Alimentar Mentalidades, Vencer a Crise Global

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Alimentar Mentalidades, Vencer a Crise Global
econômicos
P01 Empreendimentos
e população local
em regiões de florestas tropicais
Atas Proceedings
ISBN 978-989-8550-19-4
P01 · Empreendimentos econômicos e população local
em regiões de florestas tropicais
Coordenadores
Gilberto de Souza Marques
(UFPA) [email protected]
Indira Cavalcante da Rocha Marques
(SEED-AP) [email protected]
Nádia Socorro Fialho Nascimento
(UFPA) [email protected]
Aluizio Lins Leal
(UFPA) [email protected]
A Amazônia distribui-se por 8 países sulamericanos. Em 1966 a ditadura militar brasileira passou a apoiar a agropecuária na Amazônia e nos anos 1970 iniciou a implantação de grandes
projetos energético-minerais (ferro, alumínio, hidrelétricas, etc.). A agricultura familiar foi secundarizada. Políticas similares foram conduzidas por outros países amazônicos. Atualmente
há grande produção mineral e do agronegócio, conduzidas por empresas nacionais e multinacionais. Em paralelo, ocorre urbanização desordenada, conflitos fundiários e problemas
socioambientais, envolvendo grandes empreendimentos econômicos e a população local
(índios, caboclos, seringueiros, etc). Objetivamos analisar este quadro na Amazônia e em outras regiões de florestas tropicais.
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GRANDE MINERAÇÃO E POPULAÇÃO LOCAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA1
Gilberto Marques – UFPA, [email protected]
Indira Rocha Marques, [email protected]
Resumo: A Amazônia, desde a chegada dos portugueses ao Brasil, se constituiu como uma economia
primária, sustentada no extrativismo de seus recursos naturais. No final dos anos 1970 esse perfil foi
aprofundado, definindo à sua porção oriental a função de região exportadora mineral. O papel
desempenhado pelo Estado brasileiro foi fundamental no sentido estabelecer as bases necessárias para tal.
Tem-se conformado uma sociedade com fortes características de colônia mineral, presenciando modernas
técnicas de extração das riquezas naturais com uma realidade caótica do ponto de vista ambiental e social.
Palavras-chave: Amazônia, acumulação capitalista, Estado, colônia energético-mineral
Introdução
Este trabalho tem como objetivo analisar a trajetória da Amazônia a partir de sua conformação como uma
economia primária e extrativista. Destacamos o processo de apropriação dos recursos naturais regionais e
o papel desenvolvido pelo Estado brasileiro na associação entre capital estatal e grande capital privado
nacional e internacional. Concluí-se que a região vem sendo constituída como uma moderna colônia
energético-mineral. Colônia porque sua produção está submissa à lógica da reprodução ampliada de
capital na escala nacional e mundial. Moderna pelo fato dos projetos-enclaves de exploração mineral
utilizarem técnicas avançadas de apropriação intensiva da natureza. A grande questão que fica é pensar
criticamente o lado nada moderno da degradação ambiental e social imposta pelo capital.
Para alcançar nossos objetivos, reconstituímos brevemente a economia regional desde a colonização
portuguesa e a produção da borracha até a fase dos grandes projetos minerais, procedendo uma análise
evolutiva desde a decisão de implantá-los até o momento atual, onde o Estado se apresenta
secundariamente na produção - ainda que criando as condições necessárias (infraestruturais, institucionais
e financeiras) para a operação dos mesmos.
A formação de uma economia primária e extrativista
A colonização portuguesa da Amazônia brasileira ocorreu sustentada na conformação de um modelo
extrativista, produzindo um verdadeiro genocídio indígena e a uma economia primário-exportadora, com
baixa agregação de valor e apropriação bruta da natureza (sem grande incorporação tecnológica). Este
modelo refletia as nobreza e burguesia portuguesas, relativamente mais atrasadas, se comparadas as de
outros países europeus, particularmente a da Inglaterra.
Esta configuração imposta pelos portugueses foi mantida mesmo quando o Brasil declarou sua
independência da metrópole luzitana. Nas últimas décadas do século XIX o aumento da demanda
1
Este trabalho teve o título numa Amazônia: uma moderna colônia energético-mineral? numa versão preliminar do mesmo.
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e Desenvolvimento Rural
industrial pelo látex (matéria prima da borracha) fez as atenções internacionais se voltarem para a
Amazônia pelo fato de que a hevea brasiliensis (seringueira amazônica) ser a espécie vegetal que melhor
respondia às necessidades da indústria.
Um grande fluxo de renda se formou na Amazônia. Em sua base estava o trabalhador direto, o
seringueiro, que se embrenhava na mata, colhendo o látex que era comercializado por uma cadeia de
atravessadores. Como não dispunha de recursos mínimos para realizar a produção, o seringueiro
endividava-se junto ao seringalista (controlador do seringal) comprando mercadorias “fiadas” para poder
extrair o produto. Os preços eram muito elevados. Por outro lado, era o seringalista que comprava o látex,
estabelecendo um preço bastante rebaixado. Resultado: o trabalhador direto era preso numa cadeia de
endividamento. Produzia riquezas, alimentando as camadas sociais superiores (seringalistas,
comerciantes, exportadores, banqueiros), mas ficava na miséria (MARQUES, 2007; LOUREIRO, 2004).
A massa de mais-valia produzida era enorme.
Essa forma de organização da produção, o aviamento, foi o meio encontrado pela dinâmica capitalista
para gerar, a baixo custo, um montante significativo de riquezas, em grande parte fluindo para a Europa e
EUA. A expansão da produção dependia do aumento da força de trabalho, conseguida principalmente
através da imigração nordestina (SANTOS, 1980). A massa de capital imobilizada na produção era
pequena quando comparada ao volume da força de trabalho, conformando uma pequena composição
orgânica de capital (relação entre capital constante e capital variável). Do ponto de vista do capital
constante (matérias primas, insumos, máquinas, instalações, equipamentos etc.) sua parcela fixa
(máquinas, equipamentos e instalações) era bastante resumida, limitando-se ao barracão (espaço de
comercialização dentro do seringal) e similares. Outras partes do capital fixo (como facas, cuias e os
demais equipamentos da extração) eram pagas pelo próprio trabalhador. Também não havia processo de
industrialização. O látex tinha um beneficiamento mínimo. As bolas de látex eram feitas artesanalmente
pelo seringueiro a partir da defumação do produto ainda na mata.
Essa produção era dominada pelo capital comercial. Este se remunera na esfera da circulação (compra e
venda de mercadorias), de modo que não estimulava o investimento em outros processos. Interessava a
apropriação e comercialização primária da natureza local. Esses elementos que interligam a realidade
regional à dinâmica da acumulação capitalista no mundo ajudam a explicar o reduzido processo de
industrialização amazônica e a permanência de uma economia sustentada no extrativismo tradicional.
Quando os preços do látex caíram no mercado internacional2 a partir de 1911 a economia amazônica
entrou em profunda crise, prolongada nas décadas seguintes. Essa realidade sofreria alteração no decorrer
dos anos 1950 e particularmente com o estabelecimento da ditadura militar em 1964. No final da década
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Em decorrência da disputa interimperialista que levou a Inglaterra a comandar o plantio da seringueira amazônica em larga
escala no Sudeste Asiático.
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de 1950 o governo federal iniciou a construção da rodovia Belém-Brasília, que, além de abrir novo
mercado de terras e atrair outros proprietários, tinha como objetivo integrar a região à economia nacional
como consumidora de produtos indústrias do Sudeste brasileiro e ao mesmo tempo lhe fornecer matériasprimas.3
A dinâmica do capitalismo internacional também estabeleceria relações com a economia amazônica.
Após a Segunda Guerra Mundial consolidou-se uma nova divisão internacional do trabalho (DIT) onde
alguns países do 3º mundo, que, em industrialização, passavam a receber filiais de multinacionais. Estas
buscavam explorar uma força de trabalho barata e com baixo grau de organização. Aproveitavam-se ainda
da proximidade com as fontes de matérias-primas e dos favores distribuídos pelos governos locais. Com
isso, garantiam o controle dos mercados destes países e se apropriavam de significativa massa de maisvalia, em grande parte enviada aos seus países de origem por meio da remessa de lucro às matrizes. No
caso do Brasil esse novo papel na DIT seria cumprido inicial e principalmente pelo Sudeste. A Amazônia
só consolidaria uma função destacada, e com especificidades, no decorrer dos anos 1970, com os grandes
projetos minerais.
A ditadura militar brasileira impulsionou na Amazônia projetos para a exploração mineral em escala
industrial, voltados para o exterior. Mas a primeira experiência deste tipo de extração ocorreu no Amapá.
Em 1945, na Serra do Navio, foram descobertas as reservas de manganês, mineral usado na indústria
siderúrgica. O minério foi explorado pela mineradora Icomi, que na prática representava os interesses da
multinacional norteamericana Bethlehem Steel (LEAL, 2011; MARQUES, 2009).
As reservas minerais foram estimadas para exploração por 50 anos, tempo de concessão da mina. A
primeira exportação ocorreu em 1957 e no final dos anos 1970 o manganês de alto teor já havia se
esgotado. A exploração do manganês ainda permaneceu nos anos 1980, mas em ritmo descendente, sendo
encerrada na década seguinte. Deixando um dano ambiental e social de enormes proporções.
A Icomi formalmente pertencia ao Grupo Caemi, do empresário Azevedo Antunes, um dos empresários
envolvidos nas articulações com os militares golpistas de 1964. Isso lhe rendeu diversos frutos, entre os
quais a propriedade do projeto Jari (como sócio majoritário), quando este foi nacionalizado.
A atuação da ditadura militar
3
Esse sentido expresso na construção rodovia nos ajuda a entender o insucesso da política proposta pela SPVEA
(Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), criada em 1953, que se propôs a implementar uma
política de industrialização regional por meio da substituição de importações, incluindo os produtos do Sudeste brasileiro. Essa
última era o pólo dinâmico da economia brasileira. Mas apesar de sua força, o processo de acumulação de capital no país não
estava tão sedimentado a ponto de impulsionar, apoiar ou aceitar a industrialização em outras regiões. Naquele momento, a
dinâmica capitalista exigia o contrário: concentrar e centralizar capital no núcleo central da produção burguesa do Brasil.
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O estadunidense Daniel Ludwig adquiriu grandes extensões de terra (3,7 milhões de hectares, segundo
suas próprias informações) na fronteira entre os estados do Pará e Amapá (rio Jari), nas quais dispunha de
controle absoluto, numa área de terras devolutas na União. O empresário com o apoio do presidenteditador Castelo Branco e dos incentivos governamentais montou uma grande plantação de arroz, pinus
para a produção de celulose (sobre área de floresta alta), pecuária e ainda uma mineradora para a extração
de bauxita refratária. Logo depois, o complexo Jari passou a explorar caulim.
O projeto Jari encontrou muitas dificuldades financeiras e o questionamento de um setor dos militares
devido à concentração de poder e extensa área de terras em mãos estrangeiras. O governo militar
nacionalizou o empreendimento, assumiu as dívidas pendentes e ainda injetou US$ 180 milhões,
entregando o complexo a um consórcio de empresários, cujo comando ficou a cargo de Azevedo Antunes,
sócio de Ludwig em outros empreendimentos. A atuação de Antunes e Ludwig na Amazônia deixam
claro que importantes interesses estavam em jogo e a ditadura militar brasileira se submetia a eles. 4
Em 1966 o governo Castelo Branco lançou a Operação Amazônia, um conjunto de instituições e
legislação criada para redefinir a atuação do governo federal na região. A SPVEA foi substituída pela
SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) e fundou-se o BASA (Banco da
Amazônia) e a Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus). Os incentivos fiscais foram
expandidos, incorporando-se fortemente a agropecuária. Outras mudanças, de cunho nacional, também
tiveram forte impacto sobre o espaço regional, foi o caso do Estatuto da Terra e do novo Código de
Mineração, consolidando a separação entre a propriedade da terra e do subsolo - além de abrir o setor
mineral a exploração direta das empresas multinacionais. As mudanças em curso sedimentavam um papel
que a região cumpriria particularmente a partir da segunda metade dos anos 1970 no processo de
acumulação de capital no Brasil e na divisão internacional do trabalho: ser exportadora de produtos
minerais. Uma das definições que subsidiaram a redefinição do papel do Estado na Amazônia sob a
ditadura militar era a compreensão de que a região representava um imenso “espaço vazio” que deveria
ser ocupado para que o Brasil não sofresse questionamento quanto à sua soberania sobre a mesma.
Mas a interpretação do espaço vazio servia aos interesses do grande capital (nacional e internacional) que
se associava ao Estado brasileiro para explorar as riquezas naturais amazônicas. Assim, a ocupação dos
espaços vazios significava antes de tudo a ocupação das possibilidades de transformar a natureza em
mercadoria, e, como tal, obter lucro. Isso ficou evidente durante o seminário de lançamento da Operação
Amazônia, realizado a bordo do navio Rosa da Fonseca no trajeto entre Belém e Manaus, sobre o rio
4
Gaspari (2002) fez uma reconstrução da ditadura onde em alguns momentos parece que várias lideranças golpistas não
queriam ou não arquitetaram o golpe. Diferentemente, Alves (2005) afirma que a tomada do poder estatal foi precedida de
um bem orquestrado movimento de desestabilização do governo Goulart, impulsionado pela Escola Superior de Guerra
(ESG) e sustentado no Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e no Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
(IPES), envolvendo corporações multinacionais, capital brasileiro associado-dependente, governo estadunidense e militares
brasileiros. Para Silva (2003), a ESG cumpriu papel central na construção da Doutrina de Segurança Nacional, base
necessária para o estabelecimento da ditadura.
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Amazonas. Sérgio Cardoso de Almeida, empresário, latifundiário e deputado paulista, foi claro nos
objetivos da burguesia nacional em relação à Amazônia: “ao empresário interessa saber onde pode
aplicar o seu dinheiro para ganhar mais dinheiro, pois essa é a maneira de atender à patriótica convocação
de ocupação brasileira na Amazônia” (FOLHA DE SÃO PAULO, 16/04/1967). O Estado brasileiro
respondeu com enormes somas de dinheiro (grosso modo a fundo perdido) e infraestrutura, distribuindo
recursos públicos (e se endividando) que se transformavam gratuitamente em capital privado. Assim,
consolidava-se a associação entre Estado e capital privado para a “ocupação” da Amazônia.
Produção mineral em larga escala: os grandes projetos
Essa associação se aprofundaria com as descobertas minerais. Desde o golpe militar de 1964 haviam sido
intensificadas das pesquisas geológicas na Amazônia, especialmente na sua porção oriental.5 Importantes
reservas minerais foram localizadas. Em 1966, a Codim, subsidiária da Union Carbide, descobriu reservas
de manganês na serra do Sereno (Marabá) e em 1967 a United States Steel, através da sua subsidiária
brasileira, a Companhia Meridional de Mineração, detectou as reservas de ferro da serra Arqueada
(Carajás, com 18 bilhões de toneladas) e de manganês em Buritama. Desde 1968 a região de Carajás
vinha sendo estudada pela CVRD (Companhia Vale do Rio Doce). Em 1970, os estudos passaram a ser
efetuados pela Amza (Amazônia Mineração S/A), formada pela CVRD (50,9% das ações) e pela United
States Steel (com 49,1% das ações). Em 1969 foram descobertas as reservas de bauxita (matéria-prima do
alumínio) em Oriximiná, com 1,1 bilhão de toneladas6 (BENTES, 1992; MARQUES, 2007;
MONTEIRO, 2005).
A Constituição de 1967 estabeleceu que as jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de
energia hidráulica constituíam propriedade distinta do solo quando se tratasse de exploração ou
aproveitamento industrial. Com isso, possibilitou-se a aprovação do novo Código de Minas (1967), que
implantou o regime res nullius, em que o subsolo não teria dono. Esta medida foi acompanhada de outras
que criaram a figura da empresa de mineração (sociedade organizada no país, independente da origem do
capital) e garantiram o predomínio do setor privado, deixando o Estado com papel suplementar. O
governo golpista, ainda que sob um discurso de segurança nacional, colocava descaradamente os recursos
minerais brasileiros à disposição dos capitais internacionais.7
No caso da Amazônia, a mudança na legislação mineral se somaria a outras medidas, como o Estatuto da
Terra e o estabelecimento dos incentivos fiscais, para sedimentar as bases de um novo e importante papel
5
Amazônia oriental: Pará, Amapá, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão.
Em Carajás as estimativas iniciais giravam entre 14 e 18 bilhões de tonelada de ferro. Nestes projetos minerais a exploração
ou demonstrou que as reservas eram maiores ou levou (e ainda leva) a descobertas de novas minas.
7
Vale registrar que em 1965 o presidente-ditador Castelo Branco autorizou que parte do levantamento aerofotogramético do
país, fosse feito, sem concorrência pública, pela força aérea dos EUA (USAF), de modo que o Bureau of Mines de
Washington teve acesso privilegiado das jazidas minerais brasileiras (OLIVEIRA, 1988).
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que a região cumpriria na acumulação capitalista brasileira, em sua dinâmica de capital em nível mundial:
ser fornecedora de produtos naturais, particularmente minerais e/ou intensivos em energia.
As descobertas minerais exigiam o controle direto da região por parte do Executivo federal. Não se
aceitariam contestações. Era exatamente isso que se propunha a fazer um grupo de guerrilheiros que no
final dos anos 1960 passou a se instalar no vale do Araguaia-Tocantins. Mas essa era a área de descoberta
das principais jazidas minerais e também do mais importante fluxo de entrada dos novos grandes
proprietários na Amazônia.8 A ditadura resolveu dizimá-los e aproveitar o fato para “limpar” a região
para o capital (mineral e agropecuário) que se propunha instalar na região.
No plano internacional, o início da década de 1970 foi marcado pelo choque do petróleo e a crise da
economia internacional. Neste cenário, o governo brasileiro elaborou II PND (II Plano Nacional de
Desenvolvimento). O plano partia da constatação de que a industrialização pesada almejada pelo governo
Juscelino Kubitschek não atingira plenamente seu objetivo. A indústria produtora de maquinário e
matérias-primas pesadas fora apenas parcialmente implementada. Buscava-se agora implantar este núcleo
mais pesado do setor I da economia, aquele que produz meios de produção, segundo a definição de Marx
(2005).
Quando eclodiu a crise nos anos 1970 o governo militar decidiu que não seguiria uma política econômica
ortodoxa, cortando gastos e adotando medidas recessivas. O objetivo seria completar o ciclo da
industrialização pesada, na definição de Mello (1998), iniciada nos anos 1950. Com isso, impunha-se uma
marcha forçada à economia nacional (CASTRO, 1985). Essa intenção era reforçada e dificultada pelo fato
dos principais governos do capitalismo central buscarem transferir o peso da crise para as demais nações.
No final da década de 1970 os EUA adotaram políticas de proteção de sua economia e do dólar, elevando
as taxas de juros, e provocando uma subida em cascata das taxas de juros no mercado internacional. O
Resultado foi a explosão do endividamento dos países que, como o Brasil, haviam tomado empréstimos
para tocar em frente a industrialização retardatária. Pagava-se um preço elevado pela valorização artificial
do capital ao nível mundial. Uma parte significativa do capital não percorria o ciclo D-M-D’, aquele que
produz mercadoria, mas D-D’, onde dinheiro produz artificialmente mais dinheiro.
A intensificação do endividamento externo brasileiro gerava maiores problemas à economia nacional,
provocando um estrangulamento cambial. O governo militar buscava então estimular a exportação de
mercadorias de modo a obter saldos positivos na balança comercial e com isso pagar as parcelas que
venciam da dívida externa.9
A opção por impulsionar o setor produtor de meios de produção pesados, substituindo importações,
redefiniu o papel que a região deveria cumprir na reprodução capitalista brasileira. Determinou-se que a
8
9
Incluindo aqui o Mato Grosso, também cruzado pelo mesmo vale.
Uma análise interessante do endividamento externo brasileiro e de sua estatização pode ser encontrada em Cruz (1984; 1995).
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Amazônia (em particular a porção oriental) a função de ser exportadora de produtos minerais. Assim, o II
PND assumiu de fato e definitivamente a região como “fronteira de recursos naturais”, destacadamente
minerais, ou seja, território fornecedor de matéria-prima bruta aos países já industrializados. Essa
mudança já esboçada desde meados dos anos 1960, agora ganhava mais importância e concretude.10
Um programa referência dessa nova postura foi o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da
Amazônia, o Polamazônia (1974), destinado a ocupar os “espaços vazios e à utilização dos eixos viários
articulando-se aos projetos de desenvolvimento setorial nas áreas preferenciais” (SUDAM, 1976, p. 46).
Entre estes pólos, o de Carajás (em torno das reservas de ferro da Serra dos Carajás, Sudeste do Pará) foi
o que recebeu mais atenção do governo federal, o que significou concentração de investimentos e,
posteriormente, uma vida própria, conformando o Programa Grande Carajás.
Os grandes investimentos do II PDA/II PND se concentravam em transportes, mineração e energia. Os
recursos para mineração se localizavam principalmente na exploração do ferro de Carajás e,
secundariamente, na bauxita de Trombetas (município de Oriximiná-PA). Somente o investimento em
Carajás era equivalente ao montante que o plano havia programado para todo o programa de indústria e
serviço. Os investimentos em energia priorizavam a hidrelétrica de Tucuruí. Esta concentração de
recursos respondia aos “interesses nacionais” na Amazônia, particularmente à busca de divisas
internacionais via exploração de seus recursos naturais.11
Além da crise econômica brasileira, diversos fatores externos pesaram na definição do papel mineral da
Amazônia, destacadamente a disputa interimperialista. A corrida pelo controle de novas reservas
minerais; o aumento da pressão ambiental nos países industrializados, fazendo com que plantas
industriais muito poluentes passassem a ser transferidas para regiões onde a legislação de proteção ao
meio ambiente fosse mais branda; a crise econômica mundial e a subida dos preços do petróleo,
encarecendo os custos da geração de energia elétrica, levando alguns países monopolistas a voltarem suas
atenções para as regiões com enorme potencial energético e mineral; a subida dos juros internacionais e
do endividamento dos países desenvolvimentistas, estimulando atividades exportadoras nestes países. O
II PND refletiu esta situação, buscou substituir importações e abrir novas frentes de exportação
(MARQUES, 2007).
Delineou-se assim um processo de ocupação na Amazônia por meio de grandes projetos governamentais
e privados: empreendimentos de porte considerável, tecnologia avançada e implementados por complexos
empresariais entre Estado12 e capital privado nacional e estrangeiro. Com os grandes projetos energético10
A adequação regional ao II PND foi feita pelo II PDA (II Plano de Desenvolvimento da Amazônia, 1974-1979). A
autonomia da SUDAM e das demais instituições locais para elaborar políticas a partir dos reclames regionais ficava
definitivamente comprometida. Tratava-se somente de adequar regionalmente as linhas gerais do plano nacional.
11
Afora isso, ainda permaneceu elevado o montante destinado à agropecuária, mas localizado em áreas selecionadas (com
destaque aos grandes empreendimentos do Sul/Sudeste do Pará) que totalizaram Cr$ 5 bilhões.
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O governo federal atuou diretamente na condução de atividades de levantamento e prospecção. Em 1970 fundou-se a
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minerais a região foi efetivamente inserida na estratégia econômica do capitalismo dominante a nível
mundial.13
Assim, em meados dos anos de 1970 vários projetos de grande dimensão começaram a ser implantados na
Amazônia Oriental, tais como: projeto Ferro-Carajás e projetos de alumínio (Trombetas e
Albrás/Alunorte). Naquele momento o mercado mundial de alumínio estava sob o controle de um cartel
formado por 6 empresas: Alcoa (USA), Alcan (Canadá), Alusuisse (Suíça), Kaiser Aluminium (USA),
Pechiney (França) e Reynolds (USA). Algumas dessas empresas haviam começado a promover pesquisas
na Amazônia no final dos anos 1950. Logo após a descoberta de bauxita no rio Trombetas (município de
Oriximiná/PA), a Alcan criou uma subsidiária: a Mineração Rio do Norte (MRN). Nesse mesmo ano
(1969) foi iniciado o Projeto Trombetas. Esse empreendimento teve um refluxo em 1972, retomando o
nível de produção em 1976/77. Nesse intervalo de tempo, mas precisamente em 1973/74, essa empresa
foi reorganizada a partir de um acordo entre Alcan/CVRD, o que levou à incorporação de várias empresas
como acionistas - sendo que apenas três eram nacionais, as demais eram estrangeiras. O Ferro-Carajás
ficou sob a responsabilidade exclusiva da CVRD a partir de 1977 quando essa empresa adquiriu as ações
da US Steel, com “apoio” do Banco Mundial e do Tesouro Nacional (LOBO, 1996; MARQUES, 2007;
LEAL, 2010).
No caso da Albrás/Alunorte, o projeto foi fruto de um acordo firmado em 1976 entre empresários
japoneses do ramo da indústria de alumínio e os governos do Pará e do Brasil, resultando na criação do
Complexo Industrial de Barcarena/PA. O governo brasileiro encarregou-se de oferecer a infra-estrutura
necessária ao projeto, ficando o governo do Japão responsável pela tecnologia e parcela do
financiamento. Esse projeto foi empreendido por um consórcio formado pela CVRD, através de sua
subsidiária Valenorte, e a NAAC (Nippon Alumínio Company Ltda.) que era uma associação de 33
entidades, onde o maior acionista era o OECEF (Overseas Economic Fund), órgão do governo japonês
(BENTES, 1992). Para o funcionamento das duas fábricas era necessário um grande volume de energia
elétrica. Isso levou o governo militar a construir uma mega-hidrelétrica, a de Tucuruí (fundando a estatal
Eletronorte para tal), assumindo os custos para si e fornecendo a energia ao empreendimento com uma
tarifa subsidiada (também fornecida para a Alumar no Maranhão) que retirava dos cofres públicos até
US$ 200 milhões anuais.
Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) a fim de produzir conhecimento mineralógico e colocá-lo à
disposição das empresas mineradoras. Entre os programas criados, destacamos o Radam (Radar da Amazônia), para fazer o
levantamento aeroradarmétrico de 1,5 milhões de quilômetros quadrados da região, visando a ocorrência de minérios.
13
O interesse primeiro do capitalismo monopolista em entrar em projetos como os que foram implantados na Amazônia não é
necessariamente a lucratividade dos mesmos, mas sim o controle da produção de matérias-primas vendidas a preços baixos
às multinacionais, favorecendo a acumulação de capital na sede dessas empresas. Pode-se obter lucro reduzido ou mesmo
prejuízo no local da extração mineral desde que isso signifique a elevação dos lucros na indústria sediada no país
imperialista.
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O projeto Albrás (alumínio primário) iniciou sua produção em 1985. Naquele período sua plena
capacidade de produção era esperada para a ordem de 320mil t/ano no ano de 1989. Já a Alunorte
(alumina) teve postergada a conclusão da sua construção em função de disputas entre a ALCAN
(canadenses), ALCOA e japoneses. Afora isso, a implantação do empreendimento interessava muito mais
à CVRD do que à NAAC (japoneses), já que esta última objetivava centralmente a produção do alumínio
primário. Isto foi evidenciado, na prática, com a saída da NAAC do projeto Alunorte em janeiro de
1987.14 Paralelo a isso, a ALCOA, junto à SHELL e à construtora Camargo Corrêa montaram uma planta
industrial (Alumar) para produzir aquilo que a Alunorte produziria. O capital que a construtora
incorporou na empreeitada foi exatamente o lucro que ela obtivera na construção da hidrelétrica de
Tucuruí – US$ 2 bilhões, segundo Leal (2011).
O aprofundamento da crise econômica brasileira no final dos anos 1970 reforçou mais ainda os propósitos
do governo federal para a Amazônia, culminando na criação do Programa Grande Carajás (PGC) em 24
de novembro de 1980. O Programa instituiu um regime especial de incentivos tributários e financeiros
para empreendimentos localizados na sua área de atuação. Sua direção administrativa coube a um
conselho interministerial. A área de influência direta do PGC alcançou 10,6% do território brasileiro e
mais de 240 municípios do Maranhão, Pará e Tocantins. A província mineral de Carajás e outras áreas do
PGC registram grande incidência de ferro, bauxita, ouro, níquel, cobre, manganês, cassiterita e minerais
não-metálicos (COTA, 2007; LÔBO, 1996).
