Monografia Evelyn Ávila - Adoção Intuitu Personae
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Monografia Evelyn Ávila - Adoção Intuitu Personae
EVELYN THOMAZ DE FIGUEIRÊDO ÁVILA ADOÇÃO INTUITU PERSONAE Monografia apresentada ao curso de graduaçãoem Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Karla Neves Faiad de Moura Brasília 2010 Dedico primeiramente a Deus, grande amigo e mestre, que sempre mostra o caminho certo a seguir e por estar ao meu lado sempre. Ao meu amado marido Juliano, pela compreensão, incentivo, carinho, amor e cumplicidade. Aos meus amados pais, Evandro e Ednamar, que sempre me ensinaram e incentivaram a crescer na vida e pelo amor incondicional, amo vocês! A minha irmã, Ethienne, que sempre esteve ao meu lado me ajudando. E aos meus amigos sempre presentes na minha vida. AGRADECIMENTO Agradeço aos meus pais, especialmente minha mãe pela incansável ajuda na correção deste trabalho. A minha irmã pelo auxílio em toda a minha jornada acadêmica. Ao meu querido esposo, pela paciência, especialmente durante toda a elaboração desta monografia. E a minha querida amiga Ana Cláudia, pela amizade e companherismo presentes desde nossa infância. “O maior requisito para adotar uma criança, é a disponibilidade de amar. Ser pai ou mãe, não é só gerar, é antes de tudo, amar.” Vera Helena Vianna do Nascimento RESUMO Referência: Ávila, Evelyn. Adoção Intuitu Personae. 2010. 79. Direito. Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. Este trabalho discorre a cerca da possibilidade da adoção intuitu personae e tem como objetivo mostrar que este instituto é favorável para a criança, em decorrência do princípio do melhor interesse do menor e da afetividade. Essa é uma modalidade de adoção na qual a mãe biológica indica uma família substituta para poder entregar seu filho, sendo assim a criança não precisa passar por abrigos, pois vai direto da família natural para a família substituta, o que então diminui a quebra de vínculos, ou seja, busca-se o que é melhor para o menor. Arrazoa ainda sobre a lei 12.010/09 – Lei Nacional de Adoção, que inseriu em sua redação de forma expressa e específica o procedimento para a habilitação dos pretendentes à adoção, bem como, se deferida a inserção ao Cadastro Nacional de Adoção. Palavras-chave: Adoção intuitu personae. Mãe biológica. Consentimento. Princípio do melhor interesse do menor e da afetividade. Lei Nacional de Adoção. ABSTRACT Reference: Ávila, Evelyn. Adoption Intuitu Personae. 2010. 79. Direito. Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. This paper covers the possibility of adopting intuitu personae and aims to show this institute as favourable for child, over the principle of best interest of minor and affectivity. This is a mode of adoption which the biological mother indicates the substitute family to deliver her child, so the child does not need to go through shelters because they goes from natural family straight to the surrogate family, which then decrements the links break, in other words, search-what is best for the infant. Discusses still about law 12.010/09 – National Adoption Law, which entered into your writing expressly and specifically the procedure for enabling applicants to adoption, as well as whether accepted insertion on Cadastre National of Adoption. Keyword: Adoption intuitu personae. Biological mother. Consent. Principle of the best interest of the minor and affectivity. National Adoption Law. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10 CAPÍTULO I - A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA FAMÍLIA .......................................... 12 1.1. O DIREITO DE FAMÍLIA ............................................................................................ 13 1.2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL .............................................. 14 1.3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA ..... 15 1.3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana............................................................... 16 1.3.2. Princípio da igualdade e respeito à diferença .......................................................... 18 1.3.3. Princípio da liberdade.............................................................................................. 19 1.3.4. Princípio do pluralismo das entidades familiares .................................................... 21 1.3.5. Princípio da afetividade........................................................................................... 22 1.3.6. Princípio do melhor interesse da criança................................................................. 22 1.3.7. Princípio da solidariedade familiar ......................................................................... 24 1.4. ENTIDADES FAMILIARES ........................................................................................ 25 1.4.1. Famílias biparentais e família extensa ou ampliada ................................................ 25 1.4.2. Famílias monoparentais ou natural ......................................................................... 26 1.4.3. Famílias anaparentais .............................................................................................. 27 1.4.4. Famílias pluriparentais, reconstituídas ou recompostas .......................................... 27 1.4.5. Família substituta .................................................................................................... 29 CAPÍTULO II - ADOÇÃO ...................................................................................................... 31 2.1. VISÃO HISTÓRICA ..................................................................................................... 31 2.2. CONCEITO E FINALIDADE....................................................................................... 34 2.3. PROCESSO JUDICIAL E CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO ........................ 35 2.4. REQUISITOS ................................................................................................................ 37 2.4.1. Idade mínima ........................................................................................................... 37 2.4.2. Adoção conjunta ...................................................................................................... 39 2.4.3. Diferença de idade ................................................................................................... 39 2.4.4. Reais vantagens ao menor ....................................................................................... 40 2.4.5. Consentimento dos pais........................................................................................... 41 2.4.6. Estágio de convivência ............................................................................................ 44 2.5. EFEITOS DA ADOÇÃO............................................................................................... 45 2.6. TIPOS DE ADOÇÃO .................................................................................................... 47 2.6.1. Adoção unilateral .................................................................................................... 47 2.6.2. Adoção internacional............................................................................................... 47 2.6.3. Adoção póstuma ...................................................................................................... 49 2.6.4. Adoção à brasileira .................................................................................................. 50 2.6.5. Adoção de nascituro ................................................................................................ 51 2.6.6. Parto anônimo ......................................................................................................... 52 2.6.7. Adoção tardia .......................................................................................................... 53 CAPÍTULO III - DA POSSIBILIDADE DA ADOÇÃO INTUITU PERSONAE ................... 54 3.1. ADOÇÃO INTUITU PERSONAE ............................................................................... 54 3.2. ESTUDO DE CASO ...................................................................................................... 64 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 69 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 71 ANEXO .................................................................................................................................... 79 10 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a possibilidade jurídica da adoção intuitu personae. Mostrando que o benefício desta é, exclusivamente, para o menor. Esta monografia tem ainda como objetivo mostrar suas peculiaridades, apresentando inclusive, quão escasso é de doutrina este tema. A escolha do tema se deu com base na observação e discussão do benefício da adoção para o menor adotando, uma vez que não necessitaria passar por abrigos. No primeiro capítulo será apresentada a evolução que aconteceu nas famílias, base de nossa sociedade, por meio do advento da Constituição Federal de 1988, trazendo-se então a constitucionalização da família, onde ocorreu verdadeira revolução na vida privada, bem como ficou assegurado direitos e deveres iguais tanto para o homem quanto para a mulher. Abordaremos também os princípios constitucionais aplicados às famílias e aos menores, com especial atenção aos princípios da afetividade e do melhor interesse do menor, e ainda as entidades familiares comuns aos dias de hoje. E para o trabalho em questão, será apresentado a família substituta, pois esta é, especialmente, voltada para a adoção. O segundo capítulo discorrerá sobre adoção sob a óptica da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, relatando a evolução que ocorreu no processo de adoção, principalmente com o advento da Lei 12.010/09 e do Cadastro Nacional de Adoção. Serão abordados também os requisitos necessários para a adoção, além dos efeitos trazidos por esta medida, bem como, as várias formas de adoção existentes, sejam elas aceitas ou não pela norma estatutária. E, por fim, o terceiro capítulo abordará o tema escolhido para tal trabalho, qual seja o instituto da adoção intuitu personae, o ato da mãe biológica escolher um terceiro para poder entregar seu filho. Sua legalidade ou não, perante a norma estatutária, bem como, os prós e contras desta modalidade de adoção, baseados em diferentes julgados dos estados da federação brasileira. 11 Esta forma de adotar tem sido uma das mais utilizadas, visto que, não necessita ser inscrito no Cadastro Nacional de Adoção, mas apenas demonstrar vínculo afetivo com o menor, remetendo-se neste caso, ao princípio da afetividade norteado pelo atual direito de família. Por fim, será ainda abordado um estudo de caso baseado no Recurso Especial do STJ nº 1.172.067 – MG (2009/0052962-4), que teve como relator o Ministro Massami Uyeda. O método utilizado neste trabalho foi a pesquisa bibliográfica, no qual se utilizou de ampla pesquisa doutrinária, por meio de livros, artigos, revistas, publicações e textos obtidos de forma eletrônica; por meio de pesquisa jurisprudêncial em diversos Tribunais. 12 CAPÍTULO I - A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA FAMÍLIA A família é considerada a mais antiga de todas as sociedades, seja ela pelo vínculo consanguíneo ou pela afetividade. Em todo caso, o que realmente importa, é que a família seja formada com amor, carinho, respeito e que seus membros se ajudem mutuamente. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald1 afirmam que é no âmbito familiar que se sucedem os fatos elementares da vida humana, desde o nascimento até a morte. Afirmam ainda, que além das atividades de cunho natural, a família é o local mais inventivo que um ser humano pode ter, para as escolhas profissionais e afetivas, além da experiência do fracasso ou sucesso na vida, sejam eles pessoais ou profissionais. Mudança expressiva ao significado de família é que esta deixa de ser considerada como mão de obra para o sustento da casa e para sua sobrevivência, ou seja, ela deixa de ser tida como centro econômico. A procriação também deixa de ser o incentivo fundamental, uma vez que, as famílias se tornam menores e assim já não mais necessitam de força bruta para o trabalho rural. Com a mudança do campo para a cidade a família passa a morar em casas menores, fazendo com que o vínculo afetivo se torne maior em meio àqueles que convivem diariamente, ou seja, a concepção de família passa agora a ser formada por laços afetivos de amor e carinho. Neste pós-modernismo, a família – considerada como fundamento, base da sociedade – muda sua estrutura. Ela já não é mais considerada a única a influenciar os indivíduos que dela fazem parte, mas a própria sociedade já passa a ter grande influência, principalmente porque com o passar dos anos as necessidades sociais mudam, fazendo com que as famílias se adaptem conforme o necessário. Algumas dessas mudanças têm que ver com o enfraquecimento do poder patriarcal, a evolução dos costumes, os avanços da ciência, passando pela revolução feminista, que culminou com a tão sonhada igualdade entre os sexos.2 Dessa forma, observa-se a evolução familiar com o passar dos anos, para se chegar à mistura de modelos familiares dos dias de hoje. 1 FARIAS Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. E atualizada. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. p. 02. 2 PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das Pessoas e das Famílias doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 01. 13 1.1. O DIREITO DE FAMÍLIA “O direito de família é um conjunto de regras que disciplinam os direitos pessoais e patrimoniais das relações de família.” 3 Para Clóvis Bevilácqua4 o conceito de família é bastante específico, é Um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consanguinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente os cônjuges e a respectiva progênie. A evolução do direito na área de família começou em seu surgimento, no chamado período religioso, no qual a Igreja Católica era quem detinha o controle sobre a matéria de fato, ou seja, sobre as famílias. As leis surgidas na época do direito canônico eram inspiradas na vontade de Deus, ou até mesmo no monarca da época. Essas leis eram normas imperativas nas quais eram determinadas e confirmadas com penalidades. O pai e o marido eram considerados como fonte de criação dos direitos na família, e o que estes diziam era norma/lei. Bevilácqua5, no ano de 1954 deu ao Direito das Famílias o seguinte conceito São o complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela, curatela e da ausência. O conceito de Bevilácqua está elencado com o surgimento do direito de família laico, que teve seu início na Constituição de 1889 e em seguida no Código Civil de 1916, nos quais se entendiam que a estrutura de família era apenas a formada pelo casamento, ou seja, por pai e mãe e seus respectivos filhos. Este era um tipo de família patriarcal, na qual o pai exercia todos os poderes sobre a família, em especial sobre sua mulher, além de também ser considerado o único que detinha o direito de ser chefe de família e o único provedor do lar. O matrimônio não podia ser dissolvido, mesmo se isso custasse a felicidade de uma vida inteira do casal. As famílias também não se dissolviam, haja vista que, visava-se à 3 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 33. BEVILÁCQUA, Clóvis. Direito de família. 5ª ed. rev. amp. Campinas: Red Livros, 2001. p. 30. 5 Idem., Código Civil comentado. 1ª ed. 1954, v.2. p. 06. 4 14 formação do patrimônio, para que este pudesse ser transferido aos herdeiros, mesmo se não houvesse afetividade entre eles. Nestes casos, vemos o direito de família ligado ao período religioso com grande influência, mesmo com as alterações que a sociedade havia sofrido. Só eram aceitos os herdeiros que advinham da relação do próprio casal, ou seja, os filhos havidos dentro do casamento. Já os que nasciam de relações extraconjugais tornavamse perante a lei filhos ilegítimos, sendo assim não possuíam direitos. No direito de família laico, o modelo de família patriarcal começou a ser extinto, porém, ainda perdurou por alguns anos. A grande evolução e revolução no direito de família surgiu com as Leis nº 883/496, 4.121/627 e 6.515/778. Esta última lei foi considerada a mais importante para o rompimento definitivo da relação de “poder” que a Igreja detinha sobre as famílias. Com o advento da Constituição de 1988, o direito de família mudou mais uma vez, porém dessa vez passou a ser considerado igualitário e solidário, conforme o art. 226, §5º da própria Constituição Federal de 1988, que diz que “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.” 1.2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL A Constituição de 1988 provocou verdadeira revolução na vida privada, pois com essa atual redação trouxe nova interpretação aos vários ramos do direito, em especial ao Direito de Família. As leis da época eram individualistas, pois se relacionavam com o Estado Liberal, tinham uma visão que prestigiava acima de tudo a liberdade, onde o Código Civil possuía todas as relações jurídicas do direito privado para garantir segurança, passando uma idéia de que ele se bastava em relação às outras leis. Com o Estado social, a forma de pensar sofreu uma mudança. O Código Civil deixou de ser o centro de todas as relações jurídicas e a Constituição Federal passou a ser o começo de todas as leis, derivando dela todas as outras leis. Sem a CF as outras leis não existem, sendo assim, não são válidas. 6 Lei 886/49 – Permitiu o reconhecimento e direitos dos filhos havidos fora da relação matrimonial; Lei 4.121/62 – Estatuto da Mulher Casada, onde a mulher deixou de ser considerada subalterna em relação ao marido; 8 Lei 6.515/77 – Lei do Divórcio, que assegurou que casais separados pudessem casar-se novamente com outros parceiros. 7 15 Com a mudança da Constituição, o direito civil deixou de ser individualista, para ser constitucionalizado. Pela redação da CF/88, a mulher passou a ser igual ao homem em deveres e direitos, inclusive na relação matrimonial. Outra mudança bastante significativa foi a alteração do conceito de família, pois agora não mais se consideram família apenas aquelas advindas do casamento, da relação matrimonial, mas também, as famílias formadas por união estável entre homem e mulher e as monoparentais. A constitucionalização do direito de família trouxe ainda grande mudança em relação aos filhos. Antes só era filho os advindos da relação matrimonial, os concebidos fora dessa relação eram considerados indignos. A nova Carta constitucional modificou esse pensamento quando igualou os filhos havidos ou não do casamento, bem como os adotivos, trazendo para eles os mesmos direitos e garantias, não podendo haver qualquer discriminação. O modelo igualitário da família constitucionalizada se contrapõe ao modelo autoritário do Código Civil anterior. O consenso, a solidariedade, o respeito à dignidade das pessoas que a integram são os fundamentos dessa imensa mudança paradigmática que inspiraram o marco regulatório estampado nos arts. 226 a 230 da Constituição de 1988. 