a referência território, ou melhor, territórios, processo esse facilitado pela diluição relativa das fronteiras nacionais. A valorização da referência território, e de seus respectivos atores, aparece como resposta ou contrapartida ao processo de globalização e abertura dos mercados nacionais, visto que as medidas desreguladoras são tomadas em nível macro, mas suas repercussões (boas ou ruins) se manifestam em nível micro, ou territorial. Por fim, utilização da tecnologia da informação e das telecomunicações: o uso intensivo de tecnologia da informação e da telecomunicação implicou a formação de redes de transmissão de dados, imagens e informações, de tal forma que se passou a relativizar a importância da chamada distância espacial, fazendo assim emergir um novo conceito, o da proximidade organizacional, proporcionada pela inserção do indivíduo, empresa ou região nas redes de comunicação. O impacto disso foi a autonomização de certos tipos de atividades, ou de certas tarefas empresariais, em relação ao espaço geográfico que abriga a matriz do grupo ou da empresa em questão. Durante muito tempo, as políticas de desenvolvimento econômico, especialmente em países periféricos, caracterizavam-se pelo perfil concentrador, baseado na grande empresa e nos investimentos estrangeiros diretos, características estas que guardavam aderências com o modelo de produção fordista. A crise econômica, que se inicia nos países centrais na década de 1970, e o novo padrão técnico e 4 2528 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 econômico motivaram o esgotamento desse modelo de produção, que se apoiava fortemente em grandes empresas verticalizadas. É nesse contexto que se retoma a reflexão sobre as experiências de desenvolvimento local como forma diferenciada de ajuste produtivo no espaço territorial. Assim, políticas públicas, voltadas para ampliação da competitividade de certas regiões, passaram a desenhar ações horizontais tendo como foco, não apenas a empresa individual, mas também as relações entre as firmas e as demais instituições situadas em um espaço geográfico delimitado ou em um dado APL, que são aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais – com foco em um conjunto específico de atividades econômicas – que apresentam vínculos mesmo que incipientes. As políticas de desenvolvimento local, sobretudo as voltadas para a promoção dos APLs, constituem, uma resposta necessária e imperativa aos principais desafios impostos pelo novo padrão social e tecnológico de produção e pelas novas estratégias de desenvolvimento regional endógeno. De fato, em uma economia, cujo principal elemento de competitividade é a inovação, políticas que estimulem a cooperação, o aprendizado e o intercâmbio de conhecimento tornam-se significativas para o processo inovativo e uma resposta lógica às novas necessidades imprimidas pelo padrão de produção pós-fordista. Tanto assim que, a definição de Sistema de Inovação - SI está relacionada ao reconhecimento de que a inovação é um processo interativo e não restrito apenas a pesquisa e desenvolvimento (P & D). O conceito de SI dá destaque às estruturas políticas, culturais e institucionais e busca analisar os diversos componentes do sistema econômico que contribuem para o desenvolvimento de competências voltadas para a inovação, como, por exemplo, as redes formadas por agentes econômicos (Johnson & Lundvall, 2005). No Brasil, essa agenda, especialmente a pautada pelo enfoque neoschumpeteriano, que privilegia o caráter local da inovação e a importância da interação e cooperação para que o processo de geração e difusão de inovações se intensifique, desenvolveu o conceito de Arranjos Produtivos Locais como uma extensão do conceito evolucionista de SI desenvolvido por Freeman em 1988 (Góes & Guerra, 2007). 5 Atas Proceedings | 2529 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 2.2 EXCEDENTE DO PRODUTOR E DO CONSUMIDOR De acordo com Nogueira (2011), a análise microeconômica se faz necessária quando se deseja estimar os benefícios socioeconômicos resultantes do progresso tecnológico na agricultura. Assim, o presente estudo é baseado na teoria marshaliana de excedente econômico, na qual são importantes os conceitos de demanda e oferta, excedentes do consumidor e do produtor e elasticidades da demanda e da oferta, constituindo-se como ferramentas importantes no dimensionamento de benefício total proporcionado por um determinado bem aos consumidores e produtores. O excedente econômico (EE) é a medida que agrega o excedente do consumidor (EC) e do produtor (EP). Esse é calculado através do somatório desses excedentes conforme a fórmula: EE = EC + EP, onde, em termos conceituais, tem-se (Pindyck & Rubinfeld, 2002): a) Excedente do Consumidor (EC): mede o benefício total que os consumidores recebem além daquilo que pagam pela mercadoria, ou seja, é a diferença entre o que o consumidor deseja pagar e o que efetivamente paga ao adquirir determinado bem; e b) Excedente do Produtor (EP): é a soma das diferenças entre o preço de mercado e o custo marginal de produção relativo a todas as unidades produzidas pela empresa. O equilíbrio da quantidade e do preço maximiza o bem estar econômico agregado aos produtores e consumidores. E a soma de satisfação obtida com a venda e compra de um bem gera o conceito de excedente econômico, que para Santana (2005) nada mais é do que a soma do excedente do consumidor e produtor, que para um mercado em concorrência pura, representa a eficiência econômica (Nogueira, 2011). Assim, o excedente econômico é representado no Gráfico 1 como área compreendida entre as linhas descendentes e ascendentes que representam, respectivamente, a demanda e oferta de mercado. 6 2530 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Gráfico 1: Representação do Excedente Econômico (produtor e consumidor) P D D' S0 S1 P0 C EP F B P1 BSB A O O’ Q0 Q1 QF Q/t Fonte: Adaptado de (Pindyck & Rubinfeld, 2002). No Gráfico 1, o excedente do consumidor é a área entre a curva de demanda e a linha do preço de mercado (P0D’C). Já o excedente do produtor é a área acima da curva de oferta até a linha do preço de mercado (O’P0C) antes do deslocamento da curva de oferta, ou seja, ele representa o benefício de que os produtores com baixo custo desfrutam ao vender o produto pelo preço de mercado. A área O’P1BA representa o excedente do produtor após a curva de oferta se deslocar. O Benefício Social Bruto (BSB), ou benefício total, resultante da adoção de tecnologias para o cultivo de açaí é dado por O’CBA, conforme Lopes (2001) citada por Silva et al (2006). Quando combinado o excedente do consumidor com o lucro agregado obtido pelos produtores, pode-se avaliar os custos e os benefícios de estruturas de mercado alternativas e de políticas governamentais capazes de alterar o comportamento dos consumidores e empresas em tais mercados (Pindyck & Rubinfeld, 2002). A utilização de novas tecnologias de manejo e de cultivo racional tem sido de fundamental importância para a exploração sustentável da cultura do açaí, contribuindo 7 Atas Proceedings | 2531 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural para atenuar o déficit de oferta, em face do aumento da demanda de mercado, visto que tem permitido ganhos expressivos em produtividade, garantindo renda para produtores e agroextrativistas, além de assegurar, mesmo a preços mais elevados, o consumo de açaí no estado do Pará (Silva et al, 2006). Por outro lado, a organização da produção do açaí em arranjos locais proporciona ganhos a comunidade local pelo aumento da oferta e da qualidade do emprego, agrega ainda com a realização de treinamento da mão de obra, com a melhoria do nível salarial, com a atração de capital humano qualificado para a região e com a melhoria da infraestrutura regional e urbana; e o Estado também ganha com a promoção do desenvolvimento econômico local e regional com o aumento da receita com exportações, com a diminuição da informalidade, com o incremento da receita tributária e com o estreitamento de canais diretos com os agentes empresariais e com a comunidade local (Costa, 2010; IDESP, 2010). 3 METODOLOGIA 3.1 ÁREA DE ESTUDO A produção de açaí é realizada no Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins, e, ainda, em países da América do Sul (Venezuela, Colômbia, Equador, Suriname e Guiana) e da América Central (Panamá), mas ocorre, predominantemente, no estado do Pará, onde também apresenta as maiores níveis de consumo. O Mapa 1 mostra a concentração do açaí extrativo do Pará, onde observa-se que esta se dá, principalmente, na mesorregião do Marajó e Nordeste do estado. Mapa 1: Concentração da produção extrativa do açaí, no estado do Pará, 2010 Fonte: confeccionado a partir dos dados do IBGE (2012). 8 2532 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 A produção de frutos, que provinha quase que exclusivamente do extrativismo, a partir da década de 1990, passou a ser obtida, também, de açaizais nativos manejados e de cultivos implantados em áreas de várzea e de terra firme, localizadas em regiões com maior precipitação pluviométrica, em sistemas solteiros e consorciados, com e sem irrigação. A maior parte do cultivo está concentrada em dois municípios do nordeste paraense, Igarapé Miri e Abaetetuba com 49% da produção. 3.2 DADOS UTILIZADOS Os dados da produção extrativa foram coletados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os da produção cultivada da Secretaria de Agricultura do Estado do Pará (SAGRI). Os preços do açaí foram pesquisados na Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). As informações sobre salário rural são oriundas da revista Conjuntura Econômica da Fundação Getúlio Vargas. Os dados da produção de outras frutas e a renda estadual per capita foram extraídos da tese de doutorado de Falesi (2008). O modelo de cálculo dos retornos socioeconômicos está baseado na dissertação de mestrado de Lopes (2001). A base temporal das informações (produção, área colhida e plantada, preço, rendimento, etc.) utilizadas sobre o açaí para efeito de estimativa abrange o período de 1990 a 2010. Demais disso, a questão da produção concentrada que indica a possibilidade de APLs é verificada neste artigo mediante a análise da produção dos municípios, assim como outras variáveis ligadas a governança (assistência técnica, crédito, pesquisa, etc), que indicam fortemente a operação de agentes econômicos operando conjuntamente e aumentando o valor bruto da produção de açaí, assim como a questão da expansão da área plantada. 