Lincoln Luiz Pereira - Justiça Restaurativa

Transcrição

Lincoln Luiz Pereira - Justiça Restaurativa
FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ
LINCOLN LUIZ PEREIRA
JUSTIÇA RESTAURATIVA
CURITIBA
2008
LINCOLN LUIZ PEREIRA
JUSTIÇA RESTAURATIVA
Monografia apresentada como requisito
parcial para a obtenção do grau de
Especialista em Ministério Público –
Estado Democrático de Direito, na área de
concentração em Direito Processual
Penal, Fundação Escola do Ministério
Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades
Integradas do Brasil - UniBrasil.
Orientador:
Kalache
CURITIBA
2008
Prof.
Dr./Ms.
Maurício
TERMO DE APROVAÇÃO
LINCOLN LUIZ PEREIRA
JUSTIÇA RESTAURATIVA
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista
no curso de Pós-Graduação em Ministério Público - Estado Democrático de Direito,
Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades
Integradas do Brasil – UniBrasil, examinada pelo Professor Orientador Maurício
Kalache.
_____________________________
Prof. Dr./MS Maurício Kalache
Orientador
Curitiba, 31 de março de 2009
À pequena Laura,
À pequena Maria Luiza,
meu amor incondicional
RESUMO
O presente trabalhou objetivou descortinar o paradigma restaurativo.
Demonstrar que o sistema penal contemporâneo é ineficaz como meio de controle
social. Apontar os motivos da crise do sistema retributivo. Analisar o esquecimento
da vítima e sua atual e crescente revitalização. Analisar o vitimizador como sujeito
de direito. Vislumbrar a importância do empoderamento do ofendido, ofensor e
comunidade. Demonstrar que a Justiça Restaurativa é uma alternativa viável ao
sistema de Justiça Criminal.
SUMÁRIO
INTRODUÇÂO ............................................................................................... 06
1.SOCIEDADE, CONTROLE SOCIAL E DIREITO PENAL........................... 08
1.1SOCIEDADE E CONTROLE SOCIAL ...................................................... 10
1.2 TEORIA DA PENA E GARANTIA DAS RELAÇÕES SOCIAIS ................ 13
1.2.1 Teorias Absolutas ou Retributivas......................................................... 15
1.2.2 Teorias Utilitárias ou Relativas .............................................................. 17
1.2.3 Teorias Mistas, Unitárias ou Unificadoras da Pena .............................. 20
2. MULTIPLICIDADE DE INTERESSES NO PROCESSO PENAL E CRISE
DO SISTEMA RETRIBUTIVO........................................................................ 24
2.1 CONTROLE SOCIAL DO CRIME: A CRISE DO SISTEMA
RETRIBUTIVO ............................................................................................... 24
2.2 O PAPEL DA VÍTIMA, O OFENSOR E A COMUNIDADE........................ 33
3. JUSTIÇA RESTAURATIVA ....................................................................... 42
3.1 UM NOVO MODELO DE JUSTIÇA.......................................................... 42
3.2 PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS....................................................... 44
3.3 PROCEDIMENTO .................................................................................... 49
CONCLUSÃO ................................................................................................ 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 55
6
INTRODUÇÃO
Na sociedade contemporânea, rápida e em constante mutação, o sistema
penal retributivo não consegue atingir de maneira satisfatória seus proclamados fins
de pacificação e controle social. O dinamismo das relações interpessoais das
comunidades hodiernas exige que o sistema punitivo estatal assuma novos
contornos. Sob o manto dessa sociedade pós-moderna, em que o pluralismo e as
desigualdades sociais são características marcantes, verifica-se a existência de uma
multiplicidade de fontes legislativas, no afã de tentar diminuir os crescentes índices
de criminalidade. Esse arcabouço legislativo centra-se na prisão, como expressão
legítima da vingança pública. Todavia, a via punitiva adotada não logra êxito em
atingir seu desiderato, qual seja, a redução dos delitos. Ao contrário, produz
conseqüências maléficas à sociedade e ao indivíduo, como a estigmatização e a
exclusão do vitimizador, a alienação da vítima e da comunidade e a eliminação de
qualquer meio autocompositivo de resolver os conflitos.
É nesse contexto que surge o paradigma restaurativo, a partir da verificação
do fracasso dos ideários retributivos. Procura-se mudar o foco do sistema criminal,
não através da abolição do modelo vigente, mas sim através da instituição de um
novo modelo, utilizando conceitos diferentes de crime e justiça. Dentro dessa
perspectiva, a justiça restaurativa apresenta-se como alternativa viável à resposta
punitiva estatal, direcionando as luzes da justiça criminal para as necessidades da
vítima e a responsabilização consciente do infrator como meio de restaurar as
relações sociais abaladas pelo delito.
A partir dessas premissas, o presente trabalho objetiva descortinar o sistema
restaurativo, demonstrando a necessidade de sua implementação. Preliminarmente,
analisa-se a noção geral de controle social e o sistema penal como principal
instrumento de controle social, exercido através da pena. Posteriormente, em linhas
gerais, apresentam-se as diversas teorias justificadoras, bem como as teorias que
pregam o abolicionismo. Analisam-se, ainda, os motivos determinantes do fracasso
do sistema penal retributivo contemporâneo. Aborda-se o fracasso do modelo
prisional, bem como o esquecimento e a posterior revitalização da vítima, parte
principal da justiça criminal. Dispensam-se, ainda, algumas linhas a participação da
comunidade no seio do processo criminal. No último capítulo, o trabalho analisa o
7
conceito de justiça restaurativa, suas características e princípios, bem como o seu
procedimento, para demonstrar que esse novel paradigma de justiça penal objetiva
atribuir especial relevância às partes envolvidas no conflito, em especial a vítima,
ocupando-se das conseqüências e danos produzidos pela infração.
8
1. SOCIEDADE, CONTROLE SOCIAL E DIREITO PENAL
1.1 SOCIEDADE E CONTROLE SOCIAL
Como todos os trabalhos acadêmicos que possuem a pretensão de abordar o
direito penal em suas inúmeras facetas, é mister iniciar demonstrando a sua relação
com a sociedade. É subjacente a qualquer conceito de sociedade1 a idéia de
grupamento humano estruturado, com regras de conduta objetivando um convívio
harmonioso2. O homem, no decurso de sua história, sempre se reuniu dentro de
grupos, permanentes ou temporários, interagindo de maneira direta com seus iguais,
num estreito relacionamento interpessoal. Há um complexo de relações com seus
semelhantes.3 No âmbito desses grupos, os interesses podem ser coincidentes ou
antagônicos.
Diante dos conflitos existentes no seio da sociedade, percebe-se a
configuração de uma estrutura de poder, com a existência de grupos dominantes e
grupos dominados. Os grupos mais próximos dos centros de decisão influem de
1
TOURINHO FILHO define as sociedades como “organizações de pessoas para a obtenção de fins comuns, em
benefício de cada qual.” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v.1. 28 ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 1).
2
PAULO BONAVIDES apresenta duas teorias acerca dos fundamentos da sociedade: teoria orgânica e teoria
mecânica. Os seguidores da primeira vislumbram a sociedade como “valor primário ou fundamental”,
importando numa “realidade nova e superior, subsistente por si mesmo”. O autor, utilizando-se do escólio de
Giorgio Del Vecchio, conceitua o organicismo como “reunião de várias partes, que preenchem funções distintas
e que, por sua ação combinada, concorrem para manter a vida do todo.” De outra toada, os adeptos da posição
mecanicista não reconhecem na sociedade mais do que uma mera soma de partes, que “não gera nenhuma
realidade suscetível de subsistir fora ou acima dos indivíduos”. Para os mecanicistas, “o indivíduo é a unidade
embriogênica, o centro irredutível a toda assimilação coletiva, o sujeito da ordem social, a unidade que não criou
nem há de criar nenhuma realidade mais, que lhe seja superior, o ponto primário e básico que vale por si mesmo
e do qual todos ordenamentos sociais emanam como derivações secundárias, como variações que podem
reconduzir-se sempre ao ponto de partida”. (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 11 ed. São Paulo:
Malheiros, 2005, p.55-56).
3
NORBERT ELIAS, sob um viés organicista, afirma que “as relações de unidades de menor magnitude – ou,
para usarmos um termo mais exato, extraído da teoria dos conjuntos, as unidades de potência menor – dão
origem a uma unidade de potência maior, que não pode ser compreendida quando suas partes são consideradas
em isolamento, independentemente de suas relações.” Assim, para o indigitado autor, a análise de uma sociedade
deverá ser empreendida levando-se em consideração o conjunto dos indivíduos. Socorre-se de Aristóteles, em
um exemplo simples, mas deveras elucidativo: “Aristóteles certa vez apontou um exemplo singelo: a relação
entre pedras e a casa. Esta realmente nos proporciona um modelo simples para mostrar como a junção de muitos
elementos individuais forma uma unidade cuja estrutura não pode ser inferida de seus componentes isolados. É
que certamente não se pode compreender a estrutura da casa inteira pela contemplação isolada de cada uma das
pedras que a compõem. Tampouco se pode compreendê-la pensando na casa como uma unidade somatória, uma
acumulação de pedras; talvez isso não seja totalmente inútil para a compreensão da casa inteira, mas por certo
não nos leva muito longe fazer uma análise estatística das características de cada pedra e depois calcular a
média.” (ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p.16).
9
maneira assaz incisiva sobre os grupos dominados, marginalizados do poder,
determinando as formas de dominação e exclusão das classes subalternas.
Relaciona-se à sociedade humana o controle social como mecanismo de
estabilidade das relações pessoais.
O controle social é feito mediante diversos aparatos e estratégias, sendo
diversificadas instituições formais e organizações seus atores principais4. Nesse
sentido é a lição de ZAFFARONI e PIERANGELI:
O controle social se vale, pois, desde meios mais ou menos “difusos” e encobertos até meios
específicos e explícitos, como é o sistema penal (polícia, juízes, agentes penitenciários, etc).
A enorme extensão e complexidade do fenômeno do controle social demonstra que uma
sociedade é mais ou menos autoritária ou mais ou menos democrática, segundo se oriente
em um ou outro sentido a totalidade do fenômeno e não unicamente a parte do controle social
5
institucionalizado ou explícito.
A imposição de regras de conduta social pelos grupos dominantes aos grupos
subalternos denota a existência de uma estrutura de classes sociais que é
reproduzida por diversos agentes6. Dentro dessa miríade de agentes, o Direito7
funciona como um sustentáculo da ordem, delimitando o campo de atuação do
individuo. Esse matiz repressor do direito é captado por ALTHUSSER:
O Direito é repressor no sentido de que não poderia existir sem um sistema correlativo de
sanções. Dito por outras palavras, não existe Código Cível possível sem um Código Penal
que é a realização no próprio nível do Direito. Isso compreende-se facilmente: não pode
existir contrato jurídico a não ser com a condição de que se aplique, isto é, respeite ou
contorne o Direito. Portanto, deve existir um Direito da aplicação (e da não-aplicação) do
8
Direito, isto é do respeito (e do não-respeito) às regras do contrato jurídico.
4
Segundo ZAFFARONI e PIERANGELI, “Qualquer instituição social tem uma parte de controle social que é
inerente a sua essência, ainda que também possa ser instrumentalizada muito além do que corresponde a essa
essência. O controle social se exerce, pois, através da família, da educação, da medicina, da religião, dos partidos
políticos, dos meios massivos de comunicação, da atividade artística, da investigação científica, etc”.
(ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro: parte geral.
5 ed. São Paulo: RT, 2006, p.61).
5
Idem.
6
A terminologia “agente” é a mais adequada, pois, conforme prelecionam ZAFFARONI e BATISTA, “a
referência aos entes gestores da criminalização como agências tem como objetivo evitar outros substantivos mais
valorados, equívocos ou inclusive pejorativos (tais como corporações, burocracias, instituições etc). Agência (do
latim agens, particípio do verbo agere, fazer) é empregada aqui no sentido amplo e dentro do possível neutro de
entes ativos (que atuam).” (ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA Nilo. Direito Penal Brasileiro: primeiro
volume – Teoria Geral do Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Revan, 2003, p.43).
7
Nas palavras de NILO BATISTA, “A função do direito de estruturar e garantir determinada ordem econômica
e social, à qual estamos nos referindo, é habitualmente chamada de função ‘conservadora’ ou de ‘controle
social’”. (BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 8. ed Rio de Janeiro: Revan, 2002,
p.21).
8
ALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 38.
