Entrevista com o presidente da

Transcrição

Entrevista com o presidente da
Ritos
REVISTA DA AMARN * ANO VII * Nº 7 * DEZEMBRO 2011
Entrevista com
o presidente da
AMARN
ARTIGO A juíza Valéria Lacerda Rocha escreve sobre a magistratura e as mulheres
Pesquisa Estudo revela estresse ocupacional em magistrados do RN
// EDITORIAL
CONSELHO EXECUTIVO
Presidente
Juiz Azevêdo Hamilton Cartaxo
Vice-Presidente Institucional
Juiz Mádson Ottoni de A. Rodrigues
Vice-Presidente Administrativo
Juiz Luciano dos Santos Mendes
Vice-Presidente Financeiro
Juiz Marcelo Pinto Varella
Vice-Presidente de Comunicação
Juiz Cleofas Coelho de A. Júnior
Vice-Presidente Cultural
Juiz Odinei Wilson Draeger
Vice-Presidente Social
Juiz Jorge Carlos Meira Silva
Vice-Presidente dos Esportes
Juiz Cleanto Fortunato da Silva
Vice-Presidente dos Aposentados
Juiz Francisco Dantas Pinto
Coordenador da Região Oeste
Juiz Breno Valério F. de Medeiros
Coordenadoria da Região Seridó
Juiz André Melo Gomes Pereira
CONSELHO FISCAL
Juíza Denise Léa Sacramento
Juiz Fábio Antônio C. Filfueira
Juiz Fábio Wellington Ataíde Alves
Juiz João Eduardo R. de Oliveira
Juíza Leila N. de Sá Pereira Nacre
Juiz Luiz Alberto Dantas Filho
Juiz Marcus Vinicius P. Júnior
Juíza Rossana Alzir D. Macêdo
Juíza Sulamita Bezerra Pacheco
de Carvalho
Editora executiva
Adalgisa Emídia DRT/RN 784
Projeto Gráfico e Diagramação
Firenzze Comunicação Estratégica
(84) 3344-5240
Fotos
Elpidio Júnior
foto Capa
Fátima Melo
Associação dos Magistrados
do Rio Grande do Norte
Condomínio Empresarial Torre
Miguel Seabra Fagundes
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3206.9132 | 3234.7770
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Caros Colegas,
O ano de 2011 foi consolidado pela realização do VI Congresso dos
magistrados do RN, onde pudemos discutir questões importantes como a
qualidade de vida, reportagem destacada nesta edição da Ritos.
A revista, sob os cuidados editoriais do incansável Odinei Draeger vice-presidente cultural, traz ainda artigos da juíza Tatiana Socoloski, Assis Brasil e Paulo Sérgio para uma leitura descontraída nos nossos momentos de
lazer. Tem ainda um artigo da juíza Valéria Lacerda sobre a magistratura e
as mulheres e um ensaio fotográfico do juiz Sérgio Dantas, revelando talentos da arte da fotografia.
Na última edição como presidente da AMARN, o juiz Azevêdo Hamilton, em entrevista a jornalista Adalgisa Emídia, fala sobre a experiência em
presidir a associação dos magistrados, as conquistas e desafios a seguir para
o fortalecimento de todos os magistrados potiguares.
Um dado importante, divulgado em reportagem especial, nos revela
que 76,3% dos juízes do Rio Grande do Norte sofrem com sintomas de
ansiedade e depressão, de acordo com uma pesquisa realizada pela UFPB.
Uma informação importante, que serve como reflexão para se discutir o
estresse ocupacional presente na vida dos nossos magistrados.
Na coluna sobre gastronomia, o presidente Azevêdo nos brinda com
uma dica da praia de Pipa “Robalo em crosta de coco” um prato saboroso
para quem gosta de uma culinária sofisticada.
A revista Ritos foi feita com todo carinho para trazer para cada um
dos leitores momentos de prazer e deleite em cultura, arte, literatura e informação. Obrigado a cada um que escreveu e fez desta edição mais uma
publicação leve, informativa , descontraída e de muito bom gosto.
Chegamos ao fim deste ano, com o cumprimento de mais uma missão
em colaborar para que tenhamos um judiciário cada vez mais fortalecido e
comprometido com os anseios de justiça para todos.
Um agradecimento especial a todos os associados e que em 2012 a
AMARN possa seguir na sua missão de luta pela magistratura potiguar.
Boa leitura !
Cleofas Coelho de A. Júnior
Vice-presidente de comunicação da AMARN
// Sumário
20
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Congresso
CAPA
Congresso dos magistrados do
RN discute qualidade de vida
“Os dois anos foram dos mais
felizes que vivi” revela presidente
da AMARN em entrevista especial
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Ensaio
Beleza em um ensaio
fotográfico do juiz
Sérgio Dantas
50
GASTRONOMIA
O charme e as
delícias de Pipa
38
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PESQUISA
ARTIGO
Pesquisa revela que 76,3% dos
magistrados do RN têm sintomas
de ansiedade e depressão
O juiz Odinei Draeger
mostra a arte esquecida
da educação
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ESPECIAL
Julgar sem ser juiz:
o lado dos jurados
em um júri
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Ritos
5
// ARTIGO
Crônica do além juiz
Tatiana Socoloski
Juíza da comarca de Nova Cruz
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Ritos
Certo dia dr. Pedro de Alencar, renomado Juiz com aproximadamente 15
anos de magistratura e 45 de idade, chegou ao Fórum da Capital, como de
costume, por volta das 08:30 horas, após deixar seus três filhos no colégio, e, ao
entrar em seu gabinete, ao invés de proceder com a verificação prévia do que
havia a ser feito, sentou em sua poltrona e passou a meditar.
Se lembrou que há 15 anos iniciou sua carreira como magistrado, sempre
se pautando pelo bom senso, pelo justo, coerente e razoável, e de lá para cá já
havia percorrido 08 comarcas para só agora, depois de mais de uma década, ser
agraciado com uma promoção para Capital.
Se recordou também que apesar de ter sido criado em uma metrópole, não
teve problemas para se adaptar às cidades do interior e à população local, apesar, de é claro, ter sua vida toda voltada para o grande centro, onde foi criado
e educado.
E assim foi... Dois anos depois de ter entrado em exercício como juiz substituto casou-se com dra. Ana Madalena, advogada experiente, na época com
mais de cinco anos de profissão, com quem teve 03 filhos, Gabriel, Francisco e
Josoniel, atualmente com 11, 09 e 06 anos, respectivamente.
Durante este tempo dr. Pedro sempre se dividia entre as atribuições de juiz,
marido, pai de família, etc. Por muitas vezes colocou seu casamento e sua família em segundo plano em prol da comarca onde estava a jurisdicionar.
E os filhos foram sendo cuidados na grande e avassaladora parte das vezes
por dra. Ana Madalena que, acima de tudo, tinha que igualmente dar conta da
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casa e do seu escritório particular.
Os anos foram passando e dr. Pedro jamais se questionou,
jamais se sentiu frustrado ou mesmo arrependido. Só pensava
em dar o seu melhor à sociedade e a sua família.
Dra. Ana Madalena, ao contrário, começou a dar sinais de
cansaço e estafa, com mudanças de humor e ataques não raros
de pânico e estress.
A essa altura Ana Madalena já não compreendia mais os
reclames de seus filhos e nem de seus clientes.
Para ela, todos pareciam impacientes e injustos.
Bom, de toda forma dr. Pedro de Alencar continuava nas
suas funções, trabalhando de sol à sol, varando madrugadas,
tentando dar vazão à algo que, como já era do seu vasto conhecimento, jamais teria um fim, mas o fazia por amor à profissão
que escolhera, para justificar o seu salário e para se dar ao luxo
de voltar para o seio da sua família às quintas a noite, se deleitar
em beijos, abraços e sorrisos.
Aos seus olhos, a troca era justa.
Mas agora, tudo era diferente. Já estava na Capital.
Contudo, a chegada do novo Corregedor de Justiça o fez
repensar.
É que o novo Corregedor, com a melhor das boas intenções
(é claro), já chegou mostrando para que vinha. Espalhou aos
quatro cantos que iria moralizar a instituição fazendo com que
todos os juízes cumprissem expediente e morassem na cidade
onde estivessem exercendo jurisdição.
Foi um alvoroço geral. O mal estar logo estava criado.
Refletiu: expediente? O que é que ele está tentando dizer?
Que juiz trabalha menos do que deveria? Que juiz é preguiçoso? Egoísta? E o tempo que passamos enclausurados em nossos
gabinetes e residências trabalhando até hora da madrugada? O
que é isso? Passatempo?
E esta situação ficou insustentável.
Pela primeira vez dr. Pedro se mostrou perplexo.
Se questionou e baixou de produtividade.
Pensou: como pode uma situação como esta. Passei minha
vida em prol da comunidade e da família. Atualmente, finalmente posso, ajudo minha esposa nas obrigações da casa, retribuindo tudo o que ela fez por mim todos estes anos, levando
meus filhos para colégio, médico, dentista e tudo o que for necessário. Não me importo e nunca me importei em trabalhar o
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tempo que for necessário, mas ter que cumprir rélis expediente?
Eu? Que sempre me dei e me dou tanto para a magistratura e
para a sociedade? Que sempre trabalhei não oito, mas mais que
10, 12 horas por dia?
Aliás, continuou, o que pensa de fato o nosso novo Corregedor? Que nós não temos vida privada? Que não podemos nos
envolver com ninguém para ficarmos exclusivamente a tratar de
assuntos da comunidade? E será que uma coisa tem a ver com
a outra? Alias, Quem é que escolhe com quem vai casar? Por
quem vai se apaixonar? É possível alguém em sã consciência
escolher alguém (nos dias de hoje), com a certeza de que vai
nos acompanhar por todos os interiores por onde teremos que
passar? Será correto exigir dessa pessoa que abdique de seus
estudos, de sua profissão?
As dúvidas de dr. Pedro tinham consistência.
Na época do Senhor Corregedor até que as cidades do interior eram mais prósperas e ofereciam melhores oportunidades
de vida.
Aliás, os casamentos eram mais fáceis. As esposas simplesmente seguiam os maridos e ponto final. Abriam simplesmente
mão da sua vida privada.
Mas com o tempo tanto o ensino piorou de qualidade quanto as oportunidades profissionais foram se tornando escassas.
A qualidade de vida então nem se fala.
As esposas, por sua vez, passaram a ter direito de seguir
numa profissão.
Em suma, antigamente o convívio social era mais fácil.
Agora, quem tem oportunidade e condições financeiras
manda logo os filhos para estudar na Capital.
Marido e mulher somam seus salários em benefício da
família.
Não se cogita mais o contrário, salvo raríssimas exceções.
E nenhuma mulher se submete mais a essa situação.
E para a família do juiz, sobra o quê?
Viver na solidão, enclausurada?
É justo exigir de um companheiro que feche as portas do seu
escritório, da sua clínica, sua empresa, ou sei lá o quê mais, com
clientela formada, para aventurar em outras terras?
É justo exigir que seus filhos sejam criados em instituições
com qualidade de ensino muitas das vezes inferiores às dos grandes centros?
Ritos
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E no caso da minha esposa então, o quê falar? Seria justo
exigir dela que fechasse as portas do seu escritório para se aventurar fora do local onde já militava há cinco anos quando nos
casamos? E ela iria trabalhar onde se eu mesmo estaria impedido de julgar os seus processos?
O que o cidadão quer mesmo é um juiz que julgue! Isso é
presença para ele! E não um juiz que ande pelas ruas assombrando os outros com o poder que detém. Isso é fácil – pensou
dr. Pedro -, o difícil mesmo é finalizar um processo que, por
sinal, pode acontecer de manhã, de tarde ou mesmo à noite, no
fórum ou em outro local, até mesmo em casa, como acontece
cotidianamente comigo e meus colegas.
Aliás hoje em dia dá até mesmo para trabalhar em um cyber café, que de fato será bem mais tranqüilo do que no próprio
fórum onde o juiz é constantemente interrompido.
Dr. Pedro, que a essa altura já estava preocupado e abalado
com a situação posta, bastante constrangedora por sinal, acabou
se entregando ainda mais à decepção ao passar os olhos no jornal do dia e ler uma entrevista com o Corregedor que por sua
vez dava a entender a todos que quisessem ler a matéria que o
juiz hoje em dia só queria mesmo é aproveitar os benefícios da
carreira deixando de lado suas obrigações para com a sociedade.
Dr. Pedro é um homem justo e apesar de já estar confortavelmente trabalhando na Capital e a rigor não estar mais sofrendo grandes pressões quanto às normas baixadas pelo novo
Corregedor, se preocupava com seus colegas que ainda estavam
vivendo esta rotina de viagens semanais e divisões de tarefas entre casa e comarca.
E aí então, quase que em topor, se lembrou dos anos que
trabalhou no interior, até horas da noite, sem o mínimo de condições materiais, mas sempre com o intuito de oferecer o melhor
aos seus jurisdicionados.
Se lembrou da cadeira manca que utilizava, da iluminação
precária que o servia, da falta de funcionários, das vezes que teve
de assumir papel de meirinho, servidor e oficial de justiça, da
falta de ventilação do gabinete e da sala de audiências, da falta
de papel, da falta de caneta, da falta de clips, enfim, da falta de
um tudo.
Se lembrou também das poucas oportunidades que teve de
se aperfeiçoar enquanto profissional exatamente por estar preocupado em dar impulso aos processos e em pouco se ausentar
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Ritos
das comarcas.
Se recordou ainda de seus colegas dr. Coutinho, dra. Esmera, dr. Cônego, dr. Paulo Coelho, que ainda trabalhavam
no interior, inobstante suas famílias residirem na Capital, todos
pautados pela mesma conduta e agora à mercê de decisões que
por si só, como era de conhecimento de todos, não moralizaria
nada.
E logo se perguntou: para quê tanto esforço? Valeu à pena?
Aliás, os magistrados começaram mesmo é ficar abatidos e
exaustos com tamanha pressão.
Essa situação resvalou na produção pessoal de cada um.
Não era para menos. Os juizes estavam se sentido humilhados publicamente com as colocações do Sr. Corregedor.
Dra. Esmera, mãe de uma menina de 15 anos e de outra
com 03 já estava freqüentando médicos psiquiatras face o estress
que a estava assolando.
O marido já não agüentava mais ter de acumular o seu comércio com as responsabilidades de casa e já estava pedindo a
separação.
Dra. Esmera, que era uma das magistradas que mais produzia no Estado, não conseguia há um mês escrever uma única
linha.
Estava atônita.
Seus problemas eram pesados e só conseguia lembrar que
há anos cumpria com suor e esforço o seu papel e nunca tinha
recebido um elogio sequer.
Para quê tudo isso? Perguntou dr. Pedro. A Corregedoria já
não tinha mecanismos para punir os maus juízes? Então para
quê nivelar por baixo todos nós? Por que não punir os verdadeiros faltosos? Juiz tem que cumprir expediente? Juiz já não
trabalha 24 horas por dia? O seu regime de trabalho já não é o
de dedicação integral? Será que o Sr. Corregedor esqueceu disso
quando foi promovido para Desembargador?
Aliás, pensou o experiente magistrado, se ele morou no interior todos os anos em que foi juiz é porque isso o satisfazia.
Porque possivelmente sua família pôde acompanhá-lo. E, acima
de tudo, é porque deu certo. Mas isso não serve de parâmetro
para todos os demais. Uma pessoa não entra para a magistratura visando unicamente morar no interior. Quem quer morar no
interior vai ser fazendeiro, boiadeiro, comerciante, qualquer coisa. Mas quem quer ser juiz quer mesmo é contribuir para a so-
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ciedade e chegar à Capital onde as coisas acontecem e onde terá
condições de criar e manter sua família com mais dignidade.
Quem é que não quer isso?
Mas dr. Pedro que estava com os olhos fechados começou
a suar frio e sentiu seu coração palpitar mais forte. Pensou estar tendo um ataque cardíaco. Se assombrou com todos esses
pensamentos e deu um salto de inopino. Abriu os olhos e percebeu que estava em sua cama, deitado. Sua esposa também se
assustou com o movimento do seu marido e perguntou o que
tinha acontecido. Dr. Pedro, após alguns instantes recobrando a
memória, olhou para a esposa - que a essa altura, cerca de seis
meses após a promoção que o levou de volta para o seio familiar, já demonstrava melhoras no seu humor -, respondeu: “nada
meu amor, descanse em paz, foi só um pesadelo, amanhã estarei
pronto para mais um dia de labor. E não se esqueça! Antes deixarei os meninos no colégio com o maior prazer. Tudo para te
ver mais tranqüila e pronta para impulsionar o seu escritório.”
Dra. Ana Madalena assentiu com um gesto carinhoso, demonstrando alívio, e voltou a dormir, desta feita encostando seu rosto
no ombro do seu amado. Já começava a se sentir segura, pois ele
estava lá, ao lado dela, para o que der e vier.