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES A incorporação do plantio de açaizeiros em Sistemas Agroflorestais (SAFs) localizados em áreas de terra firme constitui grande inovação no processo produtivo. A partir da década de 1990, açaizeiros e cupuaçuzeiros foram combinados com outras culturas perenes, em especial cacaueiro, castanheira-do-Pará, bacurizeiro, uxizeiro e pequiazeiro, visando, sobretudo, mercados em ascensão e futuros. 9 Atas Proceedings | 2533 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Os arranjos de cultivos mistos de açaizeiro, quando duas ou mais espécies compõem o sistema agroflorestal, possibilitam situações mais vantajosas que na monocultura, notadamente quanto à diversificação e distribuição da produção, racionalização do uso de mão de obra e maior equilíbrio ambiental (Homma et al, 2006). 4.1 AVALIAÇÃO DO BENEFÍCIO SOCIOECONÔMICO DA PRODUÇÃO DO AÇAÍ NO ESTADO DO PARÁ A estimativa do deslocador de oferta K, utilizado para o cálculo dos benefícios sociais, foi de 8,1732 para o ano base de 2000, e foi obtido através da equação K=[(1 – Q0/QF)/Ɛo], em que Q0 foi estimado a partir dos valores de produção extrativa do IBGE, que no referido ano foi de 112.676 t. O valor de QF, que representa o nível de produção do açaí manejado e/ou cultivado em 2000, foi igual a 156.046 t, e o coeficiente de elasticidade-preço da oferta de 0,034. Para efeito de análise dos benefícios gerados com a adoção de tecnologias na produção de açaí frutos, adotou-se como valores iniciais Q0 e P0, a quantidade e o preço do açaí no ano de 2000. A Tabela 1 apresenta os resultados estimados dos benefícios do cultivo tecnificado do açaí e sua distribuição entre os consumidores e produtores do estado do Pará. Tabela 1: Estimação dos benefícios sociais da adoção de tecnologia no cultivo de açaí no estado do Pará Valores em RS 1,00 Ano Excedente do Excedente do Benefício Total Consumidor Produtor 2000 405.068 780.608.765 781.013.833 2001 516.781 995.892.422 996.409.203 2002 486.222 937.002.134 937.488.357 2003 386.628 745.072.821 745.459.449 2004 254.200 489.870.764 490.124.964 2005 274.081 528.183.087 528.457.168 2006 317.736 612.312.035 612.629.772 2007 361.419 696.493.772 696.855.191 2008 430.838 830.271.550 830.702.389 2009 409.702 789.540.320 789.950.023 2010 549.485 1.058.915.461 1.059.464.945 Fonte: dados da pesquisa. 10 2534 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Os resultados da Tabela 1 mostram que os incrementos tecnológicos na produção de açaí apresentaram relações, diretamente, proporcionais aos aumentos nos retornos para a sociedade. No ano de 2000, incrementos na produtividade resultaram em um benefício social da ordem de R$781 milhões. Já no ano de 2010, em que a produção foi da ordem de 724,5 mil toneladas, o retorno bruto para a sociedade foi de mais de um bilhão de reais. Observou-se ainda que, comparativamente ao resultado obtido por Lopes (2001), os retornos para os produtores têm superado o retorno dos consumidores, contrariando aqueles resultados. Isto se deve em função da mudança na inclinação nas curvas de demanda e de oferta de açaí, visto que pelas estimativas mais recentes a demanda apresentou comportamento elástico e a oferta tornou-se mais inelástica a preço e, nestas condições, tem-se um cenário mais favorável aos produtores que aos consumidores. Cabe ressaltar, ainda, que houve uma mudança estrutural da oferta de açaí a qual, até o ano de 2000, tinha cerca de 95% da produção de açaí do estado do Pará oriunda do extrativismo e, em 2004, a situação se reverteu com 80% da produção decorrente do manejo e/ou cultivo (Santana et al, 2008). Já em 2010, essa proporção passou para 85% de uma produção total de 724,5 mil toneladas. Desse modo, observou-se que a adoção da tecnologia (manejo de açaizais nativos e cultivo de açaí em terra firme com utilização de técnicas agronômicas) aumentou o nível de bem estar da população paraense, tanto para consumidores, quanto para produtores. Isso decorre da maior oferta do fruto, proporcionada pelo aumento da produção nos últimos anos, que por sua vez, contribui para aumento da ocupação de mão de obra no campo e para melhoria na renda dos produtores rurais que trabalham com a cultura do açaí (Nogueira, 2011). Vale ressaltar que este cenário é propício para o desenvolvimento de arranjos produtivos locais através de incentivos por parte dos governos municipais e estadual às empresas agroindustriais que demandem açaí em fruto como insumo ou mesmo àqueles produtores rurais e empresas que tenham como atividade o cultivo de açaí em terra firme, buscando mitigar a defasagem da oferta do fruto em relação à demanda local, 11 Atas Proceedings | 2535 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural nacional e internacional, bem como manter a vantagem competitiva do Pará como líder na produção do fruto através do incentivo à pesquisa, inovação e desenvolvimento. O estado do Pará apresenta potencial na formação de aglomerações produtivas de empresas envolvendo elos das cadeias produtivas de produtos agrícolas (destaque para os grãos e fruticultura), produtos de madeira e mobiliário, pecuária de corte e leite, pesca (artesanal e industrial) e turismo ecológico, bem como as agroindústrias de processamento de produtos vegetal, madeira, animal e couro. A atividade agroindustrial tem por fundamento a estruturação das cadeias produtivas em dados locais no estado do Pará, em função da disponibilidade de matériaprima, infraestrutura instalada, disponibilidade de capital humano, organização social, ação institucional e acesso à tecnologia e aos mercados consumidores. A identificação dos municípios, onde tais atividades se adensam, torna-se em ponto de observação para estudos de maior aprofundamento e operação de políticas para o desenvolvimento local sustentável com base na aglomeração de micro, pequenas e médias unidades produtivas nos elos de cadeias produtivas com potencial para se transformar em Arranjos Produtivos Locais (Santana et al, 2010). 4.2 CARACTERIZAÇÃO DO ARRANJO PRODUTIVO DO AÇAÍ NO ESTADO DO PARÁ O Gráfico 2 mostra a evolução da produção de açaí extrativo, no período de 1990 a 2010. Ao longo desse período, é possível observar o comportamento a produção com tendência ligeiramente estável. Entretanto, a taxa de crescimento apresentou decréscimo a partir de 2002. Gráfico 2: Evolução da produção do açaí extrativo entre 1990 a 2010. 12 2536 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 160.000 140.000 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Fonte: elaborado a partir dos dados do IBGE (2012) Em 2010, a produção extrativa de açaí do Pará representava 85,65% da brasileira concentrando-se na mesorregião do Marajó, principalmente nos municípios de Ponta de Pedras, Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Breves, Anajás e Afuá (IBGE, 2012). Entretanto, o município de Limoeiro do Ajuru, no nordeste paraense, apareceu com a maior produção extrativa, cerca de 20% do total, o equivalente a 20.231 ton. Ponta de Pedras surge na segunda posição com 12% e Oeiras do Para e Muaná na terceira com 8% cada (Gráfico 3). Gráfico 3: Participação dos municípios paraenses na produção extrativa de açaí, 2010. Outros 13% São Domingos do Capim 2% Limoeiro do Ajuru 20% Barcarena 2% Magalhães Barata 3% Ponta de Pedras 12% Cachoeira do Arari 3% Inhangapi 4% Oeiras do Pará 8% Afuá 4% São Miguel do Guamá 4% Muaná 8% Mocajuba 5% Igarapé-Miri 5% São Sebastião da Boa Vista 7% Fonte: IBGE, 2012. 13 Atas Proceedings | 2537 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Do ponto de vista da área cultivada, a Tabela 2 e a aponta os 10 maiores municípios produtores do açaí fruto em área de terra firme: Tabela 2: Os 10 Municípios de Destaque na Produção de Açaí no Pará, 2008 Município Produção Igarapé-Miri 153.000 Abaetetuba 131.250 Cametá 40.544 Acará 39.600 Limoeiro do Ajuru 35.040 Bujaru 30.955 Tomé Açu 24.000 Concórdia do Pará 21.384 Ponta de Pedras 14.991 Oeiras do Pará 14.000 Fonte: SAGRI.,2010. 4.2.1 Crédito As instituições financeiras oficiais disponibilizam várias linhas de crédito para atender a atividade produtiva, extrativismo, comercialização e a industrialização da produção. Os prazos e taxas são compatíveis com a atividade e porte do beneficiário, além de apresentar carência para iniciar o pagamento do crédito. O Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), por exemplo, prover recursos para atividades que agreguem renda à produção e aos serviços desenvolvidos pelos seus beneficiários. Dentre as finalidades, o programa inclui investimentos em infraestrutura, que visem o beneficiamento, o processamento e a comercialização da produção agrícola, de produtos do extrativismo, implantação de pequenas e médias agroindústrias, isoladas ou em forma de rede, aquisição de equipamentos e de programa de informática voltados para melhoria da gestão das unidades agroindustriais, capital de giro associado ao investimento, entre outras. As taxas variam entre 1% e 2% ao ano com prazo de até 20 anos, beneficiando agricultores e produtores rurais, bem como suas associações e cooperativas. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) possui linhas, no âmbito do FINAME Agrícola e BNDES Automático, que podem ser utilizadas para aquisição de máquinas e equipamentos com taxas de juros atrativas e 14 2538 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 prazo para reembolso do crédito a médio e longo prazo. São recursos públicos a baixo custo para fomentar a atividade econômica, em especial a industrialização do processo de produção. O Plano de Aplicação dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), cuja gestão cabe ao Banco da Amazônia, incentiva a fruticultura organizada em arranjos produtivos locais, priorizando as micro e pequenas empresas. Dos R$24,9 milhões aplicados em 2010 na atividade produtiva envolvendo a produção do fruto e derivados do açaí, o estado do Pará representa em torno de 80%, destacandose os Igarapé-Miri, Alenquer, Barcarena, Abaetetuba e Cametá, reforçando a participação majoritária da mesorregião Nordeste Paraense nos investimentos na atividade. 