app-sindicato - Pedagogia
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APP-SINDICATO 1 2 APP-SINDICATO 3 APP-SINDICATO “A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias e da educação e de que, portanto homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade [...]. A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora.” Teses sobre Feuerbach. Karl Marx e Friedrich Engels 4 APP-SINDICATO Expediente DIREÇÃO ESTADUAL Presidência Marlei Fernandes de Carvalho Secretaria Geral Secretaria de Imprensa e Divulgação Mariah Seni Vasconcelos Silva Luiz Carlos Paixão da Rocha Secretaria de Finanças Secretaria de Sindicalizados Miguel Angel Alvarenga Baez Maria Madalena Ames Secretaria de Administração e Patrimônio Secretaria de Assuntos Jurídicos Clotilde Santos Vasconcelos Áurea de Brito Santana Secretaria de Organização Secretaria de Política Sindical José Ricardo Corrêa Hermes Silva Leão Secretaria de Aposentados Secretaria de Políticas Sociais Tomiko Kiyoku Falleiros Silvana Prestes de Araujo Secretaria de Municipais Secretaria de Funcionários Edilson Aparecido de Paula José Valdivino de Moraes Secretaria Educacional Secretaria de Gênero e Igualdade Racial Janeslei Aparecida Albuquerque Lirani Maria Franco da Cruz Secretaria de Formação Política Sindical Secretaria de Saúde e Previdência Isabel Catarina Zöllner Idemar Vanderlei Beki Organização Isabel Catarina Zöllner, Valdirene de Souza, Edmilson Feliciano Leite, Janeslei Aparecida Albuquerque, Juliana Costa Barbosa e Rosani do Rosário Moreira Colaboração Especial Rose Meri Trojan e Maria Rosa Chaves Künzle Projeto Gráfico e Diagramação W3OL Comunicação - (41) 3029-0289 - www.w3ol.com.br Gráfica World Laser - Tiragem: 2.500 exemplares APP-SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO PÚBLICA DO PARANÁ Rua Voluntários da Pátria, 475, 14º andar - Ed. Asa - Curitiba/PR - CEP: 80020-926 Fone: (41) 3026-9822 - Fax: (41) 3222-5261 www.appsindicato.org.br - [email protected] APP-SINDICATO Sumário Apresentação .................................................................................................................................................... 6 A Escola, o Ensino e o Rito: Cultura Escolar e Modernidade....................................................... 7 Roseli Boschilia Concepções e Tendências da Educação e suas Manifestações na Prática Pedagógica Escolar.................................................................................................................16 A Aprendizagem é a nossa Própria Vida, desde a Juventude até a Velhice.......................31 István Mészáros Do Lar à Fábrica, passando pela Sala de Aula: A Gênese da Escola de Massas................38 Mariano F. Enguita As Grandes Correntes Pedagógicas e suas Relações com a Sociedade...............................63 Maria Rosa Chaves Künzle 5 6 APP-SINDICATO Apresentação “Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino.” Paulo Freire Em 2011 daremos continuidade ao Programa de Formação com o objetivo de formar para organizar, aprofundando o debate sobre a sociedade, o indivíduo e a educação que temos e queremos, além de ampliar a capacidade de participação, intervenção e organização dos educadores e das educadoras na escola, nos movimentos sociais, na vida. Nesta primeira etapa vamos ampliar os estudos sobre as concepções teóricas, ideológicas e pedagógicas da escola e da sociedade. O caderno é composto de textos sobre as tendências pedagógicas, os primeiros debates no país sobre a educação, a dominação do capitalismo por intermédio da educação, a educação para além do capital. Este material contribuirá para a formação de educadores/as militantes e subsidiará os estudos na turma estadual e nas regionais. Desejamos um bom estudo e trabalho para todos e todas! Secretaria de Formação da APP-Sindicato APP-SINDICATO 7 A Escola, o Ensino e o Rito: Cultura Escolar e Modernidade BOSCHILIA, Roseli. A escola, o ensino e o rito: cultura escolar e modernidade. In: ALMEIDA, Malu (org.). Escola e modernidade: saberes instituições e práticas. Campinas: Alínea, 2004. p. 127-138. A Profª. Drª. Roseli Boschilia no texto Escola, o Ensino e o Rito: Cultura Escolar e Modernidade reflete sobre as mudanças ocorridas no espaço escolar a partir da utilização de mecanismos como a emulação e a ritualização que, ao lado da disciplina e da obediência, constituíram os principais dispositivos de dominação da escola moderna. Para a autora, desde que se iniciou o processo de consolidação do Estado Moderno, o fenômeno da modernidade provocou mudanças nas formas de pensar e no comportamento do homem ocidental, alterando significativamente o espaço cultural e social, com reflexos bastante visíveis na estrutura escolar, nas práticas de sociabilidade e, sobretudo, no papel ocupado pela criança e pelo jovem na sociedade moderna. A configuração desse novo contexto levou, progressivamente, segundo Boschilia, os espaços institucionais a adotarem sistemas mais rigorosos de classificação e controle. Sobre a autora Doutora (2002) e Mestre (1996) em História do Brasil pela UFPR, onde também se graduou em História (1981). Professora adjunta nos cursos de Graduação e Programa de Pós-Graduação em História na UFPR. Atualmente exerce o cargo de vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História (gestão 2009-2011). 8 APP-SINDICATO A Escola, o Ensino e o Rito: Cultura Escolar e Modernidade Roseli Boschilia O estudo das práticas rituais, inicialmente restrito ao universo dos antropólogos, vem ganhando espaço no campo historiográfico, à medida que o movimento de aproximação entre as duas disciplinas, e a abertura do leque de possibilidades na escolha dos objetos levaram alguns historiadores a enfatizar o papel da cultura como força motivadora da transformação histórica. A partir daí, aspectos subjetivos, tais como crenças, mitos, ritos, representações, imaginários e visões de mundo, passaram a ser percebidos como uma problemática legítima no campo dos estudos históricos. Nesse rastro podem ser situados autores como Marc Bloche, mais recentemente Edward Thompson e Natalie Davis que, ao analisarem o comportamento das massas, trabalham os aspectos ritualizados das suas ações enquanto expressão cultural. Embora esses dois últimos autores chamem a atenção para a ausência da transformação histórica na análise antropológica, ambos utilizam o instrumental teórico da antropologia simbólica para perceber a ação das massas como um fenômeno cultural que, ao serem inseridas num contexto simbólico, ganham legitimidade e significado. Procurando o caminho inverso, este trabalho pretende analisar, a partir do estudo de caso de um colégio masculino católico; como os ritos são utilizados pela instituição escolar para constituir um dispositivo de dominação capaz de dar legitimidade ao modelo pedagógico aplicado pelo estabelecimento, regulando poderes e subordinação, definindo direitos e deveres. Ou seja, ao estruturar um território de signos rituais, a escola obtém a anuência da comunidade em relação às suas ações, criando uma identidade coletiva e fixando modelos de conduta. APP-SINDICATO Escola e modernidade: As transformações políticas e econômicas ocorridas na sociedade ocidental, durante o processo de constituição do Estado Moderno, trouxeram em seu bojo uma série de mudanças que afetaram não só a organização social e as práticas culturais mas, sobretudo, os sistemas de representação que homens e mulheres tinham sobre o mundo e sobre si mesmos. Além da ruptura entre esfera pública e religiosa - considerada por Hannah Arendt (1993) como a principal distinção entre o mundo atual e os séculos anteriores - esse processo de mudanças, acelerado pelo desenvolvimento das sociedades industrializadas, alterou significativamente o modo de vida do homem moderno, tendo reflexos na estrutura escolar e nas práticas de sociabilidade. Se durante a Renascença as práticas cotidianas apoiavam-se na mesma lógica que regia as fases da lua ou as estações climáticas, a partir da modernidade, com o intuito de separar o homem da natureza para convertê-lo em um ser “civilizado”, esses códigos de saber foram, gradativamente, sendo substituídos por outros vinculados a uma nova organização do tempo e do espaço. Como se sabe, na sociedade burguesa, para que se forjasse o indivíduo produtivo, a transmissão dessa nova concepção do espaço e do tempo tinha como objetivo possibilitar a maximização de suas energias e de suas forças como forma de facilitar a acumulação de riquezas. Michel Foucault mostra que, nesse momento, em que a população ganhava uma nova dimensão, passando a ser vista como um problema econômico e político, vigiar era mais produtivo do que castigar e, nesse sentido, os colégios de ordens religiosas e o exército passaram a ter papel preponderante para a implantação das tecnologias disciplinares e para a consolidação dessa nova forma de poder (Varela, 2000, p. 81). Assim, diante das crescentes 9 exigências sociais, decorrentes do processo civilizador e das demandas da emergente sociedade industrial, essa nova configuração das noções de tempo e de espaço passou a ser essencial para a construção de uma sociedade disciplinar que carecia, cada vez mais, de cidadãos preparados para o mundo do trabalho. Esse processo, sem dúvida, teve como consequência uma delimitação mais precisa dos papéis desempenhados pelos diferentes grupos sociais, dando visibilidade à criança e à juventude que, a partir do final do século XVII, despontaram como novas categorias sociais, distintas daquelas ocupadas em épocas anteriores. Assim, a particularização da infância, além de constituir uma tentativa de pôr fim a um tempo cósmico, mágico e cíclico, contribuiu para que os modos de educação, configurados a partir da segunda metade do século XVI, não ficassem alheios a essa mutação. Na passagem para o século XVIII, as instituições escolares, agora responsáveis pela produção do indivíduo burguês, passaram a preocupar-se, cada vez mais, com essa modalidade de poder que buscava apoio em uma concepção diferenciada de espaço e de tempo. Em razão de sua economia e de seus efeitos, esse novo tipo de poder se estendeu por todo o corpo social, mas seus efeitos foram mais perceptíveis no âmbito institucional e, mais concretamente, nas instituições educativas (Varela, 2000, p. 82). Embora a preferência por locais amplos e afastados do núcleo urbano, para instalação dos colégios, já fosse uma das marcas distintivas das congregações católicas, a partir desse período, os amplos espaços externos aos colégios, antes destinados apenas à meditação, à prática agrícola ou à jardinagem, ganharam nova funcionalidade, passando a ser utilizados também para a recreação e exercícios fisicos, cuja prática despontava como uma decorrência das propostas implantadas por alguns pedagogos que defendiam uma proposta de ensino mais ativo, 10 APP-SINDICATO que transformasse o ensino numa atividade agradável. “Nesse novo modelo de ensino, sob forte influência do naturalismo, a utilização didática do entorno e a contemplação natural e estética da paisagem passaram a ser valorizadas como meio para a expansão do espírito e dos sentimentos, buscando o desenvolvimento moral do indivíduo” (Escolano, 1993). evidenciar, cada vez mais, o papel preponderante da educação na modelagem do homem e, a partir daí, a escola, mais do que ensinar, passou a ter a obrigação de educar moralmente o futuro adulto (Caron, 1996, p. 138-139). A ritualização do ensino Com a introdução da disciplina no espaço escolar, surgiu a noção de Com a introdução da disciplina no espacriança bem educada, como um traço distintivo entre a burguesia e as caço escolar, surgiu a noção de criança bem madas populares. Porém, o processo educada, como um traço distintivo entre de substituição da família pela escola, consolidado na passagem do século a burguesia e as camadas populares. XVIII para o XIX, transformou o colégio numa instituição essencial à sociedade, abrindo-se para os leigos, nobres, Desse modo, o espaço adquiriu uma diburgueses e também para famílias mais popumensão educativa, podendo ser visto como lares (Ariès, 1981, p. 171-3). A abertura dos estaum componente da arquitetura escolar que belecimentos de ensino à população em geral encerra uma espécie de discurso que institui também era uma resposta aos novos tempos, em sua material idade um sistema de valores, descortinados pela Revolução Industrial, que como os de ordem, disciplina e vigilância, marevidenciavam a necessidade de instituições cos para a aprendizagem sensorial e motora dirigidas a outras camadas da população, que e toda uma semiologia que cobre diferentes não apenas à elite. símbolos estéticos, culturais e ainda ideológicos (Escolano, 1993). Diante desse quadro, a Igreja católica A partir daí, as noções de espaço e de tempo sofreram uma revalorização, sendo introduzidas em outros espaços disciplinares com o intuito de produzir novas categorias de pensamento e novos sistemas de representação que se traduziriam em formas diferenciadas de organização social. Nessa perspectiva, a escola da Idade Moderna constituía, a um só tempo, um espaço e um lugar no qual o aluno, além de aprender a se orientar e a se mover na vida em sociedade, aprendia, sobretudo, a conhecer o seu lugar na estrutura social e o papel que lhe foi destinado. Assim, as novas práticas pedagógicas, implantadas no final do século XVIII, procuravam que, até aquele período, havia desempenhado importante papel na área educacional das elites, procurou estimular, em muitos países europeus, o renascimento e a criação de várias ordens e congregações religiosas voltadas para a educação e a assistência das camadas mais empobrecidas. Atentas aos novos métodos de ensino, essas congregações religiosas procuraram elaborar seus programas pedagógicos, associando as propostas de utilização do espaço e a prática de exercícios fisicos às noções de ordem e disciplina, consideradas princípios imprescindíveis para que a instituição aplicasse seu modelo de ensino e ganhasse a confiança do público. APP-SINDICATO Desta forma, ao transpor o portão do colégio, os alunos entravam num universo em que o tempo e o espaço estavam condicionados a uma rígida organização disciplinar que, além de inculcar o “uso-econômico-do-tempo” e criar hábitos para o trabalho, buscava a internalização de hábitos disciplinares que facilitassem a inserção do indivíduo na sociedade. De acordo com o Guia das Escolas Maristas, redigido em 1853, a partir das ideias explicitadas por La Salle no início do século XVIII: Numa escola bem ordenada, todos os detalhes do regulamento são conhecidos por cada um e não resta lugar para a indecisão, o capricho ou a arbitrariedade e, é possível exigir que cada um cumpra o seu dever (Guide, 1923, p. 98). 11 Além das intermináveis filas silenciosas, os alunos eram obrigados a manter permanentemente o corpo ereto, o olhar atento, as mãos sobre a mesa e os pés juntos durante as atividades escolares. Desta forma, a escola visava exercitar o domínio sobre o próprio corpo como uma das maneiras de levar o aluno a aprender a administrar a vontade e governar a si mesmo (Louro, 2000, p. 22). Ou seja, com a modernidade, o processo de dominação efetivado pela instituição escolar ocorria a partir de duas modalidades distintas de tecnologias de poder: a “disciplina’” e a “biopolitica”. Enquanto a disciplina intervinha mais diretamente nos espaços, utilizando recursos externos ao indivíduo, a biopolítica se caracterizava pelo uso de técnicas que exerciam o poder por meio de dispositivos que agiam diretamente sobre a conduta dos indivíduos. Tudo estava disposto de forma que não houvesse desperdício de tempo ou ociosidade. Nesse sentido, uma das principais exigências dos estabeleciAtentas aos novos métodos de enmentos católicos era a manutenção sino, essas congregações religiosas do silêncio: Com exceção dos recreios, o silêncio imperava no ginásio. No refeitório [durante as refeições], imperava o silêncio, até que o Irmão regente pronunciasse as palavras mágicas: Benedicamus Dominum (Bendigamos ao Senhor), que todos respondiam Deo gratias (Graças a Deus) (Maia apud Azzi, 1999, p. 69). procuraram elaborar seus programas pedagógicos, associando as propostas de utilização do espaço e a prática de exercícios fisicos às noções de ordem e disciplina. Juntamente com o silêncio, outra exigência era de que as atividades fossem cercadas o mais possível pela ordem: A fila era a instituição locomotora por excelência. Todos entravam em fila, cada um no seu devido lugar; a fila caminhava para o estudo, para a aula, para o refeitório ou para a capela (Maia apud Azzi, 1999, p. 69). No entanto, os educadores tinham clareza de que a mera utilização dessas modalidades, ancoradas em princípios como obediência, ordem e vigilância, não eram suficientes para suscitar o interesse pelos estudos. Desde o estabelecimento do método jesuítico, era sabido que a utilização de mecanismos disciplinares, buscando regular a vida cotidiana da instituição e manter o controle sobre os alunos, não podia estar fundamentada unicamente pela força ou pela violência. 12 APP-SINDICATO Para dar sentido a essas ações, a escola necessitava acionar outros mecanismos capazes não só de legitimar as suas práticas e auxiliar na uniformização e na melhoria da gestão do território, mas, sobretudo, de promover a internalização das regras aprendidas. Para exercer a arte de bem educar, era necessário controlar corretamente os indivíduos (Foucault, 1979, p. 281-2), ou seja, o poder precisava ser exercido de acordo com um modelo preestabelecido e ser aceito pelos estudantes. Bourdieu (1986, p. 40-4), ao analisar os códigos de conduta, utiliza uma citação de Weber para afirmar que os agentes sociais obedecem à regra quando o interesse em obedecê-Ia prevalece sobre o interesse em desobedecê-Ia. Ou seja, a regra não é automaticamente eficaz por si só; ao lado da norma expressa e explícita ou de cálculo racional existem outros princípios geradores das práticas. Uma das fórmulas encontradas pelas instituições escolares, nesse sentido, era conformar o amor e a obediência numa mesma linguagem, levando o aluno a amar seus mestres e, através deles, aprender a amar e respeitar as leis e o trabalho (Ansart, 1978, p. 90-91). Em busca desse objetivo, entre as estratégias amplamente utilizadas, especialmente pelos colégios católicos, estava sistema de “premiação ou emulação.” Inspirados em Fenelon, para quem a emulação deveria servir para animar os alunos sem irritá-Ios; [e segundo o qual] sem esse recurso, seria impossível retirá-Ios de sua sonolência natural, de Ihes fazer amar o trabalho, de Ihes fazer superar as dificuldades no estudo (Guide, 1923, p. 120), os educadores católicos utilizavam-se desse sistema para suscitar o interesse pela aprendizagem e inculcar nos alunos a noção de trabalho. A partir da emulação - que podia incluir desde a disputa interna, em sala de aula, até os concursos externos envolvendo várias escolas - os estabelecimentos de ensino procuravam não apenas incentivar os estudantes a superar as dificuldades por meio da comparação e da competição com os colegas, mas, principalmente, estabelecer parâmetros que deveriam ser continuamente supe- rados dentro de um clima agradável que transformasse a permanência na escola mais atraente (Guide, 1923, p. 123). Os regulamentos das escolas católicas mostram que, invariavelmente, essas instituições faziam uso de diversos meios de emulação, como a proclamação de notas semanais e a distribuição de postos de honra em cada disciplina, que eram aplicados aos alunos, passando a fazer parte integrante das práticas escolares. Cientes de que O poder estabelecido unicamente pela força ou sobre a violência não controlada teria uma existência constantemente ameaçada ( ... ) e de que ele [o poder] só se realiza e se conserva pela transposição, pela produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua organização em um quadro cerimonial (Balandier, 1982, p. 7). Os colégios católicos comandavam o real através do imaginário, procurando dar sentido às ações controladas pelo poder, atrelando à emulação a ritualização das práticas escolares. Além das atividades previstas nos regulamentos, a própria rotina da sala de aula era marcada por aspectos de teatralidade. A “saída” da escola, por exemplo, deveria acontecer em silêncio e em ordem: Quando acabar a oração, ao sinal dado os alunos ficarão em pé, de braços cruzados. O mestre fará o sinal para saírem aqueles dos últimos bancos, que partirão após fazer uma ligeira inclinação ao crucifixo e outra ao Mestre; após eles se colocarão na fila, no lugar previamente designado (Guide, 1923, p. 106). 8 De acordo com Roberto DaMatta, embora o ritual seja definido pelo contraste com as atividades rotineiras do mundo diário, os elementos que o compõem fazem parte do universo APP-SINDICATO 13 penais, infligidas àqueles que não demonstravam esforço nas disputas escolares. O método da emulação, nesse sentido, obrigava o indivíduo a uma tomada de posição em um campo onde não havia espaço para a neutralidade. Desde cedo, o aluno deveria aprender que a vida colegial era, em seu conjunto, um entremear de alegrias e tristezas, Além das atividades previstas nos rede prêmios e castigos, com uma divigulamentos, a própria rotina da sala são muito nítida e racionalizada entre o bem e o mal (Azzi, 1997, p. 143). de aula era marcada por aspectos de de relações sociais que regem a vida cotidiana. Sendo assim, cabia aos professores selecionar nesse universo determinados símbolos, ou destacar determinados comportamentos como exclusivos daquela comunidade escolar. teatralidade. De modo geral, todas as atividades escolares eram marcadas por determinados rituais que deveriam ser obrigatoriamente seguidos, evidenciando que, a partir desses controles, socialmente induzidos, a escola procurava interiorizar e formalizar condutas que deveriam ser incorporadas na própria estrutura da personalidade, de modo a orientar uma determinada visão de mundo. Convém lembrar ainda que, além da expressão simbólica presente nas atividades rotineiras e na própria distribuição do espaço, a ritualização integrava particularmente as cerimônias litúrgicas, os desfiles cívicos e as comemorações em geral, como as festas de final de ano, formaturas ou entrega de medalhas. Nas solenidades de entrega de prêmios, a proclamação dos nomes dos estudantes que se destacassem no desempenho das atividades propostas constituía um momento onde o esforço e o rendimento de cada um eram postos à prova. Nesses eventos, o comportamento e o desempenho dos estudantes eram medidos a partir de dois pólos opostos; enquanto alguns alunos eram recompensados pela sua aplicação nos estudos, com a inscrição no quadro de honra, outros eram passíveis de receber as sanções Uma das estratégias utilizadas pelos estabelecimentos católicos para manter o interesse do aluno pelos estudos e, ao mesmo tempo, distanciá-lo dos perigos que rondavam o espaço urbano, era oferecer um rol de atividades extraclasses que favorecesse a permanência dos alunos no espaço colegial o maior tempo possível. Ao contrário das atividades escolares que eram obrigatórias, nesses espaços o estudante tinha certa liberdade de escolha, podendo inserir-se em uma atividade ou em um grupo de acordo com seus interesses pessoais. O leque de atividades oferecidas era bastante amplo, podendo ser agrupadas em três áreas distintas: religiosa, esportiva e demais atividades culturais, que procuravam atender aos interesses dos alunos de acordo com as diferentes faixas etárias, ficando cada grupo sob a responsabilidade de um professor. Dentre as diversas atividades oferecidas pelo colégios masculinos, o futebol ocupava um lugar de estaque como instrumento de motivação nos estudos. Por constituir-se num esporte com características rituais que contribuem não só para o domínio sobre o corpo e o autocontrole, como também para o estabelecimento de redes de sociabilidade e a própria construção da masculinidade, essa atividade esportiva sempre teve papel relevante como suplemento da educação escolar nos estabelecimentos maristas. 14 APP-SINDICATO Na medida em que a participação no time de futebol, bem como nos demais grupos esportivos, intelectuais ou religiosos, estava condicionada ao desempenho nos estudos e o comportamento disciplinar, as atividades extraclasse cumpriam dupla função, pois além de manter os alunos afastados da rua, evitando a convivência mais estreita com indivíduos estranhos ao grupo, levavam o aluno a ter maior interesse pelos estudos. A partir desses mecanismos, a escola transformava-se num espaço agradável, criando condições para a construção de um sistema de pensamento e de condutas singulares que possibilitasse ao aluno marista reconhecer e ser reconhecido, em qualquer situação, como componente de um grupo exclusivo. Ou seja, para criar uma identidade coletiva, a escola precisava delimitar o seu “território” e as suas relações com o meio ambiente e, designadamente, com os “outros”, formando imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados (Baczko, 1995, p. 309), e, nesse sentido, as atividades esportivas, realizadas dentro e fora do colégio, desempenhavam um papel relevante como veículo de relações sociais. Nos eventos esportivos realizados regularmente pelo colégio, era visível o esforço empreendido pelos maristas no sentido de conquistar o reconhecimento do público externo, mostrando que a sua clientela estava sendo preparada para desempenhar as funções que a sociedade esperava dela. Interessante notar que durante os eventos externos ou cerimônias públicas, como os desfiles cívicos, as competições internas eram esquecidas, entrando em cena uma imagem coesa do estabelecimento, construída a partir de uma matriz de representação. Essa representação, presente no imaginário social, era re- sultante de uma elaboração coletiva, que tinha como objetivo não só validar e motivar determinado comportamento mas também construir uma identidade social própria. Nessas ocasiões, onde o uniforme de gala passava a constituir um elemento simbólico, marcando de forma visível e perpetuada a existência e a identidade do grupo, tornava-se perceptível que os alunos estavam ligados por laços invisíveis, formando uma associação específica, ou melhor dizendo, uma comunidade de sentido. Dessa forma, por trás desses programas cerimoniais, que aparentemente constituíam apenas um mecanismo de reforço (DaMatta, 1980, p. 59), pode-se perceber a existência de um projeto político maior que visava efetivar um trabalho vinculado à questão da aparência e da informação. Vale lembrar que a existência de uma comunidade de sentido não significava adesão incondicional dos alunos ao modelo disciplinar implantado. Todavia, a relação de interdependência recíproca estabelecida entre os discentes relativizava os antagonismos em prol da coesão do grupo (Déchaux, 1993, p. 8). Nesses momentos, tinha-se a impressão de que o indivíduo era conduzido pelo ambiente palpitante das massas, como se houvesse uma força exterior, alheia ao seu ser ou à sua vontade individual (Maffesoli, 1988). Assim, por meio das práticas rituais, efetivadas no âmbito interno e externo ao colégio, buscava-se construir e reconstruir o capital de esquemas informais para que os estudantes se mantivessem enquadrados às regras impostas e fossem inseridos num modelo homogêneo de percepção que os agrupava numa comunidade específica, distinta das demais. 15 APP-SINDICATO Referências DESAN, S. Massas, comunidade e ritual na obra de E. P. ANSART, P. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ARENDT, H. Religião e política. In: __ o A dignidade da política: ensaios e conferências. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 1993. Janeiro: Zahar, 1996. ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara/Koogan, 1981. AZZI, R. História da educação católica no Brasil: contribuição dos irmãos Maristas. V. 2. São Paulo: Loyola: SIMAR, 1997. Thompson e Natalie Davis. In: HUNT, L. A nova história ERIBON, D. 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Estas não estão no campo das concepções marxistas vinculadas as teorias criticas. São o resultado das demandas dos movimentos sociais de identidade de gênero e raça, sobretudo do feminismo e do anti-racismo. Ainda que todo racismo e toda opressão sobre as mulheres, tenham sido também apropriadas e utilizadas como estratégia de dominação na expansão do capitalismo. 17 APP-SINDICATO Concepções e Tendências da Educação e suas Manifestações na Prática Pedagógica Escolar1 PEDAGOGIA TEORIA TENDÊNCIA LIBERAL • Justificação do sistema capitalista; • Ênfase na defesa da liberdade e dos direitos e interesses individualistas na sociedade; • Forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção. NÃO- CRÍTICAS • Manutenção do “status quo”. TRADICIONAL OU CONSERVADORA • Predomínio: até 1930 • Vertentes: - Católica: monopólio jesuítico até 1759; - Leiga: liberalismo clássico 1759 a 1930. MANIFESTAÇÕES DE PRÁTICA PEDAGOGICA ESCOLAR NO BRASIL ESCOLA NOVA TECNICISTA DIRETIVA • 1932 – Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, encabeçado por Fernando Azevedo; • 1934 – Constituição; • 1940 – Psicologismo Pedagógico; • 1950 – Sociologismo Pedagógico; • 1960 – Economicismo Pedagógico. NÃO-DIRETIVA • Educação centrada no estudante; • Prática pedagógica antiautoritária. • Surge a figura do Orientador Educacional. • Surge no Brasil em meados da década de 50, mas é introduzida efetivamente no final dos anos 60, com predomínio a partir de 1978; • As Leis 5.540/68 (ensino universitário) e 5.692/71 (ensino de 1º e 2º graus) são marcos da implantação do modelo tecnicista; • Surge a figura do Supervisor Educacional. 1 Síntese elaborada pelas alunas Diana Cristina de Abreu, Edna Cristina Bueno Bighi Gazim, Eloína Alves dos Santos Suss, Luciana Szenczuk, Marcia Maria da Silva e Rúbia Helena Naspolini Coelho, Curso de Especialização em Organização do Trabalho Pedagógico, Setor de Educação da UFPR, Curitiba, 2003. 