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Oliveira Soares
// Homenagem
Juiz Patrício Lobo
faz homenagem a
Mossoró
Esse texto, em forma de poema, foi escrito
na ocasião da entrega do título de cidadão
mossoroense ao juiz natural da Paraíba.
Fotos: Georgeane Fernandes
Patrício Jorge Lobo Vieira
Juiz de direito
Teatro de Mossoró
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Ritos
Peço permissão à mesa,
Para o protocolo não honrar,
Porque hoje é dia de festa
E não protocolar,
Como Juiz aqui não estou, mas como matuto potiguar,
E por isso pouco vou falar,
Para ninguém enfadar.
Há três anos, do vale sagrado do Apodi, vim aqui pra Mossoró,
Na terra de santa Luzia,
O meu ofício judicante praticar,
Buscando trazer para cá,
A difícil arte de julgar.
Terra de povo valente,
Corajoso e persistente,
Que sempre buscou na Liberdade
A sua pátria honrar.
Auto da liberdade,
Chuva de balas e Resistência à lampião,
Motim das mulheres e antecipada Abolição
Com Celina, a evidência da eleitora feminina.
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Centro de Mossoró
Com a ousadia do petróleo, da fruticultura e do sal,
o desenvolvimento,
Sem qualquer lamento
É a Mossoró querida,
Viva e abençoada,
Que cresce e se envaidece
Com firmeza e destemor.
Das minhas origens em Catolé do Rocha e Alexandria,
Da Serra da Barriguda,
Venho viver esta nova alegria, sob as bênçãos de Deus, nos braços de Santa Luzia,
E por isso aqui estou, feliz e agradecido, em nome da Justiça,
Deveras comovido,
Pela nobreza da homenagem,
desta Casa Legislativa,
Esperando que nesta Terra, com afinco e sem quiprocó,
Comemoremos a nossa nova cidadania,
No País de Mossoró.
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Praça da Convivência
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// especial
A consciência
de cada um
“Muitas pessoas morreram em nome
da honestidade, da responsabilidade e
do resto do ‘pacote de virtudes’, mas eu
não tenho nenhuma simpatia por elas.
Quero dizer, como Platão, que as virtudes não são muitas, mas uma, e seu
nome é justiça (...) justiça não é uma regra concreta de ação como honestidade
(...) justiça (...) é um princípio moral. Por
princípio moral, quero dizer que é um
modo de escolher o que é universal, um
modo de escolher o que podemos desejar
que todas as pessoas adotem sempre em
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Ritos
todas as situações” (Lawrence Kohlberg).
Essa mensagem, retirada do blog do
juiz Rosivaldo Toscano, foi deixada pelo
psicólogo norte-americano e traz a tona
o desejo da maioria das pessoas com relação ao sentido de justiça. Um significado amplo, que depende da visão e lado
de cada pessoa. Diariamente, milhares
de brasileiros entram com alguma ação
na justiça em busca de direitos a serem
preservados ou garantidos. Os processos
judiciais envolvem julgadores e julgados.
Réus e autores. Seres humanos em cons-
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tante busca pela valorização do que deveria ser o certo.
A bancária Vanessa Silva de Macêdo viveu essa experiência há 4 anos, quando recebeu o valor de uma causa trabalhista, depois de dois anos e meio. Ela trabalhou
durante 12 anos num banco privado e ao sair resolveu
entrar com uma ação pedindo horas extras trabalhadas ao
longo desses anos. Após um processo penoso de idas e vindas, ficou satisfeita com o andamento da ação trabalhista.
“Com certeza, fiquei satisfeita com os resultados da ação.
O juiz julga não só as causas, mas a vida das pessoas que
só têm a justiça do trabalho para fazer valer seus direitos
estabelecidos pela CLT. A justiça é feita não só de leis, mas
principalmente por juízes que são realmente comprometidos com a sua função de fazer com que as leis sejam respeitadas”, conclui a bancária Vanessa Silva de Macêdo.
Do outro lado, vivendo uma experiência diferente, a
jornalista Angélica Hipólito participou de dois júris populares e, segundo ela, a primeira sensação foi de apreensão,
mas depois se sentiu a vontade pela maneira como os juízes conduziram o julgamento. O primeiro foi em 2004
sobre o assassinato de uma mulher pelo marido na Rota
do Sol e ela lembra que foi uma semana inteira de julga-
Júri no Fórum Miguel Seabra Fagundes, em Natal
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Ritos
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mento. “Quando participei dos conselhos de sentenças,
fiz perguntas aos réus e as testemunhas. Dessa forma,
me senti tranquila para tirar dúvidas e fazer uma análise dos casos apresentados. Os juízes procuram deixar
os jurados muito bem esclarecidos sobre isso” afirma
Angélica Hipólito.
A formalidade dos júris, a apreensão dos dois lados
dos casos, as acusações, provas, discussões e principalmente histórias de vida são alguns dos sentimentos que
envolvem pessoas comuns escolhidas de forma aleatória
para compor um corpo de jurados. “A emoção de se estar julgando uma pessoa é muito grande. Lembro que a
minha primeira participação num conselho de sentença, foi nas vésperas de um Natal e eu olhava para o réu
e via a família dele chorando. Na minha opinião ele era
inocente, mas não sabia o que os colegas estavam pensando. No momento da sentença, o réu foi inocentado
e todos os sete jurados se confraternizaram. Sempre me
emociono ao lembrar desse caso” revela a jornalista.
A experiência vivida como jurado, muitas vezes, deixa
marcas para o resto da vida, apesar do desgaste físico e
emocional.
“No início, achei muito chato ficar ali sentado
vendo juiz, promotores e advogados debaterem sobre
crimes, assassinatos e leis. Mas, depois do primeiro julgamento, tudo ficou mais claro e terminei me empolgando. Participei ativamente de todas as decisões e me
senti, realmente, o máximo. A juíza ao chamar o meu
nome já dava um ar de riso e os promotores também.
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Ritos
Angélica Hipólito, jornalista
Vanessa Silva de Macêdo, bancária
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Acho que eles acabaram gostando da
minha participação como jurado” revela
o radialista Abmael Filho.
“O jurado é o verdadeiro juiz no Tribunal do Júri e antes de iniciar a sessão
de julgamento é cobrado pelo juramento
a examinar a causa com imparcialidade,
sem preferências pessoais contra ou a
favor do réu e a profira seu julgamento
de acordo com a sua consciência, com a
finalidade de fazer justiça. O juramento
resume qual deve ser a postura de um
jurado durante a sessão: reservado e
contido, para evitar que haja antecipa-
ção de sua convicção; atento, para que
não lhe escapem os fatos que usará para
julgar e, principalmente, consciente de
que aquele que está no banco dos réus é
um de seus concidadãos que merece um
julgamento justo, mesmo que desfavorável. A experiência de ser jurado deve ser
gratificante, apesar da angústia proporcionada pelo peso da grave responsabilidade de julgar o próximo, pois não há
honra maior do que colaborar para que
se faça justiça” revela o juiz Odinei Draeger da 1ª Vara Cível de São Gonçalo do
Amarante.
O jurado é o verdadeiro
juiz no Tribunal do
Júri e antes de iniciar a
sessão de julgamento é
cobrado pelo juramento
a examinar a causa com
imparcialidade”
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Abmael Filho, radialista
Ritos
15
// ARTIGO
Valéria Maria Lacerda Rocha
Juíza de Direito Auxiliar, Professora
da Universidade Estadual do Rio
Grande do Norte, mestre em Direito
Constitucional
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Ritos
“A Magistratura
e as Mulheres”
Há muito já se sabe que não foi fácil para as mulheres abrirem as portas
para o campo profissional. Árdua foi a tarefa de nossas ancestrais, na luta pela
igualdade de direitos e oportunidades em se tratando de atividades laborativas,
principalmente em face do sexo oposto.
Imaginem ter que deixar a casa, o marido e os filhos, para se aventurarem nos escritórios, oficinas, hospitais, repartições públicas e etc., como uma
pessoa produtiva e produtora de mão-de-obra especializada. Não é a toa que
mesmo no Século XXI ainda se encontram tantos obstáculos a serem vencidos e desmistificados para a valorização do trabalho feminino, já que desde o
início da história da humanidade a mulher foi vista como um ser inferior ao
sexo masculino. Ademais, a sua condição de mãe e esposa por vezes dificulta a
sua própria vida profissional, já que em alguns casos, infelizmente, necessita-se
fazer uma opção.
Pensando em todas essas dificuldades e discriminações, pelas quais a mulher passou para conquistar seu espaço de trabalho, foi que surgiu a idéia de se
escrever sobre o ingresso das mulheres na seara da magistratura. Diga-se de
passagem, um campo dominado inteiramente pelo sexo oposto durante longos
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anos da história da humanidade.
Não se pretende aqui fazer um detalhado e profundo estudo sobre o tema, até mesmo porque não se tem espaço para
isso. Procurar-se-á abordar alguns fatos históricos interessantes
sobre a assunção das mulheres a cargos públicos literalmente
ocupados pelo sexo masculino durante quase toda a história da
humanidade. Mostrar como as mulheres foram pouco a pouco
abrindo caminho nos diversos ramos das carreiras jurídicas, em
destaque para a magistratura.
Como já afirmado, a inferioridade feminina vem desde a
antiguidade onde a mulher era vista como um ser biologicamente mais fraco que o homem. A incapacidade jurídica da mulher
é uma herança do Direito Romano, onde esta da posse paterna
passavam para a posse marital. A mulher era um ser totalmente
submisso primeiramente ao pai, posteriormente ao marido. Esta
tradição foi de certa forma adotada pelo sistema brasileiro, que
desde sua origem até meados dos anos sessenta subordinava a
capacidade feminina ao poder familiar e, posteriormente, ao
esposo, já que o casamento a mulher ainda dependia relativamente do marido para a prática de certos atos da vida civil.
Para se ter uma idéia dessa condição de desigualdade social,
somente com o Estatuto da Mulher Casada, em 1962, a mulher
deixou de ser considerada relativamente incapaz, libertando-se
definitivamente da dependência civil que tinha com o marido,
para se tornar plenamente capaz após a maioridade civil.
Vale destacar que o matrimônio era indissolúvel, conforme
preceito constitucional, e que divórcio só veio a ingressar no ordenamento jurídico em 1977, com uma Emenda Constitucional
a então vigente Constituição Federal de 1967.
Somente com a Constituição Federal de 1988 foi que se
igualaram expressamente homens e mulheres em direitos e
deveres, sendo a primeira Constituição brasileira a tratar do
assunto.
Assim, dentro dessas conquistas sociais, as mulheres foram
pouco a pouco conquistando seu espaço profissional, e dentro
desse espaço conquistado foram optando por seguir as carreiras
jurídicas existentes, entre elas a magistratura, atividade exercida
desde os primórdios de sua existência predominantemente por
homens.
Nesse cenário estritamente masculino a mulher veio con-
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quistando aos poucos seu lugar no espaço, de forma a galgar
lugares que até então seriam inimagináveis que pudesse ocupar,
como, por exemplo, os cargos nas altas cortes de julgamento.
A função de julgar não é tão recente, quiçá seja uma das
profissões mais antigas da sociedade. Não se sabe bem ao certo quando surgiu a profissão, porém onde existiu sociedade ou
agrupamento humano organizado existiram normas e regras a
serem aplicadas. E para sua aplicação exigiam-se pessoas especializadas no assunto.
Têm-se notícias da aplicação do termo “Juízes” ainda na Bíblia Sagrada, cujo livro intitulado com nome homônimo retrata
a história de Israel do período de 1380 a 1050 a. C. Os juízes
foram homens escolhidos por Deus para julgarem de acordo
com as leis de Moisés, uma vez que após a morte de Josué e dos
anciãos, instalou-se uma situação anárquica em Israel, onde não
se obedeciam mais os mandamentos divinos. Assim, os juízes
foram escolhidos com a importante missão de fazer respeitar os
mandamentos celestiais. Os juízes da história bíblica exerciam
uma função de governantes, entretanto, não podiam criar novas
leis, apenas aplicar as já existentes regras sagradas. Foram quinze juízes que atuaram nesse período, tendo Samuel se destacado
como o mais notável.
Da história de Israel à Teoria da Tripartição dos Poderes
de Montesquieu, o Poder Judiciário veio se consolidar definitivamente como uma atividade estatal nos Estados Constitucionalistas da era moderna, surgidos principalmente após a Revolução Francesa e a Independência das Colônias Inglesas, onde
se adotou de vez a teoria do mestre francês afirmando que os
poderes do Estado seriam o Executivo, Legislativo e o Judiciário,
independentes e harmônicos entre si.
Dos poderes estatais, ao Judiciário caberia a função de julgar de acordo com as leis criadas pelo Legislativo. Esse Poder
estaria com a sublime e difícil tarefa de interpretar e aplicar a lei
aos casos que lhes fossem apresentados, solucionando, assim, o
conflito existente.
Na divisão de tarefas dentro do próprio Poder Judiciário,
órgãos de julgamento foram sendo criados, estando na cúpula os
altos tribunais de julgamento, últimas instâncias de apelação e
pronunciamento judicial. Assim, somente para se ter uma idéia
da divisão de tarefas, atualmente no Brasil tem-se a seguinte
Ritos
17
composição: os juízes de primeiro grau, os Tribunais de Justiça,
os Tribunais Superiores, entre eles o STJ, e o Supremo Tribunal
Federal, órgão máximo da justiça brasileira, defensor e último
intérprete da Constituição Federal.
O Judiciário brasileiro começou a ser instalado em 1530,
quando D. João III, Rei de Portugal, concedeu a Martin Afonso
de Souza amplos poderes para sentenciar, inclusive, à morte autores de delitos graves.
Com a declaração de independência o Brasil passou a contar com uma Constituição, outorgada em 1824 pelo Imperador
D. Pedro I . Essa Constituição Federal trouxe uma incipiente
e modesta formação do Poder Judiciário, composta apenas de
juízes e jurados. Aqueles com responsabilidade para os julgamentos, estes responsáveis pela análise dos fatos apresentados
a julgamento.
Em 1824 já havia a previsão de criação do Supremo Tribunal de Justiça, cuja competência limitava-se ao Recurso de
Revista e a competência para julgar os conflitos de jurisdição e
ações penais de determinados cargos públicos. O Supremo Tribunal de Justiça foi criado em 1828, e instalado em 1829, com
a Constituição de 1891 receberia o nome de Supremo Tribunal
Federal, conforme denominada até hoje.
Percebe-se que desde a colonização do Brasil já se traçava o
perfil do Poder Judiciário no país, porém em quase quinhentos
anos de história, a participação feminina no judiciário brasileiro
é muito recente, datando os registros do início da década de 50.
A primeira Juíza Estadual que se tem registro, na história
da magistratura brasileira, é a gaúcha Thereza Grisólis Tang,
formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul na
turma de 1951. A Dra. Thereza Grisólis tomou posse como
juíza estadual em 1954, assumindo o cargo perante o Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, exerceu sua função durante 36
anos, tendo na instituição ocupado vários cargos de destaque,
entre eles o de presidente do TJSC. Os registros também afirmam ser a Dra. Thereza a primeira mulher a ocupar o cargo de
desembargadora no país.
Já na Justiça Federal, a primeira mulher a ocupar o cargo de
Juíza Federal foi a sergipana Maria Rita Soares de Andrade, nomeada em 1967 para ocupar o cargo no Estado da Guanabara,
onde ficou até aposentar-se em 1974. Maria Rita Soares de An-
18
Ritos
drade morreu aos 94 anos de idade, no ano de 1988, e marcou
sua trajetória como feminista, jornalista, professora, escritora,
juíza e advogada. Formada pela Faculdade Federal da Bahia,
Maria Rita Soares fundou seu primeiro escritório de advocacia
em 1930, onde se tornou a primeira mulher advogada do Estado da Bahia e a terceira do Brasil.
Com relação aos Tribunais Superiores, vejam que a situação é muito mais recente do que se imagina. O Supremo Tribunal Federal que conta com pouco mais de cento e oitenta anos,
levando em consideração a instalação do Supremo Tribunal de
Justiça em 1828, somente contou em seus bancos com uma mulher magistrada no ano de 2000, ou seja, pouco mais de onze
anos, se tem na Suprema Corte de Justiça do País uma mulher
na composição. A Ministra Ellen Gracie Northfleet foi nomeada para o cargo de Ministra do Supremo Tribunal Federal em
23 de novembro de 2000, pelo então presidente da República
Fernando Henrique Cardoso. De lá para cá, já se contam com
a presença de outras duas mulheres, Carmem Lúcia e a recente
nomeada Ministra Rosa Maria Weber.
O Superior Tribunal de Justiça, embora recente, haja vista
que criado a partir da Constituição Federal de 1988, somente nomeou uma mulher para o cargo de Ministra da corte em
1999, posto ocupado pela, ainda, Ministra Eliana Calmon.