4.2.2 Assistência técnica A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do estado do Pará (EMATER) é o órgão responsável em prestar o apoio técnico e especializado na área rural. Contribui com soluções para agricultura familiar relacionadas à pesquisa, assistência técnica e extensão rural, estando presente em todo o estado do Pará. A assistência técnica aos agricultores ribeirinhos mostra-se incipiente em muitos dos municípios paraenses. Há uma dificuldade conjuntural de oferecer o serviço público devido ao seu alto custo de manutenção, quando comparado à assistência técnica de outras regiões. Isto se deve a diversos fatores, tal como a necessidade de meios de transporte caros para o deslocamento (barcos ou veículos traçados); maior custo de transporte devido às longas distâncias entre as propriedades; resistência dos técnicos em trabalhar em condições adversas e pouco confortáveis e limitação dos recursos financeiros municipais. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Amazônia Oriental tem pesquisado os sistemas de produção do açaí e promovido seu melhoramento. A Empresa desenvolveu um conjunto de técnicas para o manejo do açaí nativo, reconhecidas e aceitas para aplicação em áreas de proteção ambiental. Fez seleção massal e lançou uma variedade de açaí para cultivo em terra firme, tanto em regime de produção solteira quanto em consórcios. O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Pará (SEBRAE-PA) atua na divulgação do Programa Alimentos Seguros (PAS-Açaí), orientando os batedores 15 Atas Proceedings | 2539 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural artesanais de açaí a controlar e evitar a contaminação na cadeia de produção através da adoção de boas práticas com instruções que afetam desde o produtor até batedores e indústrias. Tem o intuito ainda de tirar da informalidade os trabalhadores artesanais através do incentivo à conversão dos mesmos em empreendedores individuais. A atuação do SEBRAE-PA é importante para orientar os agentes da cadeia a se adequarem às regras para manipulação artesanal do açaí impostas pelo governo do estado do Pará através do Decreto nº 326 de 20/01/2012, que visa melhorar as condições de higiênicosanitárias das unidades processadoras, oferecendo aos consumidores um produto seguro e com padronização de processamento. 4.2.3 Programas de incentivo e organização da atividade A instalação de indústrias de processamento no Estado provocou um aumento dos preços do açaí, o que prejudicou, em certa medida, o consumidor local. Por outro lado, a maior liquidez do produto e os preços mais altos são positivos para os agricultores. O mercado é, no geral, dominado por intermediários, com alto nível de apropriação do lucro e exploração do produtor. As relações entre os agricultores e os proprietários das terras (de titularidade duvidosa) são assimétricas e têm, no seu centro, a questão agrária permeando as relações de poder, sobremaneira no arquipélago do Marajó. O estado do Pará possui área equivalente a 16% do território nacional. Cerca de metade desse percentual recebe a influência de marés – são, portanto, áreas do patrimônio da União, totalizando 8,5 milhões de hectares de áreas de várzeas e ilhas, dentre elas o Arquipélago do Marajó. Para fazer frente a esta realidade, foi criado o Programa de Regularização Fundiária de Áreas de Várzeas Rurais. O programa tem a coordenação da Secretaria de Patrimônio da União – SPU, por meio da Gerência da Secretaria do Patrimônio da União do Estado do Pará (GRPU/PA). Ao entregar o Termo de Utilização de Uso às famílias de comunidades ribeirinhas, a União reconhece o direito à ocupação e possibilita a exploração sustentável das áreas de várzeas. Além disso, o instrumento representa para a família beneficiada um comprovante oficial de residência e uma garantia de acesso à aposentadoria, a recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e a outros programas sociais do Governo Federal. 16 2540 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 O Plano Nacional da Sociobiodiversidade, sob a coordenação dos Ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e do Desenvolvimento Social, lançado em julho de 2009, tem por objetivo principal desenvolver ações integradas para a promoção e fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade, com agregação de valor e consolidação de mercados sustentáveis. O Programa tem quatro eixos de atuação: Promoção e apoio à produção e ao extrativismo sustentável; Estruturação e fortalecimento dos processos industriais; Estruturação e fortalecimento de mercados; e Fortalecimento da organização social e produtiva. O açaí é uma das cadeias produtivas priorizadas no referido Plano, cujas ações são convergentes com a proposta aqui apresentada. No escopo das ações do Plano Nacional da Sociobiodiversidade, o açaí foi incluído na Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM, um instrumento de sustentação de preço sob a tutela do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e operacionalizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O preço mínimo foi estabelecido em R$0,61/kg do fruto, com base nos mercados de Igarapé-Miri-PA, Ponta de Pedras-PA e Codajás-AM. Este preço equivale a R$8,54 por lata de 14 kg. A aplicabilidade da Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM deverá encontrar dificuldade face ao alto nível de desorganização do produtor de açaí e ao baixo acesso a informações. Na medida em que convergirem esforços dos operadores do Plano Nacional da Sociobiodiversidade e das potenciais instituições parceiras, aumentam as possibilidades da PGPM beneficiar os agricultores ribeirinhos. O açaí é uma fruta perecível cujo consumo ou processamento necessita ocorrer dentro de 24h após a colheita. No Pará e, em especial, nos municípios do arquipélago do Marajó, as distâncias entre a produção e os principais mercados compradores (Belém e Igarapé-Miri) são muito grandes. O longo tempo de transporte em embarcações inapropriadas, sem refrigeração, faz com que o açaí perca em qualidade. Por consequência, a valorização do produto pelo comprador é inversamente proporcional à distância. Nas localidades mais remotas do arquipélago é frequente que o produto apodreça por falta de comprador. Nas ilhas próximas a Belém, ao contrário, o açaí é muito valorizado. O frete mais barato o torna ainda mais competitivo. A dificuldade de 17 Atas Proceedings | 2541 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural transporte é mais um facilitador para o intermediário que, no caso do açaí, é o dono das embarcações. O açaí é um produto sazonal. Na entressafra ocorre desabastecimento ao ponto de algumas lojas de batedores de açaí, em Belém, fechar temporariamente suas portas. É um período em que o preço sobe muito e o agricultor poderia ter bons lucros. Mas não tem o produto. O abastecimento para o mercado de Belém se dá pela produção nas localidades mais próximas ao Amapá e Maranhão, que têm a safra invertida. Pelo exposto, não há uma fonte consistente de informações na cadeia produtiva do açaí. Como o produto não é uma commodity, não há formação de preço em nível nacional. A CONAB utilizou pesquisa não estatística de três mercados para calcular o preço mínimo do açaí para adotar na Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM. Somado a isto, os agricultores e suas (poucas) organizações não têm quaisquer informações de preço e mercado, ficando à mercê dos intermediários que lhes chegam à porta. Os técnicos envolvidos não têm meios (tempo, recurso e apoio) para fazer pesquisas de mercado. As universidades e centros de pesquisa não se dedicam sistematicamente a esta atividade, tal como ocorre em outras cadeias produtivas. 5 CONCLUSÃO O consumo de frutas no Pará ainda não é priorizado como gênero de primeira necessidade, assim, se o bem é inferior ou normal, depende da curva de indiferença analisada e do nível de renda da população consumidora de frutas. Dessa forma, é preciso que sejam promovidos programas com o intuito de incentivar uma reação positiva na demanda e oferta de frutas no estado através de políticas incrementais, estímulo ao maior consumo de frutas e derivados, despertando o interesse nas unidades processadoras de frutas em produzir, seja via redução de impostos seja através da criação de subsídios que estimulem a produção, o beneficiamento e adequação do processo de comercialização nos vários níveis. A produção de açaí fruto, até o final da década de 1990, dependia totalmente do extrativismo, sobretudo em áreas de várzea. O aumento da demanda estimulou a produção em açaizais nativos manejados e cultivados em áreas de terra firme a partir de 2001, principalmente, em decorrência do consumo em camadas da população de renda mais elevada tanto no mercado local quanto no nacional e internacional. 18 2542 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Os benefícios socioeconômicos totais gerados através da adoção de tecnologia na produção de açaí demonstraram que tanto os consumidores quanto os produtores agregaram excedentes positivos. Entretanto, tais benefícios foram maiores para os produtores comparativamente àqueles gerados para os consumidores. Isso decorre da mudança de comportamento da demanda que passou a ser elástica enquanto a oferta mais inelástica a preço. Além disso, outro fator que contribuiu para tal resultado foi a insuficiência da oferta, embora crescente no período, frente à expansão da demanda nacional e internacional. Sendo assim, os incrementos na oferta com a adoção de tecnologia no sistema de produção de açaí decorreram pela instalação de agroindústrias em localidades próximas aos maiores centros consumidores e produtores no estado Pará, o que contribuiu para a melhoria do bem estar social e econômico da população, em total aderência aos postulados da teoria de desenvolvimento local, onde a organização do processo produtivo em arranjos locais proporciona a superação da produção em base familiar, prover aprendizado e conhecimento. De tal modo, este resultado sugere que são necessárias políticas como incentivo à inovação, pesquisa e desenvolvimento relacionadas à produção de açaí e á identificação de áreas potenciais para a constituição de arranjos locais; realizações de parcerias entre Instituições como EMBRAPA e SEBRAE orientadas para o desenvolvimento local sustentável, com base na aglomeração de micro, pequenas e médias empresas com potencial para se transformarem em APL’s. 