a atuação das organizações não
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a atuação das organizações não
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS CAROLINE LOPES SILVA A ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS NO COMBATE À PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO EM PAÍSES PERIFÉRICOS: A PRODUÇÃO TÊXTIL NO SUDESTE ASIÁTICO FLORIANÓPOLIS, 2013 CAROLINE LOPES SILVA A ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS NO COMBATE À PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO EM PAÍSES PERIFÉRICOS: A PRODUÇÃO TÊXTIL NO SUDESTE ASIÁTICO Monografia submetida ao Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de Bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Hoyêdo Nunes Lins FLORIANÓPOLIS, 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 9,5 (nove e meio) à aluna Caroline Lopes Silva na disciplina CNM 5420 – Monografia, pela apresentação deste trabalho. Banca Examinadora: __________________________ Prof. Dr. Hoyêdo Nunes Lins __________________________ Prof. Dr. Arlei Luiz Fachinello __________________________ Profª. Drª. Patrícia Ferreira Fonseca Arienti AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar agradeço ao meu pai, Antonio Carlos da Silva, pela dedicação de uma vida em prol da minha criação e formação. Pai, minha eterna gratidão. Agradeço ao orientador, Prof. Hoyêdo, pela disponibilidade, atenção e pelas valiosas orientações, sem as quais não seria possível o sucesso deste trabalho. Agradeço aos docentes do curso de Relações Internacionais e à UFSC como um todo pelos maravilhosos anos propiciados e seus ensinamentos. Agradeço ao Movimento Bandeirante, que ao me ensinar a enfrentar alegremente todas as dificuldades contribuiu com a persistência necessária à realização deste trabalho, e pelos princípios que me motivaram à escolha do tema. Agradeço à turma 2010.1, amigos do “antigo C6”, CARI e DCE pelas grandes amizades formadas e por terem tornado a vida universitária uma experiência única. Agradeço à Laura, ao Gustavo e ao Rafael, pela paciência, compreensão e apoio diários no decorrer da realização deste trabalho. Por fim, agradeço ao Jonathan pelo apoio e compreensão neste processo, pelo companheirismo e cumplicidade ao longo do tempo e por estar ao meu lado em todas as ocasiões. Me espanta que tanta gente sinta (se é que sente) a mesma indiferença... Engenheiros do Hawaii – Ninguém = Ninguém RESUMO O processo de reconfiguração da produção em âmbito global, impulsionado pelas alterações na esfera econômica internacional como o fenômeno da globalização, impacta os países em desenvolvimento não somente no âmbito econômico, mas também no social. Ainda que Organizações Internacionais trabalhem no sentido de estabelecer uma padronização mínima de direitos trabalhistas no nível internacional, ainda são observadas diversas disparidades entre as legislações laborais destes países. Tal situação é muitas vezes estabelecida pelos próprios governos nacionais, com o intuito de buscar-se uma diferenciação de condições de competitividade por meio da redução dos custos de mão de obra, acabando por transferir o ônus aos trabalhadores e seus direitos, suprimindo-os em busca de uma maior rentabilidade das corporações transnacionais investidoras; este processo pode ser fortemente sentido no setor têxtil-vestuarista da economia mundial, por configurar-se em uma atividade essencialmente intensiva em mão de obra. Assim, o trabalho de Organizações Não-Governamentais apresenta-se como importante complementação ao das Organizações Internacionais, através da utilização da opinião pública como ferramenta de coerção às corporações, induzindo-as em muitos casos a buscar a redução dos impactos negativos de suas atividades com o intuito de minimizarem possíveis danos a suas imagens e, consequentemente, aos seus resultados operacionais. Palavras-chave: Organizações Corporações transnacionais. Não-Governamentais. Direitos trabalhistas. ABSTRACT The reconfiguration process of production on a global basis – which is impelled by changes in the international economy sphere as the phenomenon of globalization – impacts under development countries not only in an economic scope, but also in a social one. Despite the work of International Organizations towards the establishment of a minimum standard of labor rights on the international level, there are still many disparities observed between these countries' labour legislations. This situation is in many cases established by the governments themselves with the purpose of creating a diferentiation of competitivity conditions through reduction of labor costs in these countries, which ends transfering the onus to workers and their rights by suppressing them on the chase of a better rentabitily for transnational corporations investments; this process can be strongly perceived in textiles and garment sectors of international economy because of the intensity of labour required by its activities. Therefore the work of Nongovernmental Organizations shows itself as an important complement through using public opinion as a coercion tool against corporations, inducing them in many cases to search for reduction of negative impacts of their activities with the purpose of minimizing possible damages to their images and consequently to their operational results. Key words: corporations. Nongovernmental Organizations. Labour rights. Transnational SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 1.2 OBJETIVOS ..................................................................................................... 12 1.2.1 Objetivo Geral ............................................................................................ 12 1.2.2 Objetivos Específicos................................................................................. 12 1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................... 13 1.4 METODOLOGIA............................................................................................... 13 2 RECONFIGURAÇÃO PRODUTIVA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NOS PAÍSES PERIFÉRICOS ............................................................................................ 16 2.1 GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA, TRANSFERÊNCIA DE PRODUÇÃO E IMPACTOS TRABALHISTAS ................................................................................. 16 2.2 A INDÚSTRIA TÊXTIL-VESTUARISTA: PARTICULARIDADES ...................... 19 2.3 LEGISLAÇÕES NACIONAIS RELATIVAS AO TRABALHO ............................. 20 2.4 DESIGUALDADES LEGISLACIONAIS E SEUS REFLEXOS ........................... 21 3 DA REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS TRABALHISTAS 22 3.1 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO ....................................... 22 3.2 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO ................................................... 26 3.3 REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO: HISTÓRICO ......... 29 3.4 NORMAS E CONVENÇÕES VIGENTES – OIT ................................................ 31 3.4.1 Convenções Fundamentais ....................................................................... 32 3.4.1.1 Convenção sobre a Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização (C087 – 1948)9 ........................................................................ 32 3.4.1.2 Convenção sobre a Aplicação dos Princípios do Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva (C098 – 1949)10 ............................. 33 3.4.1.3 Convenção sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório (C029 – 1930)11 ........................................................................................................................ 33 3.4.1.4 Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado (C105 – 1957)12 .. 34 3.4.1.5 Convenção sobre a Idade Mínima para Admissão de Emprego (C138 – 1973)13............................................................................................................. 35 3.4.1.6 Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho das Crianças (C182 – 1999)14............................................................................................................. 35 3.4.1.7 Convenção sobre a Igualdade de Remuneração (C100 -1951)15 ........ 36 3.4.1.8 Convenção sobre a Discriminação (Emprego e Profissão) (C111 1958)16............................................................................................................. 36 3.4.2 Convenções de Governança ..................................................................... 37 3.4.2.1 Convenção sobre a Inspeção do Trabalho (C081 – 1947)17 ............... 37 3.4.2.2 Convenção sobre a Política de Emprego (C122 – 1964) 18 ................. 38 3.4.2.3 Convenção sobre a Inspeção do Trabalho na Agricultura (C129 – 1969)19............................................................................................................. 39 3.4.2.4 Convenção sobre Consultas Tripartidas Relativas às Normas Internacionais do Trabalho (C144 – 1976)20.................................................... 39 4 DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS ............................................. 40 4.1 ONGS: POR QUE SÃO NECESSÁRIAS........................................................... 41 4.2 ORIGENS E HISTÓRICO ................................................................................. 43 4.3 NA LUTA POR UM MUNDO MELHOR ............................................................. 47 4.3.1 Global Exchange........................................................................................ 48 4.3.2 Global Labour Rights ................................................................................. 50 4.3.3 Social Watch .............................................................................................. 52 4.3.4 Clean Clothes Campaign ........................................................................... 55 5 ESTUDOS DE CASO: A LUTA PELA MUDANÇA ............................................... 58 5.1 LEVI’S E A IMPLEMENTAÇÃO DOS CÓDIGOS DE CONDUTA ...................... 58 5.2 JUSTICE: NIKE, JUST DO IT! .......................................................................... 61 5.3 CAVITE: A TORTURA FILIPINA ....................................................................... 68 5.4 A IMPORTÂNCIA DOS CASOS ....................................................................... 74 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 76 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 80 ANEXOS ................................................................................................................... 84 9 1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento da economia internacional vem alterando de modo profundo a divisão internacional do trabalho. Observa-se cada vez mais a transferência de etapas produtivas da cadeia industrial, sobretudo daqueles setores intensivos em trabalho, a países considerados subdesenvolvidos e periféricos, em decorrência do baixo custo e abundância de mão de obra encontrados nestas localidades, em contraposição aos países matriciais. Assim, pode-se considerar este ciclo como retroalimentado: os baixos salários em decorrência da precariedade dos direitos laborais incentiva à intensificação da deterioração das condições trabalhistas por meio do aumento de sua demanda, num processo perverso onde as grandes corporações angariam cada vez maior lucratividade em detrimento de uma população já anteriormente desfavorecida pela economia global. A partir da crescente demanda advindos das grandes corporações, a situação já precária das condições trabalhistas em diversas localidades da periferia global acentuou-se, tornando-se alarmantes em diversos casos. Não raras são as grandes tragédias em indústrias com pouca ou nenhuma estrutura de segurança e as denúncias de trabalho infantil, escravo ou semi escravo, não somente na indústria têxtil, foco deste trabalho, mas também em diversos outros setores de cadeias produtivas globais. Tendo em vista tais acontecimentos, além da fiscalização e atuação de organizações como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), despontam cada vez mais Organizações NãoGovernamentais cujos objetivos são a melhoria nas condições de trabalho em países economicamente menos desenvolvidos, a erradicação do trabalho escravo, servil, infantil, entre outras práticas consideradas ofensivas aos direitos humanos e socialmente desleais. 1.1 TEMA E PROBLEMA 10 Em busca de maior lucratividade de seus negócios, as grandes corporações adotaram a prática de manterem em seus países de origem somente aquelas etapas de maior agregação de valor e menor necessidade de trabalho operacional, tais como seus centros de inovação e tecnologia, design, comunicação e marketing, entre outros departamentos responsáveis pela construção da identidade da marca e agregação de valor ao produto. Por sua vez, os produtos em si passam cada vez mais a serem produzidos em outros países com as características acima mencionadas, geralmente por meio de subcontratações de indústrias já existentes – e não a instalação de unidades produtivas próprias, o que representa ainda maior redução de custos (LUPATINI, 2007). A crescente adoção de tal prática por parte das grandes indústrias têxteis globais, de manutenção de sua produção fundamentalmente em países periféricos – e não mais em seus países de origem – acarretou e consolidou a precarização das condições de trabalho em diversas localidades do globo. Neste sentido, faz-se de suma importância a atuação de diversas Organizações Não-Governamentais (ONGs) que, em conjunto com organizações internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), atuam no sentido de erradicar tal prática desleal e desumana de busca por melhor competitividade econômica e aumento da lucratividade de matrizes e países-sede, invariavelmente considerados desenvolvidos. Uma exposição abrangente do tema e de suas diversas vertentes é feita na obra da autora canadense Naomi Klein, Sem Logo: a tirania das marcas em um planeta vendido (2000). Ao analisar o processo de criação de uma marca e as transformações sociais e econômicas por ele gerados, a problemática da industrialização por terceirização de países periféricos e a precarização das condições trabalhistas em tais localidades do globo permeia grande parte de sua argumentação. A lógica das grandes corporações por trás da transferência total ou parcial da etapa fabril de suas cadeias produtivas é por ela descrita da seguinte maneira: Todo mundo pode fabricar um produto, raciocinam eles [...]. Essa tarefa ignóbil, portanto, pode e deve ser delegada a terceiros cuja única preocupação é atender às encomendas a tempo e dentro do orçamento (e o 11 ideal é que fiquem no Terceiro Mundo, onde a mão de obra é quase de graça, as leis são frouxas e isenções fiscais são obtidas a rodo). As matrizes, enquanto isso, estão livres para se concentrar em seu verdadeiro negócio – criar uma mitologia corporativa poderosa o bastante para difundir significado a esses toscos objetos apenas assinalando-os com seu nome (KLEIN, 2000, p.46) Tal prática alterou de forma relativa a divisão internacional do trabalho, deslocando o centro de diversas cadeias produtivas – a produção fabril em si – para regiões antes não industrializadas. Neste sentido, a proeminência do segmento da economia têxtil se dá por que “apesar de todos os avanços tecnológicos, ainda permanece intensivo em mão de obra” (GORINI, 2000, p. 20). A fragilidade dos direitos trabalhistas está no cerne desta transferência, e, com sua intensificação e consequente agravamento, passou a chamar a atenção de ativistas dos direitos humanos, bem como da sociedade internacional em geral quando denunciados em campanhas de grande repercussão. Por meio de ações conjuntas de organizações internacionais regulatórias, como a Organização Internacional do Trabalho, Organizações Não-Governamentais e pressão da sociedade internacional em geral, já foram possíveis diversas conquistas no sentido de aprimoramento dos direitos laborais em diversos países e regiões do globo. Tal avanço não se traduz somente na evolução das legislações vigentes nos diversos países, mas também em maior fiscalização por parte das corporações contratantes, por meio, por exemplo, da adoção de padrões de certificação socialmente responsáveis. Todavia, cabe a reflexão das reais motivações para tais alterações de comportamento e exigências das grandes empresas: Are these episodes sudden attacks of conscience on the part of the world’s top CEOs? Not quite. Under increasing pressure from environmental and labor activists, multilateral organizations and regulatory agencies in their home countries, multinational firms are implementing “certification” arrangements – codes of conduct, production guidelines, and monitoring standards that govern and attest to not only the corporations’ behavior but also to that of their suppliers around the world. (GEREFFI; GARCIAJOHNSON; SASSER, 2001) 12 A relevância do tema objeto de estudo deste trabalho é reiterada pela citação acima. A pressão decorrente da militância de organizações com ideais e objetivos definidos, respaldados por valores internacionalmente compartilhados como os direitos humanos, é potencialmente uma ferramenta poderosa na luta pelos contínuos avanços em direção a um mundo socialmente menos desigual. Diante dos escândalos potencialmente geráveis a partir da constatação de práticas sociais condenáveis no processo de produção de uma grande marca, estas são compelidas a reavaliar suas ações e se adaptarem ao cumprimento de políticas de responsabilidade social, chegando inclusive a criar em suas estruturas departamentos destinados especificamente à fiscalização quanto ao cumprimento de seus novos códigos de conduta por parte de suas unidades produtivas, como é o caso da Nike (KAMLOT; DUBEUX; CARVALHO, 2012). 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo Geral Identificar e analisar fatores e agentes que contribuem para avanços conquistados no que tange às condições trabalhistas da mão de obra em países da periferia econômica global, sobretudo em relação à indústria têxtil e sua produção no sudeste asiático 1.2.2 Objetivos Específicos - Discutir a questão da reconfiguração da produção no contexto da globalização e seus reflexos na regulamentação trabalhista internacional; 13 - Apresentar como se estruturam atualmente tais regulamentações, bem como exemplificar legislações em vigor nos países em desenvolvimento; - Analisar a estruturação, modo de atuação e objetivos das Organizações NãoGovernamentais no tocante ao tema das condições trabalhistas em âmbito global, observando sua relevância; - Identificar casos de destaque e representatividade referentes a violações e envolvimento de Organizações Não-Governamentais em seu combate. 1.3 JUSTIFICATIVA Diante dos avanços da internacionalização das cadeias produtivas das grandes corporações, sobretudo na forma da transferência da etapa fabril às regiões periféricas do globo, em contraposição à crescente preocupação global relacionada a temas concernentes à sociedade, ao meio ambiente e aos direitos humanos, justifica-se a escolha do tema pela análise dos avanços que vêm sendo construídos neste contexto por atores internacionais menos tradicionais, qual sejam as Organizações Não-Governamentais, e quais os reflexos observados no recente passado oriundos de sua intervenção na dinâmica socioeconômica mundial. O estudo mais específico envolvendo o setor vestuário-têxtil da economia global se dá pelo destaque observável das denúncias envolvendo grandes grifes e utilização de mão de obra explorada ou em condições precárias e socialmente reprováveis por parte de suas subcontratadas e fornecedores estrangeiros, sobretudo do leste asiático, gerando pressões internacionais e casos de grande repercussão internacional. 1.4 METODOLOGIA 14 Para alcançar os objetivos traçados, será feita inicialmente a contextualização do tema, a fim de que se compreendam as alterações no cenário global das condições laborais ao longo do tempo, sendo tratada a questão da reconfiguração econômica frente ao processo de globalização, bem como particularidades da indústria em questão. A exemplificação de legislações nacionais justifica-se pela observância na prática dos reflexos de tal processo, bem como serve de base para uma melhor visualização do tema desenvolvido como um todo, tendo a escolha dos países abordados se dado a partir tanto da relevância deste para a exemplificação do tema, quanto pela disponibilidade de traduções confiáveis de tais legislações. Desta maneira, serão utilizadas fontes primárias e secundárias, tais como documentos oficiais, artigos científicos e obras literárias. O estudo específico das Organizações Internacionais envolvidas direta ou indiretamente na elaboração de convenções e normas internacionais relacionáveis ao tema, bem como o teor de tais tratados, faz-se fundamental como embasamento à posterior análise de atuação das Organizações Não-Governamentais, uma vez que tais Organizações complementam-se no trabalho de regulamentação laboral global, conforme será apresentado. As principais fontes para tal estudo constituemse em informações oficiais destas Organizações, por meio de seus websites e documentos neles disponibilizados. O debate sobre a importância das Organizações Não-Governamentais no envolvimento de questões sociais, identificando-se fatores que levaram a seu surgimento e configuração atual, representa o ponto central de argumentação deste trabalho. As instituições apresentadas foram selecionadas por meio do grau de notoriedade identificado no nível global por meio de referências a seu trabalho, assim como a notória produção de relatórios e campanhas de monitoramento e fiscalização laborais. Fontes secundárias servem de referencial para tal exposição, tais como websites oficiais, artigos científicos e obras literárias. Para a consolidação do estudo da atuação das Organizações NãoGovernamentais e melhor compreensão de sua prática, apresentar-se-ão casos concretamente observados de envolvimento de algumas instituições no processo de identificação, fiscalização e implementação de melhorias relativas a questões 15 laborais em diversas localidades do globo. Tais casos foram selecionados buscando a representatividade da diversidade de violações identificadas, âmbitos de atuação e resultados observados. Serão utilizadas principalmente fontes secundárias, como artigos científicos, obras literárias e relatórios. Por fim, destaca-se que os impactos estritamente econômicos, ainda que de relevância para a compreensão do processo de reconfiguração global da produção, não serão abordados em função do escopo do trabalho. 