Segundo Hall (1991), o PGC originalmente estava estimado em US$ 62 bilhões e tinha como eixo de suas
atividades a mineração. O complexo da mina de Carajás (CVRD) formava a espinha dorsal do PGC. No
início da década de 1990 o PGC já tinha obtido empréstimo estrangeiro de aproximadamente 1,8 bilhões
de dólares do investimento inicial de US$ 4,9 bilhões de dólares até 1990. Loureiro (2004) afirma que o
governo brasileiro aceitou a imposição do Banco Mundial e assumiu os grandes volumes do
financiamento, de modo que 68% dos investimentos foram decorrentes de recursos diretos do governo ou
de suas instituições financeiras. Como retorno aos empréstimos tomados no exterior, o governo brasileiro
ofereceu aos “empresários” estrangeiros os investimentos na implantação da infraestrutura: estrada de
ferro, barragens, etc.
O PGC representou não apenas a perda de controle sobre a área por parte dos governos estaduais da
Amazônia, mas também a redução do poder de intervenção das instituições tradicionais. SUDAM,
SUFRAMA e BASA não tinham poder de decisão sobre o Programa, nem sobre os projetos minerais
especificamente. Esta forma de ocupação, com a grande produção mineral, foi característica da ocupação
14
A retomada da implantação da Alunorte em 1993 foi comandada pela CVRD sob um esquema de financiamento e
facilidades fiscais concedidos pelo governo paraense. Montou-se uma nova estrutura acionária, composta pela CVRD com
44,8%, MRN com 24,6%, NAAC com 16,1%, CBA com 5,7% e outros participantes. O projeto teve sua capacidade
ampliada para 1,1 milhão tpa de alumina, das quais 700 mil tpa foram destinadas a Albrás. O total dos investimentos foi
estimado em torno de US$ 875,6 milhões.
9
Atas Proceedings | 2481
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
do capital monopolista internacional, tornada possível por conta dos interesses comuns entre a burguesia
brasileira e a estrangeira com aval e estimulo do Estado brasileiro.
Os projetos em torno da grande mineração envolviam interesses e capitais que extrapolavam em muito a
capacidade de intervenção da burguesia regional amazônica e tinham como objetivo pilhar os recursos
naturais. Podemos perceber que a partir dos anos 1950, mas particularmente no decorrer da década de
1970, desde a rodovia Transamazônica até os Grandes Projetos, ocorre uma significativa ampliação do
papel do governo federal na região amazônica. Para isso, usou-se de diversos instrumentos como, por
exemplo, os meandros do combate à guerrilha do Araguaia e o GETAT (Grupo Executivo de Terras do
Araguaia-Tocantins), criado em 1980, reprimindo movimentos sociais e recolhendo terras. Não é demais
constatar a coincidência da área de atuação do GETAT (Sudeste do Pará) com a área de incidência
mineral do Programa Grande Carajás e com a área de maior procura por latifundiários do Sul e Sudeste
do país. Também neste período a internacionalização econômica da região ganhou novo impulso,
colocando seus recursos naturais no mercado internacional, aceitando a “colaboração” dos capitais
multinacionais.
Do ponto de vista da economia regional, com os grandes projetos ocorreu uma reconfiguração produtiva e
relação com o exterior, mas confirmando sua condição de região semi-colonial. Excluindo a produção do
manganês amapaense, que entrara em comercialização em 1957, a pauta de exportação amazônica até os
anos 1960 sustentava-se em produtos extrativos tradicionais: pescado, castanha-do-Pará, madeira, óleos,
etc. No decorrer dos anos 1980 de forma efetiva isso mudou radicalmente, consolidando uma divisão de
papéis delineada desde a ditadura militar. A Amazônia ocidental15 teve sua economia hegemonizada pela
produção da Zona Franca de Manaus – com componentes importados, montando mercadorias eletroeletrônicas voltadas para o mercado interno brasileiro. Na Amazônia oriental a pauta de exportação foi
dominada pelos produtos minerais. Em comum a ambas estavam as atividades agropecuárias.
Visualizando a forma de capital predominante na Amazônia, podemos destacar que até os anos 1950 pelo
menos o capital mercantil/comercial foi a face que se sobressaiu – e pouco exigiu em investimento na
produção. A economia regional centrava-se em produtos extrativos tradicionais. A partir desta década
ganha mais visibilidade, consolidando-se posteriormente com os grandes projetos, o capital
industrial/financeiro impulsionado pelo Estado - o que exige um montante de investimento produtivo
bastante significativo (seja em infraestrutura ou em montagens de unidades produtivas). Para essa nova
fase, a presença estatal foi decisiva e extrapolou em muito as fronteiras da SUDAM. Aqui entendemos a
tomada de grandes extensões de terras pelo Governo Federal (processo de federalização das terras), até
então sob o controle dos governos estaduais.
15
Amazonas, Roraima, Acre e Rondônia.
2482 | ESADR 2013
10
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
É possível perceber que tanto a burguesia regional quanto a burocracia, ficaram marginais na definição da
nova fase de desenvolvimento da Amazônia. Não é que a classe dominante local deixasse de compor o
bloco no poder (POULANTZAS, 2000), particularmente quanto à composição dos governos estaduais,
mas, relativamente, ela perdeu parte do espaço de poder que dispunha. A decisão de ter como centro a
mineração (baseada principalmente em Tucuruí-Albrás-Carajás) e alguns poucos produtos exportáveis foi
tomada fora da região e levando em consideração os interesses dos grandes capitais, incluindo
acentuadamente os interesses multinacionais.16
Apesar dos numerosos e significativos projetos agropecuários aprovados pela SUDAM, o interesse maior
do governo federal para a Amazônia não tomava como centro a agropecuária, mas a mineração. Isso
poderia até não estar tão claro no final da década de 1960, apesar das indicações já presentes, mas ficou
no decorrer dos anos 1970. Contraditoriamente, a fase da mineração, que passa a atrair mais atenção e
investimentos do Governo Federal e entra em produção na década de 1980, enfraquece relativamente o
principal órgão federal de desenvolvimento regional: há um esvaziamento político e econômicofinanceiro da SUDAM17.
Nos anos 1970, aparentemente no auge da SUDAM, gestou-se um projeto no qual a Amazônia integrouse de forma decisiva no processo de acumulação capitalista brasileira (em suas associações com a divisão
internacional do trabalho) como fornecedora de produtos naturais, principalmente minerais.18 Constituiuse um projeto impulsionado pelo Estado brasileiro onde a Superintendência (e mesmo a SUFRAMA)
seria coadjuvante, de modo que o projeto teria que permanecer vivo e fortalecido, mas ela não
necessariamente.
Ao mobilizar recursos para a “integração” da Amazônia, o Estado garantiu a inserção de capitais nesta
região. Mais que isso: proporcionou a acumulação ampliada para uma fração do capital, respondendo aos
interesses da burguesia nacional e multinacional. A própria burguesia regional aceitou um papel
subordinado nessa nova fase contente com as terras recebidas e os resíduos (não pequenos se comparados
ao capital regional) dos incentivos fiscais.
16
17
18
Bentes afirma que o Programa Grande Carajás foi gestado no exterior via estudos da Amza e, sobretudo, da JICA (Japan
International Cooperation Agency).
Isso também coincide no decorrer dos anos 1980 com a diminuição dos incentivos fiscais para a agropecuária, levando
muitos pesquisadores a equivocadamente localizar a crise da SUDAM e do desenvolvimento regional amazônico nos anos
1980 e na redução dos incentivos fiscais. Cometem esse erro por compreenderem a realidade regional dissociada da lógica
de reprodução ampliada do grande capital nacional e multinacional – nesse último, impulsionada pela estratégia de seus
respectivos imperialismos.
Evidentemente estamos nos referindo particularmente à Amazônia oriental, objeto por excelência destas políticas e da
atuação da Superintendência.
11
Atas Proceedings | 2483
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Intensificação da apropriação privada dos recursos naturais
Nos Planos de Desenvolvimento da Amazônia (PDA’s) a região foi entendida como “fonte de recursos
naturais” e a natureza restringiu-se, de um lado, à matéria-prima e, de outro, à mercadoria na forma de
terras para comercialização e acumulação. Seguindo a concepção estritamente economicista e que entende
a natureza como um obstáculo ao progresso, documentos e discursos oficiais chamaram a se lutar para
vencer as forças da natureza e conquistar dos “espaços vazios” amazônicos; “homens de negócio,
vitoriosos em outras partes do Brasil, [...] estais, outrossim, como brasileiros, motivados pelo dever de
criar riquezas numa região que hoje representa para todos nós desafio de proporções colossais” (SUDAM
apud NAHUM, 1999, p. 37)19.
A natureza amazônica, artificialmente separada do homem e compreendida como a-histórica,
transformou-se tão somente em fonte de recursos naturais, fator de produção (destacando apenas sua
dimensão física) - daí a grande preocupação em desenvolver pesquisas para mensurar o tamanho dos
“estoques de matérias-primas” a serem explorados, “ocupação dos espaços vazios” e “avanço da
fronteira”. Isso traria consequências terríveis para o(s) ecossistema(s) amazônico(s). Para ocupar áreas
mais rapidamente chegou-se, inclusive, a utilizar o “agente laranja” (produto químico usado pelos EUA
na Guerra do Vietnam) para desflorestar a mata. O discurso governamental e empresarial pressupunha (ou
se procurava fazer crer) que não havia ninguém. E o índio e o caboclo que lá habitavam? Estes, não por
acaso, desapareceram no discurso e planos oficiais.20
Após os anos 1980 abriu-se um período de forte aplicação das políticas neoliberais no Brasil. Collor de
Mello sofreu o impeachment a partir das imensas mobilizações populares que desestabilizaram as bases
de sustentação de seu governo. Seu vice, Itamar Franco, assumiu a Presidência do país, e constituiu as
condições necessárias à eleição de Fernando Henrique Cardoso. Em coincidência com Collor estava a
adoção do neoliberalismo, que tinha como uma de suas diretrizes principais a privatização das empresas
estatais e a abertura da economia brasileira ao capital multinacional.
Dentre as “reformas” que a bancada parlamentar do governo aprovou, e que aprofundaram o saque sobre
a Amazônia, estavam o fim do monopólio brasileiro sobre o subsolo (e suas riquezas), sobre as
telecomunicações e a aprovação da lei de patentes, através da qual o Brasil se comprometeu a pagar pela
utilização de uma tecnologia ou procedimento que tenha sido patenteado por uma empresa em outro país.
Com isso, se um laboratório multinacional patentear a substância ativa de uma planta amazônica, teremos
que pagar para usá-las. Alguns desses laboratórios mantêm ONGs e “pesquisadores” na Amazônia que
19
Essa compreensão já estava presente desde a colonização portuguesa, passando pelo discurso de Getúlio Vargas no
Amazonas, mas foi com a ditadura militar que ele foi materializado mais a fundo.
20
A Amazônia carregava assim a noção de atraso, o que expressava uma determinada concepção de progresso como
modernidade e industrialização. A integração seria a forma de romper com o que se concebia como atrasado. Essa esperança
foi carregada pela própria burguesia regional em relação ao capital nacional.
12
2484 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
usam o conhecimento das comunidades locais para saber a utilização de determinada planta e depois
patentear. É uma das formas da chamada biopirataria.21
A Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em 1997, pelo preço de R$ 3,3 bilhões. Somente em
reservas de ferro em Minas Gerais e na Serra dos Carajás a empresa contava com 12,9 bilhões de
toneladas. Dispunha ainda de R$ 700 milhões em caixa e já dava um lucro anual superior a R$ 500
milhões – valor que cresceria exponencialmente em decorrência do enorme investimento que havia sido
feito na companhia pouco antes da privatização. Em condições normais, o preço pago pela empresa
representa atualmente pouco mais que o lucro de um mês da mesma.
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no final de 2001, diferente do que se poderia esperar, manteve as
linhas gerais da política econômica anterior. Ademais, as privatizações não foram questionadas e ainda se
abriu sucessivas linhas de crédito do BNDES à Vale para que ela ampliasse sua produção e também
adquirisse outras empresas no exterior.
A privatização da Vale é o marco de um novo momento na grande mineração na Amazônia. A ação do
Estado, que se apresentava como produtor passa a se localizar na constituição das condições
institucionais, legais, infraestruturais e financeiras à exploração do empreendimentos privados.22 Parte do
Estado brasileiro ainda permanece em diversos empreendimentos, por meio da posse direta ou indireta de
ações dos mesmos, mas o que tem de significativo é que a grande mineração não mais é conduzida
formalmente por uma estatal, mas por diversas multinacionais.
Deste modo, o novo século assistiu a entrada e generalização de inúmeras empresas minerais explorando
produtos diversos no território amazônico. O Pará é um estado que representa bem esse processo. Daqui
decorre uma segunda característica da atual produção mineral em solo paraense. Nas primeiras décadas, a
produção era extremamente concentrada e facilmente localiza. Era principalmente (1) o ferro e a bauxita,
em Parauapebas (Sudeste do Pará) e (2) o corredor do alumínio com a MRN (Oriximiná/rio Trombetas,
no Oeste do Pará) e Albrás-Alunorte (Barcarena) – para o qual contavam com a energia de Tucuruí. É
verdade que havia outras empresas e minérios em extração, como o caulim do Jari e a bauxita do também
Jari e de Paragominas, mas eles não se comparavam em termos de valor aos dois casos citados.
Atualmente há uma relativa pulverização de investimentos minerais no território paraense. Falamos em
pulverização não em termos de redução do investimento por empreendimento, mas de surgimento de
diversos novos projetos de extração mineral, conduzidos pelo grande capital.
21
Fernando Henrique também contratou a Raytheon Company (EUA), por R$ 1,4 bilhão, para montar um Serviço de
Vigilância da Amazônia (SIVAM). Usando satélites, aeronaves e outros recursos, a empresa faz o levantamento de nossas
riquezas. O governo ainda impôs a chamada Lei Kandir, que exonera do ICMS a exportação de produtos minerais,
barateando o preço e com isso aumentando a competitividade artificialmente, mas sangrando ainda mais a arrecadação
pública e os recursos.
22
Ações que ele já fazia anteriormente, mas também atuando diretamente na produção.
13
Atas Proceedings | 2485
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
A bauxita de Juruti é um dos casos desta fase atual da mineração na Amazônia. O município de Juruti fica
na fronteira com o Amazonas. No ano 2000 a Alcoa iniciou a prospecção nos platôs de Juruti Velho
(interior do município), sobre uma área de comunidades ribeirinhas. Em 2005, ela obteve a licença prévia
para a instalação do empreendimento extrativista mineral. Em 2006, o projeto estava em instalação, o que
inclui porto às margens do rio Amazonas, ferrovia, entre outras. A mina tem uma estimativa de 700
milhões de toneladas métricas de bauxita de alto teor, um dos maiores depósitos do mundo possibilitando a expansão da refinaria da Alumar no Maranhão, também de propriedade da Alcoa.
A mina de Juruti tem um planejamento de produção de 2,6 milhões de toneladas métricas anuais. A partir
de Juruti a Alcoa já estendeu suas pesquisas para outras áreas da região, como o Lago Grande (que
incorpora vários municípios do Oeste do Pará), mapeando a potencialidade mineral e entrando com
pedido de lavra junto ao governo brasileiro.
Além do fato ser um projeto relativamente novo, o caso da Alcoa/Juruti apresenta uma outra
especificidade. A comunidade local se organizou para enfrentar a multinacional. Reunidas em torno da
Associação das Comunidades de Juruti Velho (Acorjuve), a população local conseguiu que o INCRA
criasse em 2005 o Projeto de Assentamento Agroextrativista de Juruti Velho (PAE Juruti Velho), criando
uma institucionalidade que possibilita alguma proteção à comunidade local. Com a intermediação do
INCRA, Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual a empresa teve que sentar à mesa com
a população para discutir o pagamento pela lavra mineral na área da comunidade e a compensação pelos
danos causados. As negociações prolongam-se até os dias atuais, mas a Acorjuve já tem recebido um
repasse financeiro da multinacional.
Apesar de toda a diversidade mineral da Amazônia, sua pauta de exportação sustenta-se basicamente em
cinco minerais, tendo um amplo predomínio do ferro sobre os demais. A China tornou-se o principal
consumidor do minério amazônico, seguida por Japão, EUA e países europeus.
Principais produtos exportados pela indústria extrativa mineral da Amazônia Legal, 2008/2009
FONTE: MDIC/SECEX – IBRAM (2010)
14
2486 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Com o apoio governamental, que se mantém no governo Dilma Rousseff, ampliou-se a apropriação das
riquezas minerais, sociais e biogenéticas. Grandes mineradoras multinacionais estão instaladas em
diversos pontos da região. É destacadamente o caso do Pará, mas isso ocorre em toda a Amazônia como,
por exemplo, o Amapá, de onde se extrai ouro, ferro e diversos outros minerais, inclusive urânio
(comercializado ilegalmente no mercado internacional).
O interesse das mineradoras é a extração mineral simples, ou seja, sem beneficiamento, confirmando o
papel da região como uma colônia bio-energético-mineral.23 É o caso do ferro de Carajás, que é extraído
lavado e colocado nos trens que o levam ao porto no Maranhão para ser embarcado nos navios para o
exterior. Essa é a função da Amazônia na atual DIT imposta pela acumulação de capital na lógica da
globalização do saque, ditada pelas multinacionais, incluída a Vale. A possibilidade de alguma
transformação mineral depende da oferta pública de energia barata, por isso a pressão pela construção de
hidrelétricas pelo governos24
Previsão de investimentos pela indústria mineral no Pará até 2015
FONTE: SINMINERAL, 2011.
23
Apesar de não aprofundarmos a temática, incluímos no “bio” a produção do agronegócio (soja, gado, dendê, celulose, etc.),
que se apropria da natureza via derruba da floresta e exploração do solo, mas também da exploração descontrolada da
biodiversidade amazônica. Ademais, além da extração madeireira ilegal, a biopirataria permanece na impunidade: plantas,
animais e recursos hídricos contrabandeados em grande escala. Chega-se ao extremo de haver denúncias de contrabando de
água. Grandes navios cargueiros internacionais que transportam mercadorias para a região estariam voltando a seus países
carregados com água captada na bacia amazônica.
24
Para estimular a produção mineral (e outros setores em outras regiões do país), o governo federal tem planejado a construção
de dezenas de mega-hidrelétricas nos rios amazônicos, algumas já em implementação como é o caso das localizadas no rio
Madeira (Jirau e Santo Antonio - Rondônia) e a hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu, no Pará (cujas estimativas de
custo da construção chegam a R$ 30 bilhões – é a farra das construtoras)
15
Atas Proceedings | 2487
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Projetava-se até 2014 um investimento na Amazônia Legal de US$ 25,67 bilhões para aumentar a
extração mineral e US$ 6,77 bilhões para fazer transformação mineral (beneficiamento). Diante dos
incentivos públicos e construção da infraestrutura de apoio pelo governo, a projeção dos investimentos no
beneficiamento foi expandida - o que não significa necessariamente que estas promessas sejam
concretizadas pelas multinacionais.
Assim, pelos levantamentos feitos no início de 2011, os investimentos previstos até 2015 somente no
estado do Pará totalizam US$ 27,031 bilhões na extração mineral. A esse montante se somam US$ 2,704
bilhões em infraestrutura e transporte que significam inversão em portos e na Estrada de Ferro de Carajás,
respondendo aos interesses imediatos da apropriação bruta de nossas riquezas naturais. A transformação
mineral soma US$ 11,356 bilhões previstos. Os investimentos na extração mineral e em infraestrutura
totalizam-se 71% do que se planeja até 20015. O minério extraído in natura da Amazônia se transforma
em geração de mais riqueza e emprego nos países para onde se exporta.
Proporção dos investimentos minerais planejados no Pará até 2015
FONTE: SINMINERAL (2011), elaboração do autor.
Ainda que em 2009 a economia regional tivesse sofrido forte redução nos preços dos minérios
(reduzindo conjunturalmente sua participação relativa na economia regional), a pauta de
exportação da região manteve a produção mineral como principal setor, com 41% do total
exportado.
16
2488 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Participação da indústria mineral no total da exportação da Amazônia Legal em 2009.
FONTE: MDIC/SECEX – IBRAM (2010), elaboração do autor.
No caso do Pará, essa proporção é muito maior. Em 2010, de tudo que este estado exportou 86% decorreu
da produção mineral. Toda essa massa de riqueza produzida poderia ser muito maior se tivesse outra
destinação, social, e não apenas o lucro e interesse das multinacionais monopolistas. Como não é assim,
ela reforça gritantemente a contradição que opõe riqueza para poucos e miséria para muitos.
Participação da indústria mineral no total da exportação do Pará em 2010.
FONTE: SINMINERAL (2011), elaboração do autor.
Além dos interesses eleitorais imediatos da oligarquia local e de outros setores, como os latifundiários, a
proposta de divisão territorial do Pará, criando outros dois estados (Carajás e Tapajós), interessa
diretamente às grandes mineradoras (assim como às multinacionais dos grãos), que terão controle mais
imediato e amplo das riquezas naturais, negociando com uma burguesia regional ainda mais frágil e
vendida.
Considerações finais
As políticas estatais tomaram o progresso como decorrência do capital. Modernizar era capitalizar a
região, romper o seu “atraso”, integrá-la ao restante do país. Aos setores oprimidos não coube perguntar
17
Atas Proceedings | 2489
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
qual o sentido do progresso lhes interessava. Mais que isso: não se acreditou, ou não se quis fazer crer,
que eles tivessem a capacidade de contribuir efetivamente para a construção de um projeto de
desenvolvimento regional. Eles deveriam ser passivos em um duplo sentido: primeiro, recebendo e
assimilando as políticas elaboradas por outros; segundo, não reagindo frente a elas, mesmo quando se
chocassem com seus interesses.
Neste cenário, a Amazônia, que historicamente se constituiu como uma economia primária e extrativista,
ganhou novos contornos na segunda metade da década de 1970, tornando-se um centro exportador de
minérios. Para tal foi introduzida uma moderna tecnologia de extração, mas desvinculada dos interesses
da população local que tanto almeja um verdadeiro desenvolvimento. A tecnologia dos grandes projetos
minerais respondeu e continua a responder os interesses do grande capital nacional e internacional. A
outra face da moeda é a permanência e aceleração da degradação ambiental e social.
A ação do Estado brasileiro foi fundamental da conformação do novo papel que a Amazônia passou a
cumprir na reprodução capitalista nacional. A partir da década de 1990, cujo destaque foi a privatização
da CVRD, a apropriação dos recursos minerais amazônicos foi intensificada. A diferença em relação aos
anos 1970 e 1980 é que nestas décadas o Estado brasileiro, ainda que servindo aos interesses do grande
capital, se apresentava como produtor. Atualmente, a participação estatal é secundária na exploração dos
recursos naturais regionais, deixando nossas riquezas diretamente, e sem intermediários, nas mãos das
grandes multinacionais, ainda que pintadas de verde e amarelo, como é o caso da Vale.
Ainda que a realidade amazônica possa nos levar a certo pessimismo, não podemos deixar de ver que os
movimentos sociais, apesar de todas as limitações, nunca deixaram de se mostrar presentes e em muitos
casos passaram a ter mais visibilidade. Ademais: estamos diante do desafio histórico de mudar o rumo
das políticas públicas sociais e econômicas e construir um projeto alternativo que atribua ao
desenvolvimento um sentido social e diametralmente oposto do que foi presenciado até aqui. Isso
pressupõe lutar contra a dominação do capital.
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2490 | ESADR 2013
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19
Atas Proceedings | 2491
2492 | ESADR 2013
POLÍTICAS PÚBLICAS E CONFLITOS FUNDIÁRIOS NA AMAZÔNIA
BRASILEIRA1
Indira Rocha Marques, SEED=AP, Brasil, [email protected]
Gilberto Marques, UFPA, Brasil, [email protected]
Resumo
Com a ditadura militar (1964), as políticas públicas na Amazônia e no Pará apoiaram
principalmente a grande propriedade agropecuária e mineral industrial. Concentrou-se a
propriedade fundiária e se presenciou a entrada de grandes proprietários vindos de outras
regiões. Diferente do que se afirmava, o espaço amazônico não se mostrou vazio, mas
repleto de conflitos. O pequeno produtor sofreu as consequências e a repressão do
latifúndio - que tinha ao seu lado o Estado brasileiro.
Palavras-chave: Estado, políticas públicas, conflitos agrários.
Introdução
Esse trabalho tem como objetivo analisar a ação do Estado brasileiro na Amazônia
durante a segunda metade do século XX e, particularmente, suas implicações sobre a
configuração agrária local. Abordamos as decisões políticas do governo federal e suas
consequências sobre a região, entre as quais o apoio estatal à grande propriedade em
detrimento dos pequenos produtores.
A anti-reforma agrária na Amazônia
Com a ditadura militar no Brasil, iniciada em 1964, desenvolve-se o processo de
modernização conservadora da agricultura brasileira, modernizou-se o processo técnico de
produção, mas mantendo a mesma estrutura concentradora da propriedade fundiária. Ainda
que a “modernização” não tenha alcançado a Amazônia tal qual ocorreu no Sul e Sudeste
do país, suas consequências (diretas ou indiretas) se fizeram presentes. Palmeira e Leite
(1998) afirmam que o lugar estratégico destinado à especulação financeira e à exportação
agropecuária e agro-industrial, como fonte de divisas no modelo de desenvolvimento da
ditadura militar, foi decisivo para a “escolha da via da modernização conservadora”. A
intervenção estatal nesse processo passou, então, por três instrumentos básicos: 1)
principalmente pelos créditos subsidiados, que foram concentrados em um pequeno
número de “grandes tomadores”; 2) incentivos fiscais às atividades agropecuárias e
correlatas, particularmente na Amazônia e Nordeste; 3) política de terras com enorme
1
Este trabalho tem uma versão preliminar sob o título Políticas estatais na configuração agrária da Amazônia
brasileira.
1
Atas Proceedings | 2493
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
transferência de terras públicas a particulares, principalmente na Amazônia Legal.2 Além
desses elementos, outras políticas também atingiram o setor agrícola/agrário como a
construção de grandes obras públicas (hidrelétricas, açudes e estradas, por exemplo),
estimulando a especulação fundiária. Dessa forma a “modernização” beneficiou não
apenas os latifundiários tradicionais, mas atraiu outros setores e capitais (de origens
diversas) para investimentos e especulação. Produziu-se uma associação e coincidência de
interesses (“incrustadas” na própria máquina estatal) em torno dos negócios que envolviam
a terra.
Em 1966 o governo militar lançou a “Operação Amazônia”3. Com ela os créditos
governamentais ao setor privado passavam a alcançar até 75% dos recursos necessários à
implantação dos projetos. Além da ação da SUDAM, foram desenvolvidos projetos
nacionais com impactos regionais como o Programa de Integração Nacional (PIN,
responsável pela construção da rodovia Transamazônica), o Programa de Redistribuição de
Terras (Proterra) e o próprio I Plano Nacional de Desenvolvimento (IPND). Os incentivos
fiscais inicialmente restritos à indústria, logo migraram acentuadamente para a pecuária,
provocando intensa busca por terras para a conformação de fazendas. Para isso, os grandes
proprietários recorreram aos mais variados métodos, legais ou não.