E este fato não é exclusivo dos Tribunais Superiores brasileiros, a Suprema Corte Norte-americana, pertencente a um
dos países cuja filosofia democrática tornou-se símbolo de sua
existência, contou com a primeira mulher em sua composição
no ano de 1981, com a nomeação de Sandra Day O´Connor
para a ocupação do cargo de Juíza da Suprema Corte do país.
E até hoje somente quatro mulheres ocuparam o cargo, tendo
a última juíza sido nomeada em 4 de outubro do corrente ano.
Trata-se da ex-diretora da Faculdade de Direito de Harvard,
Elena Kagan.
A situação norte-americana apresenta-se bem mais crítica
que a brasileira veja que no próprio site do Consulado Norte-americano, há informações de que segundo um estudo realizado pela Universidade Estadual de Nova York, nos EUA as
mulheres representam apenas 22% do corpo de juízes federais e
26% de todas as posições em âmbito estadual. Acredita-se que
no Brasil a força feminina a ocupar os cargos da Magistratura
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deve ultrapassar os índices norte-americanos, em que pese não
haver estudo preciso sobre o tema.
Vale destacar que não só quanto ao gênero há desigualdade
na ocupação dos cargos para juízes, mas também em relação à
cor, haja vista que o título de primeira mulher negra está sendo
conferido a baiana Luislinda Dias de Valois Santos, que conta
com apenas 26 anos de magistratura.
No Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte,
a primeira mulher a ocupar o cargo de Desembargadora foi a
Juíza Eliana Amorim das Virgens de Oliveira, em 1996, após
quase cem anos de existência do Tribunal.
Desta forma, muito ainda se tem que conquistar nesse universo estritamente masculino, principalmente em se tratando da
ocupação feminina nos Tribunais Superiores. Por outro lado, é
sem sombra de dúvidas que as mulheres estão a cada dia conquistando mais e mais o seu espaço nas áreas jurídicas, sejam
como advogadas, promotoras, juízas, delegadas, professoras,
doutrinadoras, e etc., em uma demonstração clara de que são
capazes de atuarem e perceberem as dificuldades do mundo moderno tão bem quanto os homens, entretanto, não esquecendo
de levar em consideração a sensibilidade feminina em sua forma
de atuação. Assim, não se quer propagar a superioridade entre
os sexos, mas a junção de forças opostas na solução dos conflitos existentes, dando condições de igualdade de atuação entre
homens e mulheres no desempenho de suas funções judicantes.
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Ritos
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// CONGRESSO
Congresso
discute qualidade
de vida dos
magistrados
Pres. da AMB Calandra e pres. da AMARN
Azevêdo Hamilton
20
Ritos
O cenário de belezas naturais em Tibau do Sul, distante 80 quilômetros de Natal, deu o toque diferente ao VI Congresso Estadual
de Magistrados do Rio Grande do Norte no início de novembro.
Com a temática “Magistratura e Qualidade de vida”, o evento reuniu juízes potiguares, familiares e convidados de outros estados com
o objetivo de se discutir temas atuais e também de se confraternizar
juntos com os familiares.
A abertura do congresso foi feita pelo presidente da AMARN
juiz Azevêdo Hamilton Cartaxo, que deu as boas-vindas aos participantes e destacou a inovação em se fazer um evento, onde se aliasse
trabalho e lazer. A presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Norte desembargadora Judite Nunes elogiou a escolha do local, o
Girassóis Lagoa Resort em Tibau do Sul, sendo o ambiente propício
para a reflexão do tema central sobre a qualidade de vida dos magistrados potiguares. “Saúdo a AMARN e os seus dirigentes pela feliz
e corajosa escolha da temática debatida neste congresso”, afirmou a
presidente do TJRN.
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Congresso foi realizado em hotel de Tibau do Sul
A palestra de abertura foi do advogado de Minas Gerais Antônio Loureiro
sobre magistratura de qualidade de vida.
No segundo dia do evento, a Mestre em
Administração pela Fundação Getulio
Vargas Maria Elisa Macieira falou sobre
gestão de estresse, e depois o Professor
doutor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Valdiney Gouveia divulgou
a pesquisa realizada, de junho a agosto
deste ano, sobre estresse ocupacional em
Magistrados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, feita pela UFPB, com o
apoio da AMARN.
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“O congresso foi excelente,
porque deu a oportunidade
para juízes do Rio Grande
do Norte olharem a
magistratura de outra forma
e também discutirem temas,
que geralmente passam
despercebidos no nosso
cotidiano que é a questão do
estresse. Isso é uma iniciativa
pioneira da AMARN e espero
que seja estendida a outros
estados, porque deu
a oportunidade de
juízes relaxarem
e discutirem temas
tão importantes
como a qualidade
de vida”
Antônio Silveira presidente da AMPB
Ritos
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Participantes assistem a palestra sobre gestão sem stress
Juíza Hadja Rayanne, pres. da AMPB, Pres. da
AMARN e a palestrante Maria Elisa Macieira.
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Ritos
A palestra de encerramento foi do ministro aposentado do STJ José Augusto Delgado sobre a magistratura e sociedade, onde
ele destacou a importância de se promover
as coisas boas realizadas pela justiça para
que a população tenha conhecimento e não
faz apenas críticas.
O presidente da AMB – Associação de
Magistrados do Brasil – desembargador Nelson Calandra elogiou o congresso e a escolha
do tema. Ele falou ainda, durante o discurso
de abertura, sobre as lutas da magistratura
neste ano, principalmente em relação às negociações salariais de 14,75%.
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“O cenário é absolutamente propício para a reflexão
do tema central que é a magistratura e qualidade de
vida. Nos faz refletir que a trajetória e a atuação de
um juiz não é apenas a aplicação de um emaranhado de
conhecimentos jurídicos, mas se reveste da soma destes e
de todas as diversas facetas do cotidiano de todo homem,
como sua personalidade e seus valores. Para julgar o ser
humano, o juiz precisa ser cada vez mais humano”
Desembargadora Judite Nunes - presidente do Tribunal
de Justiça do RN
“O congresso foi muito bom. Um tema muito adequado,
as palestras excelentes e o fechamento pelo meu
amigo ministro José delgado, foi extraordinário”
Desembargado Nelson Calandra - presidente da AMB
“O congresso teve uma característica muito interessante
que foi fazer com que nós pudéssemos usufruir com
a nossa família de um momento científico e também de
lazer. O modelo desse congresso foi concebido com muita
propriedade pela associação, porque quebra o paradigma
de se participar de eventos dentro de auditórios usando
paletó e gravata. Então, aqui, a gente se divertiu, curtiu as
belezas da praia e participou de um congraçamento com
os colegas e, acima de tudo, uniu a magistratura. Eu acho
que esse modelo veio para ficar e a AMARN está de parabéns
pela iniciativa”.
Juiz Mádson Ottoni - Vice-presidente da AMARN
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Ritos
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// ARTIGO
A arte esquecida
da educação
Odinei W. Draeger
Juiz da 1ª Vara Cível de São Gonçalo
do Amarante
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Ritos
Em 2009, o Brasil se posicionou em 53º lugar na avaliação do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), realizado pela Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). O exame testa as
habilidades de estudantes nas áreas de leitura, matemática e ciências. Foram
avaliados 65 países. O primeiro lugar ficou com a China. Desde 2001 não
conseguimos sair dos últimos lugares.
Em 2010, a Folha de S. Paulo noticiou que o Brasil caiu da 76ª para a 88ª
posição no ranking de cumprimento de metas para acesso à educação básica
mantido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO). Participam dele 128 países.
Não é incomum ver erros grosseiros de português, história e até matemática nas classes ditas formadoras de opinião, egressas de cursos universitários
ditos superiores. Os sucessivos insucessos na aplicação do exame nacional do
ensino médio (ENEM), que são somente uma extensão no campo administrativo do fracasso geral da educação mesma. A lista é considerável.
Por fim, e mais grave em minha opinião, é a contaminação ideológica das
escolas, que nas mãos de professores comprometidos com uma torpe noção
de luta de classes, utilizam as salas de aula para reproduzir erros grosseiros de
interpretação histórica, transformando o que seria educação em doutrinação
política. Deste problema tivemos o recente exemplo com a invasão da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) por algumas dezenas de, por assim
dizer, estudantes que pretendiam ver fora do campus universitário a polícia
militar, que dias antes havia abordado alguns alunos na posse de maconha.
Uma das respostas para esta lamentável situação tende inevitavelmente
a considerar que a esterilidade de nossa educação está ligada em proporção
direta com a quantidade de recursos alocados no sistema de ensino. Mais recursos significariam, portanto, melhor desempenho nos testes. Arrisco dizer
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que esta é uma tentativa válida, mas o diagnóstico por ela obtido
é completamente insuficiente para responder qual o motivo do
desempenho sofrível de nossos alunos.
Não pretendo mostrar o quadro geral do problema, isso traria sérias conseqüências de ordem psicológica, nem dar uma resposta definitiva para qual seria a solução, mas faço uma reflexão
que acho bastante útil para entender uma parte da questão: foi
um erro substituir a educação clássica pela moderna. O método
clássico por meio das artes liberais é consideravelmente melhor
para o sucesso da educação.
O que são artes liberais? São sete disciplinas que foram usadas como ferramenta de aprendizado na antigüidade, e foram
posteriormente sistematizadas em seu modelo mais conhecido
na Idade Média, onde foram separadas em trivium (gramática,
retórica e lógica) e quadrivium (aritmética, geometria, música e
astronomia). O termo liberal não deve ser erroneamente compreendido com uma noção de falta de limites, ou de falta de
método. Liberal significa, no contexto educacional e no sentido clássico, a contraposição aos conhecimentos que não eram
livres porque ensinados por corporações de ofício para fins de
profissão, mas eram antes de mais nada destinados à pessoa do
estudante, para seu crescimento pessoal.
Durante a Idade Média, equivocadamente chamada de
Idade das Trevas por influência de alguns iluministas tão desprovidos de conhecimentos históricos quanto dotados de malícia,
as artes liberais conheceram tamanha estabilidade que culminaram com o imbatível edifício filosófico da escolástica. Isto é,
por si só, sinal suficiente para encará-las com mais respeito do
que a mera curiosidade sobre um evento dado em um passado
distante. Não há dúvidas de que mestres como São Tomás de
Aquino e Santo Alberto Magno, autores de verdadeiros tesouros da filosofia e da teologia, foram educados inicialmente nas
artes liberais. Essa era a regra dos estudos superiores na época,
para os quais as artes liberais representavam uma espécie de
preparação.
Mas longe de ser somente uma etapa para os estudos superiores universitários, que na época se limitavam a teologia,
medicina e direito, o trivium e o quadrivium eram ferramentes
verdadeiramente formadoras, que permitiam ao estudante dominar a artes de compreender a realidade e de transmiti-la com
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Alegoria da Gramática, por Laurent de la Hyre
a maior exatidão possível. Outras características peculiares para
nós: a educação começava por volta dos quatorze anos de idade,
não era compulsória e não era ministrada com exclusividade
pelo estado. De modo geral, só estudava quem queria e só ensinava quem merecia.
No trivium, por exemplo, a gramática ensinava o estudante
a se expressar e a entender os outros com correção, por meio do
domínio dos símbolos da linguagem. A lógica apresentava-lhe
os métodos de verificação do pensamento correto e, portanto,
da investigação da verdade. A retórica permitia que ele, usando
a linguagem correta e sabendo a verdade, se expressasse com
o máximo de propriedade. Deste modo, a educação consistia
inicialmente não em acúmulo irresponsável de conhecimento,
mas na captura de uma espécie de cultura indispensável para
que a investigação intelectual fosse possível. Os debates lógicos
medievais demonstram a força dessa formação: a argumentação
erística, aquela pautada em manobras retóricas que buscam fugir da questão principal, era prontamente desmascarada pelos
debatedores, que desde cedo eram treinados a identificar a patifaria dos sofismas.
Essa noção, de que o estudante deveria primeiro ser apresentado às ferramentas que mais tarde lhe dariam condições de
prosseguir na investigação de qualquer outro assunto, foi substituída pela educação compulsória e universal e, por causa da
Ritos
25
Ilustração das sete Artes Liberais, por Herrad
Von Landsberg
tendência à nivelação mais rasa, criou um obstáculo considerável para que o estudante pudesse alcançar o melhor resultado
possível. Além disso, a educação moderna prefere que sejam
ministradas disciplinas que tenham alguma conotação prática
ou social, em detrimento daquelas que realmente possuem valor
intelectual. Não é incomum medir o valor de um currículo, por
exemplo, com a quantidade de horas destinadas a aulas de informática ou às terríveis “noções de cidadania”.
26
Ritos
A burocracia prussiana criou, ainda no séc. XVIII, a formatação básica da educação moderna, e que perdura até hoje: uma
quantidade concentrada de conhecimento específico, ministrada em módulos diários com não mais de uma hora de duração,
compulsória e dirigida pelo estado. A ênfase era no adestramento dos alunos para matérias uteis ao estado. Não havia propriamente uma preocupação com o aluno.
Dorothy Sayers, em seu famoso livro The Lost Tools of Le-
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arning (as ferramentas esquecidas do aprendizado, numa tradução livre), defende que “muito embora nós freqüentemente
tenhamos sucesso em ensinar matérias/assuntos aos alunos, nós
falhamos lamentavelmente em ensiná-los a pensar”. Esta é a
temática central da educação clássica. Ensinar a pensar, e não
somente ensinar assuntos, tanto que inicialmente toda a atenção
do estudante é dedicada ao aprendizado dos meios pelos quais
posteriormente o conhecimento será adquirido.
No Brasil não é possível comparar as duas formas de educação porque as artes liberais não são aplicadas, pelo menos não
que eu saiba, em nenhum currículo escolar. Nos Estados Unidos, entretanto, onde no séc. XX houve um renovado interesse
pela cultura clássica, como provam obras como “O Trivium”
de Miriam Joseph e “Como Ler Livros” de Mortimer Adler, há
experimentos muito bem sucedidos na aplicação da educação
clássica. Os resultados indicam não só que os estudantes iniciados nos estudos clássicos possuem melhor preparo intelectual,
mas também que seu desempenho no mercado de trabalho é
superior.
Segundo a Association of Classical and Christian Schools
(Associação de Escolas Cristãs e Clássicas) dos Estados Unidos,
em 2010, escolas que adotaram o método clássico de ensino,
usando as artes liberais, tiveram desempenho superior que a
média nacional em testes de matemática, inglês, ciências, leitura e redação. Quando comparadas individualmente com outras
categorias de escola (públicas, particulares, religiosas etc.), as escolas clássicas também alcançam resultados superiores em todos
os quesitos analisados.
Por exemplo, na pequena cidade de Moscow, no estado
americano de Idaho, inspirada pelo movimento de recuperação
da educação clássica, foram fundadas a Logos School e o New
Saint Andrews College, onde são ensinados o trivium. Em uma
reportagem da emissora CBN (vídeo disponível no site da escola
www.logosschool.com), Kjell Christophersen, um dos empresários da pequena cidade, conta a história de como duvidava
que aquela educação carente de aulas de informática e outras
disciplinas práticas pudesse servir para algo, e de como foi convencido pelo diretor da New Saint Andrews a contratar apenas
um estudante formado pela educação clássica, como forma de
avaliar seu desempenho. Depois de algum tempo, pela facilida-
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de com que os estudantes aprendiam novas habilidades e conhecimentos, a maioria dos empregados (12 de 18) já era de egressos
da New Saint Andrews.
É notável que nestes casos, o sucesso da educação não depende da quantidade de recursos investidos ou da elitização
das turmas. Melhor dizendo, não é somente a quantidade de
investimento em material, salas, professores e equipamento que
resultará na excelência de ensino. Nem obterá melhor proveito
o estudante vindo de famílias mais abastadas. Antes disso, um
comprometimento com o método adequado para que o conhecimento possa ser perseguido pelo estudante de forma espontânea é que faz a diferença, não importa se a escola seja carente e
seus alunos venham de famílias humildes.
Numa época em que se acredita piamente que o progresso
da técnica e a simples passagem do tempo teriam a força mágica de sobrepujar todas as dificuldades existentes, apostando-se
tudo numa vaga noção de progresso, constatar que a educação
medieval, e todas suas conquistas no campo intelectual, foi preterida por um método que criou gerações de estudantes incapazes de ler um parágrafo de texto, e que preferem invadir os
prédios dos locais onde supostamente estudam, somos forçados
a nos perguntar qual é a verdadeira idade das trevas.