16 2 RECONFIGURAÇÃO PRODUTIVA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NOS PAÍSES PERIFÉRICOS A configuração do sistema internacional encontra-se em permanente alteração, de acordo com os acontecimentos históricos nas mais diversas localidades e seus impactos nas relações internacionais. Não haveria de ser diferente com a economia: a partir da evolução dos meios de produção e regulamentações nacionais referentes ao seu funcionamento, o sistema econômico internacional como um todo é impactado; mais ainda: a sociedade internacional é atingida por seus reflexos, invariavelmente. É importante, portanto, a reflexão acerca das consequências geradas pelos rumos que o desenvolvimento da economia no âmbito global está deixando como legado: não somente a geração de empregos, não somente o aumento de produtividade – mas também seu rastro nefasto e potencialmente destrutivo decorrente da lógica capitalista e sobreposição de valores, aonde o lucro coloca-se como objetivo prioritário do desenvolvimento em detrimento de fatores sociais e melhora da qualidade de vida de populações em sua decorrência. 2.1 GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA, TRANSFERÊNCIA DE PRODUÇÃO E IMPACTOS TRABALHISTAS A economia mundial, até a década de 1970, baseava seu padrão organizacional e de produção corporativos na produção em massa buscando a redução progressiva de custos, como fruto da estrutura pós-guerra, acelerando a divisão internacional do trabalho (IENNACO, 2005). Já a partir deste período, portanto, encontramos a internacionalização como um meio de estratégia para a competitividade internacional empresarial; contudo, uma maior evidenciação do tema passou a acontecer a partir do desenvolvimento do fenômeno tão conhecido como “globalização”. 17 A globalização pode ser considerada um fenômeno relativamente recente, possuindo diversas definições e descrições. Decorre, sobretudo, da maior mobilidade do capital na economia global, a qual teve como consequência uma maior mobilidade de atividades econômicas de acordo com suas características, buscando a maior rentabilidade possível e otimizando, do ponto de vista empresarial, seus recursos. Nas palavras de George Soros, A característica mais acentuada da globalização é permitir que o capital financeiro se movimente com liberdade; em contraste, o movimento de pessoas mantém-se sobre controle rigoroso. Uma vez que o capital é ingrediente essencial da produção, os diferentes países competem entre si para atraí-lo [...]. Sob a influência da globalização, a natureza de nossos mecanismos econômicos e sociais passou por transformações radicais. (SOROS, 2003, p. 44-45) A maior mobilidade de capital, além do setor financeiro – cujas fronteiras se tornaram ainda mais tênues –, afetou, sobretudo, aqueles setores considerados intensivos em mão de obra. Ora, se era possível encontrar recursos humanos em países em desenvolvimento, cujas habilidades fossem suficientes para a execução dos trabalhos demandados – geralmente manuais e de baixa qualificação técnica necessária –, em detrimento de uma mão de obra local mais qualificada, porém também mais cara, por que não transferir sua produção e otimizar os recursos, barateando o custo do produto? Esta prática não pode ser considerada recente, tampouco decorre apenas da globalização – apenas se intensificou. A economia global, assim, passou a realocar-se no espaço mundial de acordo com sua atividade; as multinacionais, então, passaram em grande parte a setorizar sua linha de produção e agregação de valor. Ademais, o caminho escolhido para a transferência da produção não foi majoritariamente o do investimento direto externo – através de plantas fabris próprias em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento –, mas sim pela terceirização da produção, passando a matriz corporativa a realizar pedidos volumosos a fábricas individuais não diretamente relacionadas à marca com a qual produzem. Tal característica deriva da percepção, após o período recessivo da década de 1980, de que 18 [...] as corporações estavam inchadas, superdimensionadas; elas possuíam demais, empregavam gente demais e se curvam sob o peso de coisas demais. O próprio processo de produção – administrado pelas fábricas, responsáveis por dezenas de milhares de empregados efetivos de tempo integral – começou a parecer menos um caminho para o sucesso do que uma pesada responsabilidade. (KLEIN, 2000, p. 28) A ideia por trás deste processo, embasada na constatação econômica de competitividade através da redução de custo, é expressa resumida e conclusivamente de maneira interessante mais a frente do excerto acima, também na obra Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido, da canadense Naomi Klein: [...] um seleto grupo de corporações vem tentando se libertar do mundo corpóreo dos produtos, passando fabricantes e produtos a existir em outro plano. Todo mundo pode fabricar um produto, raciocinam eles [...]. Essa tarefa ignóbil, portanto, pode e deve ser delegada a terceiros cuja única preocupação é atender às encomendas a tempo e dentro do orçamento (e o ideal é que fiquem no Terceiro Mundo, onde a mão-de-obra é quase de graça, as leis são frouxas e isenções fiscais são obtidas a rodo). As matrizes, enquanto isso, estão livres para se concentrar em seu verdadeiro negócio – criar uma mitologia corporativa poderosa o bastante para infundir significado a esses toscos objetos apenas assinalando-os com seu nome. (KLEIN, 2000, p. 46) Lupatini (2007), corroborando com o pensamento acima, afirma estarem as corporações desde meados da década de 1970 cada vez menos concentradas na produção e mais voltadas aos segmentos de “moda” – no caso da indústria vestuarista –, como marketing, design, comercialização e finanças. Claramente, tal alteração na configuração estrutural da economia mundial não poderia passar isenta de influências às localidades específicas do globo. Para manterem-se competitivos e pela sobrevivência das economias nacionais, os países mais vulneráveis na composição do mercado econômico internacional se veem compelidos – para não se dizer obrigados – a precarizar suas estruturas socioeconômicas internas a fim de se manterem no jogo capitalista. O mecanismo desta perversa constatação é descrito adequadamente por Iennaco: 19 A disseminação dos processos produtivos transnacionais obriga os mercados locais ao esforço pela redução de custos de produção, na tentativa de permanecerem competitivos, e governos à oferta de condições fiscais e sociais favoráveis à instalação de unidades produtivas, no intuito de manter, ou criar, postos de trabalho. Sem acesso à otimização da produção proporcionada pelas últimas conquistas tecnológicas obtidas pelos países desenvolvidos, que lhes permitem “aumento drástico de produção com redução da força de trabalho produtiva” (Drucker apud IENNACO), às nações em desenvolvimento resta buscar a redução do custo da inalterada mão-de-obra. Com a carga tributária já comprometida, o alvo passa a ser a redução de direitos sociais [...]. (IENNACO, 2005, p. 115116) A supressão de direitos sociais e precarização das condições trabalhistas em países considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, portanto, pode ser considerado fruto do, e alicerce fundamental, do modo de produção capitalista globalizado. Tais direitos, conquistados através de séculos de lutas e mudanças, são colocados na marginalidade por uma lógica produtiva em que o lucro é visto como objetivo final do processo; são vistos como ônus à produção e desenvolvimento (das corporações) capitalistas, vulneráveis ao poder do capital e protegidos por – por vezes débeis e vagas – legislações nacionais, as quais baseiam-se em convenções internacionais relevantes, porém com pouca força de aplicação pela falta de poder coercitivo de seus dispositivos. 2.2 A INDÚSTRIA TÊXTIL-VESTUARISTA: PARTICULARIDADES Para alcançar os objetivos deste trabalho, faz-se necessário considerar as características específicas da indústria têxtil-vestuarista e sua alocação no processo de globalização acima descrito. Suas particularidades, aqui descritas, permitem a compreensão de como tal segmento pode ser tomado como exemplo adequado da transformação da economia capitalista em meio à globalização. A indústria têxtil, historicamente, pode ser tomada como avanço tecnológico de industrialização: a automatização parcial através das manufaturas, no século XVIII, e a consequente chamada I Revolução Industrial são bons exemplos para tanto. Muito se vêm avançando desde então na inovação de tecnologia 20 produtiva têxtil, porém pode-se dizer que seu desenvolvimento chegou ao limite (ao menos na atualidade) possível da automação. No que tange à indústria vestuarista em específico, em termos de progresso técnico, a última revolução significativa em seus meios de produção diretos foi a máquina de costura Singer, em 1851: desde então, permanece a composição técnica do capital deste setor, baseada na relação “uma máquina/um trabalhador” (LUPATINI, 2007). Ainda que possam ser citados os avanços em tecnologias CAD/CAM para desenvolvimento computadorizado de moldes e encaixe para o posterior corte dos tecidos, a etapa fundamental da produção vestuarista permanece sendo a de costura, a qual permanece extremamente dependente da habilidade e ritmo da mão de obra1. Portanto, pode-se inferir com segurança que o segmento vestuarista da indústria têxtil é, assim, intrinsecamente intensivo em mão de obra. Conclui-se, assim, a partir do desenvolvido na seção anterior deste capítulo, que esta está sujeita à mobilidade de capital como parte de sua própria mobilidade na economia globalizada, podendo se acumular de forma extensiva – fator este que apoia, de forma a retroalimentar a lógica, a ausência de novas revoluções dos meios de produção neste setor2. 2.3 LEGISLAÇÕES NACIONAIS RELATIVAS AO TRABALHO Ainda no intuito de contextualizar a produção vestuarista em países em desenvolvimento por meio da precarização das condições trabalhistas, mostra-se interessante o conhecimento prévio de algumas das legislações nacionais envolvidas neste processo. Os exemplos apresentados na seção de Anexos se referem a países comumente encontrados em etiquetas e foram escolhidos pela disponibilidade de sua legislação no idioma inglês, sendo apresentados seus principais aspectos, bem como uma rápida observação relacionando o teor dos respectivos documentos consultados com a questão das condições trabalhistas em geral, tais como falhas ou pontos positivos observados. 1. Ibidem. 2. Ibidem. 21 2.4 DESIGUALDADES LEGISLACIONAIS E SEUS REFLEXOS Através da análise dos exemplos de legislações nacionais acima expostos, pode-se notar já entre elas diversas desigualdades – as legislações trabalhistas, assim, se tornam instrumento de tentativa de atração de capital investidor estrangeiro por parte de países desenvolvidos, os quais competem permanentemente entre si. Ademais, algumas destas legislações nacionais acabam por legitimar em nível local práticas consideradas inadequadas ou indesejáveis por grande parte da sociedade internacional, sobretudo oriundas de países desenvolvidos. Um exemplo a ser citado seria a idade mínima de emprego determinada pela legislação paquistanesa: ao admitir que jovens sejam contratados a partir dos 14 anos, indiretamente induz a uma condição que poderia ser considerada como trabalho infantil. Diversas destas concessões decorrem, conforme veremos no Capítulo a seguir, da flexibilidade possibilitada pelas Convenções adotadas e pela própria estrutura da Organização Internacional do Trabalho. Ao deixar vagas algumas determinações, bem como tornar facultativas suas adoções, abre margem à diferenciação de padrões entre seus países-membros e, desta maneira, perpetua a sensação de desigualdade de direitos trabalhistas ao redor do globo. 22 3 DA REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS TRABALHISTAS As disparidades de condições trabalhistas nas diferentes localidades do globo têm efeito não somente na esfera dos Direitos Humanos, mas também econômico – fator este causa maior da crescente preocupação internacional acerca do tema. Deste modo, há muito se observam tentativas a âmbito global de homogeneização de normas e diretrizes quanto às questões laborais: ainda que menos por princípios éticos e mais econômicos, vêm-se avançando na conquista de condições mais dignas – por mais que o caminho rumo à verdadeira igualdade de condições seja longo, tortuoso e deveras desafiador. Neste sentido, duas Organizações Internacionais destacam-se por sua relação direta ou indireta com tais temas. A Organização Internacional do Trabalho, cujo objetivo relaciona-se diretamente com a promoção de melhores condições laborais aos trabalhadores de todo o mundo; e a Organização Mundial do Comércio, que o abrange indiretamente ao lidar com as questões da competitividade internacional, afetadas pelo tema. 3.1 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO A Organização Internacional do Trabalho – OIT (em inglês, International Labour Organization – ILO) teve sua fundação na ocasião da assinatura do Tratado de Versalhes, em junho de 1919, atuando por meio de convenções e recomendações aos seus países-membros. Sobrevivendo aos desafios encontrados na tentativa de organização de diversas nações em torno de uma só discussão e causa, por meio da criação de uma instituição permanente para a continuidade dos trabalhos, pode ser considerada a primeira Organização Internacional que logrou sucesso em sua constituição, uma vez que a também criada em Versalhes Liga das Nações – cujos objetivos eram claramente mais ambiciosos e abrangentes – não obteve o mesmo êxito. 23 Tendo o debate sido originado a partir de questões de segurança, humanitárias, políticas e econômicas, sua criação fundamentou-se na convicção de que a justiça social constitui-se em elemento essencial e inalienável para a construção da paz mundial. Percebe-se aqui, então, a nascente consciência à época da interdependência dos diferentes assuntos tangentes às relações internacionais, se dando sobretudo por meio das questões econômicas, bem como a percepção da necessidade da cooperação para a homogeneização das condições trabalhistas entre os diversos países que àquele tempo se industrializavam. Para a elaboração de sua Constituição, foi instaurada uma Comissão de Trabalho (Labour Comission) encabeçada pelo então chefe da Federação Americana do Trabalho (American Federation of Labour – AFL) e composta por nove nações, a saber: Bélgica, Cuba, França, Itália, Japão, Polônia, Reino Unido, Tchecoslováquia e Estados Unidos da América. Como resultado, uma organização cuja estrutura tripartite se mostra pioneira e única: seu corpo executivo é composto por representantes governamentais, de empregadores e de trabalhadores, possibilitando um fórum único de debate das diferentes perspectivas acerca das questões laborais, possibilitando a elaboração conjunta de normativas e resoluções. Seu preâmbulo, o qual afirma que as partes foram “movidas pelos sentimentos de justiça e humanidade, bem como o desejo de assegurar a paz permanente do mundo”3, constata claramente que tamanhas injustiças e privações identificadas quanto à precarização das condições de trabalho impostas a inúmeros indivíduos resulta em perturbação à paz e harmonia globais, se mostrando tais melhorias de caráter urgente; ademais, afirma-se ainda ser o fracasso de melhoria em tais condições em determinados países entrave estabelecido às mesmas melhorias em outras nações – muito provavelmente por conta das disparidades de condição de competição na economia internacional, ainda que tal motivação não esteja textualmente expressa no documento. Ainda que tenha sido elaborado no início do século passado, o documento abrange questões que se mostram atuais em pleno século XXI: regulamentação de carga horária laboral máxima diária e semanal; estabelecimento de salários dignos; proteção ao trabalhador em casos de doenças; proteção a crianças, jovens e 3. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/history>. Acesso em: set. 2013. 24 mulheres; provisão para aposentadorias por idade e invalidez; proteção dos interesses de trabalhadores empregados no exterior; reconhecimento do princípio de remuneração equivalente para atividades equivalentes; liberdade de associação. Fatores que, aos olhos de cidadãos comuns trabalhadores de países desenvolvidos, por vezes podem parecer simples afirmação de direitos naturais e consolidados, entretanto aos olhos de trabalhadores comuns de tantos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos ainda parecem um sonho distante e incompatível com suas realidades locais. A primeira Conferência Internacional do Trabalho ocorreu em Genebra ainda em 1919, no mês de outubro, aonde foi estabelecida a Secretaria Internacional do Trabalho, órgão permanente da Organização, sob a direção do francês Albert Thomas. Alguns anos depois, em 1926, estabeleceu-se uma Comissão de Especialistas composta por juristas independentes responsáveis por analisar os relatórios encaminhados pelos governos e elaborarem anualmente seu próprio relatório a respeito, a qual existe até os dias de hoje. Em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, foi elaborada durante a reunião de Filadélfia da Conferência Internacional do Trabalho uma declaração, a Declaração de Filadélfia, a ser anexada à Constituição da Organização Internacional do Trabalho, contando à ocasião com representantes de 41 países. Tal Declaração, além de reafirmar a noção de justiça social para a paz universal, adiciona certos princípios básicos à instituição: que o trabalho deve ser fonte de dignidade; que este não deve ser tratado como mercadoria; que a pobreza, aonde quer que esteja localizada, é uma ameaça geral à prosperidade; e que todos os indivíduos possuem o direito de perseguirem seu bem estar material com liberdade, dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades. A partir de então, a Organização é regida pela junção de ambos os documentos. Com a criação da Organização das Nações Unidas – ONU (United Nations Organization – UN) em 1946, a Organização Internacional do Trabalho sofreu sua maior alteração no que tange à estrutura, passando a ser considerada uma agência especializada desta nova Organização Internacional, sendo a primeira do tipo a ser estabelecida. 25 Um marco considerável na questão dos direitos sociais é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, podendo-se considerar que tenha se inspirado em partes na Organização, ainda que não tenha oficialmente sido gerada a partir desta. Outro acontecimento memorável e grandioso foi a premiação desta Organização em 1950 com o Prêmio Nobel da Paz; à ocasião, o Presidente do Comitê do Prêmio chegou a afirmar que “a OIT tem uma influência perpétua sobre a legislação de todos os países”, bem como seria equiparável à “consciência social da humanidade”4. A OIT é composta atualmente por 185 Estados membros. A admissão de novos Estados à Organização pode se dar de duas maneiras distintas: caso o país seja membro da ONU, através de comunicado formal ao Diretor Geral da OIT quanto à sua aceitação aos tratados e obrigações previstos em sua Constituição; caso não o seja, a candidatura passará por uma Comissão de Seleção previamente estabelecida e, caso aprovada, seguirá para um subcomitê e, posteriormente, para deliberação, necessitando ser aprovada na Conferência Geral em que for apresentada por votação de ao menos dois terços dos delegados presentes, incluindo-se a categoria de representantes governamentais. Ao lado das representações governamentais encontra-se a divisão dos representantes dos trabalhadores. Neste nível, o Escritório de Atividades dos Trabalhadores (Bureau for Worker’s Activities – ACTRAV) coordena todas as atividades da Secretaria concernentes aos trabalhadores e suas organizações, tantoem sede quanto em campo, tendo o papel de promover a proteção aos trabalhadores através do diálogo e da participação nos encaminhamentos a serem tomados pela Organização. Como sua função, também, está o fortalecimento das trade unions (assimilando-se a sindicatos internacionais) pelo mundo, garantindo sua independência, democracia e representatividade, a fim de que sejam atuantes na reivindicação, execução e fiscalização das melhorias das condições laborais em seus respectivos países. O Escritório é peça de barganha fundamental na Organização Internacional do Trabalho para a defesa dos interesses dos trabalhadores de todo o mundo, impedindo que resoluções inadequadas sejam propostas por meio de sua participação ativa em todas as tratativas e decisões de encaminhamentos. 4. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: <http://www.oit.org.br/content/historia>. Acesso em: set. 2013. 26 Por fim, a representação dos empregadores perante a Organização se dá através do Escritório das Organizações dos Empregadores (Bureau for Employers Organizations), estabelecendo relação direta entre organizações de empregadores de diversos países e a instituição, possibilitando seus trabalhos. A participação do setor de empregadores no tripé estabelecido se mostra crucial devido à asseguração dos objetivos econômicos e sociais de cada nação, bem como dando às resoluções maior credibilidade e garantia de execução posteriormente. Além da função representativa, o Escritório executa um Programa de Cooperação Técnica, cujo objetivo é o de oferecer apoio a organizações de empregadores, sobretudo em países em desenvolvimento. Além dos três níveis de representação acima descritos, compõe a Organização Internacional do Trabalho, ainda, outras instâncias. A Direção Geral, ocupada desde 2012 por Guy Ryder e com mandatos de cinco anos, é responsável por coordenar os trabalhos da instituição, executando eventuais reformas e cuidando das relações públicas da Organização, como press releases e declarações. O Tribunal Administrativo, por sua vez, originário do tribunal de mesmo nome operante na breve Liga das Nações, é composta por sete juízes de diferentes nacionalidades apontados pelos representantes governamentais em Conferência para um período renovável de três anos; encontrando-se duas vezes por ano por períodos de três semanas cada, julgando aproximadamente cinquenta casos a cada sessão, tem a importante função de examinar queixas relativas à questões trabalhistas originárias tanto das partes componentes da Organização, quanto de outras organizações que tenham aceitado formalmente sua jurisdição. A sede da Organização Internacional do Trabalho localiza-se em Genebra, Suíça. Entretanto, a OIT está presente em todos os continentes, por meio tanto de escritórios locais situados em diversos países, quanto regionais, localizados nos Estados Unidos, Etiópia, Líbano, Peru, Suíça e Tailândia. 