Parte componente da Operação Amazônia, a Lei nº 5.174/66 colocou a
agropecuária, na prática, como setor privilegiado na distribuição dos incentivos fiscais na
Amazônia oriental brasileira.4 Segundo os dados do ministro do interior daquele período
(LIMA, 1971), já em 1967 a agricultura/agropecuária abocanhou 73% dos recursos
provenientes dos incentivos fiscais. Isso não representou uma simples compensação à
oligarquia regional, mas o movimento de configuração de um novo projeto para a região,
onde mesmo na agropecuária os setores regionais teriam que conviver com setores de
outras regiões. Esta mudança radical, da indústria à agropecuária, que em si já negava a
tese da substituição regional de importações, implicou, na análise de Loureiro (2004), em
sérias conseqüências para a região: corrida por grandes extensões de terra, 5 impulsionando
os conflitos, pois quanto maior a terra, maior seria o montante de incentivos fiscais;
desaceleração da industrialização; significativos danos ambientais; substituição do projeto
2
A Amazônia Legal corresponde a aproximadamente 60% do território brasileiro e compreende os estados
do Amazonas, Roraima, Acre, Rondônia, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão. Os
sete primeiros estados formam a região Norte do Brasil.
3
Conjunto de leis e instrumentos institucionais que, entre outros, redefiniram a política de incentivos fiscais
para a Amazônia e criaram a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o Banco da
Amazônia (Basa) e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
4
Que corresponde aos estados do Amapá, Pará, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão.
5
Processo no qual os grandes proprietários recorreram aos mais variados métodos, legais ou não.
2
2494 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
(ou da expectativa) desenvolvimentista regional por um projeto inicialmente alheio à
burguesia regional e à região.
Ao incluir a produção madeireira e agropecuária entre os setores incentiváveis e ao
reconhecer o valor das terras como recursos próprios dos que viessem a pleitear a ajuda
financeira, o Estado estabeleceu íntima relação entre incentivos fiscais e grande
propriedade da terra. Por conseguinte, podemos supor como natural que os setores
regionais (detentores de baixa capitalização) fossem estimulados a requisitar os incentivos
fiscais por meio de projetos agropecuários, pois eles podiam supervalorizar artificialmente
seus imóveis (apresentados como contrapartida financeira), alguns dos quais conseguidos
por meio de grilagem. A concentração crescente de terras que se observa para exploração
agropecuária, madeireira e mineral passou a conflitar com a procura dos pequenos
produtores, principalmente imigrantes.
Já no governo Costa e Silva (1967-1969) a questão da terra, particularmente em
relação à região amazônica, havia sido transformada num problema militar. Para o ministro
do interior, general Albuquerque de Lima, ligado à Escola Superior de Guerra (ESG), a
integração da Amazônia se tornava um problema nacional e responderia à pressão
fundiária no Nordeste, com ocupação dos “espaços vazios” - para o qual a presença dos
militares seria fundamental.
Marcado pela repressão à guerrilha do Araguaia, o governo Médici (1969-1974)
retirou ministérios importantes das mãos de militares favoráveis a medidas de reforma
agrária e os repassou a pessoas contrários a ela e defensoras somente do estabelecimento
da grande empresa agropecuária. Isso tinha implicações sobre a Amazônia. O Instituto
Brasileiro da Reforma Agrária (IBRA) foi substituído pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), mas enquanto o primeiro era subordinado à
Presidência da República o segundo se tornava uma autarquia do Ministério da
Agricultura, demonstrando que, apesar do PIN e do Proterra, a questão agrária ficava em
segundo plano.6 Destitui-se, assim, progressivamente a base institucional necessária à
reforma agrária e a Amazônia, diferentemente do discurso oficial, deixava de ser a
“solução” para o problema agrário brasileiro.
Em meio às redefinições provocadas pela crise econômica nacional, no período do
Presidente Geisel (1974-1979) a Amazônia deixou de ser concebida formalmente como
6
Com isso, não apenas se priorizava a empresa agrícola como se reorientavam os fluxos migratórios “para
fora do campo e não para o campo, abrindo um espaço maior e sem conflitos para a instalação e expansão da
grande empresa capitalista no setor agropecuário, especialmente nas novas regiões” (MARTINS, 1984, p.
45).
3
Atas Proceedings | 2495
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
uma região-problema (definição que cabia agora tão somente ao Nordeste) para ser tomada
como uma fronteira de recursos. Além disso, no decorrer desse governo, muito em função
dos problemas da economia, a agricultura passou a ser vista não do ponto de vista do
abastecimento do mercado interno, mas da necessidade de geração de divisas.
Por outro lado, a região Norte até então fora concebida como a solução dos
problemas agrários do país: a terra sem homens receberia os homens sem terra. A partir de
meados dos anos 1970 consolidou-se a negação dessa política, de modo que a terra sem
homens deveria receber os homens do capital (e que por conta das facilidades dos
incentivos nem precisariam necessariamente estar com grandes volumes financeiros).7
Ocorre, então, uma concentração de terras até mesmo na região da rodovia
Transamazônica, que havia sido tomada como a área de localização de pequenos
produtores, via colonização. Inicialmente o governo distribuiu lotes de 100 hectares, mas,
em seguida, alegando não ter procura suficiente, passou a vender lotes de 500 hectares a
comerciantes, empresários e madeireiros locais e de outros estados. Esses lotes ficavam
atrás daqueles de 100 hectares (localizados diretamente ao lado da rodovia). O Incra
facilitou aos novos proprietários a compra dos lotes de 100 hectares (na frente), sob a
alegação de serem lotes de apoio. Os pequenos assentados, sem apoio público, viram-se na
situação de vender suas terras para os proprietários de renda mais elevada, produzindo
reconcentração da terra.8
Desse modo, a conclusão que se chegou foi que a política de assentamento de
trabalhadores rurais na Amazônia respondeu à necessidade de se “distribuir alguma terra
para não distribuir as terras, esse acabou sendo o lema de fato da política governamental de
colonização dirigida” (IANNI, 1979, p. 81). Mais do que isso: na prática, os pequenos
produtores rurais, em muitos casos, cumpriram a função de abrir a mata em regiões de
difícil acesso, para os médios e grandes proprietários que viriam depois.9
7
O resultado pode ser visto nos dados levantados por Martins (1995) quanto às terras das zonas pioneiras do
país - que não se limitavam à Amazônia, mas eram concentradas particularmente nela. Nesses dados,
constatamos que entre 1950 e 1960, 84,6% das terras dessas zonas foram ocupadas por propriedade de até
100 hectares. Na década 1960 aprovaram-se o Estatuto da Terra, os incentivos fiscais e o governo transitou
do populismo à ditadura e de uma postura que concebia certa reforma agrária a uma posição anti-reforma.
Nesse intervalo (1960-1970), 64,7% das terras foram incorporadas por estabelecimentos superiores a 100
hectares. Em 1975 das novas terras “distribuídas” apenas 0,2% destinaram-se às propriedades com menos de
100 hectares e 99,8% foram entregues a estabelecimentos com área superior a 100 hectares – sendo que desse
total 75% concentraram-se em propriedades superiores a 1.000 hectares.
8
Loureiro (2004) constatou que em 1986, nos trechos Altamira-Itaituba e Altamira-Marabá (Projeto de
Colonização Altamira), onde as terras haviam sido desapropriadas para a reforma agrária, 40% das mesmas
estavam nas mãos de médios e grandes proprietários.
9
Recebiam alguma porção de terra, enfrentavam as dificuldades em áreas de difícil acesso e quando
“amansavam” a mesma, diversos processos lhes pressionavam a repassá-las a outros proprietários.
4
2496 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
O PIN havia se proposto a assentar 100 mil famílias somente em seu primeiro ano
(1971) e um milhão até o final dos anos 1970, mas, de acordo com Loureiro (2004), em
1983 o Incra registrou o assentamento de tão somente 66 mil famílias em toda a Amazônia,
demonstrando o distanciamento da política de distribuição de terras a pequenos produtores
por parte do governo.
A distribuição das terras priorizou o grande proprietário. O repasse dos incentivos
também se destinou às grandes propriedades, sem a necessidade de capital na mesma
proporção. Segundo Martins (1995), até julho de 1977 a SUDAM havia aprovado 336
projetos agropecuários, num total de Cr$ 7 bilhões, sendo que deste valor Cr$ 2 bilhões
seriam recursos próprios das empresas. Pouco em relação ao total? Sim, mas ainda assim
um valor superestimado na medida em que, como já afirmamos, a Superintendência
aceitava o valor declarado das terras como componente do valor que as empresas deveriam
apresentar. Estas recebiam terras do governo, compravam a preços irrisórios ou mesmo as
grilavam e depois inflavam seu valor para obter grandes somas de incentivos do governo.10
O apoio à grande propriedade e outras políticas correlatas reconfiguraram o próprio
espaço regional amazônico. Na década de 1950 e no ano de 1960 a região tinha uma forma
de ocupação, onde a distribuição populacional ocorria ao longo de seus rios principais,
destacadamente o Amazonas. A ocupação econômica também seguia este movimento.
Com as políticas implementadas a partir dos anos 1950 (Rodovia Belém-Brasília) e 1960
(Operação Amazônia, apoio à agropecuária e grande propriedade fundiária e abertura de
novas estradas) ocorreu a reconfiguração espacial regional, passando-se a ocupar não
apenas as margens dos rios, mas outras áreas de acordo com a disposição das rodovias e
concentração dos projetos econômicos.
A doutrina de “defesa” da Amazônia por meio da ocupação de seus “espaços
vazios” mostrava sua face: o “esvaziamento dos espaços ocupados, porque é uma doutrina
de expulsão do homem para a colocação do boi, ou seja, é preciso ocupar dessa forma, e
não de outra, para defender” (MARTINS, 1995, p. 122).
O aumento da organização dos trabalhadores e do número de conflitos no Vale do
Araguaia-Tocantins levou, segundo Martins (1984) e Loureiro (2004), à criação do Grupo
Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), subordinado ao Conselho de
Segurança Nacional – uma verdadeira intervenção militar no Incra.11 Isso respondeu à
10
A Superintendência financiou inúmeros projetos que estavam em áreas conflituosas, pois não exigia
nenhuma comprovação da ausência de conflito nas mesmas – bastava o solicitante dos incentivos declarar
que não havia litígio na área.
11
Criado em fevereiro de 1980, o Getat tinha jurisdição, segundo Emmi (1999), sobre uma área de 200.000
km², envolvendo o sudeste do Pará, norte de Goiás (hoje Tocantins) e o oeste do Maranhão.
5
Atas Proceedings | 2497
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
necessidade de proteger os interesses dos grandes proprietários e de grandes empresas,
buscando evitar “perda” de terras ou mesmo de fazendas para os trabalhadores.
Assim, se com o Getat o governo federal se regionalizava era porque devia dar
respostas aos conflitos agrários na região (ou dar garantias à política de terras em curso) e
também manter um ambiente favorável ao estabelecimento do Programa Grande Carajás
(PGC)12 e outros empreendimentos correlatos.
O governo federal ampliou seu controle sobre as terras amazônicas. O processo de
federalização das mesmas já havia sido impulsionado no início dos anos 197013 com a
imposição do fato de que 100 km de cada lado das rodovias federais localizadas na região
passariam para as mãos do governo federal de acordo com as determinações do Conselho
de Segurança Nacional (Decreto 1.164/71), seguindo o processo de centralização política
no Executivo federal. Segundo Loureiro (2004), apenas 29,7% das terras paraenses ficaram
sob jurisdição do Governo do Estado/Iterpa, o restante passou para a órbita do governo
federal.
A federalização das terras da Amazônia era condição necessária à geopolítica da
centralização. Era impossível sobrepor o poder federal ao poder local e regional
sem confiscar a sua principal base de sustentação, que é a terra, e o controle dos
mecanismos de distribuição de terras entre os membros das oligarquias. O combate
à oligarquia implicava em expropriá-la do seu principal meio de poder, que é a
terra (MARTINS, 1984, p. 50).
Paulatinamente intensificou-se a concentração de poder no Executivo federal em
detrimento da autonomia dos estados brasileiros. A federalização e militarização da
questão fundiária e a criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (1982)
e do Getat centralizaram no novo Ministro as decisões concernentes à questão fundiária.
Mas o deslocamento espontâneo e crescente de grandes massas de imigrantes
colocava em xeque a política do governo militar e o lema do Presidente Geisel de
segurança com desenvolvimento, pois os posseiros passavam a se enfrentar com grileiros e
empresas beneficiadas pelos incentivos fiscais.
12
Programa criado pelo governo para explorar grandes reservas minerais na Amazônia, particularmente o
ferro da província mineral de Carajás (Sudeste do Pará).
13
Não podemos esquecer que a existência dos territórios federais na região Norte (Amapá, Roraima e
Rondônia) já colocava parcela mais que considerável do espaço amazônico sob a órbita direta do governo
federal – que era quem dispunha da autoridade política, administrativa e financeira sobre os mesmo,
nomeando, inclusive, governadores e prefeitos.
6
2498 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Resultados da política de ocupação sustentada na grande propriedade agropecuária
O Getat foi extinto em 05 de maio de 1987 por meio do Decreto-Lei nº 2.328/87
que transferiu o seu patrimônio e responsabilidades fundiárias ao Incra. Também em 1987
(25 de novembro) o Decreto-Lei 1.164 foi extinto, depois de 16 anos em vigor e de ter
confiscado 100 km laterais das terras estaduais que ficassem às margens das rodovias
federais construídas ou planejadas na Amazônia. As terras foram devolvidas à jurisdição
dos estados, mas “já estavam irremediavelmente comprometidas” (LOUREIRO, 2004, p.
142). Afora isso, as áreas que compunham o PGC (confiscada posteriormente ao decreto)
não foram devolvidas.
Qual o resultado final desse processo? “A terra estava dividida desigualmente,
favorecendo as diversas frações do capital (transnacional, nacional e regional) e
pressionada pelos posseiros que se comprimiam nos interstícios e mesmo no interior da
grande propriedade rural” (LOUREIRO, 2004, p. 151).
A propriedade se mostrou extremamente concentrada e a pequena propriedade
secundarizada. Os conflitos foram uma constante durante todo esse período. De 1964 a
1997 o Pará liderou as estatísticas da violência no campo brasileiro com 694 mortos.
Somente 18,59% destes foram investigados (CPT, 2000).14
A tabela a seguir apresenta a evolução da estrutura da propriedade fundiária no
Estado do Pará no intervalo entre 1960 e 1995.
TABELA 1: PROPORÇÃO DO Nº E DA ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS, PARÁ 19601995
Grupos de área
1960
1970
1980
1995
ÁREA
TOTAL
– PARÁ – 1960-1980
(hectares)
nº de estabelecimentos
área Nº de estabe- área
lecimentos
nº de estabelecimentos
área
nº de estabelecimentos
Área
Menos de 10
41,8%
2,5%
47,6%
2,1%
36,2%
1,6%
31,4%
0,9%
10 a (-) de 100
46,9%
23,1%
45,7%
19,0%
51,3%
19,1%
50,7%
18,3%
100 a (-) de 1000
7,0%
28,0%
4,7%
14,6%
11,2%
21,8%
16,8%
29,9%
1000 a (-) de 10000
0,7%
28,3%
0,7%
29,2%
0,7%
21,8%
1,1%
27,1%
0,04%
18,1%
0,06%
35,0%
0,09%
35,7%
0,0%
23,8%
3,6%
-
1,2%
-
0,2%
10000 e mais
Não declarados
Total
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários, Censo Agrícola do Pará (1960).
14
Se levarmos em consideração que as estatísticas oficiais, e mesmo as da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), são subestimadas pelo fato de muitos crimes não terem chegado ao conhecimento público,
concluiremos que estes números são bem maiores.
7
Atas Proceedings | 2499
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Pelo que se percebe em 1960 o total de pequenos proprietários (aqueles com menos
de 100 hectares) representavam 88,7% do total de propriedades e concentravam em suas
mãos 25,6% da área do Estado paraense, enquanto que os proprietários com mais de um
mil hectares (apenas 581 propriedades) dispunham de 46,4% da área. Em 1970 um total de
93,3% das propriedades estava nas mãos de pequenos produtores, mas eles dispunham tão
somente de 21,1% da área do Estado (reduzindo sua participação em relação a 1960),
enquanto os grandes proprietários (com mais de um mil hectares) acumulavam 64,2% das
terras.
Em 1980 as propriedades com menos de 100 ha (195.816 imóveis) dispunham de
20,7% da área paraense enquanto que os proprietários com mais de um mil hectares
concentravam 57,5% das terras, menos que em 1970, mas entre estes apenas 199
propriedades dispunham de 35,7% da área total do Pará, demonstrando que houve uma
concentração ainda mais acentuada nas grandes propriedades. Em 1995 do conjunto de
proprietários existente no Estado paraense 82,1% podiam ser classificados como pequenos,
mas somente 19,2% da área estavam em suas mãos. Os donos dos grandes
estabelecimentos rurais correspondiam a apenas 1,1% do conjunto de proprietários, porém
dispunham de 50,9% do território estadual.
Analisemos apenas os extremos. Os mini-proprietários (aqueles com menos de 10
hectares) dispunham de 2,5% das terras do Pará em 1960, 2,1% em 1970 e 1,6% em 1980.
Se no início já se apropriavam de uma área proporcionalmente pequena, progressivamente
foram perdendo ainda mais espaço no cenário regional. De outro lado, as propriedades com
10.000 hectares ou mais ocupavam 18,1% da área em 1960, chegaram a 35,7% em 1980 e
reduziram a 23,8% em 1995, ano em que o total de propriedades não atingia 0,1% do
número de estabelecimentos rurais. Nesse mesmo ano os mini-proprietários correspondiam
a 31,4% do total de proprietários, mas acumulavam somente 0,9% da área total. Esses
números da concentração fundiária no Pará são superiores aos índices nacionais.
Do ponto de vista da configuração da economia, salvo alguns produtos com
crescimento satisfatório, a agricultura não apresentou o dinamismo esperado, de modo que
ainda hoje o Pará é um importador de alimentos. Por outro lado, o investimento estatal
possibilitou o desenvolvimento de um significativo rebanho de gado bovino no Estado
paraense. A tabela seguinte apresenta a evolução recente do mesmo no Pará e nos estados
da Amazônia Legal. Até o início dos anos 1990 a evolução da bovinocultura esteve
diretamente vinculada à concessão dos incentivos fiscais, via SUDAM e Basa
8
2500 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
principalmente. Com a forte redução dos mesmos, a grande produção agropecuária buscou
outras fontes de financiamento, mas em grande medida ainda estatais.
Tabela 2: Rebanho bovino dos Estados da Amazônia Legal (cabeças), 2001-2007
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Brasil
Acre
Amapá
Amazonas
Maranhão
Mato Grosso
Pará
Rondônia
Roraima
Tocantins
Amazônia
Legal
2007
176.388.726 185.348.838 195.551.576 204.512.737 207.156.696 205.886.244 199.752.014
1.672.598
1.817.467
1.874.804
2.062.690
2.313.185
2.452.915
2.315.798
87.197
83.901
81.674
82.243
96.599
109.081
103.170
863.736
894.856
1.121.009
1.156.723
1.197.171
1.243.358
1.208.652
4.483.209
4.776.278
5.514.167
5.928.131
6.448.948
6.613.270
6.609.438
19.921.615 22.183.695 24.613.718 25.918.998 26.651.500 26.064.332 25.683.031
11.046.992 12.190.597 13.376.606 17.430.496 18.063.669 17.501.678 15.353.989
6.605.034
8.039.890
9.392.354 10.671.440 11.349.452 11.484.162 11.007.613
438.000
423.000
423.400
459.000
507.000
508.600
481.100
6.570.653
6.979.102
7.659.743
7.924.546
7.961.926
7.760.590
7.395.450
51.689.034
57.388.786
64.057.475
71.634.267
74.589.450
73.737.986
70.158.241
Fonte: IBGE - Pesquisa Pecuária Municipal, efetivo em 31/12.
O Pará é o maior produtor da região Norte do Brasil e o segundo principal da
Amazônia Legal – o Mato Grosso lidera o rebanho nessa região. Em 2001 havia
11.046.992 cabeças de bovinos no Pará e 51.689.034 na Amazônia Legal. O efetivo
paraense atingiu 18.063.669 animais em 2005 e nos dois anos seguintes, acompanhando
um movimento conjuntural do país, caiu até o montante de 15.353.989 cabeças em 2007.
Pelos dados da Agência de Defesa Agropecuária do governo do Pará em maio de 2009 o
rebanho já havia se expandido para 17.649.151 animais.
A política governamental de estímulo à produção bovina foi acompanhada não
apenas da expansão do rebanho, mas, também da área aberta para pastagens e da própria
degradação ambiental. Em 1975 o Pará dispunha de pouco mais de 3 milhões de hectares
de terras ocupadas por pastagens – na Amazônia Legal eram 20,3 milhões de hectares. Em
2006 a parcela ocupada com essa atividade no território paraense saltara para 13,2 milhões
de hectares, correspondendo a 21,38% da área de pastagens da região.
9
Atas Proceedings | 2501
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Tabela 3: Área ocupada por pastagens* nos estados da Amazônia Legal, em há
Estado
1975
1985
1996
2006
Amazônia
Legal (%)
Acre
124.100
326.030
614.210
1.032.430
1,68%
Amapá
350.020
478.890
244.980
432.030
0,70%
Amazonas
192.380
476.130
528.910
1.834.530
2,98%
Pará
3.037.190
6.596.390
7.455.730
13.167.860
21,38%
Maranhão
3.808.830
5.446.560
5.310.550
6.162.690
10,00%
Mato Grosso
11.243.470
16.404.370
21.452.060
22.809.020
37,03%
Rondônia
224.570
1.100.880
2.922.070
5.064.260
8,22%
Roraima
1.353.170
1.247.210
1.542.570
806.560
1,31%
Tocantins
10.650.900
11.078.150
10.290.860
16,71%
Amazônia
20.333.730
42.727.360
51.149.230
61.602.240
100,00%
Legal
Brasil
165.652.250
179.188.430
177.700.470
172.333.070
FONTE: IBGE, Resultados Preliminares do Censo Agropecuário 2006.
* Pastagens naturais e plantadas (degradadas e em boas condições)
Por outro lado, a área de lavoura plantada com arroz, feijão, mandioca, milho,
cacau e pimenta-do-reino (as primeiras são culturas de subsistência e de abastecimento do
mercado local) caiu de 810,6 mil hectares em 1985 para 602,8 hectares em 1995-1996.
Essas culturas tiveram redução em seus rendimentos, demonstrando a baixa inovação
tecnológica: em 1995 apenas 1,7% do total de estabelecimentos tinham tratores, somente
3,8% recorreram à assistência técnica e menos da metade destes a conseguiram por fontes
governamentais (IBGE, 1996).
A política aplicada pelo governo trouxe à região os fortes graus de concentração
dos setores urbanos da economia nacional, o que ficou evidenciado em uma amostra de
211 projetos, em 1985, onde apenas 7,5% destes abocanharam 41,5% dos investimentos
fiscais (COSTA, 2000); a pecuária concentrou o grosso dos projetos, 87,8% dos recursos
aprovados até 1980 destinavam-se a este setor.15
Em outra amostra, também reunida por Costa, com 106 projetos constata-se que as
empresas gigantes (banco Bradesco S/A, por exemplo), representando apenas 19% destes,
estabeleceram projetos onde o valor total equivalia a 47,2% do total geral de investimento
da amostra (investimento e incentivos fiscais). Seguindo esses, encontramos os grupos
familiares forâneos (famílias Lunardelli, Do Val e outras - São Paulo e Minas Gerais,
principalmente) com 22,4% dos investimentos, alcançando 75% de incentivos para seus
investimentos. Os grupos oligárquicos locais totalizaram 21,5% dos investimentos.
15
As informações dos projetos incentivados pela SUDAM, levantados por Loureiro (2004), dão conta de que
até 1985 foram aprovados 1.418 projetos em toda a Amazônia, dos quais 61% foram para a agropecuária,
sendo que destes 40% concentraram-se no Mato Grosso e 35% no Pará, ou seja, ¾ dos projetos aprovados
restringiram-se a dois estados apenas. Do total de projetos aprovados (1.418) apenas 459, segundo as
informações da própria Superintendência, poderiam ser considerados como estando em operação.
10
2502 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Finalmente, um grupo de empresas de menor expressão (o que não deve ser entendido
como pequenas) obteve 8,9% dos investimentos (COSTA, 2000). Constatamos que a
oligarquia local teve que aceitar a entrada de novos proprietários por conta da possibilidade
de acessar algum recurso dos incentivos fiscais governamentais. Como extensão também
aceitou a entrada do grande capital para a exploração dos projetos minerais.
Existe correlação entre os números de concentração dos incentivos com o aumento
da violência? O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) fez um
levantamento dos assassinatos de trabalhadores rurais no Pará entre 1966 e 1986. Costa
(2000) cruzou esses dados com a distribuição espacial dos incentivos fiscais e chegou à
conclusão de que a aceleração da violência no campo amazônico guardou estreita relação
com os grandes projetos agropecuários.
A região Sul/Sudeste paraense,16 concentradora de incentivos fiscais, tem o maior
rebanho bovino do Estado. Ela também concentrou a ocorrência dos conflitos agrários.
Ano
1996
1997
1998
1999
Total
Dados gerais sobre a violência no campo, Sul e Sudeste do Pará 1996-1999
Ocupações
Nº de
Mortos
Presos
Trabalho Ameaças
Famílias
famílias
escravo
de morte despejadas
29
3.902
34
45
674
12
20
4.874
11
19
473
12
209
34
4.200
10
34
254
14
211
32
4.619
03
64
506
10
655
115
17.595
58
162
1907
48
1075
Fonte: Comissão Pastoral da Terra
Em 1996 ocorreu o massacre de Eldorado dos Carajás, onde a polícia militar
assassinou 19 trabalhadores rurais que participavam de uma marcha pela rodovia PA-150
reivindicando terra para cultivar. Naquele ano 3.902 famílias foram envolvidas em
conflitos. De 1996 a 1999 foram 17.595 famílias envolvidas em conflitos na região, 58
mortos, 1.907 casos de trabalho escravo e 1.075 famílias despejadas.
A estrutura da década de 1980 foi importante na configuração da década seguinte.
Se nos detivermos sobre a estrutura agrária/agrícola do Estado em 1995 verificaremos a
importância da unidade camponesa,17 onde na estrutura relativa da força de trabalho
16
Comumente se refere ao Sul do Pará como a região que compreende a porção leste do sul do Estado, de
modo que seria mais preciso chamá-la como Sudeste.
17
Unidade de produção camponesa: a família caracteriza-se como seu parâmetro. Grande latifúndio
empresarial: estabelecimento rural onde o uso ou não da terra e dos recursos naturais decorrem de critérios
empresariais e capitalistas. Fazenda é a estrutura em que o titular personifica uma “racionalidade mais
próxima do capital mercantil”, objetivando o lucro por meio de fórmulas de maximização que mantêm o seu
patrimônio, terra e gado, assim como uma espécie de “consumo de luxo”. Correlacionando esta definição
para os números do IBGE sobre o Pará em 1985, pode-se afirmar que as parcelas de terra entre 0 e 200 ha
“estão decisivamente influenciados pelas unidades camponesas ali presentes”. Da mesma forma pode-se
11
Atas Proceedings | 2503
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
89,75% provinham dessas unidades (sendo que desse percentual 81,34% eram membros
não remunerados da família), seguidos 8,95% de fazendas e 1,30% dos latifúndios
empresariais. Isso significa que os camponeses respondiam por 90% do total de pessoal
ocupado na produção animal e vegetal do Estado. As fazendas representavam 9% e os
latifúndios empresariais 1% das ocupações.
Em 1985 do total de terras em utilização no setor agropecuário 67% eram ocupados
pela pecuária e 32% pela agricultura. Dez anos após, 84% das terras eram utilizadas como
pastagens e apenas 14,8% estavam com a agricultura (das quais 3% eram de lavouras
permanentes). Os dados em si demonstram o quanto a agropecuária avançou sobre a
plantação. Esse processo foi mais intenso entre fazendeiros e latifúndios empresariais que
apresentaram, em 1995, aproximadamente 93% de suas áreas em utilização comprometidas
com pastagens (IBGE, 1996). Porém, mesmo os pequenos produtores não ficaram isentos
do mesmo.