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A Amazônia nesse contexto é inserida na dinâmica do capitalismo nacional e internacional transformada em fronteira de recursos naturais. Uma das dimensões desse processo se constituiu no aproveitamento energético das bacias hidrográficas da região por meio da instalação de Usinas Hidrelétricas. A mais recente obra, objeto de intensas disputas no campo politico, econômico, ambiental e ideológico é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, cuja obra civil iniciou em junho de 2011. O artigo apresentará alguns elementos históricos do discurso e da politica desenvolvimentista no Brasil, alicerçado na aliança associada e dependente do capital externo. No segundo momento será apresentado o histórico de implantação da UHE de Belo Monte. O debate em torno da implantação do empreendimento é antigo e marcado por embates entre governo, empresariado, movimentos sociais e populações tradicionais. Palavras chaves: Desenvolvimentismo, Amazônia, UHE de Belo Monte. 1. A geopolítica dependente do Brasil alicerçada do discurso desenvolvimentista As profundas alterações na configuração da geopolítica mundial do pósguerra impuseram desafios à organização sociopolítica dos países periféricos. O avançado processo de industrialização experimentado pelos países centrais reforçava uma posição hegemônica no cenário mundial dos países centrais e 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA. Integrante do Grupo de Pesquisa de Políticas do Ensino Superior – GEPES. 2 Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Pará. Atas Proceedings | 2545 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 2 em larga medida contribuía para influenciar a condução da política econômica dos países em desenvolvimento dentre eles o Brasil. Esse período coincide com o fortalecimento do capitalismo na sua fase monopolista, expressa na formação de corporações e oligopólios e com forte predomínio do capital financeiro. Observa-se um intenso processo de movimentação das empresas multinacionais, em busca de novos mercados e condições mais atraentes de ampliação e concentração do capital. Florestan Fernandes (2009) analisa de forma precisa na obra Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina como ocorre o processo de dominação externa nos países latinos. A incorporação desses países ao espaço econômico, cultural e político dos países hegemônicos que o autor denomina de “imperialismo total” ocorre por meio da dominação externa a partir de dentro: O traço específico do imperialismo total consiste no fato de que ele organiza a dominação externa a partir de dentro e em todos os níveis da ordem social, desde o controle da natalidade, a comunicação de massa e o consumo de massa, até a educação, a transplantação maciça de tecnologia ou de instituições sociais, os expedientes financeiros ou do capital, o eixo vital da política nacional etc. (FERNANDES, 2009, p.27) Os estudos do referido autor constituem uma referência importante para compreensão dos limites impostos e aceitos pelos países periféricos que amargam desde o período de colonização espanhola e portuguesa condições penosas para superação das crises advindas das distintas fases de organização capitalista. A integração das economias latino-americanas ocorre de forma heterônoma, transformadas em fontes de excedentes econômicos e de acumulação de capital para os países centrais (FERNANDES, 2009) Os países que conseguiram a partir do século XX implementar ações sistemáticas que visavam o crescimento econômico, por meio de incentivo da industrialização e produção de bens de consumo e bens de capital optaram por uma associação dependente ao capital estrangeiro, quer empréstimos, quer por meio de transferência de tecnologia. por meio Neste período ocorre abertura das fronteiras nacionais para instalação de empresas 2546 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 3 multinacionais, arregimentadas pela ação do Estado. Ressalte-se que as políticas nacional-desenvolvimentistas adotadas a partir de 1930 até inicio da década de 1980 incentivaram a industrialização no país por empresas nacionais e multinacionais, uma clara aliança da burguesia interna e externa. Neste período, inaugurado particularmente pelo governo de Getúlio Vargas a Ideologia Desenvolvimentista é objeto de forte apelo político e ideológico. A revolução de 1930 expressa a vitória da burguesia industrial, apoiada por frações da oligarquia agrária. O período demarca o início alterações estruturais na reprodução do capital capitaneadas por ações incisivas do Estado na condução do projeto “modernizador” do país. Os governos que sucederam Vargas se assemelham na política desenvolvimentista, supostamente orientada para o desenvolvimento do pais, expressos em melhores oportunidades de trabalho, distribuição de renda, em suma, na melhoria das condições de vida da população. A disseminação de valores nacionalistas via o chamamento dos trabalhadores a cooperar com superação do atrasado e do arcaico é uma marca emblemática desse período histórico. Os planos de desenvolvimento econômico, notadamente a partir da década de 1950 são utilizados como instrumentos de ação orientada do Estado para condução do processo de industrialização do país. A visão do planejamento, enquanto estratégia de racionalização das ações do Estado com vistas ao desenvolvimento se apresenta como algo inovador. Mais um instrumento a serviço da ampliação e reprodução do capital, como ficou evidente no transcurso histórico. Os Planos Nacionais de Desenvolvimentos (I, II e II) lançados entre 1970 e 1979 e os desdobramentos regionais para Amazônia (Plano de Desenvolvimento da Amazônia) cumpriam o claro objetivo de consolidação da burguesia nacional e internacional enquanto classe hegemônica. No caso particular da Amazônia fica evidente o papel reservado na composição do capitalismo mundial, constituindo em reserva de recursos naturais (minerais, agroflorestais e hídricos). Ocorre neste contexto redefinição na estrutura da divisão internacional do trabalho, com o deslocamento das multinacionais dos Atas Proceedings | 2547 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 4 países centrais para os países periféricos em busca de vantagens no processo de produção, abundância nos recursos naturais, mão de obra barata, fragilidade nas medidas de proteção ambiental e particularmente fragilidade no tecido social regional que pudesse representar resistência a imposição do novo modelo. No âmbito interno representou a possibilidade de ampliação do capital excedente no sul-sudeste, que demandava novos campos de atuação. Como no país o processo de industrialização é caracterizado pela concentração dos polos de produção nos estados do sul e sudeste a incorporação da Amazônia à dinâmica nacional representou uma nova etapa na história econômica da burguesia brasileira. Dessa forma, o projeto de inserção amazônica na dinâmica capitalista mundial, arregimentada pelo Estado a partir dos planos de desenvolvimento atendia a propósitos políticos, ideológicos e notadamente econômicos. A instalação de grandes empreendimentos no campo da agropecuária, da extração mineral e de produção energética, por meio de incentivos e isenção fiscais atenderia no plano do discurso a necessidade de modernização e desenvolvimento regional, entretanto representaram mais uma estratégia de reprodução, ampliação e concentração do capital, numa clara aliança entre a burguesia nacional, internacional e o Estado. A escolha da Amazônia para realizar a expansão capitalista não pode fugir dos princípios que o sistema lhe concebe. A região amazônica, dentro do processo histórico, tornou-se gradativamente espaço de capitais nacionais e internacionais. Foi a estratégia política e militar do discurso nacionalista que proclamava a integração – “integração para não entregar” – internacionalizando a Amazônia. Esses espaços passaram a fazer parte do mercado mundial, dentro das perspectivas capitalistas de reprodução para acumulação. (PICOLI, 2006, p.51) A política de incentivo se materializou ainda por meio da construção de infraestrutura, a exemplo da abertura de estradas, construção de portos, aeroportos, hidrelétricas. Além da infraestrutura, a concessão de empréstimos por meio de agências de fomento, a exemplo do Banco da Amazônia e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico subsidiaram a instalação dos 2548 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 5 empreendimentos econômicos na Amazônia e no estado do Pará. Além da criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, em substituição a extinta SPEVEA, mais uma estrutura ligada a tecnocracia estatal para contribuir com o desenvolvimento e que acabou sendo palco de abusos e denúncias de corrupção. Na contramão do discurso político e ideológico que defendia a instalação do grande capital na Amazônia, como estratégia para modernização e a geração de riqueza para a região. Loureiro (2001, p. 61) ressalta que: Os abusos, as exorbitâncias e o arbítrio desse novo capital na região são incontáveis: a criação e a recriação do trabalho escravo, a expulsão e a morte de posseiros, trabalhadores rurais em geral e de índios; a grilagem de terras; as queimadas; a poluição de rios e lagos e outros. Contudo, sob a nova ótica desenvolvimentista, eles deveriam ser entendidos como fenômenos característicos de uma fase do desenvolvimento amazônico, cuja tendência seria a de desaparecem, a longo prazo, quando o processo de ocupação/desenvolvimento tivesse sido completado! Ao cabo desse processo o estado do Pará arregimenta a instalação e consolidação de empreendimentos econômicos em messoregiões. Os municípios de Marabá, Barcena, Tucuruí3, Oriximiná, Paragominas Parauapebas, Canaã dos Carajás e mais recentemente Altamira4 são sedes de instalação de grandes empresas5. A instalação dos empreendimentos capitaneados por conglomerados de empresas constituídas por capital nacional e internacional é cercada de tensões e conflitos, ações judiciais do ministério público federal e estadual e intensa mobilização de movimentos e organizações sociais que contestam o modelo desenvolvimentista A Usina Hidrelétrica de Tucuruí foi construída para atender a expressiva demanda por energia elétrica da indústria de exploração e transformação de minérios do estado do Pará 3 4 As obras de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte iniciaram no primeiro semestre de 2011, após muita polêmica e batalhas judiciais travadas entre o Ministério Público Federal e a União, que divergem quanto a viabilidade técnica, socioambiental e a observância dos procedimentos definidos em lei para construção da obra. A previsão de investimentos na obra é de 40 bilhões de reais. 