10
O sistema penal apresenta-se como “parte do controle social que resulta
institucionalizado em forma punitiva e com discurso punitivo”9, ou, nos dizeres de
NILO BATISTA, como “grupo de instituições que, segundo regras jurídicas
pertinentes, se incumbe de realizar o direito penal.” 10
Ao infiltrar-se nas relações sociais, o sistema penal inflige uma punição
àqueles que pautam suas condutas em desacordo ao estabelecido, em um modelo
disciplinar que “liga o ser humano ao aparelho de produção capitalista.”11
12
Assim,
vislumbra-se a existência de uma conotação exclusivamente política subjacente aos
fins do sistema penal, pois, consoante assevera CIRINO DO SANTOS, “a definição
dos objetivos reais do Direito Penal permite compreender
o significado político
desse setor no ordenamento jurídico como centro da estratégia de controle social
nas sociedades contemporâneas.”13
1.2 TEORIA DA PENA E GARANTIA DAS RELAÇÕES SOCIAIS
O sistema penal utiliza-se da pena14 como principal instrumento do controle
social. No início15, apresentava-se o modelo punitivo privado, no qual uma pena era
9
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p.69. Ainda segundo os mesmos autores,
o sistema penal, “na prática abarca a partir de quando se detecta ou supõe detectar-se uma suspeita de delito até
que se impõe e executa uma pena, pressupondo uma atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o
procedimento, a atuação dos funcionários e define os casos e condições para esta atuação.”
10
BATISTA, Nilo. Op.cit., p.25.
11
SALIBA, Marcelo Gonçalves. Justiça restaurativa e paradigma punitivo. Curitiba: Juruá, 2009, p.36.
12
Novamente ALTHUSSER, em arguta crítica, demonstra a utilização do direito como reprodutor das estruturas
de classe: “É essa situação singular do Direito, que não existe a não ser em função de um conteúdo do qual faz
em si mesmo totalmente abstração (as relações de produção), que explica a fórmula marxista clássica: o direito
‘exprime’ as relações de produção, embora, no sistema de suas regras, não faça qualquer menção às citadas
relações de produção, muito pelo contrário, escamoteia-as.” (ALTHUSSER, Louis. Op. cit., p. 40).
13
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 2. ed. Curitiba: Lúmen Júris, 2007, p.6. Também
interessante colacionar a lição de NILO BATISTA: “Há marcante congruência entre os fins do estado e os fins
do direito penal, de tal sorte que o conhecimento dos primeiros, não através de fórmulas vagas e ilusórias, como
sói figurar nos livros jurídicos, mas através do exame de suas reais e concretas funções históricas, econômicas e
sociais, é fundamental para a compreensão dos últimos.” (BATISTA, Nilo. Op.cit., p.23).
14
“A pena como retribuição do crime, no sentido religioso de expiação ou no sentido jurídico de compensação
da culpabilidade, característica do Direito Penal Clássico, representa a imposição de um mal injusto do crime,
necessária para realizar justiça ou restabelecer o Direito, segundo a conhecida fórmula de SENECA: punitir, quia
peccatum est. A sobrevivência histórica da pena retributiva – a mais antiga e de certo modo, a mais popular
função atribuída à pena criminal – parece inexplicável: a pena como expiação de culpabilidade lembra suplícios
e fogueiras medievais, concebidos para purificar a alma do condenado; a pena como compensação de
11
aplicada por membros da comunidade que se uniam ou ainda individualmente,
punindo um indivíduo de determinado grupo social. Conforme assevera DOTTI, o
infrator era condenado à “perda da paz que se caracterizava pela expulsão do clã e
a impossibilidade de sobrevivência diante das forças hostis da natureza.” 16
Ao fortalecimento das comunidades, mediante sua evolução sócio-política,
incorpora-se a idéia de preservação da estabilidade das relações sociais, mediante a
aplicação de uma pena pública17. Ao longo da idade média, a maior parte das penas
aplicadas na Europa eram as penas físicas. Também eram aplicados, ainda que em
menor escala, os suplícios. Estes se caracterizavam por focarem o corpo como
objeto do castigo, mediante a utilização de procedimentos graduais e atrozes a fim
de penalizar o ofensor, causando-lhe dor18.
A partir do século XIX não mais se aceita, em diversas camadas da
sociedade, a imposição de penas físicas e suplícios. As antigas práticas passaram a
despertar sentimentos contraditórios de aprovação ou repúdio as penas cruéis. Com
o movimento iluminista e seu ideal fulcrado na razão, surgem os alicerces de uma
nova ideologia penal. Vislumbram-se nesse momento as condições para o
surgimento da prisão como expoente máximo de um novo discurso19.
culpabilidade atualiza o impulso de vingança do ser humano, tão velho quanto o mundo.” (SANTOS, Juarez
Cirino dos. Teoria da Pena: fundamentos políticos e aplicação judicial. Curitiba: Lumen Júris, 2005, p.3-4)
15
No presente capítulo, não há qualquer pretensão de estudar a evolução histórica da pena em sua completude,
pois, como aponta RICARDO MARCELO FONSECA, “a análise dos institutos, conceitos ou teorias somente
pode ser efetivada a partir de sua inserção num dado tempo, considerando todos os condicionamentos sociais,
econômicos, políticos, mentais, etc., que os circundam, delimitam e os condicionam.” (FONSECA, Ricardo
Marcelo. A história no direito e a verdade no processo: o argumento de Michel Foucault. Revista Gênesis de
Direito Processual Civil, Curitiba, v.17, 2000, p.574) Assim, ciente da magnitude de tal pretensão, o presente
trabalho circunscreve-se a uma breve análise linear, ainda que não represente um fiel retrato do progresso
histórico, diante de suas rupturas e descontinuidades históricas, frutos das diferentes sociedades com suas
diferentes injunções.
16
DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. São Paulo: RT, 1998, p. 31.
17
Novamente DOTTI: “É a pena pública que, embora impregnada pela vingança, penetra nos costumes sociais e
procura alcançar a proporcionalidade através das formas do talião e da composição. A expulsão da comunidade é
substituída pela morte, mutilação, banimento temporário ou perdimento de bens.” (Idem).
18
Segundo FOUCAULT, “O suplício se inseriu tão fortemente na prática judicial, porque é revelador da verdade
e agente do poder. Ele promove a articulação do escrito com o oral, do secreto com público, do processo de
inquérito com a operação de confissão; permite que o crime seja reproduzido e voltado contra o corpo visível do
criminoso, faz com que o crime, no mesmo horror, se manifeste e se anule.” (FOUCAULT, Michel. Vigiar e
punir. Nascimento da prisão. 28 ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p.47).
19
Consoante assevera DOTTI, “foi através das fantasmagorias da execução e da inutilidade das penas corporais
que o pensamento jurídico reformador concebeu a perda da liberdade como fórmula de exploração do braço
presidiário para a execução de muitos trabalhos. Thomas More foi o defensor, em sua Utopia, da concepção que
12
Todavia, em toda a evolução do instituto da pena, esta desempenhou sempre
a mesma função, qual seja, assegurar a existência da sociedade, proporcionando
estabilidade às relações interpessoais. Conforme aduz FRAGOSO,
O sistema punitivo do Estado constitui o mais rigoroso instrumento de controle social. A
conduta delituosa é a mais grave forma de transgressão de normas. A incriminação de certos
comportamentos destina-se a proteger determinados bens e interesses, considerados de
grande valor para a vida social. Pretende-se, através da incriminação, da imposição da
sanção e de sua efetiva execução evitar que esses comportamentos se realizem. O sistema
punitivo do Estado destina-se, portanto, à defesa social na forma em que essa defesa é
entendida pelos que têm o poder de fazer as leis. Esse sistema opera através da mais grave
20
sanção jurídica, que é a pena, juntamente com a medida de segurança, em casos especiais.
Assim, a fundamentação da pena encontra-se no dever ínsito ao Estado de
manutenção da ordem e da segurança das relações sociais, que deflui da sua
função de mantenedor do ordenamento jurídico21. Mediante a imposição de uma
pena, objetiva-se a proteção de bens jurídicos revestidos de certo valor. A perda ou
restrição de determinado bem jurídico tem como função justamente a garantia da
integridade e respeito aos bens jurídicos dos demais integrantes da comunidade.
Assim, a pena deve ser proporcional ao delito. Essa é a lição de
BECCARIA22, em sua obra Dos delitos e das Penas23, que marcou o surgimento da
humanização das sanções:
mais tarde seria francamente dominante e estranhava por que em lugar de se aplicar a morte contra os ladrões,
não se os obrigava a trabalhar nas minas.” (DOTTI, René Ariel. Op. cit., p. 35).
20
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
343.
21
Segundo FRAGOSO, “o magistério punitivo do estado não se funda na retribuição nem tem qualquer outro
fundamento metafísico. Como se diz na Exposição de Motivos do Projeto Alternativo Alemão de 1966, a pena é
tão somente a amarga necessidade de uma sociedade de seres imperfeitos.” (Ibidem, p. 346).
22
ZAFFARONI, em breves linhas, explica o pensamento do aludido autor: “Beccaria foi seguidor de Rousseau
quanto às idéias contratualistas, e disto derivava, como conseqüência necessária, o princípio da legalidade do
delito e da pena. Considerava que as penas deviam ser proporcionais ao dano social causado. Rejeitava
duramente a crueldade inusitada das penas de sua época e a tortura, que era o meio de prova mais usual.
Sustentava que se devia abolir a pena de morte, salvo nos delitos que colocavam em perigo a vida da nação.”
(ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p.258).
23
BARATTA explicita a importância da obra de Beccaria para a ciência penal contemporânea: “A conseqüência
resultante para a história da ciência penal, não só italiana mas européia, é a formulação pragmática dos
pressupostos para uma teoria jurídica do delito e da pena, assim como do processo, no quadro de uma concepção
liberal do estado de direito, baseada no princípio utilitarista da maior felicidade para o maior número, e sobre as
idéias do contrato social e divisão dos poderes.” (BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do
Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2002, p.33).
13
Se o prazer e sofrimento são os dois grandes motores dos seres sensíveis; se entre as
razões que guiam os homens em todas as suas atitudes, o supremo legislador pôs como os
mais poderosos as recompensas e os castigos; se dois crimes que afetam desigualmente a
sociedade recebem idêntico castigo, o homem inclinado ao crime, não tendo de recear uma
pena maior para o crime mais hediondo, resolver-se-á com mais facilidade pelo crime que lhe
traga mais vantagens; e a distribuição desigual das penas fará nascer a contradição, tanto
24
notória quanto freqüente, de que as leis terão de castigar os delitos que fizeram sofrer.
Outrossim, em que pese a afirmativa peremptória da doutrina majoritária de
que a pena visa à proteção da segurança jurídica, protegendo os bens jurídicos
como forma manifesta de assegurar a estabilidade das relações sociais, faz-se
necessário dissertar, ainda que maneira breve, sobre as diversas teorias sobre a
pena. FERRAJOLI, em magnífica obra, assim divide as teorias justificacionistas da
pena:
teorias denominadas de absolutas e teorias rotuladas como relativas. São teorias absolutas
todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja, como
“castigo”, “reação”, “reparação” ou, ainda, “retribuição” do crime, justificada por seu intrínseco
valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas sim um dever ser
metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, “relativas” todas as
doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto meio para realização do
fim utilitário de prevenção de futuros delitos. Cada uma destas duas grandes classes de
doutrinas viu-se, por sua vez, dividida em subgrupos. As doutrinas absolutas ou retributivas
foram divididas tendo como parâmetro o valor moral ou jurídico conferido à retribuição penal.
As doutrinas relativas ou utilitaristas, por seu turno, são divididas entre teorias da prevenção
especial, que atribuem o fim preventivo à pessoa do delinqüente, e doutrinas da prevenção
geral, que ao invés, atribuem-no aos cidadãos em geral. Por derradeiro, a tipologia das
doutrinas utilitaristas foi recentemente enriquecida com uma nova distinção, qual seja, aquela
entre doutrinas de prevenção positiva e doutrinas de prevenção negativa, dependendo do
fato da prevenção – especial ou geral – realizar-se positivamente, por meio da correção do
delinqüente ou da integração disciplinar de todos os cidadãos, ou, negativamente, por meio
25
da neutralização daquele ou da intimidação destes .
1.2.1 TEORIAS ABSOLUTAS OU RETRIBUTIVAS
As teorias absolutas ou retributivas da pena erguem-se sobre a justa
retribuição de um mal, de um crime. Impõe-se um castigo pelo mal causado, sem
qualquer finalidade, sendo a pena um fim em si mesmo26. As bases retributivas
24
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2004, p.69.
25
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2006, p. 236.
26
Dissertando sobre o tema, SALIBA explica que nas teorias absolutas (ou retributivas), “a legitimidade da pena
é a priori e não está condicionada a qualquer finalidade extrapunitiva, pois sua imposição se justifica pelo crime
sem qualquer questionamento quanto ao porquê e para que punir.” (SALIBA, Marcelo Gonçalves. Op. cit., p.45).
14
foram alicerçadas no Iluminismo, sobre o paradigma da modernidade, através dos
filósofos Kant e Hegel.