Do valor total da produção animal e vegetal em 1995, segundo os dados do IBGE
(1996) e Costa (2000), os camponeses contribuíram com 64,4%, seguidos de 27,1% das
fazendas e 8,5% dos latifúndios empresariais. A agricultura foi fundamentalmente uma
atividade camponesa, de onde se constatou que 86,2% do valor total desse subsetor
decorreram dessas unidades produtivas, seguido de 11,5% das fazendas e 2,3% dos
latifúndios empresariais. A grande propriedade se assentou majoritariamente sobre a
pecuária de grande porte, do qual 46,9% do valor produzido decorreram de fazendas e
18,3% de latifúndios empresariais. Mesmo aqui os camponeses participaram com 34,8%.
No Sudeste do Pará, 75,72% da produção das fazendas se concentraram nesta atividade.
Para os latifúndios empresariais o número subiu para 84,24%.
Oligarquia regional e reorganização do espaço rural paraense
A história da sucessão governamental no Pará desde o final do século XIX, pelo
menos, até os anos 1960 foi marcada por grandes enfrentamentos entre os diversos setores
da oligarquia regional. No pré-golpe de 1964 a fração liderada por Magalhães Barata18
havia assumido o governo do Estado. Com o golpe militar, o governador Aurélio do Carmo
foi destituído do cargo, fechando o ciclo baratista na política paraense.
enquadrar as propriedades entre 200 e 5.000 ha como fazendas e as propriedades superiores a isso como
latifúndios empresariais (COSTA, 2000b, p. 1 e 2).
18
Militar e chefe político local que governou o Pará. Barata morreu em 1959, mas já havia conseguido eleger
seu sucessor, mantendo ativa suas posições populistas e clientelistas.
12
2504 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Durante os governos militares a oligarquia regional não se viu significativamente
atacada em suas propriedades. As políticas federais e estaduais mantiveram (com
contradições é verdade) a presença oligárquica em detrimento de pequenos produtores, mas
com um elemento novo: a incorporação de novos atores a esta elite. Aproveitando-se dos
incentivos fiscais, da facilidade de acesso a terra e outros atrativos do Estado, empresários
e latifundiários de outras regiões passaram a se localizar na Amazônia dividindo espaço
com antigos proprietários e se enfrentando com ribeirinhos, caboclos e pequenos
produtores que haviam chegado por meio da imigração.
Para Fernandes (1999), os novos grupos que se caminharam para o Pará eram
descendentes de famílias tradicionais paulistas, plantadoras de café, que nos anos 1940 e
1950 já haviam adquirido terras no Paraná, Norte de Minas e sul de Goiás. Localizaram-se
inicialmente na região dos rios Gurupi, Capim (Paragominas) e no Vale do Araguaia
(Conceição do Araguaia).19
Nos anos 1960 e 1970, os incentivos fiscais para projetos agropecuários no Pará
concentraram-se principal e “coincidentemente” nas regiões de Paragominas e do
Araguaia-Tocantins (Sudeste paraense), área de entrada dos proprietários que vinham de
outras regiões. Na prática, os incentivos para a agropecuária destinavam-se
prioritariamente para os que vinham de fora.20
Evidentemente, a burguesia agrária regional se movimentava para participar da
partilha dos mesmos, mas mudanças significativas nesse sentido foram sentidas nos anos
1980. Pelos dados da SUDAM (1991) até 1987, pelo menos, a região do Marajó,
tradicional produtora de gado, teve 24 projetos aprovados pela Superintendência. Desses
apenas um foi antes de 1980. Assim, a partir dos anos 1980 os incentivos para a
agropecuária (gerenciados pela SUDAM) alcançaram outras regiões paraenses. Isso
coincidiu com a ascensão do PMDB ao governo estadual. Mas desconcentração espacial
19
O fazendeiro paulista Lanari do Val se apropriou imediatamente de 768 mil hectares (160 mil alqueires),
vendendo metade logo em seguida. Outra grande família a se instalar na região foi a Lunardelli. A família
Malzoni em associação com outras pessoas, chegou à região em 1961 ocupando também 160 mil alqueires e
também vendendo parte logo em seguida. O restante deu origem a três fazendas (constituídas como empresas
S/A) que individualmente se beneficiaram dos incentivos fiscais no período de 1966 a 1971. Posteriormente,
elas foram fundidas originando uma nova empresa que recebeu incentivo do governo. Anos depois recorreu a
uma atualização financeira do projeto recebendo mais financiamento. Assim, podia-se receber três ou até
mais financiamentos para o mesmo empreendimento.
20
A aparente fertilidade do solo, as estradas, as riquezas florestais e minerais atraíam aqueles que queriam
formar grandes propriedades e empresas agropecuárias. Os próprios incentivos também atuavam nesse
sentido na medida em que a aprovação de um projeto pela SUDAM valorizava as terras ao seu redor e atraía
outros interessados. Incentivos e concentração de terras caminharam juntos, se estimularam mutuamente e
foram mais intensos na região em questão.
13
Atas Proceedings | 2505
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
dos incentivos fiscais para a agropecuária ocorreu ao mesmo tempo em que se presenciava
a forte redução dos mesmos e o enfraquecimento da SUDAM.
Ainda que apresentassem interesses comuns (a defesa da propriedade contra o
posseiro, por exemplo), os latifundiários “paraenses” tinham diferenças com os novos
latifundiários que aqui chegavam. Isso ficou demonstrado nas suas formas de associação.
Os “pioneiros” paraenses já se organizavam em associações rurais patronais. Com as
mudanças impostas pela ditadura, a sua federação de associações passou a se chamar
Federação da Agricultura do Pará – FAEPA, reunindo os sindicatos de grandes produtores
rurais. Esta federação representava os antigos proprietários locais e, segundo Fernandes
(1999), se restringia às microrregiões do Salgado, Bragantina e Marabá.
Já os “novos” proprietários fundaram em 1968, no Sul do Pará, a Associação de
Empresários Agropecuários da Amazônia (AEA), cuja sede ficava em São Paulo, local
onde residiam os negócios prioritários e os proprietários filiados à nova entidade. “Foi no
sentido de eficientizar em seu favor o acesso aos benefícios disponíveis para o
'desenvolvimento regional' que os 'novos' donos de terras fundaram [a AEA]”
(FERNANDES, 1999, p. 92).
Oligarquia e propriedade de terras sempre mantiveram relações umbilicais, a tal
ponto que mudanças na segunda implicaram redefinições na primeira. Durante a ditadura
de Getúlio Vargas (1937-1945), através do decreto-lei nº 5.878/43, criou-se Fundação
Brasil Central (FBC) para, através da distribuição de grandes extensões de terra,
interiorizar a região Central do país, principalmente as áreas entre os rios Araguaia e Xingu
e o Brasil Central e Ocidental. Posteriormente, com o anúncio da construção da rodovia
Belém-Brasília (1958) houve uma corrida pelas terras amazônicas e uma grande
transferência de terras públicas para a propriedade privada. Pelos dados de Santos
(LOUREIRO, 2004) entre 1959 e 1963 foram concedidos 5.646.375 hectares de terras
devolutas do Estado do Pará, no ano seguinte mais 834.668 hectares. A procura pelos
empresários do Centro-Sul por terras que ficariam às margens da nova rodovia levou a
oligarquia regional requerer e conseguir a propriedade dos castanhais do Sul do Estado.
Os proprietários passaram, simultaneamente, a “gozar de grande poder político e a
exercerem um controle social rígido sobre os trabalhadores da castanha, em decorrência da
apropriação privada da terra e de sua cobertura florestal” (LOUREIRO, 2004, p. 50).
Contudo, não foi somente a oligarquia local que se beneficiou do poder político decorrente
da propriedade da terra. Os proprietários de fora também passaram a disputá-lo,
intensificando a busca por controlar novas áreas. Fernandes (1999) cita que no curto
14
2506 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
intervalo entre 1959 e 1963 o Estado do Pará emitiu 1.575 títulos, quase que o dobro do
que fora emitido em 34 anos (1924-1958) que foi de 840 títulos. Somente na região do
Araguaia, em apenas 3 anos (1961-1964) foram emitidos 759 títulos que significaram
3.306.204 hectares.
O processo de privatização de grandes parcelas de terras amazônicas ocorreu desde
os anos 1950, pelo menos, mas foi com a ditadura militar e a extensão dos incentivos
fiscais que isso se aprofundou. Economia, sociedade e o modo de vida sustentados no
caboclo, na roça e no extrativismo foram profundamente alterados. Também ocorreram
mudanças nas relações de poder. Em muitos casos, como os novos proprietários não
residiam na região, seus representantes diretos, os gerentes das fazendas, passaram a
controlar parcela do poder dominante local - em alguns momentos chegaram a dirigir
algumas prefeituras. Isso levou a um enfraquecimento relativo da oligarquia local (as
famílias tradicionais).
No caso de Marabá, na década de 1970 presenciou-se a chegada de outros
concorrentes: de um domínio absoluto a burguesia local tradicional teve que aceitar a
entrada e convivência com o capital financeiro. Nos anos 1980, principalmente, se
consolidou uma situação em que Marabá não era mais somente a terra da oligarquia da
castanha, de camponeses e de índios, passando a ser, também, de bancos, pecuaristas,
grileiros, colonização, militares e mineradoras privadas e estatais. Isso quer dizer que os
novos grandes proprietários negavam de conjunto a antiga oligarquia? Não. A sua
estratégia de sustentação os levava a estabelecer relações e alianças locais, “em sua feição
local se associa a políticos da região no afã de se popularizar, usando expedientes de
paternalismo, no que lembram os velhos coronéis” (EMMI, 1999, p. 18).
A oligarquia local perdeu o monopólio da terra ao mesmo tempo em que presenciou
uma transformação do significado da propriedade fundiária.
A terra torna-se mercadoria da mesma forma como qualquer outra. De base e
expressão maior do poder, numa economia extrativista não-especificamente
capitalista, ela passa a ter uma expressão, em certo sentido secundário, numa
economia fundamentada no capital industrial-financeiro. Isto ficou patente com os
novos latifúndios apropriados pelos grandes bancos como o Bamerindus21 em
Marabá (54.597 hectares) ou o Bradesco em Conceição do Araguaia (61.036
hectares) ou ainda pelas indústrias multinacionais como a Volkswagen (139.392
hectares) em Santana do Araguaia (EMMI, 1999, p. 110).
21
Em 1980 o banco Bamerindus possuía 14 castanhais.
15
Atas Proceedings | 2507
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Essa quebra do monopólio fundiário das oligarquias locais se confirma nos dados
do Incra e Iterpa apresentados por Emmi: “de 44% da área total declarada em 1972, as
grandes antigas famílias tradicionais caem para 33% em 1976 e apenas 14% em 1981.
Processa-se uma diluição de seu domínio num universo substancialmente ampliado e
bastante diversificado” (EMMI, 1999, p. 116-117). Para isso, muito contribuiu também a
repressão à guerrilha do Araguaia e os investimentos em torno do Projeto Carajás. Esses
investimentos e o apelo ao financiamento externo para sua efetivação exigiam “garantias
de tranqüilidade pública que só o poder central podia oferecer: o município de Marabá
passa para a área de Segurança Nacional. [...] Em nível administrativo oficial, o podercentralizador do Estado nacional esmaga o poder local” (EMMI, 1999, p. 117-118).
A oligarquia local reagiu tentando se rearticular, também usando a força e até
mesmo questionando a atuação dos órgãos federais na região. Não foi suficiente. Ela
poderia até continuar no bloco de poder, mas não mais como fração dominante.
Os colonos sem terra e trabalhadores extrativistas também passaram a reivindicar as
terras de castanhais e isso aprofundou os conflitos agrários. Novamente a oligarquia
tradicional reagiu, e mais forte ainda. Para Emmi (1999), essa reação não foi apenas uma
defesa de sua propriedade, mas, uma tentativa de manter a estrutura de dominação política
que se enfraquecia na medida em que os trabalhadores se organizavam e a questionavam.
Analisando o processo brasileiro, Martins concluiu que a tentativa de esvaziar
politicamente o campo22 acabou por trazer contradições para a própria política da ditadura
militar. A federalização de enormes parcelas do território nacional retirou da oligarquia
regional a base de seu instrumento de poder, a terra, destruindo ou comprometendo o poder
tradicional de coronéis e chefes políticos locais. “Numa certa medida, o confisco territorial
acompanha o banimento da burguesia regional, dos fazendeiros, dos comerciantes, dos
benefícios da ocupação dos novos territórios” (MARTINS, 1984, p. 57). Contudo, são
justamente esses que sustentavam localmente o governo que apresentava essa política. A
contradição assim foi construída, mas, ainda que com conflitos, algumas mediações e
processos de convivência mútua foram desenvolvidos.
Ainda segundo Martins (1984), a política dos incentivos fiscais desarticulou as
relações de poder na Amazônia. Acreditamos que é mais correto falar em uma
rearticulação do poder, na medida em que entraram em cena outros atores para disputar o
poder local com a burguesia/oligarquia regional, mas que, do ponto de vista do pequeno
produtor e do trabalhador sem-terra, na prática, cumpriu o mesmo papel: concentração
22
Buscou-se, entre outros, impedir o surgimento de uma força política no campo que conduzisse a luta
camponesa.
16
2508 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
terra e oposição à luta política pela reforma agrária. É preciso ver que para consolidar a
política no campo amazônico o governo federal não se propôs a destituir a oligarquia local,
mas impô-la sua autoridade e os novos proprietários que ele estimulava a migrar para a
região. Assim, mesmo com contradições, é possível pensar numa aliança entre governo
federal autoritário e burguesia/oligarquia regional. As grandes políticas “nacionais”
definidas para a Amazônia, grosso modo, foram bem recebidas pelas classes dominantes
amazônicas,23 que se encontravam, desde há muito tempo, marcadas por fragilidade
econômica e miopia política.
Considerações finais
A partir dos anos 1950, mas particularmente no decorrer da década de 1970, desde
a Transamazônica até os grandes projetos minerais, ocorreu uma significativa ampliação
do papel do governo federal na região amazônica. Para isso usou-se de diversos
instrumentos como, por exemplo, os meandros do combate à guerrilha do Araguaia e o
Getat (Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins). Não é demais constatar a
coincidência da área de atuação do Getat com a região de incidência mineral do Programa
Grande Carajás e com a área de maior procura por latifundiários do Sul e Sudeste do país.
Também nesse período a internacionalização da região ganhou novo impulso, não no
sentido que denunciavam os nacionalistas quanto à perda de soberania (pelo menos
formal), mas na colocação de seus recursos naturais (principalmente minerais) no mercado
internacional a preços inferiores a seu valor real, aceitando para isso a “colaboração” dos
capitais multinacionais.
Para Martins (1984) a ampliação dos conflitos agrários na Amazônia decorreu,
primeiro, da reprodução aqui (uma “região pioneira”) da estrutura fundiária existente nas
velhas regiões; segundo, do fato de que nas regiões pioneiras mais remotas a ordem
pública se subordinou, grosso modo, ao poder privado. Mas não foram apenas os conflitos
agrários de que fala Martins que passaram a compor a realidade regional. Os modernos
complexos dos grandes projetos passaram a conviver (porque acabaram produzindo-as)
com o atraso das cidades-favela, a exemplo de Parauapebas, constituída a partir do portão
de entrada do chamado cinturão verde da CVRD. Miséria, fome, desemprego e prostituição
são algumas das características dessas cidades.
23
No período do lançamento da Operação Amazônia e do Encontro de Investidores (1966) em torno da
mesma o jornal O Liberal, representante de grandes interesses da burguesia/oligarquia local, assim se
expressou: “reina geral expectativa em torno da reunião de investidores sulinos que despertam para as nossas
riquezas naturais, dando ao povo da Amazônia a esperança de que para ela, desponte um novo horizonte de
prosperidade e progresso” (O LIBERAL apud LOUREIRO, 2004, p. 73).
17
Atas Proceedings | 2509
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
A ação do Estado na Amazônia caminhou no sentido da estatização, mas permeada
pelo interesses privados: federalizou as terras para controlá-las e repassá-las aos grandes
latifundiários, negando a possibilidade de reforma agrária verdadeira ou de um modelo de
desenvolvimento sustentado na pequena propriedade; estatizou a produção mineral
assumindo para si os custos da implantação dos grandes projetos mineral-energéticos, mas
repassando essa produção ao capital privado por um preço muito inferior ao seu valor
efetivo.24 Em síntese: o Estado estatizou para privatizar, colocou o público a serviço do
privado em detrimento do social.
As políticas estatais tomaram o progresso como decorrência do capital. Modernizar
era capitalizar a região, romper o seu “atraso”, integrá-la ao restante do país. Aos setores
oprimidos não coube perguntar qual o sentido do progresso lhes interessava. Mais que isso:
não se acreditou, ou não se quis fazer crer, que eles tivessem a capacidade de contribuir
efetivamente para a construção de um projeto de desenvolvimento regional. Eles deveriam
ser passivos em um duplo sentido: primeiro, recebendo e assimilando as políticas
elaboradas por outros; segundo, não reagindo frente a elas, mesmo quando se chocassem
com seus interesses.
Ainda que isso possa nos levar a certo pessimismo, não podemos deixar de ver que
os movimentos sociais, apesar de todas as limitações, nunca deixaram de se mostrar
presentes e em muitos casos passaram a ter mais visibilidade. Mais que isso: estamos
diante do desafio histórico de mudar o rumo das políticas públicas sociais e econômicas e
construir um projeto alternativo que atribua sentido social ao desenvolvimento.
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IANNI, Otávio. Colonização e contra-reforma agrária na Amazônia. Petrópolis-RJ: Vozes, 1979.
24
Posteriormente, no decorrer dos anos 1990, quando reuniu condições, repassou essas empresas estatais
diretamente para o capital privado nacional e internacional em processos no mínimo questionáveis quanto à
sua real mensuração de valor e isenção de corrupção.
18
2510 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
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________. I Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1972-1974). Belém: SUDAM, 1971.
________. II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1975-1978). Belém: SUDAM, 1976.
VALVERDE, Orlando. O problema florestal da Amazônia Brasileira. Petrópolis-RJ: Vozes, 1980.
19
Atas Proceedings | 2511
2512 | ESADR 2013
A COMERCIALIZAÇÃO DO AÇAÍ E SEUS EFEITOS PARA A ECONOMIA DO
MUNICÍPIO DE BELÉM/PA: UM ESTUDO SOB A ÓTICA DO PRONAF
Iran Farias Mendes; Graduado em Administração e Especialista em Economia Regional e Meio
Ambiente pela Universidade Federal do Pará - UFPA.
E-mail: [email protected]
Cácio Ribeiro de Carvalho; Graduado em Administração e Especialista em Finanças
pela Faculdade Ideal - FACI. E-mail: [email protected]
Edson Ugulino Lima; Graduado em Administração e Pós-Graduado em Logística Empresarial
pela Universidade da Amazônia - UNAMA; Especialista em Economia Regional
e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Pará - UFPA.
E-mail: [email protected]
Rossicléa Ferreira do Nascimento; Graduada em Administração e Direito pela Universidade
da Amazônia - UNAMA e Especialista em Recursos Humanos pela Fundação
Getúlio Vargas - FGV. E-mail: [email protected]
RESUMO: O artigo discute a comercialização do açaí no município de Belém/PA destacando a dinâmica
da atividade desde o beneficiamento do fruto até a mesa. Evidenciando quais os efeitos dessa atividade
para a economia local. A pesquisa tem como principal objetivo analisar a comercialização do açaí
no município de Belém sob a ótica das linhas de Crédito Rural do Programa Nacional para o
Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF disponibilizadas pelo Banco da Amazônia. A
logística, o processamento e o consumo do açaí movimentam as feiras livres de Belém, empregam mãode-obra local, geram oportunidades de negócios para o segmento às voltas com o renitente desequilíbrio
social. A natureza da pesquisa é qualitativa apresentada sob a estratégia descritiva e exploratória, tendo
como finalidade precípua a descrição do fenômeno que no caso é a comercialização do açaí sem interferir
na ocorrência do processo. Os dados foram trabalhados conforme a análise de conteúdo através das
hipóteses seja ela explícito e/ou latente. Por fim, a pesquisa destaca o apoio do poder público através das
políticas de crédito rural, dentre elas, o PRONAF, que vem contribuindo para o desenvolvimento local. O
estudo destaca a importância da atividade em relação às questões ambientais, como também o fato de que
a maioria dos comerciantes tem na atividade, a única fonte de renda para o sustento de suas famílias e
vendem o produto tanto no mercado interno quanto ao mercado externo. O segmento passa por profundas
mudanças tornando-se um produto muito utilizado pelas indústrias/agroindústrias na fabricação
de seus subprodutos, e pela possibilidade de consumi-lo de diferentes formas sem comprometer suas
propriedades originais, tendo como conseqüência a mudança de comportamento tanto cultural pela
população local, como também do mercado da atividade em função da elevação de seu preço
influenciando outros setores da economia.
Palavras-chave: açaí; comercialização; PRONAF; Belém-Pa.
ABSTRACT - The article discusses the açaí in the city of Belém / PA highlighting the dynamics of the
activity from the processing of the fruit to the table. Showing what the effects of this activity to the local
economy. The research has as main objective to analyze the açaí in the city of Bethlehem from the
perspective lines of the National Rural Credit for Strengthening Family Agriculture - PRONAF
provided by Banco da Amazônia. The logistics, processing and consumption of acai move the fairs of
Bethlehem, employ labor, local labor, generate business opportunities for the segment dealing with the
stubborn social imbalance. The nature of qualitative research is presented in a descriptive and exploratory
strategy, having as main purpose the description of the phenomenon that is the case the açaí without
interfering with the occurrence of the process. The data were processed according to the content analysis
through either explicit hypotheses and / or latent. Finally, the survey highlights the government
support through policies of rural credit, among them, PRONAF, which has contributed to local
development. The study highlights the importance of the activity in relation to environmental issues, as
well as the fact that most traders have in the activity, the only source of income to support their families
and sell the product both in the domestic and foreign markets . The segment undergoes profound changes
becoming a product widely used by industries / agribusinesses in the manufacture of its products, and the
ability to consume it in different ways without compromising their unique properties, with the consequent
change in behavior by both cultural population site, as well as market activity due to the increase of its
price influencing other sectors of the economy..
Keywords: acai; marketing; PRONAF; Belém-Pa..
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
1 INTRODUÇÃO
O açaizeiro (Euterpe Olerácea Mart.) é uma palmeira nativa da floresta Amazônica
encontrada nas áreas das matas de terra firme, várzeas e igapós, sendo que seus frutos
originam o “vinho de açaí”, uma bebida muito apreciada e utilizada na alimentação popular
(CALZAVARA, 1972). O termo “vinho de açaí” foi utilizado pelos antigos colonizadores da
região, devido à cor do açaí ser parecida com a do vinho. Em alguns lugares esse termo ainda
é empregado pela população, mas comumente a bebida é chamada de açaí. Mera coincidência,
o açaí é rico em antioxidantes naturais, a exemplo, as antocianinas, e possui 33 vezes mais
antocianinas (substância que dá coloração ao fruto) que o vinho tinto.
Com a descoberta das funcionalidades do fruto, o açaí vem tomando proporções cada
vez maiores na mídia nacional e internacional como fonte de saúde, sendo utilizado na
indústria de produtos fitoterápicos, e ainda proporcionando um leque de opções para o público
em geral desde a gastronomia até a produção de cosméticos, de forma que o açaí deixou de
ser um produto meramente popular e passou a fazer parte também, das classes que possuem
maior poder aquisitivo.
A explosão do fruto nos principais mercados do Brasil, em função da industrialização
e congelamento da polpa, ocasionou um aumento exorbitante da demanda “estima-se que no
Estado do Rio de Janeiro sejam consumidas cerca de 500 toneladas mensalmente, 150
toneladas em São Paulo e outras 200 toneladas nos demais estados brasileiros” (SILVA,
2010). A procura pelo “vinho” se deve em razão dos vários atributos que o açaí possui e pela
possibilidade de consumí-lo de diferentes formas, tais como: com granola, suco de laranja,
suco de acerola, açaí em barra, açaí com banana, açaí com morango etc.; atendendo aos
hábitos e costumes de consumidores de outras regiões do país, sem comprometer as suas
propriedades originais.
Dada a importância social e econômica do produto para as populações nativas no
âmbito local, o açaí é responsável em grande parte pela redução do êxodo rural, pela geração
de receitas, pela manutenção da cultura que depende do sistema de produção desenvolvido. É
um produto marcado por uma crescente demanda dos mercados interno e externo, fomentando
e estimulando os elos da cadeia produtiva, suprindo o fornecimento de insumos para as
agroindústrias. Neste sentido, Lopes (2003, p. 19) em seus registros destaca que:
A exploração racional do açaí é de fundamental importância para a economia rural
paraense, dado que responde pela sustentação econômica das populações ribeirinhas,
por se constituir na principal fonte de matéria prima para a agroindústria do palmito
e de produção do vinho de açaí, produto bastante demandado.
No Estado do Pará, o açaí é a base alimentar de muitas famílias de baixa renda além de
ser consumido por todas as classes sociais. Com as novas descobertas da ciência (altos valores
nutricionais), houve um aumento da demanda pelo fruto no mercado nacional, o que elevou
significativamente o preço do produto no mercado local. Existem também, alguns
comerciantes que processam o fruto para atender a demanda local e destinam parte do açaí na
forma pasteurizado para o mercado exportador.
No âmbito econômico, a região de Belém é o epicentro da economia do açaí, a
considerar que a procura pelo “vinho” tornou-se um negócio rentável para quem o
comercializa. Sob o ponto de vista social, o setor é responsável por cerca de 25 mil empregos
diretos e gera anualmente mais de R$ 40 milhões em receitas através das atividades de
extração, transporte, comercialização e industrialização dos frutos na região (SILVA, 2010).
Boisier (1996, apud DALLABRIDA; BECKER, 2008, p.181) em seus estudos assinala que
construir uma região sobre o aspecto social significa:
2514 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
[...] potencializar sua capacidade de auto-gestão, transformando a sociedade mais
[...], organizada, coesa, consciente da identidade sociedade-região, capaz de
mobilizar-se por projetos políticos coletivos, isto é, capaz de transformar-se em
sujeito de seu próprio desenvolvimento.
Nesse aspecto, a capacidade da região de promover o seu próprio desenvolvimento,
viabiliza novos negócios e agrega valor aos empreendimentos já existentes. A compreensão
dos efeitos da dinâmica do açaí para a economia local do município do Belém está
diretamente ligada ao elevado potencial de mercado que o fruto possui, ao relacionamento do
segmento com diversos setores da economia impulsionando outras atividades produtivas
ligadas ao açaí, estimulando o fluxo de produtos e serviços, tornando a região de Belém e o
seu entorno num celeiro de oportunidades.
Fruto do extrativismo da Amazônia, o açaí aqui comercializado atende também, a
questão ambiental, a exemplo, o mercado consumidor do E.U.A, exige que o açaí seja um
produto baseado na produção orgânica. E as solicitações deste mercado específico são a rigor
atendidas. Existem localidades em que a produção é baseada sem o uso de agrotóxicos e
conservantes, onde são verificados os aspectos desde manejo de plantas, de solo e
biodiversidade e ainda o produto possui certificação, para efeito de rastreabilidade da cadeia
produtiva, se for o caso. Na verdade, o açaí é um produto que atende de maneira geral a
mudança de comportamento dos mercados do universo globalizado conquistando novos
espaços e consumidores.
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL

Analisar a comercialização do açaí no município de Belém sob a ótica das linhas de
Crédito Rural do PRONAF;
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Discutir a dinâmica do fruto no cenário econômico;

Identificar e dar visibilidade as Linhas de Crédito Rural do PRONAF voltadas para o
setor;
Refletir sobre a questão ambiental da atividade para a região;

3 METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo, exploratório quanto aos fins,
qualitativo quanto à natureza e, bibliográfico quanto aos meios, com fundamentação em
Vergara (2004), Lakatos e Marconi (2010). Descritivo considerando que tem como finalidade
precípua a descrição do fenômeno no caso à comercialização do açaí sem interferir na
ocorrência do processo. Exploratório, haja vista, abordagem do tema com um “olhar” do
PRONAF. Qualitativa quanto a natureza, considerando análise e interpretação dos dados, cujo
propósito do estudo é emitir ao setor produtivo, informações acerca da importância da cultura
do açaí para a economia local, com agregação de valor do fruto no comércio do município de
Belém.
