a atuação das organizações não

Transcrição

a atuação das organizações não
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CAROLINE LOPES SILVA
A ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS NO COMBATE À
PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO EM PAÍSES PERIFÉRICOS:
A PRODUÇÃO TÊXTIL NO SUDESTE ASIÁTICO
FLORIANÓPOLIS, 2013
CAROLINE LOPES SILVA
A ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS NO COMBATE À
PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO EM PAÍSES PERIFÉRICOS:
A PRODUÇÃO TÊXTIL NO SUDESTE ASIÁTICO
Monografia submetida ao Curso de
Graduação em Relações Internacionais
da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito obrigatório para
a obtenção do grau de Bacharelado.
Orientador: Prof. Dr. Hoyêdo Nunes Lins
FLORIANÓPOLIS, 2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 9,5 (nove e
meio) à aluna Caroline Lopes Silva na disciplina CNM 5420 –
Monografia, pela apresentação deste trabalho.
Banca Examinadora:
__________________________
Prof. Dr. Hoyêdo Nunes Lins
__________________________
Prof. Dr. Arlei Luiz Fachinello
__________________________
Profª. Drª. Patrícia Ferreira Fonseca Arienti
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço ao meu pai, Antonio Carlos da Silva, pela dedicação de
uma vida em prol da minha criação e formação. Pai, minha eterna gratidão.
Agradeço ao orientador, Prof. Hoyêdo, pela disponibilidade, atenção e pelas valiosas
orientações, sem as quais não seria possível o sucesso deste trabalho.
Agradeço aos docentes do curso de Relações Internacionais e à UFSC como um
todo pelos maravilhosos anos propiciados e seus ensinamentos.
Agradeço ao Movimento Bandeirante, que ao me ensinar a enfrentar alegremente
todas as dificuldades contribuiu com a persistência necessária à realização deste
trabalho, e pelos princípios que me motivaram à escolha do tema.
Agradeço à turma 2010.1, amigos do “antigo C6”, CARI e DCE pelas grandes
amizades formadas e por terem tornado a vida universitária uma experiência única.
Agradeço à Laura, ao Gustavo e ao Rafael, pela paciência, compreensão e apoio
diários no decorrer da realização deste trabalho.
Por fim, agradeço ao Jonathan pelo apoio e compreensão neste processo, pelo
companheirismo e cumplicidade ao longo do tempo e por estar ao meu lado em
todas as ocasiões.
Me espanta que tanta gente sinta (se é que sente) a mesma indiferença...
Engenheiros do Hawaii – Ninguém = Ninguém
RESUMO
O processo de reconfiguração da produção em âmbito global, impulsionado pelas
alterações na esfera econômica internacional como o fenômeno da globalização,
impacta os países em desenvolvimento não somente no âmbito econômico, mas
também no social. Ainda que Organizações Internacionais trabalhem no sentido de
estabelecer uma padronização mínima de direitos trabalhistas no nível internacional,
ainda são observadas diversas disparidades entre as legislações laborais destes
países. Tal situação é muitas vezes estabelecida pelos próprios governos nacionais,
com o intuito de buscar-se uma diferenciação de condições de competitividade por
meio da redução dos custos de mão de obra, acabando por transferir o ônus aos
trabalhadores e seus direitos, suprimindo-os em busca de uma maior rentabilidade
das corporações transnacionais investidoras; este processo pode ser fortemente
sentido no setor têxtil-vestuarista da economia mundial, por configurar-se em uma
atividade essencialmente intensiva em mão de obra. Assim, o trabalho de
Organizações Não-Governamentais apresenta-se como importante complementação
ao das Organizações Internacionais, através da utilização da opinião pública como
ferramenta de coerção às corporações, induzindo-as em muitos casos a buscar a
redução dos impactos negativos de suas atividades com o intuito de minimizarem
possíveis danos a suas imagens e, consequentemente, aos seus resultados
operacionais.
Palavras-chave: Organizações
Corporações transnacionais.
Não-Governamentais.
Direitos
trabalhistas.
ABSTRACT
The reconfiguration process of production on a global basis – which is impelled by
changes in the international economy sphere as the phenomenon of globalization –
impacts under development countries not only in an economic scope, but also in a
social one. Despite the work of International Organizations towards the establishment
of a minimum standard of labor rights on the international level, there are still many
disparities observed between these countries' labour legislations. This situation is in
many cases established by the governments themselves with the purpose of creating
a diferentiation of competitivity conditions through reduction of labor costs in these
countries, which ends transfering the onus to workers and their rights by suppressing
them on the chase of a better rentabitily for transnational corporations investments;
this process can be strongly perceived in textiles and garment sectors of international
economy because of the intensity of labour required by its activities. Therefore the
work of Nongovernmental Organizations shows itself as an important complement
through using public opinion as a coercion tool against corporations, inducing them in
many cases to search for reduction of negative impacts of their activities with the
purpose of minimizing possible damages to their images and consequently to their
operational results.
Key words:
corporations.
Nongovernmental
Organizations.
Labour
rights.
Transnational
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
1.2 OBJETIVOS ..................................................................................................... 12
1.2.1 Objetivo Geral ............................................................................................ 12
1.2.2 Objetivos Específicos................................................................................. 12
1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................... 13
1.4 METODOLOGIA............................................................................................... 13
2 RECONFIGURAÇÃO PRODUTIVA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NOS
PAÍSES PERIFÉRICOS ............................................................................................ 16
2.1 GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA, TRANSFERÊNCIA DE PRODUÇÃO E
IMPACTOS TRABALHISTAS ................................................................................. 16
2.2 A INDÚSTRIA TÊXTIL-VESTUARISTA: PARTICULARIDADES ...................... 19
2.3 LEGISLAÇÕES NACIONAIS RELATIVAS AO TRABALHO ............................. 20
2.4 DESIGUALDADES LEGISLACIONAIS E SEUS REFLEXOS ........................... 21
3 DA REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS TRABALHISTAS 22
3.1 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO ....................................... 22
3.2 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO ................................................... 26
3.3 REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO: HISTÓRICO ......... 29
3.4 NORMAS E CONVENÇÕES VIGENTES – OIT ................................................ 31
3.4.1 Convenções Fundamentais ....................................................................... 32
3.4.1.1 Convenção sobre a Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de
Sindicalização (C087 – 1948)9 ........................................................................ 32
3.4.1.2 Convenção sobre a Aplicação dos Princípios do Direito de
Sindicalização e de Negociação Coletiva (C098 – 1949)10 ............................. 33
3.4.1.3 Convenção sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório (C029 – 1930)11
........................................................................................................................ 33
3.4.1.4 Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado (C105 – 1957)12 .. 34
3.4.1.5 Convenção sobre a Idade Mínima para Admissão de Emprego (C138 –
1973)13............................................................................................................. 35
3.4.1.6 Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho das Crianças (C182 –
1999)14............................................................................................................. 35
3.4.1.7 Convenção sobre a Igualdade de Remuneração (C100 -1951)15 ........ 36
3.4.1.8 Convenção sobre a Discriminação (Emprego e Profissão) (C111 1958)16............................................................................................................. 36
3.4.2 Convenções de Governança ..................................................................... 37
3.4.2.1 Convenção sobre a Inspeção do Trabalho (C081 – 1947)17 ............... 37
3.4.2.2 Convenção sobre a Política de Emprego (C122 – 1964) 18 ................. 38
3.4.2.3 Convenção sobre a Inspeção do Trabalho na Agricultura (C129 –
1969)19............................................................................................................. 39
3.4.2.4 Convenção sobre Consultas Tripartidas Relativas às Normas
Internacionais do Trabalho (C144 – 1976)20.................................................... 39
4 DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS ............................................. 40
4.1 ONGS: POR QUE SÃO NECESSÁRIAS........................................................... 41
4.2 ORIGENS E HISTÓRICO ................................................................................. 43
4.3 NA LUTA POR UM MUNDO MELHOR ............................................................. 47
4.3.1 Global Exchange........................................................................................ 48
4.3.2 Global Labour Rights ................................................................................. 50
4.3.3 Social Watch .............................................................................................. 52
4.3.4 Clean Clothes Campaign ........................................................................... 55
5 ESTUDOS DE CASO: A LUTA PELA MUDANÇA ............................................... 58
5.1 LEVI’S E A IMPLEMENTAÇÃO DOS CÓDIGOS DE CONDUTA ...................... 58
5.2 JUSTICE: NIKE, JUST DO IT! .......................................................................... 61
5.3 CAVITE: A TORTURA FILIPINA ....................................................................... 68
5.4 A IMPORTÂNCIA DOS CASOS ....................................................................... 74
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 76
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 80
ANEXOS ................................................................................................................... 84
9
1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da economia internacional vem alterando de modo
profundo a divisão internacional do trabalho. Observa-se cada vez mais a
transferência de etapas produtivas da cadeia industrial, sobretudo daqueles setores
intensivos em trabalho, a países considerados subdesenvolvidos e periféricos, em
decorrência do baixo custo e abundância de mão de obra encontrados nestas
localidades, em contraposição aos países matriciais. Assim, pode-se considerar este
ciclo como retroalimentado: os baixos salários em decorrência da precariedade dos
direitos laborais incentiva à intensificação da deterioração das condições trabalhistas
por meio do aumento de sua demanda, num processo perverso onde as grandes
corporações angariam cada vez maior lucratividade em detrimento de uma
população já anteriormente desfavorecida pela economia global.
A partir da crescente demanda advindos das grandes corporações, a situação
já precária das condições trabalhistas em diversas localidades da periferia global
acentuou-se, tornando-se alarmantes em diversos casos. Não raras são as grandes
tragédias em indústrias com pouca ou nenhuma estrutura de segurança e as
denúncias de trabalho infantil, escravo ou semi escravo, não somente na indústria
têxtil, foco deste trabalho, mas também em diversos outros setores de cadeias
produtivas globais.
Tendo em vista tais acontecimentos, além da fiscalização e atuação de
organizações como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização
Mundial do Comércio (OMC), despontam cada vez mais Organizações NãoGovernamentais cujos objetivos são a melhoria nas condições de trabalho em
países economicamente menos desenvolvidos, a erradicação do trabalho escravo,
servil, infantil, entre outras práticas consideradas ofensivas aos direitos humanos e
socialmente desleais.
1.1 TEMA E PROBLEMA
10
Em busca de maior lucratividade de seus negócios, as grandes
corporações adotaram a prática de manterem em seus países de origem somente
aquelas etapas de maior agregação de valor e menor necessidade de trabalho
operacional, tais como seus centros de inovação e tecnologia, design, comunicação
e marketing, entre outros departamentos responsáveis pela construção da
identidade da marca e agregação de valor ao produto. Por sua vez, os produtos em
si passam cada vez mais a serem produzidos em outros países com as
características acima mencionadas, geralmente por meio de subcontratações de
indústrias já existentes – e não a instalação de unidades produtivas próprias, o que
representa ainda maior redução de custos (LUPATINI, 2007).
A crescente adoção de tal prática por parte das grandes indústrias têxteis
globais, de manutenção de sua produção fundamentalmente em países periféricos –
e não mais em seus países de origem – acarretou e consolidou a precarização das
condições de trabalho em diversas localidades do globo. Neste sentido, faz-se de
suma importância a atuação de diversas Organizações Não-Governamentais
(ONGs) que, em conjunto com organizações internacionais como a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), atuam no sentido de erradicar tal prática desleal e
desumana de busca por melhor competitividade econômica e aumento da
lucratividade
de
matrizes
e
países-sede,
invariavelmente
considerados
desenvolvidos.
Uma exposição abrangente do tema e de suas diversas vertentes é feita
na obra da autora canadense Naomi Klein, Sem Logo: a tirania das marcas em um
planeta vendido (2000). Ao analisar o processo de criação de uma marca e as
transformações sociais e econômicas por ele gerados, a problemática da
industrialização por terceirização de países periféricos e a precarização das
condições trabalhistas em tais localidades do globo permeia grande parte de sua
argumentação. A lógica das grandes corporações por trás da transferência total ou
parcial da etapa fabril de suas cadeias produtivas é por ela descrita da seguinte
maneira:
Todo mundo pode fabricar um produto, raciocinam eles [...]. Essa tarefa
ignóbil, portanto, pode e deve ser delegada a terceiros cuja única
preocupação é atender às encomendas a tempo e dentro do orçamento (e o
11
ideal é que fiquem no Terceiro Mundo, onde a mão de obra é quase de
graça, as leis são frouxas e isenções fiscais são obtidas a rodo). As
matrizes, enquanto isso, estão livres para se concentrar em seu verdadeiro
negócio – criar uma mitologia corporativa poderosa o bastante para difundir
significado a esses toscos objetos apenas assinalando-os com seu nome
(KLEIN, 2000, p.46)
Tal prática alterou de forma relativa a divisão internacional do trabalho,
deslocando o centro de diversas cadeias produtivas – a produção fabril em si – para
regiões antes não industrializadas. Neste sentido, a proeminência do segmento da
economia têxtil se dá por que “apesar de todos os avanços tecnológicos, ainda
permanece intensivo em mão de obra” (GORINI, 2000, p. 20). A fragilidade dos
direitos trabalhistas está no cerne desta transferência, e, com sua intensificação e
consequente agravamento, passou a chamar a atenção de ativistas dos direitos
humanos, bem como da sociedade internacional em geral quando denunciados em
campanhas de grande repercussão.
Por meio de ações conjuntas de organizações internacionais regulatórias,
como a Organização Internacional do Trabalho, Organizações Não-Governamentais
e pressão da sociedade internacional em geral, já foram possíveis diversas
conquistas no sentido de aprimoramento dos direitos laborais em diversos países e
regiões do globo. Tal avanço não se traduz somente na evolução das legislações
vigentes nos diversos países, mas também em maior fiscalização por parte das
corporações contratantes, por meio, por exemplo, da adoção de padrões de
certificação socialmente responsáveis. Todavia, cabe a reflexão das reais
motivações para tais alterações de comportamento e exigências das grandes
empresas:
Are these episodes sudden attacks of conscience on the part of the world’s
top CEOs? Not quite. Under increasing pressure from environmental and
labor activists, multilateral organizations and regulatory agencies in their
home countries, multinational firms are implementing “certification”
arrangements – codes of conduct, production guidelines, and monitoring
standards that govern and attest to not only the corporations’ behavior but
also to that of their suppliers around the world. (GEREFFI; GARCIAJOHNSON; SASSER, 2001)
12
A relevância do tema objeto de estudo deste trabalho é reiterada pela
citação acima. A pressão decorrente da militância de organizações com ideais e
objetivos definidos, respaldados por valores internacionalmente compartilhados
como os direitos humanos, é potencialmente uma ferramenta poderosa na luta pelos
contínuos avanços em direção a um mundo socialmente menos desigual. Diante dos
escândalos potencialmente geráveis a partir da constatação de práticas sociais
condenáveis no processo de produção de uma grande marca, estas são compelidas
a reavaliar suas ações e se adaptarem ao cumprimento de políticas de
responsabilidade
social,
chegando
inclusive
a
criar
em
suas
estruturas
departamentos destinados especificamente à fiscalização quanto ao cumprimento de
seus novos códigos de conduta por parte de suas unidades produtivas, como é o
caso da Nike (KAMLOT; DUBEUX; CARVALHO, 2012).
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo Geral
Identificar e analisar fatores e agentes que contribuem para avanços
conquistados no que tange às condições trabalhistas da mão de obra em países da
periferia econômica global, sobretudo em relação à indústria têxtil e sua produção no
sudeste asiático
1.2.2 Objetivos Específicos
- Discutir a questão da reconfiguração da produção no contexto da globalização e
seus reflexos na regulamentação trabalhista internacional;
13
- Apresentar como se estruturam atualmente tais regulamentações, bem como
exemplificar legislações em vigor nos países em desenvolvimento;
- Analisar a estruturação, modo de atuação e objetivos das Organizações NãoGovernamentais no tocante ao tema das condições trabalhistas em âmbito global,
observando sua relevância;
- Identificar casos de destaque e representatividade referentes a violações e
envolvimento de Organizações Não-Governamentais em seu combate.
1.3 JUSTIFICATIVA
Diante dos avanços da internacionalização das cadeias produtivas das
grandes corporações, sobretudo na forma da transferência da etapa fabril às regiões
periféricas do globo, em contraposição à crescente preocupação global relacionada
a temas concernentes à sociedade, ao meio ambiente e aos direitos humanos,
justifica-se a escolha do tema pela análise dos avanços que vêm sendo construídos
neste contexto por atores internacionais menos tradicionais, qual sejam as
Organizações Não-Governamentais, e quais os reflexos observados no recente
passado oriundos de sua intervenção na dinâmica socioeconômica mundial. O
estudo mais específico envolvendo o setor vestuário-têxtil da economia global se dá
pelo destaque observável das denúncias envolvendo grandes grifes e utilização de
mão de obra explorada ou em condições precárias e socialmente reprováveis por
parte de suas subcontratadas e fornecedores estrangeiros, sobretudo do leste
asiático, gerando pressões internacionais e casos de grande repercussão
internacional.
1.4 METODOLOGIA
14
Para
alcançar
os
objetivos
traçados,
será
feita
inicialmente
a
contextualização do tema, a fim de que se compreendam as alterações no cenário
global das condições laborais ao longo do tempo, sendo tratada a questão da
reconfiguração econômica frente ao processo de globalização, bem como
particularidades da indústria em questão. A exemplificação de legislações nacionais
justifica-se pela observância na prática dos reflexos de tal processo, bem como
serve de base para uma melhor visualização do tema desenvolvido como um todo,
tendo a escolha dos países abordados se dado a partir tanto da relevância deste
para a exemplificação do tema, quanto pela disponibilidade de traduções confiáveis
de tais legislações. Desta maneira, serão utilizadas fontes primárias e secundárias,
tais como documentos oficiais, artigos científicos e obras literárias.
O estudo específico das Organizações Internacionais envolvidas direta ou
indiretamente na elaboração de convenções e normas internacionais relacionáveis
ao tema, bem como o teor de tais tratados, faz-se fundamental como embasamento
à posterior análise de atuação das Organizações Não-Governamentais, uma vez
que tais Organizações complementam-se no trabalho de regulamentação laboral
global, conforme será apresentado. As principais fontes para tal estudo constituemse em informações oficiais destas Organizações, por meio de seus websites e
documentos neles disponibilizados.
O debate sobre a importância das Organizações Não-Governamentais no
envolvimento de questões sociais, identificando-se fatores que levaram a seu
surgimento e configuração atual, representa o ponto central de argumentação deste
trabalho. As instituições apresentadas foram selecionadas por meio do grau de
notoriedade identificado no nível global por meio de referências a seu trabalho,
assim como a notória produção de relatórios e campanhas de monitoramento e
fiscalização laborais. Fontes secundárias servem de referencial para tal exposição,
tais como websites oficiais, artigos científicos e obras literárias.
Para a consolidação do estudo da atuação das Organizações NãoGovernamentais e melhor compreensão de sua prática, apresentar-se-ão casos
concretamente observados de envolvimento de algumas instituições no processo de
identificação, fiscalização e implementação de melhorias relativas a questões
15
laborais em diversas localidades do globo. Tais casos foram selecionados buscando
a representatividade da diversidade de violações identificadas, âmbitos de atuação e
resultados observados. Serão utilizadas principalmente fontes secundárias, como
artigos científicos, obras literárias e relatórios.
Por fim, destaca-se que os impactos estritamente econômicos, ainda que
de relevância para a compreensão do processo de reconfiguração global da
produção, não serão abordados em função do escopo do trabalho.
16
2 RECONFIGURAÇÃO PRODUTIVA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NOS
PAÍSES PERIFÉRICOS
A configuração do sistema internacional encontra-se em permanente
alteração, de acordo com os acontecimentos históricos nas mais diversas
localidades e seus impactos nas relações internacionais. Não haveria de ser
diferente com a economia: a partir da evolução dos meios de produção e
regulamentações nacionais referentes ao seu funcionamento, o sistema econômico
internacional como um todo é impactado; mais ainda: a sociedade internacional é
atingida por seus reflexos, invariavelmente.
É importante, portanto, a reflexão acerca das consequências geradas
pelos rumos que o desenvolvimento da economia no âmbito global está deixando
como legado: não somente a geração de empregos, não somente o aumento de
produtividade – mas também seu rastro nefasto e potencialmente destrutivo
decorrente da lógica capitalista e sobreposição de valores, aonde o lucro coloca-se
como objetivo prioritário do desenvolvimento em detrimento de fatores sociais e
melhora da qualidade de vida de populações em sua decorrência.
2.1 GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA, TRANSFERÊNCIA DE PRODUÇÃO E
IMPACTOS TRABALHISTAS
A economia mundial, até a década de 1970, baseava seu padrão
organizacional e de produção corporativos na produção em massa buscando a
redução progressiva de custos, como fruto da estrutura pós-guerra, acelerando a
divisão internacional do trabalho (IENNACO, 2005). Já a partir deste período,
portanto, encontramos a internacionalização como um meio de estratégia para a
competitividade internacional empresarial; contudo, uma maior evidenciação do
tema passou a acontecer a partir do desenvolvimento do fenômeno tão conhecido
como “globalização”.
17
A globalização pode ser considerada um fenômeno relativamente recente,
possuindo diversas definições e descrições. Decorre, sobretudo, da maior
mobilidade do capital na economia global, a qual teve como consequência uma
maior mobilidade de atividades econômicas de acordo com suas características,
buscando a maior rentabilidade possível e otimizando, do ponto de vista
empresarial, seus recursos. Nas palavras de George Soros,
A característica mais acentuada da globalização é permitir que o capital
financeiro se movimente com liberdade; em contraste, o movimento de
pessoas mantém-se sobre controle rigoroso. Uma vez que o capital é
ingrediente essencial da produção, os diferentes países competem entre si
para atraí-lo [...]. Sob a influência da globalização, a natureza de nossos
mecanismos econômicos e sociais passou por transformações radicais.