9 De acordo com Paulo Lôbo,10 a Constituição de 1988 promoveu uma das mais profundas transformações de que se tem notícia, isso comparando-a com constituições de outros países. Foi também a mais revolucionária em relação a outras nações quando inovou no direito de família, em especial quando igualou os filhos. 1.3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA “Princípios fundamentais são diretrizes imprescindíveis à configuração do Estado, determinando-lhe o modo e a forma de ser”. 11 [...], os princípios revestem-se de grande relevância, porque marcam, basicamente, todo o sistema jurídico. São as proposições genéricas que informam uma ciência. Enfim, a sua base valorativa. São, portanto, as bases sobre as quais se constrói o sistema jurídico.12 9 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 21. Ibidem. p. 22 e 23. 11 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 493. 12 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 33. 10 16 Entre os princípios, não existe uma hierarquia, nenhum deles é maior ou melhor do que o outro. O que pode vir a acontecer é a existência de dois ou mais princípios em conflito. Neste caso, aplica-se apenas um deles, tendo o outro que recuar (não significando que o que recuar é inválido ao outro). O que acontece então é que deverá permanecer aquele que mais beneficiar a causa. Alguns princípios existentes em nossa Carta Magna são fundamentais para uma boa interpretação do direito, inclusive para o Direito de Família. Com o passar dos anos muitos princípios tem sido reconhecidos que não estão elencados na norma constitucional, estes são então chamados de princípios implícitos. Como bem assevera Maria Berenice Dias13, há ainda os princípios especiais, próprios da relação familiar, que devem sempre servir de norte quando for apreciar as relações familiares. 1.3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado o maior e o mais universal de todos no Estado Democrático de Direito, pois deste irradiam-se todos os demais. Sendo assim, pode-se dizer que este princípio reúne a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais existentes. Tendo também este princípio não apenas finalidades individuais, mas também social econômica e cultural. A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana [...], é irrenunciável e inalienável, e constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado. Ela existe, não apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida em que este a reconhece, por se constituir dado prévio, preexistente e anterior a toda experiência especulativa. A dignidade representa o valor absoluto de cada ser humano [...]. 14 A dignidade é a base do ser humano para todos os valores morais e espirituais, sem um valor que possa ser pago, ou seja, não tem preço que compre a dignidade de uma pessoa, pois essa não é um objeto ou bem em que se põe valor, mas sim, um direito onde não se deve haver violação. 13 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 62. 14 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 16ª ed. rev. atual. e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 695. 17 Moacir Pena Jr. cita a dignidade da pessoa humana como muito importante, mesmo aqueles que não têm consciência do que é ou que não conhecem, merecem tê-la preservada.15 Alguns doutrinadores da área do direito das famílias consideram este princípio ligado diretamente, ou, nas palavras de Maria Berenice Dias16 está umbilicalmente ligado, aos direitos humanos, uma vez que se entende que, o princípio da dignidade da pessoa humana, em uma última análise, significa igualdade para todas as entidades familiares. [...] se é direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna. É direito constitucional do ser humano ser feliz e dar fim àquilo que o aflige sem inventar motivos. Desse modo, também o direito de buscar o divórcio estão amparados no princípio da dignidade humana, nada justificando a resistência do Estado, que impõe prazos e exigir a identificação de causas para pôr fim ao casamento. 17 Além da igualdade familiar, este princípio também está atrelado à criança e ao adolescente, como bem explicita o art. 3º do ECA quando diz que “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana [...]”. Cumpre então salientar que o princípio da dignidade da pessoa humana é o eixo central da formação de uma nova sociedade, na qual esta deverá ser justa e igual, para que então as entidades familiares sejam também justas e iguais, mesmo com suas diferenças. “A dignidade da pessoa humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem”.18 Dentro do princípio da dignidade da pessoa humana, encontra-se um direito constitucional que se pode entender como sendo bastante importante para a existência biológica e principalmente moral de um ser humano, o direito à vida. Este direito é considerado o mais essencial de todos, pois estabelece pré-requisito à existência e o exercício de todos os demais. “A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.” 19 15 PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das Pessoas e das Famílias doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 10. 16 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 63. 17 Ibidem., p. 63-64. 18 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 499. 19 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24 ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.36. 18 Entende-se neste, como o direito em um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, todos os direitos ligados à alimentação, à saúde, ao esporte, a cultura, ao lazer e ao que mais importar, e o mais respeitável para nós: o direito de se viver em família. Quanto à questão do direito à vida, a Constituição protege o adulto e também a criança, ou melhor, protege além da criança, o embrião ainda na barriga da mãe, pois a nossa Constituição protege tanto a vida extra-uterina, como a intra-uterina. Sendo assim, não se aceita em nosso ordenamento a pena de morte, o aborto ou a eutanásia. O Pacto de San José da Costa Rica de 22/11/1969, em seu art. 4º estipula que Direito à vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 1.3.2. Princípio da igualdade e respeito à diferença O princípio da igualdade é adotado pela nossa Constituição para que todos tenham direito ao tratamento idêntico perante a lei, a única exceção é aos casos de desigualdade, pois se trata os desiguais desiguais na medida de suas desigualdades. O princípio da igualdade consagrado pela Constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possa criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social. A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias. Torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. 20 20 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 92-93. 19 A igualdade como princípio, vale também ao direito de família afirmando que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, lembrando também que vale para a sociedade conjugal, ou seja, ambos têm direitos e deveres na relação familiar, assim como preceitua o art. 226, § 5º CF.21 Com o surgimento desse princípio, desaparece a obrigação de que o homem e a mulher tem de viver maritalmente. O direito parental deixa de existir, aquele no qual o pai era o único que detinha o poder de tomar decisões e de sustentar a família. Passa-se agora a serem tomadas as decisões em conjunto, ou seja, em comum acordo entre marido e mulher, companheiro e companheira. A responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente entre o casal22. E quando houver desacordo entre eles, qualquer um poderá recorrer ao juiz para que possa prevalecer sua vontade, no entanto, só poderá acionar o judiciário caso sejam questões relativas aos filhos ou questões relativas ao próprio interesse do casal. Pode- se dizer que essa igualdade vale para os filhos, pois conforme a Constituição Federal em seu art. 227, § 6º e o art. 1.596 CC ambos dizem que: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Em certos momentos há que se falar em desigualdade entre os filhos, porém esse tratamento desigual não significa que os filhos estão sendo discriminados por seus pais, e nem mesmo estes podem ser processados por isso. Esse tratamento, muitas vezes se refere por um dos filhos apresentar necessidades especiais ou ainda porque cada filho tem diferenças individuais que devem ser respeitadas. 1.3.3. Princípio da liberdade 21 Art. 226, § 5º, CF. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 22 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 24ª ed. reform. 2008. p. 20. 20 Liberdade, segundo o dicionário,23 significa direito de proceder conforme nos pareça, contanto que esse direito não vá contra o direito de outrem; condição do homem ou da nação que goza de liberdade; conjunto das idéias liberais ou dos direitos garantidos ao cidadão. O direito à liberdade é inviolável, sendo assegurado a cada uma das pessoas o desenvolvimento da sua própria personalidade, no seio da representação social da família que escolher. 24 O princípio da liberdade veio concretizar uma situação um tanto quanto comum antes da Constituição Federal de 1988, a liberdade de se planejar uma família conforme a decisão do próprio casal, ou da pessoa que deseja formar uma família sem um companheiro. Regulamentou ainda a liberdade de se formar uma família, seja pelo matrimônio ou pela união estável. Assegurando ainda nos casos do matrimônio, qual o regime de bens o casal deseja adotar, podendo ainda haver a mudança posterior. Com o livre planejamento familiar (art. 226, § 7º CF25), a sociedade pôde casar sem que não pudesse se descasar – como era no Código Civil de 1916 – podia-se ter filhos fora da obrigação de se ter uma relação matrimonial (famílias monoparentais) etc. Com relação aos filhos, estes passaram a ter o direito de acima de 12 anos, aceitar ou não a adoção26 e ainda de impugnar o reconhecimento27. O ECA traz consigo a liberdade de opinião e expressão que a criança e o adolescente tem. A liberdade de participar da vida familiar e comunitária sem discriminação, além da liberdade que toda criança tem de poder brincar, se divertir, passear etc.28 Sendo assim, todos tem a liberdade de ir e vir e de fazer de suas relações familiares um local seguro, conforme eles mesmos moldaram, sem a intervenção do Estado no seio particular. 23 DICIONÁRIO PRIBERAN DA LÍNGUA PORTUGUESA. Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=liberdade>. Acesso em 24 ago. 2010. 24 PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das Pessoas e das Famílias doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 15. 25 Art. 226, § 7º CF. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. 26 Art. 28, § 2º ECA. Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. 27 Art. 1.614 CC. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação. 28 ARNS, Flávio. Estatuto da Criança e do Adolescente. 2004. p. 03. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senadores/senador/FlavioArns/docs/DOCUMENTO%20COMPLETO%20%20Estatuto%20da%20Crian%C3%A7a%20e%20do%20Adolescente.pdf>. Acesso em 15 out. 2010. 21 1.3.4. Princípio do pluralismo das entidades familiares Nas constituições anteriores não se previam outras formas de família a não ser a família formada única e exclusivamente pelo matrimônio. Sendo então as demais entidades familiares consideradas inexistentes. Entretanto, a vida moderna veio por um fim a este tipo único de família matrimonializada, vindo então a existir novas formas de entidades familiares, surgindo então o pluralismo das famílias. A título de lembrança apontou-se como um dos princípios constitucionais gerais do Direito de Família aquele referente ao pluralismo democrático, a evidenciar a substituição do modelo monolítico de família matrimonial pelo modelo plural e democrático das entidades familiares, especialmente a partir da normativa constitucional de 1988. Além do expresso reconhecimento do casamento (art. 226, §§ 1º e 2º), a Constituição Federal de 1988 também identificou o companheirismo e a família monoparental como entidades familiares [...]. Pelo mesmo princípio do pluralismo das entidades familiares, admite-se que não apenas pessoas casadas, mas outros casais informalmente unidos, ou mesmo pessoas sozinhas possam adotar [...].29 Esse pluralismo familiar adveio em especial da Constituição Federal de 1988, onde diz em seu art. 226, caput e §§ 3º e 4º 30 que a família – sem nenhum conceito explícito para o significado de família – é a base da sociedade e que a união estável entre homem e mulher é reconhecida, e ainda que a entidade familiar formada por qualquer dos pais e seus descendentes também é considerada família. Por esse princípio, não se permite a exclusão de qualquer forma de representação social da família, assegurando-se o reconhecimento e a proteção estatal a todas. 31 29 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de Família, Guarda Compartilhada à luz da Lei nº 11.698/08 Família, Criança, Adolescente e Idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135. 30 Art. 226, § 3º CF. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Art. 226, § 4º CF. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. 31 PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das Pessoas e das Famílias doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 15. 22 1.3.5. Princípio da afetividade Além dos princípios já citados, existe ainda o princípio da afetividade. Princípio este que, segundo Maria Helena Diniz, “é à base do respeito à dignidade humana, norteador das relações familiares e da sociedade familiar.” 32 Ou seja, os laços do afeto e da solidariedade derivam da convivência, e não necessariamente dos laços sanguíneos. [...] Assim, a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família, [...] 33 Este princípio surge com o intuito de abranger decisões nas quais não existem previsões legais no âmbito da família. Além de também ser o responsável por teses ainda inexploradas, nas quais o legislador muitas vezes se mantém inerte em suas decisões por não possuir uma legislação que se aplique ao caso em julgamento. Moacir Pena Jr.34 diz que, afeto é fundamental para que as relações familiares sejam bem sucedias e para que possam prosperar, além de ser considerada como base da formação familiar. Em especial porque antes da vigência da CF/88, que prevê as várias entidades familiares e consequentemente o afeto, as famílias eram consideradas como centros econômicos feitos para a reprodução. Este princípio traz consigo a concepção de família de acordo com o meio social, ou seja, a família não necessariamente será aquela consanguínea, podendo também ser a que se encontra a parentalidade socioafetiva, que inclusive pode vir a predominar sobre aquela, pois essa parentalidade socioafetiva se constitui em modalidade de parentesco civil. 1.3.6. Princípio do melhor interesse da criança Há ainda o princípio do melhor interesse do menor descrito na Constituição Federal em seu art. 227, caput 32 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 24ª ed. reform. 2009. p. 28. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 71. 34 PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das Pessoas e das Famílias doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 10. 33 23 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O Código Civil também disciplina o assunto. Estes artigos estão em consonância e aplicam esse princípio tentando buscar a proteção integral ou o melhor interesse do menor, conforme se resguarda o manto constitucional. O art. 3º do ECA35 reforça a idéia de proteção à criança e ao adolescente. Este princípio foi reconhecido pela Convenção Internacional de Haia. Os artigos acima citados do Código Civil tratam do melhor interesse do menor quando da dissolução da sociedade conjugal – algo bastante comum nos dias de hoje –, ou seja, será acordado em relação à guarda o que for melhor para o filho. Nos casos de divórcio consensual o casal decidirá em comum acordo a respeito dos filhos, em especial sobre a guarda, já no divórcio litigioso, será decido a guarda dos filhos em favor daquele genitor que melhor tiver condições de exercê-la.36 O princípio do melhor interesse significa que a criança – incluído o adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança – deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade.37 No Código Civil de 1916 a culpa influenciava na decisão de quem ficaria com a guarda dos filhos, não importando quem tinha melhores condições de criá-los. Já com o advento do Código Civil de 2002 e a CF/88, o que importa é o melhor para a criança, e não mais para os pais ou a culpa que cada um deles tem.38 Segundo este princípio, sempre deverá ser levado em conta o que é melhor para a criança ou adolescente, conforme podemos citar em muitos casos famosos que a criança foi colocada em local que lhe era considerado melhor. Como exemplo Moacir Pena Jr. cita o filho de Cássia Eller, Chicão, que quando do seu falecimento permaneceu morando com a 35 Art. 3º ECA. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 36 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 70. 37 Ibidem., p. 69 e 70. 38 Ibidem., p. 70. 24 companheira de Cássia, Maria Eugênia Vieira Martins, a quem também considerava sua mãe, e então conforme entendimento do juiz esta era a melhor opção para o menor.39 1.3.7. Princípio da solidariedade familiar O princípio da solidariedade familiar diz respeito a todos os membros da família. A esta solidariedade acrescenta-se também os casos nos quais se tem a obrigação de prestar alimentos, tanto dos pais em relação aos filhos como o contrário. O princípio da solidariedade se vincula necessariamente aos valores éticos do ordenamento jurídico. A solidariedade surgiu como categoria ética e moral, mas que se projetou para o universo jurídico na representação de um vínculo que compele à oferta de ajuda ao outro e a todos.40 Preleciona Paulo Lôbo41 que o princípio da solidariedade no núcleo familiar, passou a existir quando da superação do individualismo vivenciado pelas famílias. E conforme Maria Berenice Dias,42 os arts. 22943 e 23044 CF/88 quando tratam da imposição ao dever de assistência dos pais em relação aos filhos e do amparo às pessoas idosas, esses artigos tratam da solidariedade. Aproveita-se a lei da solidariedade no âmbito das relações familiares. Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação (CF 227).45 39 PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das Pessoas e das Famílias doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 17. 40 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de Família, Guarda Compartilhada à luz da Lei nº 11.698/08 Família, Criança, Adolescente e Idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 74. 41 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 56. 42 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 67. 43 Art. 229 CF. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 44 Art. 230 CF. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. 45 DIAS, op. cit., p. 67. 25 Por fim, vale frisar que o princípio da solidariedade familiar também implica respeito e consideração mútuos em relação aos membros da família.46 1.4. ENTIDADES FAMILIARES 1.4.1. Famílias biparentais e família extensa ou ampliada O art. 25 do Estatuto da Criança e Adolescente traz em seu caput entre outras definições, a de família biparental como sendo a formada pelos pais.47 Entretanto, neste conceito não está elencado apenas a definição da família formada pelos pais e filhos biológicos, entende-se também no sentido das famílias socioafetivas. Ou seja, não significa que somente os filhos biológicos entram juntamente com seus pais nesse contexto, mas até mesmo os adotivos. A família extensa ou ampliada é aquela na qual o casal vive com seus filhos, porém, não são só eles. Neste caso, vivem juntos também os avós, tios, tias, primos etc., sendo assim, o que vale é o vínculo de afinidade e afetividade com o qual os entes desta família terão entre si.48 Neste sentido, o art. 25, parágrafo único do ECA traz que: Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. “[...], representa uma forma de família baseada na socioafetividade e no eudemonismo que, além do reconhecimento na legislação ordinária, apresenta-se como uma forma constitucionalmente assegurada de arranjo familiar.” 49 46 TARTUCE, Flávio. Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro. p. 07. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos/Tartuce_princfam.doc>. Acesso em 25 ago. 2010. 47 Art. 25, caput ECA. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. 48 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010. p. 74. 49 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 29. 26 Pode-se ainda considerar que a família extensa ou ampliada venha se tornar em parte família recomposta. Entra ainda neste contexto o padrasto ou a madrasta e o enteado (sendo que nesse caso, mesmo após a separação dos pais os mesmos venham a permanecer unidos em família), e ainda os avós que criam seus netos. Formando em todos esses casos uma grande família. 1.4.2. Famílias monoparentais ou natural A expressão natural tem o único intuito de diferenciar esse grupo familiar da família substituta, não havendo qualquer diferenciação sob o ponto de vista do vínculo eventualmente existente entre os pais: se casados, solteiros, viúvos, separados, divorciados. Nada tem o condão de afastar a incidência da expressão.50 “Entende-se também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (art. 226, § 4º CF). O art. 226, § 4º da CF51, bem como o art. 25, caput do ECA52 trazem o conceito de família natural, sendo esta a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.53 As famílias monoparentais são constituídas por um dos pais e seus filhos, sejam estes filhos biológicos ou não. O principal motivo desse tipo de família existir é pelo crescente número de pais solteiros que criam seus filhos sozinhos. Entretanto, há ainda os casos em que as famílias se tornam monoparentais por causa da separação dos pais ou ainda pela viuvez por parte de um dos genitores.54 A família monoparental é considerada mais frágil frente aos outros tipos de entidades familiares, uma vez que, quem vive sozinho com sua prole tem encargos redobrados e precisa além de cuidar dos filhos e da casa, trabalhar para o sustento dos mesmos. Sendo assim, entende-se que há uma diminuição natural na renda econômica da família. 50 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 30. 51 Art. 226, § 4º CF. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. 52 Art. 25 ECA. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. 53 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 74. 54 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 213. 27 Para estes casos é necessário proteção especial do Estado, criando-se meios de privilegiá-los por meio de implementação de políticas públicas, como proteção ao bem de família e vantagens para a aquisição da casa própria por haver apenas uma fonte de renda. 1.4.3. Famílias anaparentais Na família anaparental inexiste ancestralidade e não é reconhecida como entidade familiar, entretanto é bastante comum. Esse tipo de família é formada por irmãos que vivem juntos, ou seja, que convivam sob o mesmo teto, sem os pais ou outros parentes. Mesmo não sendo considerada entidade familiar, há que se levarem em consideração os direitos e deveres desses irmãos que moram juntos, tais como obrigação de prestar alimentos, parentesco etc., além de ser possível um irmão requerer a guarda de outrem, sendo este ainda menor. A título de exemplo, tem-se: irmãos que com seus esforços ao longo dos anos adquiriram patrimônio pra si, e com o falecimento de um deles a metade correspondente ao de cujos vai pra o irmão sobrevivente que o ajudou a constituir patrimônio.55 1.4.4. Famílias pluriparentais, reconstituídas ou recompostas No mundo atual, onde o casamento já não é mais considerado como indissolúvel, as famílias pluriparentais tem sido uma realidade crescente, posto que as relações frustradas resultem em separação.56 Entretanto, mesmo com a separação, os cônjuges – que agora estão novamente sozinhos – tendem a tentar novos relacionamentos, que normalmente resultam em novos casamentos ou em uma união estável. Desse novo relacionamento, surgem as famílias pluriparentais, onde pelo menos um dos interessados na nova família traz consigo filhos advindos da união anterior ou até mesmo 55 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 48. 56 Ibidem., p. 49. 28 relações jurídicas decorrentes de outra relação familiar, como é o caso de um pai que paga pensão alimentícia ao seu filho. Podem-se extrair da normativa constitucional, portanto, algumas espécies de família, ora fundadas nas uniões entre pessoas até então não vinculadas no Direito de Família (casamento, companheirismo e adoção), ora baseadas nos vínculos originários de Direito de Família (parentesco natural, decorrente de um dos seus fundamentos, a saber, a consanguinidade).57 É dessa entidade familiar que surgiu o famoso ditado “os meus, os seus, os nossos...”, uma vez que na nova família se junta os filhos de um com os filhos do outro, além de muitas vezes ainda nascerem os filhos dessa nova relação. Mesmo com a nova família constituída, o genitor que não detém a guarda do filho, não deixa de ser o pai – ou mãe – da criança, visto que, o novo companheiro ou companheira não poderá tomar o lugar que é de direito do pai biológico. As decisões concernentes à criança serão exclusivas dos pais biológicos do menor, ou seja, o padrasto ou madrasta não poderá tomar as decisões relativas aos filhos de seu companheiro. É nesse sentido, que o direito brasileiro desconhece essa entidade familiar, dando a entender que esse tipo de família muitas vezes é tido como invisível. Porém, para os casos de impedimento de casamento entre os parentes desse núcleo familiar o Código Civil de 2002 não se quedou inerte. O art. 1.595 diz que: Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Entretanto, não há que se falar apenas no impedimento que a lei prevê. A Lei 8.112/90 em seu art. 21758, diz que o filho ou enteado do servidor público tem direito a pensão previdenciária até os 21 anos ou enquanto durar a invalidez para os inválidos. Há ainda a Lei de Registros Públicos que afirma que o enteado ou enteada que tiver motivo ponderável poderá requerer ao juiz que acrescente no registro de nascimento o sobrenome do padrasto ou 57 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de Família, Guarda Compartilhada à luz da Lei nº 11.698/08 Família, Criança, Adolescente e Idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135. 58 Art. 217 Lei 8.112/90. São beneficiários das pensões: I - vitalícia: a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez. 29 madrasta, porém não poderá haver prejuízo do seu apelido de família (Lei nº 11.924/09 que acrescentou ao art. 57 da Lei nº 6.015/73 o § 8º 59).60 1.4.5. Família substituta É aquela família que se propõe a acolher uma criança ou adolescente que por algum motivo não faz parte de sua família natural, dando-lhe amor, carinho, educação, lazer, cultura, alimentação, segurança etc. Nos termos do ECA, a colocação em família substituta se dá pela guarda, para quando for provisória; tutela, quando temporária ou adoção, para os casos definitivos. Portanto, esta criança (ou adolescente) vai passar a ser membro desta família que generosamente a acolhe, que livremente a quer entre os seus, dispensando-lhe tudo de que precisa, sobretudo, amor. Em se tratando de adoção, passará a ter todos os direitos e deveres do filho de sangue. Até porque, tanto a Guarda como a Tutela podem ser revogadas, mas a Adoção é para sempre. 61 Segundo Guilherme Calmon,62 a família substituta é aquela que se forma a partir da impossibilidade, mesmo que momentânea, de a criança ou adolescente permanecer junto à sua família natural. Nos casos em que se saiba de parentes do menor e que se conhece a localização destes, deverá ser feito o contato com os mesmos para ver a possibilidade de guarda por estes, uma vez que o grau de parentesco é levado em consideração. Afinal uma criança se adapta melhor com parentes seus do que com pessoas estranhas, nunca vistas antes. Caso os familiares encontrados não possuam interesse na criança, aí sim esta será posta para a adoção (famílias substitutas). 59 Art. 57,§ 8º Lei 6.015/73. O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. 60 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 50. 61 DAHER, Marlusse Pestana. Família Substituta. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1655>. Acesso em 19 ago. 2010. 62 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de Família, Guarda Compartilhada à luz da Lei nº 11.698/08 Família, Criança, Adolescente e Idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 34. 30 Veja-se o § 3º do art. 2863 do Estatuto diz que na apreciação do pedido de colocação em família substituta deve ser levado em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade da pessoa em desenvolvimento com os novos membros do novo núcleo familiar, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida [...].64 Pela própria norma estatutária, os irmãos colocados para a adoção, tutela ou guarda, deverão ser mantidos juntos, com o intuito de se preservar o vínculo existente entre estes, ou seja, não se permitindo o rompimento do vínculo fraternal. Apenas em casos extremos onde se comprove a existência de risco de abuso ou de qualquer outra situação que justifique tal excepcionalidade, é que será aceito o rompimento do vínculo existente entre irmãos. Há ainda outro ponto a ser levantado para a colocação em família substituta. Caso a criança seja maior de doze anos de idade, esta deverá ser ouvida, pois é necessário seu consentimento, sendo este colhido em audiência (art. 28, §2 Lei 8.069/9065). Para as crianças que vivem em comunidades indígenas ou em quilombos, ou ainda que tenham uma cultura fortemente enraizada, estas deverão ser postas em famílias substitutas dentro da própria comunidade na qual vivem, para que não haja ruptura da cultura na qual o menor nasceu, vindo assim, a preservar os costumes e tradições existentes. Quando a criança ou adolescente for inserido na família substituta, não mais se admitirá a transferência do menor para outra família. 63 Art. 28, § 3º ECA. Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida. 64 GAMA, op. cit., p. 35 e 36. 65 Art. 28, § 2º ECA. Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. 31 CAPÍTULO II - ADOÇÃO O dicionário de brocados jurídicos de Dirceu Rodrigues66 diz que adoção é o ato solene pelo qual se admite em lugar de filho aquele que pela natureza não é. Para o Superior Tribunal de Justiça,67 a adoção é para a sociedade, um ato de amor incondicional. E para o direito brasileiro, é um ato jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas; um ato que faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa. 2.1. VISÃO HISTÓRICA No antigo direito greco-romano a adoção valia apenas para aqueles que não possuíam filhos biológicos, para que estes pudessem dar continuidade ao culto aos deuses familiares ou deuses-lares.68 [...], havia dois tipos de adoção: a) a ad rogatio, porque o adotante era consultado (rogatus), isto é, era interrogado se queria que o adotando fosse seu filho legítimo, e o adotado era interrogado sobre se consentia, além da aporvação do populus, reunido em comício, presidido por um pontífice [...]; b) a adoptio, ou adoção propriamente dita que chegou até nós, aplicável ao alieni iuris, ou seja, àquele que estava sob a potestas de algum ascendente, e que se fazia perante um magistrado, cedendo-se o filho em adoção a um ascendente (exemplo, avô) ou a estranho.69 Nesses tipos de adoção, a idade mínima para o adotante era de 60 anos70. A diferença de idade entre o adotante e o adotado deveria ser de pelo menos 18 anos. “Destas características percebe-se que a adoção era concedida tão somente para atender aos interesses dos adotantes.” 71 66 RODRIGUES, Dirceu A. Victor. Dicionário de brocardos jurídicos, p. 22 apud PEDROSO, Silvia Coutinho. A possibilidade jurídica da adoção por pares homoafetivos. Disponível em <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=38.43>. Acesso em 15 set 2010. 67 Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ. Questões sobre adoção têm decisões inéditas no STJ. Disponível em <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=91564>. Acesso em 20 set 2010. 68 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família, volume 6. 10ª ed. São Paulo: Atlas. p.275. 69 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 272. 70 VENOSA, op. cit., p.277. 71 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 42. 32 A mulher não podia adotar, esta era uma faculdade apenas do homem, uma vez que, nem os filhos naturais se achavam sob o poder daquela. A única exceção para estes casos era por indulgência do príncipe, quando a mulher havia perdido os filhos, de modo a consolá-la poderia então adotar72. No Brasil, as Ordenações Filipinas praticamente nada diziam a respeito da adoção, apenas se referiam à confirmações de perfilhamento, e que se baseavam no direito romano. Com o Código Civil de 1916 passando a secularizar a vida familiar é que a adoção passou a ser disciplinada de forma sistemática. O Código previa que apenas aqueles que não possuíam filhos biológicos ou que não fossem capazes de tê-los de forma biológico-sexual é que poderiam adotar uma criança. Sendo assim, o Código Civil de 1916 previa apenas a adoção simples, aquela em que se podia adotar tanto maiores como menores. Sucede que existiam requisitos a serem cumpridos para tal adoção ocorrer tais como apenas os maiores de 30 anos poderiam adotar; ou só poderiam adotar pessoas que fossem casadas, caso não o fosse não poderia. O vínculo criado a partir da adoção se estendia apenas ao adotante e adotado, ou seja, a família do adotante não possuía nenhum vínculo com o menor, porém este vínculo se rompia quando da morte do adotante, sendo assim o adotado não possuía nenhum direito sobre a herança do falecido. A Lei 4.655/1965, introduziu outro tipo de adoção no ordenamento jurídico, a legitimação adotiva. Esta dependia de uma decisão judicial, bem como era irrevogável, além de cessar o vínculo de parentesco com a família natural.73 Com a criação do Código de Menores (Lei 6.697/79) passou a existir a adoção simples74 e a adoção plena75 conforme o art. 17, IV e V76 da referida lei. O vínculo de parentesco – além de ter se rompido com a família natural – passou também a se estender a 72 JUSTINIANO. Instituições de Justiniano. Trad. Sidnei Ribeiro de Souza e Dorival Marques. Curitiba: Tribunais do Brasil, 1979. p. 25-7 apud VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família, volume 6. 10ª ed. São Paulo: Atlas. p. 273. 73 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 475. 74 A adoção simples aplicava-se a menor em situação irregular e dependia de autorização judicial, mas era realizado através de alvará e escritura, que serviria para averbação no registro de nascimento do menor. PAIVA, João Pedro Lamana. Adoção judicializada: registro e averbação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id236.htm>. Acesso em 20 out. 2010. 75 Já a adoção plena atribuía a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. Sua aplicação era restrita a menores de até sete anos de idade, que também se encontrassem em situação irregular. PAIVA, João Pedro Lamana. Adoção judicializada: registro e averbação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id236.htm>. Acesso em 20 out. 2010. 76 Art. 17 Lei 6.697/79. A colocação em lar substituto será feita mediante: IV - adoção simples; V - adoção plena. 33 família do adotante, ou seja, o menor adotado passou a ter em seu registro de nascimento o nome dos descendentes da família, para que não fosse revelada a origem da filiação do menor. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o art. 227, § 6º77, extinguiu a distinção entre os filhos adotivos dos filhos biológicos, passando então a terem direitos e qualificações idênticas, sendo inclusive proibida qualquer designação discriminatória. Após a CF/88, adveio a Lei 8.069/90 (ECA) e a nova redação do Código Civil de 2002, deixou de existir os dois tipos de adoção, passando então a serem uma só, na qual se geram todos os efeitos da adoção plena. Essas novas mudanças no código foram significativas para a adoção de forma geral, a saber: a adoção plena ou integral que só se aplicava para menores e mediante decisão judicial e a adoção simples que só servia aos maiores de 18 anos e mediante escritura pública78, foram extintas, passando então, a ser uma só, ou seja, tanto a adoção para maiores como para menores passaram a ter as mesmas características, sendo pendentes de decisão judicial. A Lei 12.010/09 deu nova redação ao ECA, revogando grande parte do capítulo de adoção do Código Civil de 2002, sendo que, a partir dessa lei todo o sistema referente a adoção no Brasil, passou a ser regulamentado pelo ECA, e não mais se remete ao código civil. A adoção passou a ser medida excepcional (art. 39, § 1º do ECA79), valorizando a permanência da criança na família natural, a proteção integral do menor e a real vantagem que se oferece a este. Segundo Paulo Lôbo80 esta é uma lei restritiva e limitante, pois quando se recorre apenas à família natural ou extensa, como preceitua o art. 39 § 1º do ECA, limita-se como última opção colocar o menor em família substituta. Dessa forma, faz-se com que a criança seja rejeitada não só pelos pais, mas também por outros parentes. Se essa criança já tivesse sido colocada em família substituta quando foi entregue por seus pais, aquela poderia ser inserida em um ambiente familiar completo, construindo assim uma relação filial, um vínculo afetivo. 77 Art. 227, § 6º CF. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação 78 Segundo Rossato e Lépore na adoção mediante escritura pública, primeiro se procurava um tabelião, e, posteriormente de posse do escrito, o registrador civil competente para os procedimentos de praxe. ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 42. 79 Art. 39, § 1º ECA. A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. 80 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 274. 34 2.2. CONCEITO E FINALIDADE Uma família, não é formada apenas de filhos consangüíneos, mas também de filhos adotados, e estes terão os mesmos direitos daqueles, pois segundo a legislação atual não deverá ser feita distinção entre os filhos, como já dito anteriormente. “Sob a ótica do Estatuto, adoção é uma medida protetiva de colocação em família substituta que estabelece o parentesco civil entre adotante e adotado.” 81 A palavra adotar vem do latim adoptare, que significa escolher; perfilhar; dar o seu nome a; optar; ajuntar; escolher; desejar.82 Nas palavras de Rosalina Rocha Araújo Moraes 83 Quando falamos da adoção de um filho, esse termo ganha um significado particular: Nesta perspectiva adotar significa acolher, mediante a ação legal e por vontade própria, como filho legítimo, uma pessoa desamparada pelos pais biológicos, conferindo-lhe todos os direitos de um filho natural. Para além do significado, do conceito, está a significância dessa ação, ou seja, o valor que ela representa na vida dos indivíduos envolvidos: pais e filhos. Maria Helena Diniz, diz que 84 A adoção vem a ser um ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Dá origem, portanto, a uma relação jurídica de parentesco civl entre adotante e adotado. É uma ficção legal que possibilita que se constitua entre o adotante e o adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha reta. Trata-se de mecanismo de determinação de uma relação jurídico filiatória, através do critério socioafetivo, fundamentado no afeto, na ética e na dignidade das pessoas envolvidas, inserindo uma pessoa humana em família substituta, de acordo com o seu melhor interesse e a sua proteção integral, com a cancela do Poder Judiciário.85 81 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 42. 82 Ministério Público do Rio Grande do Sul. Adoção passo a passo. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/areas/infancia/arquivos/adocaopassoapassso.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2010. 83 MORAES, Rosalina Rocha Araújo. Adoção no Brasil. Disponível em: <http://www.infoescola.com/sociologia/adoção-no-brasil/>. Acesso em 21 abr. 2010. 84 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume, Direito de Família. 16ª ed. São Paulo: Saraiva. p. 360. 85 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 914. 35 Conforme Maria Berenice Dias86 a adoção constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de um ato de vontade. Adoção, então, é um ato jurídico bilateral na qual se criam laços afetivos de paternidade e filiação àqueles que não possuem vínculo consanguíneos. É ainda um gesto de amor e principalmente de afeto e solidariedade. Afasta-se, portanto, a concepção de que adotar é a possibilidade de se ter filhos apenas por que não se teve biologicamente. E também é dar àqueles que por algum motivo (como ser órfão ou ainda ter sido abandonado por seus pais biológicos) não puderam ter uma família para crescer e ter amor e carinho. Mudando-se então com o passar do tempo, a adoção deixou de ter como finalidade a colocação de um herdeiro em famílias que não possuíam um filho varão biológico, para que então se pudesse perpetuar os cultos aos deuses lares.87 Outra finalidade mudada com o decorrer dos anos foi que o adotado deixou de ser visto apenas como interesse único da família que não possuía filhos biológicos, ou até daquela família que perdeu seu filho. Nos tempos atuais a intenção da adoção é colocar em famílias substitutas aqueles menores que não possuem famílias. Sendo assim, atualmente, já não se leva em consideração a família substituta não ter filhos biológicos, mas sim ter afeto e um lar decente para dar ao adotando, levando-se em conta o que é melhor para a criança e não mais para a família. 2.3. PROCESSO JUDICIAL E CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO O Estatuto da Criança e do Adolescente na seção IV – Da Colocação em Família Substituta, arts. 165 a 170 – trata de parte do processo judicial para o menor ser posto em família substituta. Inicia-se o procedimento judicial de adoção através do pedido formulado pelo interessado, diretamente em cartório ou por meio de advogado ou de Defensor Público. Na hipótese de pedido formulado diretamente pelo interessado, quando forem falecidos os pais ou tiverem sido destituídos do poder familiar ou houverem aderido, expressamente, ao pedido de colocação em família substituta (ECA, art. 166), o juiz deverá, em seguida, nomear um advogado ou encaminhar para a Defensoria Pública, [...]. 88 86 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 476. 87 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume, Direito de Família. 16ª ed. São Paulo: Saraiva. p. 507 e 508. 88 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 936. 36 O processo deverá ser iniciado conforme os requisitos do art. 165 do ECA e precisará conter a indicação do juiz a que será encaminhado. Durante o processo será analisado quais os reais benefícios que se apresenta para o menor, além da realização do estudo psicossocial do caso em questão. O Cadastro Nacional de Adoção é um requisito especial para que se possa adotar, portanto, é um ponto que merece destaque. A legislação brasileira deu específica obrigação de se manter um cadastro em cada comarca do país, criando-se assim o cadastro estadual e o nacional onde tem-se registrado as crianças e adolescentes que estão em condições de serem adotados e um outro tipo de cadastro de pessoas interessadas na adoção. “Trata-se de mecanismo que possibilita o cruzamento de dados e a rápida identificação de crianças ou adolescentes institucionalizados. Tal expediente permite, ainda, o intercâmbio de informações entre comarcas e regiões.” 89 O cadastro de pessoas residentes no estrangeiro que possuem o interesse em adotar um menor brasileiro, é diferente do cadastro de pessoas residentes no Brasil. Isso ocorre pela diferença no procedimento para se cadastrar, e também porque sempre se terá preferência pela família substituta da pessoa residente e domiciliada no Brasil. A inscrição no CNA – Cadastro Nacional de Adoção – deve ser feita por meio de um procedimento específico que está previsto no art. 197-A90 do ECA, ou seja devem apresentar petição inicial na qual conste o rol de documentos elencados no referido artigo. Após toda a documentação ser analizada e ter parecer favorável, o MP será ouvido, e só então o juiz da Vara da Infância e da Juventude dará o seu parecer – favorável ou desfavorável. Caso seja favorável, o canditado será então incluso no CNA. Entretanto, antes da inclusão, haverá um período de preparação psicossocial e jurídica, que será orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, conforme preceitua o § 3º do art. 50 do ECA. Sempre que for possível, essa medida incluirá o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou intitucional em condições de serem adotados (art. 50, § 4º do ECA). 89 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 55. 90 Art. 197-A ECA. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão petição inicial na qual conste: I - qualificação completa; II - dados familiares; III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas; V - comprovante de renda e domicílio; VI - atestados de sanidade física e mental; VII - certidão de antecedentes criminais; VIII - certidão negativa de distribuição cível. 37 A ordem de chamada desse cadastrado não se define apenas por ordem de antiguidade no cadastro, mas também sobre quais as características escolhidas para o menor adotado. Quanto mais características escolhidas pelo adotante, maior a possibilidade de demora para ser chamado. A Lei não estabelece, por ora, os denominados critérios de prioridade para a convocação de pretendentes. São aplicados diferentes critérios, nas diferentes Unidades da Federação. Em alguns Estados e Comarcas, os habilitados são indicados exclusivamente de acordo com a ordem cronológica de habilitação. Em outros, há apreciação de outros dados acerca dos pretendentes, por exemplo, se são estéreis ou se possuem outros filhos.91 Segundo o prórpio Conselho Nacional de Justiça, a eles não cabe estabelecer tais critérios usados pelas comarcas. 2.4. REQUISITOS 2.4.1. Idade mínima A adoção tem sua forma prescrita em lei, e para que esta se efetive deverão ser preenchidos requsitos pré estabelecidos pelo ECA. O primeiro requisito é que o adotante deve possuir 18 anos de idade ou mais, conforme preceitua o art. 42, caput do ECA92, e independe o estado civil do adotante. [...] A idade de 18 anos é, portanto, requisito objetivo para o adotante. A questão subjetiva, maturidade para a adoção, por exemplo, é aspecto de oportunidade e conveniência a ser analisado pelo juiz no caso concreto. A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros pode ser concedida, desde que um dos consortes tenha completado 18 anos [...]. 93 Podem adotar as pessoas capazes civilmente, com idade superior a dezoito anos, qualquer que seja o seu estado civil. Até porque qualquer pessoa tem direito à convivência familiar determinada, por exemplo, através da adoção. Assim, uma pessoa solteira, viúva, divorciada etc., pode adotar, desde que revele adequadas condições para a inserção do adotando em núcleo familiar substituto. 94 91 Cadastro Nacional de Adoção. Guia do Usuário. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/cna/livreto_corrigido.pdf>. Acesso em 16 set 2010. 92 Art. 42, caput ECA. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. 93 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família, volume 6. 10ª ed. São Paulo: Atlas. p. 289. 94 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 920. 38 Entretanto, mesmo possuindo 18 anos ou mais, os ascendentes e os irmãos do adotando não podem adotar. Sendo, inclusive, vedado aos avós adotarem os netos. Para estes casos cabe apenas a guarda. Existem algumas restrições à adoção no sistema jurídico. Nessa linha de intelecção, não podem adotar os ascendentes e descendentes (os avós, por exemplo, não podem adotar os netos) e os irmãos do adotando, como consta do § 1º do art. 4295 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Justifica-se a vedação por conta da proximidade de vínculo já existente entre as partes envolvidas, o que poderia implicar confusão conceitual, inclusive no que tange aos alimentos e à sucessão hereditária. De mais a mais, os avós e os irmãos já estão ligados por vínculo afetivo, não se justificando a adoção. 96 Neste sentido o que o ECA regulamenta é quanto ao menor ficar com algum parente consanguíneo, respeitando-se neste caso a família extensa. Esta família é formada por tios, tias, primos, avós, cunhados etc., que tenham o interesse de deter a guarda do menor abandonado – a única hipótese em que um parente pode adotar é para os casos de tio que possui interesse na adoção de seu sobrinho, pois para este não há o impedimento aplicável aos ascendentes e irmãos, conforme entendimento jurisprudencial do TJ/GO97. E esse ponto é bem favorável ao menor, pois se entende que é melhor a família extensa do que a família substituta. Mas antes dessa família extensa tenta-se manter a criança em sua família natural. Art. 25, Lei 12.020⁄09 – Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou por qualquer deles e seus descendentes. Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. 95 Art. 42, § 1º ECA. Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 921. 97 “Adoção de sobrinho pelo tio. Possibilidade jurídica. Pais biológicos desaparecidos. Desnecessidade de consentimento dos representantes legais do menor. Idoneidade financeira e social dos adotantes. 1. É juridicamente possível a adoção do sobrinho pelo tio, haja vista não ser este considerado ascendente daquele, detendo apenas parentesco colateral”. (TJ/GO, Ac.3ªCam.Cív., ApCív.2005.00.57225-3, rel. Des. Rogério Arédio Ferreira). apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 921. 96 39 2.4.2. Adoção conjunta Outro requisito trazido pelo art. 42, § 2º do ECA98 é que para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovando-se a estabilidade da família. O Código Civil de 2002, em sua composição anterior a nova redação dada pela Lei 12.010/09 (Lei de Adoção), disciplinava que a adoção por ambos os cônjuges ou companheiros podia ser formalizada, desde que um deles tivesse completado 18 anos de idade – quanto ao ECA na sua composição inicial, dizia que um dos cônjuges deveria ter 21 anos de idade completos –, e também deveria ser comprovada a estabilidade familiar. “Não há qualquer restrição quanto ao estado civil do adotante: pode ser solteiro, divorciado, separado judicialmente, viúvo, concubino. A adoção, como percebemos, pode ser singular ou conjunta.” 99 Para a adoção conjunta, podem também os divorciados adotar, porém em forma de casal. Isso quer dizer que no processo tem que ser apontado a questão da guarda e as visitas. Ocorre que para se adotar quando divorciados, exige-se que o estágio de convivência tenha iniciado durante a sociedade conjugal, ou seja, o próprio processo da adoção tem que ter sido iniciado antes do processo de divórcio, ou que se iniciado após a separação e ambos queriam adotar deve ser decidido também quanto à guarda e as visitas, conforme o art. 42, § 4º ECA100. “Essa situação permitida na lei é excepcional e busca estabilizar o menor que já estivesse convivendo com o casal antes do desenlace.” 101 2.4.3. Diferença de idade A diferença de idade entre o adotante e o adotado, é mais um requisito, e esta deve ser de pelo menos 16 anos, não podendo então ser a diferença inferior a estabelecida pelo § 3º do 98 Art. 42, § 2º ECA. Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. 99 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família, volume 6. 10ª ed. São Paulo: Atlas. p.290. 100 Art. 42, § 4º ECA. Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. 101 VENOSA, op.cit., p.290. 40 art. 42 do ECA102. Até porque como bem preceitua Maria Helena Diniz103 a diferença de idade é importante, pois não seria possível conceber um filho de idade igual ou superior à do pai, ou mãe, por ser imprescindível que o adotante seja mais velho para que possa desempenhar cabalmente o exercício do poder familiar. Farias e Rosenvald104 citam Bordallo que explica que “a diferença de dezesseis anos entre o adotante e o adotando evitará que se confundam os limites que há entre o amor essencialmente filial e paterno em relação àquele, entre homem e mulher, onde a atração física pode ser preponderante”. 2.4.4. Reais vantagens ao menor O art. 43 do ECA105 diz que, a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. Este artigo traz o princípio do melhor interesse do menor incutido em sua redação, sendo então destinado ao juiz verificar se tal adoção está beneficiando de fato o menor. “Traduz-se na possibilidade efetiva de convivência familiar e estabelecimento de vínculo adequado à formação e ao desenvolvimento da personalidade do adotando.” 106 O efetivo benefício se apura tanto na dimensão subjetiva quanto na objetiva. Na dimensão subjetiva, cumpre ao juiz avaliar se há indicadores de viabilização de efetivo relacionamento de afinidade e afetividade entre adotantes e adotando. Na dimensão objetiva, serão observadas as condições que ofereçam ambiente e convivência familiar adequados, em cumprimento ao princípio da prioridade absoluta previsto no art. 227107 da Constituição, que assegurem o direito ao filho à saúde, à segurança, à educação, à formação mora e ao afeto.108 102 Art. 42, § 3º ECA. O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume, Direito de Família. 16ª ed. São Paulo: Saraiva. p.511. 104 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho, cf. “Adoção”, cit., p. 214 apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 920 e 921. 105 Art. 43 ECA. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. 106 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 52. 107 Art. 227 CF. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 108 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 284. 103 41 Ainda, em se tratando das reais vantagens ao menor, cabe dizer que se este possuir irmãos, estes serão colocados em uma única família, ou seja, serão mantidos unidos sob a responsabilidade da mesma família, a não ser em situações de risco ou de qualquer outra ocasião, desde que se justifique tal excepcionalidade adversa. Nestes casos em que os irmãos devem permanecer unidos, caso não o aconteça, deverá evitar ao máximo que o vínculo definitivo entre eles seja rompido, mantendo-se assim o vínculo fratenal, muito importante aos menores. Art. 28, Lei 12.010⁄09 – A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. § 4º Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. Entendem-se como reais motivos e como melhor interesse do menor a este caso, pois os irmãos que permanecerem juntos terão seus vínculos fraternais mantidos. 