5 A empresa Vale antiga Companhia Vale do Rio Doce, privatizada em 1996, detêm o capital majoritário das principais empresas que exploram a extração e produção dos recursos minerais no Estado do Pará, com atuação nos municípios de Marabá, Parauapebas, Paragominas, Canaã dos Carajás, Ourilândia do Norte e Oriximiná e até 2010 detinha o capital majoritário da Albrás/Alunorte, complexo industrial localizado na Vila do Conde, município de Barcarena, vendida para uma multinacional norueguesa. Atas Proceedings | 2549 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 6 imposto e os expressivos impactos socioambientais causados às comunidades. Adiante, uma obra em particular, será objeto de análise, a construção da UHE de Belo Monte. 2. Altamira: tensões, conflitos e resistências sob o marco de instalação da UHE de Belo Monte O Município de Altamira, fundado em novembro de 1911, está localizado na Mesorregião do Xingu, com população de aproximadamente 99 mil habitantes, conforme dados do IBGE, de 2010. As estimativas de crescimento populacional do referido instituto apresentam uma população estimada de 102.343 mil habitantes em 2012. A extensão territorial é de 161.445, 9 Km². As dimensões territoriais do Município o colocam na posição de maior município do Brasil e segundo maior do mundo, ultrapassando países como Portugal e Suíça. Altamira guarda especificidades, no processo de ocupação territorial, que tem no Projeto de Integração Nacional (Decreto-lei n°1.106/1970), lançado na década de 1970, pelo então Presidente Emílio Garrastazu Médici, seu marco de institucionalidade. O lema que orientava o projeto – “terra sem homens para homens sem terra e integrar para não entregar” – expressava o discurso governamental da necessidade de integração da Amazônia ao território nacional e à política de desenvolvimento econômico defendida na época. O início da abertura da Transamazônica – BR 230, em 10 de outubro de 1970, marcou um período emblemático, na história do Município. Além da integração da região por via terrestre, o programa previa colonização e reforma agrária por meio da destinação de 10k de faixa de terra ao longo da rodovia recém aberta e que mais tarde seria ampliada. Apesar da baixa densidade demográfica, as terras do Município eram ocupadas por índios, seringueiros, missionários católicos, fazendeiros e pequenos comerciantes. O ciclo da borracha, que se intensificou no início do século XX, atraiu milhares de migrantes, particularmente nordestinos, para 2550 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 7 atividade de extração de borracha nos seringais. Durante algumas décadas, a extração da borracha foi atividade econômica importante para o Município. A economia se baseava em agricultura familiar, pesca, extrativismo, e no comércio. O Projeto de Integração Nacional demarcou um período de intenso fluxo migratório, de famílias oriundas de distintas regiões do país, notadamente das regiões Nordeste e Sul. O processo de ocupação foi marcado por tensões, conflitos e muita violência, cometida principalmente contra a população indígena, que resistia contra a ocupação das terras pelos migrantes. A propalada política de integração aliada a desenvolvimento econômico representou, na prática, mais um discurso inconsistente do governo militar de então. As famílias migrantes se submeteram a condições de extrema penúria e adversidades de toda ordem. A abertura da Transamazônica e o intento colonizador foram concebidos no cenário de mão de obra excedente do nordeste e do centro-sul. Dessa forma, a concessão de terras, ao longo da Rodovia Transamazônica, aos migrantes, atenderia a dois objetivos, conforme discurso governista: desafogar regiões brasileiras com excedente de mão de obra e promover a ocupação das terras amazônicas, diante do manifestado interesse de empresas estrangeiras, notadamente, norte-americanas, na exploração de recursos naturais dessa região. A localização geográfica do Município de Altamira, dadas as dimensões continentais do Estado do Pará e a distância de aproximadamente 800 km em relação a Belém, associada ao abandono do poder público, impuseram limitações estruturais intensas ao Município. Serviços básicos, a exemplo de saúde, saneamento, habitação e educação, foram demandas apresentadas pela maioria da população que aqui residia e pelos migrantes que chegaram com a abertura da Rodovia BR-230, e a cujos benefícios não tiveram acesso, porque não atendidas. Diante desse cenário, os movimentos sociais começaram a mobilizar-se, notadamente, no final da década de 1980. Nesse contexto, o Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica e Xingu, com importante contribuição da Igreja Católica e agricultores, inicia um período de mobilização política junto ao poder público. A pauta reivindicatória do Movimento se direcionou à implementação de políticas nos campos social, Atas Proceedings | 2551 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 8 econômico e ambiental, que promovessem a melhoria da qualidade de vida da população. Os conflitos agrários, com assassinatos de sindicalistas e agricultores, a exploração desordenada dos recursos naturais, o desrespeito aos direitos humanos, a violência contra crianças e adolescentes, como os casos das crianças emasculadas e da rede de pedofilia, são exemplos do cenário de violência que se instaurou nesse Município e que expressa a cultura da impunidade que se instalou nessa região, alimentada pela inoperância do poder público e pela formação de grupos que, pelo abuso do poderio econômico e político e pelo uso da força, defendiam a manutenção dos seus interesses. Importante destacar que, ainda hoje, a ocupação das terras, ao longo da Transamazônica, tem sido objeto de disputas e embates, nos campos social, político e ideológico. Os conflitos agrários são ocorrências frequentes. Pequenos agricultores e extrativistas travam constantes batalhas para ter garantida a posse de propriedades, diante da investida de posseiros e grileiros, que utilizam a intimidação e violência na disputa das terras, usadas, geralmente, para extração ilegal de madeira. Modelos de desenvolvimento estão em permanente disputa. De um lado, o modelo que favorece o grande capital, expresso na ampliação da exploração dos recursos naturais e de mão de obra barata, a despeito dos prejuízos socioambientais e do agravamento das condições de vida da maioria da população. De outro, o modelo que defende o desenvolvimento referenciado na preservação dos recursos naturais, bem como na inserção socioeconômica da população do campo e da cidade. Nesse cenário, a construção da Hidrelétrica de Belo Monte reforça os campos em disputa. As discussões acerca do empreendimento iniciaram, no final da década de 1970, originadas da conclusão, em dezembro de 1979, dos Estudos de Inventário da Bacia Hidrográfica do Xingu. Naquela época, a proporção de impacto da obra, que alagaria uma expressiva área da cidade de Altamira e aldeias indígenas da região, indicava limitações na viabilidade 2552 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 9 socioeconômica do projeto. O projeto foi engavetado pelo governo federal. No final da década de 1980, as discussões foram, novamente, retomadas. O Relatório Final dos Estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu é aprovado pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) em 1988. No ano seguinte aconteceu em Altamira o histórico encontro dos povos indígenas (I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu), com a presença de várias etnias, movimentos sociais, parlamentares e representantes do poder público. Na ocasião ocorre o episódio que irá marcar de modo emblemático a resistência contra a instalação do empreendimento na bacia do Xingu. A índia Tuíra encosta a lâmina do seu facão no rosto do então Presidente da Eletronorte José Antônio Muniz Lopes. A cena foi amplamente divulgada na mídia nacional e internacional. (Instituto Socioambiental, 2013) No início de 2000, novos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental foram realizados e subsidiou a elaboração de novo projeto que, segundo o governo federal, apresentava menor impacto socioambiental, em razão da redução da área de inundação. Em 2005, as discussões foram intensificadas, pois a obra foi incluída no Plano de Aceleração de Crescimento (PAC), do Governo Lula da Silva, e passa a ser considerada obra prioritária do Ministério de Minas e Energia, dirigido pela então Ministra Dilma Rousseff. No mesmo ano, no mês de julho o Congresso Nacional autorizou a construção da Hidrelétrica é aprovado na Câmara dos Deputados. Desde então, batalhas judiciais vêm sendo travadas entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Advocacia Geral da União (AGU). O MPF ressalta os impactos que a obra trará para as populações, particularmente indígena, aponta falhas na condução dos estudos de impacto ambiental e inobservância dos procedimentos previstos em lei. Por seu turno, a AGU defende a viabilidade do empreendimento e o cumprimento dos requisitos legais. O painel de especialistas integrado por professores/pesquisadores de renomadas instituições de ensino e pesquisa nacionais e internacionais produziram em 2009 o Documento “Análise Crítica do Estudo de Impactos Ambientais do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte”, resultado da análise detalhada e confrontação de dados apresentados no Estudo de Impactos Ambientais produzidos pela Eletrobrás, requisito para obtenção do licenciamento da obra junto ao IBAMA. O Atas Proceedings | 2553 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 10 documento elaborado pelos especialistas aponta falhas e inconsistências nos seguintes aspectos: a) Dados sociais, econômicos e culturais; b) Impactos às populações indígenas; c) Saúde, educação e segurança; d) Hidrologia da Bacia do Xingu; e) Viabilidade técnica e econômica não demonstrada; f) ameaças à fauna aquática; g) ameaças à biodiversidade. (MAGALHÃES; HERNANDEZ, 2009.) A despeito dos vários problemas apontados por pesquisadores, MPF e movimentos sociais quanto a viabilidade técnica, econômica e socioambiental da UHE de Belo Monte, o leilão da obra foi realizado, em 20 abril de 2010, e o orçamento inicialmente previsto estava na ordem de 19 bilhões de reais, conforme anunciado pelo governo federal. Entretanto, a iniciativa privada estima que o custo da obra ultrapasse 28,6 bilhões de reais. A maior parcela do recurso (80%) será financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Isto é, fundos públicos financiando um empreendimento executado pela iniciativa privada. Os movimentos sociais e populares contrários à obra acreditam que os impactos socioambientais terão um efeito nefasto para a população alcançada. Ribeirinhos, indígenas e camponeses serão atingidos pela inundação das suas terras e sumariamente remanejados. A população urbana das cidades das áreas diretamente afetada e as áreas de influência vêm sendo afetadas pelo intenso fluxo migratório. O aumento populacional têm criado bolsões de miséria e pressionando a ampliação da oferta de serviços de interesse público (saúde, educação, saneamento básico, transporte), além do surto inflacionário observado nos setores do comércio e dos serviços. Entretanto, a Norte Energia SA6 demonstra otimismo na condução do processo. No website mantido pela empresa são apresentados dados quantitativos sobre o empreendimento. O pico da obra deve acontecer em 2013 com a contratação de 23 mil trabalhadores. Esses números segundo a empresa revelam a contribuição do empreendimento para a promoção do desenvolvimento social da região. 