Na visão kantiana, a retribuição possui um matiz ético, sendo a justificação
por meio do valor moral da lei violada27. Para Kant, a norma penal é um imperativo
categórico e a sanção penal fundamenta-se na desobediência à lei, sem nenhuma
consideração sobre a utilidade da pena para o ofensor ou para os demais membros
da comunidade. Sobre o modelo kantiano, a lição de SALO DE CARVALHO:
O modelo penalógico de Kant é estruturado na premissa básica de que a pena não pode ter
jamais a finalidade de melhorar ou corrigir o homem, ou seja, o fim utilitário seria ilegítimo. Se
o direito utilizasse a pena como instrumento de dissuasão, acabaria por mediatizar o homem,
tornando-a imoral. Logo, a penalidade teria como thelos a imposição de um mal decorrente da
violação do dever jurídico, encontrando neste mal (violação do direito) sua devida
28
proporção.
De outro lado, partindo de uma concepção dialética, Hegel constrói o conceito
de pena tendo esta como fim o restabelecimento da ordem jurídica violada. Existe
uma retribuição jurídica, que visa o restabelecimento do ordenamento legal. A pena
surge como a negação da negação do direito. Segundo ZAFFARONI e
PIERANGELI,
A pena, para Hegel, impunha-se como uma necessidade lógica e também tinha caráter
retributivo talional, por ser a sanção à violação do contrato: se o delito é a negação do direito,
a pena é a negação do delito e (conforme a regra de que a negação da negação é uma
afirmação) a pena seria a afirmação do direito, que se imporia simplesmente pela necessária
29
afirmação do mesmo.
27
O extremismo da tese kantiana pode ser apreendido pelo seu clássico exemplo, rememorado por FERRAJOLI:
“Mesmo se a sociedade civil se dissolvesse com o consenso de todos os seus membros (se, por exemplo, os
habitantes de uma ilha decidissem se separar e se dispersar por todo o mundo), o último assassino que se
encontrasse na prisão deveria primeiramente ser justiçado, a fim de que cada um leve a pena de sua conduta, e o
sangue derramado não recaia sobre o povo que não reclamou aquela punição: por que este povo poderia ser
considerado então como cúmplice dessa violação pública da justiça. Esta igualdade entre punição e delito, que,
segundo o Direito estrito do talião, não é possível senão por meio de uma sentença de morte, é esclarecida assim:
que esta sentença é o único modo de punir todos os criminosos de forma proporcional à malignidade interna.”
(FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 233).
28
CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 122.
29
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p.272.
15
Muito embora hodiernamente as teorias absolutas ou retributivas estejam
superadas30, não sendo adotadas nos Estados Democráticos, elas possuem uma
virtude história, conforme aponta FIGUEIREDO DIAS.
Aqui reside justamente o mérito das teorias absolutas: qualquer que seja seu valor ou
desvalor como teorização dos fins das penas, a concepção retributiva tem – histórica e
materialmente – o mérito irrecusável de ter erigido o princípio de culpabilidade como princípio
absoluto de toda a aplicação da pena e, deste modo, ter levantado um veto incondicional à
31
aplicação de uma pena criminal que viole a eminente dignidade da pessoa humana.
1.2.2 TEORIAS UTILITÁRIAS OU RELATIVAS
As teorias utilitárias ou relativas (ou também denominadas preventivas)
surgem como contraponto às teorias retributivas e preceituam a pena como dotada
de um fim socialmente construtivo, objetivando a preservação do grupo social. As
teorias subdividem-se em prevenção geral e prevenção especial.
A prevenção geral possui como supedâneo a coação social psicológica
produzida com a ameaça da imposição da pena, objetivando atemorizar possíveis
infratores. A doutrina divide a prevenção geral, por sua vez, em dois espectros:
positivo e negativo.
A prevenção geral positiva possui como escopo a estabilização social
normativa, mediante o aumento da confiança da sociedade na ordem penal.
A prevenção geral negativa, por outro lado, utiliza-se da força intimidatória da
pena. Através de um efeito dissuasório, pretende-se coagir psicologicamente os
membros da sociedade, antes do cometimento do delito, a não praticá-lo, devido à
sensação de desagrado pela cominação penal. A esse efeito dissuasório inicial
30
Nesse sentido os ensinamentos de FRAGOSO: “A teoria da retribuição é insatisfatória porque, como se tem
observado, pressupõe a necessidade da pena. Não explica ou justifica porque uma ação culpável qualquer deve
ser submetida à pena. Roxin também observa que a idéia da retribuição compensadora só se faz plausível
mediante um ato de fé, pois racionalmente não se compreende como se pode apagar o mal cometido,
acrescentando-se um segundo mal, o sofrimento da pena.” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit., p. 344).
Outrossim, é interessante colacionar o escólio de Roxin, como citado por Fragoso: “a teoria da retribuição não
nos serve, porque deixa na obscuridade os pressupostos da punibilidade, porque não estão comprovados os seus
fundamentos e porque, como profissão de fé irracional e além do mais contestável, não é vinculante.”(ROXIN,
Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. Lisboa: Vega, 2002, p. 19).
31
DIAS. Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do Direito penal revisitadas. São Paulo: RT, 1999, p.
93.
16
junta-se a influência psicológica da execução exemplarizada da pena por aqueles
que praticaram um ilícito penal, vindo a sofrer a sanção.32
Já a prevenção especial é direcionada ao desviante, ao ofensor, objetivando a
não reincidência. Ela atua sobre o autor do crime, para que não volte a delinqüir.
Pressupõe-se ser o autor do delito um portador de desvio social que demanda uma
correção. Esta teoria, por sua vez, também se subdivide em um viés positivo e outro
negativo.
A prevenção especial positiva possui como escopo a ressocialização do
delinqüente.
A prevenção especial negativa visa à neutralização do criminoso, mediante o
encarceramento, ou ainda, nos dizeres de FRAGOSO, na “inocuização dos
incorrigíveis”
33
. Sobre a prevenção especial, em seus dois aspectos, o interessante
ensinamento de CIRINO:
A execução do programa de prevenção especial ocorreria em duas dimensões simultâneas,
pelas quais o Estado espera evitar crimes futuros do criminoso: por um lado, a prevenção
especial negativa de segurança social através da neutralização (ou da inocuização) do
criminoso, consistente na incapacitação do preso para praticar novos crimes contra a
coletividade social durante a execução da pena; por outro lado, a prevenção especial positiva
de correção (ou de ressocialização, ou de reeducação, etc) do criminoso, realizada pelo
trabalho de psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e outros funcionários da ortopedia
moral do estabelecimento penitenciário, durante a execução da pena – segundo outra fórmula
34
antiga: punitur, ne peccetur.
Todavia, as críticas às teorias relativistas ou utilitaristas são inúmeras, diante
do visível fracasso da pena na sociedade hodierna como meio de controle social.
Interessante colacionar a arguta crítica de FRAGOSO:
32
Às inúmeras críticas direcionadas ao conceito de prevenção geral negativa, interessante colacionar o escólio de
BUSATO e HUAPAYA: “Por outro lado, a prevenção geral negativa tende a suprimir a culpabilidade, com a
qual não se definem os limites da duração das penas. (....) Portanto, haverá tanta pena quanto seja necessário ao
propósito intimidatório, e não em relação à responsabilidade individual pelo fato realizado.” (BUSATO, Paulo
César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao Direito Penal: fundamentos para um Sistema Penal
Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 218).
33
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit., , p. 344. Ainda a lição de Von Liszt, citado por BUSATO: “Von Liszt
destacou as três formas de atuação da prevenção especial: a intimidação, a correção e a inocuização. A finalidade
da pena em Von Liszt é prevenir os delitos assegurando a comunidade frente aos delinqüentes mediante o
encarceramento; intimidando, através da pena individual; e, corrigindo os sujeitos mediante um processo
ressocializador. Propõe, paralelamente, inocuizar ao irressocializável; intimidar o delinqüente ocasional; e
corrigir o autor corrigível.” (BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Op. cit., p. 223).
34
SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria..., p.7
17
Tanto a teoria da prevenção geral como a da prevenção especial deixam de explicar os
critérios mediante os quais deve o Estado recorrer à pena criminal. Como ocorre com as
teorias absolutas, aqui também se pressupõe a necessidade da pena. A prevenção geral não
estabelece os limites da reação punitiva e tende a criar um direito penal do terror. Totalmente
inadmissível é, de resto, que a pena seja imposta com critérios alheios ao autor do crime,
para através da punição produzir efeitos sobre outras pessoas. Isso significaria, como
observa Kant, misturar o homem com o direito das coisas. A prevenção especial também não
pode, por si só, constituir fundamento para a pena. Há delinqüentes que não carecem de
ressocialização alguma, em relação aos quais é possível fazer um seguro prognóstico de não
reincidência. A prevenção especial não permite estabelecer a pena a ser aplicada e conduz à
idéia de pena indeterminada, a ser aplicada como uma espécie de tratamento, que deve
cessar com a cura do enfermo. A experiência com a pena indeterminada é negativa. Por outro
lado, parece ilusório pretender alcançar a recuperação social do delinqüente através das
35
penas privativas de liberdade .
A buscada ressocialização carece de qualquer fundamento constitucional. A
ressocialização consiste tão somente na imposição de valores sociais ao indivíduo,
em frontal desrespeito ao seu direito à diferença. Ademais, o Estado, como deve ser
buscado numa sociedade democrática, não possui legitimidade para impor
determinado valor moral ao indivíduo.
1.2.3 TEORIAS MISTAS, UNITÁRIAS OU UNIFICADORAS DA PENA
As teorias mistas combinam as teorias absolutas e as relativas. Seu
pressuposto é a pena como retribuição, mas também devendo perseguir os fins de
prevenção geral e especial. A pena é retributiva, tem seu aspecto moral, mas seu
fim não é somente a prevenção, mas também evitar a reincidência, bem como busca
a reinserção social do agente infrator. As teorias mistas da pena criminal
“representam uma combinação das teorias isoladas, realizada com o objetivo de
superar as deficiências de cada teoria, mediante a fusão das funções declaradas ou
manifestas de retribuição, de prevenção geral e de prevenção especial da pena
criminal”.36
Hodiernamente as teorias mistas predominam na legislação penal ocidental,
inclusive no Brasil, consoante se verifica mediante a análise do artigo 59 do Código
Penal37. Sobre assunto, discorre CIRINO:
35
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit., p. 344-354.
36
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito..., p.463-464. No mesmo sentido discorre FRAGOSO, ao dizer que “a
pena é retribuição, mas deve por igual, perseguir os fins de prevenção geral e especial.” (FRAGOSO, Heleno
Cláudio. Op. cit., p. 345).
37
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos
motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá,
18
Atualmente as teorias unificadas predominam na legislação, na jurisprudência e na literatura
penal ocidental – embora não passem da síntese moderna de uma antiga posição de
compromisso entre partidários da retribuição, como BINDING (1841-1920) e defensores das
teorias da prevenção, como LISZT (1851-1919), que encerrou a famosa controvérsia entre as
Escolas Penais clássica e positivista do primeiro quarto do século XX. (....) No Brasil, o
Código Penal consagra as teorias unificadas ao determinar a aplicação da pena ‘conforme
seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime’ (art. 59, CP): a
reprovação exprime a idéia de retribuição da culpabilidade; a prevenção do crime abrange as
modalidades de prevenção especial (neutralização e correção do autor) e de prevenção geral
(intimidação e manutenção/reforço da confiança na ordem jurídica) atribuídas à pena criminal.
38
Todavia, a convergência das teorias absolutas e relativas em uma teoria mista
não afastou as falhas existentes, mas sim as concentrou. Para ROXIN, a unificação
das teorias:
tem forçosamente de fracassar, já que a mera adição não somente destrói a lógica imanente
à concepção, como aumenta o âmbito de aplicação da pena, a qual se converte assim num
meio de reação apto para qualquer realização. Os efeitos de cada teoria não se suprimem em
absoluto entre si, antes se multiplicam, o que não só é teoricamente inaceitável, como muito
39
grave do ponto de vista do Estado do Direito.
Sob o manto dessa perspectiva crítica surgiram então duas outras teorias,
denominadas teoria da prevenção geral positiva fundamentadora e teoria da
prevenção geral positiva limitadora40.
A teoria geral positiva fundamentora possui como maiores expoentes Welzel e
Jakobs, cujos posicionamentos são coincidentes e, ao mesmo tempo, distintos.
SALIBA, citando MIR PUIG, afirma que “para Welzel o Direito Penal não há de
conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as
cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de
cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por
outra espécie de pena, se cabível.
38
SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria..., p.12-13.
39
ROXIN. Problemas..., p.26. Igualmente crítica é a visão de CIRINO: “primeiro, o feixe de funções
conflitantes das teorias unificadas não permite superar as debilidades específicas de cada função declarada ou
manifesta da pena criminal – ao contrário, as teorias unificadas significam a soma dos defeitos das teorias
particulares; segundo, não existe nenhum fundamento filosófico ou científico capaz de unificar concepções
fundadas em teorias contraditórias, com finalidades práticas reciprocamente excludentes.” (SANTOS, Juarez
Cirino dos. Direito..., p. 486-487.