(SOROS, 2003, p. 44-45)
A maior mobilidade de capital, além do setor financeiro – cujas fronteiras
se tornaram ainda mais tênues –, afetou, sobretudo, aqueles setores considerados
intensivos em mão de obra. Ora, se era possível encontrar recursos humanos em
países em desenvolvimento, cujas habilidades fossem suficientes para a execução
dos trabalhos demandados – geralmente manuais e de baixa qualificação técnica
necessária –, em detrimento de uma mão de obra local mais qualificada, porém
também mais cara, por que não transferir sua produção e otimizar os recursos,
barateando o custo do produto?
Esta prática não pode ser considerada recente, tampouco decorre apenas
da globalização – apenas se intensificou. A economia global, assim, passou a
realocar-se no espaço mundial de acordo com sua atividade; as multinacionais,
então, passaram em grande parte a setorizar sua linha de produção e agregação de
valor. Ademais, o caminho escolhido para a transferência da produção não foi
majoritariamente o do investimento direto externo – através de plantas fabris
próprias em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento –, mas sim pela
terceirização da produção, passando a matriz corporativa a realizar pedidos
volumosos a fábricas individuais não diretamente relacionadas à marca com a qual
produzem. Tal característica deriva da percepção, após o período recessivo da
década de 1980, de que
18
[...] as corporações estavam inchadas, superdimensionadas; elas possuíam
demais, empregavam gente demais e se curvam sob o peso de coisas
demais. O próprio processo de produção – administrado pelas fábricas,
responsáveis por dezenas de milhares de empregados efetivos de tempo
integral – começou a parecer menos um caminho para o sucesso do que
uma pesada responsabilidade. (KLEIN, 2000, p. 28)
A ideia por trás deste processo, embasada na constatação econômica de
competitividade
através
da
redução
de
custo,
é
expressa
resumida
e
conclusivamente de maneira interessante mais a frente do excerto acima, também
na obra Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido, da canadense
Naomi Klein:
[...] um seleto grupo de corporações vem tentando se libertar do mundo
corpóreo dos produtos, passando fabricantes e produtos a existir em outro
plano. Todo mundo pode fabricar um produto, raciocinam eles [...]. Essa
tarefa ignóbil, portanto, pode e deve ser delegada a terceiros cuja única
preocupação é atender às encomendas a tempo e dentro do orçamento (e o
ideal é que fiquem no Terceiro Mundo, onde a mão-de-obra é quase de
graça, as leis são frouxas e isenções fiscais são obtidas a rodo). As
matrizes, enquanto isso, estão livres para se concentrar em seu verdadeiro
negócio – criar uma mitologia corporativa poderosa o bastante para infundir
significado a esses toscos objetos apenas assinalando-os com seu nome.
(KLEIN, 2000, p. 46)
Lupatini (2007), corroborando com o pensamento acima, afirma estarem
as corporações desde meados da década de 1970 cada vez menos concentradas na
produção e mais voltadas aos segmentos de “moda” – no caso da indústria
vestuarista –, como marketing, design, comercialização e finanças.
Claramente, tal alteração na configuração estrutural da economia mundial
não poderia passar isenta de influências às localidades específicas do globo. Para
manterem-se competitivos e pela sobrevivência das economias nacionais, os países
mais vulneráveis na composição do mercado econômico internacional se veem
compelidos – para não se dizer obrigados – a precarizar suas estruturas
socioeconômicas internas a fim de se manterem no jogo capitalista. O mecanismo
desta perversa constatação é descrito adequadamente por Iennaco:
19
A disseminação dos processos produtivos transnacionais obriga os
mercados locais ao esforço pela redução de custos de produção, na
tentativa de permanecerem competitivos, e governos à oferta de condições
fiscais e sociais favoráveis à instalação de unidades produtivas, no intuito
de manter, ou criar, postos de trabalho. Sem acesso à otimização da
produção proporcionada pelas últimas conquistas tecnológicas obtidas
pelos países desenvolvidos, que lhes permitem “aumento drástico de
produção com redução da força de trabalho produtiva” (Drucker apud
IENNACO), às nações em desenvolvimento resta buscar a redução do
custo da inalterada mão-de-obra. Com a carga tributária já comprometida, o
alvo passa a ser a redução de direitos sociais [...]. (IENNACO, 2005, p. 115116)
A supressão de direitos sociais e precarização das condições trabalhistas
em países considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, portanto, pode
ser considerado fruto do, e alicerce fundamental, do modo de produção capitalista
globalizado. Tais direitos, conquistados através de séculos de lutas e mudanças, são
colocados na marginalidade por uma lógica produtiva em que o lucro é visto como
objetivo final do processo; são vistos como ônus à produção e desenvolvimento (das
corporações) capitalistas, vulneráveis ao poder do capital e protegidos por – por
vezes débeis e vagas – legislações nacionais, as quais baseiam-se em convenções
internacionais relevantes, porém com pouca força de aplicação pela falta de poder
coercitivo de seus dispositivos.
2.2 A INDÚSTRIA TÊXTIL-VESTUARISTA: PARTICULARIDADES
Para alcançar os objetivos deste trabalho, faz-se necessário considerar as
características específicas da indústria têxtil-vestuarista e sua alocação no processo
de globalização acima descrito. Suas particularidades, aqui descritas, permitem a
compreensão de como tal segmento pode ser tomado como exemplo adequado da
transformação da economia capitalista em meio à globalização.
A indústria têxtil, historicamente, pode ser tomada como avanço
tecnológico de industrialização: a automatização parcial através das manufaturas, no
século XVIII, e a consequente chamada I Revolução Industrial são bons exemplos
para tanto. Muito se vêm avançando desde então na inovação de tecnologia
20
produtiva têxtil, porém pode-se dizer que seu desenvolvimento chegou ao limite (ao
menos na atualidade) possível da automação.
No que tange à indústria vestuarista em específico, em termos de
progresso técnico, a última revolução significativa em seus meios de produção
diretos foi a máquina de costura Singer, em 1851: desde então, permanece a
composição técnica do capital deste setor, baseada na relação “uma máquina/um
trabalhador” (LUPATINI, 2007). Ainda que possam ser citados os avanços em
tecnologias CAD/CAM para desenvolvimento computadorizado de moldes e encaixe
para o posterior corte dos tecidos, a etapa fundamental da produção vestuarista
permanece sendo a de costura, a qual permanece extremamente dependente da
habilidade e ritmo da mão de obra1.
Portanto, pode-se inferir com segurança que o segmento vestuarista da
indústria têxtil é, assim, intrinsecamente intensivo em mão de obra. Conclui-se,
assim, a partir do desenvolvido na seção anterior deste capítulo, que esta está
sujeita à mobilidade de capital como parte de sua própria mobilidade na economia
globalizada, podendo se acumular de forma extensiva – fator este que apoia, de
forma a retroalimentar a lógica, a ausência de novas revoluções dos meios de
produção neste setor2.
2.3 LEGISLAÇÕES NACIONAIS RELATIVAS AO TRABALHO
Ainda no intuito de contextualizar a produção vestuarista em países em
desenvolvimento por meio da precarização das condições trabalhistas, mostra-se
interessante o conhecimento prévio de algumas das legislações nacionais
envolvidas neste processo. Os exemplos apresentados na seção de Anexos se
referem a países comumente encontrados em etiquetas e foram escolhidos pela
disponibilidade de sua legislação no idioma inglês, sendo apresentados seus
principais aspectos, bem como uma rápida observação relacionando o teor dos
respectivos documentos consultados com a questão das condições trabalhistas em
geral, tais como falhas ou pontos positivos observados.
1. Ibidem.
2. Ibidem.
21
2.4 DESIGUALDADES LEGISLACIONAIS E SEUS REFLEXOS
Através da análise dos exemplos de legislações nacionais acima
expostos, pode-se notar já entre elas diversas desigualdades – as legislações
trabalhistas, assim, se tornam instrumento de tentativa de atração de capital
investidor estrangeiro por parte de países desenvolvidos, os quais competem
permanentemente entre si.
Ademais, algumas destas legislações nacionais acabam por legitimar em
nível local práticas consideradas inadequadas ou indesejáveis por grande parte da
sociedade internacional, sobretudo oriundas de países desenvolvidos. Um exemplo
a ser citado seria a idade mínima de emprego determinada pela legislação
paquistanesa: ao admitir que jovens sejam contratados a partir dos 14 anos,
indiretamente induz a uma condição que poderia ser considerada como trabalho
infantil.
Diversas destas concessões decorrem, conforme veremos no Capítulo a
seguir, da flexibilidade possibilitada pelas Convenções adotadas e pela própria
estrutura da Organização Internacional do Trabalho. Ao deixar vagas algumas
determinações, bem como tornar facultativas suas adoções, abre margem à
diferenciação de padrões entre seus países-membros e, desta maneira, perpetua a
sensação de desigualdade de direitos trabalhistas ao redor do globo.
22
3 DA REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS TRABALHISTAS
As disparidades de condições trabalhistas nas diferentes localidades do
globo têm efeito não somente na esfera dos Direitos Humanos, mas também
econômico – fator este causa maior da crescente preocupação internacional acerca
do tema. Deste modo, há muito se observam tentativas a âmbito global de
homogeneização de normas e diretrizes quanto às questões laborais: ainda que
menos por princípios éticos e mais econômicos, vêm-se avançando na conquista de
condições mais dignas – por mais que o caminho rumo à verdadeira igualdade de
condições seja longo, tortuoso e deveras desafiador.
Neste sentido, duas Organizações Internacionais destacam-se por sua
relação direta ou indireta com tais temas. A Organização Internacional do Trabalho,
cujo objetivo relaciona-se diretamente com a promoção de melhores condições
laborais aos trabalhadores de todo o mundo; e a Organização Mundial do Comércio,
que o abrange indiretamente ao lidar com as questões da competitividade
internacional, afetadas pelo tema.
3.1 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
A Organização Internacional do Trabalho – OIT (em inglês, International
Labour Organization – ILO) teve sua fundação na ocasião da assinatura do Tratado
de Versalhes, em junho de 1919, atuando por meio de convenções e
recomendações aos seus países-membros. Sobrevivendo aos desafios encontrados
na tentativa de organização de diversas nações em torno de uma só discussão e
causa, por meio da criação de uma instituição permanente para a continuidade dos
trabalhos, pode ser considerada a primeira Organização Internacional que logrou
sucesso em sua constituição, uma vez que a também criada em Versalhes Liga das
Nações – cujos objetivos eram claramente mais ambiciosos e abrangentes – não
obteve o mesmo êxito.
23
Tendo o debate sido originado a partir de questões de segurança,
humanitárias, políticas e econômicas, sua criação fundamentou-se na convicção de
que a justiça social constitui-se em elemento essencial e inalienável para a
construção da paz mundial. Percebe-se aqui, então, a nascente consciência à época
da interdependência dos diferentes assuntos tangentes às relações internacionais,
se dando sobretudo por meio das questões econômicas, bem como a percepção da
necessidade da cooperação para a homogeneização das condições trabalhistas
entre os diversos países que àquele tempo se industrializavam.
Para a elaboração de sua Constituição, foi instaurada uma Comissão de
Trabalho (Labour Comission) encabeçada pelo então chefe da Federação
Americana do Trabalho (American Federation of Labour – AFL) e composta por nove
nações, a saber: Bélgica, Cuba, França, Itália, Japão, Polônia, Reino Unido,
Tchecoslováquia e Estados Unidos da América. Como resultado, uma organização
cuja estrutura tripartite se mostra pioneira e única: seu corpo executivo é composto
por representantes governamentais, de empregadores e de trabalhadores,
possibilitando um fórum único de debate das diferentes perspectivas acerca das
questões laborais, possibilitando a elaboração conjunta de normativas e resoluções.
Seu preâmbulo, o qual afirma que as partes foram “movidas pelos sentimentos de
justiça e humanidade, bem como o desejo de assegurar a paz permanente do
mundo”3, constata claramente que tamanhas injustiças e privações identificadas
quanto à precarização das condições de trabalho impostas a inúmeros indivíduos
resulta em perturbação à paz e harmonia globais, se mostrando tais melhorias de
caráter urgente; ademais, afirma-se ainda ser o fracasso de melhoria em tais
condições em determinados países entrave estabelecido às mesmas melhorias em
outras nações – muito provavelmente por conta das disparidades de condição de
competição na economia internacional, ainda que tal motivação não esteja
textualmente expressa no documento.
Ainda que tenha sido elaborado no início do século passado, o documento abrange
questões que se mostram atuais em pleno século XXI: regulamentação de carga
horária laboral máxima diária e semanal; estabelecimento de salários dignos;
proteção ao trabalhador em casos de doenças; proteção a crianças, jovens e
3. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/history>.
Acesso em: set. 2013.
24
mulheres; provisão para aposentadorias por idade e invalidez; proteção dos
interesses de trabalhadores empregados no exterior; reconhecimento do princípio de
remuneração equivalente para atividades equivalentes; liberdade de associação.
Fatores que, aos olhos de cidadãos comuns trabalhadores de países desenvolvidos,
por vezes podem parecer simples afirmação de direitos naturais e consolidados,
entretanto aos olhos de trabalhadores comuns de tantos países em desenvolvimento
e subdesenvolvidos ainda parecem um sonho distante e incompatível com suas
realidades locais.
A primeira Conferência Internacional do Trabalho ocorreu em Genebra
ainda em 1919, no mês de outubro, aonde foi estabelecida a Secretaria Internacional
do Trabalho, órgão permanente da Organização, sob a direção do francês Albert
Thomas. Alguns anos depois, em 1926, estabeleceu-se uma Comissão de
Especialistas composta por juristas independentes responsáveis por analisar os
relatórios encaminhados pelos governos e elaborarem anualmente seu próprio
relatório a respeito, a qual existe até os dias de hoje.
Em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, foi elaborada durante a
reunião de Filadélfia da Conferência Internacional do Trabalho uma declaração, a
Declaração de Filadélfia, a ser anexada à Constituição da Organização Internacional
do Trabalho, contando à ocasião com representantes de 41 países. Tal Declaração,
além de reafirmar a noção de justiça social para a paz universal, adiciona certos
princípios básicos à instituição: que o trabalho deve ser fonte de dignidade; que este
não deve ser tratado como mercadoria; que a pobreza, aonde quer que esteja
localizada, é uma ameaça geral à prosperidade; e que todos os indivíduos possuem
o direito de perseguirem seu bem estar material com liberdade, dignidade,
segurança econômica e igualdade de oportunidades. A partir de então, a
Organização é regida pela junção de ambos os documentos.
Com a criação da Organização das Nações Unidas – ONU (United
Nations Organization – UN) em 1946, a Organização Internacional do Trabalho
sofreu sua maior alteração no que tange à estrutura, passando a ser considerada
uma agência especializada desta nova Organização Internacional, sendo a primeira
do tipo a ser estabelecida.
25
Um marco considerável na questão dos direitos sociais é a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, podendo-se considerar que tenha se
inspirado em partes na Organização, ainda que não tenha oficialmente sido gerada a
partir desta. Outro acontecimento memorável e grandioso foi a premiação desta
Organização em 1950 com o Prêmio Nobel da Paz; à ocasião, o Presidente do
Comitê do Prêmio chegou a afirmar que “a OIT tem uma influência perpétua sobre a
legislação de todos os países”, bem como seria equiparável à “consciência social da
humanidade”4.
A OIT é composta atualmente por 185 Estados membros. A admissão de
novos Estados à Organização pode se dar de duas maneiras distintas: caso o país
seja membro da ONU, através de comunicado formal ao Diretor Geral da OIT quanto
à sua aceitação aos tratados e obrigações previstos em sua Constituição; caso não
o seja, a candidatura passará por uma Comissão de Seleção previamente
estabelecida e, caso aprovada, seguirá para um subcomitê e, posteriormente, para
deliberação, necessitando ser aprovada na Conferência Geral em que for
apresentada por votação de ao menos dois terços dos delegados presentes,
incluindo-se a categoria de representantes governamentais.
Ao
lado
das
representações
governamentais
encontra-se
a
divisão
dos
representantes dos trabalhadores. Neste nível, o Escritório de Atividades dos
Trabalhadores (Bureau for Worker’s Activities – ACTRAV) coordena todas as
atividades da Secretaria concernentes aos trabalhadores e suas organizações,
tantoem sede quanto em campo, tendo o papel de promover a proteção aos
trabalhadores através do diálogo e da participação nos encaminhamentos a serem
tomados pela Organização. Como sua função, também, está o fortalecimento das
trade unions (assimilando-se a sindicatos internacionais) pelo mundo, garantindo
sua independência, democracia e representatividade, a fim de que sejam atuantes
na reivindicação, execução e fiscalização das melhorias das condições laborais em
seus respectivos países. O Escritório é peça de barganha fundamental na
Organização Internacional do Trabalho para a defesa dos interesses dos
trabalhadores de todo o mundo, impedindo que resoluções inadequadas sejam
propostas por meio de sua participação ativa em todas as tratativas e decisões de
encaminhamentos.
4. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: <http://www.oit.org.br/content/historia>.
Acesso em: set. 2013.
26
Por fim, a representação dos empregadores perante a Organização se dá
através do Escritório das Organizações dos Empregadores (Bureau for Employers
Organizations), estabelecendo relação direta entre organizações de empregadores
de diversos países e a instituição, possibilitando seus trabalhos. A participação do
setor de empregadores no tripé estabelecido se mostra crucial devido à asseguração
dos objetivos econômicos e sociais de cada nação, bem como dando às resoluções
maior credibilidade e garantia de execução posteriormente. Além da função
representativa, o Escritório executa um Programa de Cooperação Técnica, cujo
objetivo é o de oferecer apoio a organizações de empregadores, sobretudo em
países em desenvolvimento.
Além dos três níveis de representação acima descritos, compõe a
Organização Internacional do Trabalho, ainda, outras instâncias. A Direção Geral,
ocupada desde 2012 por Guy Ryder e com mandatos de cinco anos, é responsável
por coordenar os trabalhos da instituição, executando eventuais reformas e cuidando
das relações públicas da Organização, como press releases e declarações. O
Tribunal Administrativo, por sua vez, originário do tribunal de mesmo nome operante
na breve Liga das Nações, é composta por sete juízes de diferentes nacionalidades
apontados pelos representantes governamentais em Conferência para um período
renovável de três anos; encontrando-se duas vezes por ano por períodos de três
semanas cada, julgando aproximadamente cinquenta casos a cada sessão, tem a
importante função de examinar queixas relativas à questões trabalhistas originárias
tanto das partes componentes da Organização, quanto de outras organizações que
tenham aceitado formalmente sua jurisdição.
A sede da Organização Internacional do Trabalho localiza-se em
Genebra, Suíça. Entretanto, a OIT está presente em todos os continentes, por meio
tanto de escritórios locais situados em diversos países, quanto regionais, localizados
nos Estados Unidos, Etiópia, Líbano, Peru, Suíça e Tailândia.
3.2 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO
27
A Organização Mundial do Comércio – OMC (em inglês, World Trade
Organization – WTO), é a Organização Internacional destinada a regulamentar o
comércio entre os países. Originária do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
(GATT – General Agreements on Tariffs and Trade) de 1947, converteu-se na atual
instituição por decisão tomada na Rodada do Uruguai, em 1994, quando o Acordo
possuía então 128 países signatários, constituindo-se oficialmente em 1º de janeiro
de 1995.
Atualmente, as funções especificamente definidas para a OMC são:
administrar os acordos de comércio da instituição; servir como fórum para
negociações comerciais; lidar com disputas comerciais; monitorar políticas
comerciais nacionais; assessoramento técnico e treinamento para os países em
desenvolvimento; e cooperar com outras Organizações Internacionais. A OMC
define-se como uma “organização baseada em normas e dirigida pelos membros –
todas as decisões são feitas pelos governos membros, e as normas são os
resultados das negociações entre os membros” (tradução nossa)5.
Diversos são os princípios que fundamentam a instituição, servindo como diretrizes
para sua atuação. Não discriminação, aonde países, produtos, serviços e indivíduos
(nacionais ou estrangeiros) não devem ser discriminados; maior abertura, com
diminuição das barreiras alfandegárias a fim de se estimular o comércio;
previsibilidade e transparência, reassegurando a confiança das partes quanto a
condições de comércio; maior competição, através do desencorajamento de práticas
desleais de comércio; maiores benefícios aos países menos desenvolvidos, como
tolerância e flexibilidade até que sejam plenamente capazes de se ajustar às
exigências ordinárias da Organização; e proteção ao meio ambiente e saúde
pública. Sua missão geral, portanto, é a de “abrir o comércio para o benefício de
todos” (tradução nossa)6.
A estrutura organizacional da OMC mostra-se mais complexa em relação
à estrutura da Organização Internacional do Trabalho, ainda que aquela abranja
membros de diferentes categorias – na OMC, apenas participam oficialmente
5. World Trade Organization. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/thewto_e.htm>.
Acesso em: set. 2013.
6. Idem. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/wto_dg_stat_e.htm>. Acesso
em: set. 2013.
28
representantes
governamentais,
podendo
estes
representar,
ainda,
blocos
econômicos.
Sua base é constituída por diversos Comitês Gerais destinados à
discussão e regulamentação de temas como comércio e meio ambiente,
desenvolvimento,
acordos
comerciais
regionais,
restrições
de
balanço
de
pagamentos, entre outros, reportando-se diretamente ao Conselho Geral da
instituição. Paralelamente aos Comitês Gerais, encontram-se Conselhos abordando
grupos temáticos específicos, os quais também se reportam diretamente ao
Conselho Geral da OMC. O Conselho para Comércio de Bens abrange subcomitês
por exemplo relacionados a agricultura, acesso a mercados, medidas sanitárias e
fitossanitárias, práticas anti-dumping, salvaguardas, entre outros. O Conselho para
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio excepcionalmente
não possui subcomissões definidas, atuando por conta própria. Por fim, o Conselho
para Comércio de Serviços opera por meio de subcomissões como comércio de
serviços financeiros e compromissos específicos, bem como grupos de trabalho
relativos a regulamentações domésticas e normas do GATS (General Agreement on
Trade in Services – Acordo Geral sobre Comércio de Serviços).