3.2 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO 27 A Organização Mundial do Comércio – OMC (em inglês, World Trade Organization – WTO), é a Organização Internacional destinada a regulamentar o comércio entre os países. Originária do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT – General Agreements on Tariffs and Trade) de 1947, converteu-se na atual instituição por decisão tomada na Rodada do Uruguai, em 1994, quando o Acordo possuía então 128 países signatários, constituindo-se oficialmente em 1º de janeiro de 1995. Atualmente, as funções especificamente definidas para a OMC são: administrar os acordos de comércio da instituição; servir como fórum para negociações comerciais; lidar com disputas comerciais; monitorar políticas comerciais nacionais; assessoramento técnico e treinamento para os países em desenvolvimento; e cooperar com outras Organizações Internacionais. A OMC define-se como uma “organização baseada em normas e dirigida pelos membros – todas as decisões são feitas pelos governos membros, e as normas são os resultados das negociações entre os membros” (tradução nossa)5. Diversos são os princípios que fundamentam a instituição, servindo como diretrizes para sua atuação. Não discriminação, aonde países, produtos, serviços e indivíduos (nacionais ou estrangeiros) não devem ser discriminados; maior abertura, com diminuição das barreiras alfandegárias a fim de se estimular o comércio; previsibilidade e transparência, reassegurando a confiança das partes quanto a condições de comércio; maior competição, através do desencorajamento de práticas desleais de comércio; maiores benefícios aos países menos desenvolvidos, como tolerância e flexibilidade até que sejam plenamente capazes de se ajustar às exigências ordinárias da Organização; e proteção ao meio ambiente e saúde pública. Sua missão geral, portanto, é a de “abrir o comércio para o benefício de todos” (tradução nossa)6. A estrutura organizacional da OMC mostra-se mais complexa em relação à estrutura da Organização Internacional do Trabalho, ainda que aquela abranja membros de diferentes categorias – na OMC, apenas participam oficialmente 5. World Trade Organization. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/thewto_e.htm>. Acesso em: set. 2013. 6. Idem. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/wto_dg_stat_e.htm>. Acesso em: set. 2013. 28 representantes governamentais, podendo estes representar, ainda, blocos econômicos. Sua base é constituída por diversos Comitês Gerais destinados à discussão e regulamentação de temas como comércio e meio ambiente, desenvolvimento, acordos comerciais regionais, restrições de balanço de pagamentos, entre outros, reportando-se diretamente ao Conselho Geral da instituição. Paralelamente aos Comitês Gerais, encontram-se Conselhos abordando grupos temáticos específicos, os quais também se reportam diretamente ao Conselho Geral da OMC. O Conselho para Comércio de Bens abrange subcomitês por exemplo relacionados a agricultura, acesso a mercados, medidas sanitárias e fitossanitárias, práticas anti-dumping, salvaguardas, entre outros. O Conselho para Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio excepcionalmente não possui subcomissões definidas, atuando por conta própria. Por fim, o Conselho para Comércio de Serviços opera por meio de subcomissões como comércio de serviços financeiros e compromissos específicos, bem como grupos de trabalho relativos a regulamentações domésticas e normas do GATS (General Agreement on Trade in Services – Acordo Geral sobre Comércio de Serviços). O Conselho Geral é considerado o mais alto corpo de tomada de decisão da Organização. Situado em Genebra, reúne-se regularmente para garantir a execução das funções da OMC, contando com representantes – geralmente embaixadores – de todos os governos membros, e atualmente é presidido pelo paquistanês Mr. Shahid Bashir. Ademais, este Conselho pode se reunir, extraordinariamente, como Conselho de Conciliação de Disputas (Dispute Settlement Body) ou como Conselho de Revisão de Políticas Comerciais (Trade Policy Review Body). Por fim, hierarquicamente acima do Conselho Geral, encontra-se a Conferência Ministerial, a qual se reúne apenas bienalmente. Consiste na reunião de todos os membros da Organização Mundial do Comércio, sejam representantes governamentais per se ou na forma de blocos econômicos. Decorrente de sua posição, a Conferência pode tomar decisões concernentes a quaisquer acordos multilaterais de comércio. Ainda que a OMC tenha sua criação e atuação voltada primordialmente às 29 questões econômicas, é necessário que se leve em consideração suas influências indiretas às questões trabalhistas internacionais. Tal reflexo se dá principalmente a partir da controversa tentativa de implementação da chamada “cláusula social” e da definição do dumping social como prática desleal de comércio, interligando as regulamentações comerciais às laborais, levando as discussões – sobretudo no âmbito comercial – a um maior grau de complexidade. 3.3 REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO: HISTÓRICO O tema dos padrões de condições e direitos trabalhistas sempre foi tratado, cabe a observação, menos por compaixão à classe trabalhadora e mais pelas implicações do fator mão de obra nas relações econômicas internacionais, sobretudo no tangente à concorrência comercial, sendo sua discussão iniciada a partir das consequências da Revolução Industrial e o papel da mão de obra no mercado de manufaturas. (QUEIROZ, 2007). Segundo Alberto do Amaral Júnior, cuja obra está fortemente baseada no pensamento de Gilpin, Na esfera internacional os benefícios oriundos da liberdade de comércio pressupõe a ordenação do mercado global por meio de marcos jurídicos institucionais, acordados em negociações multilaterais, que garantem tanto a previsibilidade de expectativas dos agentes econômicos quanto a solução de conflitos entre as partes. O sistema regulatório assim criado deve especificar o domínio do permitido, bem como as condutas nocivas ao comércio internacional. (AMARAL Jr., 1999, p. 298). Percebe-se a partir do trecho acima quão fortalecida é a questão da proteção comercial e livre concorrência, enfocando-se no âmbito econômico, em contraposição à inexistência de pontuações quanto às implicações sociais de tais liberdades. Com a emergência e crescente atenção às questões de Direitos Humanos, entretanto, o cenário passou a mudar. A atenção mais proeminente à 30 esfera econômica permanece, e tende a ser permanente devido à lógica capitalista que rege a economia global; contudo, passou-se a considerar não somente tais aspectos, mas também as implicações sociais geradas pela industrialização e comércio. Nas palavras de Queiroz (1999, p.170): É a partir da ideia de inter-relação entre o capital e a justiça social, que se defende a inter-relação de comércio e direitos trabalhistas, de abertura e mundialização das relações comerciais, com reflexo direto na melhoria de padrões de vida dos trabalhadores envolvidos nesta cadeia de produção, com base no princípio de que as ações individuais devem estar voltadas ao interesse social, que as relações comerciais devem ter como foco sua função social, não privilegiando pessoas, países ou grupos organizados individualmente, mas as comunidades como um todo. Por mais que a realidade, mesmo nos dias atuais, esteja ainda distante da conscientização social acima defendida, há de se admitir que muito se avançou no diálogo quanto à função social da economia como um todo, sobretudo através do comércio. A Organização Internacional do Trabalho, cabe afirmar, não deixa de mencionar os impactos econômicos das discrepâncias de conduta de empregadores nacionais na competitividade de um país na economia global, porém ainda assim preza pela dignificação do trabalho e humanização das relações laborais, sobretudo em países não considerados desenvolvidos. O assunto foi novamente abordado algumas décadas mais tarde, na Carta de Havana de 1948. Em seu Artigo 7º era trazido o compromisso com o estabelecimento de padrões trabalhistas justos por parte dos países envolvidos, argumentando que as discrepâncias neste quesito afetavam diretamente a produtividade e implicavam em concorrência desleal entre os países. (QUEIROZ, 2007). Mais tarde o assunto voltou à tona, suscitado por Estados Unidos e França, secundariamente, durante a Rodada do Uruguai. Contudo, houve grande resistência por parte dos países em desenvolvimento, não logrando sucesso a tentativa. Mais 31 uma vez, em 1996, durante a Rodada de Cingapura, o tema foi levantado, desta vez com o apoio da Noruega à proposta estadunidense de inclusão de um padrão de condições laborais a ser respeitado pelos países atuantes no comércio internacional, a fim de que melhor se equilibrassem as relações mercantis; nesta ocasião, fortemente liderados pelo Brasil, os países em desenvolvimento novamente dissuadiram a discussão, sendo a responsabilidade quanto ao tema definitivamente atribuída à OIT7. Cabe comentar, ainda, que a forte recusa dos países em desenvolvimento na discussão do tema a âmbito da Organização Mundial do Comércio, comumente denominado como a cláusula social da OMC, se deve primordialmente à alegação de que este esconderia motivações protecionistas dos países desenvolvidos que o propunham, na busca pelo combate ao chamado dumping social – estratégia de diminuição dos preços de exportação de um país a partir da supressão de direitos trabalhistas, prática de comércio considerada desleal e passível de sanção por meio da imposição de barreiras não tarifárias8. 3.4 NORMAS E CONVENÇÕES VIGENTES – OIT As Convenções da OIT, elaboradas durante as Conferências Internacionais do Trabalho, não são compulsoriamente ratificadas por todos os países-membros da Organização: sua aderência é facultativa, não implicando no desligamento do país em caso de não ratificação de suas decisões. Portanto, ainda que um Estado faça parte da Organização Internacional do Trabalho, não necessariamente estará sujeito às mesmas normas – seletividade esta que, por vezes, gera prerrogativa à adoção de padrões de direitos trabalhistas desiguais entre os diferentes países. Para o estudo da questão da regulamentação das condições trabalhistas realizada pela instituição, mostram-se de suma relevância duas categorias de Convenções – as Convenções Fundamentais e as Convenções de Governança –, as 7. World Trade Organization. Disponível <http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/wto_dg_stat_e.htm>. Acesso em: set. 2013. 8. Ibidem. em: 32 quais seguem pontuadas abaixo conforme ordem de apresentação no website oficial da OIT, contando com menção a seus principais dispositivos e artigos em destaque, bem como o posicionamento de países diretamente envolvidos com o tema abordado por este trabalho. 3.4.1 Convenções Fundamentais 3.4.1.1 Convenção sobre a Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização (C087 – 1948)9 Tal Convenção objetiva a consolidação do direito de trabalhadores e empregadores de se estabelecerem e se associarem, sem distinção alguma, a organizações representativas ou sindicatos de sua escolha, não devendo necessitar de autorização prévia para tanto, conforme previsto em seu Artigo 2º. Ademais, as autoridades públicas devem procurar se abster de quaisquer interferências que possam vir a restringir ou impedir o exercício pleno de tal direito (Artigo 3º), não sendo tais organizações passíveis de dissolução ou suspensão por via administrativa, de acordo com seu Artigo 4º. Por fim, os sindicatos e organizações devem sujeitar-se à legislação nacional, a qual, entretanto, não deverá prejudicar ou ser aplicada de modo a prejudicar as garantias na Convenção estabelecidas (Artigo 8º). A C087 – 1948 foi ratificada por 152 países, entre eles Bangladesh, Camboja, Indonésia, Paquistão e Filipinas. Não ratificaram a Convenção Brasil, China, Vietnã, Malásia, Cingapura e Tailândia, entre outros. Nenhum país denunciou o tratado até o momento. 9. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C087>. Acesso em: set. 2013. 33 3.4.1.2 Convenção sobre a Aplicação dos Princípios do Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva (C098 – 1949)10 Conforme explicitado pela própria denominação desta Convenção, seu principal objetivo é contribuir para a aplicação da supracitada Convenção sobre a Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização, do ano anterior. Estipula que os trabalhadores gozarão de proteção contra atos de discriminação relacionados a seu emprego, sobretudo quanto ao condicionamento deste à não filiação ou desligamento de um sindicato, bem como demitir ou prejudicar um empregado por sua filiação ou participação ativa nas atividades de uma organização sindical (Artigo 1º). Organizações de trabalhadores e empregados deverão ser protegidas de ingerência entre elas, como, por exemplo, no caso da tentativa de dominação de um sindicato de trabalhadores por parte de uma organização de empregadores (Artigo 2º). Por fim, deverão ser tomadas medidas apropriadas às condições nacionais específicas para, caso considere-se necessário, estimular mecanismos de negociação voluntária entre sindicatos de trabalhadores e empregadores ou suas organizações, objetivando à regulamentação dos termos e condições de emprego por meio de acordos coletivos (Artigo 4º). Ratificaram a C098 163 países, dentre os quais Brasil, Bangladesh, Camboja, Indonésia, Paquistão, Filipinas, Malásia e Cingapura. Vietnã, Tailândia e China estão entre os que não ratificam o documento. Nenhum país denunciou a Convenção até então. 3.4.1.3 Convenção sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório (C029 – 1930)11 A Convenção define “trabalho forçado ou obrigatório” como sendo todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não 10. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C098>. Acesso em: set. 2013. 11. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C029>. Acesso em: set. 2013. 34 se tenha oferecido espontaneamente (Artigo 2º). Os países que a ratificam se comprometem, portanto, a abolir a utilização de tal espécie de trabalho, em todas as suas formas, no menor tempo possível (Artigo 1º), não podendo haver concessões a particulares, empresas e associações (Artigo 5º). Se comprometem, ainda, com a responsabilidade de assegurar que sanções impostas por leis sejam adequadas e rigorosamente cumpridas no caso de constatação de imposição ilegal de trabalho forçado ou obrigatório em seus territórios (Artigo 25º). Foram 177 países a ratificar a C029, como Brasil, Bangladesh, Camboja, Indonésia, Paquistão, Filipinas, Vietnã, Malásia e Cingapura. Dos países em questão, apenas a China não ratificou o documento. Não houve denúncias até o presente. 3.4.1.4 Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado (C105 – 1957)12 Tal como as Convenções explanadas nos subitens 3.4.1.1 (C087 – 1948) e 3.4.1.2 (C098 – 1949), a Convenção C105, de 1957, visa a complementar os dispositivos encontrados na Convenção C029, cuja entrada em vigor ocorrera 17 anos anteriormente. Além da reiteração do compromisso de abolição do trabalho forçado ou obrigatório em seus territórios no menor tempo possível, a C105 estabelece ainda que este não deve ser utilizado, entre outras situações, como meio disciplinar de mão de obra, punição por participação em greves ou método de mobilização e utilização da mão de obra para fins de desenvolvimento econômico (Artigo 1º). Ratificaram tal Convenção 174 países, dentre os quais Brasil, Bangladesh, Camboja, Indonésia, Paquistão e Filipinas. Apenas o Vietnã está entre os que não o fizeram. A C105 conta com duas denúncias, de Malásia e Cingapura. 12. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C105>. Acesso em: set. 2013. 35 3.4.1.5 Convenção sobre a Idade Mínima para Admissão de Emprego (C138 – 1973)13 Países que ratificam assumem o compromisso de elevar gradualmente a idade mínima para admissão de emprego, de forma a as tornarem compatíveis com o desenvolvimento físico e mental do jovem (Artigo 1º). A Convenção estabelece, ainda, que não terão idade mínima inferior a dezoito anos empregos que possam prejudicar a saúde, a segurança e a moral dos jovens (Artigo 3º). As medidas necessárias, incluindo-se sanções, deverão ser tomadas pelas autoridades competentes para garantir a vigência de tais determinações, devendo ser legalmente definidas as pessoas ou entidades responsáveis pelas disposições que a elas farão efeito (Artigo 9º). Uma lacuna, entretanto, é encontrada na análise de seu texto: o Artigo 4º prevê a possibilidade de exclusão de aplicação da Convenção um certo número de categorias de emprego, caso estas apresentem reais e especiais problemas em sua aplicação. A C138 conta com 166 ratificações. Dentre elas, Camboja e Paquistão a ratificaram e estabeleceram a idade mínima nacional de 14 anos; Malásia, Filipinas, Cingapura e Vietnã, 15 anos; Brasil e China, 16 anos. Bangladesh foi o único dos países em questão a não ratificar o documento. Não há denúncias até o presente momento. 3.4.1.6 Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho das Crianças (C182 – 1999)14 A Convenção esclarece que são consideradas “as piores formas de trabalho das crianças”: todas as formas de escravatura ou práticas análogas; 13. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C138>. Acesso em: set. 2013. 14. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C182>. Acesso em: set. 2013. 36 envolvimento de crianças para fins de prostituição ou da indústria pornográfica; envolvimento em atividades ilícitas; ou envolvimento em atividades que, pela sua natureza ou pelas condições em que são exercidas, possam prejudicar sua saúde, segurança e moralidade (Artigo 3º), sendo consideradas para os devidos fins como crianças indivíduos com idade inferior a dezoito anos (Artigo 2º). Assim, os países ao ratificarem comprometem-se a tomar imediata e efetivamente medidas para garantir a proibição e eliminação de tais formas de trabalho, em caráter de urgência (Artigo 1º). Comprometem-se, ainda, a adotar medidas apropriadas para ajuda mútua entre si em sua aplicação, através de cooperação internacional reforçada e adoção de medidas de apoio ao desenvolvimento socioeconômico, programas de erradicação da pobreza e educação universal (Artigo 8º). Conta com a ratificação de 177 países ao todo, estando todos os países em questão desta seção entre eles. Não há registro de denúncias. 3.4.1.7 Convenção sobre a Igualdade de Remuneração (C100 -1951)15 A presente Convenção dita sobre a promoção e a garantia por parte de seus países ratificadores ao princípio da igualdade de remuneração entre homens e mulheres por trabalho de igual valor, devendo se dar por meio da legislação nacional, mecanismos de fixação de salários, convenções ou acordos entre organizações de empregadores e sindicatos de trabalhadores, compromisso expresso em seu Artigo 2º. Tal qual a Convenção anterior, também conta com 177 ratificações, inclusive de todos os países aqui abordados. Não há, ainda, denúncias ao tratado. 3.4.1.8 Convenção sobre a Discriminação (Emprego e Profissão) (C111 -1958)16 15. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C100>. Acesso em: set. 2013. 16. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C08>. Acesso em: set. 2013 37 Tal documento trata “discriminação” como qualquer diferença de oportunidades baseada em raça, cor, gênero, religião, opinião política, nacionalidade ou condição social, conforme indicado em seu Artigo 1º. Assim, os países que o ratificarem se comprometem a adotar e seguir uma política nacional destinada a promover a igualdade de oportunidade e tratamento em matéria de emprego e profissão (Artigo 2º), bem como buscar a cooperação de organizações de empregadores e trabalhadores para seu cumprimento, colocando a política de emprego em seus territórios sob a responsabilidade direta de uma autoridade nacional. Foram 172 os países a ratificá-lo, sem nenhuma denúncia até então. Considerando os países relacionados nesta seção, não o ratificam apenas Malásia, Cingapura e Tailândia. 3.4.2 Convenções de Governança 3.4.2.1 Convenção sobre a Inspeção do Trabalho (C081 – 1947)17 A fim de garantir o cumprimento de suas Convenções, a Organização Internacional do Trabalho estabelece, neste documento, que aqueles que o ratificarem deverão manter um sistema de inspeção de trabalho em seus estabelecimentos industriais (Artigo 1º) e comerciais (Artigo 22º), comprometendo-se a assegurar a aplicação das disposições legais relativas às condições laborais e à proteção dos trabalhadores no exercício de suas funções, fornecendo informações e aconselhamento técnico a empregadores e trabalhadores para um melhor cumprimento das normas, levando a conhecimento das autoridades competentes eventuais casos de abuso ou deficiências encontradas não constantes nas disposições legais existentes, devendo pautar-se sempre pela imparcialidade (Artigo 2º); “disposições legais” dizendo respeito, para os devidos fins, a legislação, 17. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C122>. Acesso em: set. 2013. 38 sentenças arbitrais e contratos coletivos com força de lei (Artigo 27º). A autoridade competente deverá, ainda, estimular a cooperação efetiva entre órgãos governamentais e serviços de inspeção, inclusive entre os funcionários da inspeção do trabalho e os trabalhadores ou seus sindicatos (Artigo 5º). Devidamente identificados, os inspetores do trabalho serão autorizados a acessar, sem aviso prévio e a qualquer horário, qualquer estabelecimento submetido à inspeção; realizar todos os exames, controles e inquéritos julgados necessários; interrogar, sozinhos ou na presença de testemunhas, empregadores ou funcionários quanto ao cumprimento de disposições legais, inclusive vistoriando documentos e registros concernentes às condições de trabalho. A inspeção deve ser anunciada, a menos que o inspetor julgue tal anúncio uma ameaça à eficiência da fiscalização (Artigo 12º). Terão autorização, ainda, para providenciar medidas com o intuito de eliminar deficiências encontradas em instalações, organizações ou métodos de trabalho considerados por motivos razoáveis como ameaças à saúde e segurança dos trabalhadores, conforme previsto em seu Artigo 13º. Por fim, estabelece que os estabelecimentos deverão ser inspecionados com a frequência e cuidados necessários para a garantia da aplicação efetiva das disposições legais (Artigo 16º), devendo serem previstas pela legislação nacional e efetivamente aplicadas sanções apropriadas pela violação de tais disposições ou obstrução ao trabalho de inspeção (Artigo 18º). A Convenção conta com 144 ratificações, sem registro de denúncias. Camboja, China, Filipinas e Tailândia não ratificam o documento. 3.4.2.2 Convenção sobre a Política de Emprego (C122 – 1964) 18 Através desta Convenção, os países assumem o compromisso de declarar e aplicar uma política ativa visando a promover o pleno emprego, produtivo e levemente escolhido (Artigo 1º), devendo as organizações de empregadores e trabalhadores serem consultadas quanto a tais políticas, sendo consideradas suas experiências e opiniões, promovendo a colaboração com a elaboração e angariação 18. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C122>. Acesso em: set. 2013. 39 de apoio a tais políticas entre as partes (Artigo 3º). Entre os 108 países que a ratificam não constam Bangladesh, Indonésia, Malásia, Paquistão e Cingapura, não tendo havido denúncia alguma até a atualidade. 3.4.2.3 Convenção sobre a Inspeção do Trabalho na Agricultura (C129 – 1969)19 Destinada a complementar a C081 – 1948 no caso específico da agricultura, tal Convenção não será explanada por não dizer respeito diretamente ao tema objeto de estudo deste trabalho. 