18 APP-SINDICATO TENDÊNCIA TRADICIONAL OU CONSERVADORA ESCOLA NOVA TECNICISTA DIRETIVA NÃO-DIRETIVA • Ensino humanístico de cultura geral; • Ensino tradicional de caráter verbalista, autoritário e inibidor da participação do aluno; • Conteúdos enciclopédicos e descontextualizados; • Valorização do conteúdo, do intelectual, da disciplina, do diretivismo; • Educação centrada PRESSUPOSTOS no professor, que TEÓRICOS deve ter domínio dos conteúdos; • Ensinar é repassar conhecimentos; • Criança: capacidade de assimilação igual a do adulto, porém menos desenvolvida; • Programas de ensino são baseados na “progressão lógica”; • O aluno é educado para atingir pelo próprio esforço sua plena realização pessoal. • Os problemas sociais pertencem à sociedade; • A ênfase na cultura esconde a realidade das diferenças de classe; • Aprender é uma atividade de descoberta. A aprendizagem é um ato individual, uma construção subjetiva do conhecimento; • O aluno é o centro do processo de ensino; • Auto-aprendizagem (“aprender a aprender”); • Aluno solidário, respeitador das regras, participante; • O ambiente é um meio estimulador; • A motivação depende da força de estimulação do problema e das disposições internas para aprender; • Valorização do aspecto psicológico (testes e inteligência) do sentimento, da subjetividade. •Favorece o amadurecimento emocional, a autonomia e as possibilidades de auto-realização do aluno, pelo desenvolvimento da valorização do seu “eu”; •Aprendizagem significa modificação das próprias percepções; •Valoriza as experiências dos alunos; •As atividades acontecem de acordo com a realidade do aluno (segundo suas experiências individuais); •O ensino é centrado no aluno; •O professor é um mero facilitador da aprendizagem; •A motivação da aprendizagem é o desejo de adequação pessoal na busca de auto-realização. •Aprendizagem é modificação de desempenho; •O aluno é submetido a um processo de controle do comportamento, a fim de ser levado a atingir objetivos previamente estabelecidos; •O ensino é organizado em função de pré-requisitos; •Ensino: processo de condicionamento/ reforço da resposta que se quer obter, acontece através da: operacionalização dos objetivos e mecanização do processo; •Não se preocupa com o processo mental do aluno, mas sim com o produto desejado; •Busca-se a “eficiência”, a “eficácia”, a “qualidade”, a “racionalidade”, a “produtividade” e “neutralidade” na escola, que deve funcionar como uma empresa. • Johann Friedrich Herbart (1776-1841) “A prática da reflexão metódica”, baseado na clareza, na associação, no sistema e no método. •Dewey (1859-1952) – “aprender fazendo”; •Montessory (1870-1952) – Métodos ativos e individualização do ensino; •Claparedè (18731940) – Educação funcional e diferenciada; •Piaget (18961980) – estudos sobre os processos de construção do pensamento na criança; •Brasil: Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando Azevedo. • Rosseau (1712- 1778) – enfatiza aspectos da orientação nãodiretiva; • Roger (1902-1987) – Método não-diretivo: 1. concepção terapêutica; 2. aconselhamento com a finalidade de eliminação da inconsciência entre auto conceito e experiência pessoal – raiz das dificuldades psicológicas. • Skinner; • Gagné; • Bloom; • Cosete Ramos. REPRESENTANTES OU TEÓRICOS 19 APP-SINDICATO TENDÊNCIA PSICOLOGIA FILOSOFIA PAPEL DA ESCOLA TRADICIONAL OU CONSERVADORA ESCOLA NOVA TECNICISTA DIRETIVA NÃO-DIRETIVA •Inatista - com vertentes na teologia e com interpretações errôneas da Teoria da Evolução, da genética e da embriologia; •O homem traz as qualidades básicas (percepção, valores, hábitos, crenças), basicamente prontas ao nascer. • Interacionismo Contrutuivista – Piaget: - Psicologia do desenvolvimento: enfoque nos processos cognitivos da criança; - O homem constrói o conhecimento durante sua vida, na interação homem-meio; - Biopsicologização da sociedade, da educação e da escola; - Testes de inteligência e de personalidade. •Psicologia terapêutica; •Psicologia humanista – ênfase nas relações interpessoais e no crescimento que delas resulta, centrado no desenvolvimento da personalidade do indivíduo em seus processos de construção e organização pessoal. •Behaviorista; •Comportamentalista; •Instrumentalismo; •Ambientalista. •Concepção humanista tradicional: - Centra-se na essência do intelecto, no conhecimento; - Homem – constituído por uma essência imutável. •Concepção humanista moderna: - Centra-se na existência, na vida, na atividade – a natureza humana é ativa, subjetiva; - “O homem é a fonte de todos os atos”, é um ser autônomo, criado para a liberdade, sem ser determinado pelo meio social; - Predispõe-se a fazer a equalização social. •Concepção humanista moderna: - Ênfase na importância do desenvolvimento das habilidades mentais, como observação, análise, reflexão e criatividade. •Concepção Analítica - Não pressupõe uma visão de homem, nem de um “sistema filosófico”; - Busca efetuar a análise lógica da linguagem educacional; - Neopositivista: o conhecimento científico é analítico, requer exatidão e clareza. •Converter o súdito em cidadão que domine a arte e a retórica; •Transmitir conhecimentos acumulados pela humanidade; •Realizar a preparação intelectual e moral do indivíduo para assumir seu lugar na sociedade; •Ofertar o mesmo caminho para todos, privilegiando, assim, as camadas mais favorecidas. •Escola democrática, proclamada para todos; •Valorizar o conhecimento que o aluno traz; estimular os alunos que são diferentes e necessitam de estímulos diferentes; •Adequação das necessidades individuais ao meio social; •Ajustamento social por meio de experiências, em que a escola deve retratar a vida. •Preparar o individuo para desempenhar papéis sociais; •Promover o autodesenvolvimento e realização pessoal; •Enfoque na formação individual; •Prioriza os problemas psicológicos em detrimento dos pedagógicos; •Privilegia situações problemáticas correspondentes aos interesses do aluno; •Enfoque no afrouxamento das normas disciplinares (autoridade disfarçada, as funções de professor e aluno se confundem). •Articula-se com o sistema produtivo para o aperfeiçoamento do sistema capitalista: provê a formação de indivíduos para o mercado de trabalho, de acordo com as exigências da sociedade industrial e tecnológica; •Preocupa-se com aspectos mensuráveis e observáveis; •O aluno é um ser bio-psico-social; •Funciona como modeladora do comportamento humano. 20 APP-SINDICATO TENDÊNCIA TRADICIONAL OU CONSERVADORA RELAÇÃO PROFESSORALUNO TECNICISTA DIRETIVA NÃO-DIRETIVA •Os conteúdos são selecionados a partir dos interesses e experiências vividas pelos alunos; •A aquisição do saber é mais importante que o próprio saber; •Ênfase nos processos de desenvolvimento das relações sociais, da convivência em grupo e do saber fazer. •Os conteúdos são selecionados a partir dos interesses e experiências vividas pelos alunos; •Os conhecimentos em si são dispensáveis, são apenas meios para o autodesenvolvimento; •Consistem em experiências que o aluno reconstrói. •Os conteúdos são baseados nos princípios científicos, manuais e módulos de auto-instrução que visam objetivos e habilidades que levam à competência técnica; •Informações, princípios e leis, organizados em uma sequência lógica e psicológica, estabelecida e ordenada por especialistas; •Material Instrucional sistematizado nos manuais, livros didáticos, apostilas, etc. •Valorização de aspectos cognitivos e quantitativos com ênfase na memorização; •Verificação dos resultados através de interrogatórios orais e escritos, provas, exercícios e trabalhos de casa; •O aluno deve reproduzir na íntegra o que foi ensinado (avaliado por banca examinadora); •Classificatória. •Valorização dos aspectos afetivos (atitudes); •Valorização da atividade do aluno pela descoberta pessoal que passa a compor a estrutura cognitiva; •Valorização dos aspectos Bio-psicosociais; •Preocupação com: participação, interesse, socialização e conduta (assiduidade, responsabilidade, higiene, pontualidade); •Avaliação para o desenvolvimento individual do aluno; •Ênfase na autoavaliação, a partir de critérios internos do organismo. •A relevância do aprendido se dá em relação ao “eu”; •Privilegia a autoavaliação; •Atividades avaliativas: - Debates entre os alunos; - Seminários com exposição individual ou em grupo; - Elaboração de murais pedagógicos; - Relatórios das pesquisas experimentais e estudos do meio; - Trabalhos em grupos, em que o educando deve aprender a fazer, fazendo; e a pensar pensando, em situações definidas. •Ênfase na produtividade do aluno; •Uso de testes objetivos; •Realização de exercícios programados; •Está diretamente ligada aos objetivos estabelecidos; •Ocorre no final do processo com a finalidade de constatar se os alunos adquiriram os comportamentos desejados; •Prática diluída, eclética e pouco fundamentada, com exagerado apego aos livros didáticos. •Professor é o centro do processo; •Professor autoritário que transmite o conhecimento; •Baseada em regras e disciplina rígida; •Aluno é passivo, submisso, receptivo e sujeito ao castigo. •O professor é um facilitador da aprendizagem, que auxilia o desenvolvimento livre e espontâneo da criança; •O professor não deve ensinar, mas sim criar condições para que os alunos aprendam; •O aluno é o centro do processo de ensinoaprendizagem, é um ser ativo. •O professor é um especialista em relações humanas; •O relacionamento professor-aluno deve ser autêntico e pessoal, em que o professor aceite a pessoa do aluno; •O professor tem de ter a capacidade de ser confiável; receptivo e intervir o mínimo possível na aprendizagem do aluno, já que a sua intervenção ameaça e inibe o aluno. •O professor é apenas um elo de ligação entre a verdade científica e o aluno; é o técnico responsável pela eficiência do ensino, quem administra as condições de transmissão de matéria; •O aluno é um ser fragmentado, espectador que está sendo preparado para o mercado de trabalho, para “aprender a fazer”. •Conteúdos humanísticos selecionados da cultura universal, separados da experiência dos alunos e da realidade social; CONTEÚDOS DE •Conteúdos ENSINO enciclopédicos e intelectualistas, que são repassados como verdades absolutas; •Latim: arte retórica; •Científico dogmático, cumulativo e quantitativo. FUNÇÃO DA AVALIAÇÃO ESCOLA NOVA 21 APP-SINDICATO TENDÊNCIA MÉTODO DE ENSINO E ASPECTOS TEÓRICOS TÉCNICAS DE ENSINO TRADICIONAL OU CONSERVADORA ESCOLA NOVA TECNICISTA DIRETIVA NÃO-DIRETIVA • Herbatiano ou Científico - Método expositivo organizado em cinco passos que, segundo Herbart, constituem a ordem psicológica mais adequada para a assimilação de novas ideias e experiências; - Este método didático exige raciocínio indutivo (observação dos fatos); - Antimetafísico (contra o abstrato). • Método de Pesquisa ou Método da Descoberta: - Corresponde ao Método Científico Indutivo formulado por Bacon, que apresenta três momentos fundamentais: observação, generalização, e confirmação; - Dilui a diferença entre ensino e pesquisa, onde a pesquisa deve encetar investimentos que realmente contribuam para o enriquecimento cultural da humanidade. • Método Não-Diretivo: - Concepção terapêutica; - Aconselhamento com a finalidade de eliminação da inconsciência entre autoconceito e experiência pessoal – raiz das dificuldades psicológicas. • Procedimentos e técnicas para a transmissão e recepção de informações; • Abordagem sistêmica; • Debates, reflexões, discussões e questionamentos são considerados desnecessários; relações afetivas e pessoais não são consideradas; • Proposta metodológica de eficientização e eficácia da aprendizagem. • Aula expositiva: exposição verbal ou demonstração pelo professor é a técnica considerada mais adequada para a transmissão de conteúdos na sala de aula; • Ênfase nos exercícios, cópias, leituras, repetição e memorização de conceitos e fórmulas; • Envolvem três etapas: introdução, desenvolvimento e conclusão; • Método rigorosamente lógico e idêntico para todas as disciplinas; • Cabe ao mestre a seleção e estruturação da matéria a ser aprendida; • Estímulo ao individualismo e à competição. 1. Centros de Interesses; 2. Estudo Dirigido; 3. Método de Projetos; 4. Fichas Didáticas; 5. Contrato de Ensino; • As técnicas e os métodos são orientados por três princípios: individualização, liberdade e espontaneidade; • As técnicas de ensino utilizadas na escola nova exigem o uso de muitos recursos didáticos. • Contratos onde alunos e o professor estabelecem níveis de aproveitamentos, tópicos e conceitos (nota A ou B); • Grupos de facilitadores: um presidente e um relator que preparam as sessões de estudo com o professor (consultor). • Entrevista: criar no curso da entrevista uma atmosfera, propícia para que o próprio aluno escolha os seus objetivos; • Trabalhos em grupo, pesquisas, jogos/criatividade, observação, experiências, dinâmicas de grupos, pesquisas. • Coloca a atenção em modos instrucionais que possibilitam controle efetivo dos resultados: - instrução programada, - pacotes de ensino, - módulos instrucionais, etc.; • Técnicas de microensino. 22 APP-SINDICATO TENDÊNCIA TRADICIONAL OU CONSERVADORA PASSOS DO MÉTODO • Método Expositivo: 1. Preparação - Evocação, no aprendiz de velhas ideias relacionadas com as novas; - Recordação da lição anterior, portanto, do já aprendido; 2. Apresentação - Contemplação e apreensão do objeto da aprendizagem; - O novo conhecimento é colocado diante do aluno e a este cabe assimilar; 3. Assimilação - As novas ideias são relacionadas com as velhas ideias; - Trata-se de identificar, por comparação, o diferente entre os elementos já conhecidos; 4. Generalização - O que é geral separa-se de aspectos particulares concretos: os aspectos gerais são unidos às ideias anteriormente adquiridas e ocorre a sistematização da aprendizagem; - Se o aluno já assimilou o novo conhecimento, é capaz de identificar todos os fenômenos correspondentes ao conhecimento adquirido; 5. Aplicação - As ideias já sistematizadas são retomadas, desenvolvemse novas relações e as ideias são aplicadas; - O aluno vai demonstrar se aprendeu, se assimilou ou não o conhecimento. Isto é verificado através de exemplos novos, ainda não manipulados pelo aluno; - Coincide com as “lições de casa”. MODELO DE CONHECIMENTO S←O (Objetivista) ESCOLA NOVA DIRETIVA NÃO-DIRETIVA • Método de Pesquisa ou Método da Descoberta: - O método de ensino tem a seguinte estrutura: 1. Atividade - O ensino começa sempre com uma atividade, a qual pode suscitar um problema; 2. Problema - Alunos e professor precisam resolver o problema; 3. Levantamento de dados - Os alunos levantam os mais diferentes dados documentais, bibliográficos, dados de campo; 4. Formulação de Hipóteses Explicativas - Os dados organizados pelos alunos servem de base para formulação de uma ou mais hipóteses explicativas para o problema; 5. Experimentação - Os alunos testam as hipóteses explicativas, o que lhes permite rejeitar ou confirmar as hipóteses formuladas; • Este método didático assume caráter “pseudocientífico”, porque confunde ciência e ensino. • Método Clínico de Rogers: 1. Contato com a realidade - o contato com a realidade torna a aprendizagem significativa, pelo vínculo das experiências e motivações do individuo; 2. Autenticidade ou congruência - o professor deve ser sentido como pessoa unificada, integrada, congruente; 3. Aceitação positiva incondicional - o professor aceita os sentimentos do aluno, em toda espécie de atitude; 4. Empatia - capacidade de captar o mundo do aluno como se fosse o seu, em todas as reações ao enfrentar uma nova matéria. S→O (Subjetivista) S→O (Subjetivista) TECNICISTA • Método Científico: - Preocupação científica que está baseada em princípios da tecnologia educacional; - “Harmonização” entre as necessidades dos alunos e os valores sociais; 1. Objetivos instrucionais operacionalizados em comportamento observável e mensurável; 2. Procedimentos instrucionais; 3. Ênfase nos meios, na instrução programada, nas técnicas de microensino, nos recursos audiovisuais. S←O (Objetivista) 23 APP-SINDICATO TEORIAS CRÍTICO-REPRODUTIVISTAS • São críticas porque postulam não ser possível compreender a educação senão a partir dos seus condicionantes sociais. • Não constituem pedagogias; • Não apresentam uma proposta pedagógica: o caráter reprodutivista da escola impede que ela seja diferente, donde a inviabilidade ou inutilidade de uma proposta pedagógica vinculada aos interesses da classe trabalhadora. TEORIA TEORIA DO SISTEMA DE ENSINO ENQUANTO VIOLÊNCIA SIMBÓLICA (1970) TEORIA DA ESCOLA ENQUANTO APARELHO IDEOLÓGICO DE ESTADO (1969) TEORIA DA ESCOLA DUALISTA (1971) TEÓRICOS P. Bourdieu e J.C. Passeron L. Althusser C. Baudelot e R. Establet OBRA DE REFERÊNCIA “A Reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino” (1975) “Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado” (s/d) “A escola capitalista na França” (1971) • Especialmente durante a década de 70; INFLUÊNCIA NO • Saviani utiliza estes estudos como referência teórica para fazer a análise crítica da história das BRASIL tendências da educação brasileira. • A sociedade é dividida em classes antagônicas que sob a forma de luta de classe opõe CONCEPÇÃO DE burguesia ao proletariado. SOCIEDADE • Essa luta trava-se nas relações de produção, que são relações de exploração. CONCEITOSCHAVES • Violência Simbólica: os grupos e classes dominantes controlam os significados culturalmente legítimos e socialmente mais valorizados. Estes significados medeiam as relações de poder entre grupos e classes. O capital cultural é distribuído desigualmente entre grupos e classes. Como resultado: - Aqueles que têm mais capital cultural são mais bemsucedidos na escola; - A escolarização é a base para uma mobilidade social limitada, que dá aparência de realidade à meritocracia; - Portanto, a educação é o processo de reprodução das diferenças culturais e sociais. • Qualquer ação pedagógica é uma violência simbólica. • O Estado é composto por: - Aparelhos Repressivos de Estado (ARE) – polícia, tribunais, prisões etc. – que funcionam massivamente pela violência e secundariamente pela ideologia e - Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) – igreja, escola, mídia etc. – que funcionam massivamente pela ideologia e secundariamente pela violência. • A escola é o AIE dominante na sociedade capitalista. • A escola é dividida em duas grandes redes: - Rede PP (primário profissional) → destinada aos trabalhadores e - Rede SS (secundário superior) → destinada à burguesia; • A escola é um aparelho ideológico da burguesia e está a serviço de seus interesses. • A contradição principal existe brutalmente fora da escola sob a forma de uma luta que opõe a burguesia ao proletariado; ela se trava nas relações de produção, que são relações de exploração. 24 APP-SINDICATO FUNÇÃO DA • É um instrumento de discriminação social, na medida em que reforça a dominação e legitima EDUCAÇÃO NA a marginalização cultural e escolar; SOCIEDADE • Cumpre papel fundamental no processo de reprodução do capitalismo. CAPITALISTA • FUNÇÃO DA ESCOLA NA SOCIEDADE CAPITALISTA Sistema de Ensino ↓ ↓ Reprodução Reprodução do próprio das relações corpo sociais de acadêmico produção ↓ Reprodução do poder acadêmico ↓ Reprodução do Próprio sistema de ensino • A escola realiza a (re) produção do habitus, que é uma formação durável, produto da interiorização dos princípios do arbitrário cultural capaz de perpetuarse após a cessação da ação pedagógica e por isso se perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado; • Escola = vetor de assimilação das mensagens produzidas pela indústria cultural. • O sistema das diferentes escolas públicas e particulares constitui o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção do tipo capitalista: Escola ↓ ↓ Reprodução Inculcação da força de Ideológica trabalho • A escola, em que pese a aparência unitária e unificadora, é uma escola dividida em duas grandes redes (PP e SS), as quais correspondem à divisão da sociedade capitalista em duas classes fundamentais: Escola ↓ ↓ Formação Inculcação de força de da Ideologia trabalho burguesa ↓ ↓ Qualificação Inculcação do trabalho explícita da intelectual ideologia X burguesa Desqualificação e do trabalho recalcamento, manual sujeição e disfarce da ideologia proletária • Explicita os mecanismos de funcionamento da escola capitalista e como esta se constitui; • Põe em evidência o comprometimento da educação com os interesses da classe dominante; • Considera a luta de classes, porém esta fica diluída, tal o peso da dominação burguesa; CONTRIBUIÇÕES • Defende que quanto mais os professores ignoram que estão reproduzindo a sociedade capitalista, tanto mais eficazmente a reproduzem; • Afirma que todos os esforços realizados na/pela escola na luta pela transformação da sociedade revertem sempre no reforçamento dos interesses da classe dominante. Desta forma, a possibilidade de a escola ser um instrumento de luta proletária é descartada. 25 APP-SINDICATO PEDAGOGIA TEORIA TENDÊNCIA PROGRESSISTA • A escola é condicionada pelos aspectos sociais, políticos e culturais, mas contraditoriamente existe nela um espaço que aponta a possibilidade de transformação social; • A educação possibilita a compreensão da realidade histórico-social e explicita o papel do sujeito construtor/transformador dessa mesma realidade. CRÍTICA • Sustenta a finalidade sócio-política da educação; • Instrumento de luta de professores ao lado de outras práticas sociais. LIBERTÁRIA LIBERTADORA HISTÓRICO-CRÍTICA • Antiautoritarismo e autogestão são os princípios fundamentais da proposta MANIFESTAÇÕES pedagógica anarquista (que DE PRÁTICA abrange várias correntes: PEDAGÓGICA libertários, psicanalistas e ESCOLAR NO sociólogos). BRASIL • Primeira experiência: Movimento de Cultura Popular no Recife (1964); • Projeto de Educação de Adultos: - Círculo de Cultura; - Centro de Cultura. •Marco teórico 1979; •A prática pedagógica propõe uma interação entre conteúdo e realidade concreta, visando a transformação da sociedade (ação-compreensão-ação); •Enfoque no conteúdo como produção histórico-social de todos os homens; •Superação das visões não-críticas e críticoreprodutivistas da educação. •Questionamento da ordem social existente; •Preocupação com a educação política dos indivíduos e com o desenvolvimento de pessoas mais livres; •Profunda ligação entre educação e os planos de mudança social; •O ensino deve desenvolver todas as possibilidades da criança (integralidade), sem abandonar nenhum aspecto mental ou físico, intelectual ou afetivo; •Defesa da auto-gestão; •Rejeitam toda forma de PRESSUPOSTOS governo. TEÓRICOS •Teoria do conhecimento aplicada à educação, que é sustentada por uma concepção dialética em que educador e educando aprendem juntos numa relação dinâmica na qual a prática, orientada pela teoria, reorienta essa teoria, num processo de constante aperfeiçoamento; •A educação é sempre um ato político; •Educação problematizadora, conscientizadora; •O fundamental na educação é que os educandos se reconheçam enquanto sujeitos histórico-sociais, capazes de transformar a realidade; •A categoria pedagógica da conscientização preocupase com a formação da autonomia intelectual do sujeito para intervir na realidade; •Crítica à “educação bancária”. •Defende a escola como socializadora dos conhecimentos e saberes universais; •A ação educativa pressupõe uma articulação entre o ato político e o ato pedagógico; •Interação professor-alunoconhecimento e contexto histórico-social; •A inter-subjetividade é mediada pela competência do professor em situações objetivas; •A interação social é o elemento de compreensão e intervenção na prática social mediada pelo conteúdo; •Concepção dialética da história (movimento e transformação); •Pressupõe a práxis educativa que se revela numa prática fundamentada teoricamente; •A natureza e especificidade da educação refere-se ao trabalho não-material, que na escola pública não se subordina ao capital; •A tarefa desta pedagogia em relação à educação escolar implica: a) Identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo as suas principais manifestações, bem como as tendências atuais de transformação; b) Conversão do saber objetivo em saber escolar de modo a torná-lo assimilável pelos alunos das camadas populares no espaço e tempo escolares; c) Provimento dos meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção, bem como as tendências de sua transformação. 26 APP-SINDICATO TENDÊNCIA LIBERTÁRIA •Freinet (1896-1966) – Educação pelo trabalho e pedagogia do bom senso; •Lobrat (discípulo de Freinet) REPRESENTANTES – Pedagogia institucional e auto-gestão pedagógica; OU •Maurício Trautemberg – TEÓRICOS auto-gestão institucional. LIBERTADORA •Paulo Freire; •Moacir Gadotti; •Rubem Alves. PAPEL DA ESCOLA CONTEÚDOS DE ENSINO •Demerval Saviani, Jamil Cury, Gaudêncio Frigotto, Luiz Carlos de Freitas, Acácia Zeneida Kuenzer, José Carlos Libâneo (Pedagogia CríticoSocial dos Conteúdos); •Influências de autores internacionais como: Marx, Gramsci, G. Snyders, M. Manacorda, Makarenko, Suchodolski. •Corrente sócio-histórica: Vigotski, Lúria, Leontiev e Wallon. PSICOLOGIA FILOSOFIA HISTÓRICO-CRÍTICA •Anarquismo – uma corrente que defende que “o caminho da liberdade é a própria liberdade”. •Paulo Freire faz uma síntese de tendências como: neotomismo, humanismo, fenomenologia, o existencialismo e o neomarxismo. •Materialismo Históricodialético. •Desenvolver mecanismos de mudanças institucionais e no aluno, com base na participação grupal, onde ocorre a prática de toda aprendizagem; •Exercer uma transformação na personalidade do aluno no sentido libertário e autogestionário; •Resistência contra a burocracia como instrumento de ação dominadora e controladora do estado. •Formação da consciência política do aluno para atuar e transformar a realidade; •Problematização da realidade, das relações sociais do homem com a natureza e com os outros homens, visando a transformação social. •Valorização da escola como espaço social responsável pela apropriação do saber universal; •Socialização do saber elaborado às camadas populares, entendendo a apropriação crítica e histórica do conhecimento enquanto instrumento de compreensão da realidade social e atuação crítica e democrática para a transformação desta realidade. •Os conteúdos de ensino são colocados à disposição dos alunos, porém não são exigidos; •O conhecimento considerado mais importante é o que resulta das experiências vividas no grupo; •A apropriação dos conteúdos somente tem sentido quando convertidos em prática; •O conhecimento é a descoberta de respostas às necessidades e exigências da vida social, não sendo necessariamente os conteúdos de ensino. •Os conteúdos (denominados temas geradores) são extraídos da problematização da prática de vida dos educandos, assim a codificação de uma situaçãoproblema revela a força motivadora da aprendizagem. Toma-se distância da situaçãoproblema para analisá-la criticamente. Essa análise envolve o exercício da abstração, através da qual se procura alcançar, por meio de representações da realidade concreta, a razão de ser dos fatos – decodificação. •Conteúdos culturais universais incorporados pela humanidade (clássicos), permanentemente reavaliados face às realidades sociais; •Conteúdos indispensáveis à compreensão da prática social: revelam a realidade concreta de forma crítica e explicitam as possibilidades de atuação dos sujeitos no processo de transformação desta realidade. 27 APP-SINDICATO TENDÊNCIA FUNÇÃO DA AVALIAÇÃO RELAÇÃO PROFESSORALUNO TÉCNICAS DE ENSINO LIBERTÁRIA LIBERTADORA HISTÓRICO-CRÍTICA •Esta pedagogia não prevê nenhum tipo de avaliação em relação aos conteúdos; •A avaliação ocorre nas situações vividas, experimentadas, portanto incorporadas para serem utilizadas em novas situações. •Prática emancipadora; •Desenvolvimento e progresso do grupo a partir de um programa definido coletivamente com o grupo; •Prática vivenciada entre educador e educandos no processo de grupo pela compreensão e reflexão critica; •Trabalhos escritos e autoavaliação em termos do compromisso assumido com o grupo e com a prática social. •Prática emancipadora; •Função diagnóstica (permanente e contínua)→ meio de obter informações necessárias sobre o desenvolvimento da prática pedagógica para a intervenção/reformulação desta prática e dos processos de aprendizagem; •Pressupõe tomada de decisão; •O aluno toma conhecimento dos resultados de sua aprendizagem e organizase para as mudanças necessárias. •Professor e alunos são livres, um em relação ao outro e desenvolvem uma relação baseada na auto-gestão e no anti-autoritarismo; •O professor é um orientador, catalisador que realiza reflexões em comum com os alunos. Cabe a ele: - ajudar o grupo a desenvolver-se como tal, auxiliando no desenvolvimento de um clima grupal em que seja possível aprender e superar os obstáculos para aprender que estão enraizados no indivíduo e no grupo; - ajudar o coletivo a descobrir e utilizar os diferentes métodos de pesquisa, ação, observação e “feedback”; - liberar as forças instituintes do grupo, que funcionam como analisadores das instituições. •Educador e educandos são sujeitos do ato do conhecimento; •O professor é o coordenador de debates, que estabelece uma relação horizontal, adaptando-se às características e necessidades do grupo; •O aluno é sujeito participante do/no grupo; •Matriz: amor, esperança, humildade, fé, confiança, criticidade; •Relação pedagógica com base na cultura do grupo. •Relação interativa entre professor e aluno, em que ambos são sujeitos ativos; •Professor e aluno são seres concretos (sócio-históricos), situados numa classe social→ síntese de múltiplas determinações; •Professor→ autoridade competente, direciona o processo pedagógico; interfere e cria condições necessárias à apropriação do conhecimento, enquanto especificidade da relação pedagógica. •Vivência grupal; •Assembleia; •Reuniões. •Métodos e técnicas se fazem e se refazem na práxis; •Grupos de discussões, debates, entrevistas, tomada de consciência para a transformação: da ingenuidade à criticidade. •Discussão; •Debates; •Leituras; •Aula expositivo-dialogada; •Aulas expositivo-dialogadas; •Trabalhos individuais e trabalhos em grupo, com elaboração de sínteses integradoras. 28 APP-SINDICATO TENDÊNCIA MÉTODO DE ENSINO PASSOS DO MÉTODO LIBERTÁRIA LIBERTADORA HISTÓRICO-CRÍTICA • Método Indutivo: - Faz o movimento do composto ao simples, do geral ao particular, do número à unidade, da harmonia ao som, da regra ao fato, do princípio à aplicação; - Vai do observado ao nãoobservado, do conhecido ao desconhecido; - Método racional, experimental, científico: estimula a curiosidade, favorece a atividade cerebral, se afasta da credulidade, coloca a razão e a memória no seu devido lugar; - O exercício da liberdade pelo aluno tem que ser efetivo e real desde o início, com caráter progressivo, manifestando-se plenamente nos últimos anos escolares; - Interesse em crescer dentro da vivência grupal; - Relevância da experiência, da atividade prática que é incorporada e utilizada em situação nova; - A participação grupal deve ser obtida através de assembleias, conselhos, eleições, reuniões, associações, de tal forma que o aluno leve para a escola e para a vida cotidiana tudo que aprendeu; - A auto-gestão é o conteúdo e o método, resume tanto o objetivo pedagógico, quanto o político; - Escolhida uma matéria, o aluno é estimulado à pesquisa independente. • Método Dialógico: - Método ativo, dialogal, crítico e criticizador; - O método exige uma relação de autêntico diálogo, em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido; - O diálogo engaja ativamente os sujeitos do ato de conhecer: educador- educando e educandoeducador; - Ao grupo de discussão cabe o ato de auto-gerir a aprendizagem, definindo o conteúdo e a dinâmica das atividades; - O professor deve se adaptar ao nível do grupo para ajudar o desenvolvimento próprio de cada sujeito; - A problematização da situação permite aos educandos chegar a uma compreensão mais crítica da realidade, através de troca de experiências em torno da prática sócia; - O método de ensino deve possibilitar a vivência de relações efetivas educandoeducador e educadoreducando, já que as relações têm caráter reflexivo, consequente, transcendente e temporal; - Dispensam-se programas previamente estruturados, bem como aulas expositivas, assim como qualquer tipo de verificação direta da aprendizagem, formas essas próprias da “educação bancária”, portanto domesticadoras. • Método da Prática Social; - Decorre das relações estabelecidas entre conteúdométodo e concepção de mundo; - Confronta os saberes trazidos pelo aluno com o saber elaborado, na perspectiva da apropriação de uma concepção científico/filosófica da realidade social, mediada pelo professor; - Incorpora a dialética como teoria de compreensão da realidade e como método de intervenção nesta realidade; - Fundamenta-se no materialismo histórico: ciência que estuda os modos de produção; - A relação de indissociabilidade entre forma e conteúdo pressupõe a socialização do saber produzido pelos homens; - Os fins a serem atingidos é que determinam os métodos e processos de ensinoaprendizagem; - Busca coerência com os fundamentos da Pedagogia, entendida como processo através do qual o homem se humaniza (se torna plenamente humano); - A prática é fundamento do critério de verdade e da finalidade da teoria; - Incorpora o procedimento histórico como determinante da totalidade social; - É na mediação entre o pensamento e o objeto (enquanto o pensamento busca apropriar-se do objeto) que desenvolve-se o método. • Método da Prática Social: 1. Prática social (ponto de partida): - Perceber e denotar: identificar o objeto e da aprendizagem e lhe dar significação; - O aluno tem uma visão sincrética (mecânica, desorganizada, nebulosa, de senso comum) a respeito do conteúdo; - É comum a professores e alunos, já que sentem e sabem a prática social em nível sincrético, mas ambos encontram-se em momentos diferentes (o professor domina o conteúdo, enquanto o aluno não o domina), por isto o professor realiza uma síntese precária; 29 APP-SINDICATO TENDÊNCIA PASSOS DO MÉTODO LIBERTÁRIA LIBERTADORA HISTÓRICO-CRÍTICA • Método Indutivo: 1. Oportunidade de contato, abertura, relações informais entre os alunos; 2. O grupo começa a organizar-se pela participação em discussões, cooperativas, assembleias; 3. O grupo se organiza de forma mais efetiva na direção de conquista de sua liberdade. • Método Dialógico: - O método deve instrumentalizar os passos da aprendizagem: 1. Codificação: situação problema (programação compacta) - Situação existencial (codificadas) capazes de desafiar o grupo; - Intensifica o diálogo em torno das situações codificadas com “n” elementos e compõe nas informações totais das situações onde se instala um circuito de decodificação; 2. Decodificação: com a ajuda do professor, o grupo seleciona as palavras geradoras a serem decodificadas (desveladas); 3. Problematização da situação: as contradições da realidade são problematizadas, especialmente aquelas que oprimem as camadas populares. - A dinâmica codificaçãodecodificaçãoproblematização permite aos educandos um esforço de compreensão do “vivido” até chegar ao nível mais crítico de conhecimento da sua realidade, sempre através da troca de experiências em torno da prática social; Assim, o método de alfabetização implica: 1. Levantamento do universo vocabular dos alunos do grupo com quem se trabalha; 2. Escolha das palavras geradoras; 3. Criação de situações existenciais típicas do grupo que será alfabetizado; 4. Criação de fichas-roteiro; 5. Elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonéticas que são utilizadas para a descoberta de novas palavras. 