O Conselho Geral é considerado o mais alto corpo de tomada de decisão
da Organização. Situado em Genebra, reúne-se regularmente para garantir a
execução das funções da OMC, contando com representantes – geralmente
embaixadores – de todos os governos membros, e atualmente é presidido pelo
paquistanês Mr. Shahid Bashir. Ademais, este Conselho pode se reunir,
extraordinariamente, como Conselho de Conciliação de Disputas (Dispute
Settlement Body) ou como Conselho de Revisão de Políticas Comerciais (Trade
Policy Review Body).
Por fim, hierarquicamente acima do Conselho Geral, encontra-se a
Conferência Ministerial, a qual se reúne apenas bienalmente. Consiste na reunião de
todos os membros da Organização Mundial do Comércio, sejam representantes
governamentais per se ou na forma de blocos econômicos. Decorrente de sua
posição, a Conferência pode tomar decisões concernentes a quaisquer acordos
multilaterais de comércio.
Ainda que a OMC tenha sua criação e atuação voltada primordialmente às
29
questões econômicas, é necessário que se leve em consideração suas influências
indiretas às questões trabalhistas internacionais. Tal reflexo se dá principalmente a
partir da controversa tentativa de implementação da chamada “cláusula social” e da
definição do dumping social como prática desleal de comércio, interligando as
regulamentações comerciais às laborais, levando as discussões – sobretudo no
âmbito comercial – a um maior grau de complexidade.
3.3 REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO: HISTÓRICO
O tema dos padrões de condições e direitos trabalhistas sempre foi
tratado, cabe a observação, menos por compaixão à classe trabalhadora e mais
pelas implicações do fator mão de obra nas relações econômicas internacionais,
sobretudo no tangente à concorrência comercial, sendo sua discussão iniciada a
partir das consequências da Revolução Industrial e o papel da mão de obra no
mercado de manufaturas. (QUEIROZ, 2007).
Segundo Alberto do Amaral Júnior, cuja obra está fortemente baseada no
pensamento de Gilpin,
Na esfera internacional os benefícios oriundos da liberdade de comércio
pressupõe a ordenação do mercado global por meio de marcos jurídicos
institucionais, acordados em negociações multilaterais, que garantem tanto
a previsibilidade de expectativas dos agentes econômicos quanto a solução
de conflitos entre as partes. O sistema regulatório assim criado deve
especificar o domínio do permitido, bem como as condutas nocivas ao
comércio internacional. (AMARAL Jr., 1999, p. 298).
Percebe-se a partir do trecho acima quão fortalecida é a questão da
proteção comercial e livre concorrência, enfocando-se no âmbito econômico, em
contraposição à inexistência de pontuações quanto às implicações sociais de tais
liberdades.
Com a emergência e crescente atenção às questões de Direitos
Humanos, entretanto, o cenário passou a mudar. A atenção mais proeminente à
30
esfera econômica permanece, e tende a ser permanente devido à lógica capitalista
que rege a economia global; contudo, passou-se a considerar não somente tais
aspectos, mas também as implicações sociais geradas pela industrialização e
comércio. Nas palavras de Queiroz (1999, p.170):
É a partir da ideia de inter-relação entre o capital e a justiça social, que se
defende a inter-relação de comércio e direitos trabalhistas, de abertura e
mundialização das relações comerciais, com reflexo direto na melhoria de
padrões de vida dos trabalhadores envolvidos nesta cadeia de produção,
com base no princípio de que as ações individuais devem estar voltadas ao
interesse social, que as relações comerciais devem ter como foco sua
função social, não privilegiando pessoas, países ou grupos organizados
individualmente, mas as comunidades como um todo.
Por mais que a realidade, mesmo nos dias atuais, esteja ainda distante da
conscientização social acima defendida, há de se admitir que muito se avançou no
diálogo quanto à função social da economia como um todo, sobretudo através do
comércio.
A Organização Internacional do Trabalho, cabe afirmar, não deixa de
mencionar os impactos econômicos das discrepâncias de conduta de empregadores
nacionais na competitividade de um país na economia global, porém ainda assim
preza pela dignificação do trabalho e humanização das relações laborais, sobretudo
em países não considerados desenvolvidos.
O assunto foi novamente abordado algumas décadas mais tarde, na
Carta de Havana de 1948. Em seu Artigo 7º era trazido o compromisso com o
estabelecimento de padrões trabalhistas justos por parte dos países envolvidos,
argumentando que as discrepâncias neste quesito afetavam diretamente a
produtividade e implicavam em concorrência desleal entre os países. (QUEIROZ,
2007).
Mais tarde o assunto voltou à tona, suscitado por Estados Unidos e França,
secundariamente, durante a Rodada do Uruguai. Contudo, houve grande resistência
por parte dos países em desenvolvimento, não logrando sucesso a tentativa. Mais
31
uma vez, em 1996, durante a Rodada de Cingapura, o tema foi levantado, desta vez
com o apoio da Noruega à proposta estadunidense de inclusão de um padrão de
condições laborais a ser respeitado pelos países atuantes no comércio internacional,
a fim de que melhor se equilibrassem as relações mercantis; nesta ocasião,
fortemente liderados pelo Brasil, os países em desenvolvimento novamente
dissuadiram a discussão, sendo a responsabilidade quanto ao tema definitivamente
atribuída à OIT7.
Cabe comentar, ainda, que a forte recusa dos países em desenvolvimento
na discussão do tema a âmbito da Organização Mundial do Comércio, comumente
denominado como a cláusula social da OMC, se deve primordialmente à alegação
de que este esconderia motivações protecionistas dos países desenvolvidos que o
propunham, na busca pelo combate ao chamado dumping social – estratégia de
diminuição dos preços de exportação de um país a partir da supressão de direitos
trabalhistas, prática de comércio considerada desleal e passível de sanção por meio
da imposição de barreiras não tarifárias8.
3.4 NORMAS E CONVENÇÕES VIGENTES – OIT
As
Convenções
da
OIT,
elaboradas
durante
as
Conferências
Internacionais do Trabalho, não são compulsoriamente ratificadas por todos os
países-membros da Organização: sua aderência é facultativa, não implicando no
desligamento do país em caso de não ratificação de suas decisões. Portanto, ainda
que um Estado faça parte da Organização Internacional do Trabalho, não
necessariamente estará sujeito às mesmas normas – seletividade esta que, por
vezes, gera prerrogativa à adoção de padrões de direitos trabalhistas desiguais
entre os diferentes países.
Para o estudo da questão da regulamentação das condições trabalhistas
realizada pela instituição, mostram-se de suma relevância duas categorias de
Convenções – as Convenções Fundamentais e as Convenções de Governança –, as
7.
World
Trade
Organization.
Disponível
<http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/wto_dg_stat_e.htm>. Acesso em: set. 2013.
8. Ibidem.
em:
32
quais seguem pontuadas abaixo conforme ordem de apresentação no website oficial
da OIT, contando com menção a seus principais dispositivos e artigos em destaque,
bem como o posicionamento de países diretamente envolvidos com o tema
abordado por este trabalho.
3.4.1 Convenções Fundamentais
3.4.1.1 Convenção sobre a Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de
Sindicalização (C087 – 1948)9
Tal Convenção objetiva a consolidação do direito de trabalhadores e
empregadores de se estabelecerem e se associarem, sem distinção alguma, a
organizações representativas ou sindicatos de sua escolha, não devendo necessitar
de autorização prévia para tanto, conforme previsto em seu Artigo 2º. Ademais, as
autoridades públicas devem procurar se abster de quaisquer interferências que
possam vir a restringir ou impedir o exercício pleno de tal direito (Artigo 3º), não
sendo tais organizações passíveis de dissolução ou suspensão por via
administrativa, de acordo com seu Artigo 4º. Por fim, os sindicatos e organizações
devem sujeitar-se à legislação nacional, a qual, entretanto, não deverá prejudicar ou
ser aplicada de modo a prejudicar as garantias na Convenção estabelecidas (Artigo
8º).
A C087 – 1948 foi ratificada por 152 países, entre eles Bangladesh,
Camboja, Indonésia, Paquistão e Filipinas. Não ratificaram a Convenção Brasil,
China, Vietnã, Malásia, Cingapura e Tailândia, entre outros. Nenhum país denunciou
o tratado até o momento.
9.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C087>.
Acesso em: set. 2013.
33
3.4.1.2 Convenção sobre a Aplicação dos Princípios do Direito de Sindicalização e
de Negociação Coletiva (C098 – 1949)10
Conforme explicitado pela própria denominação desta Convenção, seu
principal objetivo é contribuir para a aplicação da supracitada Convenção sobre a
Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização, do ano anterior. Estipula
que os trabalhadores gozarão de proteção contra atos de discriminação
relacionados a seu emprego, sobretudo quanto ao condicionamento deste à não
filiação ou desligamento de um sindicato, bem como demitir ou prejudicar um
empregado por sua filiação ou participação ativa nas atividades de uma organização
sindical (Artigo 1º). Organizações de trabalhadores e empregados deverão ser
protegidas de ingerência entre elas, como, por exemplo, no caso da tentativa de
dominação de um sindicato de trabalhadores por parte de uma organização de
empregadores (Artigo 2º). Por fim, deverão ser tomadas medidas apropriadas às
condições nacionais específicas para, caso considere-se necessário, estimular
mecanismos de negociação voluntária entre sindicatos de trabalhadores e
empregadores ou suas organizações, objetivando à regulamentação dos termos e
condições de emprego por meio de acordos coletivos (Artigo 4º).
Ratificaram a C098 163 países, dentre os quais Brasil, Bangladesh,
Camboja, Indonésia, Paquistão, Filipinas, Malásia e Cingapura. Vietnã, Tailândia e
China estão entre os que não ratificam o documento. Nenhum país denunciou a
Convenção até então.
3.4.1.3 Convenção sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório (C029 – 1930)11
A Convenção define “trabalho forçado ou obrigatório” como sendo todo
trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não
10.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C098>.
Acesso em: set. 2013.
11.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C029>.
Acesso em: set. 2013.
34
se tenha oferecido espontaneamente (Artigo 2º). Os países que a ratificam se
comprometem, portanto, a abolir a utilização de tal espécie de trabalho, em todas as
suas formas, no menor tempo possível (Artigo 1º), não podendo haver concessões a
particulares, empresas e associações (Artigo 5º). Se comprometem, ainda, com a
responsabilidade de assegurar que sanções impostas por leis sejam adequadas e
rigorosamente cumpridas no caso de constatação de imposição ilegal de trabalho
forçado ou obrigatório em seus territórios (Artigo 25º).
Foram 177 países a ratificar a C029, como Brasil, Bangladesh, Camboja,
Indonésia, Paquistão, Filipinas, Vietnã, Malásia e Cingapura. Dos países em
questão, apenas a China não ratificou o documento. Não houve denúncias até o
presente.
3.4.1.4 Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado (C105 – 1957)12
Tal como as Convenções explanadas nos subitens 3.4.1.1 (C087 – 1948)
e 3.4.1.2 (C098 – 1949), a Convenção C105, de 1957, visa a complementar os
dispositivos encontrados na Convenção C029, cuja entrada em vigor ocorrera 17
anos anteriormente. Além da reiteração do compromisso de abolição do trabalho
forçado ou obrigatório em seus territórios no menor tempo possível, a C105
estabelece ainda que este não deve ser utilizado, entre outras situações, como meio
disciplinar de mão de obra, punição por participação em greves ou método de
mobilização e utilização da mão de obra para fins de desenvolvimento econômico
(Artigo 1º).
Ratificaram tal Convenção 174 países, dentre os quais Brasil, Bangladesh,
Camboja, Indonésia, Paquistão e Filipinas. Apenas o Vietnã está entre os que não o
fizeram. A C105 conta com duas denúncias, de Malásia e Cingapura.
12.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C105>.
Acesso em: set. 2013.
35
3.4.1.5 Convenção sobre a Idade Mínima para Admissão de Emprego (C138 –
1973)13
Países que ratificam assumem o compromisso de elevar gradualmente a
idade mínima para admissão de emprego, de forma a as tornarem compatíveis com
o desenvolvimento físico e mental do jovem (Artigo 1º). A Convenção estabelece,
ainda, que não terão idade mínima inferior a dezoito anos empregos que possam
prejudicar a saúde, a segurança e a moral dos jovens (Artigo 3º). As medidas
necessárias, incluindo-se sanções, deverão ser tomadas pelas autoridades
competentes para garantir a vigência de tais determinações, devendo ser legalmente
definidas as pessoas ou entidades responsáveis pelas disposições que a elas farão
efeito (Artigo 9º). Uma lacuna, entretanto, é encontrada na análise de seu texto: o
Artigo 4º prevê a possibilidade de exclusão de aplicação da Convenção um certo
número de categorias de emprego, caso estas apresentem reais e especiais
problemas em sua aplicação.
A C138 conta com 166 ratificações. Dentre elas, Camboja e Paquistão a
ratificaram e estabeleceram a idade mínima nacional de 14 anos; Malásia, Filipinas,
Cingapura e Vietnã, 15 anos; Brasil e China, 16 anos. Bangladesh foi o único dos
países em questão a não ratificar o documento. Não há denúncias até o presente
momento.
3.4.1.6 Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho das Crianças (C182 –
1999)14
A Convenção esclarece que são consideradas “as piores formas de
trabalho das crianças”: todas as formas de escravatura ou práticas análogas;
13.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C138>.
Acesso em: set. 2013.
14.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C182>.
Acesso em: set. 2013.
36
envolvimento de crianças para fins de prostituição ou da indústria pornográfica;
envolvimento em atividades ilícitas; ou envolvimento em atividades que, pela sua
natureza ou pelas condições em que são exercidas, possam prejudicar sua saúde,
segurança e moralidade (Artigo 3º), sendo consideradas para os devidos fins como
crianças indivíduos com idade inferior a dezoito anos (Artigo 2º). Assim, os países ao
ratificarem comprometem-se a tomar imediata e efetivamente medidas para garantir
a proibição e eliminação de tais formas de trabalho, em caráter de urgência (Artigo
1º). Comprometem-se, ainda, a adotar medidas apropriadas para ajuda mútua entre
si em sua aplicação, através de cooperação internacional reforçada e adoção de
medidas de apoio ao desenvolvimento socioeconômico, programas de erradicação
da pobreza e educação universal (Artigo 8º).
Conta com a ratificação de 177 países ao todo, estando todos os países
em questão desta seção entre eles. Não há registro de denúncias.
3.4.1.7 Convenção sobre a Igualdade de Remuneração (C100 -1951)15
A presente Convenção dita sobre a promoção e a garantia por parte de
seus países ratificadores ao princípio da igualdade de remuneração entre homens e
mulheres por trabalho de igual valor, devendo se dar por meio da legislação
nacional, mecanismos de fixação de salários, convenções ou acordos entre
organizações de empregadores e sindicatos de trabalhadores, compromisso
expresso em seu Artigo 2º.
Tal qual a Convenção anterior, também conta com 177 ratificações,
inclusive de todos os países aqui abordados. Não há, ainda, denúncias ao tratado.
3.4.1.8 Convenção sobre a Discriminação (Emprego e Profissão) (C111 -1958)16
15.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C100>.
Acesso em: set. 2013.
16.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C08>.
Acesso em: set. 2013
37
Tal documento trata “discriminação” como qualquer diferença de
oportunidades baseada em raça, cor, gênero, religião, opinião política, nacionalidade
ou condição social, conforme indicado em seu Artigo 1º. Assim, os países que o
ratificarem se comprometem a adotar e seguir uma política nacional destinada a
promover a igualdade de oportunidade e tratamento em matéria de emprego e
profissão (Artigo 2º), bem como buscar a cooperação de organizações de
empregadores e trabalhadores para seu cumprimento, colocando a política de
emprego em seus territórios sob a responsabilidade direta de uma autoridade
nacional.
Foram 172 os países a ratificá-lo, sem nenhuma denúncia até então.
Considerando os países relacionados nesta seção, não o ratificam apenas Malásia,
Cingapura e Tailândia.
3.4.2 Convenções de Governança
3.4.2.1 Convenção sobre a Inspeção do Trabalho (C081 – 1947)17
A fim de garantir o cumprimento de suas Convenções, a Organização
Internacional do Trabalho estabelece, neste documento, que aqueles que o
ratificarem deverão manter um sistema de inspeção de trabalho em seus
estabelecimentos industriais (Artigo 1º) e comerciais (Artigo 22º), comprometendo-se
a assegurar a aplicação das disposições legais relativas às condições laborais e à
proteção dos trabalhadores no exercício de suas funções, fornecendo informações e
aconselhamento técnico a empregadores e trabalhadores para um melhor
cumprimento das normas, levando a conhecimento das autoridades competentes
eventuais casos de abuso ou deficiências encontradas não constantes nas
disposições legais existentes, devendo pautar-se sempre pela imparcialidade (Artigo
2º); “disposições legais” dizendo respeito, para os devidos fins, a legislação,
17.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C122>.
Acesso em: set. 2013.
38
sentenças arbitrais e contratos coletivos com força de lei (Artigo 27º). A autoridade
competente
deverá,
ainda,
estimular
a
cooperação
efetiva
entre
órgãos
governamentais e serviços de inspeção, inclusive entre os funcionários da inspeção
do trabalho e os trabalhadores ou seus sindicatos (Artigo 5º).
Devidamente identificados, os inspetores do trabalho serão autorizados a
acessar, sem aviso prévio e a qualquer horário, qualquer estabelecimento submetido
à inspeção; realizar todos os exames, controles e inquéritos julgados necessários;
interrogar, sozinhos ou na presença de testemunhas, empregadores ou funcionários
quanto ao cumprimento de disposições legais, inclusive vistoriando documentos e
registros concernentes às condições de trabalho. A inspeção deve ser anunciada, a
menos que o inspetor julgue tal anúncio uma ameaça à eficiência da fiscalização
(Artigo 12º). Terão autorização, ainda, para providenciar medidas com o intuito de
eliminar deficiências encontradas em instalações, organizações ou métodos de
trabalho considerados por motivos razoáveis como ameaças à saúde e segurança
dos trabalhadores, conforme previsto em seu Artigo 13º.
Por fim, estabelece que os estabelecimentos deverão ser inspecionados
com a frequência e cuidados necessários para a garantia da aplicação efetiva das
disposições legais (Artigo 16º), devendo serem previstas pela legislação nacional e
efetivamente aplicadas sanções apropriadas pela violação de tais disposições ou
obstrução ao trabalho de inspeção (Artigo 18º).
A Convenção conta com 144 ratificações, sem registro de denúncias.
Camboja, China, Filipinas e Tailândia não ratificam o documento.
3.4.2.2 Convenção sobre a Política de Emprego (C122 – 1964) 18
Através desta Convenção, os países assumem o compromisso de
declarar e aplicar uma política ativa visando a promover o pleno emprego, produtivo
e levemente escolhido (Artigo 1º), devendo as organizações de empregadores e
trabalhadores serem consultadas quanto a tais políticas, sendo consideradas suas
experiências e opiniões, promovendo a colaboração com a elaboração e angariação
18.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C122>.
Acesso em: set. 2013.
39
de apoio a tais políticas entre as partes (Artigo 3º).
Entre os 108 países que a ratificam não constam Bangladesh, Indonésia,
Malásia, Paquistão e Cingapura, não tendo havido denúncia alguma até a
atualidade.
3.4.2.3 Convenção sobre a Inspeção do Trabalho na Agricultura (C129 – 1969)19
Destinada a complementar a C081 – 1948 no caso específico da
agricultura, tal Convenção não será explanada por não dizer respeito diretamente ao
tema objeto de estudo deste trabalho.
3.4.2.4 Convenção sobre Consultas Tripartidas Relativas às Normas Internacionais
do Trabalho (C144 – 1976)20
Por meio deste documento, ficam os países que o ratificarem
comprometidos a implantar processos que garantam consultas eficazes entre os
representantes governamentais, dos trabalhadores e dos empregadores (Artigo 2º)
sobre questões abordadas nas Conferências Internacionais do Trabalho, ratificação
e denúncia de Convenções (Artigo 5º). O objetivo principal da C144, portanto, é o de
replicar a nível nacional a estruturação tripartite de debate e tomada de decisão
quanto a temas relacionados às condições laborais.
A Convenção conta com 134 ratificações, não estando entre elas apenas
Camboja e Tailândia. Novamente, não há denúncias a este tratado.
19.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C129>.
Acesso em: set. 2013.
20.
International
Labour
Organization.
Disponível
em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C144>.
Acesso em: set. 2013.
40
4 DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS
Até o presente ponto deste trabalho, puderam-se analisar as diversas
legislações nacionais e convenções internacionais que guiam – ou deveriam guiar –
as condutas laborais em diversas localidades: regulamentação de jornada de
trabalho máxima, salários mínimos, folgas e recessos remunerados, idade mínima
para empregabilidade, entre outros. Diversos são os esforços institucionalizados
para o combate à precarização de condições e estabelecimento efetivo e igualitário
de direitos. Entretanto, a ideia de que tais princípios são efetivamente respeitados na
produção em massa de diversos setores, entre eles o da indústria vestuarista, ainda
é uma triste utopia.
As diversas brechas encontradas em algumas legislações, bem como o
estabelecimento de Zonas de Processamento de Exportação com regulamento
próprio voltado ao retorno do capital estrangeiro investido – e não ao
desenvolvimento socioeconômico dos países em que estão instalados – contribuem
para um cenário de desregulamentação prática dos direitos laborais da mão de obra.
A preocupação refletida por Naomi Klein (2000) de tais fornecedores única e
exclusivamente quanto à produção das encomendas no prazo e orçamento
determinados, somada à volatilidade do capital e sua possibilidade de migração
constante a outros fornecedores com melhor custo-benefício (corporativo, diga-se de
passagem), resulta na redução de custos por meio da negligência e restrição de
direitos sociais e humanos.