3.4.2.4 Convenção sobre Consultas Tripartidas Relativas às Normas Internacionais do Trabalho (C144 – 1976)20 Por meio deste documento, ficam os países que o ratificarem comprometidos a implantar processos que garantam consultas eficazes entre os representantes governamentais, dos trabalhadores e dos empregadores (Artigo 2º) sobre questões abordadas nas Conferências Internacionais do Trabalho, ratificação e denúncia de Convenções (Artigo 5º). O objetivo principal da C144, portanto, é o de replicar a nível nacional a estruturação tripartite de debate e tomada de decisão quanto a temas relacionados às condições laborais. A Convenção conta com 134 ratificações, não estando entre elas apenas Camboja e Tailândia. Novamente, não há denúncias a este tratado. 19. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C129>. Acesso em: set. 2013. 20. International Labour Organization. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C144>. Acesso em: set. 2013. 40 4 DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS Até o presente ponto deste trabalho, puderam-se analisar as diversas legislações nacionais e convenções internacionais que guiam – ou deveriam guiar – as condutas laborais em diversas localidades: regulamentação de jornada de trabalho máxima, salários mínimos, folgas e recessos remunerados, idade mínima para empregabilidade, entre outros. Diversos são os esforços institucionalizados para o combate à precarização de condições e estabelecimento efetivo e igualitário de direitos. Entretanto, a ideia de que tais princípios são efetivamente respeitados na produção em massa de diversos setores, entre eles o da indústria vestuarista, ainda é uma triste utopia. As diversas brechas encontradas em algumas legislações, bem como o estabelecimento de Zonas de Processamento de Exportação com regulamento próprio voltado ao retorno do capital estrangeiro investido – e não ao desenvolvimento socioeconômico dos países em que estão instalados – contribuem para um cenário de desregulamentação prática dos direitos laborais da mão de obra. A preocupação refletida por Naomi Klein (2000) de tais fornecedores única e exclusivamente quanto à produção das encomendas no prazo e orçamento determinados, somada à volatilidade do capital e sua possibilidade de migração constante a outros fornecedores com melhor custo-benefício (corporativo, diga-se de passagem), resulta na redução de custos por meio da negligência e restrição de direitos sociais e humanos. Mas, se há uma Organização Internacional do Trabalho especificamente criada para lidar com a equalização e garantia dos direitos dos trabalhadores em âmbito mundial e esta possui diversas convenções vigentes, as quais abrangem os mais diversos pontos visando à sua proteção e traçando diretrizes aos países para que os implementem e fiscalizem, por que ainda se observam tantas legislações falhas, tantas disparidades de disposições legais e se perpetua a prática de precarização de condições laborais em prol única e exclusivamente do lucro das grandes corporações? 41 4.1 ONGS: POR QUE SÃO NECESSÁRIAS Uma possível resposta à questão colocada quanto à falta de efetividade nas determinações da Organização Internacional do Trabalho pode ser encontrada diretamente em sua estruturação e modus operandi. Exposta no capítulo anterior, a Organização Internacional, ainda que complexamente estruturada, não prevê meios coercitivos para a garantia do cumprimento de suas convenções e determinações. Um país, ao assinar um de seus documentos – ato este que já não é compulsório e, portanto, mostra já no princípio uma dificuldade de aplicabilidade efetiva –, pode ou não cumpri-lo; ora, o descumprimento de uma Convenção Internacional do Trabalho pode, no pior dos casos e em situações absolutamente extremas, implicar em sua suspensão ou desligamento da Organização. Ademais, o compromisso pode ser considerado cumprido aos olhos meramente legalistas a partir da incorporação de seus preceitos às legislações nacionais e sua entrada em vigor – a prática, aqui, infelizmente é meramente prática, e as exceções podem tornar-se a regra. Nas palavras de Iennaco (2005, p. 118), A luta, então, é pela universalização das normas de proteção ao trabalho consideradas essenciais à dignidade dos povos. A Organização Internacional do Trabalho cumpre bem o seu papel, ao identifica-las. Mas sua atividade é vã, se estas não são, espontaneamente, adotadas individualmente por cada país. Se não há poder coercitivo aplicável ao descumprimento dos compromissos pactuados em relação aos trabalhadores e seus direitos, falando mais alto o poder do capital, torna-se o próprio capital a chave para a coerção e o cumprimento das obrigações sociais dos estabelecimentos. Tal pensamento inicialmente pode parecer confuso e até utópico, mas é absolutamente pragmático e direto. Ora, se o capital é a peça chave da engrenagem econômica que resulta na precarização das condições laborais, é preciso encontrar uma força capaz de governá-lo, uma vez que autoridades e legislações nacionais e internacionais se provaram incapazes de fazê-lo. Esta força é inerente ao capitalismo; intrínseca à 42 globalização, à transferência de produção e à própria precarização do trabalho. Esta força é o lucro. O lucro é a razão de ser do capital; é no lucro que o capital se “realiza”, se retroalimenta e se perpetua. O lucro, que não se concretiza no desenvolvimento de um produto; tampouco em sua produção, em sua estratégia de marketing e branding, em sua distribuição ou disponibilidade em lojas. Ele se concretiza no momento da venda, no ato de consumir. O consumidor é sua peça chave; sem consumidores, não há lucro, tampouco lojas, distribuição, branding, marketing, produção ou desenvolvimento. O consumidor é – e sempre será – a peça fundamental e indissociável por trás do capitalismo. E os ativistas são sagazes o suficiente para percebê-lo. A atuação das Organizações Não-Governamentais como complemento aos esforços globais em favor dos direitos trabalhistas se dá exatamente pela percepção de que o consumo pode – e deve – ser utilizado como a força coercitiva que falta às Organizações Internacionais. Os joelhos das grandes corporações somente se dobrarão perante a instituição de direitos sociais a partir da nítida visão de possibilidade de redução de seus lucros. A opinião pública, assim, é a arma ideal no combate à precarização das condições trabalhistas: o marketing anticorporativista, trabalhando com a denúncia de práticas consideradas imorais e degradantes aos direitos humanos, pode tornar-se extremamente prejudicial não somente à imagem das grandes corporações, mas também ao seu resultado financeiro. Os efeitos podem ser devastadores ao grande capital e, portanto, tornase possível a alteração e o aprimoramento das condições encontradas naqueles estabelecimentos a ele diretamente relacionados – ainda que este aprimoramento se dê por vezes somente na retórica. Por meio da exposição de gigantes corporativos, as Organizações NãoGovernamentais buscam a mobilização de massas de consumidores para ações desde o boicote à aquisição de produtos fabricados por mão de obra explorada e em condições precárias à manifestações mais agressivas pelos mais diversos meios – a internet já vinha sendo utilizada desde a década de 1990 como ambiente de fóruns, discussões e trocas de informações e experiências; atualmente, as redes sociais vêm sendo suas grandes aliadas para articulação de movimentos em nível global. 43 Seus alvos são escolhidos a dedo, pensando-se sempre no maior impacto e no efeito mais devastador possível às suas reputações e credibilidade, a fim de que se obtenha maior sucesso em sua alteração de conduta. Ainda que esteja claro que diversas são as corporações que se valem de legislações frágeis e fiscalizações débeis ou corruptas em suas atividades ou nas de suas subcontratadas, as grandes são selecionadas não como um bode expiatório, mas sim um exemplo – que deve impactar não somente a ela mesma, mas a outras que possam ser as próximas a passar pela exposição pública de suas práticas socialmente rejeitadas. Para um maior sucesso, porém, de suas ações, é preciso uma estrutura por trás do ativismo. A organização das ONGs, sua estruturação interna e modus operandi são tão relevantes para o alcance de seus objetivos quanto no caso das Organizações Internacionais, e portanto faz-se pertinente um breve estudo de seu histórico e trajetória como um ator das relações internacionais, bem como a apresentação de algumas destas instituições que trabalham pelo respeito aos direitos laborais pelo mundo. Algumas de suas experiências serão apresentadas no capítulo seguinte deste trabalho. 4.2 ORIGENS E HISTÓRICO As Organizações Não-Governamentais, ainda que de conhecimento popular, têm seu conceito e origens pouco conhecidas. Portanto, para melhor compreendê-las, tais instituições podem ser assim definidas: Organizações voluntárias privadas sem fins lucrativos, endógenas ou exógenas, engajadas no auxílio, reabilitação e desenvolvimento de programas financiados a partir de voluntários, recursos privados e agências de doação, gerenciando-se autonomamente em nível local, nacional e internacional. (BAGCI, 2003, tradução nossa) A definição, entretanto, não encontra consenso definitivo. Pela amplitude do que uma Organização Não-Governamental pode abranger ou significar, diversas são as variações conceituais. Em uma definição simplista, ONGs seriam instituições 44 “dedicadas a tarefas de promoção social, educação, comunicação e pesquisa/experimentação e seu objetivo final é a melhoria da qualidade de vida dos setores mais oprimidos” (LYRA, 2005, p. 31). Para uma melhor abrangência deste trabalho, entretanto, mostra-se importante a conceituação adotada pela Organização das Nações Unidas: Qualquer grupo de cidadãos voluntário e sem fins lucrativos organizados em nível local ou internacional. Objetivando o atingimento de metas e conduzidos por pessoas com um interesse em comum, ONGs performam uma variedade de serviços e funções humanitárias, trazendo as preocupações dos cidadãos aos governos, advogando e monitorando políticas e encorajando a participação política por meio da provisão de informações. Algumas são organizadas em torno de causas específicas, tais como direitos humanos, meio ambiente e saúde. Elas fornecem análises e serviços especializados como mecanismos de alerta rápido, bem como auxílio à implementação e ao monitoramento de acordos internacionais. 21 [...] Ainda que não sob a mesma denominação, a origem das Organizações Não-Governamentais data de séculos atrás: as antigas ordens e missões religiosas são consideradas as primeiras formas de organização civil voluntária visando ao desenvolvimento de um objetivo, articulando-se inclusive em âmbito internacional. Chega-se até mesmo a se afirmar que tais Organizações foram a primeira forma de organização humana, com o intuito de garantir sua mútua proteção e autoajuda, existindo antes mesmo da formação de governos (Korten apud BAGCI, 2003). O termo em si – nongovernmental organizations – teve o início de seu emprego pela própria Organização das Nações Unidas, por meio de sua Carta, ao término da Segunda Guerra Mundial, popularizando-se desde então (DAVIES, 2013; HOROCHOVSKI, 2003). Historicamente, contudo, são apontadas duas raízes às instituições hoje denominadas como ONGs. Primeiramente, temos os preceitos de cuidado e bem estar. Durante a trajetória destas Organizações, diversos foram seus envolvimentos em causas de caridade e filantropia, como as já supracitadas missões religiosas, intensificando-se, contudo, a partir da industrialização do século XIX. A segunda, podendo ser considerada derivada da situação de industrialização inserida na 21. Nongovernmental Organizations. Disponível em: <http://www.ngo.org/ngoinfo/define.html>. Acesso em: out. 2013. 45 primeira, são as profundas disparidades sociais encontradas, levantando a necessidade de conscientização pública e pleito por mudanças. A partir destes dois fundamentos, as Organizações Não-Governamentais passaram a atuar naqueles campos em que o governo mostrava-se ineficiente ou inoperante (BAGCI, 2003). Diversos são os motivos atribuídos ao surgimento e proliferação das ONGs, mas todos têm em seu centro a premissa da crença dos cidadãos em poderem tomar a iniciativa e realizarem seu potencial por meio do trabalho conjunto, buscando a diminuição do lapso de oportunidades existentes na sociedade. Esta é a função central de uma Organização Não-Governamental: dar autonomia aos cidadãos para desenvolverem projetos e atividades de acordo com seus objetivos em comum, trabalhando principalmente com a informação para conscientização popular sobre seus temas e aderência às suas causas. É precisamente esta atuação que torna a opinião pública uma arma poderosa em favor da mudança de conduta das corporações, um poder de coerção complementar que atinge não a imagem de países, mas sim de marcas e empresas específicas, sujeitas às flutuações do mercado e dependente de seus consumidores – e não o oposto, como por vezes procuram transparecer. São inúmeros os países em que Organizações Não-Governamentais operam, e, sendo subordinadas às diversas legislações nacionais, suas estruturas podem, portanto, ter grande variação; contudo, têm em comum uma base geralmente inspirada em Organizações Internacionais, tais como a Organização Internacional do Trabalho. Assim, torna-se mais complexa a análise de sua função em nível estrutural, sendo, portanto, geralmente classificadas de acordo com sua função na sociedade. Também diferem os seus objetivos, podendo ser voltados mais diretamente a problemas concretos da sociedade ou a agendas mais amplas; algumas têm caráter meramente filantrópico, enquanto outras tendem mais ao caráter político; por fim, algumas procuram minimizar os impactos negativos de um processo, enquanto outros buscam a mudança essencial no processo em si. (BAGCI, 2003) As Organizações voltadas essencialmente à conscientização popular, tais quais relatadas acima, são batizadas com o termo advocacy NGOs, sendo o lobby o 46 objetivo final de suas atividades. Algumas atividades abarcadas por este tipo de ONG são elencadas por Bagci (2003): A provisão de informação para influenciar a opinião pública e construir apoio popular aos manifestantes, implicando em publicações em revistas e jornais; escrita de artigos e influência da mídia; fornecer fotos, vídeos e notícias impressas aos jornais; assistir repórteres com logística e recursos; organizar filmes, palestras e conferências; conduzir pesquisas, inspeções e enquetes de opinião pública; manter bibliotecas; monitorar violações aos direitos humanos; prover fontes ao jornalismo; e convidar líderes de resistência... Inicialmente, as ONGs eram vistas essencialmente como instituições filantrópicas e de caridade, porém atualmente vêm adquirindo uma maior força de atuação dentro da sociedade, passando a abranger temas concernentes a mudanças estruturais. Esta mudança no cerne de seu caráter pode ser atribuída em grande parte à desilusão quanto à institucionalização do bem-estar pluralista dos anos 1960: com os sinais de esgotamento do welfare state, choques do petróleo e crise econômica, as considerações sociais passam a segundo plano da agenda estatal, sendo priorizada a legitimação do capitalismo global e suas necessidades (Santos apud HOROCHOVSKI, 2003), fenômeno este que teve por consequência direta a limitação de poderes e habilidades governamentais quanto ao atendimento às necessidades sociais (BAGCI, 2003). Contemporaneamente, tendo em vista a tendência à relativa fragilização do papel do Estado nas relações internacionais, em decorrência das características da globalização econômica pós Guerra Fria e a emergência de novos atores internacionais, o desenvolvimento de novos formatos de solidariedade civil global é visto como contraposição às incertezas geradas (VIEIRA, 2002). Percebe-se, assim, o caráter de complementariedade conferido a tais instituições, as quais possuem a capacidade de preencher lacunas deixadas pela organização governamental – ou, em nível global, Organizações Internacionais. Entretanto, não somente de atividades cooperativas vivem as ONGs: em muitos casos, o caráter de suas atividades é fundamentalmente de controle e fiscalização. De acordo com Vieira (2002, p. 67): 47 A explosão de atividades não-governamentais em geral, e das ONGs em particular, reflete a intensificação da permeabilidade das fronteiras nacionais, bem como os avanços nas comunicações modernas. ONGs dispersas geograficamente e organizações comunitárias de base local podem hoje desenvolver agendas e objetivos comuns no plano internacional. Assim, amparadas contemporaneamente pelas facilidades de telecomunicações e com a colaboração recíproca de organizações menores nas diversas localidades do globo, as ONGs mostram-se uma maneira de expressão da sociedade civil quanto a temas mais amplos, podendo ou não haver o foco específico a um ou mais temas – e é esta expressão a chave para o sucesso de suas campanhas quanto aos temas propostos neste trabalho. Ademais, a formação de redes de Organizações Não-Governamentais mostra-se estratégica para a ampliação de sua abrangência e eficácia (VIEIRA, 2002) – é o caso de organizações como a Social Watch e a Clean Clothes Campaign, apresentadas na seção seguinte do presente capítulo. Contudo, como última consideração às atividades em geral deste tipo de instituição, não estão estas isentas de críticas e debates quanto às suas atividades e atuação na sociedade internacional. Os posicionamentos negativos advêm, sobretudo, de comunidades islamitas, socialistas e perspectivas terceiro-mundistas; por sua vez, a defesa parte sobretudo de países ocidentais, correntes neocolonialistas, companhias transnacionais e ONGs internacionais por si mesmas. A corrente negativista descreve as ONGs como “Not-for-Growth Organizations” (Organizações para o Não Crescimento) ou “Necessary to Governance Organizations” (Organizações Necessárias à Governança) (BAGCI, 2003), se referindo a seu posicionamento em relação a condições encontradas sobretudo em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos – podendo ser sua luta por melhorias nas condições laborais nestes países um exemplo pertinente: esta contrariedade é justificada pela percepção de que tais posicionamentos representariam potencialmente entraves ao progresso econômico destes países. 4.3 NA LUTA POR UM MUNDO MELHOR 48 Feita a abordagem inicial quanto à importância das Organizações NãoGovernamentais como ferramenta da sociedade – local ou internacional – no contrabalanceamento de inoperâncias, ineficiências e até mesmo atitudes governamentais e corporativas, torna-se possível a apresentação de algumas destas instituições atuando no cenário internacional proposto neste trabalho. Diversas são as ONGs envolvidas nos mais diversos âmbitos na luta pelo respeito aos direitos humanos, sendo, portanto, impossível abranger toda a sua complexidade; entretanto, serão apresentadas algumas das quais se mostraram fortemente atuantes no cenário da denúncia e combate da precarização das condições trabalhistas nos países em desenvolvimento, sobretudo na indústria têxtil-vestuarista global. 4.3.1 Global Exchange A Global Exchange – troca global, em inglês – é uma Organização NãoGovernamental fundada nos Estados Unidos da América em 1988, define a si mesma como “uma organização internacional de direitos humanos dedicada à promoção da justiça social, econômica e ambiental pelo mundo” 22, compromisso este reafirmado em sua missão. A abordagem pregada pela instituição é de caráter holístico, através do empoderamento23 local de seus membros e conexão global em prol do estabelecimento de um mundo mais justo e sustentável – em que as desigualdades entre os diversos países e sociedades sejam menores, resultando em desenvolvimento econômico acompanhado de desenvolvimento social e equilíbrio socioambiental. A educação é considerada fator indissociável à conscientização e ação rumo ao modelo de desenvolvimento acima preconizado, sendo uma forte ferramenta de trabalho. A visão da organização reflete esta perspectiva, afirmando a busca por um mundo em que o fenômeno da globalização seja “centrado” nas pessoas – ou seja, preze não somente pelo avanço econômico, mas sim pelo atrelamento deste ao desenvolvimento social –, valorizando os direitos dos 22. Global Exchange. Disponível em: <http://globalexchange.org/mission>. Acesso em: out. 2013. 23. Empoderamento, na definição do dicionário, é a “conscientização e participação com relação a dimensões da vida social”. 49 trabalhadores, em que a cooperação internacional tenha lugar central e prioritário na garantia da paz; e que objetive a criar economias nacionais ambiental e socialmente responsáveis e, por conseguinte, uma economia internacional mais equilibrada e com menos disparidades entre seus atores. Em fato, a globalização é um item recorrentemente citado pela ONG como uma das causas fundamentais de diversas injustiças e desequilíbrios sociais e dos direitos humanos que combatem. Tal perspectiva fica muito clara a partir do excerto abaixo, o qual, ademais, vai completamente ao encontro com o posicionamento neste trabalho colocado de que os direitos sociais são suprimidos como forma de criar ou manter uma competitividade internacional por parte de países em desenvolvimento, impulsionados pela incessante busca pelo lucro das grandes corporações de países desenvolvidos: Em um mundo em que a economia de quantidade abastece o poder corporativo e a ganância política, a elite está colhendo lucros enquanto o povo e o planeta ficam relegados a pagar o preço. Em resposta à degradação mundial causada pelo sistema da globalização de elite, a Global Exchange visiona uma economia de qualidade alternativa centrada na proteção aos direitos humanos para que se garanta que o custo da 24 globalização não recaia sobre todos. (tradução nossa) Assim, a instituição pretende, de certa forma e por meio de ações e casos específicos, despertar a consciência relativa ao processo potencialmente destrutivo do capitalismo, da globalização e dos impactos sociais derivados da transferência desregrada de produção dos grandes centros mundiais para os países em desenvolvimento e essencialmente abundantes em mão de obra pouco qualificada. A justiça almejada pela Global Exchange é ampla, abrangente e baseada na cooperação internacional – o lucro, por sua vez, deve atuar em favor da comunidade pela qual é gerado, e não como seu opressor. Na opinião da ONG, é necessário mudar o centro da economia do lucro para as pessoas – somente assim será possível a construção de um mundo mais justo para todos. Pragmaticamente, tendo em vista a improbabilidade – ao menos a médio prazo – da alteração do sistema de acumulação vigente, faz-se essencial ao menos a amenização de seus efeitos colaterais frente à sociedade. 24. Global Exchange. Disponível em: <http://globalexchange.org/mission>. Acesso em: out. 2013. 