Ritos
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// ARTIGO
Na sombra da
sentinela de pedra
Paulo Sérgio da Silva Lima
Juiz da 2ª Vara Cível de Natal
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Ritos
Em 01 de maio de 2011, acompanhado de um grupo de amigos magistrados, participantes de um intercâmbio de Direito comparado Brasil/Argentina, fizemos o famoso
passeio de alta montaña (circuito de alta montanha) na região fronteiriça da Argentina
e Chile, porém apenas no território do primeiro. Saímos de Mendoza pelo acesso Sul,
passando diante do magnífico vale vinícola chamado de Lujan de Cuyo, até chegarmos à
vinícola Norton, onde, contornando-a, pegamos a Ruta nº 7, o verdadeiro caminho das
altas montanhas. No início da autoestrada, sempre ladeada pelo rio Mendoza, já dá para
sentir a dimensão da região desértica, rodeada de montanhas com sua mágica coloração
cambiante. É incrível como não há, em todo o percurso, nenhum sinal de ser vivo na região, seja vegetal, seja animal. É uma paisagem morta, porém escultural e enigmática, de
onde emana uma intensa energia vibracional. Passamos pelas localidades de Vallecitos,
Uspallata, Punta vacas, Penitentes, até Puente del Inca. Antes, porém, de chegar a Puente
del Inca, o ônibus estacionou às margens da estrada para contemplarmos o Aconcágua do
mirante onde, por alguns minutos, observamos o cume gelado e tiramos algumas fotos. E
só. No retorno fiquei com um certo sentimento de frustração, pois estivemos com o Aconcágua ao alcance da vista, o gigante das Américas, no alto de seus 6.962 metros acima
do nível do mar, e, no entanto, não podíamos sequer colocar o pé no início do caminho
que poderia nos levar um pouco mais próximo do majestoso monte, tocando e sentindo o
chão das cordilheiras, pois estava proibida a entrada naquele trecho do mirante, em razão
de preservação da área. Segundo o programado o grupo ia ficar até o dia 07 de maio de
2011. Como seria um sábado, fiquei pensando: por que não permanecer nesse dia, fazer
um trekking de um dia em meio às montanhas, em direção ao Aconcágua, e só voltar no
domingo para o Brasil? Por que não? É intuitivo que minha resolução foi pela permanência. O desejo de me integrar com aquelas montanhas, embrenhar-me naqueles imensos
vales, não podia me deixar outra alternativa. Pus-me, então, a iniciar os procedimentos
preparatórios. Procurei saber com o concierge do hotel em que eu estava hospedado, qual
o guia mais habilitado para fazer o percurso comigo até a primeira base do Aconcágua,
chamada Confluência. Tive, de pronto, uma resposta desanimadora:
– o acesso neste período do ano está proibido, pois está se aproximando o inverno e
fica perigosa a escalada.
Foi um banho de água fria. Todo o meu projeto de ter um contato com a “sentinela
de pedra”, (significado do nome Aconcágua, de origem Quechua) estava se desmoronando. - Mas – continuou o concierge (e aí notei, com essa conjunção adversativa, que o
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jeitinho brasileiro já ingressou no território de los hermanos) – vou
lhe indicar um guia muito conceituado que poderá conseguir uma
autorização especial.
Alívio. Se existia a possibilidade de dar certo, então ia dar, utilizando a lei de Murphy invertida. À noite, recebi uma ligação no
meu quarto do hotel. Deu certo!
No dia seguinte apressei-me a comprar todas as roupas e acessórios apropriados para montanhismo e para o frio.
No dia programado, o motorista veio me pegar no hotel,
num C4 Palas, preto, por volta das 07:00h. Chamava-se Luis
Figueroa, e usava um bigode à maneira mexicana. Era muito bem
informado. Falava sobre política e economia com desenvoltura.
Informou-me, inclusive, que fazia pouco mais de uma semana, o
Ministro do STF, Joaquim Barbosa, fez um percurso para as altas
montanhas e vinhedos com ele, sempre, porém, com o banco bem
reclinado em razão de seus problemas de coluna. Fez eloquentes
elogios ao Ministro, adjetivando-o de grande humanista.
Na Ruta nacional nº 40 estava no acostamento nos esperando o guia Juan Araya, todo paramentado de montanhista e com
um invejável porte atlético. Eu, de barriga um tanto saliente e sem
preparo físico. O montanhês cumprimentou-me, fez uma rápida
inspeção em meu porte, e lançou a pergunta já esperada:
– ¿usted está preparado?
– Psicologicamente, sim. Respondi.
– Non te preocupes. Todo va a salir bien. Retorquiu Juan, tentando me tranquilizar.
– Espero, pensei.
Saimos da ruta nº 40 e entramos da ruta internacional nº 7,
o que me aprouve muito por me proporcionar o deleite das mesmas deslumbrantes paisagens já desfrutadas ao lado de meus colegas magistrados dias antes. No início, parreirais com suas cores
laranja-amarelas outonais, e, depois, o caleidoscópio de rochas. No
caminho passamos por lindas cabanas de madeiras na margem do
rio Mendoza.
– Nessas cabanas – disse Luis – há muito conforto, inclusive
banho de vinho em banheiras montadas especialmente para esse
fim, de cuja posição se pode vislumbrar o rio e as montanhas.
Um sonho. Quem sabe da próxima vez... (é um perigo
desejar!).
Paramos em Uspallata, com seus belos álamos ladeando a es-
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trada, cenário do filme sete anos no Tibet, estrelado por Brad Pitt,
para tomarmos um café fumegante que caiu muito bem naquele
frio matinal de 4ºC.
Aproveitamos para comprar água, chocolate, iogurte, cereais
e sanduíche, necessários para a subida, e seguimos viagem, ouvindo as observações sobre a região sempre pertinentes de Luis.
– Onde pretende jantar hoje à noite – quis saber Luis
– Em qualquer lugar que tenha um bom prato e um bom
vinho, respondi.
– Então, sugiro-lhe o restaurante siete cocinas. É considerado
um dos melhores da Argentina, retratando as sete regiões do País,
e conta com um sommelier que faz acompanhar os pratos com
excelentes vinhos, numa boa relação custo-benefício.
– É justamente o perfil de restaurante que me apetece.
– Posso fazer a sua reserva?
– Por favor
Em poucos minutos a reserva foi confirmada por telefone.
Luis era enófilo, e me relacionou vários vinhos desconhecidos do
mercado exterior que são iguais ou até melhores do que os grandes
vinhos exportados, porém, num preço pelo menos cinco vezes menor. Citou, dentre tais rótulos, o Branques, Pura Sangre, Brujo e
Judas. Fiquei curioso para conhecer essas raridades. Aguardemos,
então, a noite chegar.
Após duas horas de viagem, chegamos finalmente no Parque
Nacional do Aconcágua. Juan conhecia os guardas do Parque
com grande familiaridade, o que ficou claro com os efusivos cumprimentos mútuos (daí o franqueamento da entrada).
Assinado o livro de entrada e paga a taxa, começamos a tão
esperada jornada, caminhando cerca de vinte minutos até o lago
Horcones, com suas águas verde-esmeralda, assomando como um
oásis no meio do deserto, a uma altitude de 2.950 metros acima
do nível do mar.
– São aproximadamente 16 kilômetros, ida e volta, Paulo –
observou Juan – Temos que manter um bom ritmo para chegarmos de volta antes de escurecer.
Esses dezesseis quilômetros se traduzem, para iniciantes como
eu, em mais de oito horas de caminhada, em razão de ser o percurso naturalmente íngreme.
Começamos, então, a caminhada na imensidão do vale, sozinhos em meio a montanhas circundantes. Senti-me como uma
Ritos
29
formiguinha. As altas montanhas têm esse condão de nos fazer
relembrar a pequenez do homem perante a grandiosidade infinita
de Deus.
Passamos pela ponte pênsil, construída pela equipe holliwoodiana quando da gravação do filme sete anos no Tibet, quando,
então, começa efetivamente a linha da trilha em direção ao Aconcágua, mantendo sempre à esquerda, ribanceira a baixo, o rio
Horcones, com suas águas geladas provenientes da confluência
(daí o nome do meu destino) do rio Horcones Superior, vindo da
Plaza de Mulas (uma das bases dos alpinistas) e outro do Horcones
inferior, vindo da Plaza de Francia (outra base).
A pressão atmosférica baixa, o ar menos denso, diminuindo
o oxigênio, aliados ao aclive do percurso, já de início estavam
me fazendo perder o fôlego e ganhar aceleração nos batimentos
cardíacos, de modo que passei a caminhar num passo ritmado,
devagarzinho, e fazendo um exercício de respiração profunda e
também ritmada, em busca de melhor adaptação dos sistemas
circulatório e respiratório. O vento forte e frio (abaixo de zero),
com velocidades que, de quando em quando, alcançava sessenta
quilômetros por hora, castigava a nossa face. Não fossem os óculos apropriados, calças climatic, camisa segunda-pele, gorro com
proteção das orelhas, e luvas, com certeza seria inviável a subida
naquelas condições.
Caminhávamos em silêncio, Juan na frente, e eu o seguindo.
O Silêncio era quebrado apenas pelo sopro e rajadas do vento e
pelo barulho do rio que margeávamos. O olhar na maior parte
do tempo se dirigia para a trilha, ante o perigo de pisar em falso, tropeçar em alguma pedra ou mesmo deslizar em pequenas
placas de gelo formadas durante a noite glacial. Afinal de contas,
estávamos na margem de um precipício. De quando em quando,
porém, instava levantar os olhos para apreciar e admirar a grandeza e exuberância da montanhas, com suas formações e colorações espetaculares. A cada uma hora, Juan parava para tomarmos
água, comer algo e descansar. Eu estava realmente cansado, mas a
força de vontade de chegar na primeira base em que os alpinistas
profissionais montam tenda para se aclimatarem me impelia para
a frente, me motivava. Como diz um ditado chinês: “quando se
busca o cume da montanha, não se dá importância às pedras do
caminho”.
Após aproximadamente quatro horas de viagem, chegamos
30
Ritos
no tão almejado objetivo: Confluência, a 3.400 metros. A base de
aclimatação e preparação para subida ao topo do Aconcágua. A
base, no entanto, estava totalmente vazia. Havia apenas uma cabana de madeira, onde ficam os profissionais do Parque nacional,
e uma tenda de primeiros socorros, onde fica a equipe médica, no
período em que é permitida a escalada ao Aconcágua.
Em frente à cabana de madeira fica cerro Tolosa, de 5.432m.
Por trás o cerro Almacenes, de 5.162m, e na lateral direita o cerro
Mirador, de 5.500m, por trás do qual despontava, de maneira majestosa, o Aconcágua.
Sentei-me na calçada de cabana para descansar quando vi
movimentos entre as rochas. Ser vivo aqui? Pois é. Apareceram
inacreditáveis duas raposas dos andes, de pelagem espessa cinza-avermelhada, conhecidas na região como “Zorro Culpeo” ou
“Zorro Colorado”. Juan as viu e disse que estava surpreso, pois
a aparição de raposas ali, diante de humanos, é coisa muito rara.
As raposas foram se aproximando entre curiosas e ariscas. Como
eu já tinha retirado o meu sanduíche de presunto e queijo para
almoçar, aproveitei para tentar atraí-las, tornando-as mais amistosas, alimentando-as. Aliás, não se acalmam os animais saciando a sua fome? De longe, comecei a jogar pedaços de sanduíche.
Sempre com o olhar em mim, pegavam o pedaço e se afastavam.
Fui jogando a uma distância mais aproximada. As raposas se achegavam. Fui diminuindo a distância e elas não se faziam de rogadas, se aprochegavam para comer. Já conseguia sentir o estado de
amistosidade delas, tanto que ousei levar o sanduíche na mão a
uma distância de um metro de uma delas, a qual não demonstrava
nenhuma ameaça, pois seu sentido estava todo no alimento.
Retornei para o meu assento, para continuar a me alimentar.
Juan, preocupado com as raposas passou a jogar pedra nas mesmas. Não me agradava aquela atitude de Juan, e sutilmente pedi
para que as deixasse.
Em seguida, abri uma barra de chocolate. Estava delicioso.
Fiquei imaginando a sensação gustativa das raposas se comessem
um produto tão agradável ao paladar. Lembrei-me da primeira
vez em que chupei um abacaxi quando era criança. Foi uma sensação maravilhosa, e de um gosto tão surreal que nenhum sorver
posterior dessa fruta conseguiu reproduzir aquela sensação única.
É a novidade no paladar. Dentro dessa linha de pensamento foi
que resolvi jogar pedaços de chocolate às raposas, as quais os en-
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goliram com grande deleite. Eu acho que, como eu, elas nunca
vão esquecer.
Após a rápida e inusitada refeição junto com as raposas dos
andes, sentei-me novamente na calçada da cabana de madeira
para apreciar o Cerro Tolosa, em cujo cume pontiagudo soprava a neve ao vento. Uma imagem espetacular que me remetia à
meditação da beleza da terra como manifestação divina. Como
Juan via meu estado de arrebatamento, pegou o seu celular e pediu
para eu ouvir uma música adequada àquele ambiente, enquanto apreciava a natureza exuberante, deixando-me só em seguida.
Tratava-se da musica intitulada “society”, de autoria de Eddie Vedder, tema do filme “Na natureza selvagem”, retratando a vida de
um viajante solitário em meio à – é intuitivo – natureza selvagem.
Ao iniciar a reprodução da música, fato curioso aconteceu.
As raposas, como que tocadas, se aproximaram do local onde
eu estava, deitaram-se e ficaram quietas, ouvindo a música. Outra sensação maravilhosa e nova para aquelas raposas. Agora no
plano da audição. A música era bonita e penosa, realçando essas
qualidades diante do quadro em que eu estava imerso: no silêncio
absoluto, na solidão, longe da civilização, em meio a uma imensidão de montanhas, como que me sentindo no seio de Deus, e com
o vento soprando, a um só tempo, a neve do cume do Cerro que se
agigantava à minha frente e os pelos felpudos das raposas. Diante
daquela cena, com um inesperado fundo musical, fui tomado por
um sentimento de êxtase que fez meus olhos umedecerem, e, como
que ingressando em um estado de catarse, as minhas lágrimas verteram aos borbotões, lavando-me a alma. Senti-me num estado de
bem-aventurança, portanto mais perto de Deus. É coisa inefável.
Após uma hora de descanso e do leve almoço, despedi-me das
raposas e começamos o trajeto de volta. Apesar de trilharmos agora em declive não era menor o grau de dificuldade, mas apenas diferente, diante do caráter íngreme do caminho. Por estar na parte
da tarde, o sol jogava os seus raios no lado oriental das montanhas,
formando novo prisma de cores.
Após uma hora de trilha, as minhas pernas já começavam a
dar sinais de fadiga. E após duas horas, o cansaço era total, com
repercussão na mente. Caminhava por instinto de sobrevivência,
seguindo lentamente o guia, pois se não conseguisse ir adiante a
morte ia me perseguir durante a sua noite congelante, com suas
temperaturas rondando os - 20ºC.
Aproximando-me do final da caminhada de volta, na hora
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crepuscular, já não sentia mais as minhas pernas. Andava apenas
com a força da mente, e talvez com a reserva de energia espiritual absorvida nas montanhas. Quando fiz o último contorno dos
montes baixos dos vales e vi o Luis nos esperando, junto ao seu
veículo, a sensação foi de alívio próprio de um moribundo que
vê um resgate chegar já nos seus últimos estertores. Ao chegar no
veículo fui saudado e festejado pela pequena conquista pessoal.
Estava em frangalhos, porém reuni as minhas últimas forças para
as congratulações do triunfo em meu teste psicofísico. A duras
penas fui forçado por Juan a fazer um alongamento antes de entrar
no carro, exercício que no dia seguinte me foi muito útil, pois, ao
contrário do que imaginava, milagrosamente não amanheci com
as “pernas quebradas”.
Após o alongamento, caí no banco traseiro do carro, parecendo um queso molido, como bem me definiu Luis.
Partimos de volta à cidade de Mendoza. Caí imediatamente
em sono profundo. Minutos após, já na Ruta internacional, o carro parou no acostamento, e fui sacudido de meu sono por Juan,
sôfrego, chamando-me para ver o voo do condor. Juan, Luis e eu
ficamos deslumbrados com a cena. O condor, o pássaro símbolo
dos andes, estava voando numa altura estonteante. Era só um pontinho móvel na imensidão azul do céu do deserto de Mendoza.
Era fascinante ver aquele pássaro de maior envergadura do mundo planando numa altitude indizível, bailando para nós, como
que nos convidando a elevar nossos pensamentos e nossas almas
às alturas.
Após esse fecho de ouro do trekking das altas montanhas deitei
novamente no banco traseiro do carro para retornar ao meu sono
restaurador, agora com a mente embalada pelos pensamentos das
maravilhas recém-apreciadas, os quais se viram, de repente, mesclados com as palavras poéticas de Thomas Mann:
“Segue-nos através dos campos,
Vai conosco às montanhas
Como é bela a vida errante
O universo por país; tua vontade por lei,
E sobretudo aquela coisa inebriante
Que é a liberdade, a liberdade!”