6 A Norte Energia SA é composta por empresas estatais e privadas do setor elétrico, fundos de pensão e investimentos e empresas autoprodutoras e obteve a concessão para construção de UHE de Belo Monte, com outorga de concessão por 35 anos. (NORTE ENERGIA SA, 2012) 2554 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 11 Os benefícios do projeto Belo Monte transcendem à implantação de uma fonte de geração renovável e econômica para suprir necessidades do Estado do Pará, da região Norte e do Brasil. A exemplo de outros aproveitamentos hidrelétricos, existem benefícios associados à preservação ambiental de áreas na bacia hidrográfica, além do aumento dos indicadores de desenvolvimento humano nos municípios abrangidos. A inserção regional do projeto UHE Belo Monte vai alavancar o desenvolvimento na região. (NORTE ENERGIA, 2012). Disponível em: http://norteenergiasa.com.br/site/portugues/norteenergia-s-a/ Acesso em 12.03.2012 Entretanto, o clima de tensão é frequente nos canteiros da obra. Desde o início da construção várias greves foram deflagradas pelos operários, que reivindicam melhoria nas condições de trabalho e nos salários. A força nacional se mantém presente nesses episódios, com o claro objetivo de intimidação e uso da força para conter a resistência. Importante ressaltar a política adotada pelo Consórcio Construtor de Belo Monte no que se refere à divulgação das informações à comunidade. Muitos dos episódios ocorridos nos canteiros não são divulgados pelos meios de comunicação local. As informações acabam sendo disseminadas por redes sociais e por operários com residência no município de Altamira. Demissões sumárias, greves, o silêncio da mídia, o uso da força policial, acusações de má aplicação dos recursos na obra são alguns elementos que compõe o atual cenário de construção do maior empreendimento do Programa de Aceleração do Crescimento do autodenominado governo popular. O mais recente episódio envolveu a denúncia de tráfico de mulheres, próximo a sítio Pimental. Um grupo de mulheres, incluindo uma adolescente foi libertado de uma casa que funcionava como boate. O caso veio a público após a adolescente conseguir fugir do local e denunciar ao Conselho Tutelar de Altamira às condições de exploração na qual eram submetidas. Os graves episódios de violação dos direitos humanos e ambientais são minimizados pelo discurso governamental para justificar a necessidade da ampliação da capacidade energética do país, pautado na ideia do “bem público” e do “progresso” que não podem ser comprometidos por interesses de grupos minoritários (indígenas, ribeirinhos, camponeses). O desenvolvimento Atas Proceedings | 2555 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 12 do país, neste sentido, estaria diretamente condicionado à ampliação das reservas energéticas. Na definição de políticas para o setor elétrico e na tomada da decisão sobre obras a serem executadas, há que considerar todo um contexto ideológico dominante no Brasil, que sintetizamos na frase consensual: “energia é progresso”. A tradição cartesiana tanto de nossas escolas de engenharia, como as de formação de militares, é outro ponto relevante. Na prática, essa visão ideológica tem servido como fundamento para múltiplas decisões. Decisões que não necessitariam de justificações mais amplas, nem tampouco da aprovação do Congresso Nacional. (SANTOS; NACKE, 1991, p.49) Neste sentido, apesar da arquitetura da inserção amazônica na dinâmica da produção do capitalismo nacional e internacional ter ocorrido de modo sistemático e planejado nos governos autoritários dos militares, marcado pelo esvaziamento das estruturas jurídicas e políticas, o reestabelecimento democrático não expressou alterações no modus operandi quando se trata da instalação de grandes empreendimentos, a exemplo da Usina Hidrelétrica de Belo Monte: Os processos de decisão relativos a obras de infraestrutura, que se caracterizam como estruturas de acumulação em si, colocam em evidência e provocam a discussão sobre as condições nas quais as sociedades democráticas enfrentam pelo menos quatro desafios interligados: o primeiro diz respeito à utilização das ciências e das técnicas e da interrelação entre ciência e poder – experts e governo; o segundo diz respeito à redefinição e/ou construção de um espaço público, constituído não apenas de técnicos, mas também de homens e mulheres; grupos sociais, comunidades e povos com histórias e conhecimentos diversos; o terceiro de confrontar-se com o aparato legal que rege a tomada de decisão; e, por último, especialmente no caso brasileiro, o desafio de se interrogar sobre a fidelidade dos governantes aos princípios democráticos e os mecanismos que a sociedade dispõe de fiscalização e controle. (MAGALHÃES; HERNANDEZ, 2009.) O governo federal manteve posição única em relação ao caloroso debate acerca da UHE de Belo Monte: a construção iria acontecer! Pautado sob o argumento da necessidade de energia para conduzir o processo de desenvolvimento planejamento 2556 | ESADR 2013 nacional. energético Bermann no Brasil (2012) é chama pautado na atenção oferta, que sem o um Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 13 questionamento necessário das previsões das demandas futuras. Neste cenário determinados setores industriais são favorecidos (cimento, ferro-gusa e aço (siderurgia), ferro-ligas, não ferrosos (alumínio), química, papel e celulose) Por este desenvolvimento histórico, criou-se um emaranhado de interesses que não nos permite afirmar que possa existir uma capacidade previsível de planejamento. Pelo contrário, apenas um atendimento de cargas futuras, multiplicando o cenário presente para o futuro muito incerto, diante da complexidade do arranjo de interesses que estão em jogo. Dentro deste campo estão empreiteiras, indústrias de equipamentos, geradoras, comercializadoras, agências reguladoras, grupos políticos e econômicos que conflitam entre si, e disputam com governos a utilização do discurso da energia para angariar votos.(BERMANN, 2012, p.16) Por outro lado, cabe indagar o papel desempenhado pelas instituições de ensino e pesquisa do país sob o marco da instalação dos grandes empreendimentos econômicos. Caberia à Universidade tão somente a função instrumental de formação de profissionais para ocupação dos postos de trabalho, e desse modo mais uma peça na engrenagem de (re) produção do capital? Esses empreendimentos repercutem na expansão e no financiamento das atividades da Universidade? É resguardado a autonomia científica na produção de conhecimento demandada nos projetos desenvolvidos em parceria com as empresas executoras desses grandes projetos? O ideário de desenvolvimento econômico propugnado pelo capitalismo dissemina o discurso da educação como um importante fator para competitividade e para o desenvolvimento das economias globais. As alterações nas bases técnicas de produção, alicerçada na acumulação flexível, na desregulamentação econômica e na divisão internacional do trabalho difundem um novo perfil do trabalhador, coadunado com os interesses corporativos e empresariais. Nesta perspectiva, um novo modelo de educação deve ser incorporado às políticas educacionais como estratégia para superação dos obstáculos impostos ao crescimento econômico. Neste, contexto, educação e conhecimento assumem centralidade, como aponta Oliveira (2009, pp. 239-240): Essa centralidade se dá porque educação e conhecimento passam a ser, do ponto de vista do capitalismo globalizado, força motriz e eixos da transformação produtiva e do desenvolvimento econômico. São, portanto, bens econômicos necessários à transformação da produção, ao aumento do potencial científico-tecnológico e ao aumento do lucro e Atas Proceedings | 2557 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 14 do poder de competição num mercado concorrencial que ser quer livre e globalizado pelos defensores do neoliberalismo. Torna-se clara a conexão estabelecida entre educação-conhecimento e desenvolvimento-desempenho econômico. A educação é um problema econômico na visão neoliberal, já que ela é elemento central desse novo padrão de desenvolvimento. O discurso desenvolvimentista disseminado na atual fase de organização capitalista nacional, alicerçado em grandes empreendimentos econômicos, com financiamento advindo em grande medida de recursos públicos impõe um viés utilitarista e economicista às universidades públicas, coadunado com o processo de reforma em curso. Assim, pesquisas científicas que se proponham investigar as mediações e determinações desse fenômeno na configuração universitária são relevantes. As questões apresentadas demandam a continuidade e aprofundamentos dos estudos organização O discurso desenvolvimentista disseminado na atual fase de capitalista nacional e internacional, alicerçado em grandes empreendimentos econômicos, com financiamento advindo em grande medida de recursos públicos impõe um viés utilitarista e economicista às universidades públicas, coadunado com o processo de reforma em curso. Assim, pesquisas científicas que se proponham investigar as mediações e determinações desse fenômeno na configuração universitária são relevantes. CONSIDERAÇÕES A construção do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte, a