2.4.5. Consentimento dos pais A adoção somente será deferida quando do consentimento dos pais do adotando ou de seu representante legal, conforme o art. 45 do ECA109. Esse consentimento pode ser dispensado quando não forem conhecidos os pais do menor ou quando estes tenham sido destituídos do poder familiar (§1º). Aos maiores de 12 anos além do consentimento dos pais, há que valer também de seu próprio consentimento (§2º), ou seja, se o adolescente não desejar ser adotado, este não será forçado a ser colocado em família substituta. Não haverá necessidade do consentimento do representante legal nem do menor, se se provar que se trata de infante exposto que se encontra em situação de risco, por não ter meios para sobreviver, ou em ambiente hostil, sofrendo maus-tratos, ou abandonado, ou de menor cujos pais sejam desaparecido e esgotadas as buscas, ou tenham perdido o poder familiar, sem nomeação de tutor, [...]. Em caso de adoção de menor órfão, abandonado, ou cujos pais foram inibidos do poder familiar, o Estado o representará ou assistirá, nomeando o juiz competente um curador ad hoc.110 109 Art. 45 ECA. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume, Direito de Família. 16ª ed. São Paulo: Saraiva. p.512. 110 42 Esse entendimento de Maria Helena Diniz está desatualizado, pois conforme Luciano Rossato e Paulo Lépore, com a revogação do art. 1.624 CC111 prevalece o art. 45, § 1º do ECA112. Segundo o Estatuto, para que se aperfeiçoe a adoção é necessário que haja consentimento dos pais biológicos ou dos representantes legais (salvo se já destituídos do poder familiar, ou os pais forem desconhecidos). O Código Civil incluía, dentre as hipóteses de dispensa, os casos em que esteja provado que se trata de infante exposto (abandonado) ou de órfão não reclamado por qualquer parente, por mais de um ano. Porém, o art. 1.624 foi revogado, voltando a prevalecer o disposto no § 1º, do art. 45, do Estatuto (inalterado). 113 Silvio Venosa afirma ainda que “ninguém pode adotar menor sem o consentimento de seus pais ou representantes.” E ainda que “suas declarações devem ser tomadas por termo.” 114 Para se adotar maior de 18 anos fica claro e evidente que será necessário seu consentimento, sem o qual não poderá ser adotado. Mesmo para este tipo de adoção entendese que é necessário o consentimento dos pais biológicos, com o fito de precaver eventual interesse jurídico. 115 SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. ALEMANHA. ADOÇÃO DE PESSOAS MAIORES DE IDADE. CITAÇÃO DO REQUERIDO NO PROCEDIMENTO NO EXTERIOR. PROVA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. ASSINATURA DO JUIZ. DESNECESSIDADE. 1. Havendo previsão, na legislação do país de origem, de dispensa do consentimento do pai biológico para a adoção de pessoa que já atingiu a maioridade, resulta desnecessária a prova da citação do requerido no procedimento estrangeiro, bem como da sua intimação da correspondente sentença. 2. Evidenciado que a decisão homologanda (a) foi expedida pelo tribunal competente; (b) contém o carimbo do juízo, bem como a certificação da fidelidade da cópia ao original, por parte da funcionária da justiça escrivã do cartório; (c) é cópia chancelada pelo consulado brasileiro, resta demonstrada sua autenticidade, tornando-se desnecessária a assinatura do juiz no documento. 3. Presentes os demais requisitos, bem como verificado que o teor da decisão não ofende a soberania nem a ordem pública (arts. 5º e 6º da Resolução STJ nº 9/2005). 4. Sentença estrangeira homologada. 111 Art. 1.624 CC - revogado. Não há necessidade do consentimento do representante legal do menor, se provado que se trata de infante exposto, ou de menor cujos pais sejam desconhecidos, estejam desaparecidos, ou tenham sido destituídos do poder familiar, sem nomeação de tutor; ou de órfão não reclamado por qualquer parente, por mais de um ano. 112 Art. 45, § 1º ECA. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar. 113 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 52 e 53. 114 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família, volume 6. 10ª ed. São Paulo: Atlas. p. 292. 115 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 917. 43 (SEC .563/DE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/08/2007, DJ 03/09/2007, p. 110). 116 Maior idade Quanto à adoção de maiores de idade, o Tribunal tem entendido que não é necessária a aprovação dos pais biológicos. Ao julgar uma contestação em sentença estrangeira originária de Munique, Alemanha, a Corte Especial citou artigos do Código Civil Brasileiro (CCB) e do ECA que afirmam ser desnecessário o consentimento nos casos em que os pais tenham sido destituídos do poder familiar. No caso, a Vara de Tutela do Juízo Cível de Munique pediu a homologação da sentença que reconheceu a adoção de duas brasileiras por um cidadão alemão. Ambas são filhas biológicas da atual esposa do alemão, que concordou com a adoção. O pai biológico das adotadas foi citado para participar do processo. Como não o fez, foi nomeado um curador para apresentar a resposta. Em seu voto, o relator, ministro Teori Albino Zavascki, destacou que os artigos 1.749, 1.767 e 1.768 do Código Civil alemão dispensariam a autorização e que tal orientação é semelhante à do nosso ordenamento, como indicam os artigos 1.621, 1.630 e 1.635 do CCB e o artigo 45 do ECA.117 O consentimento dado pelos pais deverá ser por escrito e somente terá validade se ratificado em audiência perante o juiz e o Ministério Público (art. 166 do ECA118). Os pais que consentirem com a adoção de seus filhos, terão direito de se retratar perante o juiz até a data em que for publicada a sentença constitutiva da adoção. O consentimento dos pais ou dos representantes legais é revogável até a publicação da sentença constitutiva de adoção, segundo dispunha o revogado art. 1.621, § 2º do Código Civil. Note que o Código falava em publicação da sentença e não em trânsito em julgado. No mesmo sentido a redação do art. 166, § 5º do ECA, com nova redação: “O consentimento é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção”. Depois de ultimada, a adoção é irrevogável. 119 Luciano Rossato e Paulo Lépore120 dizem ainda que essa retratação além de aplicável aos pais, é também extensiva ao consentimento prestado pelo adolescente. 116 SEC .563/DE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/08/2007, DJ 03/09/2007, p. 110. Sentença Estrangeira Contestada. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=670288&sReg=200601069068&sData=200 70903&formato=HTML>. Acesso em 27 out. 2010. 117 Questões sobre adoção têm decisões inéditas no STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=91564>. Acesso em 27 out. 2010. 118 Art. 166 ECA. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado. 119 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família, volume 6. 10ª ed. São Paulo: Atlas. p. 292. 120 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 53. 44 2.4.6. Estágio de convivência A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso – art. 46 do ECA121. Esta parte do processo é de extrema importância tanto para o menor, bem como para a família substituta. É onde se verá a real vontade de ser adotante e adotado. É onde o adotado terá a oportunidade de se adaptar na convivência com sua nova família. Para esta fase, o juiz e seus auxiliares avaliarão a conveniência da adoção, e para tanto farão um estudo psicossocial do caso, que possui a finalidade de apurar a presença dos requisitos para a adoção122, ou nas palavras de Farias e Rosenvald é a apuração das condições das partes envolvidas, em especial a idoneidade psicológica do adotante123. Esses auxiliares fazem parte da equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, e terão apoio técnico conforme preceitua o art. 46 §4º do ECA124. Esta equipe fará relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da colocação em família substituta adotiva.125 O juiz pode ainda dispensar o estágio de convivência para os casos em que o adotado já estiver sob a guarda legal ou tutela tempo suficiente para que seja possível avaliar a contituição do vínculo entre a família e o menor (art. 46, §1º do ECA126). Porém, mesmo quando o adotante possui a guarda do menor, não significa que não haverá estágio de convivência deferido pelo magistrado, ou seja, apenas quando o juiz entender que não será necessário é que se valerá o §1º do art. 46 do ECA, sendo portanto, a dispensa do estágio de convivência, a exceção. Este período será fixado antes da pronúncia da sentença. 121 Art. 46 ECA. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. 122 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Comentários à Lei Nacional de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 e outras disposições legais: Lei 12.003 e Lei 12.004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 53. 123 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 919. 124 Art. 46, § 4º ECA. O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. 125 ROSSATO; LÉPORE, op.cit., p. 53. 126 Art. 46, § 1º ECA. O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. 45 2.5. EFEITOS DA ADOÇÃO A adoção é irrevogável e tem em seus efeitos o corte total da relação do adotando com sua família de origem, sendo então desligados todos os vínculos de parentesco, só permanecendo os impedimentos matrimoniais, uma vez que, não se poderia deixar um filho ter relações com alguém de sua própria família biológica. Esta é a única hipótese em que mesmo que se rompam todos os vínculos, este jamais será rompido por força do parentesco biológico, pois é irremovível por força de razões éticas, morais e especialmente genéticas. Este impedimento não vale apenas para a família biológica, mas também para a substituta. [...] Logo, não podem casar o adotado com parente consanguíneo (ante a necessidade de preservação da integridade físico-psíquica da futura prole e a de evitar relação incestuosa, atentatória à moral e aos bons costumes); o adotante com o adotado; o adotante com o cônjuge do adotado e vice-versa; nem o adotado com o filho do pai ou mãe adotiva, a fim de se velar pela legitimidade das relações familiares e pela moral do lar. [...] 127 A extinção do vínculo de consanguinidade, na adoção, ressalta a opção que fez o direito brasileiro para a família socioafetiva e para a filiação fundada na afetividade, pouco importando sua origem. O direito que tem o adotado de conhcer sua origem biológica (art. 48 do ECA) tem a natureza de direito de personalidade, que é inerente, personalíssimo, individual, nada tendo a ver com relação de família. Por tal razão, não é dado ao filho que foi adotado vindicá-lo em investigação de paternidade, porque esta tem por fito assegurar o pai (ou mãe) a quem não o tem.128 Uma alteração que a Lei de Adoção trouxe, foi que o filho adotado terá direito, após completar 18 anos, a conhecer sua origem biológica, inclusive com total e irrestrito acesso ao processo de adoção (art. 48 ECA129). Os menores de 18 anos, também poderão ter acesso ao processo de adoção se o desejar, sendo que, a única determinação da lei é a de que este menor deverá ser acompanhado de orientação e assistência tanto jurídica como psicólogica (art. 48, parágrafo único do ECA130). Quando da adoção, o poder familiar passa para a pessoa do adotante, que na forma dos arts. 1.630131, 1.634132 e 1.635133 CC, passa a ter total responsabilidade sobre o menor no que diz respeito a sua educação, criação, guarda, companhia etc. 127 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume, Direito de Família. 16ª ed. São Paulo: Saraiva. p.518. 128 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 286. 129 Art. 48 ECA. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. 130 Art. 48, parágrafo único ECA. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. 131 Art. 1.630 CC. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. 46 Quando os pais adotivos falecem, isso não significa que o vínculo criado a partir da adoção, irá se romper. Como diz o ditado popular: uma vez filho, sempre filho. E também não quer dizer que o vínculo rompido com a família biológia irá se restabelecer conforme diz o art. 49 do ECA134. Inclusive o art.41135 diz que a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios. Outro efeito expresso que a legislação traz em seu art. 47, §5º 136 , é quanto ao sobrenome do adotante, ou seja, o adotado passa a ter o sobrenome do adotante. Pode inclusive o adotante pedir a alteração do prenome do menor. A alteração do sobrenome se dará – se for um casal que adotar – pela inclusão, como de costume brasileiro de um sobrenome de cada. Se já possuírem outros filhos, sejam biológicos ou adotivos, o sobrenome de todos deve ser igual para não haver discriminação entre eles. Quando for apenas uma pessoa que estiver adotando, o sobrenome do adotando será igual ao do adotante.137 Todavia, além da obrigatória modificação do sobrenome, é possível, facultativamente, a alteração do prenome do adotado, por pedido dele mesmo ou do adotante. Neste caso (modificação por pedido do adotante), impõe-se, naturalmente, a prévia ouvida do adotado, para que se possa averiguar a sua vontade, respeitando o seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão. Não se esqueça que, em se tratando de maior de doze anos de idade, será necessário o seu consentimento. 138 132 Art. 1.634 CC. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomearlhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. 133 Art. 1.635 CC. Extingue-se o poder familiar: I - pela morte dos pais ou do filho; II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único; III - pela maioridade; IV - pela adoção; V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638. 134 Art. 49 ECA. A morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais naturais. 135 Art. 41 ECA. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. 136 Art. 47, § 5o ECA. A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome. 137 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 287. 138 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 934. 47 2.6. TIPOS DE ADOÇÃO 2.6.1. Adoção unilateral A adoção unilateral ocorre quando existe a manutenção dos vínculos de filiação com um dos genitores, nascendo o vínculo civil com o companheiro ou cônjuge deste genitor.139 Este tipo de adoção é possível em três casos140. O primeiro é quando o filho é registrado por apenas um dos genitores, sendo que, o companheiro (a) atual do genitor do menor pode requerer a adoção. Essa será autorizada pelo genitor que registrou o menor. O segundo caso é quando os genitores do menor se divorciam, e com o advento de um novo relacionamento, o atual companheiro de um deles decide querer adotar o menor. Com a anuência de um deles, decai o poder familiar daquele que deixa de ser o pai (ou mãe) do menor. Entretanto, para que este caso ocorra, é necessário que o genitor aceite a adoção, genitor este que será destituido do poder familiar, não podendo mais reclamá-lo. A terceira e última hipótese é quando o menor é de fato adotado, porém por apenas uma pessoa. Esta hipótese, tem previsão legal trazida pelo ECA, quando se diz que pode adotar independente do estado civil, ou seja, aqueles que não possuem cônjuge ou companheiro podem também adotar uma criança, conforme o dispositivo estatutário (art. 42 ECA141). 2.6.2. Adoção internacional A adoção de brasileiros por estrangeiros é relativamente recente, e por isso ela foi melhor abordada na Lei 12.010/09. “[...] Por outro lado, na adoção por estrangeiros, o Estado brasileiro perde seu nacional, além do inevitável choque de culturas e incertezas quanto ao efetivo benefício do adotado.” 142 139 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente doutrina e Jurisprudência. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 77. 140 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 483. 141 Art. 42 ECA. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. 142 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 289. 48 Maria Berenice Dias143 acredita que as modificações e ampliações trazidas pela lei 12010/09 de com relação à adoção internacional, trará melhores benefícios ao menor adotado e principlamente diminuirá o tráfico de crianças, que em sua maioria objetiva a comercialização de órgãos da criança que aparentemente foi adotada. Para Paulo Lôbo144, a realidade da adoção internacional é maior em países com elevado grau de pobreza, na qual as famílias não possuem condições de dar uma vida digna para seus filhos, o que acaba gerando uma grande demanda pela adoção. O ECA traz em seus arts. 51 a 52-D os requisitos no qual se dará a adoção internacional. A mais significativa das modificações trazidas pela Lei 12.010/09, diz que aquela pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do Brasil pode adotar.145 O estágio de convivência para os casos de adoção internacional deverá perdurar por pelo menos 30 dias, sendo que este prazo deverá ser cumprido em território nacional e poderá ser estendido conforme entendimento do juiz postulante. Este período do estágio de convivência não poderá ser dispensado pelo magistrado.146 Este processo se dará mediante pedido de habilitação formulado à Autoridade Central do país de residência da pessoa interessada na adoção. A autoridade Central deverá considerar a pessoa habilitada e apta a adotar, e então emitirá um relatório contendo informações a respeito da identidade, capacidade jurídica, situação pessoal, familiar, médica, meio social, motivos da adoção e a aptidão para se adotar internacionalmente.147 Já no Brasil, a Autoridade Central Federal Brasileira, receberá o relatório, que será instruído com toda a documentação necessária, em especial um estudo psicossocial, a ser elaborado por equipe interprofissional. Todos os documentos estrangeiros deverão ser autenticados por autoridade consular e acompanhados da tradução, por tradutor juramentado. Quando da posse de habilitação, com validade de um ano, o interessado na adoção, deverá formalizar o pedido perante o Juízo da Infância e da Juventude.148 Ocorre que, mesmo com todo esse processo que dificulta a adoção internacional, existe ainda outra barreira que inibe este tipo de adoção: os brasileiros terão sempre preferência pela criança a ser adotada, seja este brasileiro residente no Brasil ou em país 143 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 486. 144 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 288 e 289. 145 DIAS, op.cit., p. 487. 146 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 941. 147 FARIAS; ROSENVALD, op. cit. p. 941. 148 DIAS, op. cit., p. 487. 