Em estado de torpor onírico, ainda ouvi, ao longe, a voz fugidia de Luis Figueroa ao celular antes de cair em sono profundo:
- Buenas tardes, ¿es el restaurante siete cocinas? Yo quería cancelar una reservación a nombre del Sr. Paulo Sérgio, por favor...
Ritos
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// CAPA
“Esses dois anos
foram dos mais felizes”
Foram dois anos de dedicação integral a associação dos magistrados do Rio Grande do Norte. Experiência profissional e de vida que o presidente da AMARN juiz
Azevêdo Hamilton Cartaxo levará para sempre. Desafios e conquistas fizeram parte
da gestão desse homem apaixonado pelo Direito, nascido em Juazeiro do Norte, no
Ceará, tendo sua formação educacional e profissional toda segmentada em Natal.
Nessa entrevista à revista Ritos, ele fala da sua atuação, metas e sonhos realizados
à frente da AMARN.
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Ritos
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Foram dois anos de dedicação à presidência da
AMARN. O que o senhor
destaca de conquistas da
magistratura potiguar?
Penso que nossa maior
conquista é termos contribuído para o crescimento institucional do Poder Judiciário.
A AMARN se propôs a servir de porta-voz do desejo da
magistratura de ser respeitada
em sua dignidade e independência, tanto externa, quanto
internamente. Além disso, a
Associação se credenciou definitivamente como interlocutora institucional da primeira
instância com o Tribunal de
Justiça, num diálogo franco,
respeitoso e mais horizontal.
Não posso deixar de destacar a
forte atuação desta gestão em
questões importantes, como a
imagem externa da magistratura, implantação da Comissão de Segurança para magistrados, acompanhamento de
movimentações na carreira,
viabilização local do Auxílio-Alimentação,
negociações
bem sucedidas para estabilização dos pagamentos e quitação de PAE e Diferença de
Entrância.
Quais foram os momentos mais importantes e os
mais difíceis?
Fiquei muito emocionado
com o apoio e solidariedade
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dos colegas à nossa defesa da independência dos juízes de
Mossoró em seus conflitos com alguns advogados. Nossa
sustentação oral perante o plenário do CNJ também contribuiu para o reconhecimento de que a voz da Associação
de Magistrados deve sempre ser ouvida pelo Poder Judiciá-
rio. Os momentos tristes nestes
dois anos, que eu não gostaria
de ter vivido, foram a prisão de
um colega e a colocação de outro em disponibilidade.
A AMARN tem conseguido
despertar nos magistrados a importância para as
questões associativas?
Tenho muito orgulho de
relatar que de todas as
propostas que fizemos
durante a campanha em que
fomos eleitos e que dependiam
exclusivamente da atuação da
AMARN, 100% foram cumpridas”.
Não tenho nenhuma dúvida que sim. Hoje percebemos
que a postura adotada pela
Associação, de defesa incondicional da impessoalidade e
objetividade no dia-a-dia das
movimentações na carreira ganhou uma legitimação muito
maior, a partir da constatação
do bem que elas trazem para
todos. Afinal, todos ganham
com regras justas e transparentes. Mais ainda, os juízes confiam na disposição da Associação para encampar pleitos
coletivos e a defendê-los em
benefício de todos. Ao longo
desta gestão, a AMARN se
credenciou como representante isenta de toda a magistratura, sem qualquer distinção entre instâncias ou preferências
políticas internas.
Durante a sua gestão, o Tribunal de Justiça deu posse
a primeira mulher na presidência do órgão. Essa é
uma conquista importante
para todos os magistrados?
Ritos
33
Com toda certeza, nossa magistratura tem orgulho de ter a Desa. Judite Nunes presidindo nosso Tribunal. Além da
sua condição de mulher, ela é um exemplo de honradez. Sua posse é um ato de
reconhecimento ao importante papel da
mulher em nossa sociedade e no mercado de trabalho.
Qual a imagem do Judiciário potiguar?
Ainda longe do ideal, acompanhando
um fenômeno que acontece nacionalmente. De forma geral, nossa comunicação com a sociedade é muito ruim, já
que trabalhamos e produzimos muito e
ainda assim não conseguimos demonstrar
ao cidadão comum tudo que vem sendo
feito em benefício dele. Mas parte desse
fenômeno é que não conseguimos mostrar a revolução interna que aconteceu
nos últimos dez anos, com sistemas informatizados, processos digitais, audiências
gravadas, modernização de gestão etc. A
imagem que existe na cabeça das pessoas
é a de processos empoeirados e máquinas
de escrever, algo que não corresponde
à realidade. Isso tende a melhorar com
o tempo, mas poderá não acontecer se
continuarmos a sermos soterrados com a
demanda de 24 milhões de processos por
ano que entram anualmente no Brasil.
O excesso de trabalho, a pressão
e as metas a serem atingidas são
alguns dos temas que mais preocupam os magistrados no Brasil?
Um juiz brasileiro julga em média
seis processos por dia e ainda decide
várias liminares, faz audiências e toma
34
Ritos
conta de tarefas burocráticas e de administração. O número de processos cresce em média 3% ao ano e o número de
juízes e funcionários não acompanha.
O Judiciário chegou hoje ao limite da
responsabilidade e, realmente, são necessárias outras medidas para impedir
que processos desnecessários sejam ajuizados, sob pena de vermos problemas
importantes deixarem de ter a devida
atenção, devido ao excesso de trabalho
a que os magistrados estão submetidos.
Neste ano, infelizmente, tivemos
o caso da juíza assassinada no RJ.
Ser juiz é uma profissão de risco? E
aqui no RN?
Assassinatos de juízes são fatos gravíssimos que atentam contra o próprio
estado de direito. Apesar de convivermos
necessariamente com algum grau de risco, a magistratura precisa ser adequadamente protegida, porque é o braço forte
da sociedade na punição do crime, seja
em que esfera social ele estiver. Longe
de se buscar um privilégio para os juízes,
se busca um tratamento adequado, para
garantia do bom desempenho da função
de proteger a comunidade. Como disse
Coutoure “onde se matam juízes, nenhum cidadão está seguro”. Apesar de
tudo isso, não há motivo para pânico,
nem no Brasil e nem no RN, pois estão
sendo tomadas medidas adequadas para
proteção de juízes em situação de risco.
Quais foram as principais realizações da AMARN durante a sua gestão?
Considero que contribuímos para
um relacionamento mais próximo com
a sociedade e uma melhoria da imagem
do Poder Judiciário, através de uma boa
comunicação com a imprensa. Melhoramos o diálogo e hoje contamos com uma
relação muito cordial com o Tribunal
de Justiça. O fundamental é que o foco
institucional foi mantido, com avanços
conquistados pela AMARN na questão
da inamovibilidade dos Juízes Auxiliares e
Substitutos, objetividade e impessoalidade nos critérios para abertura de comarcas e substituição de Desembargadores.
Também no plano institucional tivemos
sucesso no CNJ com a fixação da regra
de que as nomeações por merecimento
para as Turmas Recursais devem ser fundamentadas e obedecer aos quintos sucessivos na lista de antiguidade. Além disso,
trabalhamos ativamente pela melhoria
das condições de trabalho dos colegas,
buscando o aperfeiçoamento dos sistemas
de informática e a expansão do quadro de
assistentes, com boas perspectivas de implantação para o ano que vem. Quanto
à gestão da AMARN, entregamos a Associação com as finanças equilibradas,
graças à “responsabilidade” fiscal que
adotamos em toda a gestão e estamos em
fase final de implementação do plano de
investimentos imobiliários da AMARN,
que deverá assegurar o patrimônio da associação no logo prazo. Do ponto de vista
da integração, realizamos um Congresso
Estadual de Magistrados inovador focado
em qualidade de vida e que teve aprovação entusiasmada dos colegas que participaram e dos visitantes. Como se pode
perceber, é apenas um pequeno resumo,
foi uma gestão de muito trabalho, bem
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sucedido graças a nossa diretoria.
Tenho muito orgulho de relatar que
de todas as propostas que fizemos
durante a campanha em que fomos
eleitos e que dependiam exclusivamente da atuação da AMARN,
100% foram cumpridas.
O que mudou, na sua vida
profissional, a experiência de
ser presidente da AMARN?
Hoje sou mais paciente e capaz
de negociar soluções. O exercício
do cargo de Presidente, que nesta
gestão funciona mais como um coordenador com dedicação integral,
foi um exercício prático de democracia e me fez aprender muito
com os meus colegas. Nossa diretoria é de uma qualidade extraordinária e seu comprometimento com
o trabalho é inspirador. Trabalhar
ao lado deles foi uma honra.
Qual a lição que fica?
Sem dúvida, aceitar o convite
dos colegas de chapa para disputar
a Presidência foi uma das melhores decisões que já tomei. Estes
dois anos foram dos mais felizes
que vivi. Quando assumi eu disse
que a AMARN não era para mim
um projeto de engrandecimento
pessoal e prometi servir aos colegas na Presidência com meus
melhores esforços. Sei que honrei
essa promessa e agradeço a minha
magistratura pela oportunidade.
Como grupo, tenho certeza de que
lutamos o bom combate e fizemos
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por merecer a confiança depositada em nós pelos colegas que nos
elegeram.
O que o senhor vai fazer depois que deixar a presidência
da associação?
Como não vinha tirando férias durante o mandato, pretendo
descansar um pouco. Depois, é
voltar a fazer o que amo, ser Juiz
(risos), possivelmente no sistema
dos Juizados Especiais. Ainda não
é possível saber, porque integro o
quadro de Juízes Auxiliares. No
plano pessoal, pretendo continuar
a participar ativamente da política
associativa e ajudar a próxima gestão da AMARN em tudo que eu
puder.
Um sonho de gestão não realizado?
No âmbito das conquistas financeiras, ainda não desisti de ver
realizada a redução da diferença
entre as entrâncias, como já aconteceu em 15 outros Estados do
Brasil. Também não conseguimos
viabilizar a contratação de assistentes para todos os juízes, devido
a problemas orçamentários no TJ.
Lutaremos até o último dia destes
três meses que restam no mandato para conquistar esses objetivos.
Se ainda assim não tiver sucesso,
pretendo ajudar a próxima gestão a concluir esses projetos que
iniciamos.
Ritos
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Sérgio
Dantas
O juiz
// Ensaio
revela talentos na arte da fotografia
02
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04
01
01. Ponte Newton Navarro, vista a partir
da rampa de acesso ao Forte dos Reis Magos.
02. Juiz Sérgio Dantas - juiz auxiliar da 1ª
Vara Cível de Natal.
03. Árvore do amor, em Barra de
Maxaranguape.
04. Barco pesqueiro encalhado na Praia
de Búzios.
05. Sertão – Fazenda Lajes, Marcelino
Vieira/RN.
06. Vista parcial noturna do elevador
Lacerda, em Salvador, com Baía de Todos
os Santos em segundo plano.
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Ritos
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// Pesquisa
76,3%
dos magistrados do
RN têm sintomas de
ansiedade e depressão
Entre os meses de junho e agosto deste ano, os pesquisadores Valdiney
Gouveia e Nilse Chiapetti junto com a psicóloga Giovanna Petruci realizaram uma pesquisa com magistrados do Rio Grande do Norte com o objetivo
de investigar a incidência de estresse ocupacional e suas implicações para a
saúde mental e bem-estar dos juízes estaduais.
A pesquisa, com o apoio da AMARN, foi feita através de questionários
na internet sobre condições de trabalho, quantidade e qualificação de servidores, estrutura física dos ambientes de trabalho, segurança e área de traba-
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Ritos
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Dados da pesquisa:
Quanto às condições de trabalho:
38,6% - Totalmente insatisfatório;
33,7% - Insatisfatório.
Segurança no trabalho:
lho. 118 magistrados responderam ao questionário, sendo 50,8% do sexo feminino, casada ou em
união estável 72% das juízas pesquisadas.
De acordo com os resultados da pesquisa,
76,3% dos magistrados do Rio Grande do Norte
apresentam sintomas de ansiedade e depressão. O
que significa que os profissionais estão submetidos
a níveis inadequados de saúde psicológica, o que
está associado ao estresse ocupacional. O tema
vem sendo discutido e pesquisado em diversas áreas profissionais a partir de modelos teóricos e está
relacionado às exigências psicológicas enfrentadas
por profissionais como pressões quantitativas( tempo e velocidade na realização do trabalho) ou qualitativas (conflitos entre demandas contraditórias).
A categoria alta exigência, segundo a metodologia da pesquisa, indica alto estresse ocupacional e
o trabalho passivo, a presença de estresse intermediário. Já a categoria trabalho ativo indica estresse
positivo e baixa exigência, condições de trabalho
adequadas.
De acordo com os resultados da pesquisa, os
juízes do Rio Grande do Norte têm problemas com
o estresse ocupacional e as consequências podem
afetar a sua qualidade de vida. Quanto maior o estresse ocupacional, menor a satisfação com a vida e
maiores os sintomas de ansiedade e depressão.
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37% - Totalmente insatisfatória;
32% - Insatisfatória;
11% - Satisfatória;
5% - Totalmente satisfatória.
Satisfação no trabalho:
35,7% - Totalmente satisfeitos;
41,6% - Mais ou menos satisfeitos;
20,8% - Insatisfeitos.
Área de trabalho:
44,1% - Varas Cíveis;
15,3% - Varas Criminais;
26,3% - Varas Cíveis e Criminais;
14,4% - Não informaram.
Número de processos sob a
responsabilidade de cada magistrado:
De 150 a 9.000 processos, sendo o valor médio de 2,400
processos por juízes.
Estresse ocupacional:
34,8% - Alta exigência (Indicadora de alto estresse
ocupacional)
23,7% - Trabalho passivo;
24,6% - Trabalho ativo;
16,9% - Baixa exigência.
Ritos
39
// ARTIGO
Será que o ministro Torquemada
conseguiu alguma sinecura no
reino dos céus?
(Qualquer semelhança com algumas pessoas vivas ou mortas trata-se de mera coincidência)
Francisco de Assis Brasil Queiroz
e Silva
Juiz de Direito titular da 3ª Vara
Criminal do Fórum Varella Barca da
Zona Norte de Natal, RN e Professor de
Direito Penal da UNP
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Ritos
O ministro Alcindo Torquemada era um homem com muito prestígio dentre os
seus pares, tendo sido durante dez anos ininterruptos presidente do Tribunal de Contas
do Estado, quando a lei determinava que o mandato do presidente fosse de dois anos,
não permitindo a reeleição. O Dr. Alcindo, quando estava chegando ao término do
seu mandato legalmente estabelecido em dois anos, deu um golpe na lei, a exemplo
das forças armadas que golpearam o estado democrático de direito do Brasil em 1964,
argumentando que como a redentora salvara o Brasil do comunismo, a sua permanência na
presidência daquele areópago de contas salvá-lo-ia de uma bancarrota institucional.
Então, após uma década presidindo o Tribunal de Contas estadual, o ministro Alcindo
Torquemada foi defenestrado do cargo que foi entregue ao general Pantaleão, um militar recentemente aposentado, nascido lá nos pampas do Rio Grande, que comandara
uma unidade do exército aqui em Natal, o qual, tendo se apaixonado pela capital
potiguar mas não desejando ficar em casa levando os netos para a escola e fazendo palavras cruzadas, fora condecorado pelo Governador do Estado com a toga presidencial
daquela corte, significando um prêmio para aquele democrata que devotara toda sua
vida castrense pelo amor à pátria.
Trabalhando como secretária do ministro Torquemada, Ana Júlia começou a
namorá-lo, o qual terminou se apaixonando por ela, tendo se separado de sua esposa
que padecia, naquela época, de um câncer incurável. Ele abandonou o seu lar e os seus
filhos e comprou um apartamento para morar com Ana Júlia, satisfazendo-lhe todos
os gostos mais bizarros, a qual aprendera a explorar financeiramente aquele velhote
endinheirado que estava por completo enrabichado por ela. De uma mulher de origem
humilde que sempre exercera a profissão de manicure, Ana Júlia se transformou em
uma dondoca ociosa e fútil, figurando com freqüência nas colunas sociais dos jornais
da cidade, renegando todos os parentes pertencentes à sua família de origem modesta, inclusive escondendo de todos que residira no passado à Rua Américo Barbalho
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Centro da Ribeira
no Alecrim, pois passando a residir com o Dr. Alcindo em um
condomínio de luxo no Alto da Candelária, passara sua infância
e juventude no aristocrático Bairro do Tirol, estudando na refinada Escola Doméstica de Natal.
Pouco tempo antes do Dr. Alcindo se aposentar, Ana Julia, antevendo que não iria desfrutar das regalias que gozava
quando o mesmo fosse defenestrado do serviço público, resolveu
terminar com este casamento que não era mais do seu interesse. Então, resolveu amancebar-se com alguém que lhe pudesse
bancar a sua frívola existência, pescando desta vez o deputado
Amarildo Mariz, conhecido como o protetor dos pobres, o qual era
um médico idoso e rico que se elegera parlamentar consultando
e distribuindo remédios de graça para a população pobre do
Estado. Sempre depois das sessões da Assembléia Legislativa, ao
entardecer, ele caminhava invariavelmente para o Grande Ponto para conquistar jovens empregadas domésticas, pois o velho
tinha uma tara especial por essas modestas profissionais do lar.