Mas, se há uma Organização Internacional do Trabalho especificamente
criada para lidar com a equalização e garantia dos direitos dos trabalhadores em
âmbito mundial e esta possui diversas convenções vigentes, as quais abrangem os
mais diversos pontos visando à sua proteção e traçando diretrizes aos países para
que os implementem e fiscalizem, por que ainda se observam tantas legislações
falhas, tantas disparidades de disposições legais e se perpetua a prática de
precarização de condições laborais em prol única e exclusivamente do lucro das
grandes corporações?
41
4.1 ONGS: POR QUE SÃO NECESSÁRIAS
Uma possível resposta à questão colocada quanto à falta de efetividade
nas determinações da Organização Internacional do Trabalho pode ser encontrada
diretamente em sua estruturação e modus operandi. Exposta no capítulo anterior, a
Organização Internacional, ainda que complexamente estruturada, não prevê meios
coercitivos para a garantia do cumprimento de suas convenções e determinações.
Um país, ao assinar um de seus documentos – ato este que já não é compulsório e,
portanto, mostra já no princípio uma dificuldade de aplicabilidade efetiva –, pode ou
não cumpri-lo; ora, o descumprimento de uma Convenção Internacional do Trabalho
pode, no pior dos casos e em situações absolutamente extremas, implicar em sua
suspensão ou desligamento da Organização. Ademais, o compromisso pode ser
considerado cumprido aos olhos meramente legalistas a partir da incorporação de
seus preceitos às legislações nacionais e sua entrada em vigor – a prática, aqui,
infelizmente é meramente prática, e as exceções podem tornar-se a regra. Nas
palavras de Iennaco (2005, p. 118),
A luta, então, é pela universalização das normas de proteção ao trabalho
consideradas essenciais à dignidade dos povos. A Organização
Internacional do Trabalho cumpre bem o seu papel, ao identifica-las. Mas
sua atividade é vã, se estas não são, espontaneamente, adotadas
individualmente por cada país.
Se
não
há
poder
coercitivo
aplicável
ao
descumprimento
dos
compromissos pactuados em relação aos trabalhadores e seus direitos, falando
mais alto o poder do capital, torna-se o próprio capital a chave para a coerção e o
cumprimento das obrigações sociais dos estabelecimentos. Tal pensamento
inicialmente pode parecer confuso e até utópico, mas é absolutamente pragmático e
direto. Ora, se o capital é a peça chave da engrenagem econômica que resulta na
precarização das condições laborais, é preciso encontrar uma força capaz de
governá-lo, uma vez que autoridades e legislações nacionais e internacionais se
provaram incapazes de fazê-lo. Esta força é inerente ao capitalismo; intrínseca à
42
globalização, à transferência de produção e à própria precarização do trabalho. Esta
força é o lucro.
O lucro é a razão de ser do capital; é no lucro que o capital se “realiza”, se
retroalimenta e se perpetua. O lucro, que não se concretiza no desenvolvimento de
um produto; tampouco em sua produção, em sua estratégia de marketing e
branding, em sua distribuição ou disponibilidade em lojas. Ele se concretiza no
momento da venda, no ato de consumir. O consumidor é sua peça chave; sem
consumidores, não há lucro, tampouco lojas, distribuição, branding, marketing,
produção ou desenvolvimento. O consumidor é – e sempre será – a peça
fundamental e indissociável por trás do capitalismo. E os ativistas são sagazes o
suficiente para percebê-lo.
A atuação das Organizações Não-Governamentais como complemento
aos esforços globais em favor dos direitos trabalhistas se dá exatamente pela
percepção de que o consumo pode – e deve – ser utilizado como a força coercitiva
que falta às Organizações Internacionais. Os joelhos das grandes corporações
somente se dobrarão perante a instituição de direitos sociais a partir da nítida visão
de possibilidade de redução de seus lucros. A opinião pública, assim, é a arma ideal
no combate à precarização das condições trabalhistas: o marketing anticorporativista, trabalhando com a denúncia de práticas consideradas imorais e
degradantes aos direitos humanos, pode tornar-se extremamente prejudicial não
somente à imagem das grandes corporações, mas também ao seu resultado
financeiro. Os efeitos podem ser devastadores ao grande capital e, portanto, tornase possível a alteração e o aprimoramento das condições encontradas naqueles
estabelecimentos a ele diretamente relacionados – ainda que este aprimoramento se
dê por vezes somente na retórica.
Por meio da exposição de gigantes corporativos, as Organizações NãoGovernamentais buscam a mobilização de massas de consumidores para ações
desde o boicote à aquisição de produtos fabricados por mão de obra explorada e em
condições precárias à manifestações mais agressivas pelos mais diversos meios – a
internet já vinha sendo utilizada desde a década de 1990 como ambiente de fóruns,
discussões e trocas de informações e experiências; atualmente, as redes sociais
vêm sendo suas grandes aliadas para articulação de movimentos em nível global.
43
Seus alvos são escolhidos a dedo, pensando-se sempre no maior impacto e no
efeito mais devastador possível às suas reputações e credibilidade, a fim de que se
obtenha maior sucesso em sua alteração de conduta. Ainda que esteja claro que
diversas são as corporações que se valem de legislações frágeis e fiscalizações
débeis ou corruptas em suas atividades ou nas de suas subcontratadas, as grandes
são selecionadas não como um bode expiatório, mas sim um exemplo – que deve
impactar não somente a ela mesma, mas a outras que possam ser as próximas a
passar pela exposição pública de suas práticas socialmente rejeitadas.
Para um maior sucesso, porém, de suas ações, é preciso uma estrutura
por trás do ativismo. A organização das ONGs, sua estruturação interna e modus
operandi são tão relevantes para o alcance de seus objetivos quanto no caso das
Organizações Internacionais, e portanto faz-se pertinente um breve estudo de seu
histórico e trajetória como um ator das relações internacionais, bem como a
apresentação de algumas destas instituições que trabalham pelo respeito aos
direitos laborais pelo mundo. Algumas de suas experiências serão apresentadas no
capítulo seguinte deste trabalho.
4.2 ORIGENS E HISTÓRICO
As Organizações Não-Governamentais, ainda que de conhecimento
popular, têm seu conceito e origens pouco conhecidas. Portanto, para melhor
compreendê-las, tais instituições podem ser assim definidas:
Organizações voluntárias privadas sem fins lucrativos, endógenas ou
exógenas, engajadas no auxílio, reabilitação e desenvolvimento de
programas financiados a partir de voluntários, recursos privados e agências
de doação, gerenciando-se autonomamente em nível local, nacional e
internacional. (BAGCI, 2003, tradução nossa)
A definição, entretanto, não encontra consenso definitivo. Pela amplitude
do que uma Organização Não-Governamental pode abranger ou significar, diversas
são as variações conceituais. Em uma definição simplista, ONGs seriam instituições
44
“dedicadas
a
tarefas
de
promoção
social,
educação,
comunicação
e
pesquisa/experimentação e seu objetivo final é a melhoria da qualidade de vida dos
setores mais oprimidos” (LYRA, 2005, p. 31). Para uma melhor abrangência deste
trabalho, entretanto, mostra-se importante a conceituação adotada pela Organização
das Nações Unidas:
Qualquer grupo de cidadãos voluntário e sem fins lucrativos organizados em
nível local ou internacional. Objetivando o atingimento de metas e
conduzidos por pessoas com um interesse em comum, ONGs performam
uma variedade de serviços e funções humanitárias, trazendo as
preocupações dos cidadãos aos governos, advogando e monitorando
políticas e encorajando a participação política por meio da provisão de
informações. Algumas são organizadas em torno de causas específicas, tais
como direitos humanos, meio ambiente e saúde. Elas fornecem análises e
serviços especializados como mecanismos de alerta rápido, bem como
auxílio à implementação e ao monitoramento de acordos internacionais.
21
[...]
Ainda que não sob a mesma denominação, a origem das Organizações
Não-Governamentais data de séculos atrás: as antigas ordens e missões religiosas
são consideradas as primeiras formas de organização civil voluntária visando ao
desenvolvimento de um objetivo, articulando-se inclusive em âmbito internacional.
Chega-se até mesmo a se afirmar que tais Organizações foram a primeira forma de
organização humana, com o intuito de garantir sua mútua proteção e autoajuda,
existindo antes mesmo da formação de governos (Korten apud BAGCI, 2003). O
termo em si – nongovernmental organizations – teve o início de seu emprego pela
própria Organização das Nações Unidas, por meio de sua Carta, ao término da
Segunda
Guerra
Mundial,
popularizando-se
desde
então
(DAVIES,
2013;
HOROCHOVSKI, 2003).
Historicamente, contudo, são apontadas duas raízes às instituições hoje
denominadas como ONGs. Primeiramente, temos os preceitos de cuidado e bem
estar. Durante a trajetória destas Organizações, diversos foram seus envolvimentos
em causas de caridade e filantropia, como as já supracitadas missões religiosas,
intensificando-se, contudo, a partir da industrialização do século XIX. A segunda,
podendo ser considerada derivada da situação de industrialização inserida na
21. Nongovernmental Organizations. Disponível em: <http://www.ngo.org/ngoinfo/define.html>.
Acesso em: out. 2013.
45
primeira, são as profundas disparidades sociais encontradas, levantando a
necessidade de conscientização pública e pleito por mudanças. A partir destes dois
fundamentos, as Organizações Não-Governamentais passaram a atuar naqueles
campos em que o governo mostrava-se ineficiente ou inoperante (BAGCI, 2003).
Diversos são os motivos atribuídos ao surgimento e proliferação das
ONGs, mas todos têm em seu centro a premissa da crença dos cidadãos em
poderem tomar a iniciativa e realizarem seu potencial por meio do trabalho conjunto,
buscando a diminuição do lapso de oportunidades existentes na sociedade. Esta é a
função central de uma Organização Não-Governamental: dar autonomia aos
cidadãos para desenvolverem projetos e atividades de acordo com seus objetivos
em comum, trabalhando principalmente com a informação para conscientização
popular sobre seus temas e aderência às suas causas. É precisamente esta atuação
que torna a opinião pública uma arma poderosa em favor da mudança de conduta
das corporações, um poder de coerção complementar que atinge não a imagem de
países, mas sim de marcas e empresas específicas, sujeitas às flutuações do
mercado e dependente de seus consumidores – e não o oposto, como por vezes
procuram transparecer.
São inúmeros os países em que Organizações Não-Governamentais
operam, e, sendo subordinadas às diversas legislações nacionais, suas estruturas
podem, portanto, ter grande variação; contudo, têm em comum uma base
geralmente inspirada em Organizações Internacionais, tais como a Organização
Internacional do Trabalho. Assim, torna-se mais complexa a análise de sua função
em nível estrutural, sendo, portanto, geralmente classificadas de acordo com sua
função na sociedade. Também diferem os seus objetivos, podendo ser voltados
mais diretamente a problemas concretos da sociedade ou a agendas mais amplas;
algumas têm caráter meramente filantrópico, enquanto outras tendem mais ao
caráter político; por fim, algumas procuram minimizar os impactos negativos de um
processo, enquanto outros buscam a mudança essencial no processo em si.
(BAGCI, 2003)
As Organizações voltadas essencialmente à conscientização popular, tais
quais relatadas acima, são batizadas com o termo advocacy NGOs, sendo o lobby o
46
objetivo final de suas atividades. Algumas atividades abarcadas por este tipo de
ONG são elencadas por Bagci (2003):
A provisão de informação para influenciar a opinião pública e construir apoio
popular aos manifestantes, implicando em publicações em revistas e
jornais; escrita de artigos e influência da mídia; fornecer fotos, vídeos e
notícias impressas aos jornais; assistir repórteres com logística e recursos;
organizar filmes, palestras e conferências; conduzir pesquisas, inspeções e
enquetes de opinião pública; manter bibliotecas; monitorar violações aos
direitos humanos; prover fontes ao jornalismo; e convidar líderes de
resistência...
Inicialmente, as ONGs eram vistas essencialmente como instituições
filantrópicas e de caridade, porém atualmente vêm adquirindo uma maior força de
atuação dentro da sociedade, passando a abranger temas concernentes a
mudanças estruturais. Esta mudança no cerne de seu caráter pode ser atribuída em
grande parte à desilusão quanto à institucionalização do bem-estar pluralista dos
anos 1960: com os sinais de esgotamento do welfare state, choques do petróleo e
crise econômica, as considerações sociais passam a segundo plano da agenda
estatal, sendo priorizada a legitimação do capitalismo global e suas necessidades
(Santos apud HOROCHOVSKI, 2003), fenômeno este que teve por consequência
direta a limitação de poderes e habilidades governamentais quanto ao atendimento
às necessidades sociais (BAGCI, 2003).
Contemporaneamente, tendo em vista a tendência à relativa fragilização
do papel do Estado nas relações internacionais, em decorrência das características
da globalização econômica pós Guerra Fria e a emergência de novos atores
internacionais, o desenvolvimento de novos formatos de solidariedade civil global é
visto como contraposição às incertezas geradas (VIEIRA, 2002). Percebe-se, assim,
o caráter de complementariedade conferido a tais instituições, as quais possuem a
capacidade de preencher lacunas deixadas pela organização governamental – ou,
em nível global, Organizações Internacionais. Entretanto, não somente de atividades
cooperativas vivem as ONGs: em muitos casos, o caráter de suas atividades é
fundamentalmente de controle e fiscalização.
De acordo com Vieira (2002, p. 67):
47
A explosão de atividades não-governamentais em geral, e das ONGs em
particular, reflete a intensificação da permeabilidade das fronteiras
nacionais, bem como os avanços nas comunicações modernas. ONGs
dispersas geograficamente e organizações comunitárias de base local
podem hoje desenvolver agendas e objetivos comuns no plano
internacional.
Assim,
amparadas
contemporaneamente
pelas
facilidades
de
telecomunicações e com a colaboração recíproca de organizações menores nas
diversas localidades do globo, as ONGs mostram-se uma maneira de expressão da
sociedade civil quanto a temas mais amplos, podendo ou não haver o foco
específico a um ou mais temas – e é esta expressão a chave para o sucesso de
suas campanhas quanto aos temas propostos neste trabalho. Ademais, a formação
de redes de Organizações Não-Governamentais mostra-se estratégica para a
ampliação de sua abrangência e eficácia (VIEIRA, 2002) – é o caso de organizações
como a Social Watch e a Clean Clothes Campaign, apresentadas na seção seguinte
do presente capítulo.
Contudo, como última consideração às atividades em geral deste tipo de
instituição, não estão estas isentas de críticas e debates quanto às suas atividades e
atuação na sociedade internacional. Os posicionamentos negativos advêm,
sobretudo, de comunidades islamitas, socialistas e perspectivas terceiro-mundistas;
por sua vez, a defesa parte sobretudo de países ocidentais, correntes
neocolonialistas, companhias transnacionais e ONGs internacionais por si mesmas.
A corrente negativista descreve as ONGs como “Not-for-Growth Organizations”
(Organizações
para
o
Não
Crescimento)
ou
“Necessary
to
Governance
Organizations” (Organizações Necessárias à Governança) (BAGCI, 2003), se
referindo a seu posicionamento em relação a condições encontradas sobretudo em
países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos – podendo ser sua luta por
melhorias nas condições laborais nestes países um exemplo pertinente: esta
contrariedade
é
justificada
pela
percepção
de
que
tais
posicionamentos
representariam potencialmente entraves ao progresso econômico destes países.
4.3 NA LUTA POR UM MUNDO MELHOR
48
Feita a abordagem inicial quanto à importância das Organizações NãoGovernamentais como ferramenta da sociedade – local ou internacional – no
contrabalanceamento de inoperâncias, ineficiências e até mesmo atitudes
governamentais e corporativas, torna-se possível a apresentação de algumas destas
instituições atuando no cenário internacional proposto neste trabalho. Diversas são
as ONGs envolvidas nos mais diversos âmbitos na luta pelo respeito aos direitos
humanos, sendo, portanto, impossível abranger toda a sua complexidade;
entretanto, serão apresentadas algumas das quais se mostraram fortemente
atuantes no cenário da denúncia e combate da precarização das condições
trabalhistas nos países em desenvolvimento, sobretudo na indústria têxtil-vestuarista
global.
4.3.1 Global Exchange
A Global Exchange – troca global, em inglês – é uma Organização NãoGovernamental fundada nos Estados Unidos da América em 1988, define a si
mesma como “uma organização internacional de direitos humanos dedicada à
promoção da justiça social, econômica e ambiental pelo mundo” 22, compromisso
este reafirmado em sua missão.
A abordagem pregada pela instituição é de caráter holístico, através do
empoderamento23 local de seus membros e conexão global em prol do
estabelecimento de um mundo mais justo e sustentável – em que as desigualdades
entre
os
diversos
países
e
sociedades
sejam
menores,
resultando
em
desenvolvimento econômico acompanhado de desenvolvimento social e equilíbrio
socioambiental. A educação é considerada fator indissociável à conscientização e
ação rumo ao modelo de desenvolvimento acima preconizado, sendo uma forte
ferramenta de trabalho. A visão da organização reflete esta perspectiva, afirmando a
busca por um mundo em que o fenômeno da globalização seja “centrado” nas
pessoas – ou seja, preze não somente pelo avanço econômico, mas sim pelo
atrelamento deste ao desenvolvimento social –, valorizando os direitos dos
22. Global Exchange. Disponível em: <http://globalexchange.org/mission>. Acesso em: out. 2013.
23. Empoderamento, na definição do dicionário, é a “conscientização e participação com relação a
dimensões da vida social”.
49
trabalhadores, em que a cooperação internacional tenha lugar central e prioritário na
garantia da paz; e que objetive a criar economias nacionais ambiental e socialmente
responsáveis e, por conseguinte, uma economia internacional mais equilibrada e
com menos disparidades entre seus atores.
Em fato, a globalização é um item recorrentemente citado pela ONG
como uma das causas fundamentais de diversas injustiças e desequilíbrios sociais e
dos direitos humanos que combatem. Tal perspectiva fica muito clara a partir do
excerto abaixo, o qual, ademais, vai completamente ao encontro com o
posicionamento neste trabalho colocado de que os direitos sociais são suprimidos
como forma de criar ou manter uma competitividade internacional por parte de
países em desenvolvimento, impulsionados pela incessante busca pelo lucro das
grandes corporações de países desenvolvidos:
Em um mundo em que a economia de quantidade abastece o poder
corporativo e a ganância política, a elite está colhendo lucros enquanto o
povo e o planeta ficam relegados a pagar o preço. Em resposta à
degradação mundial causada pelo sistema da globalização de elite, a
Global Exchange visiona uma economia de qualidade alternativa centrada
na proteção aos direitos humanos para que se garanta que o custo da
24
globalização não recaia sobre todos. (tradução nossa)
Assim, a instituição pretende, de certa forma e por meio de ações e casos
específicos, despertar a consciência relativa ao processo potencialmente destrutivo
do capitalismo, da globalização e dos impactos sociais derivados da transferência
desregrada de produção dos grandes centros mundiais para os países em
desenvolvimento e essencialmente abundantes em mão de obra pouco qualificada.
A justiça almejada pela Global Exchange é ampla, abrangente e baseada na
cooperação internacional – o lucro, por sua vez, deve atuar em favor da comunidade
pela qual é gerado, e não como seu opressor. Na opinião da ONG, é necessário
mudar o centro da economia do lucro para as pessoas – somente assim será
possível a construção de um mundo mais justo para todos. Pragmaticamente, tendo
em vista a improbabilidade – ao menos a médio prazo – da alteração do sistema de
acumulação vigente, faz-se essencial ao menos a amenização de seus efeitos
colaterais frente à sociedade.
24. Global Exchange. Disponível em: <http://globalexchange.org/mission>. Acesso em: out. 2013.
50
Ainda que sua agenda seja relativamente ampla – abrangendo temas
pouco específicos como “justiça social”, em si mesma complexa e composta por
infinitos subitens possíveis –, a Global Exchange tem dois focos em específico:
abordar as causas (e não somente as consequências) das injustiças, mas,
principalmente, a atuação de atores estadunidenses neste vasto cenário. A partir de
uma perspectiva nacional, analisando criticamente a atuação de seu próprio governo
e suas próprias corporações, a instituição busca combater as injustiças, criar e
enxergar alternativas possíveis e agir; desta maneira, a máxima “agir local para
refletir global” pode ser considerada propriamente a lógica utilizada pela ONG para
desenvolver suas atividades – a própria instituição afirma que “para mudar o mundo,
começamos por mudar nosso lar”25. Vale afirmar, ainda, que o impacto potencial
deste foco é bastante relevante, tendo em vista o peso exercido por corporações
estadunidenses nas denúncias de violações aos direitos sociais e trabalhistas – se
não diretamente, por meio de suas subcontratadas e, pela visão indicada pela
Organização Internacional do Trabalho, sendo solidariamente responsáveis por tanto
–, bem como o peso da massa consumidora dos Estados Unidos na composição da
demanda global e consequente influência no mercado internacional.
4.3.2 Global Labour Rights
A instituição, oficialmente denominada Institute for Global Labour and
Human Rights – Instituto para os Direitos do Trabalho e Humanos Globais – foi
fundada em 1981, também nos Estados Unidos, sendo inicialmente denominado
Comitê Nacional do Trabalho. O espírito da ONG é belamente expresso em seu
website por uma imagem do diretor do Instituto, Charles Kernaghan, acompanhada
da seguinte reflexão: “Se as marcas podem ser protegidas por leis suportadas por
sanções, por que é que os seres humanos que produzem tais vestimentas não
podem ter proteções legais similares?”26.
Assim, o Instituto define como um de seus objetivos centrais a promoção e
defesa dos direitos laborais internacionalmente reconhecidos na economia global –
25. Ibidem.
26. Global Labour Rights. Disponível em: <http://www.globallabourrights.org/about>. Acesso em: out.
2013.
51
em sua missão, afirmam acreditar que “direitos trabalhistas são direitos humanos”,
expandindo, assim, sua potencial área de atuação. Para atingir suas metas, a ONG
institucionalizou-se profundamente, contando com escritórios e parceiros em
diversas regiões do globo como China, Jordânia, América Central e Sul Asiático.