2. Problematização: - Instruir e conotar; - Momento para detectar as questões que precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e, em consequência, que conhecimentos são necessários a serem dominados; - Prever os futuros problemas e limites (juízos de valor ou de qualidade), bem como identificar os tipos de conhecimentos e técnicas necessários à solução desses problemas. 3. Instrumentalização: - Apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social para superar a condição de exploração em que vivem; 4. Catarse (categoria gramsciana): - Raciocinar e criticar; - Incorporação dos instrumentos culturais, transformados em elementos ativos de transformação social; - Elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens; - Passagem da ação para a conscientização; 5. Prática social (ponto de chegada): - Retorno à prática social, com o saber concreto pensado para atuar e transformar as relações de produção que impedem a construção de uma sociedade igualitária; - A compreensão sincrética dos alunos no ponto de partida é agora elevada ao nível sintético; - Visão sintética (elaborada, sistematizada, explícita, orgânica, compreendida); - Reduz-se a precaridade da síntese do professor (fragmentação) no ponto de partida, para uma compreensão mais orgânica no ponto de chegada→ visão de totalidade; - O consenso é o ponto de chegada; - A educação põe-se a serviço da referida transformação das relações de produção. 30 APP-SINDICATO TENDÊNCIA MODELO DE CONHECIMENTO LIBERTÁRIA S O (reconhece a influência das relações sociais, mas enfatiza o sujeito) LIBERTADORA S O (ênfase nas relações sociais que constituem o sujeito) HISTÓRICO-CRÍTICA S O (ênfase nas relações histórico-sociais que constituem o objeto e o sujeito → relação dialética) Referências Bibliográficas: ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Lisboa: Ed. Presença, s/d. CORDIOLLI, Marcos, RECH, Pedro Eloi e NOGUEIRA, Adriano. A Pedagogia Histórico-Crítica: Contextualização histórica e teórica. In: Caderno Pedagógico. Publicação comemorativa aos 50 anos da APP- Sindicato, Outubro, 1997, p. 7-22. FEIGES, Maria Madselva F. Tendências da educação e suas manifestações na prática pedagógica escolar. Síntese reelaborada com base na produção dos alunos das turmas A e B / 94 da disciplina de Didática do Curso de Especialização em Pedagogia para o Ensino Religioso – PUC / SEED / PR, mimeo, s/d. FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. LIBÂNEO, José Carlos. Tendências Pedagógicas na Prática Escolar. In: Revista da ANDE, n.6, p.11-19, 1983. MENDES, Durmeval Trigueiro (coord.). Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. PETITAT, André. As teorias gerais. In: Produção da Escola / Produção da Sociedade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. São Paulo: Editora Autores Associados, 1992. SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. Campinas: Editora Autores Associados, 1997. WACHOWICZ, Lilian Anna. O Método Dialético na Didática. 2a ed. Campinas: Papirus, 1991. APP-SINDICATO 31 ‘’A Aprendizagem é a nossa Própria Vida, desde a Juventude até a Velhice” MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo. Boitempo, 2005, p.47-59. Educação para Além do Capital foi escrito por Mészáros para a conferência de abertura do Fórum Mundial de Educação (Porto Alegre/2004). Nele afirma, entre outras coisas, que a educação não é um negócio, é criação. Que educação não deve qualificar para o mercado, mas para a vida. Na sessão inaugural do ginásio Gigantinho, enfatizou o sentido mais enraizado da frase “a educação não é uma mercadoria”. Mészáros defende a existência de práticas educacionais que permitam aos educadores e alunos trabalharem as mudanças necessárias para a construção de uma sociedade na qual o capital não explore mais o tempo de lazer, pois o que as classes dominantes impõem é uma educação para o trabalho alienante, com o objetivo de manter o homem dominado. Já a educação libertadora teria como função transformar o trabalhador em um agente político, que pensa, age, e usa a palavra como arma para transformar a realidade. Os direitos autorais dessa, e de toda a obra de Mészáros no Brasil, foram doados para o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST. Sobre o autor István Mészáros - filósofo húngaro que colaborou diretamente com Luckács junto à Universidade de Budapeste nos anos que antecederam à intervenção soviética na Hungria, em 1956. Posteriormente, radicou-se na Inglaterra, junto à Universidade de Sussex, onde aposentou-se recentemente. http://www.boitempo.com/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-068-3 32 APP-SINDICATO ‘’A Aprendizagem é a nossa Própria Vida, desde a Juventude até a Velhice” István Mészáros Na sua época, Paracelso estava absolutamente certo, e não está menos certo atualmente: ‘’A aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato quase até a morte; ninguém passa dez horas sem nada aprender”. A grande questão é: o que é que aprendemos de uma forma ou de outra? Será que a aprendizagem conduz à auto-realização dos indivíduos como “indivíduos socialmente ricos” humanamente (nas palavras de Marx), ou está ela a serviço da perpetuação, consciente ou não, da ordem social alienante e definitivamente incontrolável do capital? Será o conhecimento o elemento necessário para transformar em realidade o ideal da emancipação humana, em conjunto com uma firme determinação e dedicação dos indivíduos para alcançar, de maneira bem-sucedida, a auto-emancipação da humanidade, apesar de todas as adversidades, ou será, pelo contrário, a adoção pelos indivíduos, em particular, de modos de comportamento que apenas favorecem a concretização os objetivos reificados do capital? Considerando esse mais amplo e mais profundo significado da educação, que inclui de forma proeminente todos os momentos da nossa vida ativa, podemos concordar com Paracelso em que muita coisa (praticamente tudo) é decidida, para o bem e para o mal - não apenas para nós próprios como indivíduos mas simultaneamente também para a humanidade, em todas aquelas inevitáveis horas que não podemos passar “sem aprender”. Isso porque “a aprendizagem é, verdadeiramente, a nossa própria vida”. E como tanta coisa é decidida dessa forma, para o bem e para o mal, o êxito depende de se tornar consciente esse APP-SINDICATO processo de aprendizagem, no sentido amplo e “paracelsiano” do termo, de forma a maximizar o melhor e a minimizar o pior. 33 não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer intervenção intelectual - o Homo fober não pode ser separado do Homo sapiens. Além disso, fora do trabalho, todo homem desenvolve alguma atividade intelectual; ele é, em outras palavras, um “filósofo”, um artista, um homem com sensibilidade; ele partilha uma concepção do mundo, tem uma linha consciente de conduta moral, e portanto contribui para manter ou mudar a concepção do mundo, isto é, para estimular novas formas de pensamento.19 Apenas a mais ampla das concepções de educação nos pode ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança verdadeiramente radical, proporcionando instrumentos de pressão que rompam a lógica mistificadora do capital. Essa maneira de abordar o assunto é, de fato, tanto a esperança como a garantia de um possível êxito. Em contraste, cair na tentação dos reparos institucionais formais - “passo a passo”, como afirma a sabedoria refor“A aprendizagem é a nossa vida, desde mista desde tempos imemoriais - siga juventude até à velhice, de facto quanifica permanecer aprisionado dentro do círculo vicioso institucionalmente se até à morte; ninguém vive durante articulado e protegido dessa lógica autocentrada do capital. Essa forma de dez horas sem aprender”. Paracelso. encarar tanto os problemas em si mesmos como as suas soluções “realistas” é cuidadosamente cultivada e propaComo podemos observar, a posição de gandeada nas nossas sociedades, enquanto a Gramsci é profundamente democrática. É a alternativa genuína e de alcance amplo e prático única sustentável. A sua conclusão é bifacetaé desqualificada aprioristicarnente e descartada da. Primeiro, ele insiste em que todo ser hubombasticamente, qualificada como “política de mano contribui, de uma forma ou de outra, formalidades”. Essa espécie de abordagem é in- para a formação de uma concepção de mundo curavelmente elitista mesmo quando se preten- predominante. Em segundo lugar, ele assinala de democrática. Pois define tanto a educação que tal contribuição pode cair nas categorias como a atividade intelectual, da maneira mais contrastantes da “manutenção” e da “mudança”. tacanha possível, como a única forma certa e Pode não ser apenas uma ou outra, mas ambas, adequada de preservar os “padrões civilizados” simultaneamente. Qual das duas é mais acendos que são designados para “educar” e gover- tuada, e em que grau, isso obviamente depennar, contra a “anarquia e a subversão”. Simulta- derá da forma como as forças sociais conflitanneamente, ela exclui a esmagadora maioria da tes se confrontam e defendem seus interesses humanidade do âmbito da ação como sujeitos, alternativos importantes. Em outras palavras, e condena-os, para sempre, a serem apenas a dinâmica da história não é uma força externa considerados como objetos (e manipulados no misteriosa qualquer e sim uma intervenção de mesmo sentido), em nome da suposta superiori- uma enorme multiplicidade de seres humanos dade da elite: “meritocrática”, “tecnocrática”, “em- no processo histórico real, na linha da “manutenpresarial”, ou o que quer que seja. ção e/ou mudança” – num período relativamenContra uma concepção tendenciosamente estreita da educação e da vida intelectual, cujo objetivo obviamente é manter o proletariado “no seu lugar”, Gramsci argumentou, enfaticamente, há muito tempo, que te estático, muito mais de “manutenção” do que de “mudança”, ou vice-versa no momento em 19 Antonio Gramsci, “The formation of intellectuals”, em The Modern Prince and Other Writings (Londres, Lawrence and Wishart, 1957), p. 121. 34 APP-SINDICATO que houver uma grande elevação na intensidade de confrontos hegemônicos e antagônicos - de uma dada concepção do mundo que, por conseguinte, atrasará ou apressará a chegada de uma mudança social significativa. Isso coloca em perspectiva as reivindicações elitistas de políticos autonomeados e educadores. Pois eles não podem mudar a seu bel-prazer a “concepção de mundo” da sua época, por mais que queiram fazê-lo, e por mais gigantesco que possa ser o aparelho de propaganda à sua disposição. Um processo coletivo inevitável, de proporções elementares, não pode ser expropriado definitivamente, mesmo pelos mais espertos e g e n e ro s a m e n te financiados agentes políticos e intelectuais. Não fosse por esse inconveniente “fato brutal”, posto tão em evidência por Gramsci, o domínio da educação institucional formal e estreita poderia reinar para sempre em favor do capital. Por maior que seja, nenhuma manipulação ainda de cima pode transformar o imensamente complexo processo de modelagem da visão geral do mundo de nossos tempos - constituída por incontáveis concepções particulares na base de interesses hegemônicos alternativos objetivamente irreconciliáveis, independentemente de quanto os indivíduos possam estar conscientes dos antagonismos estruturais subjacentes - num dispositivo homogêneo e uniforme, que funcione como um promotor permanente da lógica do capital. Nem mesmo o aspecto da “manutenção” pode ser considerado um constituinte passivo da concepção de mundo que predomina entre os indivíduos. No entanto, mesmo que de uma maneira muito diferente do aspecto da “mudança” da visão do mundo de uma época, a “manutenção” só é ativa e benéfica para o capital enquanto se mantém ativa. Isso significa que a “manutenção” tem (e deve ter) sua própria base de racionalidade, independentemente de quão problemática for em relação à alternativa hegemônica do trabalho. Isto é, ela não só deve ser produzida pelas classes de indivíduos estruturalmente dominadas em determinado momento no tempo, como também tem de ser constantemente reproduzida por eles, sujeita (ou não) à permanência de sua base de racionalidade original. Quando uma maioria significativa da população - algo próximo de setenta por cento em muitos países - se afasta com desdém do “processo democrático” do ritual eleitoral, tendo lutado durante décadas, no passado, pelo direito ao voto, isso mostra uma mudança real de atitude em face da ordem dominante; pode-se dizer que é uma rachadura nas espessas camadas de gesso cuidadosamente depositadas sobre a fachada “democrática” do sistema. Contudo, de modo nenhum isso poderia ou deveria ser interpretado como um afastamento radical da “manutenção” da concepção de mundo atualmente dominante. Naturalmente, as condições são muito mais favoráveis à atitude de “mudança” e à emergência de uma concepção alternativa do mundo, em meio a uma crise revolucionária, descrita por Lenin como o tempo “em que as classes dominantes já não podem governar à maneira antiga, e as classes subalternas já não querem viver à maneira antiga”. Esses são momentos absolutamente extraordinários na história, e não podem ser prolongados como se poderia APP-SINDICATO desejar, como o demonstraram no passado os fracassos das estratégias voluntaristas20. Portanto, seja em relação à “manutenção”, seja em relação à “mudança” de uma dada concepção do mundo, a questão fundamental é a necessidade de modificar, de uma forma duradoura, o modo de internalização historicamente prevalecente. Romper a lógica do capital no âmbito da educação é absolutamente inconcebível sem isso. E, mais importante, essa relação pode e deve ser expressa também de uma forma concreta. Pois através de uma mudança radical no modo de internalização agora opressivo, que sustenta a concepção dominante do mundo, o domínio do capital pode ser e será quebrado. Nunca é demais salientar a importância estratégica da concepção mais ampla de educação, expressa na frase: “a aprendizagem é a nossa própria vida”. Pois muito do nosso processo contínuo de aprendizagem se situa, felizmente, fora das instituições educacionais formais. Felizmente, porque esses processos não podem ser manipulados e controlados de imediato pela estrutura educacional formal legalmente salvaguardada e sancionada. Eles comportam tudo, desde o surgimento de nossas respostas críti20 “A dificuldade é que o ‘momento’ da política radical é limitado estritamente pela natureza da crise em questão e pelas determinações temporais de seu desdobramento. A brecha aberta em tempos de crise não pode ser deixada assim para sempre, e as medidas adotadas para fechá-la, desde os primeiros passos em diante, têm sua própria lógica e impacto cumulativo nas intervenções subsequentes. Além disso, tanto a estrutura socioeconômica existente quanto seu correspondente conjunto de instituições políticas tendem a agir contra as iniciativas radicais através da sua própria inércia, tão logo tenha passado o pior momento da crise e assim se tornando possível contemplar novamente ‘a linha de menor resistência’. [ ... ] Por mais paradoxal que possa soar, somente uma autodeterminação radical da política pode prolongar o momento da política radical. Se não se deseja que este ‘momento’ seja dissipado sob o peso da pressão econômica imediata, tem de ser encontrada uma maneira para estender sua influência para muito além do pico da própria crise (quando a política radical tende a afirmar sua efetividade como uma lei). E, desde que a duração temporal da crise como tal não pode ser prolongada à vontade – nem poderia ser, desde que uma política voluntarista, com seu ‘estado de emergência’ artificialmente manipulado, só poderia tentar fazê-lo em seu próprio risco, através do despojamento das massas, em vez de assegurar o seu sustento -, a solução só pode surgir de uma bem-sucedida conversão de um ‘tempo transitório’ a um ‘espaço permanente’ por meio da reestruturação dos poderes de tomada de decisão” (I.Mészáros, Para além do capital, cit., p. 1077-8). 35 cas em relação ao ambiente material mais ou menos carente em nossa primeira infância, do nosso primeiro encontro com a poesia e a arte, passando por nossas diversas experiências de trabalho, sujeitas a um escrutínio racional, feito por nós mesmos e pelas pessoas com quem as partilhamos e, claro, até o nosso envolvimento, de muitas diferentes maneiras e ao longo da vida, em conflitos e confrontos, inclusive as disputas morais, políticas e sociais dos nossos dias. Apenas uma pequena parte disso tudo está diretamente ligada à educação formal. Contudo, os processos acima descritos têm uma enorme importância, não só nos nossos primeiros anos de formação, como durante a nossa vida, quando tanto deve ser reavaliado e trazido a uma unidade coerente, orgânica e viável, sem a qual não poderíamos adquirir uma personalidade, e nos fragmentaríamos em pedaços sem valor, deficientes mesmo a serviço de objetivos sociopolíticos autoritários. O pesadelo em 1984, de Orwell, não é realizável precisamente porque a esmagadora maioria das nossas experiências constitutivas permanece - e permanecerá sempre – fora do âmbito do controle e da coerção institucionais formais. Certamente, muitas escolas podem causar um grande estrago, merecendo portanto, totalmente, as severas críticas de Martí, que as chamou de “formidáveis prisões”. Mas nem mesmo os piores grilhões têm como predominar uniformemente. Os jovens podem encontrar alimento intelectual, moral e artístico noutros lugares. Pessoalmente fui muito afortunado por, aos oito anos de idade, contar com um professor notável. Não na escola, mas quase por acaso. Ele tem sido meu companheiro desde então, todos os dias. Seu nome é Attila József: um gigante da literatura mundial. Aqueles que leram a epígrafe do meu livro, Para além do capital*, já conhecem o seu nome. Mas permitam-me citar, em espanhol, algumas linhas de outro dos seus grandes poemas, escolhido para epígrafe do meu próximo livro**. * São Paulo, Boiempo, 2002. ** O autor se refere aqui ao livro The challenge and burden of time, a ser publicado em 2006 pela Boitempo. 36 APP-SINDICATO Ni Dios ni la mente, sino el carbón, el hierro y el petróleo, La materia real nos ha creado echándonos hirvientes y violentos em los moldes de esta sociedad horrible, para afincarnos, por la humanidad, em el eterno suelo. Tiras los sacerdotes, los soldados y los burgueses, al fin nos hemos vuelto fieles oidores de las leyes: por eso el sentido de toda obra humana zumba em nosotros como el violón profundo21 Essas linhas foram escritas há setenta anos, em 1933, quando Hitler conquistou o poder na Alemanha. Mas elas falam hoje a todos nós com maior intensidade do que em qualquer época anterior. Elas nos convidam a “ouvir as leis atenta e fielmente” e a proclamá-las sonora e claramente por toda parte. Porque hoje está em jogo nada menos do que a própria sobrevivência da humanidade. Nenhuma prática não-educacional formal pode extinguir a duradoura validade e o poder de tais influências. Sim, “a aprendizagem é a nossa própria vida”, como Paracelso afirmou há cinco séculos, e também muitos outros que seguiram seu caminho mas que talvez nunca tenham sequer ouvido seu nome. Mas para tornar essa verdade algo óbvio, como deveria ser, temos de reivindicar uma educação plena para toda a vida, para que seja possível colocar em perspectiva a sua parte formal, a fim de instituir, também aí, uma reforma radical. Isso não pode ser feito sem desafiar as formas atualmente dominantes de internalização, fortemente consolidadas a favor do capital pelo próprio sistema educacional formal. De fato, da maneira como estão as coisas hoje, a principal função da educação formal é agir como um cão-de-guarda ex-officio e 21 Attila József, AI borde de Ia ciudad (A város peremén), traduzido para o espanhol por Fayad Jamás. autoritário para induzir um conformismo generalizado em determinados modos de internalização, de forma a subordiná-los às exigências da ordem estabelecida. O fato de a educação formal não poder ter êxito na criação de uma conformidade universal não altera o fato de, no seu todo, ela estar orientada para aquele fim. Os professores e alunos que se rebelam contra tal desígnio fazem-no com a munição que adquiriram tanto dos seus companheiros rebeldes, dentro do domínio formal, quanto a partir da área mais ampla da experiência educacional “desde a juventude até a velhice”. Necessitamos, então, urgentemente, de uma atividade de “contra-internalização”, coerente e sustentada, que não se esgote na negação - não importando quão necessário isso seja como uma fase nesse empreendimento - e que defina seus objetivos fundamentais, como a criação de uma alternativa abrangente concretamente sustentável ao que já existe. Há cerca de trinta anos, editei e apresentei um volume de ensaios do notável historiador e pensador político filipino Renato Constantino. Na época, ele era mantido sob as mais rígidas restrições autoritárias do regime cliente dos Estados Unidos, encabeçado pelo “general” Marcos. A certa altura, ele conseguiu passar-me a mensagem de que gostaria que o volume se intitulasse Neo-Colonial Identity and Counter-Consciousness [A identidade neocolonial e a contraconsciência]22, nome com que de fato o livro mais tarde apareceu. Totalmente ciente do impacto escravizador da internalização da consciência colonial no seu país, Constantino tentou sempre dar ênfase à tarefa histórica de produzir um sistema de educação alternativo e duradouro, completamente à disposição do povo, muito além do âmbito educacional formal. A “contraconsciência” adquiriu assim um significado positivo. Relativamente ao passado, Constantino assinalou que 22 Renato Constantino, Neo-colonial identity and counter-counsciousness: essays en cultural decolonization (Londres, The Merlin Press, 1978). Nos Estados Unidos, publicado por M. E. Sharpe, Nova York, White Plains, 1978. APP-SINDICATO desde seu início, a colonização espanhola operava mais através da religião do que pela força, afetando portanto, profundamente, a consciência. [ ... ] A modelagem de consciências no interesse do controle colonial seria repetida noutro plano pelos americanos, que após uma década de dura repressão operavam de modo similar através da consciência, usando dessa vez a educação e outras instituições culturais.23 E ele [Constantino] deixou claro que a constituição de uma contraconsciência descolonizada envolvia diretamente as massas populares no empreendimento crítico. Eis como ele definia a “filosofia de libertação” que advogava: Em si, ela é algo em desenvolvimento, dependendo do aumento da conscientização. [...] Não é contemplativa, é ativa e dinâmica e abrange a situação objetiva, assim como a reação subjetiva das pessoas envolvidas. Não pode ser uma tarefa de um grupo selecionado, mesmo que esse grupo se veja motivado pelos melhores interesses do povo. Precisa da participação da “espinha dorsal da nação”24 Em outras palavras, a abordagem educacional defendida por ele tinha de adotar a totalidade das práticas político-educacional-culturais, na mais ampla concepção do que seja uma transformação emancipadora. É desse modo que uma contraconsciência, estrategicamente concebida como alternativa necessária à internalização dominada colonialmente, poderia realizar sua grandiosa missão educativa. De fato, o papel dos educadores e sua correspondente responsabilidade não poderiam ser maiores. Pois, como José Martí deixou claro, a busca da cultura, no verdadeiro sentido do termo, envolve o mais alto risco, por ser inseparável do objetivo fundamental da libertação. Ele insistia que “ser cultos es el único modo de ser libres”. 23 Ibid., p. 20-1. 24 Ibid., p. 23. 37 E resumia de uma bela maneira a razão de ser da própria educação: “Educar es depositar em cada hombre toda Ia obra humana que le ha antecedido; es hacer a cada hombre resumen del mundo viviente hasta el día en que vive ...”25. Isso é quase impossível dentro dos estreitos limites da educação formal, tal como ela está constituída em nossa época, sob todo tipo de severas restrições. O próprio Martí percebeu que todo o processo de educar deveria ser refeito sob todos os aspectos, do começo até um fim sempre em aberto, de modo a transformar a “formidável prisão” num lugar de emancipação e de realização genuína. Foi por isso que ele, por sua conta, também escreveu e publicou, em 1889, um periódico mensal para os jovens, La Edad de Oro26. Esse é o espírito em que todas as dimensões da educação podem ser reunidas. Dessa forma, os princípios orientadores da educação formal devem ser desatados do seu tegumento da lógica do capital, de imposição de conformidade, e em vez disso mover-se em direção a um intercâmbio ativo e efetivo com práticas educacionais mais abrangentes. Eles (os princípios) precisam muito um do outro. Sem um progressivo e consciente intercâmbio com processos de educação abrangentes como “a nossa própria vida”, a educação formal não pode realizar as suas muito necessárias aspirações emancipadoras. Se, entretanto, os elementos progressistas da educação formal forem bem-sucedidos em redefinir a sua tarefa num espírito orientado em direção à perspectiva de uma alternativa hegemônica à ordem existente, eles poderão dar uma contribuição vital para romper a lógica do capital, não só no seu próprio e mais limitado domínio como também na sociedade como um todo. 25 Citado em Jorge Lezcano Pérez, Introdução a José Martí: 150 Aniversario (Brasília, Casa Editora da Embaixada de Cuba no Brasil, 2003), p. 8. 26 A intenção de Martí era que esse fosse um projeto progressivo; não foi por sua culpa que apenas quatro números pudessem ser publicados, por falta de apoio financeiro. Os quatro números estão agora reproduzidos no volume 18 das Obras completas de José Martí, P: 299-503. É impossível ler hoje a preocupação expressa nessas páginas sem se ficar profundamente comovido. 38 APP-SINDICATO Do Lar à Fábrica, passando pela Sala de Aula: A Gênese da Escola de Massas ENGUITA, Mariano F. A Face Oculta da Escola: educação para o trabalho no capitalismo. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989. Para Enguita, a escola e seus métodos de aprendizagem e conteúdos pedagógicos são produtos da relação estabelecida entre ela e o sistema de produção da sociedade. É na sociedade industrial e capitalista que a escola passou a ser formalmente utilizada como um lugar de doutrinação dos jovens para o trabalho. É importante ressaltar a disputa existente no interior das classes dominantes sobre este tema. Somente com o triunfo dos que entendiam que a escola poderia ser útil para moldar os trabalhadores para as necessidades das novas formas de trabalho, esta passou a ser planejada com este intuito. A escola seria então, o meio de consolidação da ideologia industrial e capitalista nas novas gerações, através da doutrinação - a “face oculta” das escolas. A disciplina e a regra escolar não teriam outra função que não preparar o jovem para a sua vida como trabalhador, de forma que ele as assimilasse desde a infância, para que ao chegar a vida adulta já estivesse devidamente condicionado. O texto aponta também as formas pelas quais pode se pensar a escola de massa como sendo uma das possíveis formas de socialização dos trabalhadores. http://analgesi.co.cc/html/t25958.html Sobre o autor Mariano Fernández Enguita é Professor Catedrático de Sociologia e Diretor do Departamento de Sociologia e Comunicação da Faculdade de Educação da Universidade de Salamanca, na Espanha. Dirige o Observatório Social de Castela e Leão (OSCYL) e coordena o Grupo de Análises Sociológicas (GAS). É um dos nomes mais importantes da sociologia da educação na Europa, com uma vasta e notável obra. APP-SINDICATO 39 Do Lar à Fábrica, passando pela Sala de Aula: A Gênese da Escola de Massas Mariano F. Enguita Sempre existiu algum processo preparatório para a integração nas relações sociais de produção, e com frequência, alguma outra instituição que não a própria produção em que se efetuou esse processo. Nas sociedades primitivas podem ser os jogos ou as fratrias de adolescentes, marcado seu desenvolvimento por algum que outro rito de iniciação. Em alguns casos, a iniciação de crianças e adolescentes é responsabilidade dos adultos em geral ou dos anciãos; em outras, de estruturas mais ou menos fechadas de parentesco ou da família, que é de qualquer forma uma estrutura ampliada. Na Roma arcaica, por exemplo, encontramo-nos com uma mistura de aprendizagem familiar e participação na vida adulta em ge- ral: o jovem varão simplesmente acompanha o pai no trabalho da terra, no foro ou na guerra, enquanto as filhas permanecem junto à mãe ajudando-a em outras tarefas. Na economia camponesa, mesmo em nossos dias, a sede da aprendizagem social e para o trabalho continua sendo a família. Para o camponês autosuficiente, a escola não podia oferecer outra coisa que doutrinamento religioso e, em seu caso, político. As destrezas e os conhecimentos necessários para seu trabalho podiam ser adquiridos no próprio local de trabalho; e, de qualquer forma, a escola não os oferecia. Algo parecido ocorria na Idade Média, com a diferença de que neste período a permanência na família original era substituída em grande medida pela educação ou aprendizagem no seio 40 APP-SINDICATO de outra família. Philippe Ariès (1973: 252-253) recolhe um texto italiano sobre a família medieval inglesa em finais do século XV: A falta de coração dos ingleses manifesta-se particularmente em sua atitude para com seus filhos. Após havê-los tido em casa até os sete ou nove anos (entre nossos autores clássicos, sete anos é a idade em que as crianças deixam as mulheres para incorporar-se à escola ou ao mundo dos adultos), colocam-nos, tanto os meninos quanto as meninas, no duro serviço das casas de outras pessoas, as quais as crianças ficam vinculadas por um período de sete a nove anos (portanto, até a idade de quatorze a dezoito anos, aproximadamente). São chamadas então de aprendizes. Durante este tempo desempenham todos os ofícios domésticos. Há poucos que evitam este tratamento, pois todos, qualquer que seja sua fortuna, enviam assim seus filhos às casas de outros enquanto recebem por sua vez as crianças alheias. O mesmo afirma a respeito das classes altas Rowling (1979: 137), o qual assinala que frequentemente enviavam seus filhos a outros lares para que servissem como pagens a partir dos sete anos e como escudeiros ou assistentes (squires) a partir dos quatorze. Ariès, apoiando-se para isso em outros testemunhos dos séculos XII e XV, sugere que este costume, embora cause admiração ao autor italiano do texto antes citado, devia estar bastante ampliado no ocidente durante a Idade Média, alcançando outros países e outros estamentos sociais. As crianças eram enviadas a outra casa com um contrato ou sem ele. Ali aprendiam boas maneiras e talvez fossem levadas a uma escola, embora estas não fossem muito apreciadas pelas classes altas. Desempenhavam funções servis e não ficava muito clara a fronteira entre os serventes propriamente ditos e os jovens encarregados de sua educação e eles próprios: vem daí que os livros que ensinavam boas maneiras para os serventes se chamassem em inglês babees books, ou que a palavra valet servisse também para designar os meninos, ou que o termo garçon designasse também ambas as coisas e se conserve ainda hoje, na França, para designar quem serve as mesas nos restaurantes (o termo espanhol mozo talvez inclua-se no mesmo caso). Esta era a via normal de aprendizagem, enquanto a escola, pelo menos além das primeiras letras, ficava reservada para os que estavam chamados a ser copistas ou algo similar. Esta espécie de intercambio familiar tinha lugar de forma especial no artesanato. O mestre artesão acolhia um pequeno número de aprendizes entrando com eles numa relação de mútuas obrigações. O aprendiz estava obrigado a servir fielmente ao mestre não apenas nas tarefas do ofício, mas no conjunto da vida doméstica. O mestre estava obrigado a ensinar-lhe as técnicas do ofício, mas também a alimentá-lo e a vesti-lo, dar-lhe uma formação moral e religiosa e prepará-lo para converter-se em um cidadão (Scott, 1914); e, com frequência, a ensinar-lhe os rudimentos literários e a enviá-lo a uma escola na qual pudesse adquiri-los (Bennett, 1926: 22). O contrato de aprendizagem (indenture), que vinculava a ambos durante um longo período, em geral de sete anos, convertia a relação em algo estável. Ademais, a convivência continuada em uma pequena oficina que era também a residência convertia o conjunto formado pelo mestre artesão e pelo punhado de oficiais e aprendizes em uma sorte de família ampliada sem laços consanguíneos. Estes intercâmbios familiares e contratos de aprendizagem incluíam não apenas as crianças e jovens que conseguiam assim dar o primeiro passo para incorporar-se ao artesanato a partir de outro setor social, mas também e, sobretudo os filhos dos próprios artesãos, que APP-SINDICATO se iniciavam no ofício em uma família e oficina alheios; o qual, por sua vez, criava uma espessa rede de reciprocidades tendente a normalizar e a estabilizar a relação mestre-aprendiz, pois o tratamento dado ao aprendiz acolhido era o que iria receber o filho enviado para fora da família. Embora o trabalho do aprendiz beneficiasse em primeiro lugar o mestre (assim como o do oficial), a relação de dependência, subordinação e, provavelmente, exploração, encontrava sua contrapartida na própria formação e na perspectiva, não segura, porém presente, de culminar a própria carreira alcançando a condição de artesão independente. 41 cação. A criança aprendia por meio da prática, e esta prática não se detinha nos limites de uma profissão, pois não havia então, nem houve por muito tempo, limites entre a profissão e a vida privada (...). Assim, é por meio do serviço doméstico que o mestre transmitirá a uma criança, e não a sua, mas a de outro, a bagagem de conhecimentos, a experiência prática e o valor humano dos que se lhe supõe em possessão (Ariès, 1973: 255). Por que, entretanto, em outra família e não na própria? Precisamente por essa segunda função da aprendizagem, talvez a mais importante. Naquela época, o normal era que os filhos homens adotassem a mesma profissão ou o mesmo ofício Era comum que os jovens nobres dos pais e, naturalmente, que herdasque serviam em casa de uma família sem sua pertinência a um estamento ou a outro. A transmissão e aquisição alheia fossem colocados a cargo de das necessárias destrezas sociais e de um preceptor. trabalho, por conseguinte, bem podiam ser levadas a efeito na própria família. Mas esta, vinculada por laços Em geral, a aprendizagem e a educação afetivos, não era o lugar mais adequado, protinham lugar como socialização direta de uma vavelmente, para aprender os laços de depengeração por outra, mediante a participação co- dência nem a autodisciplina necessários. Para tidiana das crianças nas atividades da vida adul- isso era necessário haver uma relação mais ta e sem a intervenção sistemática de agentes distante entre o mestre e o aprendiz, ou entre especializados que representa hoje a escola, o cavalheiro e seu assistente, e isto só se poinstituição que então desempenhava um papel dia obter ou, ao menos, era a melhor forma de fazê-lo, colocando os jovenzinhos a cargo de marginal. outra família que, assumindo o papel de eduMas aqui queremos enfatizar outro as- cadora, não se visse travada pelo obstáculo do pecto. Em uma época em que as relações de afeto. Afinal, já na Idade Média encontramo-nos produção são atravessadas de cima a baixo por com a incapacidade parcial da instituição famirelações sociais de dependência, a criança que liar para iniciar as jovens gerações nas relações é enviada como aprendiz-servente a outra fa- sociais existentes. mília está aprendendo algo mais que um ofício Era comum que os jovens nobres que serou boas maneiras: está aprendendo as relações viam em casa de uma família alheia fossem cosociais de produção. locados a cargo de um preceptor, assim como Assim, o serviço doméstico confunde-se com os artesãos que acolhiam as crianças alheias a aprendizagem, forma muito geral da edu- para ensinar-lhes o ofício comprometiam-se 42 APP-SINDICATO além disso a ensinar-lhes a ler e a escrever ou a enviá-las a escola, embora, em ambos os casos, o ensino literário desempenhasse um papel marginal. Os filhos dos aristocratas podiam aprender as primeiras letras no colo de suas mães, mas, de qualquer forma, não iriam muito, além disso. O ideal educativo da nobreza feudal não passava pelas letras, mas por aprender a montar a cavalo, a usar as armas e, talvez, a tocar um instrumento musical. Quanto aos artesãos, a aprendizagem literária era para eles muito secundária e, no concernente aos camponeses, os poucos que acudiam a uma escola eram apenas doutrinados nos tópicos religiosos e morais em voga. O internamento da infância marginal Na própria Idade Média, entretanto, havia algo mais que nobres, artesãos e camponeses. Um setor importante e crescente da população, antecipação da grande massa que seria despojada de seus meios de vida no processo da Revolução Industrial, vivia já marginalizado das relações dominantes de produção: mendigos, vagabundos, pícaros, órfãos etc. Contra os adultos instituiu-se o internamento em workhouses, hópitaux, Zuchthause, etc., já tratados no capítulo dedicado a Revolução Industrial. Para as crianças as instituíram-se os mesmos meios ou outros ad hoc, os orfanatos. A inquietude pelas crianças órfãs ou filhos de pobres não era nova, havendo nascido da preocupação pela ordem pública e pelo desperdício que, para a nação em geral, representavam seus braços inativos. Em 1548, as Cortes de Valladolid informavam o rei, o qual imediatamente daria ordem de apoiar o empreendimento, de que em estes reinos de seis anos a esta parte, pessoas piedosas tem dado ordem para que haja colégios de meninos e meninas, desejando dar remédio à grande perdição que de vagabundos, órfãos e crianças desamparadas havia, (...) porque é certo que ao se remediar estas crianças perdidas põe-se obstáculo aos latrocínios, delitos graves, e enormes, que por se criarem livres e sem dono, aumentam, porque se tendo criado em liberdade de necessidade hão de ser quando grandes gente indomável, destruidora do bem público, corrompedora dos bons costumes, contaminadora das gentes e povos (Varela, 1983: 240). Entretanto, foi o desenvolvimento das manufaturas que converteu definitivamente as crianças na guloseima mais cobiçada pelos industriais: diretamente, como mão de obra barata, e indiretamente, como futura mão de obra necessitada de disciplina. O momento culminante dos orfanatos e, em geral, do internamento e disciplinamento das crianças em casas de trabalho e outros estabelecimentos similares foi o século XVIII. Na Inglaterra, as workhouses converteram-se em Schools of Industry ou Colleges of Labour. O essencial não era já por os vagabundos e seus filhos a fazer um trabalho útil com vistas a sua manutenção, mas educá-los na disciplina e nos hábitos necessários para trabalhar posteriormente (Furniss, 1965: 85 ss.). Sir Josiah Child expressou em seu New Discourse on Trade o que a maioria dos autores de sua época pensava: (...) Que produzam lucros ou não, é algo que não importa muito; o grande problema da nação é, em primeiro lugar, afastar o pobre da mendicidade e da inanição e assegurar-se de que todos os que sejam capazes de trabalhar possam ser, no futuro, membros úteis para o reino (Furniss, 1965: 92). Muitos autores expressaram seu desejo de ver universalmente internadas as crianças pobres, e “escolarizadas”, o que fundamental- 43 APP-SINDICATO mente significava submetidas a muitas horas de trabalho e alguma de instrução. Entre eles, Richard Haines, que propunha internar e pôr a trabalhar as crianças pobres desde os quatro anos. Algo parecido propôs William Temple: para trabalhos que, em uma idade mais avançada poderá proporcionar-lhes meios de existência; são arrancados da ociosidade; são minorados os inconvenientes que a permanência nos orfanatos sempre trouxe para sua moralidade (Flandrin, 1982: 75). Quando estas crianças tiverem quatro anos, serão enviadas a uma casa de trabalho ruApegando-se a oferta, o industrial ral e, ali, ensinadas a ler duas horas ao dia e Boyer-Fonfrade, de Tolouse, reclamava quimantidas plenamente ocupadas o resto de nhentos órfãos de diversos orfanatos, convenseu tempo em qualquer das manufaturas da cido de que estas “crianças lhe prometem uma casa (...). É de considerável utilidade que este- grande vantagem como mão de obra graças a jam, de um modo ou outro, constantemente vida comunitária, a sua obediência e a seu háocupadas ao menos doze horas ao dia, quer bito de trabalhar “(Flandrin, 1982: 76). ganhem a vida ou não; pois, por este meio, esperamos que a geração que está crescendo estará tão habituada a ocupação constante que, em geral, Os pensadores da burguesia em ascenlhe será agradável e divertida (...) são recitaram durante um longo tempo (Furniss, 1965: 115). a ladainha da educação para o povo. New Lanark, fábrica da qual Robert Owen faria, para a época, um modelo de organização do trabalho e de tarefa educativa, foi fundada em 1799 por David Dale com meio milhar de crianças procedentes dos asilos de Edimburgo e Glasgow. Não foram diferentes as coisas na França. As crianças internadas em hospícios e outras instituições eram uma mão de obra barata para os industriais, que as contratavam em grupos e podiam devolvê-las a menor queixa, ou exploravam seu trabalho diretamente na própria instituição que estavam internadas. Um relatório dirigido ao Ministro do Interior pelo Diretor do Bureau des Hospices Civils, no ano V da Revolução, rezava assim: O governo deve estímulo e proteção às manufaturas. Deve empregar todos os meios a seu alcance para conseguir-lhes os braços necessários para seus trabalhos. É no interesse das crianças: são preparadas E a mesma coisa no Norte da Europa. Por exemplo, em Amberes, onde os fabricantes têxteis qualificavam, em 1781, o orfanato local, de “escola de formação para as fábricas” (Lis e Soly, 1982: 183). Em Postdam, em Berlim, em Belfast etc., ou em Hamburgo, onde a autoridade inscreviam as crianças dos pobres, dos seis aos dezesseis anos, em “escolas industriais” nas que se dedicavam dois terços do tempo ao trabalho e o resto a uma instrução rudimentar. Qual educação para o povo? Os pensadores da burguesia em ascensão recitaram durante um longo tempo a ladainha da educação para o povo. Por um lado, necessitavam recorrer a ela para preparar ou garantir seu poder, para reduzir o da igreja e, em geral, para conseguir a aceitação da nova ordem. Por outro, entretanto, temiam as consequências de 44 APP-SINDICATO ilustrar demasiadamente aqueles que, ao fim e para o trabalho, nos dias úteis, através do moviao cabo, iam continuar ocupando os níveis mais mento das Sunday Schools, escolas dominicais baixos da sociedade, pois isto poderia alimen- sem outra pretensão que a de ensinar-lhes motar neles ambições indesejáveis. John Locke, ral religiosa. Os projetos de lei que pretendiam que passa ainda por ser um dos inspiradores da assegurar um mínimo de instrução literária fo“educação” moderna e liberal em geral – por- ram sistematicamente rejeitados durante granque escreveu sobre como deveria ser a educa- de parte do século XIX. ção de um gentleman (apesar de ter proposto o internamento das crianças pobres) - não duvidou em declarar: “Não precisamos de homens que pensem, mas de bois que trabalhem”. Ninguém está obrigado a saber tudo. O estudo das ciências em geral é assunto daqueles que vivem Os ilustrados franceses tampouco foram, confortavelmente e dispõem de tempo livre. Os que tem empregos particulares devem em sua maioria, favoráveis a educação univerentender as funções; e não é insensato exi- sal (Fernández Enguita, 1988). Foram explicigir que pensem e raciocinem apenas sobre tamente contrários a ela, ao menos, Mirabeau, o que forma sua ocupação cotidiana (Locke, La Chalotais, Destutt de Tracy e o “príncipe da luz”, Voltaire. Este último chegou a afirmar sem s.d.: III, 225). O problema já tinha uma longa tradição na Inglaterra. Cromwell, Mulcaster, Wase, Forrest, Hartlib e outros haviam defendido a expansão das escolas, mas foram mais abundantes as ilustres figuras que a ela se opunham ou que por ela se sentiam alarmadas, entre as quais Bacon (Francis), Chamberlayne ou Howell (Cressy, 1975), mas a opção continuava sem solução em princípios do século XIX. Nas escolas anglicanas de Hannah More, as crianças aprendiam durante a semana trabalhos toscos que os preparam para serem serventes. Não permito que se ensine a escrever os pobres, pois meu objetivo não é convertê-los em fanáticos, mas formar os baixos estamentos para a indústria e a piedade (Vaughan e Archer, 1971: 37). Entretanto, nem sequer essas escolas, dedicadas fundamentalmente a fazer trabalhar e moralizar as crianças, escaparam da crítica. Pode-se afirmar, inclusive, que uma parte das crianças escolarizadas foi arrancada das escolas rodeios que em sua terra queria “diaristas, não clérigos tonsurados” (Laski, 1977: 184). Outros foram apenas timidamente partidários ou ambíguos, como o próprio Condorcet, Rousseau e, além fronteiras, Kant. Em uma feroz crítica aos Irmãos da Doutrina Cristã (os frères ignorantins) que encontraria o aplauso de Voltaire, La Chalotais lhes reprovava que (...) ensinassem a ler e a escrever pessoas que não necessitavam mais que aprender a desenhar e a manejar o buril e a serra, mas que não querem continuar fazendo-o (...). O bem da sociedade exige que os conhecimentos do Povo não se estendam além de suas ocupações (Charlot e Figeat, 1985: 84). Um século depois, Bravo Murillo sustentava ainda a mesma opinião na Espanha, ao afirmar: “Não precisamos de homens que pensem, mas de bois que trabalhem”. Não faltaram, entretanto, reformadores que viam na educação do povo a melhor for- APP-SINDICATO mar de amansá-lo e trazê-lo ao redil da nova ordem ou da velha, tal como Roland de Erceville, o qual não duvidava de que: Quanto mais ignorante o povo, mais disposto está a ser subjugado por seus próprios preconceitos ou pelos charlatães de todo gênero que o assediam (Charlot e Figeat, 1985: 84). Condorcet sustentou uma opinião parecida. Independentemente de sua insistência em identificar a educação com a ilustração, a liberdade e o progresso, estava muito consciente do enorme papel socializador da educação, atribuindo uma enorme eficácia a seu monopólio pela igreja, que ele rejeitava: Não é apenas uma questão de que cada homem abandonado a si mesmo encontre entre ele e a verdade a espessa e terrível falange dos erros de seu país e de seu século, mas de que os mais perigosos daqueles erros se haviam tomado, de certa forma, pessoais (Condorcet, 1980: 181). Por que, então, renunciar a um instrumento tão poderoso? Mais prudente e aconselhável tinha que lhe parecer, logicamente, empregá-lo com outros fins. É expandindo as luzes entre o Povo que se pode impedir que seus movimentos se convertam em perigosos (Condorcet, 1847a: 390). (...) Frequentemente os cidadãos ofuscados por vis facínoras se levantam contra as leis; então a justiça e a humanidade lhes clamam para empregar só a arma da razão para recordar-lhes seus deveres; por que, então, não desejar que uma instrução bem dirigida lhes torne difíceis de serem seduzidos mais adiante, mais dispostos a cederem a voz da verdade? (Condorcet, 1847b: 447). 45 A via intermediária era a única que podia suscitar o consenso das forças bem-pensantes: educá-los, mas não demasiadamente. O bastante para aprendessem a respeitar a ordem social, mas não tanto que pudessem questioná-la. O suficiente para que conhecessem a justificação de seu lugar nesta vida, mas não ao ponto de despertar neles expectativas que lhes fizessem desejar o que não estavam chamados a desfrutar. Que melhor, para isto, que a religião? Necker já o havia compreendido claramente em 1788: Quanto mais claro ficar que os impostos mantém o povo na miséria, mais indispensável se torna dar-lhe uma educação religiosa; porque é na irritação da desgraça que se precisa, sobretudo tanto de uma potente cadeia quanto de uma consolação cotidiana (Charlot e Figeat, 1985: 84). Esta maneira de pensar não era privativa do Antigo Regime. Napoleão levou-a a prática ao deixar o ensino primário nas mãos das ordens religiosas ao mesmo tempo que convertia o secundário e o universitário em monopólio do Estado laico; e, nisto, Guizot não ia senão seguir seus passos. Em 1851, Taillandier, secretário geral do Ministério da Instrução Pública, declarava: Hoje em dia, um dos maiores interesses da civilização, em meio ao desenvolvimento imenso da indústria, é a educação dos operários, a educação moral mais que a educação técnica (Monier, 1985: 162). As coisas não foram muito diferentes na Inglaterra Industrial. Ao analisar os efeitos das leis sobre educação de 1833, os inspetores de fábrica encontraram que, uma opinião bastante generalizada entre os patrões, era a de que, quanto menos educação recebesse o trabalhador, melhor. Alguns fabricantes de algodão em Derbyshire afirmaram: 46 APP-SINDICATO Somos de opinião que é mais adequado para o bem-estar de nosso povo esforçar-se em fazer deles cristãos ilustrados que sábios no conhecimento mundano; não queremos estadistas em nossas fábricas, mas indivíduos de ordem (Silver, 1983: 39). Do doutrinamento a disciplina Os que se davam por contentes com que as crianças do povo, futuros trabalhadores, não recebessem nenhuma instrução ou que esta se limitasse ao doutrinamento religioso tinham os olhos ainda postos na velha sociedade, no Antigo Regime, nas formas de produção que já estavam sendo varridas por outras novas. Provavelmente Necker tivesse razão para a época, quando o terceiro estado se via empobrecido pelos tributos impostos pela velha superestrutura feudal e monárquica, mas vivia ou sobrevivia, ainda, do produto direto de seu trabalho. Mas a proliferação da indústria iria exigir um novo tipo de trabalhador. Já não bastaria que fosse piedoso e resignado, embora isto continuasse sendo conveniente e necessário. A partir de agora, devia aceitar trabalhar para outro e fazê-lo nas condições que este outro lhe impusesse. Se os meios para dobrar os adultos iam ser a fome, o internamento ou a força, a infância (os adultos das gerações seguintes) oferecia a vantagem de poder ser modelada desde o princípio de acordo com as necessidades da nova ordem capitalista e industrial, com as novas relações de produção e os novos processos de trabalho. A fé, a piedade, a humildade, a resignação ou as promessas de que o reino dos céus passaria a ser dos pobres e que os últimos seriam os primeiros podiam ser suficientes para obter a submissão passiva do trabalhador, especialmente do camponês fragmentado, ignorante e apegado incondicionalmente as normas da pro- priedade, mas não para conseguir a submissão ativa que o trabalho industrial exige do operário assalariado. Os cercamentos, a dissolução dos laços de dependência, a superpopulação relativa e a ruína dos pequenos artesãos bastavam para que a força de trabalho aparecesse no mercado por seu valor de troca, mas não asseguravam a extração de seu valor de uso. Para isto era necessário o concurso da vontade do trabalhador, e, portanto nada mais seguro que moldá-la desde o momento de sua formação. O instrumento idôneo era a escola. Não que as escolas tivessem sido criadas necessariamente com este propósito, nem que já não pudessem ou fossem deixar de cumprir outras funções: simplesmente estavam ali e se podia tirar bom partido delas. Em 1772, William Powell já havia visto a educação como meio de adquirir ou instilar o “hábito da laboriosidade”, e o reverendo William Turner, em 1786, enaltecia as escolas dominicais de Raikes como “um espetáculo de ordem e regularidade” e citava um fabricante de Gloucester afirmando que as crianças que frequentavam as escolas voltavam “mais tratáveis e obedientes, e menos briguentas e vingativas” (Thompson, 1967:84). O acento deslocou-se então da educação religiosa e, em geral, do doutrinamento ideológico, para a disciplina material, para a organização da experiência escolar de forma que APP-SINDICATO gerasse nos jovens os hábitos, as formas de comportamento, as disposições os traços de caráter mais adequados para a indústria. Mimerel, grande patrão do Norte da França, formulava isto com clareza: Não, não queremos pôr limites a instrução, mas preferimos a que faz com que o homem esteja contente com sua posição e leve-o a melhorá-la mediante a ordem e o trabalho aquela que o faz perder em projetos de realização impossível um tempo tão útil para o bem-estar de sua família. [O ensino] deve assegurar as crianças excelentes hábitos de ordem, de propriedade, de trabalho e de prática religiosa que farão delas crianças mais submissas e pais mais devotos (Le Goff, 1985: 54). A mesma coisa pensava o empresário Kula, o qual, em lugar de esperar que resolvessem o problema, fundou ele mesmo uma escola na rue des Epinettes, Paris, com o objetivo de nela formar bons operários. Conforme seu chefe de oficina, Pradillon. Outro ponto da educação moral sobre o qual nunca se insistirá demasiadamente é o que concerne a obediência e a disciplina na oficina. Porque a produção moderna não é verdadeiramente útil e benéfica senão na medida em que se baseia em uma organização metódica. Entretanto, na base de toda a organização não é possível substituir a autoridade pela anarquia. E preciso, portanto, que o operário aprenda a vencer suas resistências naturais ao dever absoluto de obedecer, e isto é o que lhe ensinaremos nas Epinettes (...). A disciplina na oficina constitui a dignidade bem entendida do operário; a higiene e a previsão terminam por fazer dele um homem consumado (Charlot e Figeat, 1985: 133). A escola podia realizar isto e devia fazê-lo. Era só uma questão de tempo para que os patrões em seu conjunto compreendessem os be- 47 los e lucrativos frutos que podia oferecer uma educação popular “bem entendida”. A respeito dos fiandeiros de linho de Westmorland afirmava-se que a educação havia melhorado a conduta e os hábitos de subordinação dos operários fabris em geral, o que é claramente observável no fato de que não se emprega palavrões, na aparência limpa e asseada e em um aumento da diligencia na frequência aos lugares de culto (Silver, 1983: 39). Tão idílico panorama, especialmente o relativo a “conduta e aos hábitos de subordinação”, não podia deixar de impressionar os patrões, ao ponto de convencer os mais recalcitrantes. Isto era assim registrado por um inspetor de fábricas em 1839: Muitos dos proprietários de fábricas que aprovam agora a educação estavam entre aqueles que, anteriormente, julgavam sua aplicação quase impossível e não acreditavam que fosse provável que trouxesse o mínimo beneficio (Ibid.). O que inicialmente havia sido uma reação de agradável surpresa ia converter-se em seguida em uma reivindicação ou, se prefere, em uma firme opinião sobre a função das escolas. Se Mimeral “preferia” a formação de hábitos a um ensino desnecessário, os patrões esclarecidos logo iam compreender, por toda a parte, que o papel essencial da escola era esse, por mais que fosse encoberto por outros processos. Isto foi o que, do outro lado do Atlântico, encontraram Horace Mann e George Boutwell quando, em 1841 e 1859, interrogaram os empresários sobre o valor da educação dos trabalhadores. Um empresário respondeu que o conhecimento era secundário para a modalidade, e que os trabalhadores educados mostravam “um comportamento mais ordenado e respeitoso”. 48 APP-SINDICATO Nos conflitos sobre o trabalho, escreveu o mesmo capitalista avisado, “sempre me dirigi aos mais inteligentes, mais bem educados e mais morais em busca de apoio”. Alegra-se em dizer que era “o ignorante e o não educado (...) o mais turbulento e problemático”, que agia “sob o impulso da excitação da paixão e da inveja”. A associação de virtudes era significativa: igualavam-se educação, moralidade e docilidade. Se resta alguma dúvida a este respeito, considerem-se as palavras de outro patrão, que enaltecia a “diligencia e (...) o submetimento voluntário” dos educados, os quais, ao ganhar a confiança de seus colegas, exerciam “uma influência conservadora” em momentos de problemas trabalhistas, uma influência de “grande valor pecuniário e moral”. A escola primária formava homens de empresa (Katz, 1971: 33). A mesma coisa, por exemplo, na Grã Bretanha, onde uma investigação sobre as higher elementary schools em 1906 (conforme a interpretação do Comitê Consultivo), pôs de manifesto que o que os patrões queriam destas escolas era que formassem neles um bom caráter e lhes imbuíssem qualidades servis, à parte das destrezas gerais básicas (Reeder, 1981: 74). Numerosos educadores, especialmente entre os mais dispostos a buscar a função ou justificação da educação em sua relação com a sociedade global em vez de no desenvolvimento de supostas essências inatas dos indivíduos, compreenderam isto perfeitamente. E, sobretudo as autoridades educacionais; por exemplo, William T. Harris, Comissário de Educação dos Estados Unidos, para o qual, em uma época de grande desenvolvimento urbano e industrial, tornava-se claro que a pontualidade, a precisão, a obediência implícita ao encarregado ou a direção, são necessárias para a segurança de outros e para a produção de qualquer resultado positivo. A escola leva a cabo isto tão bem que para algumas pessoas ela lhes traz a recordação desagradável de uma máquina (Tyack, 1974: 73). Que o objetivo da escola, ao contrário de seu discurso, não era ou havia deixado de ser a instrução, é algo que havia sido colocado na polêmica entre os métodos mútuo e simultâneo, na França, em princípios do século XIX. A escola mútua havia mostrado ser capaz de ensinar o mesmo em menos tempo ou muito mais no mesmo tempo, e com uma maior economia de professores. Entretanto, o tempo veio a ser, não a variável dependente, mas a independente. A questão não era ensinar um certo montante de conhecimentos no menor tempo possível, mas ter os alunos entre as paredes da sala de aula submetidos ao olhar vigilante do professor o tempo suficiente para domar seu caráter e dar a forma adequada a seu comportamento. Na exposição de motivos da decisão tomada pelo Conselho Geral de Calvados (em 1818) de não votar a subvenção para a escola mútua apesar das ordens do governador, lemos: o modo de educação atual, concretamente o seguido pelos irmãos das escolas cristas, tarda mais em conseguir os objetivos (...), mas oferece uma série de vantagens através da relação que tem com a educação moral, a qual não pode ser substituída por nenhuma outra. Este modo de educação dirige de alguma maneira o emprego de tempo das crianças (...) desde bastante pequenos até sua adolescência, isto é, até que possam entrar utilmente na sociedade, com os conhecimentos convenientes a sua condição e com os hábitos de ordem, docilidade, aplicação ao trabalho, e a prática dos deveres sociais e religiosos (Querrien, 1979: 75). A ordem reina nas salas de aula Esta ênfase na disciplina converteu as escolas em algo muito parecido aos quartéis APP-SINDICATO 49 prego que está diante delas, e com a esquerou aos conventos beneditinos. Regularam-se da, pegam a lousa pela parte do meio; à palatodos os aspectos da vida em seu interior, as vra “lousas”, as crianças soltam-nas e põem-nas vezes até a extremos delirantes. Dir-se-ia que sobre a mesa (Foucault, 1976: 171). os educadores, ou uma parte deles, enfrentavam os alunos fazendo sua a observação do Grã Duque Miguel Uma vez entre seus muros, a disciplina diante da tropa formada: “Está bem, mas respiram”. escolar assemelhava-se muito a militar. Nas escolas metodistas inglesas de princípios do século XIX, a primeira coisa que aprendiam os alunos era a pontualidade. Uma vez entre seus muros, a disciplina escolar assemelhava-se muito a militar: O Superintendente fará soar de novo a campainha, e então a um movimento de sua mão, toda a escola levantar-se-á a um só tempo de seus assentos; a um segundo movimento os escolares se voltam; a um terceiro, se deslocam lenta e silenciosamente ao lugar designado para repetir suas lições e então ele pronuncia a palavra “Começai “(...) (Thompson, 1967: 85). Pela mesma época, Bally propunha o seguinte horário para a escola mútua: 8:45, entrada do instrutor, 8:52, chamada do instrutor, 8:56, entrada das crianças e oração; 9:00, entrada nos bancos; 9:04, primeira lousa, 