49 estrangeiro. Ou seja, antes de conceder a adoção ao estrangeiro, será feita consulta ao cadastro referente no art. 50 do ECA149. Sendo assim, será deferida a adoção internacional apenas quando for comprovado que a colocação em família substituta é a solução mais adequada ao caso; quando todas as possibilidades de colocação em família substituta brasileira já tiverem sido esgotadas; e ainda quando os brasileiros residentes no exterior aptos a adoção também já tiverem sido descartados (art. 50, § 10 ECA). Após ser concedida a adoção internacional, com sentença transitada em julgado, a autoridade judiciária deverá expedir alvará de autorização de viagem para que o menor possa ser levado pela sua família substituta. Também está em vigor no Brasil a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída na Haia em 29 de maio de 1993, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 1, de 1999, e promulgada pelo Decreto n. 3.087 de 1999. A Convenção está inspirada em que a adoção internacional pode apresentar a vantagem de dar uma família permanente à criança para quem não se possa encontrar uma família adequada em seu país de origem, e na necessidade de prever medidas para garantir que as adoções internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais, assim como para previnir o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças. 150 2.6.3. Adoção póstuma Nos termos do art. 42, § 6 º do ECA – a adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença. Para Paulo Lôbo esta é uma medida excepcional, pois tem efeito ex tunc da sentença.151 Para a adoção póstuma, é necessário que o adotante que veio a falecer no curso do processo de adoção tenha mostrado inequívoca vontade em adotar e mostrado também laços de afetividade com a criança a ser adotada. Para Maria Berenice Dias152 trata-se de um processo socioafetivo de adoção. 149 Art. 50 ECA. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção. 150 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 290. 151 Ibidem., p. 930. 152 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 489. 50 A posse do estado de filho é mais do que uma simples manifestação escrita feita pelo de cujos, porque o seu reconhecimento não está ligado a um único ato, mas a uma ampla gama de acontecimentos que se prolongam no tempo e que perfeitamente serve de sustentáculo para o deferimento da adoção.153 O STJ possui precedentes admitindo a adoção póstuma. As decisões foram baseadas na inequívoca vontade de adotar. Há casos em que não se foi dada entrada no processo de adoção, porém existia-se uma guarda de fato, uma adoção tácita. ADOÇÃO PÓSTUMA. Prova inequívoca. O reconhecimento da filiação na certidão de batismo, a que se conjugam outros elementos de prova, demonstra a inequívoca intenção de adotar, o que pode ser declarado ainda que ao tempo da morte não tenha tido início o procedimento para a formalização da adoção. Procedência da ação proposta pela mulher para que fosse decretada em nome dela e do marido pré-morto a adoção de menino criado pelo casal desde os primeiros dias de vida. Interpretação extensiva do art. 42, § 5º, do ECA. Recurso conhecido e provido. (REsp 457.635/PB, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 19/11/2002, DJ 17/03/2003, p. 238) 154 Tais decisões também se fundamentam no art. 28, § 3º do ECA que diz que na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida. De acordo com a letra expressa dos textos legais citados, o deferimento da adoção póstuma estaria submetido à existência de um procedimento judicial em andamento. Ou seja, pressupõe a propositura de uma ação de adoção, com a morte superveniente do autor-adotante. No entanto, em louvável posicionamento, a jurisprudência vem mitigando a dureza da norma legal, admitindo que a adoção seja deferida mesmo que o procedimento em juízo não tenha se iniciado, dês que comprovada a inequívoca manifestação de vontade do adotante. Sem dúvida, é a melhor solução na medida em a vontade de adotar pode ter sido manifestada, inequivocamente, antes mesmo do ajuizamento da ação.155 2.6.4. Adoção à brasileira A adoção prevista em lei normalmente não é a mais utilizada, devido ao “jeitinho brasileiro” de fazer a maioria das coisas. Estes casos são chamados de “adoção à brasileira” 153 SANTOS, Caio Augusto dos; BAHIA, Cláudio José. Da possibilidade jurídica da adoção após o falecimento do adotante sem que este tenha iniciado o procedimento judicial, p. 488 apud DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 489. 154 REsp 457.635/PB, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 19/11/2002, DJ 17/03/2003, p. 238. Recurso Especial. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=683938&sReg=200600381528&sData=200 71025&formato=HTML>. Acesso em 28 out. 2010. 155 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 930. 51 que consiste em registrar como filho biológico uma criança, sem que esta seja sua de fato. Ou seja, os “pais” burlam o sistema legal achando ser este o meio mais fácil, o que na verdade não é. Até porque se a mãe biológica quiser reaver a criança ela tem este direito, caso não tenha consentido legalmente com a adoção ou não tenha sido destituída do poder familiar. Cristiano Farias e Nelson Rosenvald156 dão como exemplo um caso comum a adoção à brasileira que é quando a mulher está grávida e se envolve com outro homem que não o pai biológico da criança que ainda vai nascer, ou até quando a crinaça já nasceu, porém o pai biológico não a registrou. Nestes casos é comum o atual companheiro da mulher registrar como sendo seu o menor, escapando assim do processo legal de adoção. Este é um ato ilícito e caracteriza-se como crime previsto no art. 242 do Código Penal Brasileiro157. Quando se estabelece o vínculo afetivo entre o menor e a pessoa que o registou mesmo sabendo que não era seu filho, é possível uma relação jurídica paterno-filial advinda do vínculo socioafetivo. Nestes casos não é possível a extinção de tal relação jurídica, porque entende-se que quem registrou como seu filho sabendo que não o era, o fez por vontade própria. Sendo assim não é possível o posterior arrependimento, conforme comenta Maria Berenice Dias.158 Ou seja, não se pode postular um pedido negando a paternidade do menor, pois este é um ato irrevessível. Este ato só é passível de reversão quando quem o postula com ação de negatória de paternidade é o filho, pois apenas a ele cabe vindicar o estado de filiação. O único caso em que é passível de negatória de paternidade por parte do pai, é quando se prova o erro ou a falsidade do registro, conforme preceitua o art.1.604 do Código Civil159. 2.6.5. Adoção de nascituro Este tipo de adoção ainda é bastante controverso. Maria Berenice Dias160 afirma que não é possível a adoção de nascituro, pois é necessário o estágio de convivência entre o menor 156 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 927. 157 Art. 242 CC. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena - reclusão, de dois a seis anos. Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. 158 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 489. 159 Art. 1.604 CC. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro. 160 DIAS, op. cit., p. 494. 52 e os possíveis pais, além do que se revela incompatível em relação a um ser enclausurado no corpo feminino. Já Silmara Juny A. Chinelato e Almeida161 [...], professa a possibilidade de adoção de nascituro ao argumento de que o ordenamento jurídico reconhece a tutela jurídica dos seus interesses. Enfatiza que, a partir da leitura do texto legal, conferindo proteção aos direitos do nascituro, não se pode negar a possibilidade, afinal “quem afirma direitos e obrigações afirma personalidade, sendo a capacidade de direito e o status atributos da personalidade.” Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald162 asseveram ainda que, há o impedimento pela norma estatutária em seu art. 165, III163. Este inciso traz que é necessária a qualificação completa do menor e de seus pais se estes forem conhecidos. Sendo assim, não seria possível esta hipótese por se tratar de nascituro. 2.6.6. Parto anônimo O parto anônimo vem a ser conhecido historicamente como “roda dos expostos” 164 . Na roda dos expostos a mãe que gerava um filho, porém não desejava ficar com ele e criá-lo, podia entregá-lo a igreja pra que se procedesse à adoção do mesmo.165 Abrindo a gestante mão do poder familiar, seus dados ficam sob sigilo, só sendo revelados por ordem judicial, para fins específicos. Esta prática existe em vários países. Há hospitais que dispõe de espaços externos que permitem que crianças lá sejam colocadas em anonimato. Tal, no entanto, não afronta o direito de conhecer a ascendência genética, uma vez que seus dados ficam registrados na maternidade.166 A atual legislação não se remete especificamente a este tipo de adoção. Disciplina tãosomente no art. 8º, §§ 4º e 5º do ECA que, ao poder público imcube proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal para que possam ser prevenidas ou 161 ALMEIDA, Silmara Juny A. Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro, p. 175 apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 928 e 929. 162 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 929. 163 Art. 165, III ECA. Qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se conhecidos; 164 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 494. 165 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 931. 166 DIAS, op. cit., p. 495. 53 minoradas as consequências do estado puerperal; e que deve ser prestada a devida assistência referida no § 4º para a gestante ou a mãe que desejar entregar seu filho para a adoção. Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald167 a legislação acolheu de forma tímida o direito ao parto anônimo, evitando assim que mulheres gestantes que não possuam o interesse de cuidar de seus filhos venham a deixá-los abandonados a mercê da própria sorte. A possível regularização deste tipo de adoção pela legislação brasileira, na qual a identidade da mãe biológica é mantida em segredo, só sendo revelada por determinação judicial, pode vir a apaziguar situações que tem se tornado certa rotina no cotidiano brasileiro: o abandono de menores recém nascidos em latas de lixos, rios etc, além de uma possível diminuição de abortos clandestinos. 2.6.7. Adoção tardia A adoção tardia prevê a adoção de crianças maiores ou de adolescentes. É assim chamada por dois motivos: por serem crianças que já conseguem perceber e entender o mundo, ou seja, já não dependem mais dos adultos para conseguirem o que desejam; e o outro motivo é por estarem “fora” da idade ou do tempo adequado para a colocação em famílias substitutas. Porém, o caso em questão é que estes menores não estão fora do tempo, mas sim que há um preconceito em adotar crianças maiores, pois entende-se que a adoção só ocorre para recém-nascidos ou bebês. “Essa expressão também nos remete à idéia de um atraso, e subseqüentemente a uma urgência na colocação da criança/adolescente em família substituta. O aspecto mais pernicioso do prolongamento da espera da criança por uma família diz respeito ao período em que ela permanece em situação jurídica e familiar indefinida. Quando se decide por sua adoção, proporcionar à criança tempo e espaço para o processamento psíquico destas mudanças torna-se fundamental, pois as crianças maiores que esperam pela adoção trazem consigo histórias de vínculos e rompimentos que merecem ser cuidadosamente observados.” 168 167 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. rev. amp. e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 931. 168 Cartilha do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Adoção passo a passo. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/areas/infancia/arquivos/adocaopassoapassso.pdf>. Acessado em 22 abr. 2010. 54 CAPÍTULO III - DA POSSIBILIDADE DA ADOÇÃO INTUITU PERSONAE 3.1. ADOÇÃO INTUITU PERSONAE Adoção intuitu personae é a adoção em que os pais biológicos determinam para quem desejam entregar o filho. Ou nas palavras de Áurea Maria Ferraz de Sousa169 é uma modalidade de adoção, na qual, os próprios pais biológicos do adotando escolhem os adotantes. É também chamada de adoção pronta ou ainda de adoção consensual. “Na maioria dos casos, a mãe procura a Vara da Infância e da Juventude, acompanhada do pretendente à adoção, para legalizar uma convivência que já esteja acontecendo de fato”.170 Conforme Maria Berenice Dias171 “chama-se de adoção intuitu personae quando há o desejo da mãe entregar o filho a determinada pessoa. Também é assim chamada a determinação de alguém em adotar uma criança. As circunstâncias são variadas”. Essas circunstâncias mencionadas por Maria Berenice Dias variam entre o desejo de permanecer com uma criança que foi encontrada no lixo ou até por alguém que trabalha com serviço social e abriga um menor na instituição em que trabalha. Na maioria dos casos, a mãe procura a Vara da Infância e da Juventude acompanhada do pretendente à adoção para legalizar uma convivência que já esteja acontecendo de fato. É um tema bastante polêmico. Há juízes que entendem que a adoção pronta é sempre desaconselhável, pois é difícil avaliar se a escolha da mãe é voluntária ou foi induzida, se os pretendentes à adoção são adequados, além da possibilidade de uma situação de tráfico de crianças. Por outro lado, há juízes que consideram a necessidade de se avaliar caso a caso o direito da mãe biológica de escolher para quem entregar seu filho, levando-se em conta a importância da preservação dos vínculos, se já forem existentes, entre a criança e a família pretendente à adoção. A preocupação é a de se evitar repetir desnecessariamente novas rupturas na trajetória constitutiva da vida psíquica da criança. 172 Em muitos casos, a própria mãe entrega o filho ao pretenso adotante. Porém, a tendêndia é não reconhecer o direito de a mãe escolher os pais do seu filho. Aliás, 169 SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. O que se entende por adoção “intuitu personae”?. Disponível em: < http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090812195531230>. Acesso em 13 out. 2010. 170 Associação dos Magistrados Brasileiros. Cartilha Passo a Passo Adoção de Crianças e Adolescentes no Brasil. Disponível em: <http://www.projetorecriar.org.br/main/adocao/adocaopassoapasso.pdf>. Acesso em 28 out. 2010. 171 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 490. 172 Ministério Público do Rio Grande do Sul. Adoção passo a passo. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/areas/infancia/arquivos/adocaopassoapassso.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2010. 55 dar um filho a adoção é o maior gesto de amor que existe: sabendo que não poderá criá-lo, renunciar ao filho, para assegurar-lhe uma vida melhor da que pode lhe propiciar, é atitude que só o amor justifica.173 Este tipo de adoção não é regulamentada pelo ECA, entretanto, também não possui vedadação expressa. Na verdade, pode-se entender que a Lei 12.010/09 a aceitou, de forma implícita, pois no art. 50, § 13, III do ECA, diz que quando o adotante detém a guarda legal de criança maior de três anos ou de adolescente, mesmo não estando cadastrado no CNA, aquele pode adotar, para isso, basta ser comprovado os laços de afetividade e afinidade, e não pode existir a má-fé. Este é um caso excepcional permitido pela lei. Art. 50, § 13 ECA. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: I - se tratar de pedido de adoção unilateral; II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei. Maria Berenice Dias ainda afirma que o art. 33, § 2º do ECA174 admite a possibilidade quando permite que a pessoa ou casal que seja cadastrado para o acolhimento familiar receba crianças mediante guarda.175 O art. 166 do ECA176 também pode ser interpretado como uma forma de aceitação da adoção intuitu personae, vale dizer inclusive que é uma ampliação do rol do art. 50, § 13 do ECA. Esta aceitação pode ser vista de duas formas, uma de que não é necessário que os pretendentes a adoção estejam previamente cadastrados como aptos, e a segunda de que à adoção consentida seria uma possibilidade de adoção sem exigência de cadastramento prévio.177 173 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 490. 174 Art. 33, § 2º ECA. Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados. 175 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 491. 176 Art. 166 ECA. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado. 177 Projeto Acalanto Natal. Adoção Consentida na Nova Lei de Adoção. Disponível em: < http://xa.yimg.com/kq/groups/21226934/172187887/name/ADOÇÃO+CONSENTIDA+NA+NOVA+LEI+DE+ ADOÇÃO.doc>. Acesso em 28 out. 2010. 56 Há juízes que entendem que esta adoção é sempre desaconselhável, pois é difícil avaliar se a escolha da mãe é voluntária ou foi induzida ou se os pretendentes à adoção são adequados, além da possibilidade de uma situação de tráfico de crianças. Por outro lado, há juízes que consideram a necessidade de se avaliar caso a caso o direito da mãe biológica escolher para quem entregar seu filho, levando em conta a importância da preservação dos laços afetivos já existentes entre a criança e os adotantes. Nestes casos, para a saúde mental da criança, evita-se repetir desnecessariamente novas rupturas na trajetória constitutiva de sua vida psíquica.178 Esta posição adotada por alguns julgadores é razoável, pois em se pensando que a genitora estará dando seu filho a terceiro por dinheiro, não há que ser aceito de forma alguma, além do perigo de que o menor pode estar sendo entregue para um possível caso de tráfico de órgãos. Porém, para que isto não ocorra, o processo de adoção intutitu personae, assim como em qualquer outro caso de adoção, deve ser analisado com cuidado. Mesmo o juiz não sabendo de fato como ocorreu aquele trâmite de adoção. Mas, ainda assim, pode-se entender que a genitora sempre irá escolher o que é melhor para o seu filho, pelo menos é o que mostra a ONG Quintal de Ana: “Não há dados oficiais sobre a prática, mas os casos de adoção consentida representam 70% daqueles observados pela ONG Quintal de Ana, ligada à Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção.” 179 “Alguns genitores alegam que desejavam entregar a criança para pessoas indicadas por conhecidos e que assim estariam mais tranquilos em torno da segurança do filho e em menor culpa ao doá-lo para alguém de procedêcia conhecida.” 180 Maria Berenice Dias,181 bem observa quando diz que, do pedido de busca e apreensão ingressado pelo MP a criança acaba sendo institucionalizada. Pois, com a demora do processo de destituição do poder familiar, o menor irá permanecer em um lar abrigo até que se finde tal processo. Isso acaba por demorar anos, o que tira a criança da faixa etária escolhida182 por grande parte dos pretendentes à adoção. 178 Associação dos Magistrados Brasileiros. Cartilha Passo a Passo Adoção de Crianças e Adolescentes no Brasil. Disponível em: <http://www.projetorecriar.org.br/main/adocao/adocaopassoapasso.pdf>. Acesso em 28 out. 2010. 