despeito da polêmica criada, em âmbito nacional e internacional, e das disputas criadas em torno da obra, é apresentada pelo governo federal como prioritária para o desenvolvimento do país. Entretanto, as evidências sinalizam que o maior interessado na obra é do grande capital, representado pelas empreiteiras e os empresários do comércio de produtos e serviços. A despeito da constituição de um efetivo debate público, envolvendo as populações atingidas e a diminuição dos impactos da obra, o que tem se observado é a constituição de uma superestrutura estatal para blindar a construção da obra, incluindo o uso da força policial. Além de informações não publicizadas pela empresa responsável pela construção do empreendimento, criminalização dos movimentos sociais contrários ao empreendimento e os frequentes episódios de conflito/tensão nos 2558 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 15 canteiros da obra. Outra dimensão, não menos importante, são os impactos socioambientais que ainda não podem ser adequadamente dimensionados considerando o curso do processo. A Amazônia permanece na condição de subalternidade diante da dinâmica de ampliação, reprodução e concentração do capital, constituindo em fronteira de recursos naturais, necessários para o capital industrial e financeiro. Neste sentido cabe investigar o papel da ciência/saber no atual ordenamento, a forma como as universidades públicas vem se relacionamento com a instalação dos grandes empreendimentos na Amazônia e se ocorre alterações na configuração universitária (autonomia, financiamento). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERMANN. Célio, O projeto da Usina Hidrelétrica Belo Monte: a autocracia energética como paradigma. Novos Cadernos NAEA, Belém-PA, v. 15, n. 1, p. 5-23, jun. 2012. FERNANDES. Florestan, Capitalismo Dependente e classes sociais na América Latina. São Paulo: Global, 2009. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Especial Belo Monte – Cronologia do Projeto. Disponível em: http://www.socioambiental.org/esp/bm/hist.asp. Acesso em 02.03.2013 LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Pressupostos do Modelo de Integração da Amazônia Brasileira aos Mercados Nacional e Internacional em Vigência nas Últimas Décadas: a modernização às avessas. In: COSTA, Maria José Jackson (Org.). Sociologia na Amazônia. Debates teóricos e experiências de pesquisa. Belém: EDUFPA, 2001. OLIVEIRA, João Ferreira de. A função social da educação e da escola pública: tensões, desafios e perspectivas. In.: FERREIRA, Eliza Bertolozzi. OLIVEIRA, Dalila Andrade (Orgs.). Crise da escola e políticas educativas. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. Atas Proceedings | 2559 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 16 PICOLI, Fiorelo. O capital e a devastação na Amazônia. São Paulo: Expressão popular, 2006. MAGALHÃES, S. B.; HERNÁNDES, F. M. (Orgs.). Painel de Especialistas: análise crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Belém: [s.n.], 2009. NORTE ENERGIA SA. Notícias. Belo Monte avança e 2013 representará o pico da obra. Disponível em : http://norteenergiasa.com.br/site/2012/12/28/belo-monte-avanca-e-2013representara-o-pico-da-obra/ Acesso em 10.03.2013 SANTOS, S. C.; NACKE, A. A Eletronorte e os projetos hidrelétricos. In: HÉBETTE, J (org). O circo está se fechando. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Fase; Belém: NAEA-UFPA, 1991. 2560 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 COMERCIALIZAÇÃO DA CASTANHA-DO-BRASIL NAS RUAS E FEIRAS LIVRES DE BELÉM (PARÁ), BRASIL. KEPPLER JOÃO ASSIS DA MOTA JUNIOR, economista pela Universidade Federal do Pará, [email protected]; GISALDA CARVALHO FILGUEIRAS, engenheira agrônoma e doutora em Ciências Agrárias, professora da Universidade Federal do Pará, [email protected]; ANTÔNIO JOSÉ ELIAS AMORIM DE MENEZES, engenheiro agrônomo e doutor em sistemas de produção agrícola familiar, analista da Embrapa Amazônia Oriental, [email protected]; ALFREDO KINGO OYAMA HOMMA, engenheiro agrônomo e doutor em economia aplicada, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, [email protected]; FRANCIDÉLIA CRUZ RAMOS, economista e mestranda em economia pela Universidade Federal do Pará, [email protected] Resumo Este trabalho teve como objetivo analisar as condições de venda da castanha-do-brasil ou também popularmente conhecida como castanha-do-pará nas ruas e feiras livres de Belém. A castanha é um dos principais produtos extrativos da região Amazônica, a qual desempenha importante papel socioeconômico, por ser geradora de renda a milhares de famílias, no campo ou na cidade. No âmbito da cidade, o trabalho demonstra a dinâmica da comercialização e os retornos econômicos que esta castanha está oferecendo tanto aos vendedores de rua quanto aos feirantes do município de Belém, Pará. Para tanto, aplicou-se 30 questionários com perguntas semiestruturadas para traçar o perfil destes vendedores em nível socioeconômico. Os principais resultados mostraram que a maior parte (76,7%) dos entrevistados migraram do interior para a cidade com perspectivas de melhora de vida, porém, sem as qualificações necessárias, indicada pela baixa escolaridade (média de 5,63 anos de estudo), refugiaram-se em trabalhos informais como a venda de diversos produtos, incluindo a castanha, em feiras e ruas. Sobre a comercialização do produto, o valor médio de compra foi de R$ 3,17/quilo, enquanto que o valor de venda da castanha beneficiada (sem casca) ficou em média R$ 28,00/quilo, o que influenciou na renda média obtida com a venda do produto (R$ 1.314,82/mês) que foi quase duas vezes superior ao salário mínimo brasileiro vigente (R$ 670,00), demonstrando, portanto, que a venda de castanha é importante para a reprodução familiar destes vendedores. Palavras-chave: castanha-do-brasil; comercialização; feiras livres. Abstract This study aimed to analyze the conditions of sale of the brazil-nut or also popularly known as pará-nut in the streets and markets of Belém. This nut is a major forest products in the Amazon region, which plays an important socioeconomic role, because it generates income for thousands of families in the countryside or in the city. Within the city, the work demonstrates the dynamics of the market and the economic returns that brown is offering both to street vendors as the fairground in Belém, Pará. Therefore, we applied 30 questionnaires with semi-structured questions to profiling 1 Atas Proceedings | 2561 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural these sellers socioeconomic status. The results showed that the majority (76.7%) of respondents migrated from the countryside to the city with prospects of improvement of life, but without the necessary qualifications, indicated by low education (average of 5.63 years of schooling) , took refuge in informal jobs such as selling various products, including the brazil-nut, in fairs and streets. On the marketing of the product, the average purchase price was R$ 3.17 / kilo, while the value of sales benefited nut (shelled) was on average R$ 28.00 / kilo, which influenced the income average from the sale of the product (R$ 1,314.82 / month) which was almost twice the Brazilian minimum wage rate (R$ 670.00), showing therefore that the sale chestnut is important for family reproduction these sellers. Key words: Brazil-nut; marketing; fairs 1. INTRODUÇÃO O extrativismo vegetal desempenha importante papel socioeconômico na região amazônica, pois é responsável pela segurança alimentar e geração de renda a milhares de famílias que tem na exploração da floresta uma forma de reprodução familiar. De acordo com a pesquisa Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o extrativismo vegetal compreende a coleta ou apanha, de forma racional, de produtos como madeira, látex, sementes, fibras, frutos e raízes que permitem a obtenção de produções sustentadas ao longo do tempo. Ainda de acordo com a PEVS, em 2011, a participação de produtos não madeireiros na extração vegetal foi 18,8%, totalizando R$ 935,9 milhões. Na região Norte do país, destaca-se entre os diversos produtos da extração vegetal a produção de castanha-do-brasil. De acordo com a Organização Não Governamental World Wild Fund – WWF (2013), a árvore da castanha, mais conhecida como castanheira, pode ser encontrada nos nove países que constituem a PanAmazônia, mas, segundo Tonini (2007), a maior parte está distribuída entre Brasil, Colômbia e Peru que respondem por, aproximadamente, 96% da área plantada. Apesar de também ser conhecida como castanha-do-brasil, atualmente, a Bolívia é o maior produtor à nível mundial que suplantou o Brasil a partir dos primeiros anos da década de 2000. A decadência na produção de castanha começou a partir da década de 1970 com o projeto de integração nacional adotado pelo Governo da época. Homma (2000: 44) 2 2562 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 considera que nos anos seguintes, a abertura de estradas e, conseqüentemente, a expansão da fronteira agropecuária levam estas atividades a ocupar as áreas de castanhais no sudeste paraense, até então o maior produtor nacional. Atualmente, o estado do Amazonas é o maior produtor do país respondendo por 35% do total produzido á nível nacional, seguido por Acre (33,3%) e Pará (17,1%). Essa produção está apoiada em grande parte por castanhais extrativos, a despeito da existência de um plantio pioneiro de 3.000 hectares com 300 mil pés de castanhas plantados na década de 1980 no estado do Amazonas (HOMMA, 2012). De acordo com o IBGE, do total de 42.152 toneladas de castanha-do-brasil produzidas em 2011, o estado do Pará contou com uma produção de 7.192 toneladas. Os maiores produtores no estado foram: Oriximiná (1.680 ton.), Óbidos (1.225 ton.), Acará (720 ton.) e Alenquer (710 ton.) que configuraram na lista dos 20 maiores produtores do Brasil. Grande parte da produção estadual da castanha-do-brasil segue para a exportação, outra grande parte segue para as feiras livres das grandes cidades. Deste modo, este trabalho pretende demonstrar a dinâmica da comercialização e os retornos econômicos que este produto está oferecendo tanto aos vendedores de rua quanto aos feirantes do município de Belém, Pará. De tal modo, este artigo está estruturado em quatro seções, além desta introdução. Na segunda seção, discute-se a metodologia; na terceira, faz-se uma breve descrição do mercado de castanha-do-brasil; na quarta, discute-se os resultados obtidos com a aplicação dos questionários, relativo aos vendedores de castanha e, por fim, temse as considerações finais. 