50 Ainda que sua agenda seja relativamente ampla – abrangendo temas pouco específicos como “justiça social”, em si mesma complexa e composta por infinitos subitens possíveis –, a Global Exchange tem dois focos em específico: abordar as causas (e não somente as consequências) das injustiças, mas, principalmente, a atuação de atores estadunidenses neste vasto cenário. A partir de uma perspectiva nacional, analisando criticamente a atuação de seu próprio governo e suas próprias corporações, a instituição busca combater as injustiças, criar e enxergar alternativas possíveis e agir; desta maneira, a máxima “agir local para refletir global” pode ser considerada propriamente a lógica utilizada pela ONG para desenvolver suas atividades – a própria instituição afirma que “para mudar o mundo, começamos por mudar nosso lar”25. Vale afirmar, ainda, que o impacto potencial deste foco é bastante relevante, tendo em vista o peso exercido por corporações estadunidenses nas denúncias de violações aos direitos sociais e trabalhistas – se não diretamente, por meio de suas subcontratadas e, pela visão indicada pela Organização Internacional do Trabalho, sendo solidariamente responsáveis por tanto –, bem como o peso da massa consumidora dos Estados Unidos na composição da demanda global e consequente influência no mercado internacional. 4.3.2 Global Labour Rights A instituição, oficialmente denominada Institute for Global Labour and Human Rights – Instituto para os Direitos do Trabalho e Humanos Globais – foi fundada em 1981, também nos Estados Unidos, sendo inicialmente denominado Comitê Nacional do Trabalho. O espírito da ONG é belamente expresso em seu website por uma imagem do diretor do Instituto, Charles Kernaghan, acompanhada da seguinte reflexão: “Se as marcas podem ser protegidas por leis suportadas por sanções, por que é que os seres humanos que produzem tais vestimentas não podem ter proteções legais similares?”26. Assim, o Instituto define como um de seus objetivos centrais a promoção e defesa dos direitos laborais internacionalmente reconhecidos na economia global – 25. Ibidem. 26. Global Labour Rights. Disponível em: <http://www.globallabourrights.org/about>. Acesso em: out. 2013. 51 em sua missão, afirmam acreditar que “direitos trabalhistas são direitos humanos”, expandindo, assim, sua potencial área de atuação. Para atingir suas metas, a ONG institucionalizou-se profundamente, contando com escritórios e parceiros em diversas regiões do globo como China, Jordânia, América Central e Sul Asiático. Sendo por diversas vezes citada na obra de Naomi Klein (2000), a instituição é em grande parte responsável pela criação de um crescente movimento anti-sweatshops – termo utilizado para descrever os estabelecimentos fabris palco de explorações contra os trabalhadores – no coração da sociedade mais consumista do mundo, sua sede, os Estados Unidos. A autora canadense, inclusive, é uma das personalidades cujas declarações relatam os impactos decorrentes da atuação do Instituto, disponíveis em seu website: GLHR [Global Labour and Humans Rights]… utilizou o estilo de mídia excêntrico do Greenpeace para voltar mais atenção pública aos apuros dos trabalhadores de sweatshops do que o movimento sindical de vários 27 milhões de dólares atingiu em mais de um século. (tradução nossa) A estrutura da Organização Não-Governamental abarca inclusive um corpo de advogados internacionais com alto grau de experiência, os quais ficam à disposição para responder a apelos de apoio a trabalhadores explorados enquanto produzem artigos a serem exportados para os Estados Unidos; além deste apoio jurídico, promovem a solidariedade e visibilidade internacional desta luta, a fim de fortalecer seus esforços na busca por salários dignos, ambiente de trabalho limpo e saudável, direito à livre associação e organização, entre outros já internacionalmente reconhecidos e assegurados pela Organização Internacional do Trabalho, exigindo que as grandes corporações mantenham uma conduta adequada e de respeito a tais direitos. Outrossim, a instituição busca gerar o sentimento de apoio e solidariedade à causa da luta de trabalhadores por direitos laborais fundamentais através de pesquisas, educação pública e campanhas populares voltadas aos cidadãos do país. Novamente, à luz do observado na Global Exchange, o foco no poder de influência estadunidense – em grande parte por meio de seu povo, sua massa consumidora – é ressaltado e utilizado como ferramenta fundamental de trabalho. 27. Idem. Disponível em: <http://www.globallabourrights.org/about?id=0011>. Acesso em: out. 2013 52 4.3.3 Social Watch Tendo, assim como a Global Labours Rights e diferentemente da Global Exchange, um foco voltado especificamente às questões sociais, a Social Watch não é propriamente uma Organização Não-Governamental, mas sim uma associação de Organizações Não-Governamentais e grupos cívicos interligados por uma causa em comum. Em fato, a instituição se define como [...] uma rede internacional de organizações de cidadãos na luta pela erradicação da pobreza e suas causas, pelo fim de todas as formas de discriminação e racismo, pela garantia de uma distribuição equitativa do 28 bem estar e pela realização dos direitos humanos. Fundada no ano de 1995 e sediada no Uruguai – uma grande diferença de localização geográfica em relação às demais instituições abordadas nesta seção –, sua ideia inicial foi a de constituir-se em um Local de encontro para Organizações Não-Governamentais preocupadas quanto ao desenvolvimento social e a discriminação de gênero, e engajadas em monitorar as políticas que tenham um impacto na desigualdade e nas 29 pessoas que vivem na pobreza. Seu trabalho é baseado no princípio enfatizado de que todos têm direito a não serem pobres – uma afirmação deveras forte e que realça a ideia de que o desenvolvimento promovido pela industrialização e crescimento econômico deve ser para todos. Ainda que seu foco seja relativamente específico, a instituição não deixa de, em sua descrição, reafirmar o compromisso geral com a paz e com a justiça social, econômica, ambiental e de gênero, buscando a promoção do desenvolvimento sustentável centrado nas pessoas – novamente, mais um ponto de convergência entre as instituições aqui apresentadas e a necessidade exposta neste trabalho de que o lucro a qualquer custo deixe de ser o ponto central de preocupação em prol de uma economia global mais justa; ou seja, que se preze 28. Social Watch. Disponível em: <http://www.socialwatch.org/node/63>. Acesso em: out. 2013. 29. Ibidem. 53 concomitantemente pelo desenvolvimento social, e não pelo econômico somente. Tal objetivo maior mostra-se recorrente às Organizações Não-Governamentais de cunho social e, desta forma, a visão pragmática de que é preciso amenizar os impactos negativos do modo de acumulação vigente em contraposição à utopia de alteração de seu caráter fundamental mostra-se igualmente aplicável. As organizações nacionais que compõe a coalizão da rede que é a Social Watch são apelidadas de Watchers – são centenas de grupos e organizações em mais de sessenta países, em princípio organizadas a partir de coalizões secundárias nacionais. A instituição compromete-se com uma organização não hierárquica e democrática, sendo suas decisões tomadas em bases de princípios igualitários e um alto grau de autonomia de seus membros componentes; ademais, a flexibilidade é considerada chave para a manutenção do sucesso da Social Watch em nível internacional. Seu modo de atuação é baseado na conscientização popular por meio da informação, alicerçado fundamentalmente na atuação local e nacional para o reflexo em nível global. Sua estrutura, entretanto, compreende muito mais do que apenas estes braços vigilantes em nível local e regional: o corpo institucional é dividido em Secretariado Internacional, Comitê de Coordenação e Assembleia. A Figura 1 expõe por meio de organograma a composição da associação. Figura 1 – Estruturação da Social Watch Fonte: Social Watch. Disponível em: <http://www.socialwatch.org/node/63>. Acesso em: out. 2013. 54 O Secretariado é o principal órgão executivo da instituição, sendo dirigido pelo Coordenador da Social Watch; sua função inicial restringia-se à elaboração de relatórios, porém com o desenvolvimento institucional passou a abranger uma série de novas funções, tais como pesquisa, capacitação, elaboração de campanhas, representação em fórum internacional, entre outras. O Comitê de Coordenação, por sua vez, é o órgão político chave da Social Watch, sendo composto por dezesseis membros: dois de cada uma das regiões abrangidas – América do Norte, América Latina, África, Ásia, Arábia e Europa; até três membros cooptados pelo Comitê; por fim, o Coordenador da Social Watch anterior assume um cargo em caráter ex officio. É responsável, sobretudo, por conferir liderança política e ser fonte de diretrizes, bem como ter uma visão geral da implementação das decisões tomadas pela organização. Seu trabalho, fundamental para que flua o trabalho no dia a dia da instituição, requer comunicação constante via listas de e-mail, conferências telefônicas e reuniões semestrais para a discussão de temas específicos. Levando em consideração a igualdade de gênero em sua própria estrutura, cada região deverá ter como representantes um homem e uma mulher, devendo a paridade sempre constar na composição do órgão. Por fim, o Comitê reporta suas atividades à Assembleia, sendo o órgão responsável, por sua vez, por sua convocação. Finalmente, a Assembleia é o órgão máximo governativo da Social Watch, reunindo-se bienal ou trienalmente. Nela são discutidos temas políticos e o planejamento estratégico a médio e longo prazo, consistindo, consequentemente, em um fórum de tomada de decisão: além do princípio democrático permitindo a participação de todos, ainda atua no propósito de reforço do sentimento de pertencimento e integração, fortalecendo a identidade e unidade da instituição. Cada coalizão nacional tem o direito de se fazer representar por meio de até dois delegados, devendo, contudo, ter satisfeito alguns critérios como o envio de relatórios à Social Watch. Uma última função atribuída à Assembleia é a convocação e condução do processo eleitoral para a composição do Comitê de Coordenação. As redes de organizações, conforme anteriormente citado, conferem um maior grau de abrangência potencial de público a partir de suas ações: muito beneficiadas pelo progresso das telecomunicações, permitem maior participação e 55 agilidade do debate quanto a questões sociais, ambientais e de direitos humanos, aumentando seu grau de eficácia. Desta forma, é crucial que se reconheça o trabalho destas instituições não somente por seu ativismo, mas indiretamente como agentes de integração social internacional. 4.3.4 Clean Clothes Campaign Assim como a Social Watch, a Clean Clothes Campaing – comumente referida apenas como CCC – é, também, uma associação de Organizações NãoGovernamentais, neste caso em específico sendo composta por ONGs e sindicatos de dezesseis nações europeias; ainda que geograficamente limitada, a associação coopera com outras de caráter similar nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Fundada em 1989 e sediada em Amsterdam, a instituição possui um foco ainda mais restrito e definido: como o próprio nome dá a entender, as confecções são os principais alvos de fiscalização e ativismo. Conforme as demais instituições apresentadas, e em consonância com o pressuposto deste trabalho de que a opinião pública é uma ferramenta poderosa no atingimento de objetivos e metas estabelecidos pelas Organizações NãoGovernamentais, a Clean Clothes Campaign tem suas atividades pautadas no advocacy e na conscientização e mobilização populares, visando a uma mudança de comportamento da massa consumidora e, a partir dos impactos de tal alteração, exercer influência positiva na resolução dos problemas identificados e incentivando – ou pode-se também dizer coibindo – à melhoria das condições trabalhistas encontradas no chão de fábrica da indústria vestuarista global, cerne último da competitividade deste setor da economia. Diversos são os princípios que pautam a atuação da Clean Clothes Campaign: o direito irrestrito e indiscriminado de trabalhadores a condições de trabalho boas e seguras, em que possam exercer seus direitos de livre associação e barganha coletiva, bem como receberem uma remuneração digna; a aplicação dos padrões mínimos estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho e convenções internacionais na produção da indústria vestuarista e esportiva, devendo 56 ser aplicados inclusive aos estabelecimentos de trabalho que não sejam formalmente classificados como tal (como, por exemplo, oficinas domésticas de costura); direito da informação dos trabalhadores quanto a suas prerrogativas estabelecidas em âmbito local ou internacional; direito do público consumidor de conhecimento da procedência e condição de fabricação dos produtos que consomem; estímulo à autonomia dos trabalhadores quanto a sua organização e empoderamento; consulta prévia aos trabalhadores relacionados a campanhas a serem lançadas pela instituição; identificação de situações em que a questão de gênero permeie ou facilite a violação de direitos laborais; entre outros. Na visão da CCC, toda a cadeia produtiva das indústrias do vestuário e de esportes deve ser responsável pela garantia da observância dos direitos trabalhistas no desenvolvimento de seus produtos, desde os estabelecimentos fabris produtores, passando pela corporação que gerencia a marca, até o estabelecimento varejista que os comercializa. Ademais, deveriam atuar no sentido de facilitar o diálogo e a negociação entre sindicatos de empregados e de empregadores, a fim de otimizar os resultados de tais relações. O peso imposto pelo poder da marca deveria ser utilizado em prol dos trabalhadores e suas legítimas reivindicações, e não da comumente observada maneira inversa, oprimindo a partir do peso do capital e da busca obsessiva pelo menor custo a fim de que se obtenha o maior lucro possível. As grandes corporações devem – ou ao menos deveriam – agir com transparência quanto às condições encontradas em toda a sua cadeia produtiva, considerando ações em favor do aprimoramento de tais condições laborais em todas as etapas do processo de produção e agregação de valor. São mais de duzentas instituições parceiras diretamente nos países produtores, atuando na identificação de problemas e objetivos locais e auxiliando no desenvolvimento de estratégias de campanha para o apoio da luta pelos trabalhadores por condições mais dignas, demandando por melhores condições laborais e respeito a seus direitos internacionalmente reconhecidos, porém por vezes ignorados. Percebe-se, bem como na divisão internacional do trabalho, a setorização global das atividades da própria Organização Não-Governamental que luta pelo apaziguamento dos malefícios por ela causados: ainda que seu maior campo de atuação seja inexoravelmente o mundo em desenvolvimento, sua sede permanece em um país desenvolvido e essencialmente central na geopolítica, assim 57 como as matrizes das grandes corporações em contraposição a suas subcontratadas fabricantes dos produtos em si. Finalmente, conclui-se que o combate aos efeitos negativos da globalização podem ser encontrados no centro das atenções de todas as instituições abordadas. Sendo utópica a alteração da configuração capitalista mundial, torna-se o objetivo principal, então, lutar pelo apaziguamento de tais consequências, sobretudo em relação àqueles já em posição desfavorável, através de pequenas conquistas e graduais avanços internacionalmente consagrados. no tocante ao respeito a direitos já 58 5 ESTUDOS DE CASO: A LUTA PELA MUDANÇA O tema do combate à precarização das condições trabalhistas, sobretudo em países em desenvolvimento, conforme apresentado, vem sendo o centro de diversos debates não somente no nível das Organizações Internacionais competentes – a Organização Internacional do Trabalho como fórum central e, secundariamente, a Organização Mundial do Comércio e sua controversa “cláusula social” –, mas também de diversas Organizações Não-Governamentais internacionais, tais quais as apresentadas no capítulo anterior deste trabalho. Entretanto, não somente através da atuação internacional se dá a luta contra a injustiça social derivada, sobretudo, da globalização: é nas localidades que os pequenos primeiros avanços são dados, muitas vezes impulsionados e orientados silenciosamente pelas instituições internacionais. Sem a ramificação local e a organização dos próprios trabalhadores explorados contra as violações a seus direitos, não há avanço possível. Nem o melhor advocacy organizado por uma grande ONG em nível global terá o resultado esperado caso os próprios trabalhadores não procurem por si mesmos a melhora de suas condições. Assim, nesta seção não serão mostradas apenas grandes campanhas internacionais e de grande repercussão, senão também as movimentações locais, no chão de fábrica, pouco divulgadas ao público externo de suas localidades, mas capazes de implantar uma semente de esperança e perspectiva de mudança futura, sendo uma iniciativa fundamental que suplanta o trabalho das ONGs aqui estudadas, contribuindo para o alcance de suas metas e causas a partir do trabalho de base. 5.1 LEVI’S E A IMPLEMENTAÇÃO DOS CÓDIGOS DE CONDUTA A preocupação da sociedade internacional e de Organizações Internacionais com as injustiças sociais geradas pela globalização, conforme já apresentado, data de muito antes do processo de intensificação do fenômeno. Com 59 o crescente olhar vigilante do mundo perante tais questões, contudo, as grandes corporações passaram a temer os reflexos negativos de seus atos – por vezes considerados injustos, ainda que economicamente legítimos perante órgãos como a Organização Mundial do Comércio – em sua imagem corporativa e de marca, podendo impactar suas vendas e, consequentemente e mais importante, sua lucratividade. Tendo tal perspectiva em vista, a Levi Strauss & Company, no ano de 1992, inovou a política de relações públicas das grandes corporações à época: após descobrir que algumas de suas fábricas fornecedoras estrangeiras adotavam práticas que remetiam à escravidão, tornou-se a primeira empresa a adotar um código de conduta corporativo, que abrangia o gerenciamento ético e de direitos trabalhistas no contexto de suas relações com fornecedores internacionais (KLEIN, 2000; KOLK; TULDER; WELTERS, 1999). Seguida de perto por outras corporações de marca como Nike e Reebok (KOLK; TULDER; WELTERS, 1999), os códigos de conduta rapidamente passariam a ser de comum adoção por empresas transnacionais. Porém, cabem alguns questionamentos: o que as empresas realmente pretendem a partir de tais códigos? E ainda que bem redigidos, voluntariamente adotados e contemplando em seus conteúdos diversos direitos sociais e princípios éticos, qual seria a real efetividade de seus termos e comprometimentos? O surgimento e a popularização dos códigos de conduta passaram a ser o cerne de uma discussão quanto à capacidade de empresas transnacionais de se autorregularem, concomitantemente à fiscalização de Organizações Não- Governamentais e Organizações Internacionais – em fato, a adoção de códigos de conduta estabelecidos pelas próprias corporações ou por associações de empregadores pode ser considerada uma tentativa de antecipação às ações de tais organizações, procurando minimizar seus impactos e até mesmo resguardar sua imagem de marca de possíveis ataques referentes às suas relações corporativas, sobretudo no tocante a fornecedores localizados em países em desenvolvimento (os quais, conforme já explicitado neste trabalho, algumas corporações insistem em afirmar não terem direta responsabilidade sobre a conduta, ainda que contemporaneamente sejam comumente consideradas pela sociedade internacional como solidariamente responsáveis por suas práticas). 60 A força dos códigos de conduta e sua capacidade de abertura para o diálogo ou estabelecimento de limites outrora não definidos quanto à responsabilidade de conduta ética, regulamentação e fiscalização não deve ser subestimada: como resposta à pressão social, tais iniciativas vêm sendo frequentemente tomadas como uma tentativa ao diálogo construtivo entre as diversas partes envolvidas, desde acionistas corporativos até órgãos governamentais e Organizações Internacionais. Seu potencial de definição e influência de agendas, portanto, deve ser reconhecido 30. Códigos de conduta estão intrinsecamente ligados à ideia de responsabilidade social corporativa, tema que surgiu primeiramente no início do século XX nos Estados Unidos, sobretudo por meio do industrial e filantropo Andrew Carnegie, um escocês-americano que acreditava que as empresas não deveriam se preocupar apenas com a geração de lucros. Atualmente, pode-se considerar que o tópico “responsabilidade social corporativa” abarca uma das nuances do que se considera a origem das Organizações Não-Governamentais: a ideia de filantropia e de que os mais fortes deveriam procurar tomar conta dos mais fracos; entretanto, diferencia-se ligeiramente desta por não ser adotada por espontaneidade, mas sim pelo sentimento de obrigação com a sociedade. A segunda ideia por trás de seu conceito é a de que os grandes empresários, por sua posição de relevância e poder, deveriam se utilizar de sua influência, agindo em prol do interesse geral, e não somente dos acionistas que por acaso representem. Em resumo, são três os princípios envolvidos no conceito de responsabilidade social corporativa: princípio de legitimidade, em que, assim como é a sociedade que confere poder às grandes corporações, esta se mostra igualmente capaz de deslegitimá-lo; princípio da responsabilidade pública, em que a corporação se torna responsável pelos efeitos primários e secundários advindos de suas atividades; e o princípio da discrição gerencial, em que os empresários figuram como atores morais, devendo se portar como tal31. Entretanto, é de suma importância que se adote uma perspectiva crítica em relação à proliferação contemporânea de códigos de conduta: ainda que em seu corpo abarquem boas intenções sociais e de justiça, no âmago de sua criação podem estar outros interesses que não o bem comum. Infelizmente, a adoção de 30. Ibidem. 31. Ibidem. 61 tais códigos vem sendo muitas vezes utilizada como estratégia de marketing e relações públicas de marca, visando à influência de outros atores da sociedade, sejam eles as agências reguladoras ou Organizações Não-Governamentais, concorrentes, fornecedores, acionistas ou até mesmo a base de sua legitimidade de poder e razão de ser: os consumidores32. A existência de tais códigos de conduta, ainda que por vezes implantados por razões menos nobres do que o esperado ou imaginado, pode auxiliar e muito o trabalho de Organizações Não-Governamentais e seu viés fiscalizatório e de influência da opinião pública como ferramenta de combate à precarização das condições laborais, através da tentativa de antecipação da solução – ainda que apenas aparente – de pontos passíveis de críticas das organizações ativistas, visando a evitar virem a ser alvos de suas campanhas ou, ao menos, minimizar seus impactos. De uma maneira próxima ao expresso pelo ditado popular em que “o feitiço vira contra o feiticeiro”, a construção ou manutenção de uma imagem através da atuação das relações públicas corporativas por meio destes códigos pode por si mesma representar sua derrocada: se violações a direitos internacionalmente reconhecidos e socialmente considerados adequados já possuem um impacto potencialmente destrutivo às corporações que as praticam, o que dizer de violações a disposições voluntariamente adotadas? A falta de comprometimento verdadeiro com suas próprias normas pode levar à perda de credibilidade das corporações e suas marcas perante seus consumidores, levando a uma situação de real e iminente baixa de faturamento e, consequentemente, resultados financeiros menos favoráveis – situação temida por qualquer corporação. 