40
Na lição de BUSATO e HUAPAYA, “as correntes funcionalistas se orientam em duas vertentes: uma de corte
radical, na linha de Jakobs (prevenção geral positiva fundamentadora), na que se concebe a pena como
contradição ao rompimento da norma e que busca sua estabilização, gerando confiança, credibilidade e
fidelidade ao Direito; e a segunda, de corte moderado (prevenção geral positiva desde postulados garantistas,
limitadora), que concilia a prevenção geral com os postulados garantistas, limitadores do ius puniendi."
(BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Op. cit., p. 235).
19
limitar-se e evitar determinadas condutas danosas ou perigosas, mas há de
perseguir algo mais ambicioso e de maior alcance.”
41
Em Welzel, que segundo
ZAFFARONI e BATISTA adota uma “versão eticizada” da teoria da prevenção
positiva fundamentadora42, a consciência ético-jurídica impõe-se como instrumento
de proteção dos bens jurídicos, em um explícito caráter preventivo. A teoria possui
como escopo a internalização de valores do agente não delinqüente para fortalecer
os valores ético-sociais, diante de ações que lesionam bens e ferem esses valores,
devendo ser respondidas na medida necessária para reforçá-los.
Para Jakobs, ao Direito Penal deve ser atribuída a função orientadora das
normas jurídicas. Segundo essa “versão sistêmica”
43
da teoria da prevenção geral
positiva, deve-se reforçar a confiança da comunidade no sistema penal, com o
escopo de superar a desnormalização provocada pelo conflito, o qual deve ter como
contrapartida a pena, como meio necessário para reequilibrar o sistema. Todavia, a
doutrina aponta inúmeras falhas na teoria fundamentadora. BITENCOURT, com
maestria, as sintetiza da seguinte maneira:
a teoria da prevenção geral positiva fundamentadora não constitui uma alternativa real que
satisfaça as atuais necessidades da teoria da pena. É criticável também sua pretensão de
impor ao individuo, de forma coativa, determinados padrões éticos, algo inconcebível em um
Estado social e democrático de Direito. É igualmente questionável a eliminação dos limites do
ius puniendi, tanto formal como materialmente, fato que conduz à legitimação e
44
desenvolvimento de uma política criminal carente de legitimidade democrática.
Também
é
salutar
colacionar
a
acentuada
crítica
realizada
por
THORSTENSEN POSSAS à teorização de Jakobs:
A perspectiva de Jakobs não viabiliza uma transformação significativa na maneira de pensar
a pena, ou senão não se desprende dos preceitos mais típicos da racionalidade penal
moderna. Se, de acordo com o autor, é o direito penal que garante a identidade da sociedade,
41
SALIBA, Marcelo Gonçalves. Op. cit., p.56.
42
ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA Nilo. Op. cit., p.116.
43
Idem.
44
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.99.
Igualmente crítico é SALIBA, ao aduzir que “ as críticas contra a teoria fundamentadora partiram de sua
ambiciosa pretensão em impor valores éticos, coativamente, aos seres humanos, o que afronta o Estado
Democrático de Direito. Além disso, a teoria não é uma alternativa real que satisfaça as atuais necessidades
sociais e da teoria da pena. Há uma base para o expansionismo do Direito penal dentro da teoria
fundamentadora, em especial naquela defendida por Jakobs, enquanto a teoria de Welzel, alicerçada numa
atitude interna, supõe a interiorização do Direito pelo castigo, o que fere a dignidade da pessoa humana em sua
liberdade." (SALIBA, Marcelo Gonçalves. Op. cit., p.57).
20
torna-se, portanto, imprescindível que se promova a observância estrita da norma (penal). E
isso se dá com a pena aflitiva – e só com ela. Nesse sentido, o direito penal já teria alcançado
o máximo de sua evolução interna em termos de concepção. Pensar em alternativas pode ser
muito perigoso, pois outras formas de sanção implicariam em ‘renunciar’ à força do ius
puniendi público, necessária para proteger a ordem social. Mesmo quando Jakobs enumera
uma série de situações, nas quais outras sanções poderiam ser aplicadas alternativamente à
pena, não o faz de uma maneira convincente e abrangente, de maneira a libertar-se da visão
45
– tradicional – do direito penal.
Por outro lado, a teoria da prevenção geral positiva limitadora lança suas
raízes na limitação do poder punitivo estatal e observância das garantias jurídicoconstitucionais. A pena, dentro de uma concepção democrática e humanista impõe
limites à utilização do poder punitivo estatal, devendo ser aplicada de maneira
progressiva, prevalecendo a proteção aos direitos fundamentais do ser humano. O
Estado somente deveria atuar quando houver estrita necessidade para defesa dos
bens jurídicos fundamentais. Ademais, o poder punitivo do Estado também deve ser
contido mediante a utilização de uma série de limites como a proporcionalidade, a
legalidade, a intervenção mínima, a culpabilidade46, entre outros.
As teorias até agora apresentadas, em que pesem as diferentes nuances e a
progressiva introdução de princípios humanitários, ainda gravitam em torno da pena
criminal como remédio inafastável para controle e estabilização das relações sociais.
Em contrapartida a essas teorias, desenvolveram-se as idéias abolicionistas.
1.2.4 TEORIAS ABOLICIONISTAS
Ao contrário dos adeptos das teorias retributivas, os partidários das teorias
abolicionistas apregoam a deslegitimação da pena criminal. Dentro desse contexto,
verifica-se a existência de uma corrente extremada, radical, que deslegitima não
somente a coerção penal, como também qualquer meio de coerção social. De outra
45
POSSAS, Mariana Thorstensen. O problema da inovação da teoria da prevenção geral positiva: uma
comparação entre Jakobs e Lhumann. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, n. 56, set/Nov
2005, p. 301.
46
Segundo NILO BATISTA, “o princípio da culpabilidade deve ser entendido, em primeiro lugar, como repúdio
a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva. Mas deve igualmente ser
entendido como exigência de que a pena não seja infligida senão quando a conduta do sujeito, mesmo associada
causalmente a um resultado, lhe seja reprovável. (...) Para além de simples laços subjetivos entre o autor e o
resultado objetivo de sua conduta, assinala-se a reprovabilidade da conduta como núcleo da idéia de
culpabilidade, que passa a funcionar como fundamento e limite da pena.” (BATISTA, Nilo. Op. cit., p.103).
21
toada, vislumbra-se uma corrente moderada, questionadora tão somente do Direito
Penal. 47
PASSETTI, conceituando o abolicionismo penal como “prática libertadora”,
propondo-a como alternativa ao presente (e falido) sistema penal, assevera que o
abolicionismo
não é propriedade de ninguém, não postula ser universal, não se orienta pelo saber dos
profetas intelectuais, das imagens de futuros arruinados. É um discurso estratégico composto
de forças libertadoras das práticas punitivas modernas. Ele quer provocar uma conciliação,
não no âmbito universal fundando uma ordem apaziguadora como imaginaram Sólon e Kant,
celebrando um tratado de paz fomentador de novas dizimações, escravizações. A conciliação
para o abolicionista penal se volta para a imediata situação problema, condição singular que
envolve tragicamente pessoas num instante de suas existências em que foram atacadas,
imoladas, violadas, mortas. Efeito do imprevisível, do intempestivo, da desrazão, do
ressentimento, do desejo, a situação problema abarca desde a vítima e algoz aos envolvidos
48
no acontecimento.
Para os adeptos das correntes abolicionistas, as visíveis desvantagens do
direito penal estatal têm maior influência na sociedade do que seus benefícios.
Segundo ROXIN, eles partem da idéia de que através de um “aparelho de justiça
voltado para o combate ao crime não se consegue nada que não se possa obter de
modo igual ou melhor através de um combate às causas sociais da delinqüência.” 49
Os radicais não aceitam a coerção em nenhuma de suas formas, exercida
pelo Estado, pela sociedade ou até mesmo pelo núcleo familiar. Deslegitimam
“incondicionalmente qualquer tipo de constrição ou coerção, penal ou social”.50 A
vertente moderada tem como característica a reivindicação da “supressão da pena
enquanto medida jurídica aflitiva e coercitiva, e, quiçá, a abolição do direito penal,
sem, contudo, sustentar a abolição de toda e qualquer forma de controle social.” 51
47
COSTA divide o abolicionismo moderno em duas vertentes distintas, uma fulcrada no campo teóricoideológico e outra no campo moral. Para os ideólogos, “o abolicionismo deve antes de tudo analisar
historicamente as estruturas e as práticas repressivas, a genealogia das instituições baseadas na coerção e
também nos discursos que legitimam este modelo.” Já a corrente moralista busca estabelecer “meios alternativos
de resolução de conflitos, considerando que, na prática, o abolicionismo deve representar um papel nãorepressivo e não-punitivo.” (COSTA. Sidney Alves. Abolicionismo e Reforma. In: Ciência Penal: Coletânea de
Estudos em homenagem a Alcides Munhoz Neto. Curitiba: JM Editora, 1999, p. 347).
48
PASSETTI, Edson. A atualidade do abolicionismo penal. In: PASSETTI, Edson. (Coord.). Curso livre de
abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p.16.
49
ROXIN. Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p3.
50
FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 232.
51
Idem.
22
Insta salientar que os movimentos abolicionistas não se confundem com os
movimentos reformadores, caracterizados pela defesa do direito penal mínimo e da
substituibilidade das penas. FERRAJOLI, de maneira didática, esclarece as
diferenças existentes entre as doutrinas abolicionistas, substitutivas e reformadoras:
Considero abolicionistas somente aquelas doutrinas axiológicas que acusam o direito penal
de ilegítimo, ou porque moralmente não admitem nenhum tipo de objetivo como capaz de
justificar as aflições que o mesmo impõe, ou porque consideram vantajosa a abolição da
forma jurídico-penal da sanção punitiva e a sua substituição por meios pedagógicos ou
instrumentos de controle de tipo informal e imediatamente social. Ao contrário, não são
abolicionistas, e sim, mais propriamente, substitutivas aquelas doutrinas criminológicas que,
embora intencionalmente libertadoras e humanitárias, na prática convergem para o
correcionalismo positivistas, o qual, sob o programa da ‘abolição da pena’, propõe, na
verdade, a substituição da forma penal de reação punitiva com ‘tratamentos’ pedagógicos ou
terapêuticos de tipo informal, que permanecem, contudo, sempre institucionalizados e
coercitivos e não meramente sociais. Por derradeiro, são simplesmente reformadoras as
doutrinas penais que preceituam a redução da esfera de intervenção penal, ou, ainda a
abolição da específica pena moderna que constitui a reclusão carcerária em favor das
52
sanções penais menos aflitivas.
Todavia, sem embargo de todo o arcabouço teórico construído em derredor
do abolicionismo, este é alvo de inúmeras críticas face ao seu caráter utópico e
insuficiente para fazer frente aos crescentes índices de violência. Nesse sentido é a
crítica de SILVA SÁNCHEZ:
o abolicionismo costuma argumentar aludindo aos aspectos essenciais, ou inclusive, mais
ainda, à ponta do iceberg do sistema penal, à política criminal em matéria de drogas ou
terrorismo, por exemplo, em um segundo momento, e, a partir da evidência de aspectos
concretos, se rechaça todo o conjunto do sistema. Porém, as propostas alternativas que o
oferece o abolicionismo não se defendem tratando de justificar argumentativamente sua
bondade nestes casos; tampouco nos supostos de criminalidade violenta e outros casos
graves, núcleo do Direito penal em qualquer sociedade contemporânea. Muito pelo contrário,
se exemplificam casos tribais, de bagatela, completamente afastados da realidade do sistema
penal, o que demonstra perfeitamente as limitações da ‘alternativa abolicionista’. Sua
capacidade real de resolução do problema da criminalidade termina onde começa o
53
verdadeiro núcleo do Direito Penal.
Com efeito, a exclusão do poder punitivo da esfera estatal teria como
conseqüência uma sociedade sem regras, com a assunção da vingança privada e
arbitrária como meio primordial de solução de lides, utilizando-se os indivíduos de
meios próprios para proteger interesses particulares.54 Contudo, o cabedal teórico
52
Ibidem, p. 31.