2. METODOLOGIA 2.1 Área de estudo O município de Belém possui uma área de 1.059,40 km2 e está situado na região nordeste do estado do Pará. Conta com uma população de 1.393.399 habitantes (IBGE, 2010), chegando a 2.100.000 habitantes em sua região metropolitana sendo, portanto, 3 Atas Proceedings | 2563 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural um local estratégico para onde se escoa grande parte da produção de alimentos do estado que vão parar em supermercados, feiras ou nas bancas de ruas. De acordo com dados da Secretaria de Economia do município de Belém (SECON) em Medeiros (2010), a cidade possui 34 feiras livres legalizadas que contam com, aproximadamente, 5.000 feirantes, sendo 71,2% desse total cadastrados perante o órgão. A principal feira da cidade é do Complexo do Ver-o-Peso que concentra 17,5% dos feirantes da cidade, além de ser considerada uma das maiores feiras livres do Brasil. Em seguida, aparecem a feira do Barreiro, 25 de Setembro, Parque União e Entrocamento. 2.2 Fonte e coleta de dados Coleta de dados foi realizada com vendedores de castanha-do-brasil em feiras e ruas da cidade de Belém (ver Tabela 1) no mês de janeiro de 2013. Foram aplicados 30 questionários do tipo semiestruturado abordando questões sobre adequabilidade do local, comercialização da castanha (local de compra, quantidade vendida, procedência do produto, forma de pagamento e armazenamento, perfil do comprador, período de safra-entressafra, perdas e preço) além de benefícios financeiros que a castanha está oferecendo aos vendedores (renda auferida, produtos comprados com o dinheiro do produto e outras rendas recebidas). As questões foram tabuladas de acordo com as frequências de respostas, na qual se fez uma análise estatística descritiva. Dados de origem secundária como quantidade produzida e Valor Bruto da Produção (VBP) da castanha-do-brasil foram obtidos juntos ao Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA-IBGE) e os valores foram deflacionados e atualizados pelo IGP-DI, base 2011=100. 4 2564 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Tabela 1: Quantidade de vendedores de castanha entrevistados por feira livre e logradouro. Feira Livre Quantidade de vendedores entrevistados % (Total) Ver-o-Peso 13 43 25 de Setembro 7 23 Entroncamento 5 17 Guamá 2 7 Vendedores de Rua Quantidade de vendedores (Logradouro) entrevistados Av. Presidente Vargas Rua Aristides Lobo com Av. Presidente Vargas Rua João Alfredo TOTAL % (Total) 1 3 1 3 1 3 30 100 Fonte: dados de pesquisa, 2013. 3. MERCADO NACIONAL DE CASTANHA-DO-BRASIL A quantidade produzida de castanha-do-brasil, em 2011, foi de 42.152 toneladas, representando um aumento de 4,4% em relação a 2010. Quando comparado ao ano de 1990 que registrou uma produção de 51.195 toneladas a queda foi de 21,5%. Ao longo do período a produção apresentou média de 31.563 toneladas, desvio padrão de 7.555,6 toneladas e coeficiente de variação de 24%, o que indica alta variabilidade na quantidade produzida no período. É possível verificar no Gráfico 1 que, no período analisado, a maior produção se deu no ano de 1990 com suas 51.195 toneladas e a menor em 1996 com apenas 21.469 toneladas. A partir do ano 2000, a produção comportou-se por volta das 31.852 toneladas (média) e com menor dispersão em relação a esta, indicada pelo seu coeficiente de variação de 17%. A partir de 2007, verifica-se que a produção tem crescido ano a ano, especialmente, pelo aumento na quantidade produzida no estado do Amazonas. 5 Atas Proceedings | 2565 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Gráfico 1: Evolução da quantidade produzida, em toneladas, de castanha-do-brasil no país de 1990 a 2011. 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 - 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Quantidade Produzida (ton.) 60.000 Fonte: a partir de dados do SIDRA-IBGE, 2013. Enquanto a quantidade produzida experimenta ciclos de altos e baixos, o Valor Bruto da Produção (VBP) tem crescido bastante, ainda que tenha experimentado leves quedas nos anos de 1994, 2003 e 2006 (Gráfico 2). Na comparação do último com o primeiro ano da série histórica a alta foi expressiva, isso porque, quando deflacionados e atualizados os valores monetários pré-1994, os números obtidos não são significativos pelo fato de o real ser mais valorizado que seus antecessores e pela corrosão pela inflação no período. Sendo assim, vejamos os valores a partir do ano 2000. Neste caso, tem-se que, em 2000, o VBP da castanha-do-brasil foi de R$ 7.504 mil, enquanto que em 2011 de R$ 69.404 mil, um valor nove vezes maior. O crescimento do VBP muito acima do observado na quantidade produzida (26%) no período indica que houve um aumento na procura pelo bem sem que fosse acompanhado pelo aumento proporcional na sua oferta. Esse descompasso entre oferta e demanda gerou forte aumento de preços passando o custo médio da tonelada de R$ 224,46 em 2000 para R$ 1.646,52 em 2011. 6 2566 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 Gráfico 2: Evolução do Valor Bruto da Produção, em mil reais, da castanha-do-brasil no país de 1990 a 2011. Valor Bruto da Produção (mil reais) 80.000 70.000 60.000 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 - Fonte: a partir de dados do SIDRA-IBGE, 2013. * Valores deflacionados pelo IGP-DI, base 2011=100. Apenas sete estados produzem a castanha-do-Brasil (ver Tabela 2) no país, todos concentrados na Amazônia Legal. Apesar da queda no último ano da série, o maior produtor continua sendo o estado do Amazonas (ver Gráfico 3) com uma produção de 14.661 toneladas (2011), o que representa 34,8% do total produzido no país. Em seguida aparecem Acre (14.035 ton.) e Pará (7.192 ton.) com 33,3% e 17,1% de participação, respectivamente. 7 Atas Proceedings | 2567 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Gráfico 3: Evolução da quantidade produzida, em toneladas, pelos três principais produtores de castanha-do-brasil no país de 1990 a 2011. 20000 Quantidade Produzida (ton.) 18000 16000 14000 12000 Acre Amazonas Pará 10000 8000 6000 4000 0 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2000 Fonte: a partir de dados do SIDRA-IBGE, 2013. Em termos de produção acumulada entre 1990 e 2011, a produção do Acre e Amazonas se equivalem (em torno de 60.000 toneladas), o mesmo quanto a média no período (em torno de 12.000 toneladas). O Pará, que até os anos 1980 foi o maior produtor nacional, vem registrando crescentes perdas na produção nas duas últimas décadas e precisa investir em novos plantios, de modo a continuar a ter este produto, essencial tanto na alimentação local, dado suas propriedades, como para a geração de divisas, principalmente, através da exportação. Outros estados da região (Amapá, Mato Grosso, Rondônia e Roraima) pouco contribuem para o total produzido, respondendo por 15% da produção no ano de 2011. Dentre estes, Rondônia é o único que tem obrsevado uma média de 3.000 toneladas de castanha nos últimos anos, enquanto que o restante raramente tem ultrapassado as 1.000 toneladas anuais. 8 2568 | ESADR 2013 Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01 4. RESULTADO E DISCUSSÃO As feiras livres desempenham um importante papel no processo de produção urbano uma vez que proporcionam parte do abastecimento alimentar destas populações urbanas. Na cidade de Belém, a maior parte das feiras existe há menos de trinta anos e estão basicamente localizadas nos bairros periféricos (MEDEIROS, 2010). Essa dinâmica é resultado do processo de êxodo-rural que o país experimentou nas últimas décadas e que levou milhões de pessoas do campo para as cidades em busca de melhores condições de vida. Porém, ao chegar à cidade o migrante sem as qualificações necessárias e, consequentemente, sem emprego necessita de uma atividade que viabilize sua reprodução familiar. Neste caso, muitas vezes, pela tradição no campo, a venda de produtos (hortifrútis, extrativos e outros) na feira pode ser uma opção. Com relação a isso, verificou-se que 76,7% dos entrevistados nasceram em cidades que não da Região Metropolitana de Belém, grande parte destes são do interior do estado do Pará e apenas um é de outro estado (Ceará). A escolaridade média dos vendedores de castanha nas ruas e feiras livres de Belém foi de 5,63 anos, ou seja, a maioria não possui o ensino fundamental completo (Gráfico 4). Nos dados desagregados os vendedores de rua ficaram com média de 3,3 anos e os feirantes de 5,9 anos, o que significa dizer, conforme Gomes et al. (2013) que, de um modo em geral, a comercialização de produtos em feiras livres é uma atividade pouco exigente quanto à escolaridade ou qualificação de seus agentes. Gráfico 4: Anos de estudo dos vendedores de castanha-do-brasil nas ruas e feiras livres de Belém. Fonte: dados de pesquisa, 2013. 9 Atas Proceedings | 2569 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural A maioria (43,3%) começou a trabalhar na feira por necessidade, 30% para ajudar alguém da família, 10% por opção e 16,7% por outros motivos. A média de anos de trabalho foi de 13 anos, sendo que 43,3% se ocupam com a venda de castanha (e, muitas vezes, outros produtos) há menos de dez anos, ao passo que 40% trabalham entre dez anos e 30 anos e 10% levam mais de 30 anos dedicando seu tempo à venda de castanha, outros 6,7% não quiseram informar a quantidade de anos de trabalho com o produto. Quanto às condições do estabelecimento para a venda do produto, todos os feirantes informaram que a banca é própria, ainda que tenham que pagar uma taxa à Prefeitura que, em alguns casos é anual (Feira da 25 de Setembro) e outros mensal (Vero-Peso). Outra questão quanto ao estabelecimento foi a adequabilidade do local para a venda da castanha. Como o Gráfico 5 mostra, 67% dos entrevistados informaram que o local era adequado para a venda do produto, outros 23% em parte (que inclui os três vendedores de rua) e 10% disseram que o local não era adequado. Dos que disseram que não era adequado, um feirante do Ver-o-Peso manifestou que a venda de castanha deveria ser em local exclusivo como ocorre com outros produtos na mesma feira, isso porque, a cada ano que se passa cada vez mais vendedores de outros produtos ao redor migram para a venda da castanha por ser mais rentável disse o feirante. Os outros dois que responderam negati