Sendo por diversas vezes citada na obra de Naomi Klein (2000), a instituição é em
grande parte responsável pela criação de um crescente movimento anti-sweatshops
– termo utilizado para descrever os estabelecimentos fabris palco de explorações
contra os trabalhadores – no coração da sociedade mais consumista do mundo, sua
sede, os Estados Unidos. A autora canadense, inclusive, é uma das personalidades
cujas declarações relatam os impactos decorrentes da atuação do Instituto,
disponíveis em seu website:
GLHR [Global Labour and Humans Rights]… utilizou o estilo de mídia
excêntrico do Greenpeace para voltar mais atenção pública aos apuros dos
trabalhadores de sweatshops do que o movimento sindical de vários
27
milhões de dólares atingiu em mais de um século. (tradução nossa)
A estrutura da Organização Não-Governamental abarca inclusive um
corpo de advogados internacionais com alto grau de experiência, os quais ficam à
disposição para responder a apelos de apoio a trabalhadores explorados enquanto
produzem artigos a serem exportados para os Estados Unidos; além deste apoio
jurídico, promovem a solidariedade e visibilidade internacional desta luta, a fim de
fortalecer seus esforços na busca por salários dignos, ambiente de trabalho limpo e
saudável, direito à livre associação e organização, entre outros já internacionalmente
reconhecidos e assegurados pela Organização Internacional do Trabalho, exigindo
que as grandes corporações mantenham uma conduta adequada e de respeito a tais
direitos. Outrossim, a instituição busca gerar o sentimento de apoio e solidariedade à
causa da luta de trabalhadores por direitos laborais fundamentais através de
pesquisas, educação pública e campanhas populares voltadas aos cidadãos do
país. Novamente, à luz do observado na Global Exchange, o foco no poder de
influência estadunidense – em grande parte por meio de seu povo, sua massa
consumidora – é ressaltado e utilizado como ferramenta fundamental de trabalho.
27. Idem. Disponível em: <http://www.globallabourrights.org/about?id=0011>. Acesso em: out. 2013
52
4.3.3 Social Watch
Tendo, assim como a Global Labours Rights e diferentemente da Global
Exchange, um foco voltado especificamente às questões sociais, a Social Watch não
é propriamente uma Organização Não-Governamental, mas sim uma associação de
Organizações Não-Governamentais e grupos cívicos interligados por uma causa em
comum. Em fato, a instituição se define como
[...] uma rede internacional de organizações de cidadãos na luta pela
erradicação da pobreza e suas causas, pelo fim de todas as formas de
discriminação e racismo, pela garantia de uma distribuição equitativa do
28
bem estar e pela realização dos direitos humanos.
Fundada no ano de 1995 e sediada no Uruguai – uma grande diferença
de localização geográfica em relação às demais instituições abordadas nesta seção
–, sua ideia inicial foi a de constituir-se em um
Local de encontro para Organizações Não-Governamentais preocupadas
quanto ao desenvolvimento social e a discriminação de gênero, e engajadas
em monitorar as políticas que tenham um impacto na desigualdade e nas
29
pessoas que vivem na pobreza.
Seu trabalho é baseado no princípio enfatizado de que todos têm direito a
não serem pobres – uma afirmação deveras forte e que realça a ideia de que o
desenvolvimento promovido pela industrialização e crescimento econômico deve ser
para todos. Ainda que seu foco seja relativamente específico, a instituição não deixa
de, em sua descrição, reafirmar o compromisso geral com a paz e com a justiça
social,
econômica,
ambiental
e
de
gênero,
buscando
a
promoção
do
desenvolvimento sustentável centrado nas pessoas – novamente, mais um ponto de
convergência entre as instituições aqui apresentadas e a necessidade exposta neste
trabalho de que o lucro a qualquer custo deixe de ser o ponto central de
preocupação em prol de uma economia global mais justa; ou seja, que se preze
28. Social Watch. Disponível em: <http://www.socialwatch.org/node/63>. Acesso em: out. 2013.
29. Ibidem.
53
concomitantemente pelo desenvolvimento social, e não pelo econômico somente.
Tal objetivo maior mostra-se recorrente às Organizações Não-Governamentais de
cunho social e, desta forma, a visão pragmática de que é preciso amenizar os
impactos negativos do modo de acumulação vigente em contraposição à utopia de
alteração de seu caráter fundamental mostra-se igualmente aplicável.
As organizações nacionais que compõe a coalizão da rede que é a Social
Watch são apelidadas de Watchers – são centenas de grupos e organizações em
mais de sessenta países, em princípio organizadas a partir de coalizões secundárias
nacionais. A instituição compromete-se com uma organização não hierárquica e
democrática, sendo suas decisões tomadas em bases de princípios igualitários e um
alto grau de autonomia de seus membros componentes; ademais, a flexibilidade é
considerada chave para a manutenção do sucesso da Social Watch em nível
internacional. Seu modo de atuação é baseado na conscientização popular por meio
da informação, alicerçado fundamentalmente na atuação local e nacional para o
reflexo em nível global. Sua estrutura, entretanto, compreende muito mais do que
apenas estes braços vigilantes em nível local e regional: o corpo institucional é
dividido em Secretariado Internacional, Comitê de Coordenação e Assembleia. A
Figura 1 expõe por meio de organograma a composição da associação.
Figura 1 – Estruturação da Social Watch
Fonte: Social Watch. Disponível em: <http://www.socialwatch.org/node/63>. Acesso em: out. 2013.
54
O Secretariado é o principal órgão executivo da instituição, sendo dirigido
pelo Coordenador da Social Watch; sua função inicial restringia-se à elaboração de
relatórios, porém com o desenvolvimento institucional passou a abranger uma série
de novas funções, tais como pesquisa, capacitação, elaboração de campanhas,
representação em fórum internacional, entre outras.
O Comitê de Coordenação, por sua vez, é o órgão político chave da
Social Watch, sendo composto por dezesseis membros: dois de cada uma das
regiões abrangidas – América do Norte, América Latina, África, Ásia, Arábia e
Europa; até três membros cooptados pelo Comitê; por fim, o Coordenador da Social
Watch anterior assume um cargo em caráter ex officio. É responsável, sobretudo,
por conferir liderança política e ser fonte de diretrizes, bem como ter uma visão geral
da implementação das decisões tomadas pela organização. Seu trabalho,
fundamental para que flua o trabalho no dia a dia da instituição, requer comunicação
constante via listas de e-mail, conferências telefônicas e reuniões semestrais para a
discussão de temas específicos. Levando em consideração a igualdade de gênero
em sua própria estrutura, cada região deverá ter como representantes um homem e
uma mulher, devendo a paridade sempre constar na composição do órgão. Por fim,
o Comitê reporta suas atividades à Assembleia, sendo o órgão responsável, por sua
vez, por sua convocação.
Finalmente, a Assembleia é o órgão máximo governativo da Social Watch,
reunindo-se bienal ou trienalmente. Nela são discutidos temas políticos e o
planejamento estratégico a médio e longo prazo, consistindo, consequentemente,
em um fórum de tomada de decisão: além do princípio democrático permitindo a
participação de todos, ainda atua no propósito de reforço do sentimento de
pertencimento e integração, fortalecendo a identidade e unidade da instituição. Cada
coalizão nacional tem o direito de se fazer representar por meio de até dois
delegados, devendo, contudo, ter satisfeito alguns critérios como o envio de
relatórios à Social Watch. Uma última função atribuída à Assembleia é a convocação
e condução do processo eleitoral para a composição do Comitê de Coordenação.
As redes de organizações, conforme anteriormente citado, conferem um
maior grau de abrangência potencial de público a partir de suas ações: muito
beneficiadas pelo progresso das telecomunicações, permitem maior participação e
55
agilidade do debate quanto a questões sociais, ambientais e de direitos humanos,
aumentando seu grau de eficácia. Desta forma, é crucial que se reconheça o
trabalho destas instituições não somente por seu ativismo, mas indiretamente como
agentes de integração social internacional.
4.3.4 Clean Clothes Campaign
Assim como a Social Watch, a Clean Clothes Campaing – comumente
referida apenas como CCC – é, também, uma associação de Organizações NãoGovernamentais, neste caso em específico sendo composta por ONGs e sindicatos
de dezesseis nações europeias; ainda que geograficamente limitada, a associação
coopera com outras de caráter similar nos Estados Unidos, Canadá e Austrália.
Fundada em 1989 e sediada em Amsterdam, a instituição possui um foco ainda mais
restrito e definido: como o próprio nome dá a entender, as confecções são os
principais alvos de fiscalização e ativismo.
Conforme as demais instituições apresentadas, e em consonância com o
pressuposto deste trabalho de que a opinião pública é uma ferramenta poderosa no
atingimento de objetivos e metas estabelecidos pelas Organizações NãoGovernamentais, a Clean Clothes Campaign tem suas atividades pautadas no
advocacy e na conscientização e mobilização populares, visando a uma mudança de
comportamento da massa consumidora e, a partir dos impactos de tal alteração,
exercer influência positiva na resolução dos problemas identificados e incentivando –
ou pode-se também dizer coibindo – à melhoria das condições trabalhistas
encontradas no chão de fábrica da indústria vestuarista global, cerne último da
competitividade deste setor da economia.
Diversos são os princípios que pautam a atuação da Clean Clothes
Campaign: o direito irrestrito e indiscriminado de trabalhadores a condições de
trabalho boas e seguras, em que possam exercer seus direitos de livre associação e
barganha coletiva, bem como receberem uma remuneração digna; a aplicação dos
padrões mínimos estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho e
convenções internacionais na produção da indústria vestuarista e esportiva, devendo
56
ser aplicados inclusive aos estabelecimentos de trabalho que não sejam
formalmente classificados como tal (como, por exemplo, oficinas domésticas de
costura); direito da informação dos trabalhadores quanto a suas prerrogativas
estabelecidas em âmbito local ou internacional; direito do público consumidor de
conhecimento da procedência e condição de fabricação dos produtos que
consomem; estímulo à autonomia dos trabalhadores quanto a sua organização e
empoderamento; consulta prévia aos trabalhadores relacionados a campanhas a
serem lançadas pela instituição; identificação de situações em que a questão de
gênero permeie ou facilite a violação de direitos laborais; entre outros.
Na visão da CCC, toda a cadeia produtiva das indústrias do vestuário e
de esportes deve ser responsável pela garantia da observância dos direitos
trabalhistas no desenvolvimento de seus produtos, desde os estabelecimentos fabris
produtores, passando pela corporação que gerencia a marca, até o estabelecimento
varejista que os comercializa. Ademais, deveriam atuar no sentido de facilitar o
diálogo e a negociação entre sindicatos de empregados e de empregadores, a fim
de otimizar os resultados de tais relações. O peso imposto pelo poder da marca
deveria ser utilizado em prol dos trabalhadores e suas legítimas reivindicações, e
não da comumente observada maneira inversa, oprimindo a partir do peso do capital
e da busca obsessiva pelo menor custo a fim de que se obtenha o maior lucro
possível. As grandes corporações devem – ou ao menos deveriam – agir com
transparência quanto às condições encontradas em toda a sua cadeia produtiva,
considerando ações em favor do aprimoramento de tais condições laborais em todas
as etapas do processo de produção e agregação de valor.
São mais de duzentas instituições parceiras diretamente nos países
produtores, atuando na identificação de problemas e objetivos locais e auxiliando no
desenvolvimento de estratégias de campanha para o apoio da luta pelos
trabalhadores por condições mais dignas, demandando por melhores condições
laborais e respeito a seus direitos internacionalmente reconhecidos, porém por
vezes ignorados. Percebe-se, bem como na divisão internacional do trabalho, a
setorização global das atividades da própria Organização Não-Governamental que
luta pelo apaziguamento dos malefícios por ela causados: ainda que seu maior
campo de atuação seja inexoravelmente o mundo em desenvolvimento, sua sede
permanece em um país desenvolvido e essencialmente central na geopolítica, assim
57
como
as
matrizes
das
grandes
corporações
em
contraposição
a
suas
subcontratadas fabricantes dos produtos em si.
Finalmente, conclui-se que o combate aos efeitos negativos da
globalização podem ser encontrados no centro das atenções de todas as instituições
abordadas. Sendo utópica a alteração da configuração capitalista mundial, torna-se
o objetivo principal, então, lutar pelo apaziguamento de tais consequências,
sobretudo em relação àqueles já em posição desfavorável, através de pequenas
conquistas
e
graduais
avanços
internacionalmente consagrados.
no
tocante
ao
respeito
a
direitos
já
58
5 ESTUDOS DE CASO: A LUTA PELA MUDANÇA
O tema do combate à precarização das condições trabalhistas, sobretudo
em países em desenvolvimento, conforme apresentado, vem sendo o centro de
diversos debates não somente no nível das Organizações Internacionais
competentes – a Organização Internacional do Trabalho como fórum central e,
secundariamente, a Organização Mundial do Comércio e sua controversa “cláusula
social”
–,
mas
também
de
diversas
Organizações
Não-Governamentais
internacionais, tais quais as apresentadas no capítulo anterior deste trabalho.
Entretanto, não somente através da atuação internacional se dá a luta
contra a injustiça social derivada, sobretudo, da globalização: é nas localidades que
os pequenos primeiros avanços são dados, muitas vezes impulsionados e
orientados silenciosamente pelas instituições internacionais. Sem a ramificação local
e a organização dos próprios trabalhadores explorados contra as violações a seus
direitos, não há avanço possível. Nem o melhor advocacy organizado por uma
grande ONG em nível global terá o resultado esperado caso os próprios
trabalhadores não procurem por si mesmos a melhora de suas condições.
Assim, nesta seção não serão mostradas apenas grandes campanhas
internacionais e de grande repercussão, senão também as movimentações locais,
no chão de fábrica, pouco divulgadas ao público externo de suas localidades, mas
capazes de implantar uma semente de esperança e perspectiva de mudança futura,
sendo uma iniciativa fundamental que suplanta o trabalho das ONGs aqui
estudadas, contribuindo para o alcance de suas metas e causas a partir do trabalho
de base.
5.1 LEVI’S E A IMPLEMENTAÇÃO DOS CÓDIGOS DE CONDUTA
A
preocupação
da
sociedade
internacional
e
de
Organizações
Internacionais com as injustiças sociais geradas pela globalização, conforme já
apresentado, data de muito antes do processo de intensificação do fenômeno. Com
59
o crescente olhar vigilante do mundo perante tais questões, contudo, as grandes
corporações passaram a temer os reflexos negativos de seus atos – por vezes
considerados injustos, ainda que economicamente legítimos perante órgãos como a
Organização Mundial do Comércio – em sua imagem corporativa e de marca,
podendo impactar suas vendas e, consequentemente e mais importante, sua
lucratividade.
Tendo tal perspectiva em vista, a Levi Strauss & Company, no ano de
1992, inovou a política de relações públicas das grandes corporações à época: após
descobrir que algumas de suas fábricas fornecedoras estrangeiras adotavam
práticas que remetiam à escravidão, tornou-se a primeira empresa a adotar um
código de conduta corporativo, que abrangia o gerenciamento ético e de direitos
trabalhistas no contexto de suas relações com fornecedores internacionais (KLEIN,
2000; KOLK; TULDER; WELTERS, 1999). Seguida de perto por outras corporações
de marca como Nike e Reebok (KOLK; TULDER; WELTERS, 1999), os códigos de
conduta rapidamente passariam a ser de comum adoção por empresas
transnacionais. Porém, cabem alguns questionamentos: o que as empresas
realmente pretendem a partir de tais códigos? E ainda que bem redigidos,
voluntariamente adotados e contemplando em seus conteúdos diversos direitos
sociais e princípios éticos, qual seria a real efetividade de seus termos e
comprometimentos?
O surgimento e a popularização dos códigos de conduta passaram a ser o
cerne de uma discussão quanto à capacidade de empresas transnacionais de se
autorregularem,
concomitantemente
à
fiscalização
de
Organizações
Não-
Governamentais e Organizações Internacionais – em fato, a adoção de códigos de
conduta estabelecidos pelas próprias corporações ou por associações de
empregadores pode ser considerada uma tentativa de antecipação às ações de tais
organizações, procurando minimizar seus impactos e até mesmo resguardar sua
imagem de marca de possíveis ataques referentes às suas relações corporativas,
sobretudo no tocante a fornecedores localizados em países em desenvolvimento (os
quais, conforme já explicitado neste trabalho, algumas corporações insistem em
afirmar
não
terem
direta
responsabilidade
sobre
a
conduta,
ainda
que
contemporaneamente sejam comumente consideradas pela sociedade internacional
como solidariamente responsáveis por suas práticas).
60
A força dos códigos de conduta e sua capacidade de abertura para o
diálogo
ou
estabelecimento
de
limites
outrora
não
definidos
quanto
à
responsabilidade de conduta ética, regulamentação e fiscalização não deve ser
subestimada: como resposta à pressão social, tais iniciativas vêm sendo
frequentemente tomadas como uma tentativa ao diálogo construtivo entre as
diversas
partes
envolvidas,
desde
acionistas
corporativos
até
órgãos
governamentais e Organizações Internacionais. Seu potencial de definição e
influência de agendas, portanto, deve ser reconhecido 30.
Códigos
de
conduta
estão
intrinsecamente
ligados
à
ideia
de
responsabilidade social corporativa, tema que surgiu primeiramente no início do
século XX nos Estados Unidos, sobretudo por meio do industrial e filantropo Andrew
Carnegie, um escocês-americano que acreditava que as empresas não deveriam se
preocupar apenas com a geração de lucros. Atualmente, pode-se considerar que o
tópico “responsabilidade social corporativa” abarca uma das nuances do que se
considera a origem das Organizações Não-Governamentais: a ideia de filantropia e
de que os mais fortes deveriam procurar tomar conta dos mais fracos; entretanto,
diferencia-se ligeiramente desta por não ser adotada por espontaneidade, mas sim
pelo sentimento de obrigação com a sociedade. A segunda ideia por trás de seu
conceito é a de que os grandes empresários, por sua posição de relevância e poder,
deveriam se utilizar de sua influência, agindo em prol do interesse geral, e não
somente dos acionistas que por acaso representem. Em resumo, são três os
princípios envolvidos no conceito de responsabilidade social corporativa: princípio de
legitimidade, em que, assim como é a sociedade que confere poder às grandes
corporações, esta se mostra igualmente capaz de deslegitimá-lo; princípio da
responsabilidade pública, em que a corporação se torna responsável pelos efeitos
primários e secundários advindos de suas atividades; e o princípio da discrição
gerencial, em que os empresários figuram como atores morais, devendo se portar
como tal31.
Entretanto, é de suma importância que se adote uma perspectiva crítica
em relação à proliferação contemporânea de códigos de conduta: ainda que em seu
corpo abarquem boas intenções sociais e de justiça, no âmago de sua criação
podem estar outros interesses que não o bem comum. Infelizmente, a adoção de
30. Ibidem.
31. Ibidem.
61
tais códigos vem sendo muitas vezes utilizada como estratégia de marketing e
relações públicas de marca, visando à influência de outros atores da sociedade,
sejam eles as agências reguladoras ou Organizações Não-Governamentais,
concorrentes, fornecedores, acionistas ou até mesmo a base de sua legitimidade de
poder e razão de ser: os consumidores32.
A existência de tais códigos de conduta, ainda que por vezes implantados
por razões menos nobres do que o esperado ou imaginado, pode auxiliar e muito o
trabalho de Organizações Não-Governamentais e seu viés fiscalizatório e de
influência da opinião pública como ferramenta de combate à precarização das
condições laborais, através da tentativa de antecipação da solução – ainda que
apenas aparente – de pontos passíveis de críticas das organizações ativistas,
visando a evitar virem a ser alvos de suas campanhas ou, ao menos, minimizar seus
impactos. De uma maneira próxima ao expresso pelo ditado popular em que “o
feitiço vira contra o feiticeiro”, a construção ou manutenção de uma imagem através
da atuação das relações públicas corporativas por meio destes códigos pode por si
mesma representar sua derrocada: se violações a direitos internacionalmente
reconhecidos e socialmente considerados adequados já possuem um impacto
potencialmente destrutivo às corporações que as praticam, o que dizer de violações
a disposições voluntariamente adotadas? A falta de comprometimento verdadeiro
com suas próprias normas pode levar à perda de credibilidade das corporações e
suas marcas perante seus consumidores, levando a uma situação de real e iminente
baixa de faturamento e, consequentemente, resultados financeiros menos favoráveis
– situação temida por qualquer corporação.
5.2 JUSTICE: NIKE, JUST DO IT!
Uma das maiores corporações de nosso tempo, a Nike tornou-se
internacionalmente “um símbolo de ambos os benefícios e os riscos inerentes à
globalização” (LOCKE, 2002). Fundada por Phil Knight e Bill Bowermen em 1964 a
partir de um investimento de modestos US$ 500 cada, e originalmente denominada
32. Ibidem.
62
Blue Ribbon Sports, em questão de décadas passou de uma mera distribuidora de
calçados japoneses à líder em design, distribuição e marketing da indústria de
calçados esportivos, expandindo sua atuação posteriormente também ao setor
vestuarista. A marca Nike propriamente dita foi lançada em 1972, tendo o nome da
corporação sido oficialmente alterado em 1978 para o atual Nike, Inc. 33.
Desta forma, pode-se afirmar que a Nike já nascera à frente de seu tempo
no tangente à terceirização de seus setores produtivos – alterando-se com o tempo,
apenas, a localidade de tal produção de acordo com a descoberta de legislações
trabalhistas mais flexíveis, salários mais baixos e mão de obra mais abundante.
Inicialmente adquirindo produtos fabricados no Japão, logo passou a cultivar
potenciais fornecedores em países como Coréia do Sul, Tailândia, China e Taiwan;
mais adiante, com o crescimento econômico e consequente majoração de custos de
mão de obra na Coréia e em Taiwan, a corporação passou a trabalhar com
fornecedores localizados em países ainda considerados em desenvolvimento, tais
como Indonésia, China e Vietnã34.