53
Jesús María Silva Sánchez in BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes.Op. cit., p. 236-237
54
“As teses abolicionistas dos sistemas penal e penitenciário, sem embargo, constituem, todavia, verdadeiras
utopias. Assim, assume um papel preponderante, uma reforma penal e penitenciária, gradual do sistema vigente,
23
propiciado pelas teorias abolicionistas não pode ser ignorado, devendo servir de
supedâneo para uma análise crítica do sistema de controle vigente. Deve-se
repensar a construção de um novo sistema focado nas garantias fundamentais do
cidadão, relegando à última instância a aplicação do poder punitivo estatal.
através de uma política criminal alternativa como etapa face à descoberta e à aplicação de novas formas de
controle social. Buscando em última análise, uma total abolição da pena privativa de liberdade como sanção
criminal, a argumentação da política criminal alternativa fundamenta-se na ineficiência do encarceramento como
medida de repressão e prevenção da criminalidade ou de reintegração social.” (COSTA. Sidney Alves. Op. cit.,
p. 347). De igual maneira, ZAFFARONI afirma que “é evidente que não se pode pretender abolir unicamente o
‘direito penal’, sem advogar a abolição de todo o ‘sistema penal’, pois o desaparecimento apenas do primeiro,
que nada mais é do que o discurso de justificação e a pauta do órgão judicial, implicaria somente o cancelamento
do poder dos juristas e a liberação total dos conflitos ao poder dos outros órgãos do sistema penal. Em outros
termos, traduziria apenas uma nova ilusão, muito mais infantil ainda: a de confundir o discurso racionalizador do
exercício do poder do sistema penal com este exercício de poder ou de suprimir o já limitado exercício de poder
do único órgão que pode gerar uma contradição limitadora e, principalmente, afiançadora dentro dos sistemas
vigentes.” (ZAFFARONI, Eugênio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema
penal. Tradução de Vânio Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p.
105-106).
24
2. MULTIPLICIDADE DE INTERESSES NO PROCESSO PENAL E CRISE
2.1 CONTROLE SOCIAL DO CRIME: A CRISE DO SISTEMA RETRIBUTIVO
O sistema punitivo hodierno, como meio de controle social do delito,
apresenta evidentes sinais de fracasso. A doutrina é pacífica em apresentar os
pontos nevrálgicos de sua derrocada, delineando seus critérios desiguais de
aplicação.
55
A rigor, a norma penal possui como destinatário todo indivíduo da sociedade,
sem distinção em relação a qualquer tipo de caractere pessoal, seja cor, sexo, raça,
orientação religiosa e, principalmente, classe social. Alega-se que o crime
representa a violação a um bem jurídico de especial relevo, sem distinção em
relação ao ofensor.
56
Há uma nítida vinculação entre a pena e o interesse da
sociedade na proteção dos bens jurídicos, aos seus valores e à estabilização
social57. Por questão lógica, é facilmente perceptível que a valoração é realizada
anteriormente ao estabelecimento do tipo penal e das penas, devendo assim essa
mensuração refletir os valores relevantes dentro de determinado contexto social.
Desta forma, deveria haver uma íntima relação entre a relevância social dos bens
55
Por todos cite-se BATISTA: “O sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas
em função de suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo determinadas pessoas,
integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas. (As exceções, além de confirmarem a
regra, são aparatosamente usadas para a reafirmação do caráter igualitário). O sistema penal é também
apresentado como justo, na medida em que buscaria prevenir o delito, restringindo sua intervenção aos limites da
necessidade – na expressão de Von Liszt, ‘só a pena necessária é justa’-, quando de fato seu desempenho é
repressivo, seja pela frustração de suas linhas preventivas, seja pela incapacidade de regular a intensidade das
respostas penais, legais ou ilegais. Por fim, o sistema penal se apresenta comprometido com a proteção da
dignidade da pessoa humana – a pena deveria, disse certa ocasião Roxin, ser vista como o serviço militar ou o
pagamento de impostos -, quando na verdade é estigmatizante, promovendo uma degradação na figura social de
sua clientela.” (BATISTA, Nilo. Op. cit., p.25-26).
56
Insta colacionar a interessantíssima crítica de AGNER HELLER: “Retribuição é apenas o princípio justo de
punição. A punição pode ser justa se todas as ações puderem ser imputadas aos seus autores como seres humanos
totalmente livres. Se as pessoas são afetadas por restrições sociais, ainda podemos e devemos atribuir suas ações
a elas. Se as tratamos como filhotes movidos pelas cadeias de circunstâncias, nós lhe tiramos sua mais preciosa
posse: a liberdade moral. E ainda assim, não devemos imputar suas ações a elas, totalmente. Por isso que
precisamos diminuir os padrões de julgamento.” (HELLER, Agnes. Além da justiça. Tradução Savannah
Hartmann. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1998, p. 238).
57
Assim ZAFFARONI e PIERANGELI: “o direito penal deve cumprir um objetivo de segurança jurídica que
não se diferencia, substancialmente, da defesa social bem entendida. (...)Portanto, também, o direito penal tem
uma aspiração ética: aspira evitar o cometimento e repetição de ações que afetam de forma intolerável os bens
jurídicos penalmente tutelados. Com esta aspiração ética, o direito penal participa da aspiração ética geral de
toda a ordem jurídica e nos revela que o direito penal, à medida que vai se aproximando de sua meta
asseguradora, cumpre também uma função formadora do cidadão.” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl;
PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p.94-95).
25
juridicamente protegidos e a valoração penal realizada.58 Todavia, na prática
verificam-se incongruências entre a norma penal e a norma social que denotam a
falibilidade e a desigualdade do sistema penal vigente.59 Apenas a título
exemplificativo, note-se que no ordenamento jurídico pátrio percebe-se maior
rigorismo punitivo nos crimes contra o patrimônio privado, comparativamente aos
mesmos delitos envolvendo violações ao patrimônio público. Cotejando os delitos
sob um prisma ético, conclui-se que a lesividade à sociedade é maior nos crimes
contra os bens públicos, já que indiretamente afetam a todos os indivíduos
isoladamente considerados.
Para os criminólogos, (ainda que não seja posição remansosa entre os
juristas), o sistema retributivo, nos moldes atuais, é desigual na sua aplicação60. Nas
58
BARATTA discorre sobre o fim oculto da fragmentariedade: “No que se refere à seleção dos bens protegidos
e dos comportamentos lesivos, o ‘caráter fragmentário’ do direito penal perde a ingênua justificação baseada
sobre a natureza das coisas ou sobre a idoneidade técnica de certas matérias, e não de outras, para ser objeto de
controle penal. Estas justificações são uma ideologia que cobre o fato de que o direito penal tende a privilegiar
os interesses das classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalização comportamentos socialmente
danosos típicos dos indivíduos a elas pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação
capitalista, e tende a dirigir o processo de criminalização, principalmente, para formas de desvio típicas das
classes subalternas. Isto ocorre não somente com a escolha dos tipos de comportamentos descritos na lei, e com a
diversa intensidade da ameaça penal, que freqüentemente está em relação inversa com a danosidade social dos
comportamentos, mas com a própria formulação técnica dos tipos legais. Quando se dirigem a comportamentos
típicos dos indivíduos pertencentes às classes subalternas, e que contradizem às relações de produção e de
distribuição capitalistas, eles formam uma rede muito fina, enquanto a rede é freqüentemente muito largo quando
os tipos legais têm por objeto a criminalidade econômica, e outras formas de criminalidade típicas dos indivíduos
pertencentes às classes de poder.” (BARATTA, Alessandro. Op. cit., p.165).
59
MUÑOZ CONDE assevera que “determinadas classes ou grupos sociais desenvolvem estratégias de contenção
ou neutralização das normas penais, quando estas podem afetar seus interesses de classes. Podemos citar o caso
dos delitos econômicos, em que slogans como 'economia de mercado’, ‘liberdade de imprensa’, etc., às vezes são
utilizados como pretexto, justificação ou escusa dos mais graves atentados aos interesses econômicos coletivos.”
(CONDE, Francisco Muñoz. Direito Penal e Controle Social. Rio de Janeiro: Forense, ano 2005, p.25).
60
ZAFFARONI e BATISTA apresentam, com didatismo, as duas etapas do processo seletivo de criminalização:
“O processo seletivo de criminalização se desenvolve em duas etapas denominadas respectivamente, primária e
secundária. Criminalização primária é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou
permite a punição de certas pessoas. Trata-se de um ato formal fundamentalmente programático: o deve ser
apenado é um programa que deve ser cumprido por agências diferentes daquelas que o formulam. Em geral, são
as agências políticas (parlamentos, executivos, que exercem a criminalização primária, ao passo que o programa
por elas estabelecido deve ser realizado pelas agências de criminalização secundária (policiais, promotores,
advogados, juízes, agentes penitenciários). Enquanto a criminalização primária (elaboração de leis penais) é uma
declaração que, em geral, se refere a condutas e atos, a criminalização secundária é a ação punitiva sobre pessoas
concretas, que acontece quando as agências policiais detectam uma pessoa que supõe-se tenha praticado certo
ato criminalizado primariamente, a investigam, em alguns casos privam-na de sua liberdade de ir e vir,
submetem-na a agência judicial, que legitima tais iniciativas e admite um processo (ou seja, o avanço de uma
série de atos em princípio públicos para assegurar se, na realidade, o acusado praticou aquela ação); no processo,
discute-se publicamente se esse acusado praticou aquela ação e, em caso afirmativo, autoriza-se a imposição de
uma pena de certa magnitude que, no caso de privação de liberdade de ir e vir da pessoa, será executada por uma
agência penitenciária.” (ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA Nilo. Op. cit., p.43).
26
palavras de SALIBA, há uma “seletividade deslegitimante”61. O sistema é
direcionado para a reprodução do modo de produção capitalista, servindo aos
interesses das classes privilegiadas, sendo aplicado tão somente em alguns estratos
sociais. Existe uma correlação entre determinadas espécies de delitos e respectivas
classes sociais onde se registra maior incidência delitiva. Uma das maiores
evidências da estratificação do sistema penal é a existência dos crimes de colarinho
branco (ou delinqüência dourada)62. O crime de colarinho branco pode ser definido
como “aquele que é cometido por uma pessoa de respeitabilidade e alto status
social, no exercício da sua ocupação.“63
64
No Brasil, podemos citar como exemplo
os delitos contra o sistema financeiro (Lei nº 7.492/86), delitos contra o consumidor
(Lei nº 8.078/90), crimes contra a ordem tributária (Lei nº8.137/90), crimes contra a
ordem econômica (Lei nº 8.176/91), delito de lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98) e
crimes contra a administração pública (Lei 8.429/92).
A cifra negra ou oculta da criminalidade65 é outro reflexo das falhas do
desacreditado sistema, sendo mais um elemento deslegitimador. Como aponta
61
SALIBA, Marcelo Gonçalves. Op. cit., p.74.
62
Segundo LOLA ANYAR DE CASTRO, “além da cifra negra dos delinqüentes que escapam a toda detenção
oficial, existe uma cifra dourada de delinqüentes que detêm o poder público e o exercem impunemente, lesando a
coletividade e cidadãos em benefício de sua oligarquia, ou que dispõem de um poderio econômico que se
desenvolve em detrimento da sociedade.” (CASTRO. Lola Anyar de. Criminologia da reação social. Tradução
de Ester Kosovski. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p.75).
63
Ibidem, p.77.
64
CELSO ANTONIO TRÊS apresenta a origem do termo: “O termo ‘white collar crimes’ – expressão inglesa a
designar os cognominados ‘crimes do colarinho branco’ – foi cunhado por Edwin H. Sutherland, a 27 de
dezembro de 1939, quando de sua exposição perante a ‘American Sociological Society’. De trânsito comum em
todos os idiomas, o termo batizou a clássica obra de Sutherland – ‘White Collar Crime’ – em torno da
delinqüência do ‘colarinho branco’. Conquanto construída, em meados do século XX, a partir de uma
perspectiva sociológica, a tese veio a tornar-se referência no âmbito da criminologia, fixando-se como um marco
científico e merecendo o aplauso e a respeitosa atenção da comunidade jurídica internacional. Edwin H.
Sutherland define os ‘white collar crimes’ à luz de uma perspectiva subjetivo-profissional, identificando-os
como sendo os delitos cometidos por pessoas dotadas de respeitabilidade e elevado status social, no âmbito de
seu trabalho. São dois, portanto, os pontos de apoio do conceito proposto: o status do autor e a conexão da
atividade criminosa com sua profissão.” (TRÊS, Celso Antonio. Teoria geral do delito pelo colarinho branco.
Curitiba: Imprensa Oficial, 2006, p. 9).