179 FAVERO, Daniel. Nova lei de adoção empurra mais casais para a ilegalidade. Disponível em: <http://psicologiaeadocao.blogspot.com/2010/08/nova-lei-de-adocao-empurra-mais-casais.html>. Acesso em 28 out. 2010. 180 LIANA, Cintia. Adoção Consensual ou Intuitu Personae. <http://psicologiaeadocao.blogspot.com/2010/07/adocao-consensual-ou-intuito-personae.html>. Acesso em 28 out. 2010. 181 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 490 e 491. 182 Sonhar com um novo lar é rotina para as 158 crianças brasilienses abandonadas pelos pais biológicos. Enquanto isso, 427 famílias estão na fila de espera para a adoção. Essa é uma equação matemática que parece simples, mas infelizmente é quase impossível de ser resolvida. A maioria dos meninos e meninas que aguardam a chance de serem adotados tem mais de 5 anos, pele morena ou negra e foi vítima de violência doméstica ou 57 Mesmo que a mãe entregue o filho a quem lhe aprouver, o Ministério Público ingressa com pedido de busca e apreensão, e a criança acaba sendo institucionalizada. Lá permanece até findar o processo de destituição do poder familiar, o que frequentemente chega a demorar alguns anos. Só depois a criança é entregue em adoção ao primeiro inscrito da lista que esteja disposta a adotá-la. Como, de modo geral, todos desejam adotar crianças de pouca idade, retirada de quem a quis, acaba sem ninguém que a queira. Ainda bem que o STJ vem atentando ao melhor interesse da criança.183 O consentimento dos genitores, segundo Paulo Lôbo184, é um direito personalíssimo e exclusivo, que não pode ser suprido por decisão judicial. “Quando os pais do adotando forem conhecidos, ou seja, quando constarem do registro de nascimento e estejam na titularidade do poder familiar, o consentimento de ambos será indispensável. [...] O consentimento pode ser feito por qualquer meio que o expresse. Não há exigência de forma. Tendo em vista que a adoção é objeto de decisão judicial, há necessidade de ser reduzido a termo, perante o juiz, quando não for escrito.” 185 Para os casos de adoção intuitu personae, entende-se não ser necessário o cadastrado no CNA, mas caso a provável família substituta o possua, melhor. Porém, é preciso comprovar que existe vínculo afetivo com o menor, e o principal, que a criança já possa ver os pais adotivos como seus pais de fato. Esta tem sido a posição do STJ, antes da Lei 12.010/09. É certo, contudo, que a observância de tal cadastro, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança, não é absoluta. E nem poderia ser. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro.186 Mareia Berenice Dias vai ainda mais longe quando diz que, mesmo “que haja determinação de que sejam elaboradas listas, não está escrito em nenhum lugar que só se pode sexual. Os candidatos a pais querem recém-nascidos brancos e saudáveis. A discrepância entre as crianças reais e aquelas imaginadas pelas famílias cadastradas deixa mais distante a solução do problema. MADER, Helena. Adoções caíram 32% de 2008 para 2009. Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/04/09/cidades,i=184960/ADOCOES+CAIRAM+32 +DE+2008+PARA+2009.shtml>. Acesso em 29 out. 2010. 183 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 490 e 491. 184 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil, Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 277. 185 Ibidem., p. 277. 186 UYEDA, Desembargador Massami. Recurso Especial 2009/0052962-4, REsp 1172067 / MG. Recurso Especial. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=8732687&sReg=2009005296 24&sData=20100414&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em 24 abr. 2010. 58 adotar quem está previamente cadastrado”.187 Porém, ainda de acordo com Maria Berenice Dias, há uma verdadeira idolatria à famosa lista, a ponto de não se admitir qualquer violação a ela.188 A afinidade e a afetividade devem sempre ser levadas em consideração, em especial nos casos de adoção, é o que preceitua o art. 28, § 3º do ECA189, e tem sido com base nesses sentimentos que o STJ e vários Tribunais do Brasil tem decidido a favor da adoção intuitu personae, mesmo que o casal adotante não esteja cadastrado no CNA. O STJ, inclusive, possui decisão favorável a casal que não estava previamente cadastrado, e para tal foi alegado o princípio do melhor interesse da criança além da afetividade e afinidade entre o menor e o casal. Pelo ponto da afetividade e do melhor interesse do menor, a que se dizer que é um ponto fundamental para a compreensão do sistema de adoção no que pertine a formação dos vínculos sob o ponto de vista da criança adotada. [...] Certamente o fator de maior reflexo e consequências no âmbito da adoção, é o apego entre adotado e adotantes. Pode, ele, legitimar uma adoção irregular ou “à brasileira”, afastando o vício que inicialmente maculava a relação. 190 Neste caso de Minas Gerais, julgado pelo STJ, o parecer elaborado pelo Serviço Social e Psicologia do Tribunal de Justiça, determinado pelo desembargador-relator, identificou traços de afetividade, mesmo o menor sendo ainda apenas um bebê de oito meses.191 "O forte desejo de ser mãe, aliado ao sentimento maternal que nela se desenvolveu, segundo relatou o casal em tela, levou a Sra. Angélica a buscar auxílio médico para que ela pudesse amamentar a pequena Laura. Assim, relatam, ainda, que ela começou a fazer uso de medicação destinada a estimular a produção de Prolactina, hormônio responsável pela produção de leite, e dessa forma a criança tem recebido uma alimentação mista, alternando o peito e a mamadeira com o leite NAN. [...] Em visita domiciliar fomos recebidos pela Sra. Angélica, que se encontrava nos cuidados com a pequena Laura, inclusive, a amamentando. Observamos que Laura apresenta-se bem cuidada, e apesar da pouca idade procura pela voz da Sra. Angélica, já com alguma referência. Durante nossa permanência na residência do casal em tela, o Sr. Luiz Carlos também se fez presente, chegando ele logo após a nossa visita domiciliar. [...] O casal mostra-se capaz de estabelecer vínculos afetivos duradouros e demonstram estarem fortemente envolvidos com Laura, à qual, durante 187 DIAS, Maria Berenice. Adoção e a Espera do amor. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/pt/adocao-e-a-espera-do-amor.cont>. Acesso em: 24 abr. 2010. 188 Ibidem., Acesso em: 24 abr. 2010. 189 Art. 28, § 3º ECA. Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida. 190 ALMEIDA, Júlio Alfredo de. Adoção Intuitu Personae – Uma Proposta de Agir. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/497.htm>. Acesso em 29 out. 2010. 191 UYEDA, Desembargador Massami. Recurso Especial 2009/0052962-4, REsp 1172067 / MG. p. 06. Recurso Especial. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=8732687&sReg=2009005296 24&sData=20100414&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em 24 abr. 2010. 59 toda a entrevista se referiram como filha. Encaram a adoção com naturalidade e revelam-se responsáveis e maduros, capazes de exercer o Poder Familiar com responsabilidade e zelo, cientes dos deveres e da importância da educação formal e moral na constituição e desenvolvimento da filha" (e-STJ - fl. 441/448). 192 O voto do Desembargador Ricardo Raupp Ruschel do Rio Grande do Sul na Apelação Cível nº 70033056383 foi baseado na afetividade existente entre o adotando e o adotante, razão pela qual, mesmo não existindo na norma estatutária a adoção intuitu personae foi aceita pelo desembargador como uma exceção admitida. Com efeito, a convalidação da adoção intuitu personae é exceção admitida em situação de vínculo afetivo pré-existente entre as partes, onde a aplicação da regra estabelecida pelo artigo 50 do ECA implicaria prejuízo ao melhor desenvolvimento da criança, situação que ofenderia o artigo 43 do ECA e com a qual não se pode aceder. O presente caso, notadamente, configura exceção à regra. Com efeito, é cristalina a existência de vínculo afetivo entre a criança e a pretendente à adoção, que convive com aquela desde 1993, data de seu nascimento, razão pela qual deve ser admitida a formalização da adoção do menor Wagner Q. S., pela ora apelada. 193 Em outra decisão194 o iminente Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, mais uma vez se vale da afetividade do menor para com o casal, e inclusive destaca o direito da criança a um desenvolvimento sadio. O presente caso configura exceção à regra. Com efeito, é cristalina a existência de vínculo afetivo entre a criança e os pretendentes à adoção, que convivem com a criança desde agosto de 2003, data de seu nascimento. Outrossim, o ajuizamento de ação de adoção ainda em março de 2004 mostra a boafé dos apelados que, de forma embusteira, poderiam ter esperado um tempo maior em silêncio, consolidando o vínculo afetivo, para só então requerer a adoção, que certamente ganhariam, tendo em vista a orientação predominante nesta Corte sobre o tema. Assim, não se pode puni-los pela tentativa de regularizar a situação da menor, ainda que o processo regular de adoção tenha sido desobedecido, o que não pode se sobrepor ao direito da criança a um desenvolvimento sadio e harmonioso. 192 UYEDA, Desembargador Massami. Recurso Especial 2009/0052962-4, REsp 1172067 / MG. p. 07. Recurso Especial. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=8732687&sReg=2009005296 24&sData=20100414&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em 24 abr. 2010. 193 Apelação Cível Nº 70033056383, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 02/12/2009. Apelação Cível. Disponível em: <http://www3.tjrs.jus.br/site_php/consulta/exibe_documento.php?ano=2009&codigo=2081709>. Acesso em 29 out. 2010. 194 Apelação Cível Nº 70028279958, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 22/07/2009. Apelação Cível. Disponível em: <http://www3.tjrs.jus.br/site_php/consulta/exibe_documento.php?ano=2009&codigo=1135316>. Acesso em 29 out. 2010. 60 Em um trecho de sua decisão a Desembargadora Maria Elza195 afirma que mesmo sendo uma criança de tenra idade, isto não deve impedir o reconhecimento da afetividade entre o adotando e os adotantes. Destaca-se ainda que a tenra idade do menor não pode servir de óbice para o reconhecimento do vínculo de afetividade do mesmo com os adotantes. Em decisão no TJDFT a ilustre Desembargadora Ana Catarino196, leva em consideração os direitos do menor, e diz que estes devem ser preservados, pois caso não os fossem estariam ferindo de morte todos os direitos da criança, inclusive aqueles que o Parquet pretende preservar. Outrossim, seria um contrassenso retirar a criança de um lar constituído, onde, ao que tudo indica, está recebendo todos os cuidados que merece, devolvendo-a a mãe, com quem hoje não tem mais nenhum vínculo afetivo e, ainda, que não possui condições mínimas para dispensar-lhe os cuidados necessários, o que o levaria a ser abrigado em estabelecimento próprio, até que fosse adotado. Tal conduta feriria de morte todos os direitos que o Parquet pretende ver preservados. Merece destaque o parecer da ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Terezinha Florenzano: “Não se verifica nos autos qualquer indício de impossibilidade psicológica ou econômica dos Postulantes para criar o menino. Ao contrário, ao que tudo indica, o menor está sendo criado com todo cuidado e carinho necessários ao seu bom desenvolvimento.” ( fl. 65) E continua: “Com efeito, na hipótese em apreço, a revogação da guarda provisória e, por conseguinte, o abrigamento de uma criança de tão pouca idade, medida que certamente seria adotada em razão da falta de condições da genitora, revela-se ao menos por ora, bastante prejudicial e desnecessária.” É de se concluir, portanto, que nenhuma nulidade macula a decisão agravada, que nada mais fez que preservar todos os direitos da criança. O art. 4º do ECA197 preceitua que é dever da família e do poder público assegurar a efetivação do direito à convivência familiar do menor. A Constituição Federal em seu art. 195 Agravo de Instrumento Cível n° 1.0090.10.000869-8/001, comarca de Brumadinho, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Relatora: Maria Elza, Julgado em 15/07/2010. Agravo de Instrumento. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0024&ano=8&txt_processo= 44349&complemento=001&sequencial=&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=>. Acesso em 29 out. 2010. 196 Agravo de Instrumento Cível nº 20090020031163AGI, Taguatinga, Primeira Turma Cível, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Relatora: Ana Catarino, Julgado em 10/06/2009. Agravo de Instrumento. Disponível em: < http://juris.tjdft.jus.br/DocJurSisplSegJus/362363/362071.doc>. Acesso em 29 out. 2010. 197 Art. 4º ECA. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 61 227198 confirma o que diz a norma estatutária. Portanto o art. 19 do ECA199 vem apenas ratificar o que diz os artigos mencionados anteriormente. Cediço é que, nos litígios em que estejam envolvidos interesses relativos a crianças, notadamente naqueles que envolvam pedido de modificação de guarda e de adoção, o julgador deve ter em vista, sempre e primordialmente, o interesse do menor. Nessa linha, estabelece o artigo 227, caput, da Constituição Federal: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Percebe-se a preocupação do constituinte na tutela dos interesses da criança, de modo a assegurar-lhe convívio social digno e favorável ao seu desenvolvimento enquanto pessoa. 200 Os artigos mencionados remetem ao direito de ter uma família, sendo que este princípio além de ser fundamental é pertencente a todo ser humano, e em especial pelo caso em tela, a uma criança que sem o convívio familiar ficará desamparada. Ficando o menor desamparado, este será encaminhado ao lar abrigo. Ocorre que a permanência nestes lares muitas vezes – mesmo que não seja a intenção – acaba sendo por tempo indeterminado, ficando então a criança sem o convívio com sua família ou então sem uma família substituta. Para que isto não ocorra, pode-se considerar que a adoção intuitu personae é possível e aconselhável, uma vez que, quando o menor nascer será imediatamente entregue a família substituta escolhida pela genitora. Esta atitude acaba por findar o ciclo vicioso da quebra de vínculos que ocorre quando uma criança é posta para a adoção. Outro ponto a ser questionado é o melhor interesse do menor. Em qualquer hipótese que envolva criança, deve-se levar em consideração o que é melhor para essa e não para o Estado ou para a família. Inclusive, é este princípio que tem imperado nas decisões do STJ: 198 Art. 227, caput CF. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 199 Art. 19 ECA. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. 200 Agravo de Instrumento Cível n° 1.0090.10.000869-8/001, comarca de Brumadinho, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Relator: Maria Elza, Julgado em 15/07/2010. Agravo de Intrumento. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0024&ano=8&txt_processo= 44349&complemento=001&sequencial=&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=>. Acesso em 29 out. 2010. 62 Quando se trata de disputas por guarda de menores, processos de adoção e até expulsão de estrangeiro que tem filho brasileiro, o que tem prevalecido nas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o melhor interesse da criança. Foi com base nesse princípio que a Quarta Turma proferiu, em abril passado, uma decisão inédita e histórica: permitiu a adoção de crianças por um casal homossexual. 201 O TJ de Minas Gerais também tem se valido da prevalência do melhor interesse do menor para os casos de adoção intuitu personae.202 No caso em tela, todavia, não se vislumbra que a decisão atacada tenha desconsiderado tal assertiva. Pelo contrário, do que se extrai dos autos tem-se que fora considerada, de sobremaneira, o interesse do menor, ficando o mesmo sob os cuidados daqueles que, em um juízo perfunctório da questão, possuem as melhores condições para criá-lo. Não se olvida que o cadastro de adotantes visa evitar fraudes no processo de adoção bem como a adoção direcionada ou intuitu personae. Todavia, conforme já fundamentado, o mesmo por ser mitigado em determinadas situações em virtude da aplicação do princípio da prevalência do interesse do menor, notadamente na hipótese de existência de vínculo afetivo entre a criança e os pretendentes à adoção, como no caso em tela. Logo, ainda que o menor sequer esteja cadastrado no registro de adoção poderá o mesmo permanecer com os adotantes, sem que isso culmine com a ilegalidade do processo de adoção em andamento. Em alguns casos a lei pode ser observada sob uma ótica menos rigorosa e mais oportuna, em especial quando se tem um menor envolvido, ou seja, deve ser aplicado além do princípio da afetividade, o do melhor interesse do menor. Nesse sentido já se posicionou o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: "EMENTA: MENOR - SEU INTERESSE - PREVALECIMENTO - RIGOR LEGALISTA - OPORTUNIDADE OU CONVENIÊNCIA - LIMITAÇÕES As questões atinentes a menor não devem ser apreciadas sob uma ótica de natureza exclusivamente legalista. E não devem, porque o interesse do menor é que deve prevalecer. Daí o rigorismo legal nem sempre ser o mais oportuno ou conveniente, se a matéria a ele (menor) concerne" (Apelação Cível 173.229-6/00 - Belo Horizonte - Relator Des. Hyparco Immesi). Na lição de Silvio Rodrigues: "em todos os litígios em que se disputa a guarda de filhos, o julgador deve ter em vista, sempre e primordialmente, o interesse dos menores" (Direito de Família, vol. VI, 12ª ed., p.254). 203 201 Princípio do melhor interesse da criança impera nas decisões do STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=97668>. Acesso em 29 out. 2010. 202 Agravo de Instrumento Cível n° 1.0090.10.000869-8/001, comarca de Brumadinho, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Relator: Maria Elza, Julgado em 15/07/2010. Agravo de Instrumento. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0024&ano=8&txt_processo= 44349&complemento=001&sequencial=&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=>. Acesso em 29 out. 2010. 63 Considerado como único ponto negativo existente neste tipo de adoção, a família natural, em alguns casos, pode querer ter contato com o menor, mas se o contato for apenas afetivo ainda há de ser válido, em especial pela alteração trazida pela Lei 12.010/09 ao ECA que determina que o filho adotivo tem o direito de conhecer seus pais biológicos. Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. Para o promotor de justiça de Osório/RS, Júlio de Almeida204, há casos em que a família natural procura a substituta para um “auxílio” financeiro, gerando assim intranqüilidade e instabilidade naquela família, e de forma inexorável, refletindo negativamente na criança. Vale lembrar que em qualquer tipo de adoção, inclusive na intuitu personae, concedida à casal previamente inscrito no cadastro de adoção ou não, essa terá caráter definitivo, ou seja, será medida irrevogável, conforme preceitua o art. 39, § 1º do ECA. Art. 39 ECA. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei. § 1º A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. Contudo ainda há de se pensar que a adoção intuitu personae poderá ser a melhor opção para o menor. “Pois o maior requisito para adotar uma criança, é a disponibilidade de amar. Ser pai ou mãe, não é só gerar, é antes de tudo, amar.” 205 203 Agravo de Instrumento Cível n° 1.0090.10.000869-8/001, comarca de Brumadinho, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Relator: Maria Elza, Julgado em 15/07/2010. Agravo de Instrumento. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0024&ano=8&txt_processo= 44349&complemento=001&sequencial=&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=>. Acesso em 29 out. 2010. 204 ALMEIDA, Júlio Alfredo de. Adoção Intuitu Personae – Uma Proposta de Agir. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/497.htm>. Acesso em 29 out. 2010. 205 NASCIMENTO, Vera Helena Vianna do. Adoção. O que é adoção. Disponível em: <http://guiadobebe.uol.com.br/planej/o_que_e_adocao.htm>. Acesso em: 22 abr. 2010. 64 3.2. ESTUDO DE CASO Este estudo foi realizado com base no Recurso Especial do STJ de nº 1.172.067 - MG (2009/0052962-4), que teve como relator o Ministro Massai Uyeda, e foi julgado em 18 de março de 2010. Segundo o relatório, a Sra. Aline possuía uma vida desregrada como dependente química, além de praticar o comércio devasso do próprio corpo. Durante a gestação, manifestou a vontade de entregar sua filha para a adoção. Ocorre que por intermédio de conhecidos seus e do casal, Sr. Luiz Carlos e Sra. Angélica, a Sra. Aline foi apresentada aos mesmos, momento em que manifestou sua vontade em entregar a menor ao casal. A menor, Laura, nasceu no dia 12 de dezembro de 2007, e foi entregue ao Sr. Luiz Carlos e Sra. Angélica, pela sua mãe biológica, no dia 28 de dezembro de 2007 perante o Juízo plantonista, onde assinaram o Termo de Declaração no qual a mãe da menor expressava sua vontade em entregar sua filha ao casal para a adoção, sem que houvesse coação ou recebesse benefício pessoal. O Juízo plantonista autorizou a guarda provisória da menor ao casal pelo prazo de trinta dias. Em 25 de janeiro de 2008 o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal e de Menores da Comarca de Sete Lagoas/MG, determinou a imediata busca e apreensão da menor Laura, com fundamento no art. 50 do ECA206, bem como diz que é possível, ao menos pelas características da genitora, que tenha ocorrido o tráfico escuso de influência, em especial pelo fato de que não é a primeira vez que a Sra. Aline entrega um filho seu a terceiro. Diz ainda o juiz que, independentemente, o procedimento é inaceitável. Esta decisão, contudo não chegou a produzir efeito, posto que o casal interpôs agravo de instrumento no dia 26 de janeiro de 2008, e foi sob o argumento de que o procedimento para a adoção não deve se sobrepor ao melhor interesse do menor, que, o ilustre Desembargador-relator determinou a imediata entrega da menor ao casal, bem como a realização de estudo psicossocial dos mesmos e oitiva de testemunhas. Em 29 de julho de 2008 o agravo de instrumento nº 1.0672.08.277590-5/001 foi julgado improvido, ou seja, restabeleceu-se a decisão anterior na qual determinava a busca e apreensão da menor. O motivo de tal decisão foi a forte suspeita de que a guarda foi obtida de 206 Art. 50 ECA. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção. 65 forma irregular e, até mesmo criminosa. Então, após cerca de oito meses de guarda exercida pelos requerentes, no dia 1º de agosto de 2008, cumpriu-se a ordem de busca e apreensão. Após o cumprimento da decisão, a menor Laura, foi entregue a casal que estava previamente inscrito no cadastro nacional de adoção. No entanto o MP em 07 de agosto de 2008 se posicionou contrário a tal decisão. Foi então interposto recurso especial ao Tribunal de origem, porém este foi inadmitido. Deste ensejou agravo de instrumento, no qual, por decisão do STJ, foi provido e convertido em recurso especial. No presente recurso especial, os recorrentes Luiz Carlos e Angélica, sustentaram que o Tribunal de origem implicou em negativa de prestação jurisdicional. Alegaram no mérito que a lista do CNA não pode se sobrepor ao melhor interesse da criança, principalmente por que a menor conviveu com eles nos seus primeiros oito meses de vida. Afirmaram que o estudo psicossocial demonstrou que os recorrentes possuem capacidade suficiente para adotar a menor Laura. Alegaram também que a adoção intuitu personae não ocorreu de forma ilícita e ilegítima, além de alegarem que o laudo psicossocial foi completamente ignorado pelas instâncias inferiores. Não houve apresentação de contra-razões, e o MP ofertou parecer no sentido de conhecer o recurso especial. O iminente Ministro Relator Massami Uyeda em seu voto julgou, com efeito, o recurso especial. Em seu voto comentou a respeito da discussão instaurada pelo cadastro de adotantes, e se este prevalece ou não no processo de adoção em tela. Falou ainda da mãe biológica, onde nos termos da inicial diz que, a mesma possui “vida desregrada, atrelada a uma conjuntura de envolvimetos escusos abrangendo desde dependência química até o comércio devasso do próprio corpo”, e ainda de que, na recriminada decisão, a mãe deu outro filho à adoção, e que por tal motivo chegou-se a conclusão de que adoção sub judice poderia concluir-se em tráfico de menor. O Ministro fala da polêmica que deve ser estudada sob uma ótica dinâmica dos fatos, e não em conferir se certo ou errado a decisão que determinou a retirada da menor da guarda do Sr. Luiz Carlos e Sra. Angélica. O relator não se esquece que o art. 50 do ECA tem uma nobre finalidade: manter um cadastro de pessoas habilitadas para adotar, e incontestavelmente este tende a preservar o melhor interesse do menor, pois os possíveis adotantes já foram previamente analisados por uma comissão técnica multidisciplinar, para minimizar, no caso, a possibilidade de eventual tráfico de crianças. 66 Não obstante, o cumprimento do cadastro não é absoluto, e nem pode ser. Aceita-se a exceção, quando for observado o princípio do melhor interesse do menor, pois este é a base do regramento protecionista, em especial se existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, mesmo este não estando previamente cadastrado. Além disso, a avaliação da capacidade e aptidão do casal ora questionado, se dará no curso do processo de adoção, com parecer psicossocial, que em harmonia com a instrução processual, deverá indagar a permanência da menor com o casal recorrente. No caso deste julgamento, deixa-se de lado o que diz a doutrina e a jurisprudência acerca da adoção intuitu personae, tal fato é desinfluente para a decisão liminar, uma vez que, nos autos, é incontestável que a menor Laura esteve sob a guarda ininterrupta – pelos primeiros oito meses de vida – dos recorrentes por conta de decisão anterior. É importante ressaltar que, em caso que se trata de adoção de menor, no qual há que se valer da prioridade do interesse inerente a criança, o efeito de uma decisão judicial pode fortalecer uma situação jurídica, às vezes incontornável, como, por exemplo, o vínculo criado pela afetividade. No caso em tela, tem-se que na não interrupção da guarda, por durante oito meses, possui a prerrogativa de estabelecer vínculos de afinidade e afetividade entre a menor e com os pais adotivos. Inclusive, em atendimento à determinação do iminente Desembargadorrelator, o parecer elaborado pelo Serviço Social e Psicologia do Tribunal de Justiça identificou traços de vínculos afetivos já na guarda provisória. A saber, o parecer citou que o forte desejo de ser mãe por parte de Angélica, a levou a buscar auxílio médico para que ela mesma pudesse amamentar a menor Laura, fazendo então uso de Prolactina, medicamento utilizado para estimular o hormônio na produção de leite. No momento da visita, percebeu-se que além de bem cuidada, a criança, mesmo sendo de pouca idade, já conseguia identificar a voz da Sra. Angélica, e inclusive procurava por esta. O Sr. Luiz Carlos também estava presente no momento da visita, e ambos mostraram-se capazes de estabelecer vínculos afetivos duradouros com Laura, à qual, a todo o momento se referiam a ela como filha. E encaram com bastante naturalidade a adoção, bem como revelaram serem capazes de exercer o Poder Familiar com bastante responsabilidade e zelo, além da consciência da educação formal e moral que deverão constituir e desenvolver com a filha. 67 O Ministro-Relator Massami Uyeda, cita um doutrinador207 que divide o menor por idade, ou seja, para os menores de seis meses de vida, deve-se retirar a guarda da criança dos adotantes e entregá-la a pessoas previamente cadastradas. Já para os maiores, deverá ser feita uma avaliação pela equipe interprofissional, para que então seja atestado se já existe um vínculo afetivo. Tal fundamento adotado pelo Tribunal de origem mostra-se insubsistente, pois apenas pela criança possuir menos de um ano de idade, e pela formalidade do cadastro, a menor poderia ser afastada do casal adotante, isso porque não levou em consideração o único e imprescindível critério que deveria ter sido observado para tal caso, ou seja, a existência da afetividade entre os recorrentes e a menor. O Ministro Massai Uyeda cita um precedente208 do prórpio STJ, em que o Ministro Humberto Gomes de Barros concede a guarda e defere a adoção de um menor a casal, que não estava previamente cadastrado, porém que ficou comprovado o vínculo afetivo, e que segundo o iminente Ministro, mais rupturas na vida desse menor não estaria de acordo com o melhor interesse do mesmo. Deste modo, por decisão judicial e pelo estudo psicossocial, o estreitamento da relação da menor Laura com a Sra. Angélica e com o Sr. Luiz Carlos, o vínculo de afetividade é nítido, e por tanto a Medida Cautelar nº 15.097/MG e o Agravo de Instrumento, bem como este Recurso Especial, possuem a intenção de preservar a situação jurídica já consolidada. Tem-se então, que os motivos que levaram ao deferimento da busca e apreensão do Tribunal de origem, já não se mostram mais presentes, especialmente por se considerar que a menor já se encontra há pelo menos dois anos com o casal recorrente. Mostra-se então, dessa forma, que o fundamento do acórdão anterior, que levantava a suspeita de tráfico de menor, sob o argumento de que a vida pregressa da mãe biológica, como dependente química e com vida desregrada, inclusive já tendo entregado outro filho para a adoção, não se pode prosperar, pois isso não leva a conclusão de que houve a venda da menor. 207 BORDALHO, Galdino Augusto Coelho, Curso de Direito da Criança e do Adolescente, Aspectos Teóricos e Práticos, 2ª Edição - IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família – Editora Lumen Juris, p. 221. In RECURSO ESPECIAL Nº 1.172.067 - MG (2009/0052962-4) STJ. Recurso Especial. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=955035&sReg=200900529624&sData=201 00414&formato=HTML>. Acesso em 31 out. 2010. 208 REsp 837324/RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 31/10/2007. Recurso Especial. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=731525&sReg=200600732283&sData=200 71031&formato=HTML>. Acesso em 31 out. 2010. 68 Outro ponto, é que a mãe biológica, em Juízo, já havia explicitado que a entrega de sua filha havia sido de forma voluntária, sendo então que não recebeu por este ato nenhum benefício. O terceiro ponto levantado pelo Ministro-Relator foi com vista no cumprimento do princípio do melhor interesse do menor, uma vez que restou comprovado a existência do vínculo afetivo da menor com os recorrentes, devendo-se então se justapor, ao caso dos autos, onde os fatos por si só não consubstanciam o tráfico da criança em questão. Outro ponto que foi estudado pelo Ministro-Relator, foi em relação ao ato de que o Juízo da primeira instância decidiu, que foi entregar a menor, mesmo após oito meses de convivência com o casal recorrente, a outro casal que estivesse cadastrado na lista de adotantes. O prórpio MP deu parecer desfavorável a tal decisão, uma vez que não é razoável – pelo melhor interesse do menor – transferir-se a guarda a um terceiro casal, apenas porque estes são integrantes do cadastro e aqueles não, fato este que poderia até gerar certa insegurança jurídica. Massami Uyeda fez questão de deixar claro que não está se preferindo o direito de um casal em relação a outro, até porque o direito em questão não é o direito deles, mas sim se tenta priorizar o direito da criança a ser adotada por aquele casal com o qual a mesma já possuia laços de afetividade. Quanto à aptidão de se preferir um casal para que se possa exercer o Poder Familiar, este se dará no desenrolar do processo de adoção. Sendo assim, o Ministro-Relator Massami Uyeda, deu provimento ao recurso especial, ou seja, manteve a menor Laura sob responsabilidade do casal recorrente, qual seja, Sr. Luiz Carlos e Sra. Angélica. Diante do caso em tela e de toda a abordagem deste capítulo, nota-se que tem sido recorrente as decisões da justiça para garantir o bem estar da criança. Não se pode olvidar que, colocar a lei acima dos laços de afetividade são situações errôneas que remetem ao passado, passado esse, em que só se pensava na herança financeira e cultural da família adotante. Sendo assim, a melhor forma de dar uma maior segurança à criança e à família escolhida para a adoção, nos casos da intuitu personae, seria a de uma legislação atual e condizente com essas situações que tem acontecido corriqueiramente. Pois, adotar é um gesto de amor ao desconhecido e para incentivar a adoção, o que se deve fazer é agilizar e deixar esse processo tão doloroso, mais prático, fatos tais, que as leis brasileiras ainda não tem cooperado, uma vez que não regulamentam o assunto. 69 CONCLUSÃO No decurso da monografia foi observada a evolução do direito da família e suas várias transformações. A família com a evolução da sociedade progrediu, e a mais significativa das mudanças foi sem dúvida, o afeto como principal fator de formação da base familiar atual. Valendo-se desse afeto, a adoção passou a ser realizada com mais frequência, em especial o modo de adoção intuitu personae. A partir dessa mudança, a Constituição Federal de 1988 passou a proteger e amparar a formação das famílias em suas várias formas. Desses novos formatos familiares, surgiram as entidades familiares, a saber: as biparentais – formada exclusivamente pelos pais e seus filhos; a extensa ou ampliada – quando além dos pais e filhos, vivem também conjuntamente os avós, tios etc.; as monoparentais ou natural – constituída por um dos pais e seus filhos; as anaparentais – onde os irmãos vivem juntos, porém sem pais ou avós; as pluriparentais, reconstituídas ou recompostas – pais e filhos, entretanto, neste caso um dos pais vive com outro companheiro; e a substituta – família formada por pais e filhos adotivos. Assim como a família evoluiu, a adoção também fez seu salto na história. A adoção antes conhecida tinha como finalidade preencher um vazio nos lares que não possuíam filhos biológicos. Atualmente, esse vazio a ser preenchido é o da criança abandonada, ou seja, já não se leva em conta o que é melhor para o adotante e sim para o adotando, em consonância com o princípio do melhor interesse do menor. Em se falando dos tipos de adoção, existem várias formas elencadas, porém o propósito desta monografia foi abordar em especial a adoção intuitu personae, que mesmo com as alterações trazidas pela Lei Nacional de Adoção, não foi considerada uma forma ilegal de se adotar, por inexistência de proibição expressa. Há quem discorde deste tipo de adoção, pois afirmam que pode haver tráfico de crianças ou então, porque a mãe não está habilitada a escolher quem é melhor para seu filho, pois algumas vezes, a mesma escolhe não porque acha ser o melhor, mas sim por estar recebendo ou pedindo alguma forma de suborno ou coação. Entretanto, deve-se levar em conta, o desejo da mãe de escolher quem ela deseja ver criando seu filho, sentindo-se assim maior tranquilidade a respeito do futuro da criança. Além 70 do que este pode ser um procedimento menos doloroso para o menor, pois não será necessário passar por abrigos, assim a criança não fica abandonada, até que seja deferida sua guarda a algum casal com o qual nunca teve contato. E ainda, o fato de o menor viver em abrigo levase a pensar que neste local não irá receber o mesmo carinho que receberá em seu lar substituto. Critério fundamental para a adoção intuitu personae é a afetividade. Por isso, deve-se então existir um estudo psicossocial, este nos mesmos moldes do exigido para a inclusão no Cadastro Nacional de Adoção, bem como uma profunda averiguação da legitimidade no ato da escolha da família por parte da genitora da criança, para que haja segurança jurídica no ato de adoção. A Lei 12.010/09, que trouxe nova redação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, acrescentou ao art. 39 o parágrafo primeiro em que diz que a adoção é medida excepcional e irrevogável. Porém só se deve recorrer a tal medida, quando esgotadas todas as formas de se manter o menor em sua família natural ou extensa. Com a presente monografia conclui-se então, que a adoção intuitu personae é uma adoção válida, mesmo não havendo legislação expressamente regulamentada. Isso porque não fere nenhum princípio legal ou qualquer outra lei existente em nosso ordenamento, mas se baseia em princípios já existentes, em especial pelo princípio da afetividade e do melhor interesse do menor. 71 REFERÊNCIAS Agravo de Instrumento Cível n° 1.0090.10.000869-8/001, comarca de Brumadinho, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Relator: Maria Elza, Julgado em 15/07/2010. Agravo de Instrumento. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0024&an o=8&txt_processo=44349&complemento=001&sequencial=&pg=0&resultPagina=10&palavr asConsulta=>. Acesso em 29 out. 2010. ALMEIDA, Júlio Alfredo de. Adoção Intuitu Personae – Uma Proposta de Agir. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/497.htm>. Acesso em 29 out. 2010. Apelação Cível Nº 70028279958, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 22/07/2009. Apelação Cível. 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