No ano de 2002, data da publicação do documento do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts The promise and perils of globalization: the case of
Nike (LOCKE, 2002), seus produtos eram manufaturados em mais de 700
estabelecimentos, empregando mais de 500.000 trabalhadores em 51 países –
entretanto, o quadro de funcionários diretos da empresa se restringia a meros
22.658 empregados, a grande maioria nos Estados Unidos da América. No que diz
respeito
exclusivamente
à
divisão
vestuarista
da
corporação,
eram
579
estabelecimentos distribuídos pelo globo. Tal discrepância se dá pelas próprias
características de ambos os segmentos: enquanto as fábricas de calçados
esportivos exigem uma maior intensidade de capital para seu estabelecimento, as
confecções são essencialmente intensivas em mão de obra, portanto geralmente
menores e de mais fácil implementação35 – consequentemente, mais fácil em
relação à anterior mostra-se sua migração para outras localidades em que a oferta
de mão de obra seja financeiramente mais viável, gerando as já citadas insegurança
e instabilidade de emprego e econômicas. A distribuição regional e setorial da
produção da Nike à época pode ser observada na Figura 2.
33. Ibidem.
34. Ibidem.
35. Ibidem.
63
Figura 2 – Distribuição de fornecedores da Nike por região e segmento
Fonte: LOCKE, Richard M. The Promise and Perils of Globalization: The case of Nike. Industrial
Performance Center (Massachusetts Institute of Technology). Cambridge, 2002, p. 6-7.
A composição de sua rede de fornecedores do segmento vestuarista,
64
geralmente produzindo simultaneamente para corporações concorrentes, bem como
o caráter curto dos contratos estabelecidos por conta das variações de tendências e
alteração das preferências dos consumidores, acabam por, de certa forma, alterar os
níveis de influência que a Nike poderia exercer quanto às condutas internas de tais
estabelecimentos, tais como processos de produção e condições de trabalho e
emprego (LOCKE, 2002) – argumento que pode ser utilizado com o intuito de
procurar isentar a marca de responsabilidade social quanto à fabricação de seus
produtos (ou ao menos reduzi-la. E é exatamente pela discordância de segmentos
mais ativistas e politizados da sociedade internacional quanto a tal tentativa de
isenção de responsabilidade solidária, combinada ao peso que a marca Nike logrou
construir em nível mundial, que o movimento anti-Nike tornou-se um símbolo da luta
contra a desigualdade social gerada pela globalização e contra a exploração
trabalhista – segundo a colocação de Naomi Klein, a campanha contra a corporação
pode ser considerada “a mais divulgada e mais tenaz das campanhas baseadas em
marcas” (KLEIN, 2000, p. 393).
Denúncias envolvendo estabelecimentos produtores de calçados e
vestimentas Nike e baixos salários, condições precárias de trabalho e violações aos
direitos humanos não são exatamente recentes – datam desde a década de 1980,
portanto
pouco
após
sua fundação. No
entanto,
a
situação
agravou-se
consideravelmente durante a década seguinte, por meio da descoberta de
trabalhadores mal remunerados na Indonésia, trabalho infantil no Camboja e no
Paquistão, bem como condições extremamente precárias de trabalho na China e no
Vietnã. Phil Knight, CEO da empresa, chegou mesmo a admitir em tom de lamento,
em um discurso proferido em maio de 1998, que “os produtos Nike se tornaram
sinônimos de salários escravistas, horas extras forçadas e abuso arbitrário” (LOCKE,
2002, p. 9).
Dos casos supracitados, o de maior repercussão internacional e alvo de
posteriores campanhas de Organizações Não-Governamentais e grupos populares
pode ser considerado o indonésio. No início dos anos 1990, eram seis os
estabelecimentos no país produzindo para a Nike, empregando mais de 25.000
pessoas – destas, quatro empresas eram de propriedade dos fornecedores
coreanos da Nike; um caso típico de subcontratação, distanciando ainda mais a
relação trabalhista aparente entre a corporação e os empregados asiáticos. Neste
65
cenário, o fator de maior revolta relativo aos baixos salários praticados se deu por
ser esta violação concedida pelo governo da Indonésia: os estabelecimentos haviam
peticionado ao governo a exceção quanto ao respeito legal do valor do salário
mínimo, pois seu cumprimento dificultaria sua viabilidade financeira. Cabe citar,
ainda, os cálculos oficiais do próprio governo indonésio de que o salário mínimo
vigente à época era tal que cobriria apenas 70% das necessidades básicas de um
indivíduo, tornando tal lobby corporativo ainda menos bem visto socialmente
(LOCKE, 2002). Inicialmente, a Nike negara qualquer responsabilidade sobre os
trabalhadores indonésios, alegando serem tais estabelecimentos de propriedade e
operação exclusiva de contratados independentes; o Vice-Presidente para a Ásia da
Nike chegou a afirmar que a Nike não “sabia coisa alguma sobre fabricação. Somos
marqueteiros e designers” (idem, p. 11); complementarmente, em relatório, a Global
Labour and Humans Rights cita uma declaração de uma porta-voz da corporação
referente ao assunto, em 1997: “Qual é a responsabilidade da Nike? Estas fábricas
não são nossas”36.
Tais violações de direitos sociais e humanos foram alvo de severas
campanhas de Organizações Não-Governamentais. Diversos foram os relatórios
sobre o tema elaborados por instituições como a Global Exchange: entre eles, no
documento intitulado Still Waiting For Nike To Do It, de maio de 2001, é ressaltada a
discrepância entre a retórica da empresa de combate à precarização das condições
laborais em seus fornecedores, como a interrupção e petições para concessão de
exceção aos estabelecimentos quanto ao pagamento do salário mínimo vigente
(LOCKE, 2002) – fruto, sobretudo, do supracitado discurso de Phil Knight três anos
antes –, e a realidade observada através de fiscalizações, inspeções e relatos de
trabalhadores de tais estabelecimentos. Assim como os códigos de conduta por
vezes se mostram, as promessas de Knight aparentemente não haviam passado de
estratégia de relações públicas para minimizar os efeitos das denúncias em suas
vendas e rentabilidade.
Não somente de grandes campanhas organizadas por instituições
internacionalmente conhecidas, porém, vive o espírito anti-Nike: também uma
simples campanha local na região do Bronx foi capaz de abalar o departamento de
relações públicas da gigante do Oregon, estado de origem da corporação. Para
36. Global Labour Rights. Disponível em: <http://www.globallabourrights.org/press?id=0531>. Acesso
em: out. 2013.
66
compreender a importância dada à ocorrência é preciso ter em mente o forte viés de
marketing e branding da Nike voltado aos guetos e subúrbios estadunidenses – os
jovens destas localidades, inspirados por atletas (geralmente negros) nas
propagandas mostrando o sucesso conquistado, tais como Michael Jordan e Tiger
Woods, bem como os inúmeros rappers vestindo e calçando Nike em seus shows e
capas de CDs, consistem em uma grande massa consumidora de seus produtos
(KLEIN, 2000).
Ao perceber com indignação os jovens de seu bairro “calçando tênis que
não podiam comprar e pelos quais seus pais não podiam pagar”, Michael Gitelson,
um assistente social, decidiu contar aos garotos que frequentavam o centro
comunitário sobre como eram fabricados aqueles calçados e roupas que eles tanto
desejavam e que seus pais se sacrificavam para poder dá-los: fatos como o salário
de em média dois dólares diários dos trabalhadores indonésios, o custo aproximado
de fabricação de cinco dólares dos pares que eles compravam nos Estados Unidos
por US$100 a US$180. Mais importante que tais constatações, relativamente
distantes de sua realidade, procurou mostrar-lhes a responsabilidade de
corporações como a Nike no fato de que seus pais muitas vezes encontravam-se
desempregados, assim como diversos outros jovens e adultos de suas localidades 37.
A motivação para tal atitude de conscientização é justificada por Gitelson:
Estamos com muita raiva mesmo [...] porque eles estão ganhando dinheiro
demais de nós aqui e indo para outros países para explorar pessoas em
situação ainda pior do que a nossa. [...] Queremos que nossas crianças
vejam como isso os afeta aqui nas ruas, mas também como as ruas daqui
afetam as pessoas do Sudeste da Ásia. (Gitelson apud KLEIN, 2000, p. 400)
A irritação com tal situação provocada nos garotos foi tamanha que estes
não somente passaram a escrever cartas de indignação a Phil Knight (chegando a
pedir dinheiro de volta, tendo em vista os preços de venda abusivos em
contraposição ao custo das mercadorias), mas, ao terem seus apelos respondidos
pelo departamento de relações públicas da empresa com cartas formais, também
por meio de uma manifestação: munidos de seus pares antigos de Air Jordans e
outros modelos da marca, rumaram à Nike Town da 5ª Avenida para despejar em
sinal de protesto seu lixo em sacos apropriados às portas de um dos templos da
37. Ibidem.
67
marca. O acontecimento despertou especial preocupação da corporação por
consistir no primeiro ato de ativismo vindo de seu principal público-alvo, coberto por
diversas mídias locais e nacionais – e, portanto, representando um potencial de
influência da opinião pública devastador demais para ser tratado com indiferença.
Contudo, os esforços da empresa para conter a manifestação foram em vão, visto
que as reivindicações feitas – melhores salários aos trabalhadores nos países em
desenvolvimento, preços mais adequados aos consumidores estadunidenses sem
retaliação a seus empregados no país e investimento nos bairros pobres dos
Estados Unidos, já que eram fundamentalmente o alvo de suas propagandas – não
foram aceitas (KLEIN, 2000).
A campanha internacional anti-Nike e sua referência como ativismo
anticorporativo e contra a exploração trabalhista pode ser brilhantemente
sumarizado nas palavras de Naomi Klein (2000, p. 407): “a Nike foi a mais inflada de
todas as marcas-balão, e quanto maior ficou, mais barulhento foi seu estouro” –
ainda que o faturamento da empresa não tenha sido fortemente afetado,
permanecendo o faturamento em ascensão, porém o lucro líquido sofrendo ligeira
queda entre 1997 e 1998 (Figura 3), a repercussão em nível global refletiu em altos
índices de referências negativas à corporação na imprensa internacional a partir do
início das campanhas, em 1995 (Figura 4).
Figura 3 – Faturamento e rentabilidade da Nike (1978-2001)
Fonte: LOCKE, Richard M. The Promise and Perils of Globalization: The case of Nike. Industrial
Performance Center (Massachusetts Institute of Technology). Cambridge, 2002, p. 23.
68
Figura 4 – Menções negativas à Nike na mídia (1992-2002)
Fonte: Idem, p. 31.
5.3 CAVITE: A TORTURA FILIPINA
As Zonas de Processamento de Exportação – ZPEs –, modelo adotado
por todo o mundo em países em desenvolvimento, são espaços voltados
prioritariamente à produção de itens destinados ao mercado externo. Sua função
pode ser descrita como
[...] criar empregos, facilitar a transferência de tecnologia, aumentar o ganho
com o comércio internacional e acirrar a competitividade. Resumidamente,
espera-se que as ZPEs promovam a liberalização e eficiência do comércio,
bem como contribuam para o desenvolvimento econômico e social.
(REMEDIO, 1996, p. 3, tradução nossa)
Por suas próprias características, contudo, as Zonas de Processamento
de Exportação podem ser consideradas instáveis do ponto de vista econômico.
Altamente dependentes da demanda de sua produção por parte principalmente das
grandes corporações internacionais, a volatilidade do capital – sobretudo atrás de
69
custos (de mão de obra) mais baixos em outros países em desenvolvimento –
permeia seu cotidiano. Como muito bem colocado por Naomi Klein (2000, p. 230),
O medo permeia essas zonas econômicas. Os governos temem perder as
fábricas estrangeiras; as fábricas temem perder seus compradores de
marcas, e os trabalhadores temem perder seus instáveis empregos. As
fábricas não são construídas na terra, mas no ar.
Cavite é uma das quatro Zonas de Processamento de Exportação
filipinas, ao lado de Bataan, Baguio e Mactan. As ZPEs foram desenvolvidas no país
durante a década de 1970, porém suas raízes ideológicas no país datam de muito
antes. A ideia de seu estabelecimento nas Filipinas é atribuída ao ano de 1923,
quando a Câmara de Comércio das Filipinas acordou o estabelecimento de um porto
livre no país com o caráter de zona de livre comércio. Décadas mais tarde, em
agosto de 1967, considerou-se a abertura de uma zona semelhante na
municipalidade de Mariveles, na província de Bataan – nasceria, em junho de 1969 e
com algumas modificações em seu projeto, a primeira Zona de Processamento de
Exportação do país (REMEDIO, 1996). Juntamente com a criação da ZPE de Bataan
surgia o que posteriormente viria a ser a Autoridade da Zona de Processamento de
Exportação (EPZA); oficialmente implantada a partir do Decreto Presidencial nº 66,
de novembro de 1972, o órgão deveria seguir a política governamental predefinida, e
da qual por si mesma fora originária, de
[...] encorajar e promover o comércio como meio de tornar as Filipinas um
centro de comércio internacional, fortalecer nossa posição nas relações
comerciais internacionais, acelerar a industrialização e o desenvolvimento
do país por meio do estabelecimento de zonas de processamento de
exportação em localizações estratégicas das Filipinas.” (idem, p. 3, tradução
nossa)
A EPZA, órgão governamental responsável pela operação e gestão das
Zonas de Processamento de Exportação filipinas, deveria em teoria desempenhar,
portanto, papel central na industrialização e no programa de expansão das
exportações nacionais. Todavia, em catálogos de cunho publicitário afirma que “a
70
estrutura da organização garante serviços e assistência compreensíveis e eficientes
aos investidores” (idem, p. 4, tradução nossa): fica claro novamente no caso filipino,
como ficara evidente no caso de Bangladesh e a regulamentação de suas ZPEs,
tópico abordado no Capítulo 2, a completa priorização da satisfação e lucratividade
do investidor – em geral estrangeiro, ainda que haja algum investimento de
empresas filipinas em tais zonas – em detrimento do bem estar, segurança e
dignidade dos trabalhadores e seu desenvolvimento. Assim, como não poderia
deixar de ser a partir desta lógica, pouco é feito pela Autoridade em favor dos
trabalhadores, em contraposição à constantes concessões e aos benefícios
propiciados às corporações estrangeiras que fabricam ou adquirem produtos dos
estabelecimentos nelas situados.
Diversas são as vantagens oferecidas pelas ZPEs filipinas para atraírem o
capital investidor estrangeiro, dentre elas: localizações estratégicas, tanto do próprio
país quanto das zonas, geralmente próximas de portos, aeroportos e centros
urbanos; atitude positiva do governo frente ao investimento estrangeiro; estabilidade
econômica do país; baixos custos de investimento e operacionais; facilidades como
estabelecimentos pré-prontos para arrendamento, permitindo uma rápida instalação;
mas, principalmente, as vantagens relacionadas à mão de obra – abundante, com
salários considerados “competitivos” (leia-se, extremamente baixos) e alta
produtividade (REMEDIO, 1996). Além destas oportunidades estratégicas, as Zonas
não deixam de oferecer os clássicos benefícios fiscais, tais como isenção de
impostos sobre importação, exportação e renda, livre remessa de lucros para o
exterior. Cerca de 30% dos estabelecimentos localizados nas Zonas de
Processamento de Exportação das Filipinas dedicam-se à produção têxtilvestuarista, sendo sua mão de obra composta entre 73 e 82 por cento por
mulheres38.
No que tange à análise crítica dos impactos do estabelecimento de Zonas
de Processamento de Exportação, o documento Export processing zones in the
Phillipines: A review of employment, working conditions and labour relations
(REMEDIO, 1996) ressalta um aspecto fundamental e reflexivo quanto a pontos já
colocados em pauta neste trabalho, relativos à priorização do desenvolvimento
econômico em detrimento ao desenvolvimento social: “enquanto há considerável
literatura quanto aos efeitos econômicos das ZPEs em diversos países, pouco é
38. Ibidem.
71
sabido sobre as maneiras em que o status especial das ZPEs afeta a força de
trabalho”. Alguns estudos foram desenvolvidos quanto a tais impactos nas Filipinas,
utilizando como base principalmente a zona de Bataan, por ter sido a primeira
estabelecida no país: os resultados frequentemente apontaram que, devido ao forte
financiamento governamental e de empréstimos internacionais, não havia ganhos
significativos à população – em suma, os esforços não valiam seus retornos39.
A ZPE de Cavite, ainda que seja a mais recentemente implantada nas
Filipinas, já se tornou a maior – localizada no coração da cidade de Rosario, tendo
seu desenvolvimento sido iniciado em 1981 e sua entrada em operação datando de
1987, conta com 276 hectares completamente murados e acesso estritamente
controlado, abrigando, em 1996, 207 estabelecimentos. Dos cerca de 60.000
habitantes da cidade à época, grande parte trabalhava na Zona produzindo, dentre
outros artigos, peças de vestuário de marcas internacionalmente renomadas como
Gap, Old Navy e Nike (KLEIN, 2000) – vale a observação que, muitas vezes, peças
de mais de uma destas marcas são produzidas lado a lado, costuradas pela mesma
equipe de trabalhadores: em nível internacional são concorrentes, porém no chão de
fábrica filipino são parceiros em busca do menor custo de produção possível. É
apontado, segundo o suposto relato de um trabalhador da Zona de Cavite, um clima
de “paz industrial” em suas instalações; entretanto, diversos são os relatos em
sentido contrário, os quais alegam que tal clima é de caráter artificial, gerado pela
supressão de direitos trabalhistas, sobretudo no que diz respeito à livre associação e
sindicalização, mas também envolvendo baixos salários e insegurança de emprego
(REMEDIO, 1996).
Um relato humanístico e revelador da real situação vivida pelos
trabalhadores de Cavite é feito na obra de Naomi Klein (2000), através de visitas
feitas pela autora à Zona de Processamento de Exportação – uma delas em
segredo, burlando as estritas leis de regulamentação do acesso – e entrevistas com
a população local trabalhadora. A primeira observação da canadense é a discrição
em relação às marcas produzidas: seus logos não são vistos livremente pelo
espaço, nem são sinalizados nos estabelecimentos; tal característica reforça a
segregação atualmente exercida pelas corporações entre marca e produto,
endossando a alegação das grandes corporações de não possuírem empregados
nestas localidades – de fato, a marca aparenta estar dissociada da produção de
39. Ibidem.
72
suas mercadorias. A autora descreve assim sua visão ao andar pelas ruas de
Cavite:
Dentro, é óbvio que a fila de fábricas, cada uma com seu próprio portão e
seu próprio segurança, foi cuidadosamente planejada para comprimir o
máximo de produção em sua faixa de terreno. Oficinas sem janelas, de
plástico barato e tapumes de alumínio, apertam-se ao lado de outras, com
menos de meio metro de distância entre elas. Quadros de cartões de ponto
torram ao sol, garantindo que o máximo de horas de trabalho sejam
arrancadas a cada dia. As ruas na zona de exportação são soturnamente
vazias, e as portas abertas – o sistema de ventilação da maioria das
fábricas – revelam filas de jovens mulheres curvadas em silêncio sobre
máquinas barulhentas. (KLEIN, 2000, p. 228)
Num cenário como este, as violações a direitos básicos reconhecidos
internacionalmente, inclusive ratificados pelas Filipinas, são constantes. Relatos que
vão desde a imposição de intervalos diários controlados e descontados para o uso
de banheiros – obrigando funcionários a lançarem mão de sacos plásticos sob suas
máquinas para urinar, conforme relatado por trabalhadores de fábricas que
produzem para Gap, Guess e Old Navy – até regras que os proíbem de falar ou
mesmo sorrir durante o expediente (KLEIN, 2000). Outra grave supressão de direitos
é facilmente identificável a partir da placa localizada na zona central de Cavite, na
qual se lê em letras vermelhas e garrafais: “não dê ouvidos a agitadores e
baderneiros” (idem, p. 237) – o direito à livre associação e organização claramente
não é considerado adequado à produtividade da ZPE, sendo, assim, ignorado e,
sempre que possível, punido.
É neste ambiente opressor que figura a esperança no fim do tortuoso túnel
filipino. Os baderneiros a que se refere a placa são na verdade os integrantes da
então recém-formada organização denominada Centro de Assistência aos
Trabalhadores (Workers’ Assistance Center – WAC), ligada à Igreja Católica da
cidade de Rosario e sediada bem próxima à Zona de Cavite. Com o intuito de
“derrubar o muro de medo que cerca as zonas de livre comércio nas Filipinas”, a
organização
inicialmente
enfrentou
dificuldades
de
aproximação
com
os
trabalhadores pelo receio de retaliações em seus empregos, porém após cerca de
um ano de funcionamento já eram espontâneas as visitas destes à instituição, fosse
para simplesmente jantar e conversar, fosse para participar de seminários
73
organizados por ela (KLEIN, 2000). O motivo da criação do Centro fora dos limites
da Zona de Cavite é explicado por um de seus organizadores:
“Fora da zona de exportação os trabalhadores são livres para organizar um
sindicato, mas dentro dela eles não podem montar piquetes ou
manifestações. [...] Discussões em grupo nas fábricas são proibidas e nós
não podemos entrar na zona de exportação.” (idem, p. 238)
Ainda assim, houve tentativas por parte do Centro em organizar
sindicatos dentro de fábricas de Cavite: entretanto, o maior obstáculo encontrado
não foi o receio dos trabalhadores, mas sim sua exaustão pós-expediente. Na
fábrica All Asia, fornecedora de marcas como Sasoon e Ellen Tracy, as horas
extras compulsórias além do já prolongado expediente padrão das 7h da manhã às
10h da noite implicavam no interesse baixo dos trabalhadores em utilizar seu
tempo para discussões sobre sindicatos – tirar um cochilo sempre lhes parecia
mais atraente; não se encontrava situação diferente, também, na fábrica Philips,
produzindo para Reebok e Nike, em que o não cumprimento de horas extras
solicitadas era passível de punição com demissão. Em fato, tal circunstância
mostrava-se recorrente em grande número de estabelecimentos, dificultando o
trabalho de conscientização realizado pelo Centro (KLEIN, 2000).