Atas Proceedings | 2515
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Bibliográfico, porque na construção da fundamentação teórico-metodológica do
trabalho utilizou-se como base, dados secundários, através dos conhecimentos teóricos e
literatura especializada desenvolvidos a respeito do tema sob análise, na qual o estudo remete
a comercialização do açaí e seus efeitos para a economia do município de Belém (PA),
destacando pontos relevantes para a elaboração deste artigo.
Os dados foram trabalhados conforme enfatiza Minayo (2003, p. 74) “a análise de
conteúdo visa verificar hipóteses ou descobrir o que está por trás de cada conteúdo manifesto.
[....] o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado e/ou simbolicamente
explicitado sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto (seja
ele explícito e/ou latente).
Neste sentido Vergara (2004) corrobora quando registra que analise de conteúdo é
uma técnica de tratamento de dados cuja finalidade é identificar o que está sendo dito a
respeito de determinado tema.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Na seqüência, serão discutidos como ocorre à comercialização do açaí no município
de Belém, analisando a dinâmica do fruto no cenário econômico, as linhas de crédito rural do
PRONAF para o financiamento da cultura e a importância da atividade para o setor em
relação à questão ambiental.
4.1 A DINÂMICA DO AÇAÍ
A dinâmica do mercado faz com que ocorram mudanças no ambiente de negócios e
com a explosão do açaí no Sudeste do país (eixo Rio - São Paulo) e ainda, E.U.A, Europa e
Ásia, o consumo do “vinho” de açaí passou a fazer parte do cardápio das famílias com maior
poder aquisitivo (SANTANA apud SILVA; SILVA, 2006).
O açaí se constitui o alimento básico de grande parcela da população no Estado do
Pará, principalmente dos povos ribeirinhos que o consomem na safra, em todas as refeições
do dia, e o exploram em sua quase totalidade na forma extrativa, sendo de vital importância
na sustentação econômica dos ribeirinhos, bem como na dieta alimentar da população urbana.
A cultura do açaí faz parte da identidade regional da população paraense. No Estado
encontram-se 17 dos 20 maiores municípios produtores de frutos de açaizeiros nativos do
País.
São eles: Limoeiro do Ajuru, Ponta de Pedras, São Sebastião da Boa Vista, Muaná,
Oeiras do Pará, Igarapé-Miri, Mocajuba, Afuá, São Miguel do Guamá, Inhangapi, Magalhães
Barata, Barcarena, Cachoeira do Arari, São Domingos do Capim, Marapanim, Irituia e Santa
Luzia do Pará. No Maranhão, onde se encontram outros importantes centros produtores, os
destaques são os Municípios de Luís Domingues, Carutapera e Amapá do Maranhão.
Os frutos quando maduros são conhecidos popularmente em duas variedades: o açaí
roxo ou preto e o açaí branco. O roxo apresenta frutos na cor azul tendendo para violácea, e o
branco na cor verde escuro. Essas variedades são comumente encontradas nas feiras livres de
Belém na forma “in natura” ou transformada em “vinho” e consumido a qualquer hora do dia.
Existem também, outros tipos de açaí, a exemplo, o açaí Parol ou Paral que ocorre
quando o fruto não está totalmente maduro e possui manchas esverdeadas, o açaí Tuíra é
aquele bastante maduro e que fica com uma tonalidade acinzentada, o açaí Tinga é quando os
frutos já estão maduros, mas que não empreta ou escurece, entre outros.
2516 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Além do suco do açaí passaram a ser fabricados, vinhos, produtos energéticos,
produtos de estética e beleza, etc..; Essa nova tendência trouxe investimentos para o setor de
gastronomia e turismo de negócios formando capital complementar nessas áreas, além de
outras atividades indutoras para a região, a exemplo, a instalação de agroindústrias.
De acordo com a literatura de Souza, (2005, apud HIRSCHMAN, 2009, p.34), os
investimentos e as atividades indutoras dispõem do seguinte papel:
atuam como agentes indutores do crescimento econômico [...] encadeamentos para
trás no processo de produção (verticais) que tem origem da compra de insumos, e
encadeamentos para frente (horizontais) em função da venda dos insumos. [...] Uma
atividade qualquer será considerada atividade chave, quando seus efeitos de
encadeamento sobre a produção da economia são superiores a média do conjunto
dos setores, tanto para trás, como para frente no processo produtivo.
São essas atividades que estimulam o crescimento econômico por meio dos
encadeamentos para trás e para frente dos elos da cadeia produtiva do açaí, no que se refere à
compra e venda entre os setores, a fim de atender a demanda local e outros mercados do
Brasil e do exterior.
O açaí transformou o Estado do Pará no principal produtor do planeta como o
correspondente a 700 mil toneladas por ano e em torno de US$ 1 bilhão arrecadados somente
com a exportação, sendo que o Estado também é o maior produtor e consumidor de “vinho”
(O LIBERAL, 2011). Isso se deve em razão de que na Amazônia, é onde existe a maior
incidência botânica do fruto o açaí, e ainda é uma cultura altamente exigente de mão de obra
local e responsável pela sustentação econômica de muitas famílias.
Estima-se que na cidade de Belém haja aproximadamente 4.000 pontos de venda do
açaí período da safra (julho a dezembro) e 1.500 pontos na entressafra (janeiro a junho), e o
consumo diário de açaí gire em torno de 200 mil litros por dia (O LIBERAL, 2010), sendo que
a produção para o mercado local é uma atividade de baixo custo e de boa rentabilidade
econômica para as populações nativas.
A venda de polpa de açaí congelada, que segue para outros mercados e estados
brasileiros, têm gerado muitas divisas para o Estado do Pará. É essa exportação o motivo
principal da escassez do produto e da elevação dos preços no mercado interno em grande
parte do ano, principalmente no período de entressafra (janeiro a junho).
4.1.1 A Logística e a Comercialização
O açaí consumido em Belém no período da safra (julho a dezembro) vem
principalmente das regiões das ilhas e do Arquipélago do Marajó. Na entressafra, com a
escassez do fruto no mercado de Belém, o Estado do Maranhão é quem acaba abastecendo o
mercado paraense, uma vez que, o período da safra do açaí maranhense, coincide com os
meses da entressafra do açaí no Estado do Pará.
A logística da atividade ocorre através das rodovias e também, das hidrovias que
transportam o açaí por meio de barcos em condições precárias de médio e pequeno porte,
muito característico na nossa região.
Considerando o fato do açaí possuir caráter perecível e após a colheita sofrer oxidação,
diferentes agentes sociais participam no transporte da atividade para que o açaí chegue em
boas condições até o consumidor final. Dentre os agentes estão: ribeirinhos, produtores rurais,
atravessadores, comerciantes, associações e cooperativas que de alguma forma acabam
participando dos elos da cadeia produtiva da atividade, fortalecendo ainda mais o potencial
APL do açaí. Neste sentido Costa (2010, p.128) assevera que:
Atas Proceedings | 2517
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
É importante ter em mente que um APL pode englobar uma cadeia produtiva
estruturada localmente ou concentrar-se em um ou alguns elos de uma cadeia
produtiva de maior abrangência espacial, regional, nacional ou mesmo internacional.
Isso acaba permitindo que a atividade se torne flexível, eficiente e dinâmica,
aumentando a capacidade potencial do APL, tornando a cadeia produtiva do açaí altamente
competitiva.
Ao chegar em Belém, a comercialização do fruto ocorre nas primeiras horas do dia na
Feira do Açaí (Ver-o-Peso), Porto da Palha, Porto do Sal, Vila da Barca, Icoaraci e Estrada
Nova, onde os ribeirinhos e atravessadores negociam o preço dos paneiros ou rasas1. Os frutos
são comercializados em rasas de 28 kg e alcançam preços variáveis durante o ano que variam
de R$ 30,00 no período da safra e pode chegar até R$ 160,00 no período da entressafra.
As transações comerciais do açaí na feira do Ver-o-Peso, principal ponto atacadista do
fruto ocorrem ainda de madrugada e a instabilidade dos preços da rasa de açaí ocorre de
acordo com o passar das horas, em função da oxidação que o fruto sofre, do tipo de açaí e da
sua localidade de origem. Essas negociações ocorrem tanto no período da safra quanto da
entressafra.
Em virtude de apresentar caráter perecível, o açaí deve ser comercializado e
consumido nas primeiras horas após a colheita. A comercialização do “vinho” na forma “in
natura” no mercado de Belém é bastante diversificada, a mistura do açaí com produtos
protéicos é feita com peixe (predominante no meio rural), charque (produto de grande
preferência, mas limitado pelo poder de compra), camarão, carne e com a própria refeição.
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE), os preços praticados no ano de 2012 em 25 locais no comércio
do açaí em Belém/PA (feiras livres, pontos de venda e supermercados) sofreram variação de
2,22%, 7,49% e 8,57% grosso, médio e papa respectivamente no período de janeiro à
dezembro conforme tabela abaixo. Essa variação se justifica em parte, pela escassez do
produto no período da entressafra (janeiro à julho), o que ocasiona a alta dos preços do açaí
no bolso do consumidor e reflete a necessidade do setor em se estruturar melhor em relação a
estocagem do açaí após o beneficiamento, transporte e a própria produção com vistas a manter
a sazonalidade do produto durante todo o ano.
Tabela – 1 Preços de Açaí Comercializados em Belém
Produto
Açaí
PAPA
GROSSO
MÉDIO
Preço Médio (R$)
dez.12
17,6
15,18
11,05
Preço Médio (R$)
jan.12
16,22
15,02
10,3
Preço Médio (R$)
dez.11
16,21
15,02
10,3
variação em 2012
jan-dez %
8,57
2,22
7,49
Fonte: Conab, jan. 2013
A perspectiva é que a falta de oferta do produto no período da entressafra seja
solucionada, a fim de que esse mercado atenda a demanda das outras regiões do país, uma vez
que, o estuário amazônico possui potencial produtivo para isso e abriga um estoque
significativo da espécie. O aumento da procura pelo fruto ocorre em função de suas
propriedades nutricionais e anti-oxidantes e vem propiciando um novo segmento no mercado
de alimentos e cosméticos, tendo em vista que consumo do “vinho” ter se constituído numa
espécie de modismo no sudeste brasileiro e em outras regiões do país.
1
Os paneiros de açaí ou rasas constituem a medida local que corresponde à 02 latas de 20 litros,
aproximadamente 28 kilos.
2518 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
4.1.2 O Processamento e o Consumo
O “vinho” do açaí é obtido por meio do processamento manual ou mecânico. O
processo de maceração ocorre quando os frutos são amassados de forma manual em um crivo
especial após terem permanecido em água quente durante 10 a 15 minutos, sendo que o suco é
recolhido em um alguidar de barro.
A outra forma de obter o suco se dá através de máquinas despolpadoras, com adição
de água durante o processamento de onde se obtém um suco de consistência pastosa de cor
violácea, dependendo da quantidade de água utilizada no seu processamento, este é
classificado em grosso ou especial, médio ou regular e fino ou popular.
A qualidade do “vinho” depende exclusivamente da procedência dos frutos, do
processamento e dos materiais utilizados no despolpamento, os equipamentos e utensílios
utilizados devem ser em aço inoxidável para não acumular sujeira e possibilitar a proliferação
de fungos e contaminação de outros vetores.
O fruto deve passar por quatro lavagens. A 1ª com água corrente, para a retirada de
impurezas e insetos provenientes do campo e do transporte. Na 2ª os frutos, permanecem de
molho em uma solução contendo hipoclorito, ocasião em que são feitos vários revolvimentos
nos frutos, e também, a catação com um crivo ou uma peneira das partículas em suspensão.
A 3º lavagem é para retirar o excesso de cloro da água e na 4ª, o fruto fica de molho
antes de ser processado de fato. O local onde ocorre o processamento deve possuir possui
higienização adequada, como também, as pessoas que manipulam o fruto, utilizam uniformes
e protetores adequados.
Na região Norte, o “vinho” é consumido como suco com ou sem açúcar, acompanhado
de farinha de mandioca ou tapioca e peixe entre outras iguarias, alimentação típica das
populações nativas, sendo a principal refeição do dia.
Nas outras regiões do Brasil e no mercado internacional, o suco é consumido
acompanhado de frutas, com guaraná e cereal. A lógica do mercado é atender aos desejos e
necessidades dos clientes, propiciando aos consumidores diferentes combinações de açaí, seja
industrializado e pasteurizado, com xarope de guaraná, em pó, com doce de leite, geléia e
licor de açaí.
No Estado do Pará, o açaí é a base alimentar de muitas famílias de baixa renda. O
fruto enquanto produto final atende principalmente o mercado local há aproximadamente dois
séculos.
A considerar que o “vinho” é uma bebida encorpada, que possui alto teor nutritivo e
energético. Nos últimos anos, com a descoberta das funcionalidades do fruto, houve uma
procura maior pelo suco, que é o alimento básico diário das refeições da população local,
principalmente da população de baixa renda. Atualmente, esse produto vem sendo cobiçado e
tem conquistado outros segmentos. Neste sentido, Rogez (2000, apud LOPES 2003) enfatiza
que.
Vale a pena destacar que os consumidores do meio rural, ingerem o suco do açaí três
vezes ao dia, nas principais refeições, durante o ano todo, enquanto que os
consumidores urbanos consomem uma única vez ao dia, no almoço ou
ocasionalmente como sobremesa com açúcar.
O registro evidência que na atual conjuntura do mercado globalizado e altamente
competitivo, o homem está “voltando as suas raízes” e valorizando o que a natureza lhe
proporciona de melhor e saúde e qualidade de vida.
Atas Proceedings | 2519
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
4.2 AS LINHAS DE CRÉDITO DO PROGRAMA NACIONAL PARA
FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR (PRONAF) PARA O SETOR
O
Hoje, o papel dos Bancos regionais é fomentar as regiões mais atrasadas do país e
destinar financiamentos através dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, do
Nordeste e do Centro-Oeste (FNO, FNE e FCO), capazes de aumentar a capacidade produtiva
da região.
No caso da Amazônia é o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte - FNO
exclusivo do Banco da Amazônia, onde os agricultores podem acessar através do FNOAmazônia Sustentável (para médios e grandes produtores) e do PRONAF (para pequenos e
mini-produtores) créditos disponíveis para a cultura do açaí à uma taxa de juros bastante
atrativa, estimulando a produção no meio rural, de forma que a renda gerada por essas
atividades sejam utilizadas em favor da modernização da estrutura produtiva, da
diversificação da produção e das necessidades sociais da região.
O crédito destinado para a cultura do açaí, através do PRONAF é voltado
exclusivamente para as atividades de plantio, extração, transporte, comercialização e
industrialização dos frutos.
No atual Plano Safra 2012/2013, os recursos disponíveis do PRONAF para o
financiamento do açaí são para Grupo A e A/C (agricultores assentados da Reforma Agrária
ou do Plano Nacional para o Crédito Fundiário – PNCF); o Grupo B e a Linha Mais
Alimentos - MA; e ainda através das linhas especiais, Pronaf AGROECOLOGIA, Pronaf
FLORESTA, Pronaf AGROINDÚSTRIA e Custeio ISOLADO;
Para acessarem o crédito, os beneficiários terão que obter a DAP (Declaração de
Aptidão do PRONAF), que tem validade de 06 anos, e é um documento gratuito fornecido
pelas Empresas Oficiais de Assistência Técnica e Extensão Rural de todo país, com a
anuência do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA.
Na DAP consta a base de cálculo da renda bruta anual da unidade familiar para efeito
de enquadramento no Grupo ou Linha do Programa, como também, o tamanho da terra que
não pode ser superior a 04 módulos fiscais e 50% da renda obtida pela família do agricultor
ter que ser oriunda das atividades desenvolvidas na unidade familiar. Só é permitido a
propriedade ter no máximo até dois empregados, o agricultor tem que morar no
estabelecimento rural ou em local próximo e a gestão do empreendimento tem que ser
familiar.
A partir dessas informações, serão elaborados pela Assistência Técnica pública ou
privada, projetos específicos com análise técnica, econômica e financeira da proposta e de
acordo com o perfil dos agricultores e a linha de crédito ou grupo ao qual serão enquadrados.
Nestes termos, dependendo do Grupo ou da Linha de financiamento em que o
proponente foi enquadrado, o teto operacional das operações variam de R$ 2.500,00 (dois mil
e quinhentos reais) para operações de custeio podendo chegar até R$ 300.000,00 (trezentos
mil reais) para operações de Investimento com custeio associado, a uma taxa de juros que
varia de 0,5% podendo chegar a 4,0%, sendo que o prazo máximo para o reembolso da
operação varia de 02 anos podendo chegar até 20 anos e a carência dos empreendimentos
varia de 02 anos até 12 anos. Em algumas operações há ainda, o bônus de adimplência de
25% para os beneficiários do Pronaf B ou de 40% de desconto para os mutuários do Pronaf A
para quem liquidar a operação dentro do prazo previsto (BANCO DA AMAZÔNIA, 2013).
Nesse contexto, a agricultura familiar tornou-se um importante segmento da produção
agrícola do país, sendo grande geradora de emprego no campo e responsável pela maior parte
da produção que abastece o mercado interno, ou seja, cerca de 70% dos alimentos consumidos
que chegam à mesa dos brasileiros.
2520 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Esses produtores familiares respondem ainda por cerca de 10% do Produto Interno
Bruto (PIB) do Brasil, desempenhando papel importante na economia de um grande número
de municípios, o que a torna indispensável para o desenvolvimento do país.
4.3 O AÇAÍ SOB A ÓTICA AMBIENTAL
Cada vez mais aumenta o interesse público por questões ambientais e a condução de
uma política voltada para a utilização dos recursos naturais de forma ordenada e racional se
tornou prioridade nos setores ligados aos processos produtivos do açaí. A contar que os
açaizais nativos estavam em extinção porque eram explorados para a extração do palmito,
cuja produção depende exclusivamente do corte integral da árvore. Com o aumento da
demanda pelo “vinho” de açaí em outras regiões e países tornou-se mais rentável manter os
açaizais nativos para a extração do fruto, contribuindo decisivamente para sua preservação.
Houve a necessidade de produzi-lo de forma sustentável. Rogez (2000) ressalta que:
Os frutos do açaizeiro que eram voltados, principalmente, para o autoconsumo,
passa a ocupar uma posição preponderante na renda familiar. O aumento da
demanda pelo vinho de açaí está provocando a passagem progressiva de um produto
naturalmente “extraído” para outro “manejado” racionalmente explorado e
enriquecido.
Assim, os usos de técnicas que auxiliam no manejo racional do açaí, foram sendo
incorporadas na atividade como forma de explorá-lo sem comprometer o meio ambiente. Haja
vista, o açaí contribui para a expansão da economia da região, cujo desafio conforme enfatiza
Cota (apud TEISSERENC et al 2008, p.102) é conciliar “desenvolvimento sustentável,
desenvolvimento e proteção ambiental”.
O sistema de produção do açaí proporciona a recomposição de áreas desmatadas, o
enriquecimento do solo através das folhas, galhos e sementes que caem da palmeira e que
naturalmente acabam fazendo a ciclagem de nutrientes, serve de sombra para outras espécies
nativas, mantém o equilíbrio do ecossistema da região e gera renda para a família do
agricultor.
Nessas circunstâncias, a atividade acaba integrando famílias, aproveitando a mão de
obra existente, evita o êxodo rural, agrega outras atividades produtivas de subsistência e
aprimora cada vez mais a produção de açaí e de outros produtos agroflorestais, fortalecendo a
agricultura familiar e fomentando o comércio dessa iguaria na região.
Existe também, no Estado do Pará, o cultivo do açaí baseado na produção orgânica
que atende a um mercado específico (E.U.A), que exige uma produção mais saudável. A
cultura do açaí proporciona uma exploração de forma sustentável. Do fruto é extraído o
“vinho” para o consumo alimentar, a borra é utilizada na fabricação de produtos de estética e
beleza, as fibras para a produção de vassouras e na fabricação de móveis e utensílios e na
indústria de automóveis, as folhas e o tronco são utilizados na cobertura e na construção de
casas, a semente “caroço” pode ser utilizado na indústria de torrefação de café, de móveis, na
extração de óleo comestível, como ração animal, carvão vegetal e adubo orgânico (TINOCO,
2005, apud PEROTES; LEMOS, 2008). E ainda, o “caroço” é utilizado na fabricação de
artesanato regional, a exemplo, as biojóias.
Além de se aproveitar tudo da palmeira, a cultura estimulou o desenvolvimento de
subprodutos, o que resultou na instalação de indústrias e agroindústrias na região. Registros
confirmam tais informações vejam:
Atas Proceedings | 2521
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
O desenvolvimento da agroindústria contribui, não somente para o aproveitamento
dos recursos, como também para a diminuição de perdas agregando um valor à
produção e ainda, para a valorização e a fixação do homem do campo em seu meio,
com a geração de empregos em todos os níveis, aumento de renda regional,
diminuição das tensões sociais e aumento das exportações [...] (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PARÁ, 1996, p.28).
Ao lado de outros produtos de enorme valor comercial, a comercialização do açaí
garante uma renda permanente para quem o comercializa, o produto conquistou o mercado de
Belém que tornou-se um celeiro de pontos que comercializam o açaí sob todas as formas e
ainda, as agroindústrias instaladas na região metropolitana da cidade, exportam o produto
durante o ano todo para o centro-sul do país, considerando que existe uma demanda crescente
pelo fruto e ainda possibilidades de expansão para o mercado internacional.
5 CONCLUSÃO
O açaí é uma atividade que vem se destacando na economia brasileira, a
comercialização do fruto gera emprego e renda, movimenta o comércio do fruto, atrai
investimentos para a região, estimula o desenvolvimento da produção, dos vetores de sua
distribuição, via ocupações produtivas e ainda atende uma demanda crescente do mercado
externo.
O apoio do poder público através das políticas de crédito rural voltadas para o
financiamento da cultura contribui também para o desenvolvimento local.
Em que pese à necessidade do setor se tornar cada vez mais dinâmico, existe a
preocupação por parte dos comerciantes em negociarem o fruto em condições ideais para o
consumo, tendo em vista que o açaí sofre oxidação e é altamente perecível. Nestas condições,
o fruto oriundo de diferentes localidades chega ao mercado de Belém ainda de madrugada
para ser comercializado.
A comercialização da matéria prima possibilita além do suco, a fabricação de
subprodutos tais como doces, geléias, sorvetes, bombons, licores, energéticos, na preparação
de mix (composto de yogurte, guaraná, banana e acerola) etc., pelas indústrias e
agroindústrias instaladas no entorno de Belém que atendem o mercado local e exportam boa
parte do que produzem para o mercado externo (principalmente ao Centro-Sul do país).
É interessante pontuar que o sistema de produção da cultura atende a lógica do
desenvolvimento por meio do manejo racional sem comprometer o meio ambiente. Isso
ocasiona a expansão da economia no município de Belém, tornando a atividade altamente
monetizada. Nas feiras livres da capital paraense é possível consumir o açaí de diferentes
formas e ao sabor do mercado, com carne, peixe, pirarucu frito, camarão, farinha de
mandioca, farinha de tapioca, etc., e ao gosto do cliente.
As transações comerciais com o açaí geram renda e parte dessa renda é utilizada para
modernizar os pontos onde o fruto é comercializado. No mercado informal, existem muitos
comerciantes que trabalham nesse ramo de forma autônoma na periferia da cidade, sem
muitas condições, sendo a única fonte de renda para o sustento de suas famílias.
O comércio do açaí é uma atividade economicamente rentável, a exemplo, o litro do
açaí médio custa entre R$ 10,00 (dez) à R$ 12,00 (doze) reais no período da safra (julho á
dezembro). Na entressafra (janeiro à junho) o preço do litro do tipo papa ou grosso varia de
R$ 15,00 (quinze reais) podendo chegar até R$ 18,00 (dezoito reais) no centro da cidade e
dependendo do local de compra esse preço pode até aumentar ou baixar. Existem
supermercados em Belém que chegam a cobrar até R$ 28,00 (vinte e oito reais) num litro do
açaí grosso na entressafra. Considerando que os preços praticados no mercado são regulados
2522 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
de acordo com a oferta e a demanda do produto, mesmo assim, o açaí com os preços
exorbitantes ou não, tem um mercado promissor muito disputado para quem sobrevive da
atividade.
A comercialização do açaí via agroindústrias com vistas a atender o mercado externo é
mais exigente e o beneficiamento do produto inclui despolpadeiras industriais, pasteurizador,
seladora pneumática (empacotamento) e datador pneumático (registra e enumera os lotes) e
por fim a câmara frigorífica para manter o produto em temperatura adequada até o seu destino
final. Esses procedimentos adotados são necessários para que o açaí chegue em ótimas
condições de consumo até os consumidores. Essas transações comerciais, contribuem para a
entrada de divisas no Estado, projetando ainda mais o segmento.
Enfim, o consumo do açaí em Belém passa por profundas alterações. De um produto
tipicamente regional e componente da alimentação cotidiana da população, tem se tornado um
produto para a população de maior poder aquisitivo dada sua elevação de preço. Isso pode ser
um indutor de maior industrialização e desenvolvimento de outros produtos derivados deste
fruto. Persistindo este movimento a médio e longo prazo, pode ocorrer uma mudança não
simplesmente econômica ou alimentar, mas de cunho cultural na medida em que ele se tornará
menos presente na alimentação cotidiana da maioria da população regional. Por outro lado, o
aumento da demanda extrarregional, eleva os preços, estimula a ampliação da área plantada.
Dependendo do cruzamento destas dinâmicas teremos determinadas configurações do
mercado regional e do consumo local, e consequentemente a mudança de comportamento do
mercado do açaí na economia do município de Belém.
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2524 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
BENEFÍCIOS SOCIOECONÔMICOS PARA O ESTADO DO PARÁ
DA PRODUÇÃO DO AÇAÍ ORGANIZADA EM ARRANJO
PRODUTIVO LOCAL (APL)1
ALEX MATOS MENDES; Mestre em Economia pela Universidade Federal do Pará UFPA. E-mail: [email protected].
MARIA LÚCIA BAHIA LOPES; Drª em Economia Aplicada pela Universidade
Federal de Viçosa - UFV; Professora do Programa de Mestrado em Desenvolvimento e
Meio Ambiente Urbano da Universidade da Amazônia (UNAMA). E-mail:
[email protected]
LINDAURA AROUCK FALESI; Drª em Ciências Agrárias pela Universidade Federal
Rural da Amazônia - UFRA; Professora do Programa de Mestrado em Economia da
Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected];
GISALDA CARVALHO FILGUEIRAS; Drª em Ciências Agrárias pela Universidade
Federal Rural da Amazônia - UFRA; Professora do Programa de Mestrado em
Economia da Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected]
RESUMO
O açaizeiro (Euterpe Oleracea Mart.) é nativo da Amazônia brasileira, mas, é no estado
do Pará que ocorre maior incidência natural dessa palmácea. As maiores concentrações
ocorrem em solo de várzeas e igapós, compondo ecossistema de floresta natural ou em
forma de maciços conhecidos como açaizais. Com a expansão do mercado consumidor
e limitação da oferta extrativa do recurso forçou uma mudança de exploração nos
extratores que passaram a buscar alternativas de exploração sustentável da palmeira.