9:08, fim do ditado, 9:l2, segunda lousa etc. (Foucault, 1976: 154). Esta organização e disciplina do tempo estendiam-se também ao corpo e aos movimentos. O Journal pour L’instruction élémentaire explicava a codificação de cada movimento nas escolas mútuas: Entrem em seus bancos. À palavra “entrem”, as crianças põem ruidosamente a mão sobre a mesa e ao mesmo tempo passam a perna por cima do banco; às palavras “em seus bancos”, passam a outra perna e sentam-se frente a suas lousas (...). Peguem as lousas. À palavra “peguem”, as crianças levam a mão direita à cordinha que serve para pendurar a lousa ao O ensino ou instrução ficava em um obscuro segundo plano, atrás da obsessão pela ordem, pela pontualidade, pela compostura etc. O guia para o trabalho dos inspetores nas escolas mútuas publicado pela Sociedade para a Melhoria da Instrução Elementar, na França, em 1817, continha vinte e oito normas, e as treze primeiras eram: Observa-se na escola um silêncio geral suficiente? Permanece o professor suficientemente silencioso, fazendo-se obedecer mediante gestos? Realiza-se a leitura realmente a meia voz? Está em ordem o mobiliário? Cumpre-se realmente a máxima: cada coisa em seu lugar e um lugar para cada coisa? São suficientes a ventilação e a iluminação? Têm bastante espaço os alunos? É correta a atitude dos alunos? Colocam claramente as mãos atrás das costas durante os movimentos e deslocam-se marcando o passo? Estão satisfeitos os alunos? Têm os alunos as mãos e os rostos limpos? Estão bem visíveis os rótulos das punições e são utilizados? O professor ameaça bater as crianças? Exerce corretamente o professor uma vigilância permanente sobre o conjunto dos alunos? (Querrien, 1979: 86-87). Não se pense que o delírio pela ordem era privativo das escolas mútuas. Embora sem levá-lo a tal extremo, desde antes vinham-no pondo em prática as escolas lassalianas, e logo o Estado educador francês encontraria certo gosto pela ordem, algo que era ironizado por 50 APP-SINDICATO Matthew Arnold ao falar do ministro francês que olhou seu relógio e disse com satisfação que, nesse momento, em todos os liceus franceses os meninos estavam fazendo a mesma coisa (Silver, 1983: 86). Em finais do século, as escolas norte-americanas apresentavam uma obsessão similar pela ordem, embora as vezes a adoçassem com música. Em uma escola modelar de Nova York, em 1867, um comitê enviado pelo conselho escolar de Baltimore havia observado, impressionado, que chão”. A professora prestava tanta atenção a posição das pontas de seus pés e seus joelhos quanto às palavras de suas bocas’”. “Como vais fazer algo”, perguntou uma mulher, “com teus joelhos e pontas do sapato mal colocados? (Tyack, 1974: 55-56). Da autoinstrução à escolarização Cabe ainda perguntar-se em que medida não eram os trabalhadores e o movimento opeos deslocamentos dos grupos das salas de rário os primeiros interessados na escolarização aula para a grande sala de reunião eram regu- universal, em que medida não foi a escola uma lados por pianos, dois dos quais estavam em conquista operária e popular que as classes docada uma das salas grandes. Todas as mudan- minantes teriam tentado depois e ainda tentaças [de lugar] eram realizadas marchando, al- riam adulterar com mais ou menos êxito. Infeguns em passo normal a ritmo duplamente lizmente, a historiografia existente é obra, em rápido de parada militar (...). A regularidade sua maior parte, de autores que identificam, no de movimentos em tão grande movimento fundamental, a escola com o progresso social, de crianças (...) era realmente interessante o que provavelmente lhes levou não apenas a uma interpretação enviesada, mas também a (Tyack, 1974: 51). uma seleção igualmente enviesada dos dados históricos. Assim, o que normalmente sabemos ou lemos do Assim, o que normalmente sabemos movimento operário diante da educação é que sempre pediu mais escolas, ou lemos do movimento operário maior acesso às escolas existentes etc. diante da educação é que sempre Entretanto, há informação suficiente para levar a pensar que, antes da pediu mais escolas, maior acesso às identificação da classe operária com a escolas existentes etc. escola como instrumento de melhoria social, houve um amplo movimento de auto-instrução. Harry Braverman Em 1890, Joseph Rice relatava o observa- descreveu eloquentemente em que consistia ser um trabalhador qualificado antes de as hordo em outra escola: das de Ford e Taylor irromperem na organizaDurante os períodos letivos, quando os estu- ção do trabalho fabril. dantes tinham que demonstrar que haviam memorizado o texto, supunha-se que as crianças, dizia Rice, tinham que “alinhar-se de pé, perfeitamente imóveis, seus corpos eretos, seus joelhos e pés juntos, as pontas de seus sapatos tocando a borda de um taco no O artesão ativo (the working craftsman) eslava ligado ao conhecimento técnico e científico de seu tempo na prática diária de seu ofício. A aprendizagem incluía geralmente o treinamento em matemática, compreendidas a APP-SINDICATO álgebra, a geometria e a trigonometria, nas propriedades e procedência dos materiais comuns no ofício, nas ciências físicas e no desenho industrial. As relações de aprendizagem bem administradas proporcionavam assinaturas das revistas técnicas e econômicas que afetavam o ofício, de forma que os aprendizes pudessem seguir os avanços. Mas, mais importante que o treinamento formal ou informal, era o fato de que o ofício proporcionava um vínculo cotidiano entre a ciência e o trabalho, posto que o artesão se via constantemente abrigado a utilizar em sua prática os conhecimentos científicos rudimentares, a matemática. o desenho etc. Estes artesãos eram uma parte importante do público científico de sua época e, como norma, mostravam um interesse pela ciência e pela cultura que ia além do diretamente relacionado com seu trabalho. Os florescentes Institutos Mecânicos, que na Grã Bretanha chegaram a uns 1.200 e tiveram mais de 200.000 membros, estavam em grande medida dedicados a satisfazer este interesse por meio de conferencias e bibliotecas (Braverman, 1974: 133-4). Estes mestres artesãos, oficiais e, em geral, trabalhadores qualificados levavam seu afã cultural para além dos limites do ofício, participando plenamente das inquietudes culturais e educacionais de uma época deslumbrada com as potencialidades de um saber em rápido desenvolvimento e apegada à fé no progresso. Assimilavam a cultura de outros grupos sociais e irradiavam-na eles mesmos para o exterior de seu próprio grupo. Todos os distritos de tecedores tinham seus tecedores poetas, biólogos, matemáticos, músicos, geólogos, botânicos (...). Ainda existem no Norte museus e sociedades de história natural que possuem fichários e coleções de lepidópteros realizados por tecedores; contam-se histórias de tecedores nas aldeias afastadas que aprendiam sozinhos geome- 51 tria escrevendo com graveto no solo e que discutiam entre si os problemas do cálculo diferencial (Thompson, 1977: n, 156-7). O próprio domínio de seu ofício levava-os, com frequência, mais longe do que nossa imagem de “João, o Bom” nos permitiria supor. Além de suas habilidades práticas, desenvolviam seus conhecimentos teóricos na medida das possibilidades de seu contexto e de sua época, então não tão cingidas à escola. Ainda mais impressionante era a preparação teórica desses homens (os artesãos durante a revolução industrial, MFE). Em geral, não eram os remendões iletrados da mitologia histórica. Mesmo o maquinista (millwright) ordinário, como o faz notar Fairbairn, era, em geral, “um bom aritmético, sabia algo de geometria, nivelamento e medição e, em alguns casos, possuía conhecimento muito preciso de matemática prática. Podia calcular a velocidade, resistência e potência das máquinas, podia desenhar em plano e em seção...” Grande parte desses ”feitos e potencialidades intelectuais elevados” refletiam as abundantes oportunidades para a educação técnica em “povoados” como Manchester, que iam desde as academias dissidentes e sociedades ilustradas até os conferencistas locais e visitantes, as escolas privadas “matemáticas e comerciais” com aulas vespertinas e uma ampla circulação de manuais práticos, publicações periódicas e enciclopédias (Landes, 1969: 63). A esta rede formal e informal de capacitação profissional e formação técnica e científica devem-se acrescentar as escolas de iniciativa popular, as sociedades operárias, os ateneus, as casas do povo e toda uma gama de atividades similares que compunham um considerável movimento de auto-instrução. Boa parte do movimento operário colocou nessa rede suas esperanças de acompanhar o ritmo 52 APP-SINDICATO do progresso e melhorar sua posição social e política frente as classes dominantes, quando não de subverter radicalmente a ordem social existente. Outra parte - a de orientação marxista - centrou suas reivindicações em uma escola para os trabalhadores financiada, mas não gestionada pelo Estado e combinada com a incorporação dos jovens na produção. Entretanto, a escolarização estatal ou sob a égide do Estado - e a influencia mais ou menos direta dos industriais - logo ganhou a partida deste movimento de auto-instrução. procedentes do Leste e do Sul da Europa, nem dos negros. A assimilação forçada A escola foi o mecanismo principal de sua “americanização”, com o encargo de apagar seu passado, suas tradições culturais e sua língua, convertendo-os em cidadãos da nova pátria. Foi, além disso, o centro da estratégia defensiva de uma comunidade “nativa” - os verdadeiros nativos estavam já nas reservas, mas os descendentes dos primeiros ocupantes ingleses gostavam de chamar-se a si próprios de native Americans - alarmada por uma promiscuidade de línguas e culturas que ameaçava sua suposta identidade e suscitava medos similares aos da atual “insegurança cidadã”. Mas essa mesma comunidade não deixava de estar muito consciente de que sua posição privilegiada continuava dependendo da imigração maciça de mão de obra barata, motivo pelo qual não restava outro remédio senão mover todas as alavancas possíveis para assimilar um fluxo que não se podia evitar. Em particular, era necessário, como vimos em um capítulo anterior, erradicar os irregulares hábitos de trabalho das populações imigrantes e substituí-los por outros mais adequados as necessidades da indústria em rápido crescimento. Aqui, como em nenhuma outra parte, a escola iria exercer o papel de socializar as gerações jovens para o trabalho assalariado. O processo de industrialização dos Estados Unidos oferece uma experiência incomparável para a análise da assimilação da população as novas relações industriais por meio da escola. Nele se combinaram a industrialização mais avançada e a chegada de sucessivas levas de imigrantes não habituados ao trabalho industrial. Se os pioneiros ingleses vinham já com a experiência da vida industrial e o estímulo da moral puritana, não foi esse o caso dos irlandeses, dos milhões de camponeses A preocupação primária era habituar os recém chegados e seus filhos a pontualidade e regularidade ou, de forma mais geral, a organização do tempo: exigida pela indústria. Em meados do século XIX, os comitês escolares viviam obcecados pela tarefa de instilar nas crianças - e em seus pais - um sentido do tempo - capitalista ou industrial - cuja carência tornava-se patente em sua irregular frequência a escola e em sua impontualidade (Katz, 1971: 32). Na Inglaterra, a derrota do cartismo acarretou a desaparição das iniciativas operárias no ·campo da educação, durante as décadas de 1830 e 1840 (Sharp, 1980: cap. V). Na França, as leis Ferry eliminaram qualquer espaço para possíveis alternativas (Ligue Communiste Révolutionnaire, 1974: 54). Na Espanha, este movimento teve sempre uma vida não muito animada e sofreu sua maior derrota como corolário da Semana Trágica (Solá, 1976). Fator importante dessa substituição foi, sem dúvida, a ingênua confiança do movimento operário nas virtudes reformadoras e progressistas da educação em geral. APP-SINDICATO Em um folheto muito difundido de 1874, The theory of education in the United States of America, escrito por Harris e Doty, duas figuras da educação, e assinado por setenta e sete presidentes de centros universitários e superintendentes escolares dos estados, apontava-se que 53 cionais em educação industrial advogava a substituição da curta e “suave” jornada escolar tradicional por uma ajustada às condições industriais reais, isto é, a aplicação nas escolas do horário de trabalho da indústria (Rodgers, 1978: 85). a precisão militar é necessária para o manejo das classes escolares. Insiste-se enormemente 1) na pontualidade, 2) na regularidade, 3) na atenção e 4) no silêncio como hábitos necessários ao longo da vida para a colaboração eficaz com os próprios companheiros em uma civilização industrial e comercial (Tyack, 1974: 50). Em termos mais gerais, a escola aparecia como a melhor solução para todas as resistências individuais e coletivas as novas condições de vida e trabalho ou, ao menos, como a mais prudente e barata, a solução preventiva. Assim acreditava John L. Hart quando, em 1879, escrevia que “os edifícios escolares são mais baratos que os cárceres” e que “os professores e os livros oferecem mais segurança que as esposas e os agentes de policia” (GurA preocupação primária era habituman, 1976: 73). Depois das greves de 1877, o Comissário de Educação dos ar os recém chegados e seus filhos a Estados Unidos concluía que pontualidade e regularidade ou, de forma mais geral, a organização do tempo: exigida pela indústria. Ao entrar no século XX, a Comissão de Imigração da Califórnia distribuía entre as donas-de-casa dos lares imigrantes um folheto que, além de explicar-Ihes que as janelas, os cestos de lixo etc., deviam estar limpos, encarecia-lhes que enviassem seus filhos asseados e pontualmente a escola: Não deixe que seu filho chegue tarde. Se o faz, quando crescer chegará tarde a seu trabalho. Então perderá seu emprego e será sempre pobre e miserável (Tyack, 1974: 236). Pouco depois, em 1916, David Snedden, Comissário de Educação do Estado de Massachusetts e um dos principais especialistas na- o capital, por conseguinte, deverá pesar os custos da turba e do vagabundo contra o custo de uma educação universal e suficiente (Tyack, 1974: 74). A população negra emancipada, que reunia a dupla condição de ser proletariado potencial e pertencer a uma raça considerada inferior, deu a alguns reformadores escolares a oportunidade de pôr em prática suas ideias sobre a formação para o trabalho industrial sem ter que conservar a incomoda roupagem da educação para uma sociedade livre e democrática. Arrancados há não muito tempo de uma economia de subsistência e apenas habituados, a maioria, ao trabalho mais regular das plantações de algodão ou as funções domésticas servis, emigravam em massa para o Norte industrializado e eram vistos como a base idônea - a mão de obra excepcionalmente barata – da necessária industrialização do Sul. 54 APP-SINDICATO O mito do negro preguiçoso e incapaz de organizar sua vida sem a ajuda do branco persistia. Para J. L. M. Curry, presidente - branco, naturalmente - da Segunda Conferencia para a Educação no Sul, o negro era “um trabalhador estúpido, indolente e vadio”, “um obstáculo para a riqueza e o desenvolvimento do Sul” (Anderson, 1975: 31), e por isso devia ser educado. Em uma versão mais sofisticada, o negro devia sua escassa propensão para o trabalho ao fato de que se tinha contagiado pelo desprezo que pelo mesmo nutriam seus pseudo-aristocráticos amos brancos, os latifundiários sulistas. Se já não se podia utilizar o chicote, devia-se recorrer a escola. Qualquer coisa antes que perder o controle da mão de obra negra por causa da emancipação, pois fazer o contrário seria desperdiçar alguns preciosos recursos. George Foster Peabody, outro prestigiado reformador da educação, escrevia a um amigo: Não tenha a menor dúvida de que se o milhão de negros (...) fosse corretamente educado (...) valeria em dólares e centavos três vezes seu valor atual. Se isto é certo, como estou absolutamente seguro que é, e uma vez que as propriedades do estado da Geórgia pertencem em grande medida a raça branca, não seria o beneficio para a raça branca, sob os atuais métodos de distribuição, incalculável em dólares e centavos e uma muito maior tranquilidade, vida pacífica e harmonia de consciência para o cidadão branco que governa? (Anderson, 1975: 32). A partir dessa perspectiva fundou-se uma rede de escolas para negros. Os reformadores brancos selecionaram entre eles os mais dispostos a propagar sua mensagem e converteram-nos em líderes educacionais perante seu povo - embora, é claro, não lhes tenham permitido sentar nos mesmos conselhos e conferências que eles, nem lhes pagaram da mesma forma que aos especialistas brancos. A recordação recente da escravidão tornava mais aconselhável para os brancos este sistema de seleção de negros com alma branca que uma atuação direta e sem intermediários de sua parte. Por outro lado, os negros tampouco queriam enviar seus filhos para serem educados por professores brancos cujo primeiro ato provavelmente haveria de ser o de explicar-lhes sua inferioridade congênita e inevitável. O Instituto Agrícola e Normal de Hampton, considerado modelar em sua época era um bom exemplo de como se enfocava a educação dos negros. Nele se formaram desde o último terço do século XIX numerosos professores destinados inevitavelmente às escolas primárias para crianças negras. Tanto em Hampton quanto em outras escolas normais negras os professores eram educados fundamentalmente através dos trabalhos manuais, já que era essa a formação que deviam transmitir depois a seus alunos negros. O programa de Hampton era composto de ensino acadêmico, trabalho manual e disciplina. Mas o central era o traba- APP-SINDICATO lho, pois a parte acadêmica consistia essencialmente nas destrezas literárias básicas para um professor e na defesa de uma atitude adequada para com o trabalho, e a disciplina exercia-se em grande parte através deste. Tal o como o indicou lapidarmente Anderson (1982: 137): Em Hampton e em outras escolas industriais normais desenvolviam-se atividades de trabalho manual rotineiras e repetitivas com o propósito de condicionar os candidatos a professores a servirem como missionários da ética puritana do trabalho nas comunidades negras do Sul. O negro devia ser preparado para integrar-se no lugar que lhe havia reservado o branco: o trabalho industrial menos qualificado, mais mal pago e mais duro. Tudo isso sem interferir, entretanto, na vida social e política da comunidade branca nem tentar escapar a sua posição. William H. Baldwin, outro ilustre reformador sulista, presidente do Conselho Geral de Educação, resumia sucintamente, em princípios deste século, suas recomendações sobre a educação dos negros (os alunos dos institutos, isto é, os selecionados com o propósito de obter líderes dóceis aceitados pela comunidade de cor): Evitai as questões sociais; deixai estar a política; continuai sendo pacientes; levai vidas morais; vivei de maneira simples; aprendei a trabalhar e a trabalhar de maneira inteligente; aprendei a trabalhar com dedicação; aprendei a trabalhar duro; aprendei que qualquer trabalho, por baixo que seja, torna-se dignificado se é bem feito; (...) aprendei que é um erro ser educados fora de vosso necessário ambiente; aprendei que é um crime para qualquer professor, branco ou negro, educar o negro para posições que não estão abertas para ele (Anderson, 1975: 38-9). 55 A obsessão pela eficiência A rudimentariedade da organização das escolas e dos processos educativos correspondia a rudimentariedade da organização dos processos produtivos do século XIX. Quando a produção fabril - e, embora em menor medida, a de serviços - foi submetida a uma profunda revisão cuja parte mais visível foram as ideias da gestão científica do trabalho de F. W. Taylor, as escolas não tardaram em ligar-se a roda da indústria. Como antes, as empresas apareciam ante o público bem pensante em geral, e ante os reformadores da educação em particular, como o paradigma da eficiência. O mundo empresarial tinha e tem a virtude de que apenas deixa ver o que sobrevive; ocultam-se a vista, sem necessidade de esforço algum, seus múltiplos fracassos e quebras ou sua capacidade para monopolizar as empresas rentáveis ao mesmo tempo que deixa para o setor público as arruinadas, o que subsidiariamente permite comparações superficiais nas quais aquelas saem necessariamente em vantagem em comparação com este. As empresas aparecem como as organizações que com maior eficácia enfrentam satisfatoriamente as necessidades de seus clientes, por um lado, e o problema da gestão de contingentes importantes de pessoas, por outro. No contexto da carreira obsessiva e do domínio geral do discurso pela eficiência, as escolas, através de mais ilustres reformadores inspirados no mundo da empresa, importaram seus princípios e normas de organização de forma extremada em ocasiões delirantes, mas sempre com notáveis consequências para a vida nas salas de aula. Logicamente, este processo teve lugar em primeira instância e, sobretudo nos Estados Unidos, mas estendeu-se por 56 APP-SINDICATO toda parte graças a dinâmicas autônomas similares, embora com menor força e, em especial, graças a difusão universal dos modelos e teorias educacionais nascidos na nova metrópole do sistema capitalista mundial. Taylor havia proposto para a indústria, como se viu em um capítulo anterior, um sistema de organização baseado no controle absoluto de produtos e processos de produção pelo empresário ou seus representantes, os gerentes, que se traduzia, para os trabalhadores na padronização e na rotinização ao máximo de suas tarefas. Tudo isto vem, além disso, revestido por uma preocupação crescente por controlar detalhadamente cada dólar gasto ou ganho e aquilatar até o limite os custos de produção. Esta dupla obsessão pela gestão do dinheiro e dos recursos humanos foi introduzida nas escolas através de reformadores como Spaulding, Bobbitt ou Cubberley. Em primeiro lugar, as escolas deviam reconhecer a liderança do mundo empresarial. Os reformadores proclamavam o dever das escolas de servir a comunidade para, ato contínuo, confundir esta com as empresas. Além disso, os interlocutores das empresas não eram, claro está, o reparador hidráulico da esquina nem o assalariado da grande fábrica, mas os porta-vozes naturais do dinheiro, os grandes capitalistas, os proprietários dos monopólios industriais. Estes, por sua vez, tinham compreendido a importância da educação, como o demonstra claramente o ativo papel desempenhado nesta pelas fundações erigidas por personagens como Rockefeller, Carnegie ou Ford. Bobbitt, por exemplo, estava convencido de que, assim como as especificações para a fabricação de um trilho de aço eram formuladas pela empresa ferroviária que o encomendava, e não podiam vir da siderurgia que o construía, os padrões e especificações do processo educacional, que era “um processo de elaboração na mesma medida que a fabricação de trilho de aço”, deviam ser fixados pela sociedade. Bobbitt considerava chegado o dia em que os produtos da educação podiam ser ministrados com a mesma precisão dos da indústria, pois, na última década (a primeira deste século), os educadores haviam chegado a ver que é possível proporcionar padrões definidos para os diversos produtos educacionais. A capacidade de somar a uma velocidade de 65 combinações por minuto com uma precisão de 94 por cento é uma especificação tão definida quanto a que se pode proporcionar para qualquer aspecto do trabalho na planta siderúrgica (Callahan , 1962:81). O deslocamento das demandas da comunidade para as exigências da indústria em termos de mão de obra não era acidental, nem devido simplesmente a maior facilidade de buscar exemplos na indústria, em comparação com a família, ou a maior facilidade de medir a capacidade de somar que a estatura moral. Já em 1913, um superintendente escolar, de moto-próprio ou inspirado por seus líderes reformadores, afirmava perante seus colegas da National Educational Association que uma vez que a escola é mantida pelo público ou pelos interesses das empresas, e em realidade existe só para o propósito de formar homens. E mulheres de empresa do futuro, é evidente que deveria haver uma perfeita harmonia entre as autoridades escolares e os interesses das empresas (Callahan, 1962: 227-8). O movimento de reforma da educação foi abrangente. Frank Spaulding personificou APP-SINDICATO melhor que ninguém a introdução da análise de custo-beneficio em termos de produção escolar. Ele propôs que se avaliasse o produto das escolas com medidas tais como a proporção de jovens de determinada faixa de idade nela matriculados, os dias de frequência por ano, o tempo necessário por aluno para realizar um determinado trabalho, a porcentagem de promoções etc. Tudo isto, obviamente, sem prestar nenhuma atenção ao contexto social ou as peculiares características pessoais ou grupais dos alunos. Aventurou-se a estimar o valor relativo e absoluto das diferentes matérias, concluindo, por exemplo, que um dólar permitia proporcionar 5,9 aulas de grego por aluno, 23,8 de francês, 12 de ciências, 19,2 de inglês, 13,9 de arte ou 41,7 de música vocal (Callahan, 1962: 73). Dólar por dólar, propôs, em consequência, a supressão do caríssimo grego (um sábio conselho, porém carente de melhores razões). 57 fessores; 4) determinar, em função disso, as qualificações padronizadas exigidas dos professores; 5) capacitá-los em consonância com isso, ou colocar requisitos de acesso tais que formassem as instituições encarregadas disso a fazê-lo; 6) erigir uma formação permanente que mantivesse o professor a altura de suas tarefas durante sua permanência no trabalho; 7) dar-lhe instruções detalhadas sobre como realizar seu trabalho; 8) selecionar os meios materiais mais adequados; 9) traduzir todas as tarefas a realizar em responsabilidades individualizadas e exigíveis; 10) estimular sua produtividade mediante um sistema de incentivos; e 11) controlar permanentemente o fluxo do “produto parcialmente desenvolvido”, isto é, o aluno (Bobbitt, 1913: n, 11-96). Ellwood P. Cubberley esforçou-se por introduzir nas escolas a figura correspondente ao especialista em organização do trabalho que o taylorismo havia trazido consigo, o especialista em eficiência. “Por acaso supõe-se que os educadores são tão A paixão por imitar e servir as emcompetentes”, perguntava-se, “que presas chegou ocasionalmente a exseus métodos não podem ser melhorados?” (Callahan, 1962: 96). O espetremos grotescos. cialista deveria estudar todas as fases do processo educacional, as necessidades da sociedade e da indústria, o Franklin Bobbitt defendeu a introdução estado do produto (o aluno) nas distintas fases, do taylorismo na organização do processo a eficácia dos distintos métodos, a relação eneducacional, a partir de quatro princípios: 1) tre custos e eficiência etc., e fornecer, com base fixar as especificações e padrões do produto nisso, os dados e conclusões pertinentes as aufinal que se deseja (o aluno egresso); 2) fixar toridades escolares e ao público. Assim se abria as especificações e padrões para cada fase de caminho para os estudos sobre o emprego do elaboração do produto (matérias, anos aca- tempo, a onipresença dos testes, a avaliação dêmicos, trimestres, dias ou unidades letivas); da eficácia dos professores etc. Os professores 3) empregar os métodos tayloristas para en- avaliariam os alunos, os superintendentes os contrar os métodos mais eficazes a respeito professores, os professores - ocasionalmente e assegurar que fossem seguidos pelos pro- os superintendentes etc. 58 APP-SINDICATO A paixão por imitar e servir as empresas chegou ocasionalmente a extremos grotescos. Entre 1915 e 1922 organizou-se uma campanha entre as escolas primárias para ensinar as crianças a frugalidade, pondo-se em funcionamento pequenas caixas econômicas nos colégios. Um professor publicou no Journal of Education um “alfabeto da economia” de sua invenção, com pérolas inigualáveis: B de banco”, “D de dólar”, “J de juro “e outras vinte e três associações entre as letras e as preocupações de vendedores e contadores, cuja relação completa pouparemos aos leitores (Callahan, 1962: 228). O superintendente de Lincoln, Nebraska, ideou juntamente com um empresário e elaborou, para entregá-la a outros que a solicitassem, uma “lista de eficiência” dos meninos, para ingressar na qual eram exigidas as seguintes características: 1) 14 anos idade; 2) Bom caráter, demonstrado por: veracidade; obediência; laboriosidade (industry); bons hábitos (Nota: Não será elegível nenhum menino que fume ou beba); 3) Conhecimento de Lincoln e sua relação com Nebraska; 4) Capacidade de escrever uma boa carta comercial; 5) Capacidade de expressar-se de maneira cortês, mas concisamente e na linguagem dos negócios diante de seu empregador e seus associados na empresa; 6) Capacidade de realizar as quatro operações fundamentais e frações simples (...). O Clube do Comércio e as autoridades escolares pediram aos empresários sugestões sobre as qualificações desejáveis nos jovens que se empregam (Callahan, 1962:229-30). Desmistificar a história da escola A história da educação ocidental, tal como se apresenta neste livro, começa com as primeiras tentativas educacionais dos gregos alguns séculos antes de Cristo, e chega até os inícios da pedagogia científica no século XX. Essencialmente é o registro de uma evolução. Revela como nossas próprias práticas e opiniões se formaram paulatinamente com o transcurso dos séculos, e enlaça passado e presente como aspectos de uma vida em permanente desenvolvimento, cuja etapa atual nos pertence (Boyd e King, 1977: 9). Assim começava o prefácio a primeira edição, em 1921, de The History of Western Education, de Wiliam Boyd, atualizada por Edmund J. King em 1964, quando era “já um clássico em seu gênero”. Mas pode-se afirmar realmente que a educação “começa “e “chega”, que seguiu “uma evolução”, que tenha feito algo “paulatinamente” ou que sua história tenha sido algo parecido a um “permanente desenvolvimento”? Com frequência o investigador social é vítima de um fetichismo das palavras que o leva a não ver seu diferente significado em diferentes contextos espaciais e temporais, em parte por ignorância e em parte por puro etnocentrismo. A educação é um campo de cultivo privilegiado deste tipo de equívocos. Uma vez que na Grécia já havia “academias”, “escolas “e “pedagogos”, por exemplo, pode-se imaginar a história APP-SINDICATO da educação ocidental como um continuum no qual simplesmente se vão acumulando horas e dias de aula, crianças escolarizadas, novas matérias ou sucessivos passos de aproximação aos interesses da criança ou a pedagogia científica que, naturalmente, sempre é a última, seja a de Comênio ou a de Skinner. Pode-se acrescentar a receita, claro está, umas gotinhas de mudança: os pedagogos já não são escravos, mas uma semiprofissão, o currículo já não está formado pelo trivium e o quadrivium e, onde antes se dizia “disciplina “agora se diz “disposição para cooperar”. Mas que conexão ou que continuidade pode existir entre a relação de Aristóteles com seus discípulos e a do mestre de oficina com os alunos de formação profissional, entre a maiêutica socrática e o reforço comportamentalista, entre as escolas episcopais da Idade Média e os institutos secundários de hoje? Na hora de destacar o que deve mudar na escola pode ser muito interessante assinalar coincidências ou, o