5.2 JUSTICE: NIKE, JUST DO IT! Uma das maiores corporações de nosso tempo, a Nike tornou-se internacionalmente “um símbolo de ambos os benefícios e os riscos inerentes à globalização” (LOCKE, 2002). Fundada por Phil Knight e Bill Bowermen em 1964 a partir de um investimento de modestos US$ 500 cada, e originalmente denominada 32. Ibidem. 62 Blue Ribbon Sports, em questão de décadas passou de uma mera distribuidora de calçados japoneses à líder em design, distribuição e marketing da indústria de calçados esportivos, expandindo sua atuação posteriormente também ao setor vestuarista. A marca Nike propriamente dita foi lançada em 1972, tendo o nome da corporação sido oficialmente alterado em 1978 para o atual Nike, Inc. 33. Desta forma, pode-se afirmar que a Nike já nascera à frente de seu tempo no tangente à terceirização de seus setores produtivos – alterando-se com o tempo, apenas, a localidade de tal produção de acordo com a descoberta de legislações trabalhistas mais flexíveis, salários mais baixos e mão de obra mais abundante. Inicialmente adquirindo produtos fabricados no Japão, logo passou a cultivar potenciais fornecedores em países como Coréia do Sul, Tailândia, China e Taiwan; mais adiante, com o crescimento econômico e consequente majoração de custos de mão de obra na Coréia e em Taiwan, a corporação passou a trabalhar com fornecedores localizados em países ainda considerados em desenvolvimento, tais como Indonésia, China e Vietnã34. No ano de 2002, data da publicação do documento do Instituto de Tecnologia de Massachusetts The promise and perils of globalization: the case of Nike (LOCKE, 2002), seus produtos eram manufaturados em mais de 700 estabelecimentos, empregando mais de 500.000 trabalhadores em 51 países – entretanto, o quadro de funcionários diretos da empresa se restringia a meros 22.658 empregados, a grande maioria nos Estados Unidos da América. No que diz respeito exclusivamente à divisão vestuarista da corporação, eram 579 estabelecimentos distribuídos pelo globo. Tal discrepância se dá pelas próprias características de ambos os segmentos: enquanto as fábricas de calçados esportivos exigem uma maior intensidade de capital para seu estabelecimento, as confecções são essencialmente intensivas em mão de obra, portanto geralmente menores e de mais fácil implementação35 – consequentemente, mais fácil em relação à anterior mostra-se sua migração para outras localidades em que a oferta de mão de obra seja financeiramente mais viável, gerando as já citadas insegurança e instabilidade de emprego e econômicas. A distribuição regional e setorial da produção da Nike à época pode ser observada na Figura 2. 33. Ibidem. 34. Ibidem. 35. Ibidem. 63 Figura 2 – Distribuição de fornecedores da Nike por região e segmento Fonte: LOCKE, Richard M. The Promise and Perils of Globalization: The case of Nike. Industrial Performance Center (Massachusetts Institute of Technology). Cambridge, 2002, p. 6-7. A composição de sua rede de fornecedores do segmento vestuarista, 64 geralmente produzindo simultaneamente para corporações concorrentes, bem como o caráter curto dos contratos estabelecidos por conta das variações de tendências e alteração das preferências dos consumidores, acabam por, de certa forma, alterar os níveis de influência que a Nike poderia exercer quanto às condutas internas de tais estabelecimentos, tais como processos de produção e condições de trabalho e emprego (LOCKE, 2002) – argumento que pode ser utilizado com o intuito de procurar isentar a marca de responsabilidade social quanto à fabricação de seus produtos (ou ao menos reduzi-la. E é exatamente pela discordância de segmentos mais ativistas e politizados da sociedade internacional quanto a tal tentativa de isenção de responsabilidade solidária, combinada ao peso que a marca Nike logrou construir em nível mundial, que o movimento anti-Nike tornou-se um símbolo da luta contra a desigualdade social gerada pela globalização e contra a exploração trabalhista – segundo a colocação de Naomi Klein, a campanha contra a corporação pode ser considerada “a mais divulgada e mais tenaz das campanhas baseadas em marcas” (KLEIN, 2000, p. 393). Denúncias envolvendo estabelecimentos produtores de calçados e vestimentas Nike e baixos salários, condições precárias de trabalho e violações aos direitos humanos não são exatamente recentes – datam desde a década de 1980, portanto pouco após sua fundação. No entanto, a situação agravou-se consideravelmente durante a década seguinte, por meio da descoberta de trabalhadores mal remunerados na Indonésia, trabalho infantil no Camboja e no Paquistão, bem como condições extremamente precárias de trabalho na China e no Vietnã. Phil Knight, CEO da empresa, chegou mesmo a admitir em tom de lamento, em um discurso proferido em maio de 1998, que “os produtos Nike se tornaram sinônimos de salários escravistas, horas extras forçadas e abuso arbitrário” (LOCKE, 2002, p. 9). Dos casos supracitados, o de maior repercussão internacional e alvo de posteriores campanhas de Organizações Não-Governamentais e grupos populares pode ser considerado o indonésio. No início dos anos 1990, eram seis os estabelecimentos no país produzindo para a Nike, empregando mais de 25.000 pessoas – destas, quatro empresas eram de propriedade dos fornecedores coreanos da Nike; um caso típico de subcontratação, distanciando ainda mais a relação trabalhista aparente entre a corporação e os empregados asiáticos. Neste 65 cenário, o fator de maior revolta relativo aos baixos salários praticados se deu por ser esta violação concedida pelo governo da Indonésia: os estabelecimentos haviam peticionado ao governo a exceção quanto ao respeito legal do valor do salário mínimo, pois seu cumprimento dificultaria sua viabilidade financeira. Cabe citar, ainda, os cálculos oficiais do próprio governo indonésio de que o salário mínimo vigente à época era tal que cobriria apenas 70% das necessidades básicas de um indivíduo, tornando tal lobby corporativo ainda menos bem visto socialmente (LOCKE, 2002). Inicialmente, a Nike negara qualquer responsabilidade sobre os trabalhadores indonésios, alegando serem tais estabelecimentos de propriedade e operação exclusiva de contratados independentes; o Vice-Presidente para a Ásia da Nike chegou a afirmar que a Nike não “sabia coisa alguma sobre fabricação. Somos marqueteiros e designers” (idem, p. 11); complementarmente, em relatório, a Global Labour and Humans Rights cita uma declaração de uma porta-voz da corporação referente ao assunto, em 1997: “Qual é a responsabilidade da Nike? Estas fábricas não são nossas”36. Tais violações de direitos sociais e humanos foram alvo de severas campanhas de Organizações Não-Governamentais. Diversos foram os relatórios sobre o tema elaborados por instituições como a Global Exchange: entre eles, no documento intitulado Still Waiting For Nike To Do It, de maio de 2001, é ressaltada a discrepância entre a retórica da empresa de combate à precarização das condições laborais em seus fornecedores, como a interrupção e petições para concessão de exceção aos estabelecimentos quanto ao pagamento do salário mínimo vigente (LOCKE, 2002) – fruto, sobretudo, do supracitado discurso de Phil Knight três anos antes –, e a realidade observada através de fiscalizações, inspeções e relatos de trabalhadores de tais estabelecimentos. Assim como os códigos de conduta por vezes se mostram, as promessas de Knight aparentemente não haviam passado de estratégia de relações públicas para minimizar os efeitos das denúncias em suas vendas e rentabilidade. Não somente de grandes campanhas organizadas por instituições internacionalmente conhecidas, porém, vive o espírito anti-Nike: também uma simples campanha local na região do Bronx foi capaz de abalar o departamento de relações públicas da gigante do Oregon, estado de origem da corporação. Para 36. Global Labour Rights. Disponível em: <http://www.globallabourrights.org/press?id=0531>. Acesso em: out. 2013. 66 compreender a importância dada à ocorrência é preciso ter em mente o forte viés de marketing e branding da Nike voltado aos guetos e subúrbios estadunidenses – os jovens destas localidades, inspirados por atletas (geralmente negros) nas propagandas mostrando o sucesso conquistado, tais como Michael Jordan e Tiger Woods, bem como os inúmeros rappers vestindo e calçando Nike em seus shows e capas de CDs, consistem em uma grande massa consumidora de seus produtos (KLEIN, 2000). Ao perceber com indignação os jovens de seu bairro “calçando tênis que não podiam comprar e pelos quais seus pais não podiam pagar”, Michael Gitelson, um assistente social, decidiu contar aos garotos que frequentavam o centro comunitário sobre como eram fabricados aqueles calçados e roupas que eles tanto desejavam e que seus pais se sacrificavam para poder dá-los: fatos como o salário de em média dois dólares diários dos trabalhadores indonésios, o custo aproximado de fabricação de cinco dólares dos pares que eles compravam nos Estados Unidos por US$100 a US$180. Mais importante que tais constatações, relativamente distantes de sua realidade, procurou mostrar-lhes a responsabilidade de corporações como a Nike no fato de que seus pais muitas vezes encontravam-se desempregados, assim como diversos outros jovens e adultos de suas localidades 37. A motivação para tal atitude de conscientização é justificada por Gitelson: Estamos com muita raiva mesmo [...] porque eles estão ganhando dinheiro demais de nós aqui e indo para outros países para explorar pessoas em situação ainda pior do que a nossa. [...] Queremos que nossas crianças vejam como isso os afeta aqui nas ruas, mas também como as ruas daqui afetam as pessoas do Sudeste da Ásia. (Gitelson apud KLEIN, 2000, p. 400) A irritação com tal situação provocada nos garotos foi tamanha que estes não somente passaram a escrever cartas de indignação a Phil Knight (chegando a pedir dinheiro de volta, tendo em vista os preços de venda abusivos em contraposição ao custo das mercadorias), mas, ao terem seus apelos respondidos pelo departamento de relações públicas da empresa com cartas formais, também por meio de uma manifestação: munidos de seus pares antigos de Air Jordans e outros modelos da marca, rumaram à Nike Town da 5ª Avenida para despejar em sinal de protesto seu lixo em sacos apropriados às portas de um dos templos da 37. Ibidem. 67 marca. O acontecimento despertou especial preocupação da corporação por consistir no primeiro ato de ativismo vindo de seu principal público-alvo, coberto por diversas mídias locais e nacionais – e, portanto, representando um potencial de influência da opinião pública devastador demais para ser tratado com indiferença. Contudo, os esforços da empresa para conter a manifestação foram em vão, visto que as reivindicações feitas – melhores salários aos trabalhadores nos países em desenvolvimento, preços mais adequados aos consumidores estadunidenses sem retaliação a seus empregados no país e investimento nos bairros pobres dos Estados Unidos, já que eram fundamentalmente o alvo de suas propagandas – não foram aceitas (KLEIN, 2000). A campanha internacional anti-Nike e sua referência como ativismo anticorporativo e contra a exploração trabalhista pode ser brilhantemente sumarizado nas palavras de Naomi Klein (2000, p. 407): “a Nike foi a mais inflada de todas as marcas-balão, e quanto maior ficou, mais barulhento foi seu estouro” – ainda que o faturamento da empresa não tenha sido fortemente afetado, permanecendo o faturamento em ascensão, porém o lucro líquido sofrendo ligeira queda entre 1997 e 1998 (Figura 3), a repercussão em nível global refletiu em altos índices de referências negativas à corporação na imprensa internacional a partir do início das campanhas, em 1995 (Figura 4). Figura 3 – Faturamento e rentabilidade da Nike (1978-2001) Fonte: LOCKE, Richard M. The Promise and Perils of Globalization: The case of Nike. Industrial Performance Center (Massachusetts Institute of Technology). Cambridge, 2002, p. 23. 68 Figura 4 – Menções negativas à Nike na mídia (1992-2002) Fonte: Idem, p. 31. 5.3 CAVITE: A TORTURA FILIPINA As Zonas de Processamento de Exportação – ZPEs –, modelo adotado por todo o mundo em países em desenvolvimento, são espaços voltados prioritariamente à produção de itens destinados ao mercado externo. Sua função pode ser descrita como [...] criar empregos, facilitar a transferência de tecnologia, aumentar o ganho com o comércio internacional e acirrar a competitividade. Resumidamente, espera-se que as ZPEs promovam a liberalização e eficiência do comércio, bem como contribuam para o desenvolvimento econômico e social. (REMEDIO, 1996, p. 3, tradução nossa) Por suas próprias características, contudo, as Zonas de Processamento de Exportação podem ser consideradas instáveis do ponto de vista econômico. Altamente dependentes da demanda de sua produção por parte principalmente das grandes corporações internacionais, a volatilidade do capital – sobretudo atrás de 69 custos (de mão de obra) mais baixos em outros países em desenvolvimento – permeia seu cotidiano. Como muito bem colocado por Naomi Klein (2000, p. 230), O medo permeia essas zonas econômicas. Os governos temem perder as fábricas estrangeiras; as fábricas temem perder seus compradores de marcas, e os trabalhadores temem perder seus instáveis empregos. As fábricas não são construídas na terra, mas no ar. Cavite é uma das quatro Zonas de Processamento de Exportação filipinas, ao lado de Bataan, Baguio e Mactan. As ZPEs foram desenvolvidas no país durante a década de 1970, porém suas raízes ideológicas no país datam de muito antes. A ideia de seu estabelecimento nas Filipinas é atribuída ao ano de 1923, quando a Câmara de Comércio das Filipinas acordou o estabelecimento de um porto livre no país com o caráter de zona de livre comércio. Décadas mais tarde, em agosto de 1967, considerou-se a abertura de uma zona semelhante na municipalidade de Mariveles, na província de Bataan – nasceria, em junho de 1969 e com algumas modificações em seu projeto, a primeira Zona de Processamento de Exportação do país (REMEDIO, 1996). Juntamente com a criação da ZPE de Bataan surgia o que posteriormente viria a ser a Autoridade da Zona de Processamento de Exportação (EPZA); oficialmente implantada a partir do Decreto Presidencial nº 66, de novembro de 1972, o órgão deveria seguir a política governamental predefinida, e da qual por si mesma fora originária, de [...] encorajar e promover o comércio como meio de tornar as Filipinas um centro de comércio internacional, fortalecer nossa posição nas relações comerciais internacionais, acelerar a industrialização e o desenvolvimento do país por meio do estabelecimento de zonas de processamento de exportação em localizações estratégicas das Filipinas.” (idem, p. 3, tradução nossa) A EPZA, órgão governamental responsável pela operação e gestão das Zonas de Processamento de Exportação filipinas, deveria em teoria desempenhar, portanto, papel central na industrialização e no programa de expansão das exportações nacionais. Todavia, em catálogos de cunho publicitário afirma que “a 70 estrutura da organização garante serviços e assistência compreensíveis e eficientes aos investidores” (idem, p. 4, tradução nossa): fica claro novamente no caso filipino, como ficara evidente no caso de Bangladesh e a regulamentação de suas ZPEs, tópico abordado no Capítulo 2, a completa priorização da satisfação e lucratividade do investidor – em geral estrangeiro, ainda que haja algum investimento de empresas filipinas em tais zonas – em detrimento do bem estar, segurança e dignidade dos trabalhadores e seu desenvolvimento. Assim, como não poderia deixar de ser a partir desta lógica, pouco é feito pela Autoridade em favor dos trabalhadores, em contraposição à constantes concessões e aos benefícios propiciados às corporações estrangeiras que fabricam ou adquirem produtos dos estabelecimentos nelas situados. Diversas são as vantagens oferecidas pelas ZPEs filipinas para atraírem o capital investidor estrangeiro, dentre elas: localizações estratégicas, tanto do próprio país quanto das zonas, geralmente próximas de portos, aeroportos e centros urbanos; atitude positiva do governo frente ao investimento estrangeiro; estabilidade econômica do país; baixos custos de investimento e operacionais; facilidades como estabelecimentos pré-prontos para arrendamento, permitindo uma rápida instalação; mas, principalmente, as vantagens relacionadas à mão de obra – abundante, com salários considerados “competitivos” (leia-se, extremamente baixos) e alta produtividade (REMEDIO, 1996). Além destas oportunidades estratégicas, as Zonas não deixam de oferecer os clássicos benefícios fiscais, tais como isenção de impostos sobre importação, exportação e renda, livre remessa de lucros para o exterior. Cerca de 30% dos estabelecimentos localizados nas Zonas de Processamento de Exportação das Filipinas dedicam-se à produção têxtilvestuarista, sendo sua mão de obra composta entre 73 e 82 por cento por mulheres38. No que tange à análise crítica dos impactos do estabelecimento de Zonas de Processamento de Exportação, o documento Export processing zones in the Phillipines: A review of employment, working conditions and labour relations (REMEDIO, 1996) ressalta um aspecto fundamental e reflexivo quanto a pontos já colocados em pauta neste trabalho, relativos à priorização do desenvolvimento econômico em detrimento ao desenvolvimento social: “enquanto há considerável literatura quanto aos efeitos econômicos das ZPEs em diversos países, pouco é 38. Ibidem. 71 sabido sobre as maneiras em que o status especial das ZPEs afeta a força de trabalho”. Alguns estudos foram desenvolvidos quanto a tais impactos nas Filipinas, utilizando como base principalmente a zona de Bataan, por ter sido a primeira estabelecida no país: os resultados frequentemente apontaram que, devido ao forte financiamento governamental e de empréstimos internacionais, não havia ganhos significativos à população – em suma, os esforços não valiam seus retornos39. A ZPE de Cavite, ainda que seja a mais recentemente implantada nas Filipinas, já se tornou a maior – localizada no coração da cidade de Rosario, tendo seu desenvolvimento sido iniciado em 1981 e sua entrada em operação datando de 1987, conta com 276 hectares completamente murados e acesso estritamente controlado, abrigando, em 1996, 207 estabelecimentos. Dos cerca de 60.000 habitantes da cidade à época, grande parte trabalhava na Zona produzindo, dentre outros artigos, peças de vestuário de marcas internacionalmente renomadas como Gap, Old Navy e Nike (KLEIN, 2000) – vale a observação que, muitas vezes, peças de mais de uma destas marcas são produzidas lado a lado, costuradas pela mesma equipe de trabalhadores: em nível internacional são concorrentes, porém no chão de fábrica filipino são parceiros em busca do menor custo de produção possível. É apontado, segundo o suposto relato de um trabalhador da Zona de Cavite, um clima de “paz industrial” em suas instalações; entretanto, diversos são os relatos em sentido contrário, os quais alegam que tal clima é de caráter artificial, gerado pela supressão de direitos trabalhistas, sobretudo no que diz respeito à livre associação e sindicalização, mas também envolvendo baixos salários e insegurança de emprego (REMEDIO, 1996). Um relato humanístico e revelador da real situação vivida pelos trabalhadores de Cavite é feito na obra de Naomi Klein (2000), através de visitas feitas pela autora à Zona de Processamento de Exportação – uma delas em segredo, burlando as estritas leis de regulamentação do acesso – e entrevistas com a população local trabalhadora. A primeira observação da canadense é a discrição em relação às marcas produzidas: seus logos não são vistos livremente pelo espaço, nem são sinalizados nos estabelecimentos; tal característica reforça a segregação atualmente exercida pelas corporações entre marca e produto, endossando a alegação das grandes corporações de não possuírem empregados nestas localidades – de fato, a marca aparenta estar dissociada da produção de 39. Ibidem. 