Desde 2002 iniciou-se mudanças no padrão agrícola da cultura do açaí no Pará,
decorrente de tecnologia de manejo do açaí de várzea e seu plantio em terra firme, onde
parte da produção passou para uma base de cultivo. O açaí tem sua importância na
alimentação da população de baixa renda, na inclusão social pela geração de emprego e
renda e melhoria na qualidade de vida da população ribeirinha do Estado. Por tudo isto,
o objetivo desta pesquisa foi o de analisar os benefícios gerados pela produção do açaí,
averiguar os desafios para os produtores em acompanhar a expansão da demanda e
visualizar sua organização em arranjos produtivos locais (APLs). Para o
dimensionamento dos benefícios aos consumidores e produtores aplicou-se o modelo do
Excedente do Produtor e do Consumidor. Os resultados quanto à formação do
excedente, comprovou-se que houve melhoria com aumento da produção e da renda,
gerando excedente para o consumidor e produtor, sendo maior para este último. Quanto
à formação de APLs, ainda é fraco com relação à atividade, entretanto, vislumbra-se
como de grande potencial para ajuste na produção agroindustrial, valorização e
aprimoramento de habilidades produtivas.
Palavras-chaves: Açaí, Excedentes do consumidor e do produtor, Pará, Arranjos
produtivos locais (APL).
1
Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor.
1 | 2525
Atas Proceedings
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
1 INTRODUÇÃO
O açaizeiro (Euterpe Oleracea Mart.) é nativo da Amazônia brasileira e o
estado do Pará é o principal centro de concentração natural dessa palmácea. É na região
do estuário do Rio Amazonas que se encontram as maiores e mais densas populações
naturais de palmeiras do açaí, adaptadas às condições elevadas de temperatura,
precipitação pluviométrica e umidade relativa do ar. Essas concentrações ocorrem em
solo de várzeas e igapós, compondo ecossistema de floresta natural ou em forma de
maciços conhecidos como açaizais, com área estimada em um milhão de hectares
(Nogueira et al, 2005).
Até meados de 2000, grande parte da produção ainda era extrativa, porém, o
processo de industrialização de frutas mudou o cenário, estimulando a evolução para os
plantios racionais em área de terra firme. Com o aumento da demanda interna e externa,
a mudança do padrão agrícola de uma base produtiva extrativa para uma de cultivo
reflete o interesse dos produtores em aumentar a oferta com a finalidade de atrair
agroindústrias de processamento de polpa de frutas. Em 2012, cerca de 96% da
produção de frutos originou-se no extrativismo, enquanto os 4% restantes eram
provenientes dos açaizais manejados e cultivados em várzea e terra firme.
Para Silva et al (2006), a utilização de novas tecnologias de manejo e de
cultivo racional tem sido de fundamental importância para a exploração sustentável da
cultura do açaí, contribuindo para atenuar o déficit de oferta, em face do aumento da
demanda de mercado, visto que tem permitido ganhos expressivos em produtividade,
garantindo renda para produtores e agroextrativistas, além de assegurar, mesmo a preços
mais elevados, o consumo de açaí no estado do Pará.
Neste contexto, a exploração racional do açaí é de fundamental importância
para a economia rural paraense, dado que responde pela sustentação econômica das
populações ribeirinhas, por se constituir na principal fonte de matéria-prima para a
agroindústria de palmito e de produção do vinho de açaí, produto bastante demandado
atualmente. Assim, os frutos do açaizeiro, que até pouco tempo eram destinados,
principalmente, para o autoconsumo, passa a ocupar uma posição preponderante na
renda familiar, representando até 80%, da renda dos caboclos (Lopes, 2001).
Diante do exposto, o objetivo deste artigo foi analisar a distribuição dos
retornos socioeconômicos do manejo do açaí para produção de fruto entre consumidores
2
2526 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
e produtores no estado do Pará decorrente de sua produção organizada em arranjos
produtivos locais (APLs). Para tanto, organizou-se este artigo em quatro seções, além
desta pequena introdução. Na seção dois, discute a base teórica, na terceira, descreve-se
a metodologia. Na quarta seção tem-se a discussão dos resultados e na quinta, procedese com a conclusão.
2 ASPECTOS TEÓRICOS
Para a avaliação dos benefícios socioeconômicos decorrentes da dinâmica da
produção do açaí, foram utilizadas a Teoria do Desenvolvimento Endógeno, com
enfoque nos estudos relacionados ao desenvolvimento regional e local e análise de
Excedente Econômico.
2.1 TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO
As décadas de 1980 e 1990 marcaram uma evolução na teoria do
desenvolvimento econômico, em especial pela falência do modelo fordista de produção
em massa, a qual abre caminho para as discussões em torno das estratégias de
desenvolvimento local, com foco nas aglomerações de empresas em determinado
espaço geográfico.
A globalização e a abertura econômica, verificadas com muita intensidade nos
anos de 1990, impuseram às empresas e regiões um desafio sem precedente no campo
da competitividade. Como forma de adaptação, muitas empresas têm procurado desfazer
e não criar raízes territoriais, visando à busca constante de competitividade através da
procura de subsídios, mão de obra barata e facilidades de mercado (Amaral Filho,
1998).
Podem-se identificar pelo menos cinco fontes estruturais dessa grande
transformação, conforme ainda Amaral Filho (1998): Crise do planejamento e da
intervenção
regionais
centralizadores;
Reestruturação
do
mercado;
Megametropolização; Globalização e abertura dos mercados; e Utilização da tecnologia
da informação e das telecomunicações.
Crise
do
planejamento
e
da
intervenção
regionais
centralizadores:
descentralização político-administrativa, verificado desde o início dos anos de 1980,
implicando a descentralização dos papéis dos atores regionais, das decisões e dos
investimentos. Esse processo gerou maior valorização do território e do poder local em
3
Atas Proceedings | 2527
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
detrimento do poder central. Reestruturação do mercado: a oferta passou a ser orientada
pela redução de custos fixos e pela flexibilidade nas decisões, nas ações e nas formas de
produzir. Como consequência, essas transformações têm demonstrado certo
favorecimento em relação às pequenas e médias empresas. Megametropolização: os
problemas sociais inerentes às grandes metrópoles e à necessidade de ampliação da
oferta de serviços e equipamentos públicos, em escala gigantesca, têm causado crises
financeiras para as administrações públicas. Isso tem estimulado o deslocamento
espacial dos investimentos, geralmente para regiões pouco afastadas dos territórios
metropolitanos e desenvolvidos.
Globalização e abertura dos mercados: o processo de deslocamento de
investimentos e de plantas industriais à procura de fatores de produção competitivos
revela apenas o lado funcional das empresas. Além disso, ocorre o deslocamento da
referência Estado-Nação para a referência território, ou melhor, territórios, processo
esse facilitado pela diluição relativa das fronteiras nacionais. A valorização da
referência território, e de seus respectivos atores, aparece como resposta ou
contrapartida ao processo de globalização e abertura dos mercados nacionais, visto que
as medidas desreguladoras são tomadas em nível macro, mas suas repercussões (boas ou
ruins) se manifestam em nível micro, ou territorial. Por fim, utilização da tecnologia da
informação e das telecomunicações: o uso intensivo de tecnologia da informação e da
telecomunicação implicou a formação de redes de transmissão de dados, imagens e
informações, de tal forma que se passou a relativizar a importância da chamada
distância espacial, fazendo assim emergir um novo conceito, o da proximidade
organizacional, proporcionada pela inserção do indivíduo, empresa ou região nas redes
de comunicação. O impacto disso foi a autonomização de certos tipos de atividades, ou
de certas tarefas empresariais, em relação ao espaço geográfico que abriga a matriz do
grupo ou da empresa em questão.
Durante muito tempo, as políticas de desenvolvimento econômico,
especialmente em países periféricos, caracterizavam-se pelo perfil concentrador,
baseado na grande empresa e nos investimentos estrangeiros diretos, características
estas que guardavam aderências com o modelo de produção fordista. A crise econômica,
que se inicia nos países centrais na década de 1970, e o novo padrão técnico e
4
2528 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
econômico motivaram o esgotamento desse modelo de produção, que se apoiava
fortemente em grandes empresas verticalizadas.
É nesse contexto que se retoma a reflexão sobre as experiências de
desenvolvimento local como forma diferenciada de ajuste produtivo no espaço
territorial. Assim, políticas públicas, voltadas para ampliação da competitividade de
certas regiões, passaram a desenhar ações horizontais tendo como foco, não apenas a
empresa individual, mas também as relações entre as firmas e as demais instituições
situadas em um espaço geográfico delimitado ou em um dado APL, que são
aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais – com foco em um
conjunto específico de atividades econômicas – que apresentam vínculos mesmo que
incipientes.
As políticas de desenvolvimento local, sobretudo as voltadas para a promoção
dos APLs, constituem, uma resposta necessária e imperativa aos principais desafios
impostos pelo novo padrão social e tecnológico de produção e pelas novas estratégias de
desenvolvimento regional endógeno. De fato, em uma economia, cujo principal
elemento de competitividade é a inovação, políticas que estimulem a cooperação, o
aprendizado e o intercâmbio de conhecimento tornam-se significativas para o processo
inovativo e uma resposta lógica às novas necessidades imprimidas pelo padrão de
produção pós-fordista.
Tanto assim que, a definição de Sistema de Inovação - SI está relacionada ao
reconhecimento de que a inovação é um processo interativo e não restrito apenas a
pesquisa e desenvolvimento (P & D). O conceito de SI dá destaque às estruturas
políticas, culturais e institucionais e busca analisar os diversos componentes do sistema
econômico que contribuem para o desenvolvimento de competências voltadas para a
inovação, como, por exemplo, as redes formadas por agentes econômicos (Johnson &
Lundvall, 2005).
No Brasil, essa agenda, especialmente a pautada pelo enfoque neoschumpeteriano, que privilegia o caráter local da inovação e a importância da interação
e cooperação para que o processo de geração e difusão de inovações se intensifique,
desenvolveu o conceito de Arranjos Produtivos Locais como uma extensão do conceito
evolucionista de SI desenvolvido por Freeman em 1988 (Góes & Guerra, 2007).
5
Atas Proceedings | 2529
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
2.2 EXCEDENTE DO PRODUTOR E DO CONSUMIDOR
De acordo com Nogueira (2011), a análise microeconômica se faz necessária
quando se deseja estimar os benefícios socioeconômicos resultantes do progresso
tecnológico na agricultura. Assim, o presente estudo é baseado na teoria marshaliana de
excedente econômico, na qual são importantes os conceitos de demanda e oferta,
excedentes do consumidor e do produtor e elasticidades da demanda e da oferta,
constituindo-se como ferramentas importantes no dimensionamento de benefício total
proporcionado por um determinado bem aos consumidores e produtores.
O excedente econômico (EE) é a medida que agrega o excedente do
consumidor (EC) e do produtor (EP). Esse é calculado através do somatório desses
excedentes conforme a fórmula: EE = EC + EP, onde, em termos conceituais, tem-se
(Pindyck & Rubinfeld, 2002):
a) Excedente do Consumidor (EC): mede o benefício total que os consumidores
recebem além daquilo que pagam pela mercadoria, ou seja, é a diferença entre o
que o consumidor deseja pagar e o que efetivamente paga ao adquirir
determinado bem; e
b) Excedente do Produtor (EP): é a soma das diferenças entre o preço de mercado e
o custo marginal de produção relativo a todas as unidades produzidas pela
empresa.
O equilíbrio da quantidade e do preço maximiza o bem estar econômico
agregado aos produtores e consumidores. E a soma de satisfação obtida com a venda e
compra de um bem gera o conceito de excedente econômico, que para Santana (2005)
nada mais é do que a soma do excedente do consumidor e produtor, que para um
mercado em concorrência pura, representa a eficiência econômica (Nogueira, 2011).
Assim, o excedente econômico é representado no Gráfico 1 como área compreendida
entre as linhas descendentes e ascendentes que representam, respectivamente, a
demanda e oferta de mercado.
6
2530 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Gráfico 1: Representação do Excedente Econômico (produtor e consumidor)
P
D
D'
S0
S1
P0
C
EP
F
B
P1
BSB
A
O
O’
Q0 Q1
QF
Q/t
Fonte: Adaptado de (Pindyck & Rubinfeld, 2002).
No Gráfico 1, o excedente do consumidor é a área entre a curva de demanda e
a linha do preço de mercado (P0D’C). Já o excedente do produtor é a área acima da
curva de oferta até a linha do preço de mercado (O’P0C) antes do deslocamento da
curva de oferta, ou seja, ele representa o benefício de que os produtores com baixo custo
desfrutam ao vender o produto pelo preço de mercado. A área O’P1BA representa o
excedente do produtor após a curva de oferta se deslocar. O Benefício Social Bruto
(BSB), ou benefício total, resultante da adoção de tecnologias para o cultivo de açaí é
dado por O’CBA, conforme Lopes (2001) citada por Silva et al (2006).
Quando combinado o excedente do consumidor com o lucro agregado obtido
pelos produtores, pode-se avaliar os custos e os benefícios de estruturas de mercado
alternativas e de políticas governamentais capazes de alterar o comportamento dos
consumidores e empresas em tais mercados (Pindyck & Rubinfeld, 2002).
A utilização de novas tecnologias de manejo e de cultivo racional tem sido de
fundamental importância para a exploração sustentável da cultura do açaí, contribuindo
7
Atas Proceedings | 2531
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
para atenuar o déficit de oferta, em face do aumento da demanda de mercado, visto que
tem permitido ganhos expressivos em produtividade, garantindo renda para produtores e
agroextrativistas, além de assegurar, mesmo a preços mais elevados, o consumo de açaí
no estado do Pará (Silva et al, 2006).
Por outro lado, a organização da produção do açaí em arranjos locais
proporciona ganhos a comunidade local pelo aumento da oferta e da qualidade do
emprego, agrega ainda com a realização de treinamento da mão de obra, com a melhoria
do nível salarial, com a atração de capital humano qualificado para a região e com a
melhoria da infraestrutura regional e urbana; e o Estado também ganha com a promoção
do desenvolvimento econômico local e regional com o aumento da receita com
exportações, com a diminuição da informalidade, com o incremento da receita tributária
e com o estreitamento de canais diretos com os agentes empresariais e com a
comunidade local (Costa, 2010; IDESP, 2010).
3 METODOLOGIA
3.1 ÁREA DE ESTUDO
A produção de açaí é realizada no Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins,
e, ainda, em países da América do Sul (Venezuela, Colômbia, Equador, Suriname e
Guiana) e da América Central (Panamá), mas ocorre, predominantemente, no estado do
Pará, onde também apresenta as maiores níveis de consumo.
O Mapa 1 mostra a concentração do açaí extrativo do Pará, onde observa-se
que esta se dá, principalmente, na mesorregião do Marajó e Nordeste do estado.
Mapa 1: Concentração da produção extrativa do açaí, no estado do Pará, 2010
Fonte: confeccionado a partir dos dados do IBGE (2012).
8
2532 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
A produção de frutos, que provinha quase que exclusivamente do extrativismo,
a partir da década de 1990, passou a ser obtida, também, de açaizais nativos manejados
e de cultivos implantados em áreas de várzea e de terra firme, localizadas em regiões
com maior precipitação pluviométrica, em sistemas solteiros e consorciados, com e sem
irrigação. A maior parte do cultivo está concentrada em dois municípios do nordeste
paraense, Igarapé Miri e Abaetetuba com 49% da produção.
3.2 DADOS UTILIZADOS
Os dados da produção extrativa foram coletados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e os da produção cultivada da Secretaria de Agricultura
do Estado do Pará (SAGRI). Os preços do açaí foram pesquisados na Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB). As informações sobre salário rural são oriundas
da revista Conjuntura Econômica da Fundação Getúlio Vargas. Os dados da produção
de outras frutas e a renda estadual per capita foram extraídos da tese de doutorado de
Falesi (2008). O modelo de cálculo dos retornos socioeconômicos está baseado na
dissertação de mestrado de Lopes (2001).
A base temporal das informações (produção, área colhida e plantada, preço,
rendimento, etc.) utilizadas sobre o açaí para efeito de estimativa abrange o período de
1990 a 2010.
Demais disso, a questão da produção concentrada que indica a possibilidade de
APLs é verificada neste artigo mediante a análise da produção dos municípios, assim
como outras variáveis ligadas a governança (assistência técnica, crédito, pesquisa, etc),
que indicam fortemente a operação de agentes econômicos operando conjuntamente e
aumentando o valor bruto da produção de açaí, assim como a questão da expansão da
área plantada.
4
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A incorporação do plantio de açaizeiros em Sistemas Agroflorestais (SAFs)
localizados em áreas de terra firme constitui grande inovação no processo produtivo. A
partir da década de 1990, açaizeiros e cupuaçuzeiros foram combinados com outras
culturas perenes, em especial cacaueiro, castanheira-do-Pará, bacurizeiro, uxizeiro e
pequiazeiro, visando, sobretudo, mercados em ascensão e futuros.
9
Atas Proceedings | 2533
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Os arranjos de cultivos mistos de açaizeiro, quando duas ou mais espécies
compõem o sistema agroflorestal, possibilitam situações mais vantajosas que na
monocultura, notadamente quanto à diversificação e distribuição da produção,
racionalização do uso de mão de obra e maior equilíbrio ambiental (Homma et al,
2006).
4.1 AVALIAÇÃO DO BENEFÍCIO SOCIOECONÔMICO DA PRODUÇÃO DO
AÇAÍ NO ESTADO DO PARÁ
A estimativa do deslocador de oferta K, utilizado para o cálculo dos benefícios
sociais, foi de 8,1732 para o ano base de 2000, e foi obtido através da equação K=[(1 –
Q0/QF)/Ɛo], em que Q0 foi estimado a partir dos valores de produção extrativa do IBGE,
que no referido ano foi de 112.676 t.
O valor de QF, que representa o nível de produção do açaí manejado e/ou
cultivado em 2000, foi igual a 156.046 t, e o coeficiente de elasticidade-preço da oferta
de 0,034. Para efeito de análise dos benefícios gerados com a adoção de tecnologias na
produção de açaí frutos, adotou-se como valores iniciais Q0 e P0, a quantidade e o preço
do açaí no ano de 2000. A Tabela 1 apresenta os resultados estimados dos benefícios do
cultivo tecnificado do açaí e sua distribuição entre os consumidores e produtores do
estado do Pará.
Tabela 1: Estimação dos benefícios sociais da adoção de tecnologia no cultivo de açaí no estado do
Pará
Valores em RS 1,00
Ano
Excedente do
Excedente do
Benefício Total
Consumidor
Produtor
2000
405.068
780.608.765
781.013.833
2001
516.781
995.892.422
996.409.203
2002
486.222
937.002.134
937.488.357
2003
386.628
745.072.821
745.459.449
2004
254.200
489.870.764
490.124.964
2005
274.081
528.183.087
528.457.168
2006
317.736
612.312.035
612.629.772
2007
361.419
696.493.772
696.855.191
2008
430.838
830.271.550
830.702.389
2009
409.702
789.540.320
789.950.023
2010
549.485
1.058.915.461
1.059.464.945
Fonte: dados da pesquisa.
10
2534 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Os resultados da Tabela 1 mostram que os incrementos tecnológicos na
produção de açaí apresentaram relações, diretamente, proporcionais aos aumentos nos
retornos para a sociedade. No ano de 2000, incrementos na produtividade resultaram em
um benefício social da ordem de R$781 milhões. Já no ano de 2010, em que a produção
foi da ordem de 724,5 mil toneladas, o retorno bruto para a sociedade foi de mais de um
bilhão de reais.
Observou-se ainda que, comparativamente ao resultado obtido por Lopes
(2001), os retornos para os produtores têm superado o retorno dos consumidores,
contrariando aqueles resultados. Isto se deve em função da mudança na inclinação nas
curvas de demanda e de oferta de açaí, visto que pelas estimativas mais recentes a
demanda apresentou comportamento elástico e a oferta tornou-se mais inelástica a preço
e, nestas condições, tem-se um cenário mais favorável aos produtores que aos
consumidores.
Cabe ressaltar, ainda, que houve uma mudança estrutural da oferta de açaí a
qual, até o ano de 2000, tinha cerca de 95% da produção de açaí do estado do Pará
oriunda do extrativismo e, em 2004, a situação se reverteu com 80% da produção
decorrente do manejo e/ou cultivo (Santana et al, 2008). Já em 2010, essa proporção
passou para 85% de uma produção total de 724,5 mil toneladas.
Desse modo, observou-se que a adoção da tecnologia (manejo de açaizais
nativos e cultivo de açaí em terra firme com utilização de técnicas agronômicas)
aumentou o nível de bem estar da população paraense, tanto para consumidores, quanto
para produtores. Isso decorre da maior oferta do fruto, proporcionada pelo aumento da
produção nos últimos anos, que por sua vez, contribui para aumento da ocupação de
mão de obra no campo e para melhoria na renda dos produtores rurais que trabalham
com a cultura do açaí (Nogueira, 2011).
Vale ressaltar que este cenário é propício para o desenvolvimento de arranjos
produtivos locais através de incentivos por parte dos governos municipais e estadual às
empresas agroindustriais que demandem açaí em fruto como insumo ou mesmo àqueles
produtores rurais e empresas que tenham como atividade o cultivo de açaí em terra
firme, buscando mitigar a defasagem da oferta do fruto em relação à demanda local,
11
Atas Proceedings | 2535
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
nacional e internacional, bem como manter a vantagem competitiva do Pará como líder
na produção do fruto através do incentivo à pesquisa, inovação e desenvolvimento.
O estado do Pará apresenta potencial na formação de aglomerações produtivas
de empresas envolvendo elos das cadeias produtivas de produtos agrícolas (destaque
para os grãos e fruticultura), produtos de madeira e mobiliário, pecuária de corte e leite,
pesca (artesanal e industrial) e turismo ecológico, bem como as agroindústrias de
processamento de produtos vegetal, madeira, animal e couro.
A atividade agroindustrial tem por fundamento a estruturação das cadeias
produtivas em dados locais no estado do Pará, em função da disponibilidade de matériaprima, infraestrutura instalada, disponibilidade de capital humano, organização social,
ação institucional e acesso à tecnologia e aos mercados consumidores.
A identificação dos municípios, onde tais atividades se adensam, torna-se em
ponto de observação para estudos de maior aprofundamento e operação de políticas para
o desenvolvimento local sustentável com base na aglomeração de micro, pequenas e
médias unidades produtivas nos elos de cadeias produtivas com potencial para se
transformar em Arranjos Produtivos Locais (Santana et al, 2010).
4.2 CARACTERIZAÇÃO DO ARRANJO PRODUTIVO DO AÇAÍ NO ESTADO DO
PARÁ
O Gráfico 2 mostra a evolução da produção de açaí extrativo, no período de
1990 a 2010. Ao longo desse período, é possível observar o comportamento a produção
com tendência ligeiramente estável. Entretanto, a taxa de crescimento apresentou
decréscimo a partir de 2002.
Gráfico 2: Evolução da produção do açaí extrativo entre 1990 a 2010.
12
2536 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
160.000
140.000
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: elaborado a partir dos dados do IBGE (2012)
Em 2010, a produção extrativa de açaí do Pará representava 85,65% da
brasileira concentrando-se na mesorregião do Marajó, principalmente nos municípios de
Ponta de Pedras, Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Breves, Anajás e
Afuá (IBGE, 2012). Entretanto, o município de Limoeiro do Ajuru, no nordeste
paraense, apareceu com a maior produção extrativa, cerca de 20% do total, o
equivalente a 20.231 ton. Ponta de Pedras surge na segunda posição com 12% e Oeiras
do Para e Muaná na terceira com 8% cada (Gráfico 3).
Gráfico 3: Participação dos municípios paraenses na produção extrativa de açaí,
2010.
Outros
13%
São Domingos do
Capim
2%
Limoeiro do Ajuru
20%
Barcarena
2%
Magalhães Barata
3%
Ponta de Pedras
12%
Cachoeira do Arari
3%
Inhangapi
4%
Oeiras do Pará
8%
Afuá
4%
São Miguel do Guamá
4%
Muaná
8%
Mocajuba
5%
Igarapé-Miri
5%
São Sebastião da Boa
Vista
7%
Fonte: IBGE, 2012.
13
Atas Proceedings | 2537
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Do ponto de vista da área cultivada, a Tabela 2 e a aponta os 10 maiores municípios
produtores do açaí fruto em área de terra firme:
Tabela 2: Os 10 Municípios de Destaque na Produção de Açaí no Pará, 2008
Município
Produção
Igarapé-Miri
153.000
Abaetetuba
131.250
Cametá
40.544
Acará
39.600
Limoeiro do Ajuru
35.040
Bujaru
30.955
Tomé Açu
24.000
Concórdia do Pará
21.384
Ponta de Pedras
14.991
Oeiras do Pará
14.000
Fonte: SAGRI.,2010.
4.2.1 Crédito
As instituições financeiras oficiais disponibilizam várias linhas de crédito para
atender a atividade produtiva, extrativismo, comercialização e a industrialização da
produção. Os prazos e taxas são compatíveis com a atividade e porte do beneficiário,
além de apresentar carência para iniciar o pagamento do crédito.
O Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), por exemplo,
prover recursos para atividades que agreguem renda à produção e aos serviços
desenvolvidos pelos seus beneficiários. Dentre as finalidades, o programa inclui
investimentos em infraestrutura, que visem o beneficiamento, o processamento e a
comercialização da produção agrícola, de produtos do extrativismo, implantação de
pequenas e médias agroindústrias, isoladas ou em forma de rede, aquisição de
equipamentos e de programa de informática voltados para melhoria da gestão das
unidades agroindustriais, capital de giro associado ao investimento, entre outras. As
taxas variam entre 1% e 2% ao ano com prazo de até 20 anos, beneficiando agricultores
e produtores rurais, bem como suas associações e cooperativas.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) possui
linhas, no âmbito do FINAME Agrícola e BNDES Automático, que podem ser
utilizadas para aquisição de máquinas e equipamentos com taxas de juros atrativas e
14
2538 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
prazo para reembolso do crédito a médio e longo prazo. São recursos públicos a baixo
custo para fomentar a atividade econômica, em especial a industrialização do processo
de produção.
O Plano de Aplicação dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do
Norte (FNO), cuja gestão cabe ao Banco da Amazônia, incentiva a fruticultura
organizada em arranjos produtivos locais, priorizando as micro e pequenas empresas.
Dos R$24,9 milhões aplicados em 2010 na atividade produtiva envolvendo a produção
do fruto e derivados do açaí, o estado do Pará representa em torno de 80%, destacandose os Igarapé-Miri, Alenquer, Barcarena, Abaetetuba e Cametá, reforçando a
participação majoritária da mesorregião Nordeste Paraense nos investimentos na
atividade.
4.2.2 Assistência técnica
A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do estado do Pará
(EMATER) é o órgão responsável em prestar o apoio técnico e especializado na área
rural. Contribui com soluções para agricultura familiar relacionadas à pesquisa,
assistência técnica e extensão rural, estando presente em todo o estado do Pará.
A assistência técnica aos agricultores ribeirinhos mostra-se incipiente em muitos
dos municípios paraenses. Há uma dificuldade conjuntural de oferecer o serviço público
devido ao seu alto custo de manutenção, quando comparado à assistência técnica de
outras regiões. Isto se deve a diversos fatores, tal como a necessidade de meios de
transporte caros para o deslocamento (barcos ou veículos traçados); maior custo de
transporte devido às longas distâncias entre as propriedades; resistência dos técnicos em
trabalhar em condições adversas e pouco confortáveis e limitação dos recursos
financeiros municipais.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Amazônia Oriental
tem pesquisado os sistemas de produção do açaí e promovido seu melhoramento. A
Empresa desenvolveu um conjunto de técnicas para o manejo do açaí nativo,
reconhecidas e aceitas para aplicação em áreas de proteção ambiental. Fez seleção
massal e lançou uma variedade de açaí para cultivo em terra firme, tanto em regime de
produção solteira quanto em consórcios.
O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Pará (SEBRAE-PA) atua
na divulgação do Programa Alimentos Seguros (PAS-Açaí), orientando os batedores
15
Atas Proceedings | 2539
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
artesanais de açaí a controlar e evitar a contaminação na cadeia de produção através da
adoção de boas práticas com instruções que afetam desde o produtor até batedores e
indústrias. Tem o intuito ainda de tirar da informalidade os trabalhadores artesanais
através do incentivo à conversão dos mesmos em empreendedores individuais. A
atuação do SEBRAE-PA é importante para orientar os agentes da cadeia a se adequarem
às regras para manipulação artesanal do açaí impostas pelo governo do estado do Pará
através do Decreto nº 326 de 20/01/2012, que visa melhorar as condições de higiênicosanitárias das unidades processadoras, oferecendo aos consumidores um produto seguro
e com padronização de processamento.