que dá no mesmo, os arcaísmos, mas aí termina a utilidade. Pode ser que nosso ensino de filosofia pura continue ainda, em boa medida, enredado na problemática de ontem, mas é muito maior o número de coisas que mudaram do que o das que permanecem. E, o que mais importa, não houve mudança num sentido cumulativo, nem sequer evolutivo, mas em um sentido radical. Pense-se, por exemplo, nas universidades medievais e nas de hoje: naquelas, os estudantes elegiam, sem a participação dos professores a seu serviço, o reitor, o qual, no protocolo urbano, precedia o cardeal, podiam assistir armados as aulas e multar ou sancionar de alguma outra forma os professores que não cumpriam adequadamente suas obrigações; nas atuais, carecem de qualquer poder ou têm-no reduzido a uma participação irrelevante, sempre em 59 minoria e sem nenhuma capacidade de influir sobre o corpo docente. Mais que uma evolução, a história da educação é a de uma sucessão de revoluções e contra-revoluções. Os primeiros sistemas escolares que surgem na história do Ocidente tem pouco a ver com a economia, respondendo antes a fatores e fins políticos religiosos ou militares. A primeira parte desta afirmação não deve ter nada de surpreendente, se se toma em consideração que, até o inicio do processo de industrialização, quase todas as pessoas aprendiam a fazer seu trabalho fazendo-o. A grande maioria, os camponeses, aprendiam, sem necessidade sequer de sair da esfera doméstica, constituída por unidades econômicas quase auto-suficientes. E uma pequena minoria por caminhos de um alcance um pouco maior, como os candidatos a artesãos em seu périplo como aprendizes e oficiais, mas sem necessidade de recorrer a mecanismos alheios as próprias instituições produtivas, embora transcendessem a unidade doméstica de origem. Os primeiros anúncios de sistema escolar foram o produto dos impérios: o Baixo Império romano e o Império carolíngio. Tem-se querido ver no primeiro caso a continuação de uma suposta mas indemonstrável escola dos romanos e, no segundo, os frutos do “pequeno Renascimento”. As coisas são muito mais simples: ambos eram impérios burocráticos que necessitavam para seu próprio funcionamento e sua reprodução de uma caterva de escribas e funcionários, conhecedores, ao menos, da leitura e da escrita e dos rudimentos das leis. Algo disto, mas não só isso, houve também na formação do sistema escolar estatal - os ensinos secundário e superior - napoleônico. A burocracia, afinal, que deve em parte sua função e 60 APP-SINDICATO sua legitimidade ao monopólio de um tipo de saberes, necessita do sistema escolar para sua reprodução. Outros sistemas escolares surgiram principalmente no calor das lutas religiosas. Isto é certo, quando menos, para os estados alemães da época da Reforma protestante - e, como reação, para os católicos, por exemplo, a expansão do ensino dos jesuítas -, para a Escócia e para um grande número de escolas inglesas criadas como arma na luta entre as seitas e as denominações. Em geral, para o protestantismo não há outro intermediário entre a pessoa e Deus senão as Sagradas Escrituras, o que exige, e exigiu naquele momento, que todos fossem capazes de lê-las. Por outro lado, os reformadores religiosos, mais que ninguém, não ignoravam o enorme poder doutrinador da escola. de formação da nação alemã ou espanhola. No mesmo sentido deve-se interpretar o empreendimento de assimilação das sucessivas levas de imigrantes aos Estados Unidos da América ou, depois da Revolução de Outubro, na União Soviética, ou, para mudar de hemisfério, o papel da escola nas nações da África negra e do Oriente Médio. Ao lado dessas causas está também a que todo mundo sabe: a necessidade de dominar uma certa quantidade de conhecimentos e destrezas para desenvolver-se em qualquer trabalho ou fora dele em uma sociedade industrializada e urbanizada. Efetivamente, desde o momento em que a aprendizagem do trabalho e da vida social já não é possível diretamente ou, ao menos, exclusivamente, no próprio local de trabalho - sobretudo a primeira - é preciso voltar-se para a escola (mas também para outras instituições, velhas ou novas, como a família e os meios chamaPor conseguinte, torna-se claro que dos de comunicação de massas) para as escolas antecederam o capitalisque desempenhe tal função. mo e a indústria e continuaram desenvolvendo-se com eles, mas por razões a eles alheias. A formação dos estados nacionais modernos foi outro desencadeador da expansão do ensino. Os novos estados nacionais reuniram dentro de algumas fronteiras únicas, sob um poder e algumas leis comuns e através de uma só língua, povos que pouco antes não cessavam de guerrear entre si, com costumes, leis e línguas diferentes e bastante alheios à ideia da unificação nacional. A tarefa era ideal para a escola e a ela foi atribuída em primeiro lugar. Este motivo pode ver-se claramente nos processos Por conseguinte, torna-se claro que as escolas antecederam o capitalismo e a indústria e continuaram desenvolvendo-se com eles, mas por razões a eles alheias. Entretanto, pode-se afirmar que, desde um certo momento de desenvolvimento do capitalismo que seria tão difícil quanto ocioso datar, as necessidades deste em termos de mão de obra foram o fator mais poderoso a influir nas mudanças ocorridas no sistema escolar em seu conjunto e entre as quatro paredes da escola. Este argumento poderia ser ampliado tendo-se em conta a existência do setor público nas economias nacionais capitalistas ou assinalando as semelhanças morfológicas e funcionais entre as escolas do APP-SINDICATO 61 capitalismo ocidental e as dos sistemas burocráticos dos países do Leste, mas isto não acrescentaria nada de essencialmente diferente ao que aqui se pretendeu demonstrar. va e baseada em consensos generalizados, mas o produto provisório de uma longa cadeia de conflitos ideológicos, organizativos e, em um sentido amplo, sociais. Por que o capitalismo foi tão capaz de dar forma a escolarização é algo relativamente fácil de compreender. Em primeiro lugar, as grandes empresas capitalistas sempre exerceram uma grande influencia sobre o poder político, quando não foram capazes de instrumentalizá-lo abertamente. Em segundo lugar, além das autoridades públicas foram apenas os “filantropos” recrutados ou auto-recrutados entre as fileiras do capital os que puderam prover de fundos um grande número de iniciativas privadas e, de preferência, como é lógico, as que mais se ajustavam a seus desejos e necessidades. Em terceiro lugar, os supostos beneficiários das escolas ou os que atuavam em seu nome sempre viram estas, essencialmente ou em grande medida, como um caminho para o trabalho e, sobretudo, para o trabalho assalariado, aceitando, por conseguinte, de boa ou má vontade, sua subordinação às demandas das empresas. Em quarto lugar, as escolas, como organizações que são, tem elementos em comum com as empresas que facilitam o emprego das primeiras como campo de treinamento para as segundas. Em quinto lugar, as empresas sempre apareceram na sociedade capitalista como o paradigma da eficiência e gozaram sempre de uma grande legitimidade social, seja como instituições desejáveis ou como instituições inevitáveis - exceto em alguns períodos de agitação social, os mesmos em que também se viram questionadas as escolas -, convertendo-se assim em um modelo a imitar para as autoridades educacionais. E, em último lugar, mas não por sua importância, convém recordar que as escolas de hoje não são o resultado de uma evolução não confliti- Entretanto, a maior parte da historiografia da escola, elaborada geralmente por escolares já crescidos mas que raramente saíram dos claustros da instituição, tendeu a basear-se na mera análise da evolução do discurso pedagógico, da sucessão de escolas modelares através das épocas ou da evolução de cifras agregadas que agrupavam sob epígrafes comuns realidades não acumuláveis nem comparáveis. Por outro lado, é bem sabido que a história é escrita pelos vencedores, que não gostam de mostrar a roupa suja: sempre é mais conveniente apresentar a história da escola como um longo e frutífero caminho desde as presumidas misérias de ontem até as supostas glórias de hoje ou de amanhã que, por exemplo, como um processo de domesticação da humanidade a serviço dos poderosos. A verdade, dizia Hegel, é revolucionária. Referências ANDERSON, ].D. (1975): “Education as a vehicle for the manipulation of black workers”, in W. FEINBERG e H. ROSEMONT, eds., Work, technology and education: Dissenting essays in the intellectual foundations of American education, Urbana, University of Illinois Press. ANDERSON, J.D. (1982): “The historical development of black vocational education”, in H. KANTOR e D. TYACK, eds., Work, youth and schooling: Historical perspectives on vocationalism in American education, Stanford, Calif., Stanford University Press. ARIES, P. 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APP-SINDICATO 63 As Grandes Correntes Pedagógicas e suas Relações com a Sociedade A Guisa de esclarecimento O texto que estou apresentando nesta publicação tem como objetivo auxiliar as nossas reflexões sobre o tema: As concepções teóricas, ideológicas e pedagógicas da sociedade e da escola e seus impactos na gestão do Estado. Utilizei alguns autores, que me deram embasamento para planejar o curso e me inspiraram para propor algumas discussões. Me fundamentei em algumas obras, teses e artigos. Inicialmente, no livro de André Petitat: Produção da Escola/Produção da Sociedade: Análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994. Deste livro utilizei, fundamentalmente os capítulos 1, 5 e 8. O autor faz, nestes capítulos, uma análise sobre as Teorias Sociológicas Gerais que procuram explicar a educação, explicitando os fundamentos das teorias reprodutivistas e funcionalistas. Ele também trabalha com elementos históricos sobre o surgimento dos sistemas escolares estatais. Outra obra que serviu de embasamento foi a tese de doutorado em educação de Ana Lúcia Ratto: Livros de Ocorrência: Disciplina, Normalização e Subjetivação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação. 2004. A autora utiliza como referência, sobretudo, a produção de Michel Foucault para explicar a sociedade disciplinar e os dispositivos disciplinares na escola. Por fim quero citar um livro que ainda não foi lançado no Brasil. Trata-se da obra do professor Jean Houssaye, da Université de Rouen, França: Qu’est-ce que est la Pédagogie Traditionnel aujourd’hui? Este autor se preocupa com as causas da permanência da Pedagogia Tradicional nas escolas de hoje. O texto que apresentei nesta publicação foi uma “livre tradução”, a partir de notas de um curso que ele deu a respeito de suas pesquisas. Portanto, assumo a responsabilidade pela tradução e pela interpretação que fiz de suas ideias. Os demais textos são de minha autoria e foram feitos em diferentes oportunidades, mas principalmente para meus cursos. Não se trata de um artigo acadêmico com resultados de pesquisa. É um grande resumo de minhas preocupações. Mas espero que este texto auxilie, de alguma forma, nas nossas reflexões e práticas, nesta nossa busca incessante por uma educação pública de qualidade. Maria Rosa Chaves Künzle Professora Mestra e Doutora em Educação - História e Historiografia da Educação (UFPR). 64 APP-SINDICATO As Grandes Correntes Pedagógicas e suas Relações com a Sociedade compilação, resumos e elaboração do texto: Maria Rosa Chaves Künzle As concepções teóricas, ideológicas e 1 - Análise sócio-histórica de alguns pedagógicas da sociedade e da escola momentos decisivos da evolução e seus impactos na gestão do Estado escolar. 1 - Análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar. A escola pública no Brasil. 2 - A disciplinarização e o papel da instituição escolar. 3 - As grandes correntes pedagógicas e suas relações com a sociedade a - Pedagogia Tradicional e algumas razões de sua persistência na escola atual b - Escola Nova, a Pedagogia Libertária e a Pedagogia Libertadora c - A Pedagogia Socialista d - Questões Contemporâneas - o discurso da inovação tecnológica; - o PNE e a articulação de um novo projeto para a Nação; - as iniciativas privadas e de ONGs: “Todos pela educação”; - o impacto das novas formas de organização do trabalho na escola (Profa. Rose Trojan) Texto baseado no livro: André PETITAT - Produção da escola/produção da sociedade. No Antigo Regime, o Estado dominava o ensino através de autorizações, cartas, patentes etc., mas não chegava a manter um corpo administrativo permanentemente encarregado da educação. Nos séculos XVIII e XIX: medidas contra os Jesuítas revelam novas ambições do Estado: “O ensino das Leis Divinas é assunto da Igreja, mas o ensino da Moral é atributo do Estado”. É o que pensam os iluministas, os fisiocratas, os déspotas esclarecidos. A estatização da escola se liga à emergência dos Estados-Nações. Para Rousseau, a instrução pública geral dos cidadãos deve ser um instrumento de coesão e de solidariedade nacional, o próprio fundamento da estabilidade de um regime: “A educação deve dar às almas sua forma nacional ... de tal forma que elas serão patriotas por inclinação, por paixão e por necessidade.” A Nação e o Cidadão se forjam na escola. APP-SINDICATO Há uma reorganização dos programas escolares: história, geografia, leitura, economia, direito, todas as disciplinas encontram sua substância na realidade nacional. Profunda transformação nas concepções relativas à moral, que se torna separada da religião. Contexto da Revolução Industrial, supressão das Corporações de Ofícios, emancipação do capital dos entraves corporativos. Os próprios partidários do laisser-faire na economia serão favoráveis à intervenção do Estado na educação. Por que os liberais pregam a educação pública? A miséria dos operários não lhes permite subvencionar sua instrução e os produtores não consideram rentável eles financiarem a empresa educativa. Assim, o Estado é chamado a intervir para garantir a instrução moral e intelectual dos trabalhadores, visando a formação de mão-de-obra. Ideias que movem os burgueses na época: liberdade de empreendimento e liberdade de trabalho; direito à propriedade; igualdade formal; desigualdade das faculdades individuais – nem todos têm as mesmas qualidades físicas e intelectuais. A justiça deve aplicar as Leis naturais preservando a liberdade e os direitos de cada um (a propriedade, principalmente). O Estado dispõe de força para manter a Ordem, cujos princípios não se impõem por si próprios nas consciências. A educação representará parte importante da ação persuasiva e preventiva do Estado. 65 A instrução pública tem como objetivo inculcar nos cidadãos as bases da ordem natural fundamentada na propriedade. “Somente um raciocínio educado esclarecido, pode compreender o quanto é justo o direito da propriedade como fundamento de uma nova ordem social. A ignorância – vista como ignorância da ordem natural – é entendida como a pior fonte de instabilidade. Há a necessidade de um reforço na ação ideológica do Estado. “A primeira tarefa da Instrução Pública deve ser a de convencer os homens que esta ordem (propriedade, liberdade e segurança) torna todos iguais ou tanto quanto é possível sê-lo”. A instrução deve necessariamente ser pública, instrumento de legitimação de uma ordem social em que igualdade, liberdade e justiça são formalmente definidas mas se conjugam à desigualdade, à dominação e à injustiça. Adam Smith pensa na educação como forma de impedir a degeneração e a corrupção, uma garantia ideológica, um corretivo e um estabilizador de uma sociedade ameaçada por seus próprios excessos. No século XIX a cultura escolar para o povo se desenha como uma cultura da dependência, da colonização, da integração ideológica e política. Coexistem valores da antiga sociedade de ordens (Deus, família, direito divino) e outra, do Estado burguês (laico, republicano e científico). Há uma permanência de estruturas do Antigo Regime e a produção de uma nova ordem burguesa, criando novas distinções e novas dominações de classe. 66 APP-SINDICATO Ao Estado educador é confiado um papel regenerador, civilizador e moralizador. O Estado é chamado a se pronunciar acerca dos programas e dos métodos, legitimar as escolhas dos programas, estabelecer as políticas educacionais. Problemas enfrentados pelo Estado: 1 - Quem faz a seleção da cultura (conteúdos científicos e morais do ensino) e dos públicos escolares? 2 - Extensão do ensino obrigatório: qual o tempo de permanência das classes populares na escola? 3 - Redefinição sobre ensino secundário – profissional ou propedêutico? 4 - Articulações entre a escola primária e o secundário – Escola Dualista – o primário como moralizador para o povo e o secundário como formação para a elite. 5 - As sociedades religiosas e particulares não abrem mão de suas prerrogativas: desenvolve-se a ideia de liberdade de ensino (particular) com ajuda financeira do Estado. Procurando compreender o papel da educação: as Teorias Gerais da Sociologia O que é/ como funciona/ para que serve/ como organizar os sistemas de ensino. As principais teorias sociológicas da educação e do ensino ancoram suas análises: 1 - sobre a ideia de necessidade de equilíbrio, de desenvolvimento econômico, de uma unidade nacional, uma coesão social (os sistemas devem existir para manter esta coesão). Funcionalistas. 2 - ou sobre o princípio da reprodução, da contribuição da educação para a manutenção da dominação de classes (os sistemas educacionais devem ser combatidos, eliminados, transformados, colocados à serviços das classes dominadas). Do Conflito Críticas: tanto as teorias funcionalistas como as do conflito emitem julgamentos acerca da história da educação, mas tendem a fazer da história mero apêndice para proposições transhistóricas, estruturais. A dificuldade está em ultrapassar estas explicações, de estruturas universalizantes e encontrar os processos que resultam na produção de sistemas de formação originais. A História pode ajudar a Sociologia a ampliar os horizontes explicativos e as problemáticas. Hoje – a compreensão da Sociologia da Educação: A escola contribui para a reprodução da ordem social, mas ela também participa de suas transformações, ela gera uma Cultura Escolar, ela é dinâmica e interfere em processos sociais. Entender os movimentos próprios da escola. Para conhecer estes movimentos, é preciso fazer estudos sobre a História Social da Educação. A sociologia não pode ignorar as transformações históricas. As pesquisas se dividem: - através de enquetes extensivas, questionários e análises estatísticas para ver as determinações de comportamentos sociais e as estruturas; - abordagem microssociológica, atenta às interações reais e às descrições quase fenomenológicas. Aqui a ênfase recai no papel ativo e criador dos indivíduos. Antropologia, Etnologia Educacional. I – A CORRENTE FUNCIONALISTA (integração, unidade, coesão) 1 - Durkheim (1858-1917) Este autor traçou as linhas fundamentais da corrente funcionalista. A Sociedade é vista como um sistema de funções sociais diferentes que unem relações. Necessidade de harmonização das funções e de “solidariedade” para que a sociedade funcione: os conflitos se dão quando APP-SINDICATO a harmonia é rompida. Para impedir este rompimento: prevenção de crises econômicas; regularização das relações entre o capital e o trabalho e te um certo nivelamento de oportunidades na competição entre indivíduos. O processo educacional: transformação do indivíduo biológico, socialmente indeterminado, no indivíduo socialmente integrado. A bases sobre as quais repousa a sociedade não estão naturalmente prontas dentro das consciências: é ela própria que as deve construir. Imprimir elementos morais e intelectuais nos indivíduos, em harmonia com a estrutura social. A educação é a ação dos adultos sobre as gerações que ainda não estão maduras para a vida social. Inculcar em todas as crianças um certo número de ideias, sentimentos e práticas. 67 Durkheim não seleciona os valores morais tendo como base as desigualdades econômicas: sua moral é da ordem e da disciplina. A educação deve separar as pessoas de acordo com as funções que irão ocupar na sociedade. A educação da cidade não é a mesma para o campo e a do burguês não é a mesma que a do operário e não há problema nisto: são apenas especializações. Pode ocorrer problemas de ajuste entre as aptidões, gostos individuais e algumas funções. Por isso deve haver uma absoluta igualdade de condições externas, para isto ninguém deve partir de uma condição superior. Assim ele chega a sugerir a supressão do direito de herança. Esta teoria sistematiza as teses dos Estados Europeus do final do século XIX, popularizando a escola primária e criando passagens entre a primária e a secundária; a ideia de igualdade formal, escola obrigatória e gratuita, unidade da Nação e legitimação do Estado, promoção e mobilidade vertical de acordo com as aptidões de cada um. A instituição social é um mecanismo de proteção da sociedade, é o conjunto de regras e procedimentos padronizados socialmente, reconhecidos, aceitos e sancionados pela sociedade, cuja importância estratégica é manter a organização do grupo e O processo educacional: transformasatisfazer as necessidades dos indivíção do indivíduo biológico, socialduos que dele participam. As instituições são, portanto, conservadoras por mente indeterminado, no indivíduo essência, quer seja família, escola, gosocialmente integrado. verno, polícia ou qualquer outra, elas agem fazendo força contra as mudanças, pela manutenção da ordem. 2 - O Funcionalismo Estrutural - espírito de disciplina (submissão às regras que Talcott Parsons – teorias biológicas - a garantem a vida coletiva) - apego aos grupos sociais (identificação com continuidade fundamental da sociedade e da cultura faz parte de uma teoria mais genérica a Nação, espírito de sacrifício e de abnegação) - autonomia da vontade, isto é, a livre submis- da evolução dos sistemas vivos. A sociedade são aos imperativos morais, na medida em que forma um sistema integrado dotado de certa estes sejam fundados sobre razões sociais que estabilidade e uniformidade de resultados e se impõem à razão individual. “Submetendo-se se volta para o próprio equilíbrio, para a duà lei e devotando-se ao grupo que o indivíduo ração. Transformações evolucionistas, mudanças dentro da continuidade. torna-se verdadeiramente homem”. 68 APP-SINDICATO Quatro funções das ações sociais: integração; manutenção dos modelos sociais; realização das finalidades coletivas e adaptação. Definição de obrigações de lealdade para com a coletividade, integrar várias formas de hierarquia, manutenção e compromisso com os valores culturais. Estas críticas surgem no contexto de “desencanto” com o projeto civilizatório burguês: Guerras Mundiais, Crash Econômico, Descolonização da Ásia e da África, Lutas das Minorias.... O sistema escolar é chamado a ser um veículo de valores gerais, como o de lealdade à coletividade, como agente de interiorização das escalas de estratificação e prestígio. Solidariedade orgânica e preparação para a vida hierarquizada. É justo que a escola ofereça prêmios diferentes de acordo com os níveis de resultados. A Escola e o Estado representam exigências de unificação da sociedade; os conflitos resultam das falhas no sistema de integração. Princípios: oposição das classes sociais; unidade contraditória entre Capital e Trabalho, que opõe também os trabalhadores entre manuais e intelectuais. Os conflitos de classe são permanentes. A sustentação da burguesia no poder acontece mediante uma poderosa doutrinação ideológica, sendo a escola um dos principais instrumentos. Pitirim Sorokin – teoria da seleção social e da mobilidade, na qual a escola, ao lado de outras agências, serve para a triagem e como canal para os movimentos ascendentes e descendentes. “As camadas superiores são compostas por pessoas extremamente ambiciosas cujo caráter é aventureiro e corajoso. Seu espírito é inventivo e sua natureza é dura, sem lugar para sentimentalismo, com uma espécie de cinismo e, por fim, um enorme desejo de domínio e poder...” Dividir, triar, unir, repartir e cimentar com valores universalizantes – funções básicas da escola. II – A CORRENTE CONFLITUALISTA - conflitos de classes, reprodução da dominação. A sociedade é composta de elementos contraditórios e sua estabilidade repousa na manutenção das relações de dominação. Enquanto o conceito chave para a corrente anterior é ORDEM, aqui é CONTROLE. R. Collins, Althusser, S. Bowles, H. Gintis, Baudelot e Establet/Bourdieu e Passeron. 1 – A escola como instrumento de divisão das gerações e de reprodução da dominação burguesa: a teoria de C. Baudelot e R. Establet. Livro: A Escola Capitalista na França. Existência de suas Redes distintas (desde o Antigo Regime); indivíduos são empurrados para uma dessas redes desde a escola primária. Os conteúdos são bem diferentes, mas ambas inculcam a cultura burguesa: Rede PP – primária-produtiva - carreiras curtas, visando o trabalho imediato, de caráter técnico-profissional. Rede SS – secundária-superior - carreiras universitárias. Os “menos bons” são expulsos e criam-se os públicos escolares diferenciados. A escola se constitui em um instrumento da separação entre trabalhadores intelectuais e manuais, gerando desde muito cedo a ruptura entre as duas redes de escolarização. Existência de currículo superior (textos e assuntos mais complexos, opinião, apreço à leitura e à competição) e currículo inferior (subprodutos culturais, especializações parciais e rotineiras, despojadas de elementos intelectuais). 69 APP-SINDICATO Esta doutrinação não é levada a efeito sem resistência, que se manifesta no interior do aparelho escolar através da insubordinação, linguajar grosseiro, rejeição aos ensinamentos de cultura geral. O sistema escolar como qualquer outra instituição encerra em si as oposições entre as classes sociais. autocontrole e as famílias pobres valorizam a obediência, a ordem e o trabalho. A produção capitalista se reproduz na consciência dos trabalhadores e de seus filhos. 3 – A Reprodução A escola se constitui em um instrumento da separação entre trabalhadores intelectuais e manuais. Este dualismo sofre mudanças ao longo da história: existe toda uma rede de hierarquias dentro de cada uma das redes; jovens das classes populares têm tido acesso a uma multiplicidade de profissões intelectualizadas, ou seja, há uma nova definição de trabalhadores manuais e intelectuais. 2 - A Escola e a reprodução das relações de dominação: as teses de S. Bowles e H. Gintis. Anos 60 e 70. Papel da escola na reprodução das relações de dominação. Meritocracia-tecnocrática: visão tecnocrática da produção somada à visão meritocrática do emprego. Legitimidade da Autoridade. Ter algumas características para a seleção: respeito à regras, formas de se vestir e de falar, docilidade, flexibilidade, sexo, idade. Ideologia do dom natural de cada um, culto às avaliações de QI, competência, mérito, inteligência. Princípio da correspondência – as relações de produção são o centro da vida, a referência principal. A Escola é organizada como uma empresa e a família reforça estes valores. Os pais de classes superiores e médias valorizam a curiosidade, a competição, a felicidade e o Teoria não reduz a educação a hipóteses econômicas: fala em legitimação e distinção culturais dos grupos dominantes. Bourdieu e Passeron – Crítica a uma pedagogia elitista, em que a maneira de dizer e de fazer é tão importante quanto o que é dito e o que é feito. A escola transmite uma cultura de classe que favorece os favorecidos e desfavorece os desfavorecidos. Diferenças de Capital Cultural: a escola, ao tratar todos em pé de igualdade formal, favorece quem tem uma cultura próxima da sua. Violência Objetiva e Violência Simbólica: esta última significa a imposição de uma SIGNIFICAÇÃO e a eliminação de outras significações, com uma dissimulação das relações de força. A Escola tem uma certa autonomia, de onde camufla o poder de imposição. Ela tem o mandato de reproduzir. Ela é pois, mantida em rédea curta pela classe ou grupo dominante. A violência simbólica é aplicável não só à escola, mas à televisão, às igrejas, aos partidos políticos. As relações de dominação estão em sistemas reguladores e estabilizadores da dominação. A escola tem duplo papel: de reforço do poder e de seleção das elites. Seleção de uma cultura arbitrária (antropologicamente falando), uma cultura vai se estabelecer com mais sucesso frente a várias outras. Arbitrário 70 APP-SINDICATO e Legitimação são as duas faces da análise. O arbitrário dá lugar à determinação. Abordagem sócio-histórica para a conhecer como se deu esta determinação do arbitrário. Críticas: Não consideram as lutas pela legitimação da cultura dos grupos. Tanto a reprodução total (Bourdieu e Passeron) como a cooperação total (Durkheim) são extremos opostos: entre eles há uma gradação de relações de dominação, de ocultação e de resistência. Nos estudos sobre a escola: conciliar o estudo mais geral da sociedade com o estudo mais específico, de escolas. Não fazer um só, sob pena de dissolver uma das partes. Estudo histórico de estruturas, conteúdos simbólicos e práticos, funcionamento. A problemática colocada pelas teorias reprodutivistas foi fundamental, mas é muito imobilista e todas as escolas são explicadas da mesma maneira, com os mesmos objetivos. História social e a variação (ou não) das relações entre a esfera educativa e outras esferas da atividade social. Seleção dos conteúdos, de práticas, de métodos e de públicos. A Escola é uma articulação seletiva de conjuntos culturais e grupos sociais e participa de sua produção e de sua reprodução. A Escola Pública no Brasil Séculos XVIII a XIX - período da afirmação da burguesia comercial e industrial, estabelecimento das Nações Modernas. No Brasil também: unidade territorial, nacionalidade. Com algumas diferenças, como, por exemplo, os sujeitos históricos indígenas e africanos. Começou a ser constituída uma memória onde a Ideologia do Progresso foi a grande ferramenta para justificar a dominação, apoiada em dois pilares: o pensamento cientificista e a sacralização da nação. Para se impor ideologicamente, a burguesia colocou a seu serviço a produção e difusão do conhecimento, aplicando os fundamentos das ciências naturais e definindo a história humana como espiral incessante de progresso. Iniciou-se a construção de uma memória enaltecedora das elites no poder e de seu caráter “progressista”. A escolaridade para as massas passou a ser um instrumento de afirmação do poder burguês, para suprir as necessidades de mão-de-obra e garantir a formação e a domesticação das “mentes e corpos”. A escola se tornou um depósito da memória burguesa e adquiriu a função de formar o cidadão que a nação precisava para continuar no “caminho do progresso”. Entre seus objetivos estava a busca da genealogia da nação, com a exaltação de seus “pais” fundadores e a busca das explicações sobre como cada nação caminhava, inelutavelmente, para o progresso. Karl Von Martius - Vencedor do concurso: “Como se deve escrever a história do Brasil”, lançado em 1844 pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o autor pregava a ideia de que o Brasil se caracterizava pela mistura das raças: branca, indígena e negra; uma verdadeira “novidade” na história da humanidade e que só o Brasil poderia se aproveitar disto para o seu desenvolvimento, pois era o motor da sua história. Von Martius ressaltava o “caráter civilizador do branco e evocava a imagem do português como a de um rio caudaloso, que iria absorver os outros confluentes menores, os índios e os negros” 1. Ele considerava que a mescla das raças era uma “obra divina”, a Providência tinha reservado para o Brasil este destino histórico. Francisco Adolfo Varnhagen, obra: “História 1 KODAMA, Kaori – Uma missão para letrados e naturalistas: “Como se deve escrever a história do Brasil? In:MATTOS, Ilmar Rohloff (org.) – Histórias do ensino da história no Brasil. RJ, Access, 1998, p. 14. APP-SINDICATO Geral do Brasil” enfatizou também a “união das três raças e o mito da união nacional. As ideias de Von Martius e de Varnhagem foram reproduzidas em manuais didáticos, responsáveis pela formação de milhões de brasileiros por muitas décadas. Cumpriram alguns objetivos da educação do Império: criar os quadros necessários para a administração e organizar a “boa sociedade” brasileira, formada pelo “súdito-cidadão”, uma pessoa conformada ao governo monárquico, católico e centralizado e à sociedade profundamente hierarquizada, senhorial e escravista. O governo imperial tinha necessidade de criar quadros políticos e administrativos para o país. Assim, fundou faculdades, escolas primárias e secundárias, institutos científicos, acadêmicos e artístico. Também era necessário difundir valores para garantir e justificar, entre outras, a divisão social entre senhores e escravos. As elites se propunham a colocar o Brasil no palco das nações civilizadas, mantendo, porém, as estruturas seculares. Este mito da “união das três raças” criou um modelo para explicar o Brasil. Não é preciso dizer o quanto este mito esteve presente no ensino, velando o racismo e o autoritarismo social. Reforçava-se a falta de civilidade dos índios e a vinda dos portugueses para civilizá-los, comprovando a superioridade branca. O colapso da monarquia e da escravidão vai despertar os intelectuais para o problema da integração dos ex-escravos na sociedade e para os perigos da ausência de sentimento nacional entre a população do país. Uma instrução de 1890 pregava que “a principal preocupação do programa e do ensino, na história pátria particularmente, era instituir-se a história verdadeiramente educativa e vivificadora do sentimento nacional” 2. Conhecer a história 2 MATTOS, Ilmar R. - Histórias do Ensino da História no Brasil. RJ., Acces, 1998. p.52 71 para difundir o patriotismo, enfatizando o valor exemplar dos grandes heróis, que foram capazes de realizar grandes ações em prol do seu país, tal era o objetivo do ensino republicano. Século XX - participação de intelectuais conservadores na elaboração de programas de ensino, como foi o caso de Alberto Torres e mais tarde, na década de 1930, de Francisco Campos, ministro da educação do Governo Provisório. K. Abud3, analisou os programas de história da época e considerou-os dentro deste espírito de formação da nacionalidade: Os programas foram verdadeiros instrumentos ideológicos para a valorização de um corpus de ideias, crenças e valores centrados na unidade de um único Brasil, num processo de uniformização, no qual o sentimento de identidade nacional permitisse a omissão da divisão social, a direção das massas pelas elites e a valorização da ‘democracia racial’, que teria homogeneização num povo branco a população brasileira. Os programas e métodos de ensino foram uniformizados para todas as escolas, acentuando a centralização e o controle exercido pelo governo federal. Os programas eram organizados em torno de três eixos: unidade étnica, unidade administrativa e territorial e unidade cultural, enfatizando o papel do branco civilizador. Os índios continuam sendo tratados como inferiores ou com os traços românticos dados pelas obras de José de Alencar e de Gonçalves Dias. Os heróis portugueses, como os bandeirantes, ocupavam parte importante das explicações sobre a história do povo e aos negros era dedicado pouco espaço nos livros didáticos, tratados como mercadorias e produtores de mercadorias. 