Os relatos mais impactantes descritos pela autora canadense, contudo,
dizem respeito à morte de Carmelita Alonzo, uma trabalhadora da fábrica V.T.
Fashion, a qual fornece para marcas como Gap e Liz Clairbone: segundo suas
colegas de trabalho, Carmelita teria morrido “de tanto trabalhar”, logo após uma
temporada de pico particularmente pesada em que os turnos noturnos eram
frequentes. Ao apresentar sintomas de pneumonia, doença comumente encontrada
em fábricas com estrutura de ventilação precária, tendo seu pedido de afastamento
para fins de recuperação negado por parte de sua gerente, logo deu entrada no
hospital em que em seguida viria a falecer, em 08 de março de 1997. Quando
questionados sobre como se sentiam em relação ao ocorrido, seus colegas,
confusos, respondiam: “Como me sinto! Mas Carmelita somos nós.” (idem, p. 241)
Ainda que o trabalho do Centro de Assistência do Trabalhador não tenha
atingido notoriedade internacional, nem seja alvo de campanhas de advocacy de
74
uma grande Organização Não-Governamental global, este se mostra fundamental
para a lenta construção da conscientização dos próprios trabalhadores quanto a
seus direitos. A fiscalização – ainda que às escondidas – dos estabelecimentos
produtores da Zona de Cavite e as tímidas tentativas de sindicalização, além do
próprio trabalho de educação e discussão exercido fora de seus limites devido ao
sistema opressor de sua administração, são o trabalho basilar necessário para uma
mudança de conduta. A Zona de Cavite chega a ser citada em relatórios da Global
Exchange e da Clean Clothes Campaign, porém certamente a maior divulgação em
nível internacional de sua realidade se dá pela obra de Klein (2000): o livro acaba
se tornando por si mesmo uma campanha de advocacy, sendo improvável a
indiferença do leitor frente a relatos tão fortes – nos quais os trabalhadores têm
nome, idade e, principalmente, os violadores têm marca.
5.4 A IMPORTÂNCIA DOS CASOS
Inúmeros são os casos de violações constatadas e denunciadas por
Organizações Não-Governamentais – infelizmente, a desigualdade de legislações
entre os países, conforme apresentado no Capítulo 2 deste trabalho, combinadas
às dificuldades de fiscalização adequada e suficiente aos estabelecimentos
produtores (variando de acordo com a estrutura dos países em que estão
inseridas), ainda possibilita a exploração de tais situações por parte das
corporações transnacionais.
Desta maneira, a publicidade de casos como os acima expostos reforçam
a premissa de utilização da opinião pública como ferramenta de pressão em favor
da adequação de corporações e subcontratadas. A conscientização promovida por
campanhas e publicações de relatos auxilia na aproximação entre a sociedade
internacional como um todo e aqueles que necessitam de seu apoio: no caso deste
trabalho, os milhões de trabalhadores em países em desenvolvimento. Assim,
torna-se possível a adesão de mais ativistas à causa – seja por meio de
envolvimento direto em tais campanhas, seja por mudanças nos seus hábitos e
decisões de consumo.
75
Por fim, os exemplos citados neste Capítulo mostram-se representativos
de um todo. Inicialmente, ao abordar o pioneirismo da Levi’s em relação à adoção
voluntária de códigos de conduta, explicitamos a tentativa de diversas corporações
de antecipação às atuações de ONGs e outros órgãos, procurando evitar a
exposição negativa de suas marcas por meio da autoimposição de regras – ainda
que nem sempre cumpridas. Em seguida, a emblemática reação internacional às
violações atribuídas à Nike demonstra a relevância atribuída pelas ONGs à
responsabilidade social de grandes corporações – por seu grande destaque, se
tornam suscetíveis a campanhas-modelo: ao ser uma grande corporação atingida,
outras adotam medidas de precaução para não serem possíveis próximos alvos.
Finalmente, o caso de Cavite demonstra o aprofundamento da precarização das
condições trabalhistas nas Zonas de Processamento de Exportação não só nas
Filipinas, mas no mundo como um todo: sujeitas a autoridades especialmente
instituídas para seu controle e fiscalização, torna-se a violação de direitos
possivelmente facilitada e de mais difícil identificação e combate.
76
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo visou à melhor compreensão do tema das condições
laborais em âmbito internacional, almejando identificar o papel das Organizações
Não-Governamentais no processo de luta por melhores condições de trabalho. Para
tanto, uma diversificada gama de informações foi apresentada, procurando
demonstrar a influência do processo de reconfiguração global da produção na atual
situação das condições sociais dos países em desenvolvimento, cujas legislações
laborais foram brevemente expostas.
O Capítulo 2, cumprindo com o objetivo específico de discutir tal questão,
dedicou-se especificamente a este intuito, analisando como se deu tal processo de
transferência de setores produtivos de grandes corporações transnacionais a países
em desenvolvimento, enfocando-se a configuração do setor têxtil-vestuarista e sua
produção deslocada ao sudeste asiático e destacando-se a especificidade do setor
no tocante à sua caracterização de intensidade em mão de obra, crucial para a
compreensão das vantagens competitivas buscadas nos países produtores. Em
complementação, foram exemplificadas legislações nacionais concernentes aos
direitos trabalhistas, procurando-se analisar criticamente seus pontos mais
relevantes e ressaltando aquelas fragilidades passíveis de caracterização como
violações aos direitos internacionalmente reconhecidos.
Para que se tenha fundamentação acerca das regulamentações
internacionais existentes, sua criação e seu funcionamento dedica-se o capítulo
subsequente
à
apresentação
das
Organizações
Internacionais
direta
ou
indiretamente envolvidas nas discussões relacionadas às condições sociais. Ainda
que seja a Organização Internacional do Trabalho a principal instituição responsável
pela regulamentação das questões trabalhistas, sendo o fórum oficial e
internacionalmente eleito para tais discussões, não se pode desconsiderar a
influência indireta da Organização Mundial do Comércio no debate: diversas foram
as tentativas de implementação de normatização de condições trabalhistas, as
quais, neste âmbito especificamente, visavam não a melhora das condições sociais
da população, senão a diminuição das disparidades nos custos de mão de obra
resultantes da supressão de direitos em países menos desenvolvidos – atualmente,
77
a controvérsia se dá ao redor do chamado dumping social, considerado prática
desleal de comércio, o que por sua vez é apontado por países em desenvolvimento
como medida protecionista dos países desenvolvidos. Por fim, cumprindo o segundo
objetivo específico elencado para este trabalho, são analisadas as principais
Convenções Internacionais do Trabalho, as quais conferem linhas gerais à
regulamentação trabalhista em âmbito global; contudo, a facultatividade da adoção
de cada uma das Convenções Internacionais do Trabalho, ainda que auxilie à
aderência de novos membros à instituição, acaba por perpetuar as desigualdades
encontradas nas diversas legislações nacionais, sendo uma das dificuldades
encontradas durante a análise da atuação da OIT.
O segundo entrave diagnosticado no que tange ao trabalho da OIT é a
falta de capacidade de coerção da instituição, tornando as já voluntárias adesões às
regulamentações estabelecidas ainda mais frágeis. É neste sentido que se
fundamenta a importância das Organizações Não-Governamentais no trabalho de
combate à precarização das condições trabalhistas: sua atuação vem no sentido de
complementar o trabalho das Organizações Internacionais, servindo ainda como
espaço de expressão da sociedade civil ativista. A origem das ONGs como atores
das relações internacionais remete à associação de grupos em prol de uma causa
em comum, transformando-se ao longo das décadas e representando hoje
contraposição à ineficiência estatal em pontos específicos das necessidades sociais,
preenchendo lacunas deixadas e aproveitando-se, em muitos casos, da relativização
das fronteiras nacionais para criar um movimento global de ativismo em defesa das
nações, povos e grupos menos favorecidos. A abordagem destes pontos por meio
do Capítulo 4 preenche o cumprimento do terceiro objetivo específico deste estudo.
São expostas quatro importantes ONGs atuantes no cenário internacional
global dos movimentos sociais, sendo as duas primeiras ONGs propriamente ditas, e
as duas últimas constituindo-se em redes de organizações: Global Exchange, Global
Labour and Human Rights, Social Watch e Clean Clothes Campaign. Todas,
entretanto, possuem a característica comum de busca por um mundo com menos
desigualdades e priorização do desenvolvimento socioeconômico em relação ao
puramente econômico. Uma crítica, entretanto, pode ser feita em relação à
amplitude de seus objetivos e reivindicações: ao buscarem uma gama muito vasta
de melhorias e estabelecendo diversas causas paralelas, sua atuação pode se
78
tornar um pouco difusa à luz da sociedade internacional em geral. Quanto menos
específico mostra-se o foco de uma Organização Não-Governamental, de maior
complexidade é a identificação de sua importância e suas conquistas, podendo,
inclusive, representar maior dificuldade no alcance de suas metas.
O ponto fundamental, contudo, para a compreensão do potencial das
Organizações
Não-Governamentais
como
complementação
ao
trabalho
de
regulamentação exercido pelas Organizações Internacionais, consiste na utilização
da opinião pública como ferramenta essencial para a busca pela alteração nas
práticas de corporações transnacionais consideradas socialmente injustas e
indesejadas; o sucesso desta estratégia está na premissa de que o consumidor é a
chave para a lucratividade de uma corporação, devendo, portanto, ser considerado
forte fator de influência em relação a suas ações. Assim, ao construírem campanhas
principalmente baseadas no advocacy voltadas à divulgação de evidências de
violações e precarização de condições por parte de grandes empresas
transnacionais – seja diretamente ou em seus estabelecimentos fornecedores nos
países em desenvolvimento –, as instituições logram gerar uma imagem negativa de
suas
marcas,
gerando
antipatia
de
parte
da
massa
consumidora
e,
consequentemente, representando um risco às relações públicas da corporação.
Deste modo, a opinião pública internacional pode ser considerada como pressão
coercitiva à adoção de práticas mais adequadas e socialmente mais aceitas,
compatíveis com os direitos trabalhistas internacionalmente consagrados.
Para ilustrar a argumentação central deste trabalho, bem como satisfazer
o último objetivo específico elencado, são relatados alguns casos concretos em que
Organizações Não-Governamentais estiveram envolvidas na denúncia e combate a
violações de corporações transnacionais, sendo os exemplos considerados
representativos das inúmeras campanhas existentes neste sentido. Primeiramente, a
adoção pioneira de um código de conduta corporativo por parte da Levi’s,
rapidamente adotado também por outras grandes corporações, pode ser
considerada
uma
ação
de
antecipação
à
fiscalização
das
Organizações
Internacionais e Não-Governamentais; mais que isso, tais códigos têm como função
fundamental fortalecer a imagem da empresa em relação aos direitos trabalhistas
por elas respeitadas, procurando o resguardo das relações públicas corporativas no
caso de posteriores campanhas contra a corporação neste sentido. Em seguida, é
79
apresentado o mais conhecido caso de combate aos sweatshops: a Nike, gigante da
indústria esportiva e do vestuário, consiste em um dos maiores destaques de
campanhas anti-corporação em nível internacional, sendo um verdadeiro marco para
o estudo do tema. Por fim, Cavite apresenta-se como representação de todas as
Zonas de Processamento de Exportação espalhadas pelo globo, em que a
autoridade competente volta-se à atratividade do local aos olhos dos investidores
transnacionais e a fiscalização é restrita em decorrência dos fortes controles de
entrada impostos; ademais, explicita a importância das pequenas organizações
localmente estabelecidas no trabalho de base de conscientização dos próprios
trabalhadores quanto a seus direitos suprimidos.
Assim, conclui-se que as Organizações Não-Governamentais, ainda que
geralmente de pouco foco e grande amplitude de reivindicações, consistem em
peças fundamentais no cenário da configuração internacional dos direitos sociais e
trabalhistas, atuando como representação de setores da sociedade civil nas relações
internacionais. Estes atores, ao trabalharem a opinião pública no sentido de
influenciar a conduta de corporações transnacionais visando à diminuição dos
impactos negativos da atuação destas na economia internacional – no caso
específico deste estudo, na economia têxtil-vestuarista global –, contribuem para a
lenta e gradual alteração da configuração socioeconômica global: ainda que haja um
longo caminho à frente, os pequenos passos rumo à menor desigualdade entre os
países já podem ser percebidos.
A importância do estudo assunto deste trabalho se dá no sentido de uma
compreensão mais ampla e profunda das diversas dimensões das relações
internacionais: ainda que a reconfiguração da produção se caracterize como um
assunto pertinente à economia política internacional, não somente econômicas são
suas consequências – ainda que as consequências econômicas geralmente
representem o primeiro (senão único) foco de estudos da área. Neste cenário, faz-se
essencial a análise crítica da influência dos mais diversos atores – sejam as
corporações transnacionais, os governos de países em desenvolvimento, as
Organizações Internacionais ou as Organizações Não-Governamentais – e do
próprio sistema de acumulação vigente, a fim de que não se procure promover
apenas o desenvolvimento econômico aos países em desenvolvimento, mas sim o
desenvolvimento socioeconômico.
80
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84
ANEXOS
Anexo 1: Legislação trabalhista da China
O documento utilizado como referência para esta seção do presente
trabalho vigora desde 1º de Janeiro de 1995, sendo assinado pelo Ministério do
Comércio chinês40, estando sua análise detalhada no Anexo 1 do presente trabalho.
De um modo geral, a legislação trabalhista chinesa estabelece o direito dos
trabalhadores de serem empregados com igualdade, escolherem suas ocupações,
serem remunerados por seu trabalho, gozar de descanso, feriados e férias, receber
proteção de segurança e saneamento, receberem treinamento em suas habilidades
profissionais, gozar de seguridade social, bem como submeter petições de acordo
em disputas laborais (Artigo 3º).
Os empregadores devem estabelecer e aperfeiçoar suas normas e
regulamentos de acordo com o previsto em lei, garantindo o gozo dos direitos
laborais por parte dos trabalhadores (Artigo 4º). Contratos de trabalho estabelecidos
em divergência ao previsto em leis e decretos ou sob ameaça ou outros meios que
visem a ludibriar o empregado não terão validade (Artigo 18º). Mais especificamente,
os contratos laborais deverão ser firmados por escrito e conter, ao menos, cláusulas
quanto a sua vigência, funções a serem executadas, condições e proteções do
trabalho, remuneração, disciplina exigida, condições para seu encerramento e
consequências à violação de seus termos (Artigo 19º).
Os trabalhadores devem poder se organizar e participar de sindicatos e
associações, os quais devem salvaguardar e representar os interesses de tais
trabalhadores, bem como conduzir independentemente suas atividades, sempre em
consonância com a lei (Artigo 7º). Em decorrência disto, temas contratuais poderão
ser acordados mutuamente entre a empresa empregadora e sua associação de
trabalhadores coletivamente, conforme previsto no Artigo 33º do documento.
Ademais, sindicatos e
organizações terão
o direito
de supervisionar os
40. Labour Law of the People's Republic of China (Ministério do Comércio, 1995). Disponível em:
<http://www.china.org.cn/living_in_china/abc/2009-07/15/content_18140508.htm>. Acesso em: ago.
2013.
85
empregadores quanto à observância das leis trabalhistas, podendo denunciá-las
coletiva ou individualmente (Artigo 88º)
Concernente aos direitos individuais, não deverá haver discriminação a
nenhum trabalhador quanto a gênero, nacionalidade, raça ou crença religiosa (Artigo
12º). No emprego, homens e mulheres devem ser tratados com igualdade, não
podendo haver preterição da mulher em relação ao homem no momento da
contratação a menos que as funções a serem executadas não sejam adequados a
mulheres; por fim, não deverá haver aumento nos requisitos para as mulheres nos
processos de seleção, conforme previsto no Artigo 13º.
A jornada de trabalho, em condições normais, não deverá exceder a
média de 8 horas diárias ou 44 horas semanais (Artigo 36º); ademais, o trabalhador
deverá ter direito a no mínimo um dia livre por semana, previsto no Artigo 38º.
Finalmente, após completarem um ano ininterrupto de trabalho, os funcionários
passarão a ter direito a férias anuais remuneradas (Artigo 45º).
Até o presente ponto da análise da legislação chinesa, diversos direitos
estipulados por normas internacionais – conforme apresentação no capítulo seguinte
deste trabalho – vêm sendo previstos. Contudo, o subsequente Artigo 39º abre uma
certa lacuna passível de interpretação duvidosa e burla à legislação anteriormente
prevista: afirma que, nos casos em que a empresa não possa cumprir as
disposições referentes à jornada de trabalho explicitadas no parágrafo anterior, pela
natureza de seu negócio e ritmo de produção exigido, esta poderá reger-se por suas
próprias normas aprovadas por departamentos administrativos do trabalho. Ora, a
legislação não prevê, contudo, quais atividades poderiam ser consideradas
justificadamente exceções: assim, abre-se caminho para a busca do crescimento
empresarial – e, consequentemente, da economia do país – às custas da
precarização das condições trabalhistas, podendo ser, portanto, considerada uma
possível falha legislativa.
O Artigo 41º ambiguamente expande a possibilidade de prolongamento da
jornada trabalhista, porém procura regulamentá-lo. Empresas que necessitem
acelerar sua produção pontualmente, sobretudo por conta de alta demanda e curtos
86
prazos, poderá fazê-lo; contudo, a jornada de trabalho excedente de cada
funcionário não deverá exceder uma hora diária, tampouco 36 horas mensais. Além
disso, condições psicologicamente saudáveis ao trabalhador deverão ser garantidas
por parte dos empregadores como condição para tanto.
No que tange à remuneração, a lei prevê que esta se dê pautada no
princípio da distribuição de acordo com remuneração igual a trabalhos iguais,
devendo seu nível elevar-se gradativamente embasado no desenvolvimento
econômico do país (Artigo 47º). O Estado deverá estabelecer um sistema de
garantia de salários mínimos, não somente em nível nacional, como também
regional e local; o empregador, assim, não deverá remunerar seus funcionários
abaixo do nível local estipulado (Artigo 48º). Em caso de remuneração por
produtividade (por peça, por exemplo), deverão ser fixadas cotas proporcionais ao
que se remuneraria por carga horária (Artigo 37º).
Quanto à segurança, deve-se ser estabelecido e aperfeiçoado um sistema
para sua proteção – inclusive sanitária –, instruindo-se os funcionários quanto às
normas, prevenindo acidentes de trabalho e reduzindo injúrias laborais, conforme
previsão do Artigo 52º. As condições providas deverão estar de acordo com o
estipulado pelo Estado, devendo serem realizados exames periódicos de saúde em
trabalhadores suscetíveis a injúrias laborais (Artigo 54º). Por fim, o Artigo 56º
estabelece que os trabalhadores devem seguir estritamente as normas de
segurança no exercício de suas funções, possuindo o direito de recusarem-se a
cumprir ordens no caso de estas implicarem que trabalhem em violação às
regulamentações, bem como de criticar e denunciar quaisquer atos que coloquem
em risco sua vida, segurança e saúde física.
Mulheres e jovens deverão gozar de proteção especial, referindo-se o
termo “jovens” a indivíduos entre 16 e 18 anos. É proibida a contratação de
mulheres para trabalharem em minas ou outras atividades subterrâneas, sob baixas
temperaturas ou quaisquer outras funções com intensidade física de trabalho muito
elevada. No período de gravidez, não deverão executar trabalhos de média
intensidade física, e a partir do sétimo mês de gestação, passando pelo período de
87
lactação até que a criança complete um ano de idade, não poderão trabalhar horas
extras ou em turnos noturnos. Por fim, a licença maternidade não deverá ser inferior
a 90 dias. Todas estas disposições encontram-se elencadas entre os Artigos 58º a
64º do documento consultado.
Departamentos administrativos do trabalho subordinados ao governo
deverão supervisionar e inspecionar a aplicação das normas trabalhistas pelos
empregadores, detendo o poder de suspender qualquer comportamento que vá
contra ao determinado (Artigo 85º) e podendo, no exercício de suas obrigações,
consultar toda e qualquer informação do empregador considerada necessária,
conduzindo investigações e inspecionando os locais de trabalho (Artigo 86º).
No caso de constatação da violação e desrespeito aos direitos laborais
assegurados por lei, o empregador poderá desde receber uma notificação para
ajuste de conduta, passando pela aplicação de multa, até em casos mais sérios
encaminhamento do caso à justiça chinesa. No tangente especificamente à
remuneração, a empresa estará sujeita à condenação e ao pagamento de
compensação econômica ao trabalhador em questão, no caso de atraso ou redução
injustificados de salário, não pagamento de horas extras, remuneração abaixo do
salário mínimo localmente estabelecido ou falha na recompensa econômica aos
trabalhadores ao término do contrato. São referentes a tais temas os Artigos 91º a
96º do documento.
Concluindo a análise da legislação trabalhista chinesa, pode-se
considerar que, ainda que aborde e afirme garantir diversos direitos previstos pelas
Convenções da Organização Internacional do Trabalho – expostas no próximo
capítulo deste trabalho –, esta se mostra por vezes vaga e inconclusiva, abrindo
espaço para violações leves que possam encontrar respaldo nas exceções previstas
ao cumprimento de alguns dispositivos. Portanto, o sistema de legislação laboral
chinês, por mais amplo que pareça ser, é suscetível a falhas e acobertamento de
violações – o que de fato se observa através de diversos estudos e notícias sobre o
assunto.
88
Anexo 2: Legislação trabalhista do Paquistão
Diversas disposições relativas aos direitos trabalhistas encontram-se
dispostas na própria Constituição do Paquistão, em sua Parte II – Direitos e
Princípios Fundamentais de Política41. No país, as leis trabalhistas são elaboradas
na esfera federal, podendo ser reguladas pelas províncias por meio de normas
posteriores próprias.
Todos os contratos empregatícios devem ser estabelecidos de forma
escrita, no ato da contratação, contendo ao menos os termos e condições de
emprego, natureza e estabilidade do compromisso, remuneração e outros benefícios
admissionais. Não deverá haver discriminação no estabelecimento de direitos e
deveres contratuais relacionados a gênero, casta, credo ou raça.