4.2.3 Programas de incentivo e organização da atividade
A instalação de indústrias de processamento no Estado provocou um aumento
dos preços do açaí, o que prejudicou, em certa medida, o consumidor local. Por outro
lado, a maior liquidez do produto e os preços mais altos são positivos para os
agricultores. O mercado é, no geral, dominado por intermediários, com alto nível de
apropriação do lucro e exploração do produtor. As relações entre os agricultores e os
proprietários das terras (de titularidade duvidosa) são assimétricas e têm, no seu centro,
a questão agrária permeando as relações de poder, sobremaneira no arquipélago do
Marajó.
O estado do Pará possui área equivalente a 16% do território nacional. Cerca de
metade desse percentual recebe a influência de marés – são, portanto, áreas do
patrimônio da União, totalizando 8,5 milhões de hectares de áreas de várzeas e ilhas,
dentre elas o Arquipélago do Marajó. Para fazer frente a esta realidade, foi criado o
Programa de Regularização Fundiária de Áreas de Várzeas Rurais. O programa tem a
coordenação da Secretaria de Patrimônio da União – SPU, por meio da Gerência da
Secretaria do Patrimônio da União do Estado do Pará (GRPU/PA). Ao entregar o Termo
de Utilização de Uso às famílias de comunidades ribeirinhas, a União reconhece o
direito à ocupação e possibilita a exploração sustentável das áreas de várzeas. Além
disso, o instrumento representa para a família beneficiada um comprovante oficial de
residência e uma garantia de acesso à aposentadoria, a recursos do Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e a outros programas sociais do
Governo Federal.
16
2540 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
O Plano Nacional da Sociobiodiversidade, sob a coordenação dos Ministérios do
Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e do Desenvolvimento Social, lançado
em julho de 2009, tem por objetivo principal desenvolver ações integradas para a
promoção e fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade, com
agregação de valor e consolidação de mercados sustentáveis. O Programa tem quatro
eixos de atuação:

Promoção e apoio à produção e ao extrativismo sustentável;

Estruturação e fortalecimento dos processos industriais;

Estruturação e fortalecimento de mercados; e

Fortalecimento da organização social e produtiva.
O açaí é uma das cadeias produtivas priorizadas no referido Plano, cujas ações
são convergentes com a proposta aqui apresentada. No escopo das ações do Plano
Nacional da Sociobiodiversidade, o açaí foi incluído na Política de Garantia de Preços
Mínimos – PGPM, um instrumento de sustentação de preço sob a tutela do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e operacionalizado pela Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab). O preço mínimo foi estabelecido em R$0,61/kg do
fruto, com base nos mercados de Igarapé-Miri-PA, Ponta de Pedras-PA e Codajás-AM.
Este preço equivale a R$8,54 por lata de 14 kg.
A aplicabilidade da Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM deverá
encontrar dificuldade face ao alto nível de desorganização do produtor de açaí e ao
baixo acesso a informações. Na medida em que convergirem esforços dos operadores do
Plano Nacional da Sociobiodiversidade e das potenciais instituições parceiras,
aumentam as possibilidades da PGPM beneficiar os agricultores ribeirinhos.
O açaí é uma fruta perecível cujo consumo ou processamento necessita ocorrer
dentro de 24h após a colheita. No Pará e, em especial, nos municípios do arquipélago do
Marajó, as distâncias entre a produção e os principais mercados compradores (Belém e
Igarapé-Miri) são muito grandes. O longo tempo de transporte em embarcações
inapropriadas, sem refrigeração, faz com que o açaí perca em qualidade. Por
consequência, a valorização do produto pelo comprador é inversamente proporcional à
distância. Nas localidades mais remotas do arquipélago é frequente que o produto
apodreça por falta de comprador. Nas ilhas próximas a Belém, ao contrário, o açaí é
muito valorizado. O frete mais barato o torna ainda mais competitivo. A dificuldade de
17
Atas Proceedings | 2541
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
transporte é mais um facilitador para o intermediário que, no caso do açaí, é o dono das
embarcações.
O açaí é um produto sazonal. Na entressafra ocorre desabastecimento ao ponto
de algumas lojas de batedores de açaí, em Belém, fechar temporariamente suas portas. É
um período em que o preço sobe muito e o agricultor poderia ter bons lucros. Mas não
tem o produto. O abastecimento para o mercado de Belém se dá pela produção nas
localidades mais próximas ao Amapá e Maranhão, que têm a safra invertida.
Pelo exposto, não há uma fonte consistente de informações na cadeia produtiva
do açaí. Como o produto não é uma commodity, não há formação de preço em nível
nacional. A CONAB utilizou pesquisa não estatística de três mercados para calcular o
preço mínimo do açaí para adotar na Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM.
Somado a isto, os agricultores e suas (poucas) organizações não têm quaisquer
informações de preço e mercado, ficando à mercê dos intermediários que lhes chegam à
porta. Os técnicos envolvidos não têm meios (tempo, recurso e apoio) para fazer
pesquisas de mercado. As universidades e centros de pesquisa não se dedicam
sistematicamente a esta atividade, tal como ocorre em outras cadeias produtivas.
5
CONCLUSÃO
O consumo de frutas no Pará ainda não é priorizado como gênero de primeira
necessidade, assim, se o bem é inferior ou normal, depende da curva de indiferença
analisada e do nível de renda da população consumidora de frutas.
Dessa forma, é preciso que sejam promovidos programas com o intuito de incentivar
uma reação positiva na demanda e oferta de frutas no estado através de políticas
incrementais, estímulo ao maior consumo de frutas e derivados, despertando o interesse
nas unidades processadoras de frutas em produzir, seja via redução de impostos seja
através da criação de subsídios que estimulem a produção, o beneficiamento e
adequação do processo de comercialização nos vários níveis.
A produção de açaí fruto, até o final da década de 1990, dependia totalmente do
extrativismo, sobretudo em áreas de várzea. O aumento da demanda estimulou a
produção em açaizais nativos manejados e cultivados em áreas de terra firme a partir de
2001, principalmente, em decorrência do consumo em camadas da população de renda
mais elevada tanto no mercado local quanto no nacional e internacional.
18
2542 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Os benefícios socioeconômicos totais gerados através da adoção de tecnologia na
produção de açaí demonstraram que tanto os consumidores quanto os produtores
agregaram excedentes positivos. Entretanto, tais benefícios foram maiores para os
produtores comparativamente àqueles gerados para os consumidores. Isso decorre da
mudança de comportamento da demanda que passou a ser elástica enquanto a oferta
mais inelástica a preço. Além disso, outro fator que contribuiu para tal resultado foi a
insuficiência da oferta, embora crescente no período, frente à expansão da demanda
nacional e internacional.
Sendo assim, os incrementos na oferta com a adoção de tecnologia no sistema de
produção de açaí decorreram pela instalação de agroindústrias em localidades próximas
aos maiores centros consumidores e produtores no estado Pará, o que contribuiu para a
melhoria do bem estar social e econômico da população, em total aderência aos
postulados da teoria de desenvolvimento local, onde a organização do processo
produtivo em arranjos locais proporciona a superação da produção em base familiar,
prover aprendizado e conhecimento.
De tal modo, este resultado sugere que são necessárias políticas como incentivo à
inovação, pesquisa e desenvolvimento relacionadas à produção de açaí e á identificação
de áreas potenciais para a constituição de arranjos locais; realizações de parcerias entre
Instituições como EMBRAPA e SEBRAE orientadas para o desenvolvimento local
sustentável, com base na aglomeração de micro, pequenas e médias empresas com
potencial para se transformarem em APL’s.
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2006). Belém-Pará, 2006.
20
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Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
1
Usina Hidrelétrica de Belo Monte: autoritarismo revisitado sob a
ditadura do capital.
1
Rhoberta Santana de Araújo
Gilberto de Souza Marques
2
Resumo
A ideologia desenvolvimentista disseminada no país a partir da década de 1930,
pautadas no discurso modernizador, expresso na defesa do crescimento econômico do
país via processo de industrialização demarca um período de transformações
significativas na configuração da aliança da burguesia nacional, internacional e o
Estado. O crescimento econômico é objeto de racionalização por meio dos planos,
programas e projetos implantados notadamente a partir da década de 1960. A
Amazônia nesse contexto é inserida na dinâmica do capitalismo nacional e
internacional transformada em fronteira de recursos naturais. Uma das dimensões
desse processo se constituiu no aproveitamento energético das bacias hidrográficas da
região por meio da instalação de Usinas Hidrelétricas. A mais recente obra, objeto de
intensas disputas no campo politico, econômico, ambiental e ideológico é a Usina
Hidrelétrica de Belo Monte, cuja obra civil iniciou em junho de 2011. O artigo
apresentará alguns elementos históricos do discurso e da politica desenvolvimentista
no Brasil, alicerçado na aliança associada e dependente do capital externo. No
segundo momento será apresentado o histórico de implantação da UHE de Belo
Monte. O debate em torno da implantação do empreendimento é antigo e marcado por
embates entre governo, empresariado, movimentos sociais e populações tradicionais.
Palavras chaves: Desenvolvimentismo, Amazônia, UHE de Belo Monte.
1. A geopolítica dependente do Brasil alicerçada do discurso
desenvolvimentista
As profundas alterações na configuração da geopolítica mundial do pósguerra impuseram desafios à organização sociopolítica dos países periféricos.
O avançado processo de industrialização experimentado pelos países centrais
reforçava uma posição hegemônica no cenário mundial dos países centrais e
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA. Integrante do Grupo de
Pesquisa de Políticas do Ensino Superior – GEPES.
2
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do
Pará.
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
2
em larga medida contribuía para influenciar a condução da política econômica
dos países em desenvolvimento dentre eles o Brasil.
Esse período coincide com o fortalecimento do capitalismo na sua fase
monopolista, expressa na formação de corporações e oligopólios e com forte
predomínio do capital financeiro. Observa-se um intenso processo de
movimentação das empresas multinacionais, em busca de novos mercados e
condições mais atraentes de ampliação e concentração do capital.
Florestan Fernandes (2009) analisa de forma precisa na obra Capitalismo
Dependente e Classes Sociais na América Latina como ocorre o processo de
dominação externa nos países latinos. A incorporação desses países ao
espaço econômico, cultural e político dos países hegemônicos que o autor
denomina de “imperialismo total” ocorre por meio da dominação externa a partir
de dentro:
O traço específico do imperialismo total consiste no fato de que ele
organiza a dominação externa a partir de dentro e em todos os níveis
da ordem social, desde o controle da natalidade, a comunicação de
massa e o consumo de massa, até a educação, a transplantação
maciça de tecnologia ou de instituições sociais, os expedientes
financeiros ou do capital, o eixo vital da política nacional etc.
(FERNANDES, 2009, p.27)
Os estudos do referido autor constituem uma referência importante para
compreensão dos limites impostos e aceitos pelos países periféricos que
amargam desde o período de colonização espanhola e portuguesa condições
penosas para superação das crises advindas das distintas fases de
organização capitalista. A integração das economias latino-americanas ocorre
de forma heterônoma, transformadas em fontes de excedentes econômicos e
de acumulação de capital para os países centrais (FERNANDES, 2009)
Os países que conseguiram a partir do século XX implementar ações
sistemáticas que visavam o crescimento econômico, por meio de incentivo da
industrialização e produção de bens de consumo e bens de capital optaram por
uma
associação
dependente
ao
capital
estrangeiro,
quer
empréstimos, quer por meio de transferência de tecnologia.
por
meio
Neste período
ocorre abertura das fronteiras nacionais para instalação de empresas
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Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
3
multinacionais, arregimentadas pela ação do Estado. Ressalte-se que as
políticas nacional-desenvolvimentistas adotadas a partir de 1930 até inicio da
década de 1980 incentivaram a industrialização no país por empresas
nacionais e multinacionais, uma clara aliança da burguesia interna e externa.
Neste período, inaugurado particularmente pelo governo de Getúlio
Vargas a Ideologia Desenvolvimentista é objeto de forte apelo político e
ideológico. A revolução de 1930 expressa a vitória da burguesia industrial,
apoiada por frações da oligarquia agrária. O período demarca o início
alterações estruturais na reprodução do capital capitaneadas por ações
incisivas do Estado na condução do projeto “modernizador” do país.
Os governos que sucederam Vargas se assemelham na política
desenvolvimentista, supostamente orientada para o desenvolvimento do pais,
expressos em melhores oportunidades de trabalho, distribuição de renda, em
suma, na melhoria das condições de vida da população.
A disseminação de
valores nacionalistas via o chamamento dos trabalhadores a cooperar com
superação do atrasado e do arcaico é uma marca emblemática desse período
histórico.
Os planos de desenvolvimento econômico, notadamente a partir da
década de 1950 são utilizados como instrumentos de ação orientada do Estado
para condução do processo de industrialização do país. A visão do
planejamento, enquanto estratégia de racionalização das ações do Estado com
vistas ao desenvolvimento se apresenta como algo inovador. Mais um
instrumento a serviço da ampliação e reprodução do capital, como ficou
evidente no transcurso histórico.
Os Planos Nacionais de Desenvolvimentos (I, II e II) lançados entre
1970 e 1979 e os desdobramentos regionais para Amazônia (Plano de
Desenvolvimento da Amazônia) cumpriam o claro objetivo de consolidação da
burguesia nacional e internacional enquanto classe hegemônica. No caso
particular da Amazônia fica evidente o papel reservado na composição do
capitalismo mundial, constituindo em reserva de recursos naturais (minerais,
agroflorestais e hídricos). Ocorre neste contexto redefinição na estrutura da
divisão internacional do trabalho, com o deslocamento das multinacionais dos
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
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países centrais para os países periféricos em busca de vantagens no processo
de produção, abundância nos recursos naturais, mão de obra barata,
fragilidade nas medidas de proteção ambiental e particularmente fragilidade no
tecido social regional que pudesse representar resistência a imposição do novo
modelo.
No âmbito interno representou a possibilidade de ampliação do capital
excedente no sul-sudeste, que demandava novos campos de atuação. Como
no país o processo de industrialização é caracterizado pela concentração dos
polos de produção nos estados do sul e sudeste a incorporação da Amazônia à
dinâmica nacional representou uma nova etapa na história econômica da
burguesia brasileira.
Dessa forma, o projeto de inserção amazônica na dinâmica capitalista
mundial, arregimentada pelo Estado a partir dos planos de desenvolvimento
atendia a propósitos políticos, ideológicos e notadamente econômicos. A
instalação de grandes empreendimentos no campo da agropecuária, da
extração mineral e de produção energética, por meio de incentivos e isenção
fiscais atenderia no plano do discurso a necessidade de modernização e
desenvolvimento regional, entretanto representaram mais uma estratégia de
reprodução, ampliação e concentração do capital, numa clara aliança entre a
burguesia nacional, internacional e o Estado.
A escolha da Amazônia para realizar a expansão capitalista
não pode fugir dos princípios que o sistema lhe concebe. A
região amazônica, dentro do processo histórico, tornou-se
gradativamente espaço de capitais nacionais e internacionais.
Foi a estratégia política e militar do discurso nacionalista que
proclamava a integração – “integração para não entregar” –
internacionalizando a Amazônia. Esses espaços passaram a
fazer parte do mercado mundial, dentro das perspectivas
capitalistas de reprodução para acumulação. (PICOLI, 2006,
p.51)
A política de incentivo se materializou ainda por meio da construção de
infraestrutura, a exemplo da abertura de estradas, construção de portos,
aeroportos, hidrelétricas. Além da infraestrutura, a concessão de empréstimos
por meio de agências de fomento, a exemplo do Banco da Amazônia e do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico subsidiaram a instalação dos
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empreendimentos econômicos na Amazônia e no estado do Pará. Além da
criação
da
Superintendência
de
Desenvolvimento
da
Amazônia,
em
substituição a extinta SPEVEA, mais uma estrutura ligada a tecnocracia estatal
para contribuir com o desenvolvimento e que acabou sendo palco de abusos e
denúncias de corrupção.
Na contramão do discurso político e ideológico que defendia a instalação
do grande capital na Amazônia, como estratégia para modernização e a
geração de riqueza para a região. Loureiro (2001, p. 61) ressalta que:
Os abusos, as exorbitâncias e o arbítrio desse novo capital na região
são incontáveis: a criação e a recriação do trabalho escravo, a
expulsão e a morte de posseiros, trabalhadores rurais em geral e de
índios; a grilagem de terras; as queimadas; a poluição de rios e lagos e
outros. Contudo, sob a nova ótica desenvolvimentista, eles deveriam
ser entendidos como fenômenos característicos de uma fase do
desenvolvimento amazônico, cuja tendência seria a de desaparecem, a
longo prazo, quando o processo de ocupação/desenvolvimento tivesse
sido completado!
Ao cabo desse processo o estado do Pará arregimenta a instalação e
consolidação de empreendimentos econômicos em messoregiões. Os municípios de
Marabá, Barcena, Tucuruí3, Oriximiná, Paragominas Parauapebas, Canaã dos Carajás
e mais recentemente Altamira4 são sedes de instalação de grandes empresas5. A
instalação dos empreendimentos capitaneados por conglomerados de empresas
constituídas por capital nacional e internacional é cercada de tensões e conflitos,
ações judiciais do ministério público federal e estadual e intensa mobilização de
movimentos e organizações sociais que contestam o modelo desenvolvimentista
A Usina Hidrelétrica de Tucuruí foi construída para atender a expressiva demanda por energia
elétrica da indústria de exploração e transformação de minérios do estado do Pará
3
4
As obras de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte iniciaram no primeiro semestre de
2011, após muita polêmica e batalhas judiciais travadas entre o Ministério Público Federal e a União, que
divergem quanto a viabilidade técnica, socioambiental e a observância dos procedimentos definidos em
lei para construção da obra. A previsão de investimentos na obra é de 40 bilhões de reais.
5
A empresa Vale antiga Companhia Vale do Rio Doce, privatizada em 1996, detêm o capital
majoritário das principais empresas que exploram a extração e produção dos recursos minerais no Estado
do Pará, com atuação nos municípios de Marabá, Parauapebas, Paragominas, Canaã dos Carajás,
Ourilândia do Norte e Oriximiná e até 2010 detinha o capital majoritário da Albrás/Alunorte, complexo
industrial localizado na Vila do Conde, município de Barcarena, vendida para uma multinacional
norueguesa.
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e Desenvolvimento Rural
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imposto e os expressivos impactos socioambientais causados às comunidades.
Adiante, uma obra em particular, será objeto de análise, a construção da UHE de Belo
Monte.
2. Altamira: tensões, conflitos e resistências sob o marco
de instalação da UHE de Belo Monte
O Município de Altamira, fundado em novembro de 1911, está localizado
na Mesorregião do Xingu, com população de aproximadamente 99 mil
habitantes, conforme dados do IBGE, de 2010. As estimativas de crescimento
populacional do referido instituto apresentam uma população estimada de
102.343 mil habitantes em 2012. A extensão territorial é de 161.445, 9 Km². As
dimensões territoriais do Município o colocam na posição de maior município
do Brasil e segundo maior do mundo, ultrapassando países como Portugal e
Suíça.
Altamira guarda especificidades, no processo de ocupação territorial,
que tem no Projeto de Integração Nacional (Decreto-lei n°1.106/1970), lançado
na década de 1970, pelo então Presidente Emílio Garrastazu Médici, seu
marco de institucionalidade. O lema que orientava o projeto – “terra sem
homens para homens sem terra e integrar para não entregar” – expressava o
discurso governamental da necessidade de integração da Amazônia ao
território nacional e à política de desenvolvimento econômico defendida na
época. O início da abertura da Transamazônica – BR 230, em 10 de outubro de
1970, marcou um período emblemático, na história do Município. Além da
integração da região por via terrestre, o programa previa
colonização e
reforma agrária por meio da destinação de 10k de faixa de terra ao longo da
rodovia recém aberta e que mais tarde seria ampliada.
Apesar da baixa densidade demográfica, as terras do Município eram
ocupadas por índios, seringueiros, missionários católicos, fazendeiros e
pequenos comerciantes. O ciclo da borracha, que se intensificou no início do
século XX, atraiu milhares de migrantes, particularmente nordestinos, para
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Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
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atividade de extração de borracha nos seringais. Durante algumas décadas, a
extração da borracha foi atividade econômica importante para o Município.
A economia se baseava em agricultura familiar, pesca, extrativismo, e no
comércio. O Projeto de Integração Nacional demarcou um período de intenso
fluxo migratório, de famílias oriundas de distintas regiões do país, notadamente
das regiões Nordeste e Sul. O processo de ocupação foi marcado por tensões,
conflitos e muita violência, cometida principalmente contra a população
indígena, que resistia contra a ocupação das terras pelos migrantes.
A propalada política de integração aliada a desenvolvimento econômico
representou, na prática, mais um discurso inconsistente do governo militar de
então. As famílias migrantes se submeteram a condições de extrema penúria e
adversidades de toda ordem. A abertura da Transamazônica e o intento
colonizador foram concebidos no cenário de mão de obra excedente do
nordeste e do centro-sul. Dessa forma, a concessão de terras, ao longo da
Rodovia Transamazônica, aos migrantes, atenderia a dois objetivos, conforme
discurso governista: desafogar regiões brasileiras com excedente de mão de
obra e promover a ocupação das terras amazônicas, diante do manifestado
interesse de empresas estrangeiras, notadamente, norte-americanas, na
exploração de recursos naturais dessa região.
A localização geográfica do Município de Altamira, dadas as dimensões
continentais do Estado do Pará e a distância de aproximadamente 800 km em
relação a Belém, associada ao abandono do poder público, impuseram
limitações estruturais intensas ao Município. Serviços básicos, a exemplo de
saúde, saneamento, habitação e educação, foram demandas apresentadas
pela maioria da população que aqui residia e pelos migrantes que chegaram
com a abertura da Rodovia BR-230, e a cujos benefícios não tiveram acesso,
porque não atendidas. Diante desse cenário, os movimentos sociais
começaram a mobilizar-se, notadamente, no final da década de 1980. Nesse
contexto, o Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica e Xingu, com
importante contribuição da Igreja Católica e agricultores, inicia um período de
mobilização política junto ao poder público. A pauta reivindicatória do
Movimento se direcionou à implementação de políticas nos campos social,
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
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econômico e ambiental, que promovessem a melhoria da qualidade de vida da
população.
Os conflitos agrários, com assassinatos de sindicalistas e agricultores, a
exploração desordenada dos recursos naturais, o desrespeito aos direitos
humanos, a violência contra crianças e adolescentes, como os casos das
crianças emasculadas e da rede de pedofilia, são exemplos do cenário de
violência que se instaurou nesse Município e que expressa a cultura da
impunidade que se instalou nessa região, alimentada pela inoperância do
poder público e pela formação de grupos que, pelo abuso do poderio
econômico e político e pelo uso da força, defendiam a manutenção dos seus
interesses.
Importante destacar que, ainda hoje, a ocupação das terras, ao longo da
Transamazônica, tem sido objeto de disputas e embates, nos campos social,
político e ideológico. Os conflitos agrários são ocorrências frequentes.
Pequenos agricultores e extrativistas travam constantes batalhas para ter
garantida a posse de propriedades, diante da investida de posseiros e grileiros,
que utilizam a intimidação e violência na disputa das terras, usadas,
geralmente, para extração ilegal de madeira.
Modelos de desenvolvimento estão em permanente disputa. De um lado,
o modelo que favorece o grande capital, expresso na ampliação da exploração
dos recursos naturais e de mão de obra barata, a despeito dos prejuízos
socioambientais e do agravamento das condições de vida da maioria da
população. De outro, o modelo que defende o desenvolvimento referenciado na
preservação dos recursos naturais, bem como na inserção socioeconômica da
população do campo e da cidade.
Nesse cenário, a construção da Hidrelétrica de Belo Monte reforça os
campos em disputa. As discussões acerca do empreendimento iniciaram, no
final da década de 1970, originadas da conclusão, em dezembro de 1979, dos
Estudos de Inventário da Bacia Hidrográfica do Xingu. Naquela época, a
proporção de impacto da obra, que alagaria uma expressiva área da cidade de
Altamira e aldeias indígenas da região, indicava limitações na viabilidade
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socioeconômica do projeto. O projeto foi engavetado pelo governo federal. No
final da década de 1980, as discussões foram, novamente, retomadas.
O Relatório Final dos Estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia
Hidrográfica do Rio Xingu é aprovado pelo Departamento Nacional de Águas e
Energia Elétrica (DNAEE) em 1988. No ano seguinte aconteceu em Altamira o
histórico encontro dos povos indígenas (I Encontro dos Povos Indígenas do
Xingu), com a presença de várias etnias, movimentos sociais, parlamentares e
representantes do poder público. Na ocasião ocorre o episódio que irá marcar
de modo emblemático a resistência contra a instalação do empreendimento na
bacia do Xingu. A índia Tuíra encosta a lâmina do seu facão no rosto do então
Presidente da Eletronorte José Antônio Muniz Lopes. A cena foi amplamente
divulgada na mídia nacional e internacional. (Instituto Socioambiental, 2013)
No início de 2000, novos estudos de viabilidade técnica, econômica e
ambiental foram realizados e subsidiou a elaboração de novo projeto que,
segundo o governo federal, apresentava menor impacto socioambiental, em
razão da redução da área de inundação. Em 2005, as discussões foram
intensificadas, pois a obra foi incluída no Plano de Aceleração de Crescimento
(PAC), do Governo Lula da Silva, e passa a ser considerada obra prioritária do
Ministério de Minas e Energia, dirigido pela então Ministra Dilma Rousseff. No
mesmo ano, no mês de julho o Congresso Nacional autorizou a construção da
Hidrelétrica é aprovado na Câmara dos Deputados. Desde então, batalhas
judiciais vêm sendo travadas entre o Ministério Público Federal (MPF) e a
Advocacia Geral da União (AGU). O MPF ressalta os impactos que a obra trará
para as populações, particularmente indígena, aponta falhas na condução dos
estudos de impacto ambiental e inobservância dos procedimentos previstos em
lei. Por seu turno, a AGU defende a viabilidade do empreendimento e o
cumprimento dos requisitos legais.
O painel de especialistas integrado por professores/pesquisadores de
renomadas instituições de ensino e pesquisa nacionais e internacionais produziram
em 2009 o Documento “Análise Crítica do Estudo de Impactos Ambientais do
Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte”, resultado da análise detalhada e
confrontação de dados apresentados no Estudo de Impactos Ambientais produzidos
pela Eletrobrás, requisito para obtenção do licenciamento da obra junto ao IBAMA. O
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10
documento elaborado pelos especialistas aponta falhas e inconsistências nos
seguintes aspectos: a) Dados sociais, econômicos e culturais; b) Impactos às
populações indígenas; c) Saúde, educação e segurança; d) Hidrologia da Bacia do
Xingu; e) Viabilidade técnica e econômica não demonstrada; f) ameaças à fauna
aquática; g) ameaças à biodiversidade. (MAGALHÃES; HERNANDEZ, 2009.)
A despeito dos vários problemas apontados por pesquisadores, MPF e
movimentos sociais quanto a viabilidade técnica, econômica e socioambiental
da UHE de Belo Monte, o leilão da obra foi realizado, em 20 abril de 2010, e o
orçamento inicialmente previsto estava na ordem de 19 bilhões de reais,
conforme anunciado pelo governo federal. Entretanto, a iniciativa privada
estima que o custo da obra ultrapasse 28,6 bilhões de reais. A maior parcela do
recurso (80%) será financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Isto é, fundos públicos financiando um
empreendimento executado pela iniciativa privada.
Os movimentos sociais e populares contrários à obra acreditam que os
impactos socioambientais terão um efeito nefasto para a população alcançada.