65
Insta colacionar a conceituação de LOLA ANYAR DE CASTRO “Criminalidade legal é aquela que aparece
registrada nas estatísticas oficiais, as quais, geralmente, como sucede na Venezuela, são estatísticas que
registram somente os casos em que houve condenação. A criminalidade aparente seria toda a criminalidade que é
conhecida por órgãos de controle social – a polícia, os juízes, etc. -, ainda que não apareça registrada nas
estatísticas (porque ainda não tem sentença, porque houve desistência da ação, ou porque não se encontrou o
autor, ou porque, por múltiplas razões legais ou factuais, o processo não seguiu o seu curso normal). A
criminalidade real é a quantidade de delitos verdadeiramente cometida em determinado momento. Pode-se, pois,
observar facilmente, que há diferença de volume entre criminalidade aparente, criminalidade legal e
criminalidade real e que esta última não é conhecida na sua real extensão. Entre a criminalidade real e a
criminalidade aparente, há uma enorme quantidade de casos que jamais serão conhecidos pela polícia. Esta
27
CALHAU, a “cifra negra é uma das responsáveis pela falta de legitimidade do
sistema penal vigente no Brasil, pois uma quantidade ínfima de crimes chega ao
conhecimento do Poder Público, e desta, uma grande parte não recebe nenhuma
resposta por parte do Estado.” 66
BARATTA, em sua clássica obra, critica a presunção de igualdade inerente ao
Direito Penal. Segundo ele, o mito da igualdade pressupõe proteger o Direito Penal
igualmente todos os cidadãos, havendo igualdade na proteção dos interesses
sociais, bem como na criminalização da conduta. Todavia, desmonta os
pressupostos do “mito” mediante as seguintes críticas:
a) O direito penal não defende todos e somente os bens essenciais, nos quais estão
igualmente interessados todos os cidadãos, e quando pune as ofensas aos bens essenciais o
faz com intensidade desigual e de modo fragmentário;
b) a lei penal não é igual para todos, o status de criminoso é distribuído de modo desigual
entre os indivíduos;
c) o grau efetivo de tutela e a distribuição do status de criminoso é independente da
danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei, no sentido de que estas não
67
constituem a variável principal da reação criminalizante e da sua intensidade.
Igualmente crítico é ZAFFARONI, aludindo a três personagens históricos para
demonstrar a seletividade do sistema vigente:
Não é difícil imaginar Cristo ou Buda condenados por ‘vadiagem’ e, na pior das hipóteses,
‘desaparecidos’ por terem atentado contra a ‘segurança nacional’, ou São Francisco
institucionalizado em um manicômio, submetido a especialistas que controlariam seu “delírio
místico” com choques elétricos ou com “camisa-de-força química”. É possível, assim,
perguntar que tipo de insensatez histórica significa pretender a existência, em algum
momento, de um sistema penal que haja expropriado o Direito da vítima para realizar o
princípio de que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e Direitos. Sem
dúvida, trata-se de uma insensatez histórica somente comparável com a insensatez que
pretende a futura experiência um sistema penal que, com a estrutura de qualquer um dos
atuais, se inspiraria no princípio da igualdade, quando sabemos que a operatividade seletiva
68
é da essência de qualquer sistema.
Como visto, o sistema apresenta-se repressor e segregador. Dentro desse
contexto, a prisão funciona como principal instrumento de perpetuação do sistema.
diferença é o que se denomina cifra obscura, cifra negra ou delinqüência oculta. A diferença entre a
criminalidade real e a aparente, seria, pois, dada pela cifra negra.” (CASTRO. Lola Anyar de. Op. cit., p.67-68).
66
CALHAU, Lélio Braga. Vítima, justiça criminal e cidadania: o tratamento da vítima como fundamento para
uma efetiva cidadania. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: RT, n. 31, jul./set.2000, p.229
67
BARATTA, Alessandro. Op. cit., p.162.
68
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Op. cit., p. 148-149.
28
Fala-se muito no fracasso de seus fins explícitos69, muito embora o sistema
carcerário tenha atingido seus fins implícitos. JUAREZ CIRINO, de maneira
esclarecedora, aponta os objetivos aparentes e os objetivos ocultos da prisão:
Os objetivos ideológicos do aparelho penal se resumem nas metas de repressão da
criminalidade e de controle/redução do crime. Os objetivos reais do aparelho penal consistem
numa dupla reprodução: reprodução da criminalidade pelo recorte de formas de criminalidade
das classes e grupos sociais inferiorizados (com exclusão da criminalidade das classes e
grupos sociais dominantes) e reprodução das relações sociais, porque a repressão daquela
criminalidade funciona como ‘tática de submissão ao poder’ empregada pelas classes
70
dominantes.
A prisão funciona como um meio de sustentação das estruturas de poder
vigentes. Nesse aspecto, é a lição de FOUCAULT, ao colocar a disciplina71 como
instrumento de controle social capitalista, alicerçado em uma estrutura panóptica das
relações sociais englobando as classes dominadas, aduzindo ser a instituição
carcerária reprodutora das relações de poder e estrutura de classes da sociedade. 72
69
Nas palavras de JUAREZ CIRINO, “a função explícita da prisão é o exercício do poder de punir,
quantificando o valor de troca do tempo individual, a ‘forma salário’ da privação de liberdade: o tempo,
equivalente geral de troca do crime, é ‘mercadoria’ de propriedade geral (bem jurídico comum) e, portanto,
critério ‘ideal’ de quantificação da pena. A prisão realiza, como aparelho jurídico, a ‘contabilidade econômico
moral’ do condenado, deduzindo a dívida do crime na moeda do tempo, e como aparelho disciplinar, reproduz os
mecanismos do corpo social para a transformação coativa do condenado.” (SANTOS, Juarez Cirino dos. A
criminologia radical. Curitiba: Lumen Júris, 2006, p.80).
70
Ibidem, p.82.
71
“A ‘disciplina’ não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é um tipo de poder,
uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos,
de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma ‘física’ ou uma ‘anatomia’ do poder, uma tecnologia. E pode ficar a
cargo seja de instituições ‘especializadas’ (as penitenciárias, ou as casas de correção do século XIX), seja de
instituições que dela se servem como instrumento essencial para um fim determinado (as casas de educação, os
hospitais), seja de instâncias preexistentes que nela encontram uma maneira de reforçar ou de reorganizar seus
mecanismos internos de poder (um dia se precisará mostrar como as relações intrafamiliares, essencialmente na
célula pais-filhos, se ‘disciplinaram’, absorvendo desde a era clássica esquemas externos, escolares, militares,
depois médicos, psiquiátricos, psicológicos, que fizeram da família o local de surgimento privilegiado para a
questão disciplinar do normal e do anormal), seja de aparelhos que fizeram da disciplina seu princípio de
funcionamento interior (disciplinação do aparelho administrativo a partir da época napoleônica), seja enfim de
aparelhos estatais que têm função não exclusiva, mas principalmente fazer reinar a disciplina na escala de uma
sociedade (a polícia).” (FOUCAULT, Michel. Op. cit., p.177-178).
72
BARATTA apresenta em breves palavras uma intensa crítica à prisão: “A comunidade carcerária tem, nas
sociedades capitalistas contemporâneas, características constantes, predominantes em relação às diferenças
nacionais, e que permitiram a construção de um verdadeiro e próprio modelo. As características deste modelo, do
ponto de vista que mais nos interessa, podem ser resumidas no fato de que os institutos de detenção produzem
efeitos contrários à reeducação e a reinserção do condenado, e favoráveis à sua estável inserção na população
criminosa. O cárcere é contrario a todo moderno ideal educativo, porque este promove a individualidade, o autorespeito do indivíduo, alimentado pelo respeito que o educador tem dele. As cerimônias de degradação no início
da detenção, com as quais o encarcerado é despojado até dos símbolos exteriores da própria autonomia
(vestuário o objetos pessoais), são opostos de tudo isso. A educação promove o sentimento de liberdade e de
espontaneidade do indivíduo: a vida no cárcere, como universo disciplinar, tem um caráter repressivo e
uniformizante.” (BARATTA, Alessandro. Op. cit., p.183-184).
29
Vislumbra-se de maneira nítida o fracasso da tão festejada prevenção especial
positiva.73 Como já exposto anteriormente, a clamada ressocialização74 padece de
legitimidade em um Estado Democrático, frente aos direitos individuais e o direito à
diferença. Ademais, a doutrina é unânime em afirmar o malogrado dos ideais
ressocializantes. Assim atestam BUSATO e HUAPAYA:
A estrita orientação do conceito de ressocialização se encontra já superada. A
ressocialização, que é uma das finalidades presentes na prevenção especial, evidencia seu
fracasso empírico. Por um lado, resulta uma contradição que dentro das condições atuais que
oferecem as prisões se possa falar de um eficaz tratamento ressocializador, ainda quando
existem razões fundadas para supor que – pelo menos na execução tradicional da pena
75
privativa de liberdade – o cumprimento de uma pena estimula a recaída no delito.
Do mesmo modo, a frustração dos ideais da prevenção especial negativa
apresenta-se evidente. CIRINO, com sua habitual perspicácia, desenvolve seis
pontos que evidenciam o fracasso dos aludidos ideais:
a) a privação da liberdade produz maior reincidência – e, portanto, maior criminalidade -, ou
pelos reais efeitos nocivos da prisão, ou pela seletividade desencadeada pela mera prognose
negativa da condenação anterior;
b) a privação da liberdade exerce influência negativa na vida real do condenado, mediante
desclassificação social objetiva, com redução das chances de futuro comportamento legal e
formação subjetiva de uma auto-imagem de criminoso – portanto, habituado à punição;
c) a execução da pena privativa de liberdade representa a máxima desintegração social do
condenado, com a perda do lugar de trabalho, a dissolução dos laços familiares, afetivos e
sociais, a formação pessoal de atitudes de dependência determinadas pela regulamentação
da vida prisional, além do estigma social de ex-condenado;
d) a subcultura da prisão produz deformações psíquicas e emocionais no condenado que
excluem a reintegração social e realizam a chamada self fulfilling prophecy, como disposição
aparentemente inevitável de carreiras criminosas;
e) prognoses negativas fundadas em indicadores sociais desfavoráveis, como pobreza,
desemprego, escolarização precária, moradia em favelas, etc, desencadeiam estereótipos
73
Assim assevera CIRINO DO SANTOS: “A crítica científica à ineficácia dos princípios da ideologia punitiva
(correção, trabalho, educação, penitenciária, modulação da pena, controle técnico da correção, etc) costuma
indicar que a prisão não reduz a criminalidade, provoca a reincidência, fabrica delinqüentes e favorece a
organização de criminosos. De fato, a história do projeto ‘técnico-corretivo’ do sistema carcerário é a história
simultânea de seu fracasso: o ‘poder penitenciário’ se caracteriza por uma ‘eficácia invertida’, através da
produção da reincidência criminal, e pelo ‘isomorfismo reformista’, com a reproposição do mesmo projeto
fracassado em cada constatação histórica de seu fracasso.” (SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia...,
p.81).
74
Discorrendo sobre o fracasso dos ideais ressocializadores, MAIOR NETO: “Na realidade, o mito da
ressocialização só se presta para dar base a teorias que reclamam um tipo de autor e que, utilizando de medidas
de segurança aplicada a imputáveis, permite a prisão perpétua daqueles que não se conformam à condição social
inferior, que não são dóceis às estruturas injustas que o marginalizam na distribuição do trabalho, da cultura, da
saúde, enfim, dos benefícios da sociedade (...) ...pode-se concluir no sentido de que a execução da pena funciona
como fator de degradação do remanescente moral do condenado e de estigmatização social, nunca de
ressocialização do mesmo.” (MAIOR NETO, Olympio de Sá Sotto. Considerações críticas em torno de três
princípios fundamentais do direito penal. In: Ciência Penal: Coletânea de Estudos em homenagem a Alcides
Munhoz Neto. Curitiba: JM Editora, 1999, p. 326).
75
BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Op. cit., p. 225.
30
justificadores de criminalização para correção individual por penas privativas de liberdade,
cuja execução significa experiência subcultural de prisionalização, deformação pessoal e
ampliação da prognose negativa de futuras reinserções no sistema de controle;
f) finalmente o grau de periculosidade criminal do condenado é proporcional à duração da
pena privativa de liberdade, porque quanto maior a experiência do preso com a subcultra da
prisão, maior a reincidência, e, portanto, a formação de carreiras criminosas, conforme
76
demonstra o labeling approach.
Há um nítido caráter excludente na aplicação do poder punitivo estatal, que
possui por consectário a estigmatização. A seletividade nos grupos sociais
marginalizados cria, nas palavras de LOLA ANYAR DE CASTRO, um verdadeiro
“etiquetamento”77 do indivíduo, conferindo-o a pecha de criminoso, delinqüente,
desordeiro, sedimentando a exclusão e impossibilitando qualquer possibilidade de
ascensão social. Não se questiona ao ofensor o porquê de seu aprisionamento,
mas tão somente se esteve encarcerado, numa modalidade gritante de ostracismo
social. Fixam-se estereótipos nas classes dominadas, que devem ser normalizadas.
Pela lógica atinente ao sistema, devem-se pautar condutas às classes reprimidas,
afastando-as das classes dominantes, imunizando os estratos detentores do poder.