Dalí ele e a sua seduzida rumavam para o bordel dos coqueiros
que ficava entre a Ribeira e as Rocas, já que naquela época ainda não tinham chegado em Natal os denominados motéis para
abrigar tais encontros clandestinos, e lá o médico da pobreza,
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exímio caçador preferencialmente de graciosas antílopes, abatia com avidez aquela assustada gazela que houvera caçado em
pleno centro de Natal. Se algum amigo do deputado Amarildo
Mariz se aproximasse dele, por eventualidade, durante a investida que ele estivesse realizando contra alguma operária do lar,
acolá no denominado Grande Ponto, ele mudava repentinamente
de assunto, fingindo que estivesse prescrevendo algum medicamento para aquela pobre eleitora que o consultara em plena
via púbica.
A comborçaria de Ana Júlia com o deputado Amarildo durou pouco tempo, pois ele teve uma trombose que lhe mutilou
a vida, prendendo-o a uma cadeira de rodas, ficando impedido
de comparecer às sessões do parlamento onde ele representava
os seus eleitores, ao seu consultório onde clinicava de graça para
seus pacientes e, obviamente, ao Grande Ponto, onde exercia todas
as tardes sua arte venatória. Ana Júlia, diante da situação, lhe
foi categórica:
- Amarildo, eu vou me mandar atrás de outro bofe novo e
rico que me sustente, pois agora você é um velho imprestável,
entravado em uma cadeira de rodas e sexualmente borocoxô
que deveria ir para o asilo.
Ritos
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Rua Chile, na Ribeira
42
Ritos
- Mas como você pode me abandonar neste momento de
minha vida em que eu mais preciso de você!
- Não nasci para ser enfermeira de velho paralítico.
- Você não tem medo de ser castigada por Deus por ser tão
mal agradecida, desumana e cruel?
- Que nada, ainda sou coco que dá bastante leite!
Mas Ana Julia, tempos depois, não teve destino muito diferente do fado do Dr. Amarildo porquanto, no final da vida,
tendo ficado sem eira e nem beira pois não tinha mais idade
para seduzir os homens, foi recolhida ao Retiro das Enjeitadas,
uma ONG que recolhia órfãs, moradoras de rua e pistoleiras
cujas pólvoras das respectivas pistolas não mais queimavam...
Rosenildo que era o marido de Ana Julia antes desta trocá-lo pelo ministro, trabalhara durante vinte anos para o Dr. Osvaldo Farildo, mas fora demitido pelo mesmo, recebera todos
os seus direitos trabalhistas, mudando-se para a Zona Norte de
Natal onde montou seu próprio negócio, exercendo com esmero
a técnica de converter a farinha de trigo em pão que aprendera
na empresa do seu antigo patrão. Passou a conviver com Salésia,
uma prima neurótica que migrara de São Paulo para Natal, a
qual houvera se divorciado do seu marido, bissexual assumido,
que deixara Salésia para conviver com o seu namorado, porta-bandeira da escola de samba do Salgueiro da cidade do Rio de
Janeiro, tendo-o conhecido no carnaval daquela cidade maravilhosa. Um certo dia, quando Salésia retornava para a cidade
de São Paulo, depois de passar umas férias de janeiro com sua
família aqui em Natal, encontrou na cabeceira do leito nupcial
do casal, dentro do seu lar naquela capital paulista, uma carta de
adeus do seu marido, revelando-lhe que houvera se apaixonado
perdidamente pelo seu namorado carnavalesco, com quem iria
convolar bodas, edificando assim a sua nova família.
Rosenildo manteve a pequena padaria na Zona Norte de
Natal sempre com ajuda de Salésia que era uma mulher diligente até que, não suportando os freqüentes assaltos de que era
vítima sem que a incompetência dos agentes de segurança pública do Estado resolvesse o problema, decidiu vender o seu fundo
de comércio aposentando-se da atividade de padeiro. Ainda
continuou residindo algum tempo em Natal, convivendo com
Salésia, tolerando com uma paciência monástica a sua personalidade psicopática que antes de se unir a ela a desconhecia por
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completo, caracterizada dentre outros sintomas pela repentina
variação de humor, constante agitação psicomotora e fácil irritabilidade. Um dia, foi embora com ela para o sertão onde
herdaram uma fazenda, fixando residência na terra natal de Salesia, uma média cidade do alto-oeste potiguar de onde ela saíra
há muitos anos atrás para a capital paulista com o objetivo de
morar com um seu irmão que lá se estabelecera. Rosenildo e sua
mulher assumiram uma vida tipicamente rural, sentando todas
às tardes na calçada da residência para jogar conversa fora com
os vizinhos, ou seja, para satisfazer o desejo mórbido de Salésia
em saber da vida alheia, ocupação que ela exercia com sofreguidão desde a época em que residia em São Paulo quando sempre
sabia dos escândalos envolvendo as pessoas que morassem aqui
no Estado antes dos próprios potiguares residentes cá no Rio
Grande do Norte.
Quanto ao ministro, este, coitado, já vestido de pijama,
amargando uma viuvez já bem antiga de sua primeira virtuosa esposa e o repentino desprezo da sua fútil segunda mulher,
além de queda, coice, porquanto também foi rebaixado de patente, tendo perdido o status de ministro que sempre ostentou
com muita vaidade durante toda sua vida, sendo agora rotulado
de conselheiro, posto que, com a nova Constituição Estadual de
1989, os membros titulares do Tribunal de Contas do Estado
passaram a receber tal denominação. Por conta disto, o porteiro
do edifício onde ele morava, tomando conhecimento que o ministro agora era conselheiro, certa tarde de domingo o procurou
falando-lhe o seguinte:
- Doutor, desculpe lhe incomodar, mas resolvi pedir-lhe um
conselho pois estou com a intenção de abandonar a minha patroa com quem sou casado há trinta anos, sendo a mãe dos meus
dez filhos, por uma menina novinha que arranjei, ainda cheirando a leite, pois, o Sr. sabe, o cavalo quando fica velho gosta
mesmo é de capim novo.
O Dr. Alcindo, que nem ao menos o mandara entrar em seu
apartamento, diante de tamanha estultice do pobre homem, o
fuzilou com os olhos, dizendo-lhe de dedo em riste o seguinte:
-- Retire-se imediatamente de minha residência e me respeite
porque quem um dia foi rei como eu nunca perde a majestade.
O coitado do porteiro, tal qual um cão que foge com o rabo
entre as pernas, desceu as escadas do prédio em desabalada car-
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reira com a cabeça mais confusa do que nunca, pois o doutor
que fora ministro e virara conselheiro agora lhe dissera, furioso,
que também fora rei...
A rigor, o conselheiro Alcindo Torquemada não seria a
pessoa certa para dar conselhos desta natureza a ninguém, pois
quando era da idade do porteiro resolvera aventurar-se em semelhante epopéia, tendo dado com os burros nágua, encontrando-se ali, suportando a sua velhice, morando sozinho naquele
apartamento. Ele fora esquecido por todos, até pelos seus próprios filhos, que nunca lhe perdoaram o fato de ter abandonado
Dona Solange, mãe dos mesmos, quando esta se encontrava em
estado terminal apodrecendo gradativamente em razão da metástase de natureza cancerosa que já lhe devorara quase todos os
tecidos do seu organismo.
Como se fora um castigo que sofrera pelo fato de tanto malversar o numerário público, seja como secretário de finanças do
Estado quando o desviava para sua conta pessoal, seja como
membro da corte de contas estadual quando condescendia com
os alcances praticados pelos agentes públicos, o Dr. Alcindo terminou a vida praticamente sem fundos, tendo apostatado a fé
da Igreja Católica Apostólica Romana na qual tinha sido educado para desgosto de sua santa mãezinha que há muito tempo
estava no céu e professou a seita da Igreja Universal do Reino
dos Céus. O ministro desta última onde ele começou a freqüentar, aproveitando-se que o mesmo estava decrépito, o convenceu
a vender os seus bens e doar todo o dinheiro auferido para as
obras sociais da igreja, prometendo-lhe que esta sua caridosa
ação lhe renderia um ministério no reino dos céus quando o
mesmo vestisse o paletó de madeira, visto que aquele pastor
loteava cargos no céu. Por óbvio, torna-se humanamente impossível saber-se nesta vida terrena se a promessa do ministro
religioso foi cumprida quando o Dr. Alcindo pagou o tributo à
natureza, tornando-se evidente que os seus fundos não foram
para nenhuma obra social da mencionada igreja, mas serviram
para vitaminar significativamente a conta bancária e pessoal daquele sacripanta que o engabelara em vida, o qual sabia como
tantos outros daquela mesma seita evangélica, trapacear os ingênuos fieis da mistificadora Igreja Universal do Reino dos Céus.
Ritos
43
// ARTIGO
Fábio Ataíde
Juiz de Direito
Conselheiro da AMARN
44
Ritos
Uma caricatura
da politização
no judiciário
A segunda metade do século passado assinalou um interesse científico
pela compreensão das atividades humanas em grupo. Estabelece-se assim
um novo método para entender não a apenas a relação indivíduo-sociedade,
mas as situações que levam indivíduos a se unirem em torno de um objetivo
comum. Os pequenos grupos são dessa forma estudados como uma unidade
de aproximação dos seres sociais, firmando complexos processos de comportamentos, regras e valores.
Nessa linha de raciocínio, vem a propósito um acontecimento cuja especialidade se destaca como um bom modelo de hipótese-problema para
estudo das variantes deontológicas que determinam a carreira de um magistrado. Refiro-me ao caso de um advogado que, antes do término do biênio
eleitoral, teria se desligado do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do
Norte para assumir o comando de um partido local. Depois de avisar que
tomo a narrativa do episódio apenas para refletir sobre ética e legalidade,
inquieta-nos saber da permissão normativa para que ex-juízes eleitorais passem a realizar o papel partidário durante o período do biênio, logo após o
afastamento das funções.
Será útil examinar que a Constituição veda aos juízes (art. 95) dedicar-
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Fachada
do Fórum
Miguel Seabra
Fagundes,
em Natal
-se à atividade político-partidária ou exercer
a advocacia no juízo ou tribunal do qual se
afastou, antes de decorridos três anos do
afastamento do cargo por aposentadoria ou
exoneração. Em tese, a assunção das funções
eleitorais não inviabiliza que o advogado
exerça futuros projetos partidários depois de
terminado o biênio eleitoral.
No entanto, espera-se que o juiz eleitoral não seja inclinado às paixões partidárias,
do contrário não confiaremos na veracidade
de qualquer de seus veredictos. A vedação à
atividade partidária trata-se de uma regra
com ampla aplicação a qualquer participante do Judiciário. Por isso, Mário Guimarães
explicara que esta vedação abrange inclusive
qualquer manifestação de simpatia política
(1958, p. 206).
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Ritos
45
A despeito da falta de uma regra específica de controle, a
análise teleológica do sistema constitucional não permite que
juízes eleitoras advindos da classe dos advogados possam exercer livremente a atividade partidária durante o período do biênio para o qual foram convocados. Ao mesmo passo, faz-se
urgente ainda uma reforma política para vedar o alistamento
partidário do juiz até três anos depois do afastamento da função
eleitoral, guardando-se simetria com a regra que veda o exercício da advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou.
Seja como for, na ótica deontológica, magistrados eleitorais,
ainda que desligados de suas funções, não deveriam assumir
qualquer atividade partidária durante o biênio de nomeação. A
troca antecipada de papéis bloqueia a credibilidade de todo um
sistema jurídico. Isso não somente causa uma inevitável queda
de confiança nas decisões judiciais, mas, acrescento ainda, abre
larga possibilidade para uma crise do governo judiciário. Uma
crise que somente apressa a ideia de desgoverno nas instituições
eleitorais do País.
Sob vários aspectos, impõe-se fazer uma dedicada inspeção
na atitude de quem se torna juiz jurando a defesa imparcial de
uma ordem eleitoral durante dois anos. O caso em análise realça os aspectos de um juiz incapaz de perceber o conflito do
mundo em que vive. Nesse exótico não-mundo, parece estranho
que poucos entendam que o juiz não vive no próprio mundo,
mas no dos outros. É crucial este problema para compreender
a crise entre o ato aparentemente permitido e ontologicamente
proibido em face da neutralidade judicial.
Com isso, pretendo dizer que a questão reside no fato de
o juiz não poder entender o seu mundo segundo algo dado e
pronto (o mundo jurídico vigente). O mundo do juiz se reconstrói por meio de suas ações e assim ele nem sempre está livre
para esquecer qual é ou foi o seu papel e que nem sempre lhe
é permitido mudá-lo aleatoriamente durante o jogo adversarial
do processo eleitoral.
Vale dizer, no entanto, que procuro dar peso aos meus
argumentos fundado numa reflexão livre dos estreitos limites
normativos. Para este efeito, na melhor ou pior das hipóteses,
o juiz não pode ser esse sujeito desgovernado. Torna-se assim
urgente explicar que ele pode até acreditar no seu desgoverno,
mas sempre que tomar sozinho a opção pela desgovernança de
46
Ritos
suas ações, acaba é decidindo o destino de todos os outros juízes.
Indo assim, já posso dizer que se trata o juiz de um ente muito
vulnerável.
E talvez nem fosse preciso completar que, entendido nesses
termos, o juiz ainda não encontrou o seu mundo; simplesmente
porque o mundo onde ele está não lhe pertence. A análise da
atuação judicial não deve ignorar este problema. E se um novo
pensar veio para tentar recompor os pedaços desse magistrado
quebradiço, não posso avaliar a questão da politização do Judiciário como uma equação singela, ignorando a pobreza dos
métodos lançados até hoje para entender este fenômeno. Muito
estranho saber que antes do término natural de seu período de
atuação no Tribunal Eleitoral, o juiz venha a abandonar a apreciação imparcial das contraditas dos atores partidários para ele
mesmo integrar um partido.
A sociologia dos pequenos grupos pode ajudar a compreender o tema. Nessa linha, explica MILLS que quem participa
de um grupo tende a esconder seus desejos particulares (1970,
p. 140) e, de certa forma, muitas predisposições particulares colidem com os interesses de lealdade ao grupo. Se pararmos para
pensar, é possível considerar que os juízes do Tribunal Regional
Eleitoral formam um grupo transitório orientado por comportamentos regulados em torno de um objetivo comum que impede o envolvimento emocional com questões partidárias, pelo
menos durante o período para o qual foram nomeados. Assim,
como explica aquele sociólogo, quando o grupo está integrado
por agentes com personalidades em crise, há uma significativa
queda de produtividade. Digo, queda de credibilidade.
Em Nietzsche, encontramos um homem que vive para si
mesmo, sem ouvintes, narcisista. É justamente com este homem
que deparamos no episódio tomado para estudo, que nos revela
um juiz livre para guiar o seu destino em várias direções, cumprindo papéis contraditórios. Sob o olhar da teoria dos pequenos grupos, o juiz não deve produzir sozinho a sua vontade, sob
pena de seu mundo inverter o nosso; o mundo invertido é o preço que paga o homem por olhar no espelho (CARNELUTTI,
2001, p. 101). Aquele juiz que não se olha permanentemente
no espelho nunca será tal, porque nunca enxergará quem ele
não deve ser.
Afinal, a ação de nenhum juiz passa despercebida ao olhar
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dos outros (juízes). Isso apenas mostra que o significado do que
ele fez ou disse depende do papel que ele representa e representará mesmo após o fim de suas funções. Junte-se a isso o fato
de que a contemporaneidade abalou decisivamente a convicção
acerca do homem perfeito, de um juiz naturalmente sacralizado.
O juiz não decide sozinho e tampouco toma decisões ignorando os outros. Os membros da comunidade podem até estar em
silêncio a este respeito, mas aqui assumo a palavra isolada para
falar por eles, para que nenhum inocente seja culpado.
Vale dizer que este século começou trazendo um programa
teórico político muito amplo para o Judiciário, mas esse projeto
de justiça não se confunde com a atuação partidária. O juiz eleitoral não é neste aspecto igual a qualquer servidor, justamente
porque é ele o defensor da igualdade eleitoral. Quem realiza
o papel de intercessor da liberdade eleitoral se contamina com
esta condição.
A troca abrupta de papéis simplesmente instaura uma incerteza primeira sobre o grau de independência judicial e ninguém
será capaz de restaurar o ambiente de dúvida sobre o papel do
Judiciário. No processo eleitoral, juízes devem ser e parecer dignos e convincentes. A bem dizer, o juiz eleitoral não pode perder
ou esvaziar o sentido do que é ser juiz. Temo já não saber quem
serão os juízes daqui para frente, se os juízes de hoje tornarem-se de uma hora para outra o partido de amanhã. Quero dizer
que o caso em estudo antecipa a caricatura antropofágica da
politização no Judiciário ou, melhor dizendo, da judicialização
do partido.