No que tange à carga horária, trabalhadores com idade superior a 18
anos não poderão ser submetidos a jornadas que excedam 9 horas diárias ou 48
horas semanais; para os jovens, o máximo permitido por lei é de 7 horas e 42 horas,
respectivamente. Tal regulamentação é válida para empreendimentos com dez ou
mais funcionários. A legislação é diferenciada, entretanto, para negócios sujeitos à
sazonalidade: a carga horária laboral máxima nestes casos é estendida para 10
horas diárias ou 50 semanais para adulto; caso a produção necessite ser contínua,
não deverá exceder as 56 horas em qualquer semana. Em todos os casos, os
trabalhadores não podem estar sujeitos a turnos ininterruptos superiores a 6 horas,
devendo dispor ao menos de uma hora de intervalo. Quando se refere à produção
fabril, os horários de turno de cada cargo devem estar afixados em local visível no
idioma principal do estabelecimento. As faixas salariais são estabelecidas a nível
nacional de acordo com o ramo da atividade, e os pagamentos aos trabalhadores
deverão ser realizados com frequência máxima mensal; nada é dito quanto à
responsabilidade solidária no caso de subcontratação.
As férias remuneradas são previstas na legislação paquistanesa, tendo o
trabalhador, após um ano ininterrupto de emprego, direito a gozar de catorze dias
41. O documento utilizado para referência (LABOUR UNITY, [s.d.]) encontra-se disponível em:
<http://www.labourunity.org/labourlaws.htm>. Acesso em: ago. 2013.
89
consecutivos; caso não sejam exercidos no ano subsequente, deverão ficar como
saldo a ser agregado ao próximo período de direito. No caso de afastamento por
motivos médicos, estes não deverão ter excedido o total de 90 dias nos doze meses
em questão para que se considere o ano ininterrupto de trabalho; já quando há
afastamento voluntário das funções (pedido de demissão), este deve ter sido inferior
a 30 dias durante todo o período. Além das férias regulares, os trabalhadores podem
dispor de até dez dias de dispensa casual integralmente remunerados – por motivos
pessoais, por exemplo, preferencialmente notificado com antecedência – e
dezesseis dias de dispensa médica comprovada por atestado, com metade da
remuneração
habitual.
Feriados
deverão
ser
concedidos
como
folga
ou
compensados com concessão de folga posterior.
Em relação à maternidade, é garantido às mulheres o direito, a partir de
quatro meses completos de emprego, a seis semanas de afastamento pré e pósnatal remuneradas de acordo com seu último nível salarial. Além disso, é vetado o
desligamento injustificado de mulheres em licença maternidade.
A legislação paquistanesa proíbe expressamente o emprego de jovens
com idade inferior aos 14 anos. Entre os 14 e os 18 anos, é permitido o emprego
com a condição de atestado por parte de atestado médico que comprove sua
aptidão para o exercício das funções pretendidas; seu horário de trabalho,
entretanto, não deve ter início anterior às 6h tampouco término após as 19h em
hipótese alguma. Ademais, é vetada a dupla jornada de tal faixa etária, ainda que
em estabelecimentos distintos. Por fim, as normas sanitárias e de segurança
deverão ser mais estritas: além da manutenção de limpeza, ventilação e iluminação
adequados, deverá ser fornecida gratuitamente água potável para os jovens e estes
não deverão operar maquinários ou objetos considerados perigosos e inadequados
à sua faixa etária. As informações correspondentes aos turnos e setores em que tais
jovens atuem em um estabelecimento devem estar claramente afixadas para
consulta, sendo violações tangentes às estipulações apresentadas passíveis de
prisão e multa.
Por fim, no que tange à representação, os trabalhadores terão direito a
40% da composição do Conselho Associado de Trabalhadores, órgão obrigatório a
estabelecimentos com quadro de funcionários superior a cinquenta. Além de
90
trabalhar com questões de produtividade e eficiência, tal Conselho assume as
responsabilidades referentes à mediação de conflitos de interesses, promoção de
segurança e condições sanitárias aos trabalhadores, entre outras questões de
interesse coletivo. Todavia, permanece garantido o direito de livre associação –
tanto para trabalhadores, quanto para empregadores, e as negociações e barganhas
coletivas se darão impreterivelmente reguladas por órgãos governamentais, através
de Agentes de Barganhas Coletivas estabelecidos pela Ordenação de Relações
Industriais.
A característica mais marcante da legislação laboral paquistanesa pode
ser considerada a ampla possibilidade de jovens a partir de 14 anos nas atividades
industriais: ainda que diversos pontos sejam diversificados em relação às
disposições para trabalhadores maiores de idade, sua completa observância é, no
mínimo, duvidosa. Ademais, observa-se a ausência de comentários a respeito de um
sistema de fiscalização – há apenas especificações quanto às instâncias arbitrárias
em caso de litígios. Desta maneira, a combinação de ambos os apontamentos
constitui-se em clara falha quanto ao combate ao trabalho infantil, um dos preceitos
da Organização Internacional do Trabalho.
Anexo 3: Legislação trabalhista das Filipinas
A legislação filipina consiste na mais complexa das neste trabalho
relatadas, contando com diversos livros que compõe seu código laboral. Serão
apresentados os pontos mais relevantes de seu código, a fim de que se possa
estabelecer uma comparação com os demais, apresentados no Livro III – Condições
de Emprego42.
A primeira observação a ser feita a partir da análise do documento é que
a maioria dos termos legais referentes a carga horária e folgas não se aplicam a
trabalhadores remunerados por resultado – peças costuradas, como um exemplo
aplicável à indústria vestuarista (Artigo 82º). Aos demais, remunerados por período
42. Labor Codes of the Phillipines, Book III - Conditions of Employment (DEPARTMENT OF LABOR
AND EMPLOYMENT, 2009). Disponível em: <http://www.dole.gov.ph/labor_codes/view/4>. Acesso
em: ago. 2013.
91
trabalhado, a carga horária não deverá exceder as oito horas diárias, conforme o
Artigo 83º. Pequenos descansos devem ser computados como horas trabalhadas
(Artigo 84º), enquanto pausas para refeições deverão respeitar o tempo mínimo de
60 minutos e não serão computados na carga horária trabalhada (Artigo 85º).
Para trabalhos realizados no período noturno, deve-se conceder adicional
por hora trabalhada de no mínimo 10% da remuneração habitual (Artigo 86º); em
casos de horas extras, tal acréscimo deverá ser de 25% em dias úteis e horário
habitual, ou 30% quando excederem as 8h em feriados e folgas (Artigo 87º). Por fim,
a compensação de horas por folgas autorizadas em outras datas não isentam o
empregador do pagamento do adicional supracitado, conforme descrito no Artigo
88º. Feriados gozados deverão ser remunerados regularmente (Artigo 94º).
No que tange às folgas semanais, devem ser concedidas ao menos 24h
de descanso ao trabalhador a cada seis dias consecutivos de trabalho, previsto no
Artigo 91º. O empregador pode solicitar aos funcionários que trabalhem em dias de
folga, entre outros, no caso de evento extraordinário de pressão sobre o trabalho
devido a circunstâncias especiais (Artigo 92º), como, por exemplo, grande demanda
às vésperas de datas comemorativas. Por fim, recessos remunerados de até cinco
dias serão concedidos aos funcionários anualmente, conforme Artigo 95º do
documento.
O próximo ponto a ser observado encontra-se nas disposições gerais do
Título II – Salários: as resoluções referentes à remuneração constantes em lei não
se aplicam, entre outros casos, a trabalhadores que façam domesticamente serviço
de costura (Artigo 98º). Tal ponto pode ser interpretado como margem ao incentivo
de contratação informal e menos onerosa de costureiros e costureiras individuais,
privando-os de diversos benefícios sociais decorrentes do emprego formal, desta
forma podendo ser considerada uma forma indireta de precarização de suas
condições laborais.
A legislação filipina, ainda, não prevê salário mínimo nacional, mas sim
salários mínimos localmente estabelecidos a serem observados (Artigo 99º), os
quais devem ser determinados de acordo com especificidades como o custo de vida
da localidade, a necessidade dos trabalhadores e índices de preços, conforme Artigo
124º. Determina, em seguida, que tal documento não deve servir como base para
92
redução ou eliminação de benefícios já concedidos, conforme Artigo 100º. Além
disso, dispõe que trabalhadores remunerados por resultado ou outros indicadores
que não a carga horária devem receber quantia justa e razoável (Artigo 101º).
O salário deverá ser repassado ao trabalhador quinzenalmente, devendo
ser pago diretamente a ele o mais próximo possível de seu local de realização e em
espécie, salvo impedimentos por conta de força maior quanto a seu cumprimento ou
solicitação do próprio funcionário quanto a pagamento de outras formas, no último
caso, conforme previsto entre os Artigos 102º a 104º. A legislação é, ainda, em seus
Artigos 106º e 107º, clara quanto à subcontratação ou emprego indireto de mão de
obra: os contratantes (em primeira e segunda instância) são solidariamente
responsáveis pelo cumprimento dos dispositivos legais quando há influência direta
do empregador sobre o subcontratado quanto a capital, maquinário e diretrizes de
trabalho. Tal determinação é fundamental na análise da corresponsabilidade das
grandes corporações da indústria vestuarista quanto à exploração trabalhista em
suas subcontratadas, não sendo válida – sobretudo no caso filipino – a afirmação
dos grandes empresários das marcas de que não possuem empregados diretos no
sudeste asiático e, portanto, não podem ser acusados de descumprimento legal
quanto às leis laborais.
Entrando nas especificidades de grupos especiais de funcionários
encontra-se o Título III, dedicando seu primeiro capítulo aos direitos das mulheres.
Primeiramente, fica proibida a discriminação baseada somente em relação ao sexo,
tais como remuneração ou benefícios inferiores em comparação a homens
executando trabalho de igual valor, bem como favorecer homens em detrimento a
mulheres baseando-se exclusivamente nesta questão para fins de promoção e
oportunidades de treinamento; atos discriminatórios serão passíveis de ação criminal
nos termos da lei. Tal direito fundamental encontra-se previsto no Artigo 135º do
documento consultado.
Conforme estipulado no Artigo 130º, independentemente da idade,
mulheres não deverão ser submetidas a trabalhos industriais ou comerciais entre as
22h e as 6h do dia posterior; entretanto, é concedida no Artigo subsequente (131º)
exceção nos casos em que a destreza exigida não seja igualmente eficientemente
executado por homens – abrindo espaço, novamente, para que a legislação seja
93
burlada na indústria vestuarista, sobretudo no ramo de roupas finas e tecidos
delicados. Também fica vetada a discriminação por conta de casamento ou
estipulações que inibam o casamento de funcionárias, tal qual relatado no Artigo
136º.
No que tange às questões relacionadas à maternidade, o Artigo 133º
prevê a concessão à funcionária grávida de duas semanas pré-natais e quatro
semanas pós-natais (ou pós-aborto, caso ocorra) com remuneração integral, desde
que tenha executado suas atividades por ao menos seis meses no último ano. A
licença maternidade poderá ser estendida, ainda que sem remuneração, no caso de
doenças ou complicações identificadas após o período regular. Por fim, os direitos
neste Artigo referidos se aplicam somente às quatro primeiras gestações de uma
mesma funcionária.
O capítulo subsequente dedica-se à questão do emprego de menores,
através dos Artigos 139º e 140º. Fica vetado o emprego de funcionários com idade
inferior a 15 anos, exceto quando supervisionados diretamente por seus pais e
contanto que o trabalho não influencie sua vida escolar; para jovens entre 15 e 18
anos, a carga horária deverá ser reduzida em relação à dos empregados maiores de
18 anos, sendo o limite estipulado em documentos secundários da Secretaria do
Trabalho e Emprego. Por fim, ninguém deverá ser discriminado quanto a termos e
condições de emprego em decorrência do fator etário.
A Secretaria de Trabalho e Emprego ou seus designados deverão ter
acesso irrestrito a informações e registros de funcionários enquanto o trabalho for
desempenhado, bem como serão autorizados a interrogar os empregadores sobre
quaisquer fatos ou condições consideradas necessárias para apurar indícios de
violações e verificar o cumprimento deste código. Ademais, poderão ser emitidas
ordens de execução para o cumprimento das disposições legais, podendo chegar à
solicitação de suspensão das operações em caso de descumprimento. Quaisquer
tentativas de obstrução ou impedimento ao trabalho de fiscalização serão
consideradas ilegais, e nenhuma instância inferior poderá emitir parecer em
contrário à Secretaria de Trabalho e Emprego. Tais regulamentações estão
dispostas no Artigo 128º, sob o título “Poder de Vistoria e Execução”.
94
Como conclusão relativa ao exame das leis trabalhistas das Filipinas
concernentes às condições de emprego, podemos verificar a complexidade de sua
aplicação. As tantas diversificações e especificidades para cada cláusula torna sua
cobertura abrangente, porém mais difícil de ser verificada na prática: a fiscalização
por sua vez, deverá se ater a diversos detalhes e, por conta de exceções previstas,
pode deixar de considerar determinadas violações – sobretudo em relação à carga
horária e remuneração de trabalhadores recompensados pelo resultado de suas
atividades. Para que a legislação trabalhista deste país seja eficiente, deve
contarcom um vasto aparato inspecionador e grande capacitação de seus
responsáveis, do contrário poderá ver algumas de suas disposições relegadas ao
desrespeito cotidiano em suas indústrias.
Anexo 4: Legislação trabalhista de Bangladesh
O acesso às informações referentes à legislação trabalhista de
Bangladesh é fortemente dificultada pela ausência de traduções ao inglês, estando a
maioria delas publicadas somente no idioma bengalês. Assim, as únicas referências
quanto a direitos laborais passível de análise no presente trabalho são as instruções
a investidores estrangeiros quanto a questões trabalhistas nas Zonas de
Processamento
de
Exportação,
geridas
pela
Autoridade
das
Zonas
de
Processamento de Exportação de Bangladesh (BEPZA).
O primeiro documento instrutivo43 traz apenas questões de média
relevância, abordando superficialmente exigências feitas aos investidores e suas
subcontratadas. Por exemplo, o contrato do trabalhador deve ser copiado e entregue
à administração da respectiva Zona de Processamento de Exportação (#3), e todas
as demissões deverão ter a anuência do órgão (#4). Da mesma forma,
reivindicações quanto à remuneração e aos benefícios oferecidos deverão ser
comunicados no dia seguinte a seu recebimento (#5) – em suma, a administração da
Zona deve possuir todas as informações relevantes relacionadas a seus funcionários
(#7), e é considerada responsável pela aplicação das regulamentações trabalhistas
43. Guidelines for the enterprises of CEPZ pertaining labour matters (BEPZA, 1989). Disponível em:
<http://www.epzbangladesh.org.bd/UserFiles/File/Instruction_1_2.pdf>. Acesso em: ago. 2013.
95
nos estabelecimentos nela instalados (#8). No que tange à fiscalização no chão de
fábrica, as corporações deverão designar um de seus escritórios para tal função
(#6).
Segundo o documento instrutivo número 1 44, as corporações e os
estabelecimentos podem adotar seus próprios regulamentos e normas, entretanto
não devendo estes ser menos favoráveis do que o estabelecido pela BEPZA (Artigo
1º). O contrato contendo as obrigações e direitos de empregado e empregador é
obrigatório, devendo ser encaminhado à administração da ZPE conforme acima
descrito; entretanto, no caso de trabalhadores casuais, o documento é dispensável
(Artigo 5º). As informações referentes ao quadro de funcionários deverão ser
registradas em um livro, contendo, inclusive, menções à conduta observada (Artigo
6º).
Folgas (Artigo 7º) deverão ser consideradas um privilégio, e não um
direito; para obter tal benefício, o trabalhador deverá ter completado ao menos um
ano ininterrupto de serviço, e em casos de motivação médica, deverá fornecer
atestado comprovando tal situação. Entretanto, o gerente do estabelecimento
poderá negá-lo ou revogá-lo (quando previamente concedido) caso as operações
assim o tornem necessário. Ausências casuais podem ser concedidas por até dez
dias remunerados no período de um ano, e ausências por motivo de doença, até
quatorze dias com meia remuneração – não sendo nenhuma destas cumulativas
para anos subsequentes (Artigo 8º). Quando requeridos para trabalho em dias
festivos ou feriados, os trabalhadores deverão ter direito a compensação da folga
em outro dia (Artigo 9º). Férias propriamente ditas serão concedidas contando um
dia de direito a cada vinte e dois trabalhados nos últimos doze meses, podendo ser
acumulados em anos subsequentes e retirados em dinheiro, caso seu não gozo se
dê por opção da empresa (Artigo 11º). Por fim, feriados e dias festivos poderão ser
remunerados até o limite de dez dias anuais, devendo ser previamente
estabelecidos e fixados com o consentimento dos trabalhadores (Artigo 12º).
Os salários mínimos aplicáveis a cada estabelecimento serão definidos e
comunicados pela BEPZA periodicamente (Artigo 37º). A remuneração deverá ser
concedida até o sétimo dia do mês para pagamentos mensais, ou primeiro dia da
44.
Instruction
No
1
of
1989
(BEPZA,
1989).
Disponível
<http://www.epzbangladesh.org.bd/UserFiles/File/Instruction_1_2.pdf>. Acesso em: ago. 2013;
em:
96
semana subsequente, para pagamentos anuais (Artigo 36º). Trabalhadores com ao
menos seis meses de atividades terão direito a dois salários-base anuais como
bônus, os quais deverão ser pagos preferencialmente nos principais festivais de
suas respectivas religiões (Artigo 38º). Segundo a última refixação salarial mínima
estabelecida pela BEPZA, datada de 2010, a remuneração mínima a ser concedida
a um operador – considerado cargo intermediário na hierarquia operacional
estabelecida pela Autoridade – é de US$ 61 mensais, conforme Figura 5.
Figura 5 – Salários mínimos aos trabalhadores de estabelecimentos nas Zonas de
Processamento de Exportação
Fonte: BEPZA. Circular: Re-fixation of minimum wages and benefits for the workers of the enterprises
of
EPZs,
2010,
p.
2.
Disponível
em:
<http://www.epzbangladesh.org.bd/web_admin/web_tender_files/LabourWages1.pdf>. Acesso em:
set. 2013.
Direitos concernentes à maternidade serão concedidos após o décimo
mês de serviço da funcionária, aplicando-se somente duas vezes em toda sua
estadia na empresa e devendo distanciar-se ao menos três anos uma da outra:
serão seis semanas antecedentes ao parto e seis semanas pós-natal remuneradas
(Artigo 10º). Observa-se, aqui, ainda que um período relativamente adequado em
97
relação às demais legislações analisadas, uma maior restrição quanto à escolha
familiar de ter mais ou menos filhos – o que pode ser considerada uma ingerência da
corporação em seu direito pessoal e, portanto, uma falha legislativa na proteção dos
trabalhadores. Não é citado direito de licença a pais.
O documento dedica-se, ainda, a determinar as punições cabíveis em
caso de ineficiência, corrupção ou desvio de conduta – indo desde desobediência a
roubo ou fraude, passando por diversos pormenores (Artigo 15º). Destes
pormenores, vale uma observação o item (k): participar ou ser suspeito de
envolvimento em atividades subversivas, individualmente ou em grupo. Tal item
pode ser indevidamente invocado como combate ao direito de associação,
demonstrando
uma
vulnerabilidade
da
regulamentação
neste
quesito.
As
penalidades aplicáveis também são as mais diversas possíveis, desde censura à
demissão, podendo haver dedução salarial no caso de danos pecuniários infligidos à
empresa (Artigo 16º). É marcante a preocupação e a centralidade com que o tema é
abordado no documento, ocupando mais de três páginas e detalhando diversas
possibilidades e procedimentos.
Dispõe-se, ainda, quanto às facilidades que devem ser disponibilizadas
aos trabalhadores no recinto de trabalho, tais como sanitários em quantidade
adequada (Artigo 30º) – sem, entretanto, que se faça menção ao que seria
considerado razoável neste quesito –, kits de primeiros socorros (Artigo 31º), sala de
descanso ou refeições – devendo empresas com quadro de funcionários superior a
100 possuir serviço de cantina – (Artigo 32º) e equipamentos de proteção no caso de
contato com materiais perigosos ou manejo de máquinas, a fim de garantir sua
segurança (Artigo 33º).
Em suma, no que tange à legislação trabalhista especificamente aplicada
às Zonas de Processamento de Exportação bengalesas, fica clara a proeminência
do interesse do investidor em detrimento aos direitos sociais e humanos: os
documentos não foram redigidos com a intenção de proteger os trabalhadores do
poder potencialmente destrutivo do capital investido, mas sim proteger o capital
investido do poder potencial – e desconhecido – dos indivíduos que para ele
trabalham. A análise do cenário laboral bengalês como um todo acaba sendo
prejudicado pela ausência de tradução a idiomas ocidentais das legislações
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nacionais propriamente ditas; entretanto, pode-se ter um cenário parcial da situação
através da BEPZA por conta de sua superioridade hierárquica em relação a todas as
Zonas de Processamento de Exportação.
Os incentivos concedidos às corporações investidoras estrangeiras para
que se instalem nas ZPEs são diversos: programa de isenção fiscal regressivo –
iniciando-se com isenção total de impostos nos dois primeiros anos de atividades –;
importação isenta de impostos de materiais de construção, maquinário, matéria
prima e bens acabados; Sistema Geral de Preferências; permissão de remessa de
royalties, entre outras taxas; repatriação completa de capital e dividendos; entre
outros8. É possível até mesmo alugar um estabelecimento pré-construído, pronto
para ser utilizado, conforme Figura 6. Bangladesh conta com oito ZPEs: Chittagong,
Dhaka, Mongla, Ishwardi, Comilla, Adamjee, Uttara e Karnaphuli.
Figura 6 – Anúncio da BEPZA de estabelecimentos fabris padrão prontos para
locação.
Fonte: BEPZA. Disponível
Acesso em: set. 2013.
em:
<http://www.epzbangladesh.org.bd/bepza.php?id=RentMEPZ>.

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