72 suas mercadorias. A autora descreve assim sua visão ao andar pelas ruas de Cavite: Dentro, é óbvio que a fila de fábricas, cada uma com seu próprio portão e seu próprio segurança, foi cuidadosamente planejada para comprimir o máximo de produção em sua faixa de terreno. Oficinas sem janelas, de plástico barato e tapumes de alumínio, apertam-se ao lado de outras, com menos de meio metro de distância entre elas. Quadros de cartões de ponto torram ao sol, garantindo que o máximo de horas de trabalho sejam arrancadas a cada dia. As ruas na zona de exportação são soturnamente vazias, e as portas abertas – o sistema de ventilação da maioria das fábricas – revelam filas de jovens mulheres curvadas em silêncio sobre máquinas barulhentas. (KLEIN, 2000, p. 228) Num cenário como este, as violações a direitos básicos reconhecidos internacionalmente, inclusive ratificados pelas Filipinas, são constantes. Relatos que vão desde a imposição de intervalos diários controlados e descontados para o uso de banheiros – obrigando funcionários a lançarem mão de sacos plásticos sob suas máquinas para urinar, conforme relatado por trabalhadores de fábricas que produzem para Gap, Guess e Old Navy – até regras que os proíbem de falar ou mesmo sorrir durante o expediente (KLEIN, 2000). Outra grave supressão de direitos é facilmente identificável a partir da placa localizada na zona central de Cavite, na qual se lê em letras vermelhas e garrafais: “não dê ouvidos a agitadores e baderneiros” (idem, p. 237) – o direito à livre associação e organização claramente não é considerado adequado à produtividade da ZPE, sendo, assim, ignorado e, sempre que possível, punido. É neste ambiente opressor que figura a esperança no fim do tortuoso túnel filipino. Os baderneiros a que se refere a placa são na verdade os integrantes da então recém-formada organização denominada Centro de Assistência aos Trabalhadores (Workers’ Assistance Center – WAC), ligada à Igreja Católica da cidade de Rosario e sediada bem próxima à Zona de Cavite. Com o intuito de “derrubar o muro de medo que cerca as zonas de livre comércio nas Filipinas”, a organização inicialmente enfrentou dificuldades de aproximação com os trabalhadores pelo receio de retaliações em seus empregos, porém após cerca de um ano de funcionamento já eram espontâneas as visitas destes à instituição, fosse para simplesmente jantar e conversar, fosse para participar de seminários 73 organizados por ela (KLEIN, 2000). O motivo da criação do Centro fora dos limites da Zona de Cavite é explicado por um de seus organizadores: “Fora da zona de exportação os trabalhadores são livres para organizar um sindicato, mas dentro dela eles não podem montar piquetes ou manifestações. [...] Discussões em grupo nas fábricas são proibidas e nós não podemos entrar na zona de exportação.” (idem, p. 238) Ainda assim, houve tentativas por parte do Centro em organizar sindicatos dentro de fábricas de Cavite: entretanto, o maior obstáculo encontrado não foi o receio dos trabalhadores, mas sim sua exaustão pós-expediente. Na fábrica All Asia, fornecedora de marcas como Sasoon e Ellen Tracy, as horas extras compulsórias além do já prolongado expediente padrão das 7h da manhã às 10h da noite implicavam no interesse baixo dos trabalhadores em utilizar seu tempo para discussões sobre sindicatos – tirar um cochilo sempre lhes parecia mais atraente; não se encontrava situação diferente, também, na fábrica Philips, produzindo para Reebok e Nike, em que o não cumprimento de horas extras solicitadas era passível de punição com demissão. Em fato, tal circunstância mostrava-se recorrente em grande número de estabelecimentos, dificultando o trabalho de conscientização realizado pelo Centro (KLEIN, 2000). Os relatos mais impactantes descritos pela autora canadense, contudo, dizem respeito à morte de Carmelita Alonzo, uma trabalhadora da fábrica V.T. Fashion, a qual fornece para marcas como Gap e Liz Clairbone: segundo suas colegas de trabalho, Carmelita teria morrido “de tanto trabalhar”, logo após uma temporada de pico particularmente pesada em que os turnos noturnos eram frequentes. Ao apresentar sintomas de pneumonia, doença comumente encontrada em fábricas com estrutura de ventilação precária, tendo seu pedido de afastamento para fins de recuperação negado por parte de sua gerente, logo deu entrada no hospital em que em seguida viria a falecer, em 08 de março de 1997. Quando questionados sobre como se sentiam em relação ao ocorrido, seus colegas, confusos, respondiam: “Como me sinto! Mas Carmelita somos nós.” (idem, p. 241) Ainda que o trabalho do Centro de Assistência do Trabalhador não tenha atingido notoriedade internacional, nem seja alvo de campanhas de advocacy de 74 uma grande Organização Não-Governamental global, este se mostra fundamental para a lenta construção da conscientização dos próprios trabalhadores quanto a seus direitos. A fiscalização – ainda que às escondidas – dos estabelecimentos produtores da Zona de Cavite e as tímidas tentativas de sindicalização, além do próprio trabalho de educação e discussão exercido fora de seus limites devido ao sistema opressor de sua administração, são o trabalho basilar necessário para uma mudança de conduta. A Zona de Cavite chega a ser citada em relatórios da Global Exchange e da Clean Clothes Campaign, porém certamente a maior divulgação em nível internacional de sua realidade se dá pela obra de Klein (2000): o livro acaba se tornando por si mesmo uma campanha de advocacy, sendo improvável a indiferença do leitor frente a relatos tão fortes – nos quais os trabalhadores têm nome, idade e, principalmente, os violadores têm marca. 5.4 A IMPORTÂNCIA DOS CASOS Inúmeros são os casos de violações constatadas e denunciadas por Organizações Não-Governamentais – infelizmente, a desigualdade de legislações entre os países, conforme apresentado no Capítulo 2 deste trabalho, combinadas às dificuldades de fiscalização adequada e suficiente aos estabelecimentos produtores (variando de acordo com a estrutura dos países em que estão inseridas), ainda possibilita a exploração de tais situações por parte das corporações transnacionais. Desta maneira, a publicidade de casos como os acima expostos reforçam a premissa de utilização da opinião pública como ferramenta de pressão em favor da adequação de corporações e subcontratadas. A conscientização promovida por campanhas e publicações de relatos auxilia na aproximação entre a sociedade internacional como um todo e aqueles que necessitam de seu apoio: no caso deste trabalho, os milhões de trabalhadores em países em desenvolvimento. Assim, torna-se possível a adesão de mais ativistas à causa – seja por meio de envolvimento direto em tais campanhas, seja por mudanças nos seus hábitos e decisões de consumo. 75 Por fim, os exemplos citados neste Capítulo mostram-se representativos de um todo. Inicialmente, ao abordar o pioneirismo da Levi’s em relação à adoção voluntária de códigos de conduta, explicitamos a tentativa de diversas corporações de antecipação às atuações de ONGs e outros órgãos, procurando evitar a exposição negativa de suas marcas por meio da autoimposição de regras – ainda que nem sempre cumpridas. Em seguida, a emblemática reação internacional às violações atribuídas à Nike demonstra a relevância atribuída pelas ONGs à responsabilidade social de grandes corporações – por seu grande destaque, se tornam suscetíveis a campanhas-modelo: ao ser uma grande corporação atingida, outras adotam medidas de precaução para não serem possíveis próximos alvos. Finalmente, o caso de Cavite demonstra o aprofundamento da precarização das condições trabalhistas nas Zonas de Processamento de Exportação não só nas Filipinas, mas no mundo como um todo: sujeitas a autoridades especialmente instituídas para seu controle e fiscalização, torna-se a violação de direitos possivelmente facilitada e de mais difícil identificação e combate. 76 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo visou à melhor compreensão do tema das condições laborais em âmbito internacional, almejando identificar o papel das Organizações Não-Governamentais no processo de luta por melhores condições de trabalho. Para tanto, uma diversificada gama de informações foi apresentada, procurando demonstrar a influência do processo de reconfiguração global da produção na atual situação das condições sociais dos países em desenvolvimento, cujas legislações laborais foram brevemente expostas. O Capítulo 2, cumprindo com o objetivo específico de discutir tal questão, dedicou-se especificamente a este intuito, analisando como se deu tal processo de transferência de setores produtivos de grandes corporações transnacionais a países em desenvolvimento, enfocando-se a configuração do setor têxtil-vestuarista e sua produção deslocada ao sudeste asiático e destacando-se a especificidade do setor no tocante à sua caracterização de intensidade em mão de obra, crucial para a compreensão das vantagens competitivas buscadas nos países produtores. Em complementação, foram exemplificadas legislações nacionais concernentes aos direitos trabalhistas, procurando-se analisar criticamente seus pontos mais relevantes e ressaltando aquelas fragilidades passíveis de caracterização como violações aos direitos internacionalmente reconhecidos. Para que se tenha fundamentação acerca das regulamentações internacionais existentes, sua criação e seu funcionamento dedica-se o capítulo subsequente à apresentação das Organizações Internacionais direta ou indiretamente envolvidas nas discussões relacionadas às condições sociais. Ainda que seja a Organização Internacional do Trabalho a principal instituição responsável pela regulamentação das questões trabalhistas, sendo o fórum oficial e internacionalmente eleito para tais discussões, não se pode desconsiderar a influência indireta da Organização Mundial do Comércio no debate: diversas foram as tentativas de implementação de normatização de condições trabalhistas, as quais, neste âmbito especificamente, visavam não a melhora das condições sociais da população, senão a diminuição das disparidades nos custos de mão de obra resultantes da supressão de direitos em países menos desenvolvidos – atualmente, 77 a controvérsia se dá ao redor do chamado dumping social, considerado prática desleal de comércio, o que por sua vez é apontado por países em desenvolvimento como medida protecionista dos países desenvolvidos. Por fim, cumprindo o segundo objetivo específico elencado para este trabalho, são analisadas as principais Convenções Internacionais do Trabalho, as quais conferem linhas gerais à regulamentação trabalhista em âmbito global; contudo, a facultatividade da adoção de cada uma das Convenções Internacionais do Trabalho, ainda que auxilie à aderência de novos membros à instituição, acaba por perpetuar as desigualdades encontradas nas diversas legislações nacionais, sendo uma das dificuldades encontradas durante a análise da atuação da OIT. O segundo entrave diagnosticado no que tange ao trabalho da OIT é a falta de capacidade de coerção da instituição, tornando as já voluntárias adesões às regulamentações estabelecidas ainda mais frágeis. É neste sentido que se fundamenta a importância das Organizações Não-Governamentais no trabalho de combate à precarização das condições trabalhistas: sua atuação vem no sentido de complementar o trabalho das Organizações Internacionais, servindo ainda como espaço de expressão da sociedade civil ativista. A origem das ONGs como atores das relações internacionais remete à associação de grupos em prol de uma causa em comum, transformando-se ao longo das décadas e representando hoje contraposição à ineficiência estatal em pontos específicos das necessidades sociais, preenchendo lacunas deixadas e aproveitando-se, em muitos casos, da relativização das fronteiras nacionais para criar um movimento global de ativismo em defesa das nações, povos e grupos menos favorecidos. A abordagem destes pontos por meio do Capítulo 4 preenche o cumprimento do terceiro objetivo específico deste estudo. São expostas quatro importantes ONGs atuantes no cenário internacional global dos movimentos sociais, sendo as duas primeiras ONGs propriamente ditas, e as duas últimas constituindo-se em redes de organizações: Global Exchange, Global Labour and Human Rights, Social Watch e Clean Clothes Campaign. Todas, entretanto, possuem a característica comum de busca por um mundo com menos desigualdades e priorização do desenvolvimento socioeconômico em relação ao puramente econômico. Uma crítica, entretanto, pode ser feita em relação à amplitude de seus objetivos e reivindicações: ao buscarem uma gama muito vasta de melhorias e estabelecendo diversas causas paralelas, sua atuação pode se 78 tornar um pouco difusa à luz da sociedade internacional em geral. Quanto menos específico mostra-se o foco de uma Organização Não-Governamental, de maior complexidade é a identificação de sua importância e suas conquistas, podendo, inclusive, representar maior dificuldade no alcance de suas metas. O ponto fundamental, contudo, para a compreensão do potencial das Organizações Não-Governamentais como complementação ao trabalho de regulamentação exercido pelas Organizações Internacionais, consiste na utilização da opinião pública como ferramenta essencial para a busca pela alteração nas práticas de corporações transnacionais consideradas socialmente injustas e indesejadas; o sucesso desta estratégia está na premissa de que o consumidor é a chave para a lucratividade de uma corporação, devendo, portanto, ser considerado forte fator de influência em relação a suas ações. Assim, ao construírem campanhas principalmente baseadas no advocacy voltadas à divulgação de evidências de violações e precarização de condições por parte de grandes empresas transnacionais – seja diretamente ou em seus estabelecimentos fornecedores nos países em desenvolvimento –, as instituições logram gerar uma imagem negativa de suas marcas, gerando antipatia de parte da massa consumidora e, consequentemente, representando um risco às relações públicas da corporação. Deste modo, a opinião pública internacional pode ser considerada como pressão coercitiva à adoção de práticas mais adequadas e socialmente mais aceitas, compatíveis com os direitos trabalhistas internacionalmente consagrados. Para ilustrar a argumentação central deste trabalho, bem como satisfazer o último objetivo específico elencado, são relatados alguns casos concretos em que Organizações Não-Governamentais estiveram envolvidas na denúncia e combate a violações de corporações transnacionais, sendo os exemplos considerados representativos das inúmeras campanhas existentes neste sentido. Primeiramente, a adoção pioneira de um código de conduta corporativo por parte da Levi’s, rapidamente adotado também por outras grandes corporações, pode ser considerada uma ação de antecipação à fiscalização das Organizações Internacionais e Não-Governamentais; mais que isso, tais códigos têm como função fundamental fortalecer a imagem da empresa em relação aos direitos trabalhistas por elas respeitadas, procurando o resguardo das relações públicas corporativas no caso de posteriores campanhas contra a corporação neste sentido. Em seguida, é 79 apresentado o mais conhecido caso de combate aos sweatshops: a Nike, gigante da indústria esportiva e do vestuário, consiste em um dos maiores destaques de campanhas anti-corporação em nível internacional, sendo um verdadeiro marco para o estudo do tema. Por fim, Cavite apresenta-se como representação de todas as Zonas de Processamento de Exportação espalhadas pelo globo, em que a autoridade competente volta-se à atratividade do local aos olhos dos investidores transnacionais e a fiscalização é restrita em decorrência dos fortes controles de entrada impostos; ademais, explicita a importância das pequenas organizações localmente estabelecidas no trabalho de base de conscientização dos próprios trabalhadores quanto a seus direitos suprimidos. Assim, conclui-se que as Organizações Não-Governamentais, ainda que geralmente de pouco foco e grande amplitude de reivindicações, consistem em peças fundamentais no cenário da configuração internacional dos direitos sociais e trabalhistas, atuando como representação de setores da sociedade civil nas relações internacionais. Estes atores, ao trabalharem a opinião pública no sentido de influenciar a conduta de corporações transnacionais visando à diminuição dos impactos negativos da atuação destas na economia internacional – no caso específico deste estudo, na economia têxtil-vestuarista global –, contribuem para a lenta e gradual alteração da configuração socioeconômica global: ainda que haja um longo caminho à frente, os pequenos passos rumo à menor desigualdade entre os países já podem ser percebidos. A importância do estudo assunto deste trabalho se dá no sentido de uma compreensão mais ampla e profunda das diversas dimensões das relações internacionais: ainda que a reconfiguração da produção se caracterize como um assunto pertinente à economia política internacional, não somente econômicas são suas consequências – ainda que as consequências econômicas geralmente representem o primeiro (senão único) foco de estudos da área. Neste cenário, faz-se essencial a análise crítica da influência dos mais diversos atores – sejam as corporações transnacionais, os governos de países em desenvolvimento, as Organizações Internacionais ou as Organizações Não-Governamentais – e do próprio sistema de acumulação vigente, a fim de que não se procure promover apenas o desenvolvimento econômico aos países em desenvolvimento, mas sim o desenvolvimento socioeconômico. 80 REFERÊNCIAS ALEMANY, Cecilia. Seguridade social, de direito humano a luxo? Social Watch 2007, Montevidéu, p.18-29, 2007. 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De um modo geral, a legislação trabalhista chinesa estabelece o direito dos trabalhadores de serem empregados com igualdade, escolherem suas ocupações, serem remunerados por seu trabalho, gozar de descanso, feriados e férias, receber proteção de segurança e saneamento, receberem treinamento em suas habilidades profissionais, gozar de seguridade social, bem como submeter petições de acordo em disputas laborais (Artigo 3º). Os empregadores devem estabelecer e aperfeiçoar suas normas e regulamentos de acordo com o previsto em lei, garantindo o gozo dos direitos laborais por parte dos trabalhadores (Artigo 4º). Contratos de trabalho estabelecidos em divergência ao previsto em leis e decretos ou sob ameaça ou outros meios que visem a ludibriar o empregado não terão validade (Artigo 18º). Mais especificamente, os contratos laborais deverão ser firmados por escrito e conter, ao menos, cláusulas quanto a sua vigência, funções a serem executadas, condições e proteções do trabalho, remuneração, disciplina exigida, condições para seu encerramento e consequências à violação de seus termos (Artigo 19º). Os trabalhadores devem poder se organizar e participar de sindicatos e associações, os quais devem salvaguardar e representar os interesses de tais trabalhadores, bem como conduzir independentemente suas atividades, sempre em consonância com a lei (Artigo 7º). Em decorrência disto, temas contratuais poderão ser acordados mutuamente entre a empresa empregadora e sua associação de trabalhadores coletivamente, conforme previsto no Artigo 33º do documento. Ademais, sindicatos e organizações terão o direito de supervisionar os 40. Labour Law of the People's Republic of China (Ministério do Comércio, 1995). Disponível em: <http://www.china.org.cn/living_in_china/abc/2009-07/15/content_18140508.htm>. Acesso em: ago. 2013. 85 empregadores quanto à observância das leis trabalhistas, podendo denunciá-las coletiva ou individualmente (Artigo 88º) Concernente aos direitos individuais, não deverá haver discriminação a nenhum trabalhador quanto a gênero, nacionalidade, raça ou crença religiosa (Artigo 12º). No emprego, homens e mulheres devem ser tratados com igualdade, não podendo haver preterição da mulher em relação ao homem no momento da contratação a menos que as funções a serem executadas não sejam adequados a mulheres; por fim, não deverá haver aumento nos requisitos para as mulheres nos processos de seleção, conforme previsto no Artigo 13º. A jornada de trabalho, em condições normais, não deverá exceder a média de 8 horas diárias ou 44 horas semanais (Artigo 36º); ademais, o trabalhador deverá ter direito a no mínimo um dia livre por semana, previsto no Artigo 38º. Finalmente, após completarem um ano ininterrupto de trabalho, os funcionários passarão a ter direito a férias anuais remuneradas (Artigo 45º). Até o presente ponto da análise da legislação chinesa, diversos direitos estipulados por normas internacionais – conforme apresentação no capítulo seguinte deste trabalho – vêm sendo previstos. Contudo, o subsequente Artigo 39º abre uma certa lacuna passível de interpretação duvidosa e burla à legislação anteriormente prevista: afirma que, nos casos em que a empresa não possa cumprir as disposições referentes à jornada de trabalho explicitadas no parágrafo anterior, pela natureza de seu negócio e ritmo de produção exigido, esta poderá reger-se por suas próprias normas aprovadas por departamentos administrativos do trabalho. Ora, a legislação não prevê, contudo, quais atividades poderiam ser consideradas justificadamente exceções: assim, abre-se caminho para a busca do crescimento empresarial – e, consequentemente, da economia do país – às custas da precarização das condições trabalhistas, podendo ser, portanto, considerada uma possível falha legislativa. O Artigo 41º ambiguamente expande a possibilidade de prolongamento da jornada trabalhista, porém procura regulamentá-lo. Empresas que necessitem acelerar sua produção pontualmente, sobretudo por conta de alta demanda e curtos 86 prazos, poderá fazê-lo; contudo, a jornada de trabalho excedente de cada funcionário não deverá exceder uma hora diária, tampouco 36 horas mensais. Além disso, condições psicologicamente saudáveis ao trabalhador deverão ser garantidas por parte dos empregadores como condição para tanto. No que tange à remuneração, a lei prevê que esta se dê pautada no princípio da distribuição de acordo com remuneração igual a trabalhos iguais, devendo seu nível elevar-se gradativamente embasado no desenvolvimento econômico do país (Artigo 47º). O Estado deverá estabelecer um sistema de garantia de salários mínimos, não somente em nível nacional, como também regional e local; o empregador, assim, não deverá remunerar seus funcionários abaixo do nível local estipulado (Artigo 48º). Em caso de remuneração por produtividade (por peça, por exemplo), deverão ser fixadas cotas proporcionais ao que se remuneraria por carga horária (Artigo 37º). Quanto à segurança, deve-se ser estabelecido e aperfeiçoado um sistema para sua proteção – inclusive sanitária –, instruindo-se os funcionários quanto às normas, prevenindo acidentes de trabalho e reduzindo injúrias laborais, conforme previsão do Artigo 52º. As condições providas deverão estar de acordo com o estipulado pelo Estado, devendo serem realizados exames periódicos de saúde em trabalhadores suscetíveis a injúrias laborais (Artigo 54º). Por fim, o Artigo 56º estabelece que os trabalhadores devem seguir estritamente as normas de segurança no exercício de suas funções, possuindo o direito de recusarem-se a cumprir ordens no caso de estas implicarem que trabalhem em violação às regulamentações, bem como de criticar e denunciar quaisquer atos que coloquem em risco sua vida, segurança e saúde física. Mulheres e jovens deverão gozar de proteção especial, referindo-se o termo “jovens” a indivíduos entre 16 e 18 anos. É proibida a contratação de mulheres para trabalharem em minas ou outras atividades subterrâneas, sob baixas temperaturas ou quaisquer outras funções com intensidade física de trabalho muito elevada. No período de gravidez, não deverão executar trabalhos de média intensidade física, e a partir do sétimo mês de gestação, passando pelo período de 87 lactação até que a criança complete um ano de idade, não poderão trabalhar horas extras ou em turnos noturnos. Por fim, a licença maternidade não deverá ser inferior a 90 dias. Todas estas disposições encontram-se elencadas entre os Artigos 58º a 64º do documento consultado. Departamentos administrativos do trabalho subordinados ao governo deverão supervisionar e inspecionar a aplicação das normas trabalhistas pelos empregadores, detendo o poder de suspender qualquer comportamento que vá contra ao determinado (Artigo 85º) e podendo, no exercício de suas obrigações, consultar toda e qualquer informação do empregador considerada necessária, conduzindo investigações e inspecionando os locais de trabalho (Artigo 86º). No caso de constatação da violação e desrespeito aos direitos laborais assegurados por lei, o empregador poderá desde receber uma notificação para ajuste de conduta, passando pela aplicação de multa, até em casos mais sérios encaminhamento do caso à justiça chinesa. No tangente especificamente à remuneração, a empresa estará sujeita à condenação e ao pagamento de compensação econômica ao trabalhador em questão, no caso de atraso ou redução injustificados de salário, não pagamento de horas extras, remuneração abaixo do salário mínimo localmente estabelecido ou falha na recompensa econômica aos trabalhadores ao término do contrato. São referentes a tais temas os Artigos 91º a 96º do documento. Concluindo a análise da legislação trabalhista chinesa, pode-se considerar que, ainda que aborde e afirme garantir diversos direitos previstos pelas Convenções da Organização Internacional do Trabalho – expostas no próximo capítulo deste trabalho –, esta se mostra por vezes vaga e inconclusiva, abrindo espaço para violações leves que possam encontrar respaldo nas exceções previstas ao cumprimento de alguns dispositivos. Portanto, o sistema de legislação laboral chinês, por mais amplo que pareça ser, é suscetível a falhas e acobertamento de violações – o que de fato se observa através de diversos estudos e notícias sobre o assunto. 