REFERÊNCIAS
CARNELUTTI, Francesco. Arte do Direito. Trad. Hebe A.
M. Caletti Marenco. São Paulo: Edicamp, 2001.
GUIMARÃES, Mário. O Juiz e a Função Jurisdicional. Rio
de Janeiro: Forense, 1958.
MILLS, Theodore M. Sociologia dos Pequenos Grupos.
Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Livraria Pioneira, 1970.
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Ritos
47
// ARTIGO
Comédia para
gostar de rir
Doutor Arrancatudo!
Maria Cláudia de Brito Alves Feld
Administradora de empresa [email protected]
48
Ritos
No interior, tudo é muito engraçado! Acontece de tudo que a gente possa
imaginar. O caso mais interessante, dentre tantos, aconteceu em 1869 e é o
caso do doutor Arrancatudo. O cara recém-formado, tendo em mãos apenas o diploma, via a possibilidade de ganhar dinheiro “rápido” somente no
interior. De preferência, interior pobre, com pessoas pobres e ignorantes. Ignorantes mesmo, no sentido mais puro da palavra. Então, o dentista recém-formado compra uma cadeira, uma bacia (para lavar as mãos), um alicate,
uma agulha, eu diria super-agulha, daquelas que perfura toda cavidade do
dente indo até o final da raiz. É uma agulha de aproximadamente 30 cm de
comprimento. Vejam bem, é só a agulha, sem falar no suporte onde se coloca
a xilocaína. Compra, também, alguns tubos de xilocaína, rolo de papel (não
sei que papel é aquele, não dá para identificar de tão escuro que é), alguns
comprimidos para aliviar a dor do paciente no pós-extração, uma espécie
de massa para fazer molde para dentadura e outra para fazer a dentadura e
dentes para enfeitar.
E tudo é calculado nos mínimos detalhes, tudo para se dar bem e ganhar
muito dinheiro em cima dos menos favorecidos.
Nesse ínterim, lá se vai o nosso “doutor” instalar-se no interior, distante
da capital, centenas de quilômetros, sem nenhuma experiência profissional
e nem rural. Às vezes, o nosso “doutor” tem algum apadrinhamento político, nesse caso fica mais fácil, o Governo local faz parceria com o mesmo, o instala em espaço cedido pelo Governo, sem nenhuma despesa, tendo
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como responsabilidade e obrigação apenas cuidar dos dentes da
população.
O governo local faz campanha, desfile em carro aberto, passeata, coloca carro de som na pequena cidade, nos arrabaldes,
informando do bem adquirido à população, ou seja, a contratação de uma profissional, qual seja, o dentista e convidam todos
a procurar cuidar da saúde dentaria.
No primeiro dia, lá o está o “doutor”, em sua sala à espera
do primeiro paciente. Chega Senhor Oximetro e diz que sente
dor de dente há mais de ano. O “doutor” escuta e pede para ele
sentar na cadeira. O Senhor Oximetro vê o doutor se aproximar dele com uma baita agulha, tem vontade de sair correndo
e pergunta: “doutor essa bicha aí não vai doer mais que a dor
que sinto hoje?” O doutor responde: “só no começo, depois vai
diminuindo, à medida que ela foi deixando esse líquido dentro
da sua gengiva”. O Paciente fica tranquilo; após meia hora, o
doutor libera o paciente e dá-lhe um picolé de cortesia. Segundo
a teoria do “doutor”, era para estancar o sangue, parar de sangrar, pois muitas vezes causava hemorragia. Quando o Senhor
Oximetro chegou em casa, não conseguiu comer, “era normal,
pois tinha levado uma baita agulhada na boca, estava inchado”, pensou ele. No dia seguinte, a dor havia passado, ele tinha
tomado 2 comprimidos de tetramicina, prescritos pelo médico.
No terceiro dia, ele sentiu um buraco na boca, não conseguia
mastigar o feijão, a rapadura, pegou um caco de vidro, e viu
que tinha se livrado da maldita dor. Ah! Esse doutor é mesmo
muito bom, vou voltar logo, logo e ficar livre deste também que
já começa a me dar pontadas na boca. Deixa cá, que me livro
de você também. Depois do Senhor Oximetro, veio o Senhor
Acrílico, a Sra. Shanaia, o pequeno Tontoim, e outros. Todos
os dias, o consultório do dentista estava cheio. Ele exigiu da prefeitura local uma secretária, pois não estava tendo tempo para
fazer as anotações e precisava fazer agendamento. A prefeitura
não questionou, fez ir para lá uma secretaria, que, agora, agendava as pessoas por dia, mas também identificava a queixa do
paciente e passava tudo para o doutor Arrancatudo no final da
de cada expediente.
Certo dia, chegou lá o pequeno Querubim de apenas 14
anos de idade, juntamente com sua genitora, que por sua vez
já era paciente do doutor Arrancatudo, bem como os demais
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membros da família. Ela disse: Doutor Arrancatudo, meu filho
faz três dias que não dorme e não trabalha, sente dor na boca
toda, eu acho que são os dentes dele pedindo para ser levados da
boca, falou a mãe. O doutor Arrancatudo olha e fala à mãe de
Querubim: a senhora tem razão, ele está em fase terminal, sou
obrigado a arrancar tudo. A mãe fica feliz e diz: meu filho, este
doutor é mesmo um santo, depois de Deus, só ele aqui na terra e
o Prefeito que fez esse milagre, trazendo o doutor Arrancatudo,
aqui, por sítio donde a gente mora.
Alguns anos depois, na cidade e seus arrabaldes, não havia
nenhuma queixa de dor de dente. A população sofria, agora,
de outro mal, dor de cabeça. O doutor Arrancatudo teve uma
idéia: candidatar-se a Prefeito da cidade que tão bem o acolheu.
Em sua campanha política, ele prometia instalar um médico na
cidade para curar da dor de cabeça da população. Alguns meses
depois, o doutor Arrancatudo era eleito o novo Prefeito da cidade, mandou buscar um médico recém-formado na cidade, filho
de um velho conhecido dele, instalou um consultório e mandou
o povo ir se curar da maldita dor. O primeiro paciente chegou,
sentou-se e disse: seu doutor de cabeça, faz 10 anos que eu me livrei da dor de dente, e faz exatamente 10 anos que sofro de dor
de cabeça. O doutor de cabeça examinou a boca do paciente e
viu que ele usava uma chapa (prótese), com os dentes já bastante
gastos e folgada e falou: “é, meu caro: não tem outra solução, o
jeito é arrancar a cabeça também!”
* Advertência legal: esta é uma obra de ficção; qualquer semelhança
com fatos reais ou atuais terá sido mera coincidência.
Ritos
49
// Gastronomia
Fachada da
pousada Toca da
Coruja em Pipa.
O segredo
da Toca
Por Azevêdo Hamilton
Cartaxo
50
Ritos
Um vai-e-vem intenso de pessoas em
ruas estreitas, música alta e um ambiente
bem descontraído. Barzinhos, sorveterias e
restaurantes são complementadas por lojas
que misturam da sofisticação ao rústico.
Essa combinação, uma beleza extraordinária e uma atmosfera bem diferenciada,
atrai, pessoas do Brasil e do mundo inteiro para a Praia da Pipa, no município de
Tibau do Sul, distante 80 quilômetros de
Natal.
Apesar de toda essa badalação em um
lugar tão conhecido e que fica bem próximo de nós, nem todos conhecem um dos
melhores restaurantes do nosso Estado, o
discreto Oca Toca, situado no interior da
Pousada Toca da Coruja, mas com acesso
permitido ao público externo.
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Prato: Robalo em crosta de coco
A Pousada Toca da Coruja faz parte
dos Roteiros de Charme e está situada
numa área de dez mil metros quadrados
de mata nativa. A pousada obedece ao
padrão rústico-sofisticado, com muito
mais do último. Durante minha visita
aos bangalôs de hospedagem, não pude
deixar de ter a impressão de ter visto acomodações daquela qualidade apenas em
revistas sobre o estilo de vida de estrelas
internacionais. Inclusive, a pousada já
hospedou a modelo internacional Naomi Campbell e outras personalidades.
Deixando a hotelaria de lado, vamos à parte boa, comer bem. E amigos,
Imagem interna do bangalô
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ali se come muito bem. O Oca Toca
fica de frente para um gramado que se
integra com a mata. A sensação que o
lugar passa é de tranquilidade e relaxamento, bem diferente do burburinho
da rua próxima. Ao iniciar sua refeição,
sugerimos que experimente o couvert da
casa, composto de ratatouille de berinjela,
cream cheese, brochette de tomate cereja
com queijo, salame e manjericão, acompanhado de deliciosas torradinhas feitas
na hora. Para acompanhar, vale escolher
entre os sucos de fruta da região ou selecionar um vinho da carta bem completa,
com opções a partir de R$60,00, ficando
a ideia do Artero Rosé Tempranillo, vinho
versátil que acompanha bem boa parte
do cardápio principal e também a sugestão de refeição desta coluna.
O restante do cardápio também é
bastante original, com opções de pescados e carnes bem ecléticas, ousadas
ou mais tradicionais, privilegiando ingredientes regionais mas sem cair na
mesmice. Recomendamos sem reservas
o robalo em crosta de coco, com molho
de castanhas, prato delicioso que valeu
Imagem externa do bangalô
ao Oca Toca merecida vitória em uma
das edições do Festival Gastronômico
da Pipa. Se estiver em Pipa, vale a pena
alongar a fome, estacionar na área interna da pousada (é permitido aos clientes do restaurante) e fazer um almoço
tranquilo de fim de tarde. Estando por
lá, não deixe de pedir para visitar as
acomodações, uma ótima opção de hospedagem para um casal num fim de semana especial. Mas tome cuidado, você
pode ser fotografado ao lado de algum
hóspede famoso e ir parar na capa de
uma revista.
Ritos
51
// ARTIGO
Investimentos no
Setor Elétrico e a
segurança jurídica
Roberto Medeiros dos Santos
Advogado, pós-graduado em
administração de empresas e gerente
jurídico da COSERN.
52
Ritos
1. Introdução:
O desenvolvimento econômico tem sido amplamente discutido e perseguido
pela sociedade brasileira, principalmente após a estabilização político-econômica
do País. Nos últimos anos essa discussão ganhou força em virtude de uma maior
inserção do Brasil no cenário mundial e das recentes crises econômicas que se
abateram nos Estados Unidos e na Europa.
Uma das questões importantes no debate é a capacidade do Brasil para atender as necessidades crescentes de sua população de forma sustentável, e sem perder
de vista sua competitividade perante outros países. A relevância da discussão ganha força ao se verificar a forte expansão do nível de atividade econômica doméstica no ano de 2010 e as perspectivas de crescimento para os próximos anos, tendo
em vista as metas estabelecidas pelo Governo Federal.
É sabido que as complexas interações do mundo moderno condicionam o
desenvolvimento à conjugação eficiente de variáveis tais como política econômica,
política fiscal, câmbio, taxas de investimento, acesso ao crédito, níveis de emprego,
disponibilidade de recursos naturais, mercado interno e externo, estabilidade das
instituições, dentre outras. A taxa de investimento é uma variável relevante para
materializar qualquer pretensão de um país obter crescimento econômico de longo
prazo, e, juntamente com o crédito, permitir a ampliação e modernização do parque produtivo, garantindo uma expansão econômica e bem estar social constantes.
Mesmo após a crise econômica mundial de 2008 e seus atuais reflexos na Europa, há a uma expectativa de manutenção do crescimento econômico nos próximos anos, devendo o Brasil apresentar taxas de crescimento acima da média
mundial, conforme tabela 1.
Para que esta expectativa se confirme será preciso manter elevadas taxas de
investimento em relação ao PIB, principalmente em de infra-estrutura. A tabela
2 mostra as taxas de investimento históricas e a expectativa para os próximos
nove anos.
Observando-se os dados da tabela 2, a partir de 2010 a taxa de investimento
em relação ao PIB aumenta significativamente em relação aos anos anteriores (o
aumento é ainda maior em termos de valores absolutos já que o próprio PIB tem
crescido ano a ano). É também relevante destacar que apenas uma pequena parcela dessa taxa de investimento tem origem no setor público, cabendo à iniciativa
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Tabela 1: Taxas de crescimento do nível de atividade (médias do período)
Tabela 2: Taxas de crescimento do nível de atividade (médias do período)
privada a maior parcela desses investimentos.
Esse é um dado relevante pois mostra a importância do setor privado para que o Brasil possa
alcançar seus objetivos e indica a necessidade
de políticas e comportamentos institucionais
que possam ser catalisadores de investimentos.
2. Investimentos em energia
elétrica:
Dentre os investimentos prioritários para
o Brasil estão os destinados à geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, com
predominância para as fontes renováveis,
considerando a perspectiva atual de desenvolvimento sustentável. Uma das características desse investimento é o longo tempo de
maturação e retorno do capital investido pelo
empreendedor. A existência de instrumentos
regulatórios e contratuais que garantam a pre-
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visibilidade e estabilidade necessárias a condução de negócios desse porte é fundamental.
Um efeito importante percebido ao longo
dos anos é o fato de o uso da energia elétrica,
além de representar maior desenvolvimento
e conforto para as famílias, tem contribuído
para a sustentabilidade ambiental.
Observe-se que a medida que cresce o
uso da energia elétrica reduz-se o uso da lenha como fonte energética. Nos últimos anos,
por conta dos programas governamentais de
universalização da energia elétrica, concretizados através das concessionárias de distribuição de energia, esse efeito substitutivo é mais
expressivo.
Fundamental também é entender que há
uma correlação entre o crescimento do PIB e
o consumo de energia elétrica. As projeções
indicam que a demanda por energia crescerá
em média 5% nos próximos anos.
Atualmente esta energia tem sido obtida
através da utilização de várias fontes, conforme gráfico 1. É relevante observar que a maior
parte dessa energia é renovável, com predominância da energia elétrica obtida de fontes
hidráulicas.
De acordo com a Empresa de Pesquisa
Energética – EPE (fonte: www.epe.gov.br/imprensa), os investimentos para o decênio 2010
– 2019 em geração e transmissão de energia
deverão atingir a soma de 214 bilhões de reais.
Esses investimentos são necessários para que
se possa garantir um crescimento de 5,0% ao
ano da economia brasileira nos próximos 10
anos. Para isso, foi fundamental a estruturação
jurídica de um modelo que permitisse a estabilidade dos contratos e das regras, através do
instrumento da concessão, com a garantia da
Ritos
53
Gráfico 1: Oferta interna de energia elétrica por fonte - 2010.
(fonte: EPE - Balanço Energético Nacional 2011)
observância do equilíbrio econômico financeiro dos contratos.
O Governo Federal, após graves problemas de escassez energética em anos interiores,
lançou as bases de um novo modelo para o
Setor Elétrico Brasileiro, sustentado pelas Leis
nº 10.847/04 e 10.848/04, e pelo Decreto nº
5.163/04, que somaram-se às leis n° 8.987/95
(lei das concessões) e Lei n° 9.427/96 (criação
da ANEEL) com o objetivo de garantir a segurança do suprimento de energia elétrica;
promover a modicidade tarifária e promover a
inserção social no Setor Elétrico Brasileiro, em
particular pelos programas de universalização
de atendimento.
Um marco regulatório estável certamente contribui para uma maior confiança dos
investidores privados, de forma que as taxas
de investimento previstas e necessárias para os
próximos anos se concretizem. E são investimentos consideráveis e que uma vez realizados repercutem em toda a economia. Veja-se
54
Ritos
como exemplo, na distribuição de energia, os
investimentos realizados pela COSERN nos
últimos cinco anos e total de ICMS recolhido
ao Estado. No período de 2007 a 2011 foram
investidos mais de R$ 628 milhões, e recolhidos cerca de R$ 1,027 bilhão em ICMS.
3. O Direito e os
investimentos:
Como visto alhures, a garantia de disponibilidade energética exige elevados investimentos. O investimento privado é mais sensível ao risco, principalmente em se tratando
de empreendimentos cujo retorno do capital
investido ocorra em longo prazo, como ocorre
com as concessões de serviços públicos. A modelagem do setor elétrico adotada pelo Brasil
buscou a redução desses riscos na tentativa de
atrair investimentos, dando a necessária segurança aos investidores. Contudo, alguns fatores
ligados ao ambiente legal não tem contribuído
com os objetivos originalmente traçados.
A tendência é que quanto maior o risco
menor a motivação do investidor para a alocação de capital em volumes elevados e por
prazos mais longos. Como o setor de infra-estrutura não se presta ao uso de capitais
especulativos, os modelos de atração de investimento precisam, necessariamente, incentivar
o investimento de longo prazo.