Ribeirinhos, indígenas e camponeses serão atingidos pela inundação das suas
terras e sumariamente remanejados. A população urbana das cidades das
áreas diretamente afetada e as áreas de influência vêm sendo afetadas pelo
intenso fluxo migratório. O aumento populacional têm criado bolsões de miséria
e pressionando a ampliação da oferta de serviços de interesse público (saúde,
educação, saneamento básico, transporte), além do surto inflacionário
observado nos setores do comércio e dos serviços.
Entretanto, a Norte Energia SA6 demonstra otimismo na condução do
processo. No website mantido pela empresa são apresentados dados
quantitativos sobre o empreendimento. O pico da obra deve acontecer em 2013
com a contratação de 23 mil trabalhadores. Esses números segundo a
empresa revelam a contribuição do empreendimento para a promoção do
desenvolvimento social da região.
6
A Norte Energia SA é composta por empresas estatais e privadas do setor elétrico, fundos de
pensão e investimentos e empresas autoprodutoras e obteve a concessão para construção de UHE de
Belo Monte, com outorga de concessão por 35 anos. (NORTE ENERGIA SA, 2012)
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Os benefícios do projeto Belo Monte transcendem à implantação de
uma fonte de geração renovável e econômica para suprir necessidades
do Estado do Pará, da região Norte e do Brasil. A exemplo de outros
aproveitamentos hidrelétricos, existem benefícios associados à
preservação ambiental de áreas na bacia hidrográfica, além do
aumento dos indicadores de desenvolvimento humano nos municípios
abrangidos. A inserção regional do projeto UHE Belo Monte vai
alavancar o desenvolvimento na região. (NORTE ENERGIA, 2012).
Disponível
em:
http://norteenergiasa.com.br/site/portugues/norteenergia-s-a/ Acesso em 12.03.2012
Entretanto, o clima de tensão é frequente nos canteiros da obra. Desde
o início da construção várias greves foram deflagradas pelos operários, que
reivindicam melhoria nas condições de trabalho e nos salários. A força nacional
se mantém presente nesses episódios, com o claro objetivo de intimidação e
uso da força para conter a resistência. Importante ressaltar a política adotada
pelo Consórcio Construtor de Belo Monte no que se refere à divulgação das
informações à comunidade. Muitos dos episódios ocorridos nos canteiros não
são divulgados pelos meios de comunicação local. As informações acabam
sendo disseminadas por redes sociais e por operários com residência no
município de Altamira.
Demissões sumárias, greves, o silêncio da mídia, o uso da força policial,
acusações de má aplicação dos recursos na obra são alguns elementos que
compõe o atual cenário de construção do maior empreendimento do Programa
de Aceleração do Crescimento do autodenominado governo popular. O mais
recente episódio envolveu a denúncia de tráfico de mulheres, próximo a sítio
Pimental. Um grupo de mulheres, incluindo uma adolescente foi libertado de
uma casa que funcionava como boate. O caso veio a público após a
adolescente conseguir fugir do local e denunciar ao Conselho Tutelar de
Altamira às condições de exploração na qual eram submetidas.
Os graves episódios de violação dos direitos humanos e ambientais são
minimizados pelo discurso governamental para justificar a necessidade da
ampliação da capacidade energética do país, pautado na ideia do “bem
público” e do “progresso” que não podem ser comprometidos por interesses de
grupos minoritários (indígenas, ribeirinhos, camponeses). O desenvolvimento
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e Desenvolvimento Rural
12
do país, neste sentido, estaria diretamente condicionado à ampliação das
reservas energéticas.
Na definição de políticas para o setor elétrico e na tomada da decisão
sobre obras a serem executadas, há que considerar todo um contexto
ideológico dominante no Brasil, que sintetizamos na frase consensual:
“energia é progresso”. A tradição cartesiana tanto de nossas escolas
de engenharia, como as de formação de militares, é outro ponto
relevante. Na prática, essa visão ideológica tem servido como
fundamento para múltiplas decisões. Decisões que não necessitariam
de justificações mais amplas, nem tampouco da aprovação do
Congresso Nacional. (SANTOS; NACKE, 1991, p.49)
Neste sentido, apesar da arquitetura da inserção amazônica na
dinâmica da produção do capitalismo nacional e internacional ter ocorrido de
modo sistemático e planejado nos governos autoritários dos militares, marcado
pelo esvaziamento das estruturas jurídicas e políticas, o reestabelecimento
democrático não expressou alterações no modus operandi quando se trata da
instalação de grandes empreendimentos, a exemplo da Usina Hidrelétrica de
Belo Monte:
Os processos de decisão relativos a obras de infraestrutura, que se
caracterizam como estruturas de acumulação em si, colocam em
evidência e provocam a discussão sobre as condições nas quais as
sociedades democráticas enfrentam pelo menos quatro desafios
interligados: o primeiro diz respeito à utilização das ciências e das
técnicas e da interrelação entre ciência e poder – experts e governo; o
segundo diz respeito à redefinição e/ou construção de um espaço
público, constituído não apenas de técnicos, mas também de homens e
mulheres; grupos sociais, comunidades e povos com histórias e
conhecimentos diversos; o terceiro de confrontar-se com o aparato
legal que rege a tomada de decisão; e, por último, especialmente no
caso brasileiro, o desafio de se interrogar sobre a fidelidade dos
governantes aos princípios democráticos e os mecanismos que a
sociedade dispõe de fiscalização e controle. (MAGALHÃES;
HERNANDEZ, 2009.)
O governo federal manteve posição única em relação ao caloroso
debate acerca da UHE de Belo Monte: a construção iria acontecer! Pautado
sob o argumento da necessidade de energia para conduzir o processo de
desenvolvimento
planejamento
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nacional.
energético
Bermann
no
Brasil
(2012)
é
chama
pautado
na
atenção
oferta,
que
sem
o
um
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
13
questionamento necessário das previsões das demandas futuras. Neste
cenário determinados setores industriais são favorecidos (cimento, ferro-gusa e
aço (siderurgia), ferro-ligas, não ferrosos (alumínio), química, papel e celulose)
Por este desenvolvimento histórico, criou-se um emaranhado de
interesses que não nos permite afirmar que possa existir uma
capacidade previsível de planejamento. Pelo contrário, apenas um
atendimento de cargas futuras, multiplicando o cenário presente para o
futuro muito incerto, diante da complexidade do arranjo de interesses
que estão em jogo. Dentro deste campo estão empreiteiras, indústrias
de equipamentos, geradoras, comercializadoras, agências reguladoras,
grupos políticos e econômicos que conflitam entre si, e disputam com
governos a utilização do discurso da energia para angariar
votos.(BERMANN, 2012, p.16)
Por outro lado, cabe indagar o papel desempenhado pelas
instituições de ensino e pesquisa do país sob o marco da instalação dos
grandes empreendimentos econômicos. Caberia à Universidade tão somente a
função instrumental de formação de profissionais para ocupação dos postos de
trabalho, e desse modo mais uma peça na engrenagem de (re) produção do capital?
Esses empreendimentos repercutem na expansão e no financiamento das atividades
da Universidade? É resguardado a autonomia científica na produção de conhecimento
demandada nos projetos desenvolvidos em parceria com as empresas executoras
desses grandes projetos?
O ideário de desenvolvimento econômico propugnado pelo capitalismo
dissemina o discurso da educação como um importante fator para competitividade e
para o desenvolvimento das economias globais. As alterações nas bases técnicas de
produção, alicerçada na acumulação flexível, na desregulamentação econômica e na
divisão internacional do trabalho difundem um novo perfil do trabalhador, coadunado
com os interesses corporativos e empresariais. Nesta perspectiva, um novo modelo de
educação deve ser incorporado às políticas educacionais como estratégia para
superação dos obstáculos impostos ao crescimento econômico. Neste, contexto,
educação e conhecimento assumem centralidade, como aponta Oliveira (2009, pp.
239-240):
Essa centralidade se dá porque educação e conhecimento passam a
ser, do ponto de vista do capitalismo globalizado, força motriz e eixos
da transformação produtiva e do desenvolvimento econômico. São,
portanto, bens econômicos necessários à transformação da produção,
ao aumento do potencial científico-tecnológico e ao aumento do lucro e
Atas Proceedings | 2557
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
14
do poder de competição num mercado concorrencial que ser quer livre
e globalizado pelos defensores do neoliberalismo. Torna-se clara a
conexão
estabelecida
entre
educação-conhecimento
e
desenvolvimento-desempenho econômico. A educação é um problema
econômico na visão neoliberal, já que ela é elemento central desse
novo padrão de desenvolvimento.
O discurso desenvolvimentista disseminado na atual fase de organização
capitalista nacional, alicerçado em grandes empreendimentos econômicos, com
financiamento advindo em grande medida de recursos públicos impõe um viés
utilitarista e economicista às universidades públicas, coadunado com o processo de
reforma em curso. Assim, pesquisas científicas que se proponham investigar as
mediações e determinações desse fenômeno na configuração universitária são
relevantes. As questões apresentadas demandam a continuidade e aprofundamentos
dos estudos
organização
O discurso desenvolvimentista disseminado na atual fase de
capitalista
nacional
e
internacional,
alicerçado
em
grandes
empreendimentos econômicos, com financiamento advindo em grande medida de
recursos públicos impõe um viés utilitarista e economicista às universidades públicas,
coadunado com o processo de reforma em curso. Assim, pesquisas científicas que se
proponham
investigar
as mediações
e determinações
desse fenômeno
na
configuração universitária são relevantes.
CONSIDERAÇÕES
A construção do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte, a despeito da
polêmica criada, em âmbito nacional e internacional, e das disputas criadas em torno
da obra, é apresentada pelo governo federal como prioritária para o desenvolvimento
do país. Entretanto, as evidências sinalizam que o maior interessado na obra é do
grande capital, representado pelas empreiteiras e os empresários do comércio de
produtos e serviços.
A despeito da constituição de um efetivo debate público, envolvendo as
populações atingidas e a diminuição dos impactos da obra, o que tem se observado é
a constituição de uma superestrutura estatal para blindar a construção da obra,
incluindo o uso da força policial. Além de informações não publicizadas pela empresa
responsável pela construção do empreendimento, criminalização dos movimentos
sociais contrários ao empreendimento e os frequentes episódios de conflito/tensão nos
2558 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
15
canteiros da obra. Outra dimensão, não menos importante, são os impactos
socioambientais
que
ainda
não
podem
ser
adequadamente
dimensionados
considerando o curso do processo.
A Amazônia permanece na condição de subalternidade diante da dinâmica de
ampliação, reprodução e concentração do capital, constituindo em fronteira de
recursos naturais, necessários para o capital industrial e financeiro. Neste sentido
cabe investigar o papel da ciência/saber no atual ordenamento, a forma como as
universidades públicas vem se relacionamento com a instalação dos grandes
empreendimentos na Amazônia e se ocorre alterações na configuração universitária
(autonomia, financiamento).
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energética como paradigma. Novos Cadernos NAEA, Belém-PA, v. 15, n. 1,
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Atas Proceedings | 2559
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
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2560 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
COMERCIALIZAÇÃO DA CASTANHA-DO-BRASIL NAS RUAS E
FEIRAS LIVRES DE BELÉM (PARÁ), BRASIL.
KEPPLER JOÃO ASSIS DA MOTA JUNIOR, economista pela Universidade Federal
do Pará, [email protected];
GISALDA CARVALHO FILGUEIRAS, engenheira agrônoma e doutora em Ciências
Agrárias, professora da Universidade Federal do Pará, [email protected];
ANTÔNIO JOSÉ ELIAS AMORIM DE MENEZES, engenheiro agrônomo e doutor em
sistemas de produção agrícola familiar, analista da Embrapa Amazônia Oriental,
[email protected];
ALFREDO KINGO OYAMA HOMMA, engenheiro agrônomo e doutor em economia
aplicada, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, [email protected];
FRANCIDÉLIA CRUZ RAMOS, economista e mestranda em economia pela
Universidade Federal do Pará, [email protected]
Resumo
Este trabalho teve como objetivo analisar as condições de venda da castanha-do-brasil
ou também popularmente conhecida como castanha-do-pará nas ruas e feiras livres de
Belém. A castanha é um dos principais produtos extrativos da região Amazônica, a qual
desempenha importante papel socioeconômico, por ser geradora de renda a milhares de
famílias, no campo ou na cidade. No âmbito da cidade, o trabalho demonstra a dinâmica
da comercialização e os retornos econômicos que esta castanha está oferecendo tanto
aos vendedores de rua quanto aos feirantes do município de Belém, Pará. Para tanto,
aplicou-se 30 questionários com perguntas semiestruturadas para traçar o perfil destes
vendedores em nível socioeconômico. Os principais resultados mostraram que a maior
parte (76,7%) dos entrevistados migraram do interior para a cidade com perspectivas de
melhora de vida, porém, sem as qualificações necessárias, indicada pela baixa
escolaridade (média de 5,63 anos de estudo), refugiaram-se em trabalhos informais
como a venda de diversos produtos, incluindo a castanha, em feiras e ruas. Sobre a
comercialização do produto, o valor médio de compra foi de R$ 3,17/quilo, enquanto
que o valor de venda da castanha beneficiada (sem casca) ficou em média R$
28,00/quilo, o que influenciou na renda média obtida com a venda do produto (R$
1.314,82/mês) que foi quase duas vezes superior ao salário mínimo brasileiro vigente
(R$ 670,00), demonstrando, portanto, que a venda de castanha é importante para a
reprodução familiar destes vendedores.
Palavras-chave: castanha-do-brasil; comercialização; feiras livres.
Abstract
This study aimed to analyze the conditions of sale of the brazil-nut or also popularly
known as pará-nut in the streets and markets of Belém. This nut is a major forest
products in the Amazon region, which plays an important socioeconomic role, because
it generates income for thousands of families in the countryside or in the city. Within
the city, the work demonstrates the dynamics of the market and the economic returns
that brown is offering both to street vendors as the fairground in Belém, Pará.
Therefore, we applied 30 questionnaires with semi-structured questions to profiling
1
Atas Proceedings | 2561
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
these sellers socioeconomic status. The results showed that the majority (76.7%) of
respondents migrated from the countryside to the city with prospects of improvement of
life, but without the necessary qualifications, indicated by low education (average of
5.63 years of schooling) , took refuge in informal jobs such as selling various products,
including the brazil-nut, in fairs and streets. On the marketing of the product, the
average purchase price was R$ 3.17 / kilo, while the value of sales benefited nut
(shelled) was on average R$ 28.00 / kilo, which influenced the income average from the
sale of the product (R$ 1,314.82 / month) which was almost twice the Brazilian
minimum wage rate (R$ 670.00), showing therefore that the sale chestnut is important
for family reproduction these sellers.
Key words: Brazil-nut; marketing; fairs
1. INTRODUÇÃO
O extrativismo vegetal desempenha importante papel socioeconômico na região
amazônica, pois é responsável pela segurança alimentar e geração de renda a milhares
de famílias que tem na exploração da floresta uma forma de reprodução familiar.
De acordo com a pesquisa Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura
(PEVS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o extrativismo vegetal
compreende a coleta ou apanha, de forma racional, de produtos como madeira, látex,
sementes, fibras, frutos e raízes que permitem a obtenção de produções sustentadas ao
longo do tempo. Ainda de acordo com a PEVS, em 2011, a participação de produtos
não madeireiros na extração vegetal foi 18,8%, totalizando R$ 935,9 milhões.
Na região Norte do país, destaca-se entre os diversos produtos da extração
vegetal a produção de castanha-do-brasil. De acordo com a Organização Não
Governamental World Wild Fund – WWF (2013), a árvore da castanha, mais conhecida
como castanheira, pode ser encontrada nos nove países que constituem a PanAmazônia,
mas, segundo Tonini (2007), a maior parte está distribuída entre Brasil, Colômbia e
Peru que respondem por, aproximadamente, 96% da área plantada. Apesar de também
ser conhecida como castanha-do-brasil, atualmente, a Bolívia é o maior produtor à nível
mundial que suplantou o Brasil a partir dos primeiros anos da década de 2000.
A decadência na produção de castanha começou a partir da década de 1970 com
o projeto de integração nacional adotado pelo Governo da época. Homma (2000: 44)
2
2562 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
considera que nos anos seguintes, a abertura de estradas e, conseqüentemente, a
expansão da fronteira agropecuária levam estas atividades a ocupar as áreas de
castanhais no sudeste paraense, até então o maior produtor nacional.
Atualmente, o estado do Amazonas é o maior produtor do país respondendo por
35% do total produzido á nível nacional, seguido por Acre (33,3%) e Pará (17,1%).
Essa produção está apoiada em grande parte por castanhais extrativos, a despeito da
existência de um plantio pioneiro de 3.000 hectares com 300 mil pés de castanhas
plantados na década de 1980 no estado do Amazonas (HOMMA, 2012).
De acordo com o IBGE, do total de 42.152 toneladas de castanha-do-brasil
produzidas em 2011, o estado do Pará contou com uma produção de 7.192 toneladas. Os
maiores produtores no estado foram: Oriximiná (1.680 ton.), Óbidos (1.225 ton.), Acará
(720 ton.) e Alenquer (710 ton.) que configuraram na lista dos 20 maiores produtores do
Brasil.
Grande parte da produção estadual da castanha-do-brasil segue para a
exportação, outra grande parte segue para as feiras livres das grandes cidades. Deste
modo, este trabalho pretende demonstrar a dinâmica da comercialização e os retornos
econômicos que este produto está oferecendo tanto aos vendedores de rua quanto aos
feirantes do município de Belém, Pará.
De tal modo, este artigo está estruturado em quatro seções, além desta
introdução. Na segunda seção, discute-se a metodologia; na terceira, faz-se uma breve
descrição do mercado de castanha-do-brasil; na quarta, discute-se os resultados obtidos
com a aplicação dos questionários, relativo aos vendedores de castanha e, por fim, temse as considerações finais.
2. METODOLOGIA
2.1 Área de estudo
O município de Belém possui uma área de 1.059,40 km2 e está situado na região
nordeste do estado do Pará. Conta com uma população de 1.393.399 habitantes (IBGE,
2010), chegando a 2.100.000 habitantes em sua região metropolitana sendo, portanto,
3
Atas Proceedings | 2563
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
um local estratégico para onde se escoa grande parte da produção de alimentos do
estado que vão parar em supermercados, feiras ou nas bancas de ruas.
De acordo com dados da Secretaria de Economia do município de Belém
(SECON) em Medeiros (2010), a cidade possui 34 feiras livres legalizadas que contam
com, aproximadamente, 5.000 feirantes, sendo 71,2% desse total cadastrados perante o
órgão. A principal feira da cidade é do Complexo do Ver-o-Peso que concentra 17,5%
dos feirantes da cidade, além de ser considerada uma das maiores feiras livres do Brasil.
Em seguida, aparecem a feira do Barreiro, 25 de Setembro, Parque União e
Entrocamento.
2.2 Fonte e coleta de dados
Coleta de dados foi realizada com vendedores de castanha-do-brasil em feiras e
ruas da cidade de Belém (ver Tabela 1) no mês de janeiro de 2013. Foram aplicados 30
questionários do tipo semiestruturado abordando questões sobre adequabilidade do
local, comercialização da castanha (local de compra, quantidade vendida, procedência
do produto, forma de pagamento e armazenamento, perfil do comprador, período de
safra-entressafra, perdas e preço) além de benefícios financeiros que a castanha está
oferecendo aos vendedores (renda auferida, produtos comprados com o dinheiro do
produto e outras rendas recebidas). As questões foram tabuladas de acordo com as
frequências de respostas, na qual se fez uma análise estatística descritiva.
Dados de origem secundária como quantidade produzida e Valor Bruto da
Produção (VBP) da castanha-do-brasil foram obtidos juntos ao Sistema IBGE de
Recuperação Automática (SIDRA-IBGE) e os valores foram deflacionados e
atualizados pelo IGP-DI, base 2011=100.
4
2564 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Tabela 1: Quantidade de vendedores de castanha entrevistados por feira livre e
logradouro.
Feira Livre
Quantidade de vendedores
entrevistados
% (Total)
Ver-o-Peso
13
43
25 de Setembro
7
23
Entroncamento
5
17
Guamá
2
7
Vendedores de Rua
Quantidade de vendedores
(Logradouro)
entrevistados
Av. Presidente Vargas
Rua Aristides Lobo com Av.
Presidente Vargas
Rua João Alfredo
TOTAL
% (Total)
1
3
1
3
1
3
30
100
Fonte: dados de pesquisa, 2013.
3. MERCADO NACIONAL DE CASTANHA-DO-BRASIL
A quantidade produzida de castanha-do-brasil, em 2011, foi de 42.152 toneladas,
representando um aumento de 4,4% em relação a 2010. Quando comparado ao ano de
1990 que registrou uma produção de 51.195 toneladas a queda foi de 21,5%. Ao longo
do período a produção apresentou média de 31.563 toneladas, desvio padrão de 7.555,6
toneladas e coeficiente de variação de 24%, o que indica alta variabilidade na
quantidade produzida no período.
É possível verificar no Gráfico 1 que, no período analisado, a maior produção se
deu no ano de 1990 com suas 51.195 toneladas e a menor em 1996 com apenas 21.469
toneladas. A partir do ano 2000, a produção comportou-se por volta das 31.852
toneladas (média) e com menor dispersão em relação a esta, indicada pelo seu
coeficiente de variação de 17%. A partir de 2007, verifica-se que a produção tem
crescido ano a ano, especialmente, pelo aumento na quantidade produzida no estado do
Amazonas.
5
Atas Proceedings | 2565
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Gráfico 1: Evolução da quantidade produzida, em toneladas, de castanha-do-brasil no
país de 1990 a 2011.
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
-
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Quantidade Produzida (ton.)
60.000
Fonte: a partir de dados do SIDRA-IBGE, 2013.
Enquanto a quantidade produzida experimenta ciclos de altos e baixos, o Valor
Bruto da Produção (VBP) tem crescido bastante, ainda que tenha experimentado leves
quedas nos anos de 1994, 2003 e 2006 (Gráfico 2). Na comparação do último com o
primeiro ano da série histórica a alta foi expressiva, isso porque, quando deflacionados e
atualizados os valores monetários pré-1994, os números obtidos não são significativos
pelo fato de o real ser mais valorizado que seus antecessores e pela corrosão pela
inflação no período. Sendo assim, vejamos os valores a partir do ano 2000.
Neste caso, tem-se que, em 2000, o VBP da castanha-do-brasil foi de R$ 7.504
mil, enquanto que em 2011 de R$ 69.404 mil, um valor nove vezes maior. O
crescimento do VBP muito acima do observado na quantidade produzida (26%) no
período indica que houve um aumento na procura pelo bem sem que fosse
acompanhado pelo aumento proporcional na sua oferta. Esse descompasso entre oferta e
demanda gerou forte aumento de preços passando o custo médio da tonelada de R$
224,46 em 2000 para R$ 1.646,52 em 2011.
6
2566 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
Gráfico 2: Evolução do Valor Bruto da Produção, em mil reais, da castanha-do-brasil
no país de 1990 a 2011.
Valor Bruto da Produção (mil reais)
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
-
Fonte: a partir de dados do SIDRA-IBGE, 2013.
* Valores deflacionados pelo IGP-DI, base 2011=100.
Apenas sete estados produzem a castanha-do-Brasil (ver Tabela 2) no país, todos
concentrados na Amazônia Legal. Apesar da queda no último ano da série, o maior
produtor continua sendo o estado do Amazonas (ver Gráfico 3) com uma produção de
14.661 toneladas (2011), o que representa 34,8% do total produzido no país. Em
seguida aparecem Acre (14.035 ton.) e Pará (7.192 ton.) com 33,3% e 17,1% de
participação, respectivamente.
7
Atas Proceedings | 2567
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Gráfico 3: Evolução da quantidade produzida, em toneladas, pelos três principais
produtores de castanha-do-brasil no país de 1990 a 2011.
20000
Quantidade Produzida (ton.)
18000
16000
14000
12000
Acre
Amazonas
Pará
10000
8000
6000
4000
0
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2000
Fonte: a partir de dados do SIDRA-IBGE, 2013.
Em termos de produção acumulada entre 1990 e 2011, a produção do Acre e
Amazonas se equivalem (em torno de 60.000 toneladas), o mesmo quanto a média no
período (em torno de 12.000 toneladas). O Pará, que até os anos 1980 foi o maior
produtor nacional, vem registrando crescentes perdas na produção nas duas últimas
décadas e precisa investir em novos plantios, de modo a continuar a ter este produto,
essencial tanto na alimentação local, dado suas propriedades, como para a geração de
divisas, principalmente, através da exportação. Outros estados da região (Amapá, Mato
Grosso, Rondônia e Roraima) pouco contribuem para o total produzido, respondendo
por 15% da produção no ano de 2011. Dentre estes, Rondônia é o único que tem
obrsevado uma média de 3.000 toneladas de castanha nos últimos anos, enquanto que o
restante raramente tem ultrapassado as 1.000 toneladas anuais.
8
2568 | ESADR 2013
Empreendimentos econômicos e população local em regiões de florestas tropicaisP01
4. RESULTADO E DISCUSSÃO
As feiras livres desempenham um importante papel no processo de produção
urbano uma vez que proporcionam parte do abastecimento alimentar destas populações
urbanas. Na cidade de Belém, a maior parte das feiras existe há menos de trinta anos e
estão basicamente localizadas nos bairros periféricos (MEDEIROS, 2010). Essa
dinâmica é resultado do processo de êxodo-rural que o país experimentou nas últimas
décadas e que levou milhões de pessoas do campo para as cidades em busca de
melhores condições de vida. Porém, ao chegar à cidade o migrante sem as qualificações
necessárias e, consequentemente, sem emprego necessita de uma atividade que viabilize
sua reprodução familiar. Neste caso, muitas vezes, pela tradição no campo, a venda de
produtos (hortifrútis, extrativos e outros) na feira pode ser uma opção.
Com relação a isso, verificou-se que 76,7% dos entrevistados nasceram em
cidades que não da Região Metropolitana de Belém, grande parte destes são do interior
do estado do Pará e apenas um é de outro estado (Ceará). A escolaridade média dos
vendedores de castanha nas ruas e feiras livres de Belém foi de 5,63 anos, ou seja, a
maioria não possui o ensino fundamental completo (Gráfico 4). Nos dados
desagregados os vendedores de rua ficaram com média de 3,3 anos e os feirantes de 5,9
anos, o que significa dizer, conforme Gomes et al. (2013) que, de um modo em geral, a
comercialização de produtos em feiras livres é uma atividade pouco exigente quanto à
escolaridade ou qualificação de seus agentes.
Gráfico 4: Anos de estudo dos vendedores de castanha-do-brasil nas ruas e feiras livres
de Belém.
Fonte: dados de pesquisa, 2013.
9
Atas Proceedings | 2569
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
A maioria (43,3%) começou a trabalhar na feira por necessidade, 30% para
ajudar alguém da família, 10% por opção e 16,7% por outros motivos. A média de anos
de trabalho foi de 13 anos, sendo que 43,3% se ocupam com a venda de castanha (e,
muitas vezes, outros produtos) há menos de dez anos, ao passo que 40% trabalham entre
dez anos e 30 anos e 10% levam mais de 30 anos dedicando seu tempo à venda de
castanha, outros 6,7% não quiseram informar a quantidade de anos de trabalho com o
produto.
Quanto às condições do estabelecimento para a venda do produto, todos os
feirantes informaram que a banca é própria, ainda que tenham que pagar uma taxa à
Prefeitura que, em alguns casos é anual (Feira da 25 de Setembro) e outros mensal (Vero-Peso). Outra questão quanto ao estabelecimento foi a adequabilidade do local para a
venda da castanha. Como o Gráfico 5 mostra, 67% dos entrevistados informaram que o
local era adequado para a venda do produto, outros 23% em parte (que inclui os três
vendedores de rua) e 10% disseram que o local não era adequado. Dos que disseram que
não era adequado, um feirante do Ver-o-Peso manifestou que a venda de castanha
deveria ser em local exclusivo como ocorre com outros produtos na mesma feira, isso
porque, a cada ano que se passa cada vez mais vendedores de outros produtos ao redor
migram para a venda da castanha por ser mais rentável disse o feirante. Os outros dois
que responderam negati

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