88 Anexo 2: Legislação trabalhista do Paquistão Diversas disposições relativas aos direitos trabalhistas encontram-se dispostas na própria Constituição do Paquistão, em sua Parte II – Direitos e Princípios Fundamentais de Política41. No país, as leis trabalhistas são elaboradas na esfera federal, podendo ser reguladas pelas províncias por meio de normas posteriores próprias. Todos os contratos empregatícios devem ser estabelecidos de forma escrita, no ato da contratação, contendo ao menos os termos e condições de emprego, natureza e estabilidade do compromisso, remuneração e outros benefícios admissionais. Não deverá haver discriminação no estabelecimento de direitos e deveres contratuais relacionados a gênero, casta, credo ou raça. No que tange à carga horária, trabalhadores com idade superior a 18 anos não poderão ser submetidos a jornadas que excedam 9 horas diárias ou 48 horas semanais; para os jovens, o máximo permitido por lei é de 7 horas e 42 horas, respectivamente. Tal regulamentação é válida para empreendimentos com dez ou mais funcionários. A legislação é diferenciada, entretanto, para negócios sujeitos à sazonalidade: a carga horária laboral máxima nestes casos é estendida para 10 horas diárias ou 50 semanais para adulto; caso a produção necessite ser contínua, não deverá exceder as 56 horas em qualquer semana. Em todos os casos, os trabalhadores não podem estar sujeitos a turnos ininterruptos superiores a 6 horas, devendo dispor ao menos de uma hora de intervalo. Quando se refere à produção fabril, os horários de turno de cada cargo devem estar afixados em local visível no idioma principal do estabelecimento. As faixas salariais são estabelecidas a nível nacional de acordo com o ramo da atividade, e os pagamentos aos trabalhadores deverão ser realizados com frequência máxima mensal; nada é dito quanto à responsabilidade solidária no caso de subcontratação. As férias remuneradas são previstas na legislação paquistanesa, tendo o trabalhador, após um ano ininterrupto de emprego, direito a gozar de catorze dias 41. O documento utilizado para referência (LABOUR UNITY, [s.d.]) encontra-se disponível em: <http://www.labourunity.org/labourlaws.htm>. Acesso em: ago. 2013. 89 consecutivos; caso não sejam exercidos no ano subsequente, deverão ficar como saldo a ser agregado ao próximo período de direito. No caso de afastamento por motivos médicos, estes não deverão ter excedido o total de 90 dias nos doze meses em questão para que se considere o ano ininterrupto de trabalho; já quando há afastamento voluntário das funções (pedido de demissão), este deve ter sido inferior a 30 dias durante todo o período. Além das férias regulares, os trabalhadores podem dispor de até dez dias de dispensa casual integralmente remunerados – por motivos pessoais, por exemplo, preferencialmente notificado com antecedência – e dezesseis dias de dispensa médica comprovada por atestado, com metade da remuneração habitual. Feriados deverão ser concedidos como folga ou compensados com concessão de folga posterior. Em relação à maternidade, é garantido às mulheres o direito, a partir de quatro meses completos de emprego, a seis semanas de afastamento pré e pósnatal remuneradas de acordo com seu último nível salarial. Além disso, é vetado o desligamento injustificado de mulheres em licença maternidade. A legislação paquistanesa proíbe expressamente o emprego de jovens com idade inferior aos 14 anos. Entre os 14 e os 18 anos, é permitido o emprego com a condição de atestado por parte de atestado médico que comprove sua aptidão para o exercício das funções pretendidas; seu horário de trabalho, entretanto, não deve ter início anterior às 6h tampouco término após as 19h em hipótese alguma. Ademais, é vetada a dupla jornada de tal faixa etária, ainda que em estabelecimentos distintos. Por fim, as normas sanitárias e de segurança deverão ser mais estritas: além da manutenção de limpeza, ventilação e iluminação adequados, deverá ser fornecida gratuitamente água potável para os jovens e estes não deverão operar maquinários ou objetos considerados perigosos e inadequados à sua faixa etária. As informações correspondentes aos turnos e setores em que tais jovens atuem em um estabelecimento devem estar claramente afixadas para consulta, sendo violações tangentes às estipulações apresentadas passíveis de prisão e multa. Por fim, no que tange à representação, os trabalhadores terão direito a 40% da composição do Conselho Associado de Trabalhadores, órgão obrigatório a estabelecimentos com quadro de funcionários superior a cinquenta. Além de 90 trabalhar com questões de produtividade e eficiência, tal Conselho assume as responsabilidades referentes à mediação de conflitos de interesses, promoção de segurança e condições sanitárias aos trabalhadores, entre outras questões de interesse coletivo. Todavia, permanece garantido o direito de livre associação – tanto para trabalhadores, quanto para empregadores, e as negociações e barganhas coletivas se darão impreterivelmente reguladas por órgãos governamentais, através de Agentes de Barganhas Coletivas estabelecidos pela Ordenação de Relações Industriais. A característica mais marcante da legislação laboral paquistanesa pode ser considerada a ampla possibilidade de jovens a partir de 14 anos nas atividades industriais: ainda que diversos pontos sejam diversificados em relação às disposições para trabalhadores maiores de idade, sua completa observância é, no mínimo, duvidosa. Ademais, observa-se a ausência de comentários a respeito de um sistema de fiscalização – há apenas especificações quanto às instâncias arbitrárias em caso de litígios. Desta maneira, a combinação de ambos os apontamentos constitui-se em clara falha quanto ao combate ao trabalho infantil, um dos preceitos da Organização Internacional do Trabalho. Anexo 3: Legislação trabalhista das Filipinas A legislação filipina consiste na mais complexa das neste trabalho relatadas, contando com diversos livros que compõe seu código laboral. Serão apresentados os pontos mais relevantes de seu código, a fim de que se possa estabelecer uma comparação com os demais, apresentados no Livro III – Condições de Emprego42. A primeira observação a ser feita a partir da análise do documento é que a maioria dos termos legais referentes a carga horária e folgas não se aplicam a trabalhadores remunerados por resultado – peças costuradas, como um exemplo aplicável à indústria vestuarista (Artigo 82º). Aos demais, remunerados por período 42. Labor Codes of the Phillipines, Book III - Conditions of Employment (DEPARTMENT OF LABOR AND EMPLOYMENT, 2009). Disponível em: <http://www.dole.gov.ph/labor_codes/view/4>. Acesso em: ago. 2013. 91 trabalhado, a carga horária não deverá exceder as oito horas diárias, conforme o Artigo 83º. Pequenos descansos devem ser computados como horas trabalhadas (Artigo 84º), enquanto pausas para refeições deverão respeitar o tempo mínimo de 60 minutos e não serão computados na carga horária trabalhada (Artigo 85º). Para trabalhos realizados no período noturno, deve-se conceder adicional por hora trabalhada de no mínimo 10% da remuneração habitual (Artigo 86º); em casos de horas extras, tal acréscimo deverá ser de 25% em dias úteis e horário habitual, ou 30% quando excederem as 8h em feriados e folgas (Artigo 87º). Por fim, a compensação de horas por folgas autorizadas em outras datas não isentam o empregador do pagamento do adicional supracitado, conforme descrito no Artigo 88º. Feriados gozados deverão ser remunerados regularmente (Artigo 94º). No que tange às folgas semanais, devem ser concedidas ao menos 24h de descanso ao trabalhador a cada seis dias consecutivos de trabalho, previsto no Artigo 91º. O empregador pode solicitar aos funcionários que trabalhem em dias de folga, entre outros, no caso de evento extraordinário de pressão sobre o trabalho devido a circunstâncias especiais (Artigo 92º), como, por exemplo, grande demanda às vésperas de datas comemorativas. Por fim, recessos remunerados de até cinco dias serão concedidos aos funcionários anualmente, conforme Artigo 95º do documento. O próximo ponto a ser observado encontra-se nas disposições gerais do Título II – Salários: as resoluções referentes à remuneração constantes em lei não se aplicam, entre outros casos, a trabalhadores que façam domesticamente serviço de costura (Artigo 98º). Tal ponto pode ser interpretado como margem ao incentivo de contratação informal e menos onerosa de costureiros e costureiras individuais, privando-os de diversos benefícios sociais decorrentes do emprego formal, desta forma podendo ser considerada uma forma indireta de precarização de suas condições laborais. A legislação filipina, ainda, não prevê salário mínimo nacional, mas sim salários mínimos localmente estabelecidos a serem observados (Artigo 99º), os quais devem ser determinados de acordo com especificidades como o custo de vida da localidade, a necessidade dos trabalhadores e índices de preços, conforme Artigo 124º. Determina, em seguida, que tal documento não deve servir como base para 92 redução ou eliminação de benefícios já concedidos, conforme Artigo 100º. Além disso, dispõe que trabalhadores remunerados por resultado ou outros indicadores que não a carga horária devem receber quantia justa e razoável (Artigo 101º). O salário deverá ser repassado ao trabalhador quinzenalmente, devendo ser pago diretamente a ele o mais próximo possível de seu local de realização e em espécie, salvo impedimentos por conta de força maior quanto a seu cumprimento ou solicitação do próprio funcionário quanto a pagamento de outras formas, no último caso, conforme previsto entre os Artigos 102º a 104º. A legislação é, ainda, em seus Artigos 106º e 107º, clara quanto à subcontratação ou emprego indireto de mão de obra: os contratantes (em primeira e segunda instância) são solidariamente responsáveis pelo cumprimento dos dispositivos legais quando há influência direta do empregador sobre o subcontratado quanto a capital, maquinário e diretrizes de trabalho. Tal determinação é fundamental na análise da corresponsabilidade das grandes corporações da indústria vestuarista quanto à exploração trabalhista em suas subcontratadas, não sendo válida – sobretudo no caso filipino – a afirmação dos grandes empresários das marcas de que não possuem empregados diretos no sudeste asiático e, portanto, não podem ser acusados de descumprimento legal quanto às leis laborais. Entrando nas especificidades de grupos especiais de funcionários encontra-se o Título III, dedicando seu primeiro capítulo aos direitos das mulheres. Primeiramente, fica proibida a discriminação baseada somente em relação ao sexo, tais como remuneração ou benefícios inferiores em comparação a homens executando trabalho de igual valor, bem como favorecer homens em detrimento a mulheres baseando-se exclusivamente nesta questão para fins de promoção e oportunidades de treinamento; atos discriminatórios serão passíveis de ação criminal nos termos da lei. Tal direito fundamental encontra-se previsto no Artigo 135º do documento consultado. Conforme estipulado no Artigo 130º, independentemente da idade, mulheres não deverão ser submetidas a trabalhos industriais ou comerciais entre as 22h e as 6h do dia posterior; entretanto, é concedida no Artigo subsequente (131º) exceção nos casos em que a destreza exigida não seja igualmente eficientemente executado por homens – abrindo espaço, novamente, para que a legislação seja 93 burlada na indústria vestuarista, sobretudo no ramo de roupas finas e tecidos delicados. Também fica vetada a discriminação por conta de casamento ou estipulações que inibam o casamento de funcionárias, tal qual relatado no Artigo 136º. No que tange às questões relacionadas à maternidade, o Artigo 133º prevê a concessão à funcionária grávida de duas semanas pré-natais e quatro semanas pós-natais (ou pós-aborto, caso ocorra) com remuneração integral, desde que tenha executado suas atividades por ao menos seis meses no último ano. A licença maternidade poderá ser estendida, ainda que sem remuneração, no caso de doenças ou complicações identificadas após o período regular. Por fim, os direitos neste Artigo referidos se aplicam somente às quatro primeiras gestações de uma mesma funcionária. O capítulo subsequente dedica-se à questão do emprego de menores, através dos Artigos 139º e 140º. Fica vetado o emprego de funcionários com idade inferior a 15 anos, exceto quando supervisionados diretamente por seus pais e contanto que o trabalho não influencie sua vida escolar; para jovens entre 15 e 18 anos, a carga horária deverá ser reduzida em relação à dos empregados maiores de 18 anos, sendo o limite estipulado em documentos secundários da Secretaria do Trabalho e Emprego. Por fim, ninguém deverá ser discriminado quanto a termos e condições de emprego em decorrência do fator etário. A Secretaria de Trabalho e Emprego ou seus designados deverão ter acesso irrestrito a informações e registros de funcionários enquanto o trabalho for desempenhado, bem como serão autorizados a interrogar os empregadores sobre quaisquer fatos ou condições consideradas necessárias para apurar indícios de violações e verificar o cumprimento deste código. Ademais, poderão ser emitidas ordens de execução para o cumprimento das disposições legais, podendo chegar à solicitação de suspensão das operações em caso de descumprimento. Quaisquer tentativas de obstrução ou impedimento ao trabalho de fiscalização serão consideradas ilegais, e nenhuma instância inferior poderá emitir parecer em contrário à Secretaria de Trabalho e Emprego. Tais regulamentações estão dispostas no Artigo 128º, sob o título “Poder de Vistoria e Execução”. 94 Como conclusão relativa ao exame das leis trabalhistas das Filipinas concernentes às condições de emprego, podemos verificar a complexidade de sua aplicação. As tantas diversificações e especificidades para cada cláusula torna sua cobertura abrangente, porém mais difícil de ser verificada na prática: a fiscalização por sua vez, deverá se ater a diversos detalhes e, por conta de exceções previstas, pode deixar de considerar determinadas violações – sobretudo em relação à carga horária e remuneração de trabalhadores recompensados pelo resultado de suas atividades. Para que a legislação trabalhista deste país seja eficiente, deve contarcom um vasto aparato inspecionador e grande capacitação de seus responsáveis, do contrário poderá ver algumas de suas disposições relegadas ao desrespeito cotidiano em suas indústrias. Anexo 4: Legislação trabalhista de Bangladesh O acesso às informações referentes à legislação trabalhista de Bangladesh é fortemente dificultada pela ausência de traduções ao inglês, estando a maioria delas publicadas somente no idioma bengalês. Assim, as únicas referências quanto a direitos laborais passível de análise no presente trabalho são as instruções a investidores estrangeiros quanto a questões trabalhistas nas Zonas de Processamento de Exportação, geridas pela Autoridade das Zonas de Processamento de Exportação de Bangladesh (BEPZA). O primeiro documento instrutivo43 traz apenas questões de média relevância, abordando superficialmente exigências feitas aos investidores e suas subcontratadas. Por exemplo, o contrato do trabalhador deve ser copiado e entregue à administração da respectiva Zona de Processamento de Exportação (#3), e todas as demissões deverão ter a anuência do órgão (#4). Da mesma forma, reivindicações quanto à remuneração e aos benefícios oferecidos deverão ser comunicados no dia seguinte a seu recebimento (#5) – em suma, a administração da Zona deve possuir todas as informações relevantes relacionadas a seus funcionários (#7), e é considerada responsável pela aplicação das regulamentações trabalhistas 43. Guidelines for the enterprises of CEPZ pertaining labour matters (BEPZA, 1989). Disponível em: <http://www.epzbangladesh.org.bd/UserFiles/File/Instruction_1_2.pdf>. Acesso em: ago. 2013. 95 nos estabelecimentos nela instalados (#8). No que tange à fiscalização no chão de fábrica, as corporações deverão designar um de seus escritórios para tal função (#6). Segundo o documento instrutivo número 1 44, as corporações e os estabelecimentos podem adotar seus próprios regulamentos e normas, entretanto não devendo estes ser menos favoráveis do que o estabelecido pela BEPZA (Artigo 1º). O contrato contendo as obrigações e direitos de empregado e empregador é obrigatório, devendo ser encaminhado à administração da ZPE conforme acima descrito; entretanto, no caso de trabalhadores casuais, o documento é dispensável (Artigo 5º). As informações referentes ao quadro de funcionários deverão ser registradas em um livro, contendo, inclusive, menções à conduta observada (Artigo 6º). Folgas (Artigo 7º) deverão ser consideradas um privilégio, e não um direito; para obter tal benefício, o trabalhador deverá ter completado ao menos um ano ininterrupto de serviço, e em casos de motivação médica, deverá fornecer atestado comprovando tal situação. Entretanto, o gerente do estabelecimento poderá negá-lo ou revogá-lo (quando previamente concedido) caso as operações assim o tornem necessário. Ausências casuais podem ser concedidas por até dez dias remunerados no período de um ano, e ausências por motivo de doença, até quatorze dias com meia remuneração – não sendo nenhuma destas cumulativas para anos subsequentes (Artigo 8º). Quando requeridos para trabalho em dias festivos ou feriados, os trabalhadores deverão ter direito a compensação da folga em outro dia (Artigo 9º). Férias propriamente ditas serão concedidas contando um dia de direito a cada vinte e dois trabalhados nos últimos doze meses, podendo ser acumulados em anos subsequentes e retirados em dinheiro, caso seu não gozo se dê por opção da empresa (Artigo 11º). Por fim, feriados e dias festivos poderão ser remunerados até o limite de dez dias anuais, devendo ser previamente estabelecidos e fixados com o consentimento dos trabalhadores (Artigo 12º). Os salários mínimos aplicáveis a cada estabelecimento serão definidos e comunicados pela BEPZA periodicamente (Artigo 37º). A remuneração deverá ser concedida até o sétimo dia do mês para pagamentos mensais, ou primeiro dia da 44. Instruction No 1 of 1989 (BEPZA, 1989). Disponível <http://www.epzbangladesh.org.bd/UserFiles/File/Instruction_1_2.pdf>. Acesso em: ago. 2013; em: 96 semana subsequente, para pagamentos anuais (Artigo 36º). Trabalhadores com ao menos seis meses de atividades terão direito a dois salários-base anuais como bônus, os quais deverão ser pagos preferencialmente nos principais festivais de suas respectivas religiões (Artigo 38º). Segundo a última refixação salarial mínima estabelecida pela BEPZA, datada de 2010, a remuneração mínima a ser concedida a um operador – considerado cargo intermediário na hierarquia operacional estabelecida pela Autoridade – é de US$ 61 mensais, conforme Figura 5. Figura 5 – Salários mínimos aos trabalhadores de estabelecimentos nas Zonas de Processamento de Exportação Fonte: BEPZA. Circular: Re-fixation of minimum wages and benefits for the workers of the enterprises of EPZs, 2010, p. 2. Disponível em: <http://www.epzbangladesh.org.bd/web_admin/web_tender_files/LabourWages1.pdf>. Acesso em: set. 2013. Direitos concernentes à maternidade serão concedidos após o décimo mês de serviço da funcionária, aplicando-se somente duas vezes em toda sua estadia na empresa e devendo distanciar-se ao menos três anos uma da outra: serão seis semanas antecedentes ao parto e seis semanas pós-natal remuneradas (Artigo 10º). Observa-se, aqui, ainda que um período relativamente adequado em 97 relação às demais legislações analisadas, uma maior restrição quanto à escolha familiar de ter mais ou menos filhos – o que pode ser considerada uma ingerência da corporação em seu direito pessoal e, portanto, uma falha legislativa na proteção dos trabalhadores. Não é citado direito de licença a pais. O documento dedica-se, ainda, a determinar as punições cabíveis em caso de ineficiência, corrupção ou desvio de conduta – indo desde desobediência a roubo ou fraude, passando por diversos pormenores (Artigo 15º). Destes pormenores, vale uma observação o item (k): participar ou ser suspeito de envolvimento em atividades subversivas, individualmente ou em grupo. Tal item pode ser indevidamente invocado como combate ao direito de associação, demonstrando uma vulnerabilidade da regulamentação neste quesito. As penalidades aplicáveis também são as mais diversas possíveis, desde censura à demissão, podendo haver dedução salarial no caso de danos pecuniários infligidos à empresa (Artigo 16º). É marcante a preocupação e a centralidade com que o tema é abordado no documento, ocupando mais de três páginas e detalhando diversas possibilidades e procedimentos. Dispõe-se, ainda, quanto às facilidades que devem ser disponibilizadas aos trabalhadores no recinto de trabalho, tais como sanitários em quantidade adequada (Artigo 30º) – sem, entretanto, que se faça menção ao que seria considerado razoável neste quesito –, kits de primeiros socorros (Artigo 31º), sala de descanso ou refeições – devendo empresas com quadro de funcionários superior a 100 possuir serviço de cantina – (Artigo 32º) e equipamentos de proteção no caso de contato com materiais perigosos ou manejo de máquinas, a fim de garantir sua segurança (Artigo 33º). Em suma, no que tange à legislação trabalhista especificamente aplicada às Zonas de Processamento de Exportação bengalesas, fica clara a proeminência do interesse do investidor em detrimento aos direitos sociais e humanos: os documentos não foram redigidos com a intenção de proteger os trabalhadores do poder potencialmente destrutivo do capital investido, mas sim proteger o capital investido do poder potencial – e desconhecido – dos indivíduos que para ele trabalham. A análise do cenário laboral bengalês como um todo acaba sendo prejudicado pela ausência de tradução a idiomas ocidentais das legislações 98 nacionais propriamente ditas; entretanto, pode-se ter um cenário parcial da situação através da BEPZA por conta de sua superioridade hierárquica em relação a todas as Zonas de Processamento de Exportação. Os incentivos concedidos às corporações investidoras estrangeiras para que se instalem nas ZPEs são diversos: programa de isenção fiscal regressivo – iniciando-se com isenção total de impostos nos dois primeiros anos de atividades –; importação isenta de impostos de materiais de construção, maquinário, matéria prima e bens acabados; Sistema Geral de Preferências; permissão de remessa de royalties, entre outras taxas; repatriação completa de capital e dividendos; entre outros8. É possível até mesmo alugar um estabelecimento pré-construído, pronto para ser utilizado, conforme Figura 6. Bangladesh conta com oito ZPEs: Chittagong, Dhaka, Mongla, Ishwardi, Comilla, Adamjee, Uttara e Karnaphuli. Figura 6 – Anúncio da BEPZA de estabelecimentos fabris padrão prontos para locação. Fonte: BEPZA. Disponível Acesso em: set. 2013. em: <http://www.epzbangladesh.org.bd/bepza.php?id=RentMEPZ>.