3 ABUD, Kátia M. - Formação da Alma e do Caráter Nacional: Ensino de História na Era Vargas. Revista Brasileira de História. v.18, n.36, São Paulo, 1998. 72 APP-SINDICATO A Ideologia do Embranquecimento w a explicação sobre a formação do povo brasileiro: “contribuições do elemento indígena e africano”, colocando sempre como central a obra civilizatória dos portugueses. Foi o trabalho dos portugueses (bandeirantes, jesuítas, administradores) que garantiu a unidade territorial e cultural brasileira. Nesta lógica também se encontra a comparação que se fazia entre os processos de independência do Brasil e da América espanhola, pois os portugueses teriam conseguido manter nossa unidade territorial. O professor foi perdendo cada vez mais sua capacidade criativa pois as decisões se centralizaram e os conteúdos foram organizados de forma estanque (nos “círculos concêntricos”). Eram considerados sujeitos históricos aqueles que conduziam os destinos da nação e a participação de todos os brasileiros se dava por meio de um simulacro – o da identidade nacional e o amor à Pátria. Este processo vivido entre os anos de 1960 e 1980 marcou pais, alunos e professores e favoreceu a legitimação de uma memória das elites. Ideologia do Estado centralizado de Vargas, cuidando para neutralizar as oligarquias regionais e formando o “sentimento nacional brasileiro”, baseado na raça, língua e religião brancas, num só território sob uma única administração. A redemocratização, a partir dos anos de 1980, fez surgir muitas críticas e pressões sobre a legislação. Discussões curriculares, em que os alunos deixavam de ser vistos como meros receptáculos e os professores assumiam o trabalho pedagógico como reflexão e como pesquisa. Porém, em muitos casos, muitos especialistas, sejam acadêmicos ou de instituições responsáveis pelos sistemas de ensino, se arvoraram os únicos capazes de fazer currículos e propor as melhores atividades a serem desenvolvidas nas escolas. Muitos dos executores dos currículos entendiam que o saber se encontrava na academia e as escolas seriam os locais de transmissão. Essa divisão de trabalho limitou a ação dos professores, que acabavam tentando seguir diretrizes ou então seguir os livros didáticos (também produzidos pelos “especialistas”). Fim dos anos 50 - grande efervescência política e econômica no Brasil, resultado das modernizações e ascensão dos setores médios – operários, estudantes, intelectuais. Estudo da chamada “realidade brasileira”, com uma forte marca marxista, liderado por nomes como Caio Prado Jr. e Celso Furtado. Aquela conjuntura de mudanças vivida no fim dos anos 50 e início dos 60 foi interrompida pelo movimento militar de 1964. As disciplinas de Educação Moral e Cívica e OSPB, influenciadas pela ótica da doutrina da Segurança Nacional, alimentaram o culto da pátria, da nação, da integração nacional e das tradições militares. Diminuiu-se a carga horária de História e Geografia, criando espaços para atividades extra-curriculares de civismo, tais como: culto aos símbolos e aos heróis nacionais, homenagens aos novos heróis-presidentes, comemoração dos 150 Anos de Independência e até o Tricampeonato de Futebol. Esse culto ao civismo passa a se confundir com o próprio ensino, especialmente de 1a. à 4a. Séries. Em se tratando de livros didáticos e paradidáticos, foi criada uma verdadeira indústria do mercado editorial, muitas vezes obedecendo aos ditames do mercado. A indústria cultural paulatinamente entrou nos debates escolares, algumas vezes, apontando rumos Chegamos hoje a uma crítica dos modelos teleológicos e positivistas – seja do progresso da burguesia com seus heróis, seja da revolução mecânica pregada por uma determinada interpretação estritamente economicista. Os currícu- 73 APP-SINDICATO los propostos pelas instituições e pelos especia- processo – de instauração da Sociedade Discilistas apontam algumas diretrizes sem, contudo, plinar – ocorreu entre os séculos XVII e XIX, na se apresentarem fechados e absolutos. Surgem longa instauração da Modernidade e da socienovos modelos de ensino, mais preocupados dade burguesa. com a heterogeneidade dos grupos, com a tolerância, com a democratiza“uma criança aprendendo, um opeção nas relações sociais e com a centralidade do ser humano. rário trabalhando, um prisioneiro se 2 - A disciplinarização e o papel da Instituição Escolar corrigindo, um louco atualizando sua loucura...” (FOUCAULT) Em sua tese de doutorado, Ana Lúcia RATTO (Livros de Ocorrência: Disciplina, Normalização e Subjetivação. Tese de doutorado. UFRGS, Faculdade de Educação. 2004) mostra como a escola cuida para que as crianças não façam certas coisas na “hora errada” ou no “lugar errado”: só tomar água e ir ao banheiro depois que bate o sinal ou brincar e lanchar no pátio, fazer tarefas na sala de aula, por exemplo, fazem parte de um conjunto de dispositivos que visam uma produtividade na escola através do controle dos movimentos (dos espaços) e da pontualidade (dos tempos). A sociedade disciplinar organizou os locais onde os sujeitos seriam produzidos - as Instituições - e promoveu uma “ortopedia social”, usando, entre outras estratégias, um processo de “arquitetonização” e planejamento do espaço; a construção de uma paisagem com as intenções punitivas, produtivas e educativas. A forma arquitetônica privilegiada – o Panóptico – tinha a função principal de vigilância. Em cada uma das celas do panóptico, havia um sujeito a ser vigiado, segundo os objetivos da instituição: “uma criança aprendendo, um operário trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura...” (FOUCAULT - A Verdade e as Formas Jurídicas, Rio de Janeiro, NAU Editora,1999, p.87). Mesmo sendo impossível vigiar a todos, era importante que as pessoas pensassem que estavam sendo vigiadas e que não soubessem quando seriam vigiadas. Este O controle do espaço se torna institucionalizado nas prisões, nos hospitais, nos asilos, nas escolas. Em cada uma dessas instituições, o poder se aperfeiçoa pela observação, tornando o sujeito cada vez mais “vigiável”. Esta tecnologia de confinamento e vigilância que recai sobre os corpos, cria um saber e um poder sobre suas forças. O panoptismo assume as funções de vigilância, de formação e de correção. É importante destacar que, para Foucault, o objetivo da reclusão e da vigilância numa instituição não é excluir o sujeito da sociedade, mas, ao contrário, tem a tarefa de ligar o indivíduo a um grupo, fixá-lo num aparelho para formar um determinado sujeito. Também o objetivo não é o de “reprimir” o sujeito, impedindo o desenvolvimento de sua consciência, mas o de “produzir” um determinado sujeito, que será produtivo e ligado a determinadas Instituições. É assim, na organização meticulosa dos corpos para extrair o máximo de eficiência (a que Foucault denomina de “tecnologias do eu”), que se estabelece a sociedade industrial moderna. E as Instituições se utilizam dos dispositivos para concretizarem estas tecnologias. O conceito de dispositivo é muito utilizado por Foucault, em toda sua obra: Através deste termo (dispositivo) tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, 74 APP-SINDICATO instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são elementos do dispositivo. E o dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. (FOUCAULT, A Microfísica do Poder. SP, Graal, 2007 p.244). Os dispositivos podem ser os programas das instituições, seus planejamentos e estratégias, ou ainda, elementos que servem para mascarar e justificar práticas não faladas. Eles têm uma função estratégica, de responder a uma urgência e estão sempre numa espécie de jogo, de mudanças de posições e de funções, de rearticulação, de reajustamento; conforme sua eficiência ele é repensado e refeito. As instituições vão se utilizar dos “dispositivos disciplinares” para agir sobre os corpos. No caso da escola, a organização do espaço e do tempo escolares, o sistema de prêmios e castigos, a seriação, a separação dos sexos, os rituais, as hierarquias, o privilégio dado a determinados conteúdos, as formas de transmissão e outros, serão dispositivos postos em prática. [...] filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova; alinhamento das classes de idade umas depois das outras; sucessão dos assuntos ensinados, das questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente. E nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios, cada aluno, segundo sua idade, seus desempenhos, seu comportamento, ocupa ora uma fila, ora outra: ele se desloca o tempo todo numa série de casas que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo traduzir materialmente no espaço da classe ou do colégio essa repartição de valores ou dos méritos. FOUCAULT, Michel - Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.pg.126. A organização escolar por séries significou uma importante modificação nas técnicas de ensinar, pois permitiu um controle maior do que no sistema com vários alunos, de idades e níveis diferentes, ao mesmo tempo, na mesma sala (as salas multisseriadas), pois enquanto um aluno estava sendo atendido pelo professor, os outros ficavam ociosos e sem vigilância. A seriação e seu esquadrinhamento determinou uma nova economia no tempo e fez o espaço escolar funcionar como uma máquina de ensinar, de recompensar, de hierarquizar, de vigiar. Assim, “a sala de aula formaria um grande quadro único, com entradas múltiplas, sob o olhar cuidadosamente “classificador” do professor (FOUCAULT, 1999, p.126). Criou-se uma lógica de organização arquitetônica especificamente escolar que ESCOLANO e FRAGO (1998, p. 26) define como um programa escolar: A arquitetura escolar é também, por si, um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora... é um constructo cultural que expressa e reflete determinados discursos... é um elemento significativo do currículo, uma fonte de experiência e aprendizagem. (ESCOLANO, Agustin e FRAGO, Antonio Viñao – Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro, DP&A, 1998.) Nos espaços educativos acontecem os rituais, separam-se os alunos por sexo, idade, séries, organizam-se filas e carteiras, são estabelecidos os espaços hierárquicos entre alunos, professores, funcionários, os horários, tudo em detalhe. Não apenas o espaço interno da escola interessa, mas também sua localização, a disposição no espaço da cidade, os muros, a imagem que a escola gera. Segundo ESCOLANO, FRAGO (1998, p. 33): APP-SINDICATO 75 Além de um espaço carregado de funções, a instituição escolar também foi impondo um “tempo disciplinar”. Pensado em sua dimensão utilitarista e econômica, o tempo do trabalho da fábrica passou a ser a referência para a escola e os ritmos foram pensados para a produtividade: trata-se do famoso ditado: “tempo é dinheiro”, transposto da fábrica para a escola. As normas em O futuro passa a ter mais importânrelação ao tempo vão implementar a cia que o presente e a escola servirá ordem, a regularidade, a pontualidade, para que haja a formação de “bons como a preparação das crianças para hábitos” que, na fábrica, significam bons hábitos de produção e, na escola, um futuro cada vez “melhor”. traduzem-se em hábitos de estudo. Há uma complexidade na mensuração e no controle do tempo, com calendários A escola assume sua função disciplinar, e relógios cada vez mais precisos, coordenando com suas especificidades, sem se confundir cada segundo da vida cotidiana. com as outras instituições. A escola passa a ser um centro irradiador de cultura para preparar as A este controle do tempo e seu caráter novas gerações: o prédio escolar tornou-se um utilitário, para formar sujeitos produtivos, sosímbolo da civilização, incorporando os princí- ma-se a ideia de “progresso”: o futuro passa a pios do higienismo no século XIX e, mais tarde, ter mais importância que o presente e a escoos preceitos contemporâneos do conforto e da la servirá como a preparação das crianças para tecnologia. O espaço escolar tem sua historicium futuro cada vez “melhor”. Esta representadade, é um produto de seu tempo, expressão ção valoriza a noção de um tempo ordenado e simbólica de valores culturais. Nas palavras de cumulativo, em que vai se aprendendo com as ESCOLANO (1998, p.47): “lições do tempo”. A aceitação da disciplinarizaSua localização, volume, traço geométrico, ção do tempo tem como justificativa alcançar sinais que o seu desenho mostra, os símbo- um futuro melhor. A partir dessa localização nuclear, a escola projetaria seu exemplo e influência geral sobre toda a sociedade, como um edifício estrategicamente situado e dotado de uma inteligência invisível que informaria culturalmente o meio humano-social que o rodeia. los que incorpora, tornam inconfundível seu objetivo e permitem sua fácil identificação... Pode-se assegurar pois, que o esforço levado a cabo pelos políticos e técnicos...por definir o modelo (ou modelos) de arquitetura escolar, cumpriu não só uma função pedagógica, mas também um objetivo cultural de primeira magnitude ao criar um dos símbolos que melhor aglutinam a consciência coletiva das populações e sua própria identidade... a criação e difusão desses símbolos transmitem um certo ethos em favor da modernização nacional... conservando cumulativamente todos os significados e estruturas, sob a dominante cultural mais recente. RATTO (2004, p.214) explica que há um investimento para que se cumpram os horários e para que sejam respeitadas as normas: Assim, há que ser pontual, há que aprender a noção que existe o tempo certo para tudo, há que se sujeitar aos usos padronizados do tempo, válidos para um e ao mesmo tempo para todos. Neste sentido, as aprendizagens escolares valorizam sobretudo, a internalização de que o tempo escolar deve ser usado do modo mais homogêneo e sincronizado possível, tornando condenável tudo o que ameaça essa norma. 76 APP-SINDICATO Podem ocorrer algumas “flexibilizações” nos tempos, variações quanto a hora de começar ou terminar uma atividade, quanto a sair da sala para ir ao banheiro ou ir ao recreio mais cedo (se a criança já terminou a tarefa, como prêmio) ou mais tarde (se a criança não terminou, como castigo). Estas acomodações e mudanças dos ritmos temporais, porém, sempre estão nas mãos dos professores e/ou de seus superiores, que decidem e controlam o que os alunos podem fazer. Esta flexibilidade é maior para as classes menores e fica mais rígida com os alunos maiores (quando a cobrança da produtividade é maior). atual. Salas de aula ornadas com placas de refrigerantes e out-doors com publicidades fixados nos muros escolares 5, nos fazem refletir sobre as funções do espaço escolar hoje. Estão aparecendo também propostas de descentralização do espaço escolar, tal como nas “Cidades-Educativas” que tiram as crianças e os jovens das salas de aula para educá-los em outros espaços, comunitários, públicos ou privados. IMAGENS 1- Sala multisseriada do início do século XIX Para alguns autores de orientação deleuziana, a sociedade disciplinar tal como analisada por Foucault, está sendo substituída pela sociedade do controle. Para estes autores, graças ao desenvolvimento tecnológico, a escola (como outras instituições) vem perdendo suas antigas funções porque não há mais necessidade de reunir os sujeitos e discipliná-los num só espaço e a um só tempo e, hoje, nem mesmo a fábrica tem necessidade da organização panóptica4. Apesar das atuais mudanças de função e de características nas instituições escolares, ainda se mantém o uso dos espaços e dos tempos escolares como dispositivos para cumprir uma função formadora. Antes eram exaltados os ideais republicanos e nacionais, que visavam um sujeito disciplinado e produtivo para a industrialização. Hoje vemos a escola cumprindo outros papéis, com o objetivo de produzir o trabalhador ultra-produtivo e flexível para a nova produção. E mais: além do trabalhador, a escola também tem colaborado na formação do sujeito “consumidor”, figura importante para a sociedade 4 As novas formas de trabalho, ligadas ao chamado toyotismo não necessitam de um só espaço para toda a produção (trabalha-se em casa ou em qualquer outro local onde esteja acessível um computador, por exemplo). O trabalhador disciplinado do século XIX foi substituído pelo “colaborador” que pensa que participa de algum processo de gestão da empresa. O espaço e o tempo do trabalhador passaram a ser controlados pela produção, a lógica do trabalho está internalizada e como há um controle do que é produzido via tecnologia, ele não precisa ser constantemente vigiado. 2 – Modelo arquitetônico das Instituições Disciplinares: o Panóptico 5 Isto acontecia no Estado de São Paulo, onde uma lei estadual de 1991, facultou às escolas o direito de alugar suas fachadas para empresas colocarem cartazes. O dinheiro é destinado à Associação de Pais e Mestres. Esta lei mostra nitidamente modificações na função dos prédios escolares. APP-SINDICATO 3 – Escola disciplinadora: Sala de meninos, em fila, sem saber se estão sendo observados 77 3 - As grandes correntes pedagógicas e suas relações com a sociedade a - Pedagogia Tradicional b - Escola Nova c - Escola Socialista d - Escola Contemporânea (questões atuais) a – Pedagogia Tradicional Baseado no livro: Qu’est-ce que est la Pédagogie Traditionnel aujourd’hui? Jean Houssaye. Pode-se dizer que esta pedagogia está bem presente e resiste firmemente na escola atual. 4 – Uniformização/ disciplinarização 5 – Escola atual – sem formação em filas, com a participação das crianças. Educação Infantil. Nesta pedagogia, o Professor é o centro das atividades escolares porque ela preconiza a transmissão do saber como função principal da escola e quem detém o saber é o professor. A criança é vista como um ser de paixão e não de razão: a criança é puro desejo e portanto, é preciso controlar este desejo, estas pulsões da criança. Além disto, a sociedade é essencialmente má e é preciso cuidar para que a criança não se corrompa. Cria-se um Adulto Modelo que vai encaminhar a criança para o bem e para a razão e a escola deve levar a criança na direção deste adulto. A criança precisa aprender a se controlar e entender as coisas más da sociedade para não se corromper. Está implícita uma concepção pessimista dos indivíduos e da sociedade. As mudanças não ocorrem? A escola não quer mudar? Nos anos 60, uma linha da psicanálise dizia que as crianças adaptadas à escola eram as crianças neuróticas, porque a escola é uma máquina a que todas as crianças são submetidas. Época das 78 APP-SINDICATO teorias reprodutivistas e das escolas alternativas. Hoje não há mais esta crítica contundente. Há uma aliança tácita entre pais e professores, para que a escola ofereça condições de promoção social, condições para que a criança possa competir. Pouco se fala em Transformação. as ao contrário, reforçaram as diferenças sociais, premiando os melhores e punindo os piores. Em nome da igualdade reforçou as diferenças. Não trabalhamos as diferenças e continuamos agrupando os alunos mais “parecidos” por acreditarmos que é mais fácil para trabalhar. Segundo os pesquisadores HUGON e VIAUD, as propostas alternativas estão ficando cada vez mais raras: os pais e o conjunto da sociedade não querem mais “experiências educacionais” com as crianças. Há um retorno de uma pedagogia da transmissão. Construção do conhecimento - nos anos 70, sob a influência de Piaget, entendia-se que aprender não era receber um conhecimento, mas construí-lo. Por exemplo, na matemática, passou-se à resolução de problemas, onde o aluno era ativo na construção do conhecimento. Porém a escola manteve a aprendizagem feita por “mostração”, o conhecimento é transmitido e não efetivamente construído. Os professores não são obrigados a conhecer propostas alternativas ou inovadoras de ensino; tanto suas licenciaturas como os concursos exigem conteúdos específicos da área. Há uma obsessão pela quantidade de conteúdos – transmitir todo o programa e fazer os alunos passarem de ano. Os pais e os próprios alunos não querem mais mudanças porque têm medo de experimentar com seus filhos, de descaracterizar a escola e não se identificarem mais. Os professores entraram numa rotina conteudista ao mesmo tempo que muitos deles têm uma nostalgia da escola do passado Os especialistas, os acadêmicos, os funcionários das secretarias e ministérios, têm os mesmos temores. PERRENOUD, P. - Os professores estão condenados a convencer seus alunos que o saber escolar pode ser útil, que pode ajudá-los a ter um bom futuro. Isto acontece porque a Pedagogia Tradicional reina forte e poderosa no sistema escolar. Mas os alunos não estão tão convencidos como seus professores. Estariam alunos e escolas em diferentes Planetas Sociológicos? Persistência de Classes Homogêneas: mesma idade, mesmos interesses, mesmo saber, mesma didática. Mas as classes homogêne- Escolas muito “inovadoras” são acusadas de privilegiar o divertimento e não o trabalho; a liberdade e não a disciplina, de privilegiar a ação e não o conhecimento. Preservar a Escola é a palavra de ordem. Ela continua sendo uma espécie de “santuário”. É vista como um lugar de proteção dos alunos porque a sociedade é má, individualista e a escola deve proteger as crianças. Preservar os jovens dos valores da sociedade moderna: sedução, imediatismo, facilidades, consumo. Valores que a escola deve guardar: trabalho, igualdade, disciplina, conhecimento. Problema: a escola não se fechou em si mesmo para defender estes valores? Mas que santuário era este a ser preservado? Aonde vamos buscar o modelo? A escola do século XX: era uma escola que não recebia TODOS: era elitista e apenas os bons alunos tinham sucesso. As “classes perigosas” estavam fora. Era fácil criar o alu- 79 APP-SINDICATO no modelo. Era considerada por todos como um santuário isolado, onde os problemas sociais ficavam de fora em nome da igualdade. Se considerava sem contradições internas e os problemas sociais não podiam tirá-la de seu rumo. A escola do século XXI: está recebendo pessoas de outras classes, com culturas diferentes, de outras religiões e ainda não sabe trabalhar com a diversidade que está dentro dela. Hoje ela absorve, convive, tem de lidar com muitos conflitos. Fala-se hoje de Pedagogia Interativa e Pedagogia de Projetos. Porém, continua um excesso de programas e conteúdos. Mas o professor é “interativo”, ele deve “improvisar”, ou seja, dar respostas imediatos aos elementos que os alunos vão trazendo. Ele fica exposto a instabilidade e começa a temer alunos excessivamente ativos; temer que suas turmas sejam barulhentas e não rendam e sua imagem ser mal vista, teme que os superiores cobrem o cumprimento dos programas. Assim, o esquema se repete: 1 – o professor explica; os alunos escutam; respondem a questões. 2 – o professor faz avaliações e controles individuais. Muitos dos ideais da Pedagogia Progressista foram vencedores nos cursos de formação de professores, que incentivavam: - interesse das crianças e respeito às suas etapas de desenvolvimento; - desenvolver nas crianças o gosto pelo aprendizado e como aprender; - promover a descoberta e não o saber decorado; - os conhecimentos devem estar ligados ao mundo e os alunos devem se interessar; - valores da escola: cooperação, tolerância, justiça, igualdade democrática, senso de comunidade. Todas estas ideias estão presentes nos cursos de formação. Porém, se mantém uma estrutura acadêmica rigorosa, as licenciaturas colocam a educação em segundo plano; os exames nacionais em grande escala exigem conhecimentos standartizados, uniformizados, comparados, em nome da qualidade. Ou seja, as ideias progressistas entraram mais nos desejos do que no sistema, nas políticas públicas, nas escolas, nas salas de aula. Persistem ideias: - do Utilitarismo – cultura da eficiência: a escola deve ser útil para a sociedade e para a economia; - do Diferencialismo – existem diferenças econômicas, sociais e intelectuais. Cada um tem seu lugar na sociedade; programas separados, conforme o tipo de aluno, profissão. Estas duas ideias vão vencer a concepção de que os alunos devem se desenvolver de acordo com sua natureza, seus desejos, sua liberdade. A escola e o conhecimento devem ser úteis, para servir à sociedade. Muitas das ideias progressistas ficaram num plano teórico; numa retórica inofensiva; uma espécie de “boas ideias para uma boa consciência”. Por que muitos métodos escolares não mudaram? 80 APP-SINDICATO Três ideias de escola. Ela serve para: a - Transmitir o saber? b - Desenvolver a personalidade? c - Socializar? d - Os três itens acima? Os métodos mudam muito, de acordo com uma destas funções. Se dá mais importância para o primeiro, logo, vencem os métodos tradicionais. E também se tem a ideia de que a cognição é um ato individual e não de grupo. explicações, curtas e objetivas, faz algumas piadas e deixa a turma à vontade. Para os professores, um bom aluno é ativo, participa, responde perguntas (mas são perguntas que o professor faz, mantendo sempre o controle da turma...). A participação acontece muitas vezes porque vale nota. As aulas expositivas não são bem consideradas por alunos e professores. Mas os professores usam muito, principalmente quando a sala não oferece muita garantia de que não vai haver barulho. Os professores ficam muito divididos entre a ordem na sala e a participação dos alunos, porque eles ficam presos entre fazer os alunos falarem e se calarem, na hora adequada para a aprendizagem. As sociedades atuais são regidas pelo “utilitarismo” e não por ideais e projetos sociais. Este utilitarismo aparece mais nitidamente no Ensino Médio, quando os alunos desejam um diploma. Existe um certo interesse intelectual, os alunos dizem que acham algumas coisas interessantes, mas declaram A escola deve separar o julgamento que estão nas escola não por amor ao conhecimento. O que dá um sentido do trabalho do aluno, o seu rendipara a escola, para eles, é a nota e o dimento escolar e da pessoa do aluno. ploma. Os alunos têm um objetivo prático, fazem cálculos de custo-benefício, ou seja, quando as notam aumentam, os alunos se interessam mais... Para os professores, uma das questões Os alunos querem conhecer assuntos ligados ao mundo contemporâneo. O problema é que nem sempre as disciplinas e os conteúdos ficam tratando do mundo contemporâneo. Os alunos acham que estes conteúdos não têm sentido. E acabam aceitando as regras da escola pelo diploma. Professores e alunos têm diferenças muito grandes em relação às expectativas que fazem da escola: para os alunos, seu trabalho é tomar nota e decorar algumas coisas. Os professores querem que os alunos participem. Para os alunos, um bom professor dá boas mais difíceis é a da Autoridade. Não se quer voltar a um autoritarismo conservador: os professores não querem ficar controlando, punindo, preenchendo papéis, etc. Mas as novas formas de relação com os jovens são muito difíceis, instáveis, os professores não sabem muito bem o que fazer (nem com os filhos...). A linguagem do jovem parece muito agressiva, seus interesses são fúteis... (Planetas Sociológicos?) A escola deve separar o julgamento do trabalho do aluno, o seu rendimento escolar e da pessoa do aluno. Valorizar ou desvalorizar o trabalho e não a pessoa não é tão fácil como parece. Muitas vezes, os alunos não en- APP-SINDICATO tendem que o professor está julgando o seu rendimento e não sua pessoa e acham que é “pessoal”. Os alunos se consideram senhores de seus comportamentos, lidam bem com as normas de seus grupos, mas não se vêem responsáveis pelo funcionamento geral da escola. Relações, emoções e afetividades não são discutidas, pensadas, são vividas muitas vezes com conflitos. Assim, acaba-se ficando no tradicional para que a escola continue funcionando, sem se perder em meio a tantas questões emocionais. Outro problema: a imagem social do professor. O que é ser um bom professor? Aquele que controla a turma, que a turma fica em silêncio e escuta o conteúdo. Sua reputação entra em jogo... Há uma dialética difícil entre a função profissional de professor e as características pessoais, a sua personalidade do professor. O professor tem que adquirir experiência e ter autoconhecimento. Durante todo século XX, a escola tradicional foi criticada: criticou seu formalismo, seu autoritarismo, colocou a criança no centro do processo. Essas ideias foram assumidas como boas, mas não foram aplicadas. A sociedade quer que a escola funcione. As praticas escolares são profundamente hierarquizadas – notas, controles, secretarias, currículos. A Escola Nova defendia a ideia que a criança devia fazer seu percurso, escolhendo seus conteúdos, porém não se acredita realmente que as crianças aprenderão assim. Fala-se muito de trabalho cooperativo, de participação na escola, mas, em sua maioria, trabalha-se individualmente, de maneira isolada. A escola imprimiu um cará- 81 ter de isolamento em seu trabalho. Ninguém se recusa a colaborar, mas na prática, o trabalho é isolado e a participação na escola é residual. Isolados em suas salas e premidos pelos resultados (cumprimento de programas, notas etc.) dificilmente fazemos projetos políticos e pedagógicos que envolvam muito tempo. Caímos numa repetição. Pior: aceitamos a burocracia escolar e do sistema, que de certa forma, dão uma certa segurança: sabemos o que fazer, controlamos nosso futuro profissional e o que devemos cumprir, nos sentimos seguros. Pouco se faz contra a burocracia... As rotinas são parte importantíssima da eficiência escolar. Dão segurança. A experiência profissional é o domínio de uma série de rotinas: os deveres, as metodologias, os lugares de cada aluno, as avaliações, os conteúdos, o uso do material e do livro didático etc. são rotinas. De maneira geral, os professores aceitam que é bom para os alunos trabalharem em equipe, que os alunos se coloquem disponíveis para ajudarem uns aos outros. Mas, na prática, com os alunos mais calmos, trabalha-se novas metodologias; com os mais difíceis, mais rotinas. A escola se baseia no abstracionismo e no universalismo. Com isto, não consegue compreender as diferentes realidades dos alunos. As representações que temos de alunos é de um aluno universal, abstrato, idealizado. A escola é feita para um aluno ideal, um aluno teórico, para quem vai se dar aulas ideais. Tudo tem mudado muito mais rapidamente hoje, os desejos, as experiências, as expressões dos alunos ainda parecem ser exorbitantes para a escola. E muitas vezes, as relações são insuportáveis. 