Todo o discurso do sistema vigente orienta-se pela racionalização do poder punitivo
estatal e pela observância às garantias fundamentais do indivíduo. Todavia, há uma
escolha política da conduta considerada criminosa, sendo as garantias individuais,
na real operacionalidade do sistema punitivo, observadas pelos operadores das
agências de poder somente para alguns selecionados. JUAREZ CIRINO, no prefácio
da obra paradigmática de ALESSANDRO BARATTA, afirma que:
a criminalidade não seria um dado ontológico preconstituído, mas realidade social construída
pelo sistema de justiça criminal através de definições e da reação social; o criminoso não
seria um indivíduo ontologicamente diferente, mas um status social atribuído a certos sujeitos
selecionados pelo sistema penal. (...) Assim, a criminalidade não seria simples
comportamento violador da norma, mas ‘realidade social’ construída por juízos atributivos,
determinados, primariamente, pelas meta-regras e, apenas secundariamente, pelos tipos
penais: juízes e tribunais seriam instituições determinantes da ‘realidade’, mediante
76
77
SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria..., p.25-26.
LOLA ANYAR DE CASTRO, ao dissertar sobre o etiquetamento: “São os principais elementos de
identificação: elevam o individuo por cima dos que o rodeiam, tornando-o visível e ao mesmo tempo invisível.
Mais visível porque a etiqueta, ao fazê-lo diferente, o separa do grupo; e invisível porque é assim que a sua
verdadeira identidade se perde. A etiqueta, pois obscurece e esconde todas as demais características do
indivíduo.” De igual modo, demonstra a existência de um auto etiquetamento, decorrente do processo de
estigmatização: “As etiquetas sociais criam auto-etiquetas: isto quer dizer que a pessoa se percebe a si mesma
como sente que os demais a vêem. A autopercepção encontra-se, assim, compelida a situar-se no molde da
percepção dos outros. Através de um processo de resignação, de vergonha ou de sentimento de estranhamento, o
indivíduo começa a percorrer o corredor que vai conduzi-lo a um novo papel. Isto é importante, porque a partir
desse momento e à medida que se avança por este corredor, as possibilidades de ‘reabilitação’ diminuem.”
(CASTRO. Lola Anyar de. Op. cit., p.104)
31
sentenças atributivas de qualidades aos imputados, com estigmatizacão, mudança de status
78
e de identidade social do condenado.
A participação dos agentes do sistema punitivo estatal como sistema de
controle social, na perpetuação das estruturas classistas, evidencia-se pelas
sentenças atributivas de qualidades negativas aos delinqüentes, como bem exposto
por Cirino.
79
O inchaço dos índices de criminalidade repercute nos agentes
midiáticos sob a alegação da falta de rigorismo punitivo pelos agentes estatais,
acarretando um verdadeiro processo inflacionário legislativo, o que somente
alimenta o fracassado sistema penal vigente. O poder legislativo, atuando como uma
verdadeira metralhadora legiferante, aumenta o rol de condutas criminalizadas, no
afã de tentar conter a violência crescente. Contudo, não se atêm aos verdadeiros
motivos da explosão de violência interclasses sociais, atuando de maneira inócua na
tentativa de reduzir os índices de violência. Instaura-se, nos dizeres de JOÃO
GUALBERTO GARCEZ RAMOS, um Direito Penal do Terror.80
78
SANTOS, Juarez Cirino. Anatomia de uma criminologia crítica. In: BARATTA, Alessandro. Op, cit., p.11-12.
79
Em antológico trecho de sua obra, AURY LOPES JR. demonstra o enraizamento dos valores implícitos de
controle social deslegitimado nos magistrados: “Aqui está um outro grave problema: o juiz que assume ‘uma
cultura subjacente, de forte conotação de defesa social, incrementada pela ação persistente dos meios de
comunicação, reclamando menos impunidade e maior rigor penal, derivada, por sua vez, de uma cultura geral
política autoritária, como a herdada nos países latino americanos’, que afeta o juiz (enquanto homem político e
social), fazendo com que ele imponha uma concepção de processo menos dialética e igualitária para as partes.
É aquele juiz que absorve esse discurso de limpeza social e assim passa a atuar, colocando-se no papel de
defensor da lei e da ordem, verdadeiro guardião da segurança pública e da paz social. A situação é grave, na
medida em que tudo isso se reflete na eleição e no próprio sentir do ato decisório, pois a sentença é reflexo da
eleição de uma das teses a ele submetidas (acusação e defesa), bem como de um juízo axiológico da prova e da
lei aplicável ao caso. Esse juiz representa uma das maiores ameaças ao processo penal e à própria administração
da justiça, pois é presa fácil dos juízos apriorísticos de inverossimilitude das teses defensivas; é adepto da
banalização das prisões cautelares; da eficiência antigarantista do processo penal; dos poderes investigatórios do
juiz; do atropelo de direitos e garantias fundamentais (especialmente daquela ‘tal’ presunção de inocência); da
relativização das nulidades pro sociedate; é adorador do rótulo “crime hediondo”, pois a partir dele pode tomar
as mais duras decisões sem qualquer esforço discursivo (ou mesmo fundamentação); introjeta com facilidade os
discursos de “combate ao crime”, como (paleo)positivista, acredita no dogma da completude do sistema jurídico,
não sentindo o menor constrangimento em dizer que algo “é injusto, mas é a lei, e, como tal, não lhe cabe
questionar”; sente-se à vontade no manejo dos conceitos vagos, imprecisos e indeterminados (do estilo “prisão
para garantia da ordem pública”, “homem médio”, “crimes de perigo abstrato”, etc) pois lhe permitem ampla
manipulação, etc. Mas, principalmente, esse juiz transforma o processo numa encenação inútil, meramente
simbólica e sedante, pois desde o início já tem definida a hipótese acusatória como verdadeira. Logo, invocando
mais uma vez CORDEIRO, esse juiz, ao eleger de início a hipótese verdadeira, não faz no processo mais do que
uma encenação destinada a mascarar a hábil alquimia de transformar os fatos em suporte da escolha inicial. Ou
seja, não decide a partir dos fatos apresentados no processo, senão da hipótese inicialmente eleita como
verdadeira. A decisão não é construída a partir da prova, pois ela já foi tomada de início. É o prejuízo que
decorre do pré-juízo”. (LOPES JR. Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da
instrumentalidade garantista. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 77-78).
80
O autor, em obra apresentada no seu mestrado em Direito Penal pela Universidade Federal do Paraná, aponta
as características do Direito Penal do Terror: “criação de um clima de guerra, em que o criminoso é visto como
um inimigo a ser alvejado, sanções penais violentas, discurso penal marcado pela demagogia, criação de tipos
penais sem critério que não a necessidade contingente e, por vezes, falsa ou tendenciosa de obter, da população,
32
Outro elemento que denota a inconstitucionalidade das penas retributivas no
sistema vigente é a extensão da aplicação do sofrimento, que perpassa o ofensor e
atinge pessoas de seu convívio. Com efeito, a aplicabilidade das sanções
pecuniárias em nossa sociedade não coaduna com a realidade da “clientela” do
direito penal. Existem limitações naturais nas condições materiais das camadas
subalternas da sociedade, atingidas pelo poder punitivo do sistema de controle
social hodierno. A imposição de sanção pecuniária ultrapassa a figura do ofensor,
afligindo sofrimento aos demais membros da família e seus dependentes. No Brasil,
essa situação é agravada pelo fato de muitas vezes o executado não pagar, por
absoluta ausência de pecúnia no momento da condenação ou de bens penhoráveis,
impedindo a extinção do poder de punir estatal. Assim, amplia-se o processo de
vigilância sobre o ofensor, num sistema executório que periodicamente analisa o seu
patrimônio, numa amplificação do processo marginalizador do sistema vigente.
Diante dessa realidade, FERRAJOLI prega pela abolição das sanções pecuniárias,
eis que “aberrantes”, “impessoais” e “desiguais”.81
Assim, diante das críticas apresentadas, vislumbra-se que o sistema vigente
não encontra respaldo no sentimento de justiça social, afastando-se a dogmática
jurídico penal das garantias fundamentais (que deveriam ser) inerentes a todo ser
humano. A pena, como sempre utilizada na história do sistema punitivo, afastou-se
de suas funções, tornando-se um sinônimo de opressão. Nesse aspecto,
FERRAJOLI define a história da retribuição penal como
a mais horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos: porque
mais cruéis e mais numerosos do que as violências produzidas pelos delitos têm sido das
produzidas pelas penas e porque, enquanto o delito costuma ser uma violência ocasional e às
vezes impulsiva e necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre programada,
consciente, organizada por muitos contra um. Frente à artificial função de defesa social, não é
arriscado afirmar que o conjunto das penas cominadas na história tem produzido ao gênero
condutas ou omissão de condutas, etc. (...) Um preconceito relativo à expressão deve ser, desde logo, afastado: o
de que ela designa um Direito Penal preocupado predominantemente com condutas criminosas graves, que
agridem todos os estamentos sociais. Na verdade, porém, o ‘terrorismo’ no Direito Penal, que tem muito um
sentido de ‘alarmismo’, revela-se precisamente nos crimes de pequena monta, que a doutrina penal
convencionou denominar ‘crimes de bagatela’. A rigor, esse ‘alarmismo’ revela-se com muito maior nitidez
exatamente nas condutas escassamente relevantes, pois as graves efetivamente, mereceriam, mesmo sem ele,
respostas penais mais graves, sendo difícil identificar se e onde ocorreu o eventual exagero. O que faz, no mais
das vezes, o “Direito Penal do Terror”, é tratar as condutas pouco agressivas como se fossem graves,
merecedoras de respostas penais à altura. O veículo desse discurso é, não raras vezes, a demagogia.” (RAMOS,
João Gualberto Garcez. A inconstitucionalidade do “Direito Penal do Terror”. Curitiba: Juruá, 1991, p. 3435).
81
FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 334.
33
humano um custo de sangue, de vidas e de padecimento incomparavelmente superior ao
82
produzido pela soma de todos os delitos.
A
crise
contemporânea
do
sistema
retributivo
assenta-se
na
sua
arbritariedade e na violação frontal do princípio basilar da igualdade, não devendo
ser o sistema punitivo um instrumento de perpetuação das diferentes classes
sociais83. Os critérios legitimadores que por muito tempo serviram de supedâneo
encontram-se superados, permitindo uma revolução ética e moral, com a construção
de um novo paradigma punitivo, sustentado numa perspectiva humanista, de forma
a conferir-lhe legitimidade.
2.2 O papel da vítima, o ofensor e a comunidade
De maneira preliminar ao estudo do presente tópico, faz-se necessária uma
conceituação, ainda que breve, da vítima. Consoante a “Declaração dos Princípios
Básicos de Justiça para Vítimas de Crime e Abuso de Poder” das Nações Unidas, de
1985, a vítima de crime pode ser definida como
Pessoa que, individual ou coletivamente, tenha sofrido danos, inclusive lesões físicas ou
mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos
fundamentais, como conseqüência de ações ou omissões que violem a legislação penal
84
vigente nos Estados-Membros, incluída a que prescreve o abuso de poder.
São diversas as acepções do vocábulo vítima. Utilizando-se de um conceito
jurídico extensivo, SCARANCE FERNANDES a define como sendo todas as
pessoas “que em razão da ofensa a uma norma jurídica substantiva, viessem a
sofrer algum prejuízo, algum dano, alguma lesão.”
82
85 86
A expressão “vítima” deriva
Ibidem, p.310.
83
Insta colacionar a brilhante crítica de CIRINO: “o generalizado reconhecimento da ineficácia corretiva e dos
efeitos nocivos da pena privativa de liberdade é disfarçado ou encoberto, como observam
PILGRAM/STEINERT, por freqüentes declarações simplistas de que ainda não temos nada melhor do que a
prisão.” (SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria..., p. 8).
84
Assembléia Geral das Nações Unidas. Resolução nº 40/34, de 29 de novembro de 1985.
85
FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros Editores,
1995, p. 40.
86
Apresentando, de igual maneira, um conceito jurídico amplo, FARIAS JÚNIOR: “Entende-se por vítima,
qualquer pessoa que sofra infaustos resultados, seja de seus próprios atos, seja dos atos de outrem, seja de
influxos nocivos ou deletérios, seja de fatores criminógenos, ou seja do acaso.” (FARIAS JÚNIOR, João.
Manual de Criminologia. Curitiba: Juruá, 1996, p.251).
34
do latim87 “victima, ae”, que significa “a pessoa ou animal que se destinaria a um
sacrifício.”
88
A etimologia da palavra demonstra que o vocábulo carrega consigo a
noção de sofrimento. Nesse sentido, a lição de MAYR:
A vítima é, em um sentido amplo, o ser que sofre injustamente. O termo é de origem latina:
vítima significa a criatura oferecida em sacrifício aos deuses. Os dois traços característicos da
89
vítima são, portanto, o sofrimento e a injustiça. Injusto, mas não necessariamente ilegal.
No transcurso da história penal, o tratamento conferido à vítima é dividido de
maneira genérica pela doutrina em três grandes fases. Em um primeiro momento,
comumente descrito como a “idade de ouro”, e que persistiu até o fim da Alta Idade
Média, a vítima possuía papel de destaque dentro dos estudos penais. Esta fase
correspondia ao período da justiça privada, em que o ofendido era o cerne do
sistema penal, podendo requerer a vingança ou a compensação. Imperava a lei do
talião, a composição e um processo de nítido viés acusatório.