Sob esta ótica, o ambiente legal exerce
uma influência relevante já que, estabelecendo as regras do jogo, pode mitigar os riscos e
estimular a atração de capital de longo prazo.
Na verdade, a atuação do direito equivale a
de um indutor de condutas, podendo ser um
aliado às políticas públicas de desenvolvimento, conferindo eficácia, garantia de segurança
e estabilidade ao sistema.
Uma empresa está sujeita a muitas variáveis, sendo que as econômicas apresentam
maior grau de incerteza e representam maiores riscos. Além disso, a economia age como
um fator condicionante ao comportamento e à
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capacidade de investimento da empresa.
Já o ambiente legal permite, através de
suas normas e regulamentos, a previsibilidade necessária para garantir a estabilidade das
relações da empresa com o ambiente na qual
está inserida. São essas normas que balizam os
contratos que regulam toda a vida empresarial. E o papel do Judiciário, ao aplicar no caso
concreto as normas pré-definidas, transmite a
necessária segurança jurídica que norteará o
comportamento dos agentes econômicos em
situações similares. Observe-se que o ambiente
legal exerce dupla função, podendo limitar ou
incentivar comportamentos.
Considerando que o Estado não consegue
acompanhar a evolução dos fatos econômicos,
na maioria das vezes irá se utilizar de normas
com conceitos abertos e de caráter programático. Tal comportamento aumenta a discricionariedade deixada aos intérpretes que, então,
irão suprir as lacunas deixadas pela lei. Tal
atividade, contudo, por vezes traz problemas
exatamente naquilo em que deveria garantir:
a segurança jurídica.
4. O problema da insegurança
jurídica:
Cada vez mais o direito positivo adquire
características programáticas, com normas
que estabelecem apenas premissas, o que acaba por ampliar a responsabilidade de quem
aplica a lei e faz surgir os riscos inerentes à interpretação. A razão para isso está no fato de
que nem sempre os intérpretes são unânimes
em captar determinado sentido da norma, ou
tem a mesma orientação político-ideológica,
ou ainda, possui conhecimentos técnicos suficientes para compreender a extensão do problema posto à análise e decisão. Em muitos
casos, o respeito aos contratos sucumbe frente
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a uma visão diferenciada do que vem a ser a
distribuição da justiça, ou por uma visão limitada do problema a despeito de toda a complexidade de interações econômicas e técnicas
envolvidas.
O resultado disso é o aumento da incerteza jurídica introduzindo fatores adicionais
de risco nos negócios, provocando o aumento de spreads bancários, encarecendo o custo
do dinheiro, desestimulando as aplicações
não-especulativas, principalmente os investimentos de longo prazo. Há ainda o impacto
mediato no próprio mercado consumidor,
que pagará a mais pelo produto por conta da
precificação do risco. Este problema torna-se
mais danoso nas situações em que há contratos
de longo prazo cujos efeitos se estendem por
muitos anos, obrigando o investidor a atribuir
um prêmio de risco, para compensar eventuais
quebras de regras legais e contratuais.
Veja-se como exemplo a concessão de
liminares, em ações movidas pelo Ministério Público ou por ONG´s, que impedem a
construção de usinas hidroelétricas. Apesar
de um leilão de energia só ocorrer após as
análises e licenças ambientais pertinentes, é
comum o empreendedor, após vencer o leilão e celebrados os contratos de fornecimento e de garantias bancárias, ser surpreendido
por tais decisões. É óbvio o impacto negativo
para o investidor e também para o próprio
mercado consumidor. O atraso na obra impedirá o cumprimento dos prazos de fornecimento acordados. Além disso, a energia
que seria gerada não mais estará disponível,
obrigando o sistema tentar suprir a demanda
de outra forma. Muitas vezes a alternativa é
suprir essa demanda através de energia produzida por centrais termoelétricas, que tem
custo mais elevado e poluem mais.
E aí vem a ironia do problema. Uma decisão judicial que pretendeu evitar um suposto
dano ambiental para uma pequena comunidade provoca um dano ambiental maior,
com o acionamento de usinas termoelétricas
em vários pontos do território nacional, e um
dano ao consumidor, que pagará mais caro
pela sua tarifa de energia.
5. Conclusão:
A segurança jurídica é fundamental
para que as taxas de investimento em infra-estrutura se mantenham em níveis adequados e suficientes para garantir o crescimento
econômico de longo prazo. O investimento privado é incoercível e sempre buscará
compatibilizar a estabilidade jurídica com o
retorno do capital investido. Não encontrando um ambiente legal adequado no Brasil,
certamente buscará outras opções em uma
economia globalizada. O Brasil, no passado,
já enfrentou esse problema por conta de sua
instabilidade política e econômica. Agora,
não é razoável repetir o problema, desta feita, com a instabilidade no ambiente legal,
seja por conta de legislação ambígua, seja em
virtude de atuação de instituições que levem
à quebra de contratos ou ao seu equilíbrio
econômico financeiro.
Nesse sentido, sábias as palavras do Ministro Marco Aurélio, em voto proferido no
julgamento do MS 24.872, em 30-6-05, publicado no DJ de 30-9-05:
“A Administração Pública é norteada
por princípios conducentes à segurança jurídica — da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da publicidade e da eficiência.
A variação de enfoques, seja qual for a justificativa, não se coaduna com os citados princípios, sob pena de grassar a insegurança.” .
Ritos
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// ARTIGO
Éa
modernidade...
Rosivaldo Toscano
Juiz da vara criminal do Fórum Varela
Barca
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Ritos
Estávamos em um fim de tarde à beira-mar, buscando conchas para fabricarmos as setas das flechas. Vimos, ao longe, umas três mãos de canoas que
possuíam troncos muito altos e retilíneos, com umas grandes folhas brancas.
Tais canoas eram muito maiores do que as que produzíamos para a pesca ou
para os festejos da tribo. Preocupamo-nos. Seria alguma tribo inimiga? Provavelmente não, pois não era possível navegar no mar. Seriam deuses? Talvez.
Fizemos uma reunião naquela noite, em torno da fogueira. Rogamos aos
deuses da natureza para que nos protegessem. Perguntávamos se algo de errado havia ocorrido, se o totem havia sido violado. Estávamos apreensivos.
Logo pela manhã, escondemo-nos na orla e observamos. De dentro das
gigantescas canoas paradas na entrada da baía, outras saíam, menores, mais
ainda muito maiores que as nossas. Homens grandes e cobertos de algo que
parecia peles bem finas, carregando cajados reluzentes na cintura e outros objetos que nunca havíamos visto, entraram nas canoas. E remaram. Remaram.
Remaram. Desembarcaram na praia.
Esses homens que incrivelmente tinham pelos no rosto e peles da cor do
miolo da mandioca, aproximaram-se da mata costeira. Contamos umas três
mãos e meia de homens, apenas. Estávamos em maior número, pintados para
a guerra. Resolvemos nos impor, saindo da mata ao mesmo tempo cinquenta
mãos de homens armados de tacapes e flechas.
Eles pararam e até recuaram um pouco em direção às canoas.
Um deles se encheu de objetos e se aproximou lentamente até uma certa
distância que nos permitiu ver que seus olhos eram da cor do céu. Ele sorriu
com aquela boca coberta de pelos e deixou na areia da praia tais objetos,
retornando à canoa.
Esperamos. O pajé então deu ordem ao mais destemido dos guerreiros
para que capturasse os objetos e os trouxesse até a linha onde começava a mata
fechada. O guerreiro caminhou vinte braças, catou tudo e voltou correndo.
Havia objetos brilhantes, de cores nunca vistas. Um deles mostrava a face
de quem lhe ficasse na frente, como se vê nas águas de uma nascente de rio,
mas muito melhor. Ficamos maravilhados com esses seres. Seriam deuses tão
bons que nos presenteavam sem que nada pedíssemos? Provavelmente sim.
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Ainda nos perguntávamos.
Com os presentes, tivemos certeza de que viriam em paz. Pudemos nos aproximar. Eles então nos perguntaram, com gestos,
onde conseguir água e um pouco de comida. Mostramos uma
nascente próxima.
Logo depois, mais homens desceram das canoas imensas.
Eram umas cem mãos de homens. Gente demais cabia naquelas
canoas imensas. Não havia mulheres.
Com o passar dos dias, porém, descobrimos algumas peculiaridades deles. Eles tinham um cheiro muito ruim e não tomavam
banho. Seus dentes, ao contrário dos nossos, eram doentes e também exalavam mau-cheiro suas bocas. Uns insetos pequeninos
viviam em suas cabeças e lhes sugavam sangue e logo também
começaram a empestar nossa tribo. Eles trouxeram doenças que
para nós eram muito perigosas, pois não estávamos acostumados
a elas e nossas raízes conhecidas não as combatiam. Eles também
veneravam uns totens coloridos e uma imagem de um homem
com os braços pregados entre dois troncos cruzados que eles nos
sinalizaram ser um deus. Perguntamo-nos: como pode ser um
deus um homem amarrado a dois troncos?
Eles nos mostraram umas pedras douradas e perguntaram
onde achar mais. Havia muitas daquelas pedras nas áreas onde
ficava nossa tribo. Para nós essas pedras nada valiam, mas percebemos que eles ficavam muito contentes quando encontravam
uma e nos retribuíam com objetos coloridos.
Eles tinham um comportamento estranho. Não respeitavam
a floresta e nem temiam os nossos deuses. Tinham objetos reluzentes que cortavam as árvores e o que mais fosse, sem dó. Tinham outros que pareciam um pequeno tronco, onde inseriam
um pó preto e que de onde saía um barulho de trovão, fumaça
e fogo e eram capazes de matar cotias e outros animais. Pareciam se divertir em matar macacos que depois sequer comiam.
Não entendíamos como se podia matar um ser sem uma razão.
Logo nós que, quando matávamos algum animal, pedíamos perdão à alma dele, explicando que aquilo era necessário para nossa
sobrevivência.
Sem que percebêssemos, em poucos meses esses bárbaros foram nos tomando tudo. Aí já conseguíamos nos comunicar, ainda que com dificuldade, com aqueles homens que falavam uma
língua tão estranha e nos chamavam de índios. Eles se diziam
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ser europeus, uma terra distante e que, segundo eles, era muito
próspera, mas que lá não mais havia tantas florestas e nem pedras amarelas porque eles as destruíram. Perguntamo-nos: será
que agora virão destruir as nossas florestas como fizeram com as
deles? Só assim percebemos o quanto eles eram maus e bárbaros.
Mas já era tarde demais.
Apesar de tanta maldade, eles faziam rituais em torno daquela grande imagem do homem pregado na cruz, obrigavam-nos a nos ajoelharmos para aquele totem de pau e nos proibiram
de professar nossas crenças nos deuses da natureza. Seus pajés e
feiticeiros, em roupas coloridas, diziam que seria melhor assim e
que eles eram os portadores da bondade e da verdade. Teríamos,
segundo esses bárbaros, que aceitar a verdade deles. Quem não
aceitasse seria punido ou morto, pois tudo aquilo era para o nosso
bem. Dentro em pouco, começaram também a tomar à força e
a praticar coitos com nossas mulheres. Esses usurpadores fizeram
com que muitos de nossas tribos e das tribos vizinhas fossem torturados e depois mortos.
Impuseram, na força, sua vontade. Muitos de nós foram presos pelos pés e colocados para serviços pesados. Nossos guerreiros
morriam porque se recusavam a comer, pois não pode existir vida
sem liberdade. Aguentamos o quanto foi possível, ou ainda mais
além. Revoltamo-nos, mesmo sabendo de nosso destino cruel,
pois nascemos ou para sermos livres ou morrermos pela liberdade. Houve guerra.
Em nome da bondade, fizeram-nos tanto mal. Em nome da
esperança, tiraram-nos o que havia dela em nós. Em nome da
paz, obrigaram-nos a guerra. Em nome da felicidade, trouxeram-nos tristeza e dor. Em nome do amor, despejaram um ódio inexplicável contra nós.
Para cada bárbaro que matávamos, eles conseguiam matar
vinte dos nossos guerreiros com suas armas de trovão e seus cajados feitos de um material duro e cortante. Eles tomaram nossa
aldeia e mataram os curumins. Os guerreiros que restaram entraram mata adentro. Famílias foram destruídas. A taba foi totalmente devastada. E o mal prevaleceu.
Em busca de nossas riquezas, esses opressores que nos invadiram se alastraram como pragas e se impuseram em todos os locais
que chegaram, do estuário do Amazonas às cordilheiras andinas.
Jês, tupis, caetés, guaianases, potiguaras, tamoios, timbiras, tupi-
Ritos
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nambás e tupiniquins, todos sucumbiram.
Antes de seu último suspiro, diz a lenda, o pajé de nossa tribo,
já vencido e mortalmente ferido, perguntou a um dos bárbaros:
- O que é tudo isso?
E ele respondeu:
- É a modernidade.
Viciado é
o Distante -
uma história
A audiência demorava, mas já se aproximava do fim. O caso:
réu que havia subtraído seis barras de chocolate, avaliadas em
R$ 31,80, e as trocado por crack. Era a vez das alegações finais
da defesa. O defensor público pediu a aplicação do princípio da
insignificância. O acusado, um jovem mulato magricela e tatuado, trajando roupas surradas, ouvia tudo de cabeça baixa e olhar
perdido. Algemas.
- Bira, é um idiota esse defensor público. Você tá vendo? Por
isso que esse país não vai pra frente. Levanta a cabeça, vagabundo! Com esses bandidos não se pode alisar. - comentou em voz
baixa um colega acadêmico de direito que assistia à audiência
para efeito de prática judiciária. - E Bira sussurrou, reforçando:
- É um bandido safado, Miguel. Já pensou? Furtar chocolates
pra trocar por crack? O negócio dele é tirar as coisas dos outros.
Mas largar o vício que é bom, nada! Viciado sem-vergonha! Logo depois, Bira olhou para o relógio. Faria isso umas dez vezes
em poucos minutos. Começou a bater com a caixinha em uma
das pernas. Olhou para o maço e salivou. Mas não podia sair da
sala no meio da audiência, sob pena do juiz não assinar sua ficha
de comparecimento.
Alguns minutos depois, a sentença. Já era hora. Condenação
por furto. O juiz disse que “a consideração isolada do valor da
res furtiva não é suficiente para não se aplicar a lei penal, pois
o fato típico existiu, embora envolvendo seis barras de chocolate
que seriam vendidas para comprar drogas (o que afasta o furto
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Ritos
famélico) e porque se trata de réu useiro e vezeiro na prática de
furtos, o que impede o reconhecimento da bagatela para não se
estimular a profissão de furtador contumaz.”.
- Isso é que é Justiça. Só assim esse país tem jeito. - comemorou Bira, enquanto batia a caixinha compulsivamente na coxa.
Colhida a rubrica do juiz na ficha de comparecimento da
prática forense da faculdade, Bira saiu apressadamente. Ainda
no corredor, finalmente pôde matar o desejo. Abriu a caixinha
de Free, pegou o isqueiro e acendeu um. Deu um trago longo.
Olhos fechados por uns segundos. Alívio... Trajeto até o estacionamento. Entrou no carro. Ligou o rádio. Jingle de uma marca
de cerveja. Ao final, a famosa frase, dita apressadamente, “beba
com moderação”.
- Beba com moderação, beba com moderação... - Bira balbuciou. Riu de tudo aquilo, afinal, era quinta-feira. Happy hour
com amigos da faculdade.
Na mesa do bar, assuntos triviais. Observaram um homem
de meia-idade bêbado que quase caiu por sobre a mesa. Foi-se,
trôpego, amparado por um constrangido garçom.
Assuntos do papo: mulheres, próximas provas da faculdade e
fatos engraçados da última balada. Como eram todos amigos de
longas datas, lembraram momentos bons vividos juntos, e outros
nem tanto:
- E o Marcelo Pezão? Dona Dora ligou lá pra casa e pediu
que fôssemos vê-lo. Amigos, temos que visitá-lo. É como irmão,
cara. Irmão é irmão. - apontou Lucas. Bira acendeu outro cigarro.
- Caraca! Nunca fui numa clínica de reabilitação de dependentes químicos. - exclamou Joaquim.
- Quinho, Pezão precisa é de apoio. E amigo é pra essas
coisas, não é? Soube que ele fumou até aquele violão que tanto
amava. Fumou quase todas as roupas. Fumou até jóias de Dona
Dora e um relógio de seu Rafael. O crack não perdoa, amigos.
Ou interna ou morre. - lastimou Bira.
- Pobre Pezão. Pobre Pezão... - lamentavam. De repente, uma
angústia, uma dor. O abismo. Silêncio na mesa. Bira, de mãos
suadas, rapidamente acende outro cigarro. Lucas - consternado
- acena ao garçom:
- Por favor, traz mais uma cerveja.
O próximo é dependente químico. Viciado é o distante. Sem-vergonha é sempre o outro.
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