82 APP-SINDICATO b – Escola Nova (Pedagogias Ativas) e outras pedagogias consideradas progressistas Principal marca da educação do século XX: grande parte das ideias atuais sobre escola e ensino estão ligadas a esta pedagogia. São importantes os conceitos de Natureza, de Meio natural e de Natureza Infantil; procurar o verdadeiro mundo da criança, a sua natureza. Muitas escolas no início do século XX são fundadas no campo, perto da “natureza”, por esta razão. É preciso proteger as crianças da sociedade industrial, desumana, dura, distante dos desejos e das necessidades das crianças. Reconciliar Corpo e Espírito, ter uma vida comunitária. Busca de uma nova sociedade, sem os problemas e dureza do mundo industrial. A Escola deve formar o Novo Homem, desde criança. Através da escola a criança deve experimentar, vivenciar um novo mundo. O desenvolvimento pessoal é condição para a integração num novo mundo. Há uma concepção otimista da sociedade e dos indivíduos. O fundamento da Escola Nova, ou das Pedagogias Ativas, repousa na ideia de que a escola precisa conhecer os processos do desenvolvimento infantil para aproveitar suas fases, etapas e momentos fortes para a criança aprender, sempre respeitando o ritmo de desenvolvimento, pois, mesmo seguindo fundamentalmente as mesmas fases, cada criança tem o seu próprio ritmo. Ou seja, é preciso conhecer e respeitar a “natureza” das crianças para que a aprendizagem renda bons frutos e, ao mesmo tempo, a criança seja “feliz” nesta aprendizagem. Estas ideais de “natureza infantil” aparecem já no final do século XVIII, sendo muito conhecidas as elaborações de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Em sua obra: Emílio ou Da educação, Rousseau afirma que a criança nasce boa, mas é corrompida pela sociedade e, assim, seria necessário mantê-la em contato constante com a natureza, pois a infância é a própria “pureza da natureza”, se contrapondo às normas da sociedade adulta. Muitos outros pensadores se alinharam na defesa desta “natureza” da criança e passaram a exigir uma educação diferenciada da tradicional, em que a criança fica imóvel e sem ação, contrariando a sua natureza. Sob a influência direta de Rousseau, encontramos Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), que foi fundador de escolas para órfãos e crianças pobres. Pestalozzi acreditava que o ensino deveria ser feito a partir do desenvolvimento “espontâneo”. Outro seguidor famoso de Rousseau foi Friedrich Froebel (1782-1852), que se dedicou às crianças da primeira infância e fundou os kindergarten, jardins de infância. Na linha “naturalista”, relacionou a educação ao jardineiro que cuida das plantas desde pequeninas, cultivando-as para que cresçam bem. Defendia o caráter lúdico da aprendizagem. Esta “base natural” das crianças, tão defendida no século XIX, tem suas razões não apenas na criança ou nas suas formas de aprender, mas em vários interesses econômicos e sociais de uma sociedade burguesa que se consolidava. Desenvolve-se um discurso de “natureza” ligado aos interesses da propriedade privada, ou seja, à defesa de um “direito natural” de possuir, de acumular e de dispor de bens (inclusive das capacidades físicas e mentais, que eram consideradas como bens pessoais). O Estado-Na- 83 APP-SINDICATO ção que se fortalece vai organizar os sistemas de educação para garantir que todos aceitem tanto o “direito natural” à propriedade como as “diferenças naturais” de talentos e capacidades entre as pessoas. comportamento e para a aprendizagem. VIDAL (2003, p.497) reproduz um relatório, escrito em 1930 por autoridades de São Paulo, em que aparecem algumas ideias do escolanovismo na educação brasileira: Entre as autoras mais conhecidas desta pedagogia está Maria Montessori (18701952). Montessori foi a primeira mulher italiana a se tornar médica. Trabalhou com crianças com necessidades especiais e escreveu seus trabalhos a partir de sua prática com aquelas crianças, para quem fundou uma escola (Escola Estadual de Ortofrenia). Fundou uma rede de escolas que receberam o nome Case dei bambini, para crianças entre 3 e 6 anos. Montessori criou um método de trabalho conhecido até hoje como “Método Montessori”, através do qual as crianças manipulam uma série de materiais didáticos, organizados em grupos (materiais de matemática, de linguagem, de ciências, da vida cotidiana). As crianças podem escolher o que mais lhes interessa, podem manipular diferentes texturas e tipos de materiais. Ela incentivava as atividades manuais e corporais, que, segundo ela, ajudavam no desenvolvimento físico e intelectual das crianças, dando liberdade para a criança escolher os assuntos para os quais está motivada. O ideal da Escola Ativa é o mesmo ideal de Montaigne, de Locke e de Rousseau – e Pestalozzi, Fichte e Froebel já fizeram dele o centro de seus sistemas educativos. É o ideal de todos os pedagogos intuitivos e geniais do passado, de todos os precursores; mas o que fez a força desses precursores, sua intuição, foi precisamente sua fraqueza se se leva em conta a difusão de sua obra e o progresso da ciência. Eles adivinharam a infância, mas não a conheceram, no sentido que nosso século dá a este conceito. Antes do advento da psicologia experimental, não existiam senão meios de pressentir; hoje existem os meios de saber... A intuição dos grandes pedagogos do passado enriquece-se, assim nos nossos dias, pelo conhecimento psicológico do espírito da criança e das leis de seu crescimento. Hoje sabemos que a criança cresce como uma planta, segundo leis que lhes são próprias e que não chega a possuir verdadeiramente senão o que adquiriu e assimilou por um trabalho pessoal. (VIDAL, Diana Gonçalves – Escola Nova e Processo Educativo. In: LOPES, Estas discussões feitas na Europa e nos Estados Unidos estiveram presentes também na sociedade brasileira, que discutia o estatuto científico para a educação a partir dos conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil. A pretensão era a incorporação, pela escola, de valores e normas de uma sociedade considerada “moderna”, baseada nos preceitos de trabalho produtivo e eficiente e de transformações rápidas. “Conhecer” a criança significava agir para facilitar a interiorização de normas de Eliane M. Teixeira (org.) - 500 Anos de educação no Brasil. Belo Horizonte. Autêntica, 2003.) Um nome obrigatório da Escola Nova é o do norte-americano John Dewey, que inspirou muito a educação brasileira, sobretudo Anísio Teixeira. Para Dewey as ideias só tinham importância se servissem de instrumento para a resolução de problemas reais. O princípio é que os alunos aprendem melhor realizando tarefas associadas aos conteúdos ensinados. 84 APP-SINDICATO Atividades manuais e criativas ganharam destaque no currículo e as crianças passaram a ser estimuladas a experimentar e pensar por si mesmas. Um de seus principais objetivos é educar a criança como um todo – de um ponto de vista físico, emocional e intelectual. A Escola Nova e as Pedagogias Ativas são consideradas como demasiadamente “liberais”, pelo excesso de individualismo, ao pregar o respeito ao ritmo de cada um. Outra crítica é a pouca importância dada ao conhecimento sistematizado e à autoridade do professor, o que aligeira demasiadamente o ensino. Para outros críticos, há um excesso de “psicologização” nestas pedagogias. Muito do legado das Pedagogias Ativas encontra-se, nos dias atuais, em escolas que se denominam de “construtivistas”, termo genérico que se propagou a partir das publicações de Emilia Ferreiro sobre a alfabetização e que se tornou um discurso educacional excessivamente repetido. A Pedagogia Libertária Ligada ao movimento anarquista do século XIX. Os trabalhadores que se organizaram sob a bandeira anarquista deram muita importância às iniciativas educacionais como parte da sua formação política. Daí a criação de jornais, revistas, peças de teatro, textos literários, até a fundação de Centros de Cultura, Universidades Populares e escolas de diferentes níveis e estilo. Os princípios da Pedagogia Libertária foram sendo delineados já nos finais do século XVIII, com as elaborações de Willian Godwin, se afirmando no século XIX com figuras como Proudhon, Bakunin, Fourier, entre outros. Seus momentos fortes foram a Primeira Internacional, a Comuna de Paris, o nascimento e desenvolvimento das organizações anarco-sindicalistas, as mobilizações de massa do início do século XX, os anos iniciais da Primeira Grande Guerra, a Revolução Russa e a Guerra Civil Espanhola. Suas preocupações fundamentais em relação à educação repousavam na ideia de autonomia do sujeito e na construção de um sujeito livre. Para isto, eram debatidos temas como liberdade, independência, vontade própria, autodidatismo, ao mesmo tempo que se pensavam formas não autoritárias de aprendizagem. Suas principais críticas eram dirigidas ao poder econômico, às igrejas, à família e ao Estado. A escola deveria ser gerida de maneira a garantir a participação de todos, sem diferenças entre professores e alunos. Um dos princípios mais caros aos anarquistas era a coeducação dos sexos, que valeu muitas perseguições pelos setores mais conservadores. Outro princípio era a Educação Integral, entendida como a não hierarquia entre o trabalho manual e intelectual. Os anarquistas negavam a escola estatal que, segundo eles, servia para impor ideias de sujeição e hierarquia, impedindo o livre desenvolvimento individual e a consciência da força do grupo. Foram criadas várias escolas com base em princípios libertários em várias partes do mundo, mesmo que seus criadores nem sempre se proclamassem “anarquistas” ou fizessem parte de movimentos organizados. Este foi o caso da escola Yasnaia-Poliana, de Léon Tolstói. Outros já se proclamavam libertários, como era o caso de Paul Robin e o Orfanato de Cempuis ou a escola La Ruche, de Sebastién Faure. Mas foi a experiência da Escola Moderna do catalão Francisco Ferrer y Guardia a que mais marcou a história da educação anarquista. Os princípios defendidos nas Escolas Modernas de Ferrer APP-SINDICATO 85 eram: a coeducação dos sexos, coeducação das classes sociais, higiene escolar rigorosa, preparação dos professores, ausência de prêmios e de castigos, laicismo (contra o dogmatismo religioso), ensino científico e racional. escola. Nesta lista também se encontra Marshall MacLuhan e Everest Reiner, que criticavam a escola por ser reprodutora, antiquada, inadaptada e ineficaz e que deveria ser substituída por formas mais “rápidas e evoluídas” de transmissão do conhecimento uma vez que no mundo da informação, o ensino seria muito mais eficaz e agraUm dos princípios mais caros aos dável fora das salas de aula e com anarquistas era a coeducação dos semais recursos tecnológicos. xos, que valeu muitas perseguições pelos setores mais conservadores. Uma das escolas libertárias mais famosas funciona até hoje: Summerhill, do escocês Alexander Sutherland Neill (1883-1973). As discussões do campo da Psicologia no início do século 20 exerceram forte influência sobre Neil, em especial através de Wilhelm Reich (1897-1957), que era seu analista. De acordo com Neill, a educação deveria lidar com a dimensão emocional do aluno e ele acreditava que a convivência com os pais impedia os filhos de desenvolverem a autonomia e a segurança para conhecer o mundo. Por isso, os alunos tinham (e têm ainda hoje) de morar em Summerhill, recebendo a visita dos pais em alguns períodos do ano. Alexander Neill afirmava que a educação das crianças, feita de condicionamentos (horários, alimentos, higiene) nega a sua natureza, que é livre. Para ele, a educação faz corpos rígidos, entorpecidos e o mundo adulto permite que as crianças sejam até surradas, “tratando-as como cãozinhos obedientes”. Nos anos de 1970, ficaram famosas as chamadas “Teorias da Desescolarização”, sendo Ivan Illich o nome mais conhecido, por sua radicalidade ao propor a abolição total da São colocados ainda na lista de educadores libertários o médico polonês Januz Korczak, fundador de uma escola no Gueto de Varsóvia na Segunda Guerra Mundial (e assassinado pelos nazistas junto com seus alunos) e o padre italiano Lourenzo Milani, fundador da escola Barbiana na década de 1950. Nos dias atuais, a Escola da Ponte, na cidade do Porto, em Portugal se destaca como uma experiência libertária. A análise histórica das experiências libertárias em educação sugere que estas foram tentativas de criticar as hierarquias e potencializar as liberdades, dentro dos limites de cada contexto histórico e geográfico. Segundo GALLO (2007, p. 27), a Pedagogia Libertária teve, historicamente, um importante papel não só na organização dos trabalhadores como na crítica à educação tradicional e à economia capitalista. E por isso se mantém atual: Se há um lugar e um sentido para uma escola anarquista hoje, esse é o do enfrentamento; uma pedagogia libertária de fato é incompatível com a estrutura do Estado e da sociedade capitalista. Marx já mostrou que uma sociedade só se transforma quando o modo de produção que a sustenta já esgotou todas as suas possibilidades; Deleuze e Guattari mostraram, por outro lado, que o capitalismo apresenta uma “elasticidade”, uma 86 APP-SINDICATO capacidade de alargar seu limite de possibilidades. É certo, porém, que sua constante de elasticidade não é infinita: para uma escola anarquista hoje trata-se, portanto, de testar essa elasticidade, tensionando-a permanentemente, buscando os pontos de ruptura que possibilitariam a emergência do novo, através do desenvolvimento de consciências e atos que busquem escapar aos limites do capitalismo. A Pedagogia Libertadora O pedagogo brasileiro Paulo Freire, através da sua Pedagogia do Oprimido, colocou em pé de igualdade a cultura popular e erudita, afirmando: “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho; todos se educam em comunhão”. Sua definição como “libertário” não é totalmente aceita, nem pelos libertários, nem pelos freireanos, principalmente por sua formação cristã e marxista. A literatura educacional brasileira acabou criando uma “rubrica” só para ele: “Pedagogia Libertadora”. Assim como Freinet na França, Freire pode ser colocado na confluência de várias correntes pedagógicas e sua obra foge de uma etiquetagem rápida. c – A Pedagogia Socialista Deriva, principalmente, da tradição marxista. Trata-se da Escola do Trabalho. Na Rússia e na China socialistas muitas experiências surgiram principalmente no espaço rural. A Alemanha do Leste também organizou escolas com estes princípios. A criança deve ter contato com o mundo do trabalho, mas não um trabalho explorado e alienado. Defende-se uma Cultura Politécnica, ao mesmo tempo profissional e geral. O Ho- mem Novo surgirá da conjunção entre a produção material e o intelecto. Trata-se de uma escola militante, onde o estudo e o trabalho são educativos no mesmo plano. Makarenko é um dos principais representantes. O principal objetivo da escola é a construção e a integração dos jovens numa nova sociedade, a socialista, além de mostrar o “sentido da história”, a partir da teoria marxista. A Pedagogia Socialista associa a educação ao esforço de transformação da sociedade e dos seres humanos, em direção a uma sociedade socialista. Para se chegar a esta sociedade nova é preciso educar o homem novo e para tal é preciso associar a escola a duas dimensões fundamentais: ao trabalho produtivo e à uma cultura politécnica, ou seja, uma escola em que o trabalho socialmente útil seja praticado em sala de aula, porém sempre associado a uma formação intelectual e humanista geral. Para seus defensores, nesta escola não deve haver separação entre o trabalho intelectual e manual (tal como não deverá existir na sociedade socialista) e os filhos dos trabalhadores devem ter acesso a uma boa cultura geral, para que não fiquem com uma mera especialização profissional e não sejam joguetes nas mãos de seus patrões e superiores. De maneira geral, os pensadores socialistas falam de uma educação politécnica, gratuita, obrigatória, laica, estatal e profissional. Alguns defendiam uma participação ativa dos sindicatos na organização das escolas. A preocupação destes autores se liga ao contexto de sua época, quando o crescimento econômico do final do século XVIII utilizou muitas crianças como mão de obra, especialmente nas indústrias. A necessidade de trabalho fez APP-SINDICATO 87 A literatura pedagógica aponta Makarenko, Krupskaia e Pistrak como três grandes representantes da Pedagogia Socialista, uma vez que se colocaram a tarefa de pensar a educação para as Repúblicas Soviéticas. A grande preocupação de Pistrak, por exemplo, era com o papel reservado aos jovens e como a escola poderia ajudar a consolidar a revolução socialista. Para estes três pensadores, a vida escolar deveria estar centrada na atividade produtiva, não apenas ilustrando o programa, mas produzindo coisas úteis, prestando serviços à comunidade, ensinando habilidades, comportaA Pedagogia Socialista associa a edumentos, posturas novas. com que estes pensadores se dedicassem a tentar melhorar a condição de vida das famílias, através de uma melhor preparação futura das crianças para a vida e para o trabalho. Assim, não apenas a condição de vida das famílias melhoraria, como todo o país poderia vislumbrar um crescimento econômico. Mas esta ideia, estritamente econômica, será gradativamente substituída por ideais humanistas, quando triunfa a visão segundo a qual a principal função da escola é ensinar conhecimentos teóricos. cação ao esforço de transformação da sociedade e dos seres humanos, em direção a uma sociedade socialista. Desde os socialistas utópicos, as escolas profissionais aparecem como uma boa solução para os futuros trabalhadores, onde tenta-se colocar em prática a Educação Integral ou Educação Politécnica, a busca por uma harmonia entre o trabalho manual e intelectual assim como entre os aspectos físicos, intelectuais e morais do indivíduo. Marx e Engels se situam entre os pensadores para os quais seria através da escola que a classe trabalhadora teria condições de ser esclarecida sobre a sua situação de exploração e, assim, lançar-se na construção da revolução. A maior crítica era a de que a escola generalista tinha se tornado “burguesa” e trabalhava a favor dos interesses do capital. Era preciso que a escola estivesse ao lado dos trabalhadores, resguardadas suas características essenciais de transmitir o conhecimento e ajudar a formar o homem novo que iria construir a nova sociedade. Uma questão crucial para os socialistas: organizar escolas especiais para os trabalhadores ou elevar a cultura geral das massas de trabalhadores nas escolas públicas? Esperava-se que os professores fossem militantes da causa socialista, uma vanguarda da revolução e que os conteúdos fossem ligados a uma cultura proletária, mas, quem teria condições de organizar os sistemas educativos? As famílias burguesas não tinham interesse em educar as massas populares e as famílias de trabalhadores não tinham os meios necessários para isto. A proposta vencedora foi a de que o principal responsável pela provisão de escolas seria o Estado. Vence a visão de uma escola republicana, laica, pública, de cultura geral para todos, ou seja, as esquerdas acabam acatando, em parte, os ideais defendidos na Revolução Francesa. Neste momento, os socialistas reforçam a centralidade do saber e da atividade do professor no processo educativo pois haveria necessidade de apropriação, pelo proletariado, da herança cultural burguesa, que seria reorientada numa dimensão revolucionária, nos parâmetros da ciência proletária marxista. 88 APP-SINDICATO Os discursos escolanovistas sofreram muitas críticas por parte dos socialistas, que consideravam a Escola Nova como “liberal” por deixar o processo educativo com pouca direção, demasiado solto, à disposição das vontades e dos ritmos infantis. Entre suas críticas está o fato de a Escola Nova não estar preocupada com as lutas específicas dos trabalhadores: por não colocar em questão as relações de produção, a Escola Nova serviria, assim, às classes médias e às elites dirigentes do capitalismo. No Brasil, por exemplo, encontramos estas críticas, no início dos anos 80, na chamada “Pedagogia Histórico-Crítica”. Nesta abordagem, a Escola Nova não auxilia a classe trabalhadora a dominar conteúdos gerais, acumulados historicamente e que desvelem a realidade, ou seja, não ajuda os filhos dos trabalhadores a compreenderem as relações de dominação a que estão sujeitos. d – Questões contemporâneas no Brasil - Ênfase nas Tecnologias Educacionais - As iniciativas privadas e de ONGs: “Todos pela educação” - PNE e a articulação de um novo projeto para a Educação - O impacto das novas formas de organização do trabalho na escola (Profª Rose Trojan... que existe uma ruptura entre escola e sociedade, a escola está sempre “atrasada” em relação ao desenvolvimento tecnológico. Ela é muito lenta. Se mantém o discurso que a escola é responsável pelo desenvolvimento, pelo progresso, mas a distância é cada vez maior. Saída: novas tecnologias educativas e colocar as tecnologias na escola, como uma forma de se manter “ligado”. Políticas governamentais se sucedem para colocar estas tecnologias dentro da sala de aula. Há cada vez mais o discurso da “formação permanente” para os professores que não acompanham o ritmo. Trata-se de uma adaptação dos indivíduos (professores e alunos) à sociedade industrial ultra desenvolvida. A pedagogia assume o discurso técnico-científico: engenharia pedagógica, rentabilidade, exames nacionais, eficiência, qualidade, e o professor e o pedagogo se tornam “profissionais da intervenção pedagógica”. Ele deve dominar os testes de avaliação, analisar os melhores momentos de ação, decidir o melhor método. Os objetivos da educação (fundo) vão perdendo para as técnicas (forma). A palavra chave da educação é Inovação. As iniciativas privadas e de ONGs: “Todos pela educação”; Ênfase nas Tecnologias Educacionais Nos dias atuais há uma ênfase sobre o desenvolvimento tecnológico. Muitos afirmam No final do século XX ocorreram grandes conferências internacionais, que discutiram a educação do mundo. Uma das mais importan- 89 APP-SINDICATO tes foi a Conferência de Jontiem, na Tailândia, em 1990, onde foi elaborado o Plano Educação Para Todos, contendo algumas indicações de como os países “em desenvolvimento” deveriam cumprir metas educacionais tais como: o fim do analfabetismo, a universalização da educação básica, a formação continuada, entre outras. Além dos governos, participaram desta conferência 150 Organizações Não-Governamentais. Já aparece delineada, neste momento, a ideia de que era necessário um esforço de toda a sociedade para o cumprimento das metas e uma parte importante do documento é dedicado a forma como os governos deveriam “Estruturar Alianças e Mobilizar Recursos”. No artigo 7 dos objetivos aparece a seguinte prescrição: em aproveitar ao máximo as oportunidades de ampliar a colaboração existente e incorporar novos parceiros como, por exemplo, a família, as organizações não-governamentais, associações de voluntários, sindicatos de professores, outros grupos profissionais, empregadores, meios de comunicação, partidos políticos, cooperativas, universidades, instituições de pesquisa e organismos religiosos, bem como autoridades educacionais e demais serviços e órgãos governamentais (trabalho, agricultura, saúde, informação, comércio, indústria, defesa, etc.). Os recursos humanos e organizativos representados por estes colaboradores nacionais deverão ser eficazmente mobilizados para desempenhar seu papel na execução do plano de ação. A parceria deve ser estimulada As autoridades responsáveis pela educação aos níveis comunitário, local, estadual, regional têm a obrigação prioritária de proporcionar e nacional, já que pode contribuir para harmo- educação básica para todos. Não se pode, to- nizar atividades, utilizar os recursos com maior davia, esperar que elas supram a totalidade eficácia e mobilizar recursos financeiros e dos requisitos humanos, financeiros e orga- humanos adicionais, quando necessário”. nizacionais necessários a esta tarefa. Novas (grifos meus) e crescentes articulações e alianças serão necessárias em todos os níveis, entre todos os subsetores e formas de educação, reconhecendo o papel especial dos professores, dos administradores e do pessoal que trabalha em educação, entre as organizações governamentais e não-governamentais, com o setor privado, com as comunidades locais, com os grupos religiosos, com as famílias... Alianças efetivas contribuem para o planejamento, implementação, administração e avaliação dos programas de educação básica. (grifos meus) No item 1.6 do capítulo 1, intitulado: Ação Prioritária em Nível Nacional aparece mais uma vez: Na definição do plano de ação e na criação de um contexto de políticas de apoio à promoção da educação básica, seria necessário pensar Há um apelo à participação dos vários setores sociais para colaborarem com o Estado na tarefa educativa de ampliação da educação básica. O objetivo é proporcionar maior desenvolvimento para tirar os países pobres de seus péssimos índices econômicos e sociais, um problema para o capitalismo. Assim, vários setores começaram a se mobilizar para “disponibilizar” serviços educacionais, inclusive bancos privados, empresas nacionais e estrangeiras, fundações, etc. Banco Itaú, Fundação Ayrton Senna, Votorantim, Cia Vale do Rio Doce, Petrobrás, Rede Globo e muitas outras, abriram linhas de crédito, fizeram campanhas, mobilizaram voluntários para apoiar projetos na área da educação e da cultura, dentro do espírito da Educação Para Todos de Jontiem. 90 APP-SINDICATO Na página eletrônica da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, no mês de agosto de 2008, aparecia com destaque uma reunião entre o Núcleo Regional de Educação de Maringá e a Federação das Indústrias do Paraná, para a organização de mais uma “Cidade Pela Educação”. Havia um link para um sítio eletrônico: www.cidadespelaeducacao.org.br, que remetia para a UNINDUS, uma organização responsável pelos programas educacionais da FIEP. A partir destes “indícios” passamos a nos questionar: por que empresas passam a se preocupar com a educação nacional? Isto vai acontecer de forma benevolente e desinteressada, sem nenhum retorno? Em nome de um projeto de desenvolvimento nacional? Diante deste quadro devemos ficar atentos: mais do que simplesmente descentralizar as atividades escolares, o conceito de Cidade Educativa está trazendo uma onda de parcerias que pode beneficiar muito mais a iniciativa privada, (através de captação de verbas públicas) do que aqueles que precisam da educação pública. PNE e a articulação de um novo projeto para a Educação O Ministério da Educação terminou em dezembro de 2010, o novo projeto de lei do PNE que está no Congresso Nacional, iniciado em 2008, durante a Conferência Nacional de Educação Básica. O documento estabelece 20 metas a serem alcançadas pelo país até 2020. Cada uma delas é acompanha de estratégias para que se atinjam os objetivos. Esta proposta de PNE elaborada pelo MEC, reuniu proposições da sociedade brasileira, expressas durante a Conferência Nacional de Educação (CONAE) realizada em abril de 2010. A CONAE consolidou o conjunto de discussões realizadas por diversos setores da educação que apontaram as diretrizes em etapas municipais e estaduais que antecederam a etapa nacional. As principais propostas estão relacionadas ao orçamento destinado à educação: os trabalhadores da educação querem mais investimentos para a formação, qualificação e valorização dos educadores. A ampliação de recursos traduz-se em melhorias para a educação pública. Por isso os movimentos defendem a vinculação do PNE ao Produto interno Bruto (PIB): a meta é que o Estado invista 7% dos recursos do PIB no ano que vem e 10% até 2014. Hoje, o montante de recursos investidos está em torno de 5%. A proposta do governo está denominada de “CONAE: Construindo o Sistema Nacional Articulado: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação”. As propostas do PNE (Plano Nacional de Educação) recuperam duas instâncias de gestão democrática da educação brasileira: O Fórum Nacional de Educação, definido como instancia deliberativa do Sistema Nacional de Educação e os Conselhos Escolares e Universitários, como instrumentos de gestão democrática da educação. O Documento Final da CONAE expressa uma significativa participação de trabalhadores/as, mães/pais, estudantes, dirigentes, demais atores sociais, propondo caminhos para a educação brasileira. Espera-se que o Congresso nacional vote (e aprove) as principais resoluções, em especial aquelas relativas à vinculação do financiamento ao PIB e que este PNE não se dissolva no esquecimento e resulte sem consequências, como foi o Plano anterior. APP-SINDICATO 91 92 APP-SINDICATO