Em um segundo momento, ocorre uma crescente perda do poder da vítima,
chegando-se à sua neutralização. O Estado, por meio de poderes públicos,
monopoliza a reação ao delito, objetivando realizar o controle social. Consoante
preleciona SCARANCE, “com o fortalecimento das Monarquias e do Estado
Moderno, a vítima é relegada definitivamente a segundo plano.”
90
As luzes do
sistema penal são direcionadas para o delinqüente pelas escolas positivistas.91
Como afirma MADLENER, “de sua posição central, a vítima deslocou-se à uma
87
Segundo SCARANCE, existem variadas explicações sobre a origem da palavra “vítima” nessa língua: “São
mencionadas duas fontes principais. Deriva ela de ‘vincire’, que significa atar, ligar, referindo-se aos animais
destinados ao sacrifício aos deuses após a vitória na guerra e que, por isso, ficavam vinculados, ligados, atados a
esse ritual, no qual seriam vitimados. Adviria o vocábulo de ‘vincere’, que tem o sentido de vencer, ser
vencedor, sendo vítima o vencido, o abatido. Fala-se ainda no termo ‘vigere’, que quer dizer ser vigoroso, ser
forte, pois a vítima era um animal robusto e grande em comparação com a ‘hostia’, que era um animal pequeno.
Mas, apesar dessas possíveis significações, preponderou a afirmação de que vítima era o animal abatido aos
deuses, fosse o ‘animal vigoroso e forte’, ou aquele ‘separado, ligado ao ritual de sacrifício’, ou ainda o animal
que representasse o agradecimento aos deuses pela vitória na guerra.” (FERNANDES, Antonio Scarance. Op.
cit., p. 30-32).
88
PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia. Evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1993, p.86.
89
MAYR, Eduardo. Vitimologia e Direitos Humanos. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: RT,
n. 37, jan./mar.2002, p.235.
90
91
FERNANDES, Antonio Scarance. Op. cit., p. 15.
Conforme assevera AMARAL, a “Escola Positivista é emblemática para estampar o esquecimento no qual a
vítima caiu, pois tentou explicar o crime unicamente a partir do estudo sistemático e científico do delinqüente.”
(AMARAL, Cláudio do Prado. Despenalização pela reparação dos danos – a terceira via. São Paulo: J.H.
Mizuno, 2005, p.122).
35
posição marginal.”92 O Estado, ao assumir a função de garante da ordem pública e
da estabilidade das relações sociais, subtraiu das partes envolvidas no conflito a sua
vontade. A assunção do monopólio da vontade e da justiça legitima-se na idéia de
que a conduta desviante ofende a coletividade, independendo a resposta, por
dedução, da vontade da vítima. Segundo ZEHR, as vítimas são “meras notas de
rodapé no processo penal, juridicamente necessárias apenas quando seu
testemunho é imperativo.”93 Verifica-se um processo de “desvitimização, que
colocou o sujeito diretamente lesionado no nível do dispensável.”
94
Já REZENDE
MELO afirma haver uma despersonalização da vítima,
seja para ser vista como repositório de valores materiais dos quais se vê privado e dos quais
deseja se apossar, seja para ser encarada como alvo de descarga de um ressentimento que
igualmente o marca por um não-lugar que a relação interpessoal ou social lhe reserva como
95
seu.
Na terceira fase vislumbra-se o redescobrimento da vítima, com uma
revalorização do seu papel no sistema penal. Percebe-se uma crescente tendência
no sentido de revitalizar a vontade do ofendido.96 O discurso penal passa a triangular
as relações do sistema penal, incluindo a vítima ao lado do Estado e do delinqüente.
Nesse sentido é a lição de FIGUEIREDO DIAS:
...o discurso penal, até então exclusiva ou predominantemente feito na base do diálogo entre
o Estado – como face da sociedade punitiva – e o delinqüente, não poderia furtar-se mais a
reflectir o carácter (não simplesmente angular, tendo o Estado como vértice, mas
97
verdadeiramente) triangular das relações mútuas entre o Estado, o delinqüente e a vítima.
92
MADLENER, Kurt. Compensação, restituição, sanção pecuniária e outras vias e meios de reparar o dano às
vítimas do crime através dos tribunais. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano 3, n.10, p.52,
abr./jun. 1995.
93
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tônia Van Acker.
São Paulo: Palas Athenas, 2008, p.79.
94
AMARAL, Cláudio do Prado. Op. cit., p.122.
95
MELO, Eduardo Rezende. Justiça restaurativa e seus desafios histórico-culturais – um ensaio crítico sobre os
fundamentos ético-filosóficos da justiça restaurativa em contraposição à justiça retributiva. In: SLAKMON, C.;
DE VITTO, R.; PINTO, R. Gomes (Org.) Justiça Restaurativa. Brasília – DF: Ministério da Justiça e Programa
das Nações para o Desenvolvimento – PNUD, 2005, p. 61.
96
Segundo KORKMAZ, “o século XX trouxe consigo a redescoberta da figura da vítima como elemento dentro
do fenômeno da criminalidade. O Holocausto e os movimentos políticos pela liberdade civil representaram o
ponto de partida para toda uma preocupação com os interesses da vítima.” (KORKMAZ, Alessandra Azzi.
Vitimologia. In: Ciência Penal: Coletânea de Estudos em homenagem a Alcides Munhoz Neto. Curitiba: JM
Editora, 1999, p. 16).
97
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português: parte geral. Coimbra: Coimbra editora, 2005, p.76.
36
O movimento revigorador dos interesses do ofendido tem refletido de maneira
gradual nas legislações penais. No Brasil, a percepção dessa alteração do papel da
vítima nas legislações foi inicialmente sentida com o advento da Lei 9.099/95.
98
Em
um primeiro momento, a doutrina pátria festejou a chegada da lei como o divisor de
águas na Justiça Criminal, representando um novo modelo. Assim o magistério de
GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES e GOMES:
A Lei 9.099, de 26.09.1995, como se percebe, inovou profundamente nosso ordenamento
jurídico-penal. Cumprindo-se uma determinação constitucional (CF, art. 98, I), foi posto em
prática (se bem que ainda de modo precário, em razão da não criação formal de juizados) um
novo modelo de Justiça Criminal. É uma verdadeira revolução (jurídica e de mentalidade),
porque se quebrou a inflexibilidade do clássico princípio da obrigatoriedade da ação penal.
Abriu-se no campo penal um certo espaço para consenso. Ao lado do clássico princípio da
99 100
verdade material, agora temos que admitir também a verdade consensuada.
No entanto, em que pese o seu discurso justificador, a indigitada lei não
logrou êxito em cumprir o seu escopo, não sendo, como aparentava ser, uma
alternativa ao criticado sistema punitivo. À exceção da conciliação civil conjeturada
no diploma legal como causa extintiva da punibilidade, as demais alternativas
apresentadas101 não apontam caminhos diferentes do sistema punitivo. 102
98
Conforme SCARANCE FERNANDES: “Recentemente, com a Lei 9.099, de 1995, foram criados os juizados
especiais criminais. Representou verdadeira revolução no sistema brasileiro, admitindo-se a transação em
matéria penal, com mitigação do princípio da obrigatoriedade que, até então, não apresentava exceções, e com
especial valorização da vítima no sistema criminal.” (FERNANDES, Antonio Scarance. Op. cit., p. 53).
99
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES; Antônio Scarance;
GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais: comentários à lei 9.099 de 26/09/1995. 2.ed. São Paulo:
RT, 1997, p.38.
100
Na mesma toada, GARCÍA-PABLOS e GOMES discorrem sobre o novo foco dado pelo modelo consensual:
“Impõe-se ressaltar, desde logo, a reviravolta provocada por essa nova ‘filosofia’ político criminal. Em lugar de
a atividade jurisdicional penal servir única e exclusivamente aos interesses coligados com a pretensão punitiva
estatal, a orientação agora é outra: nas hipóteses mencionadas, sobressaem como mais relevantes os interesses da
vítima. A reparação do dano é o quantum satis para a resposta estatal. Entendeu-se que só ela é suficiente para
afastar a necessidade de qualquer sanção penal.” (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz
Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos: introdução às bases criminológicas da Lei
9.099/95, Lei dos Juizados Especiais Criminais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p. 445).
101
Ao lado da composição civil, a lei instituidora dos Juizados Especiais Criminais disciplinou mais três medidas
despenalizadoras: “2ª) não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a lei prevê
a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva ou multa) (transação penal, art. 76); 3ª) as lesões corporais
culposas ou leves passaram a exigir representação da vítima (art. 88); 4ª) os crimes cuja pena mínima não seja
superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo (art. 89).” (GRINOVER, Ada Pellegrini;
GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES; Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Op. cit., p.3839).
102
Assim a crítica de SALIBA: “A constituição de título executivo judicial para reparação do dano na esfera
civil por meio da sentença condenatória ou medidas alternativas, como a transação penal, não são exemplos de
37
Ademais, é necessário ressaltar o âmbito restritivo da inovadora conciliação
civil, que somente se aplica aos delitos que se processam mediante representação
(ação penal pública condicionada) ou queixa-crime (ação penal privada), quando os
interesses da vítima não se subsumem a esses crimes. Assim vaticina KARAN:
o resgate do papel do ofendido, anunciado na Lei 9.099/95, é bastante limitado,
consubstanciando-se tão somente na previsão de transação quanto à reparação do dano e ao
conseqüente afastamento do processo penal nas ações de iniciativa privada e pública
condicionada à representação, em que alegadas infrações de menor potencial ofensivo, e na
extensão das hipóteses de condicionamento do exercício do direito de ação penal
condenatória à representação do ofendido a hipóteses de alegação de prática de lesões
corporais culposas e dolosas leves. Com tais limitações, ficaram de fora quase todos os
crimes contra o patrimônio, onde a negociação entre o ofendido e apontado autor do fato
punível, visando prioritariamente à reparação do dano, certamente encontraria seu campo
mais propício. Definindo as infrações de menor potencial ofensivo como aquelas a que
cominada pena máxima não superior a um ano (art. 61) e estendendo a necessidade de
autorização do ofendido para a propositura da ação penal condenatória apenas às hipóteses
de alegada prática de lesões corporais culposas e dolosas leves, a Lei 9.099/95, mais uma
vez reduziu a idéia, já característica de nossa legislação penal, de que o patrimônio seria algo
103
mais valioso do que a integridade física da pessoa.
Como se verifica na práxis forense cotidiana, os Juizados Especiais Criminais,
na maneira como disciplinados pela Lei 9.099/1995, não dispõem de técnicas
adequadas para estimular uma real autocomposição entre ofendido e ofensor,
gerando, na maioria dos casos, um acordo imposto, que, por conseqüência, carece
de legitimidade. Para WUNDERLICH, a referida lei não passou de um “euforismo
apagado, uma revolução que não deu certo, um notável avanço que se notabilizou
retrocesso, um modernismo que é antigo e uma desburocratização que cada vez
mais se burocratiza.”104
Diante do exposto, percebe-se que, em que pese sua notável importância no
processo penal, a vítima, na contemporaneidade, encontra-se afastada, detendo um
papel periférico dentro da sociedade. Com o advento da idéia de satisfação da
pretensão punitiva estatal, deslocou-se o foco da reparação dos danos causados ao
revitalização dos interesses do ofendido, já que a manifestação da vítima em nada interfere nos rumos
predeterminados pelo sistema penal. Ademais, a legislação preocupa-se mais com a reparação dos danos do que
com a reconciliação ou pacificação dos conflitos, tanto que não apresentou qualquer proposta de alteração da
estrutura formal do sistema penal dentro dos Juizados Especiais Criminais.” (SALIBA, Marcelo Gonçalves. Op.
cit., p.113).
103
KARAN. Maria Lúcia. O processo de democratização do Estado e o Poder Judiciário. Discursos sediciosos.
Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro: Revan, 2002, n.12. p.159.
104
WUNDERLICH, Alexandre. A vítima no processo penal: impressões sobre o fracasso da Lei 9.099/95.
Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.47, p.249, mar./abril, 2004.
38
ofendido para o “castigo” a ser aplicado ao ofensor. Ao avocar o direito de punir, o
Estado provoca o distanciamento da vítima do conflito em que está inserida.
Não obstante os danos perpetrados pelo delito considerado em si, a vítima
ainda carrega consigo danos psíquicos, físicos, sociais e econômicos, consectários
da reação formal e informal derivada do ato ilícito. Esta reação, nos dizeres de
CALHAU, “traz mais danos efetivos à vítima do que o prejuízo derivado do crime
praticado anteriormente.”105 A esta situação, a doutrina comumente denomina
“vitimização secundária”. KORKMAZ diferencia a vitimização primária e a
secundária:
Na primária, o dano é imposto à vítima pelo vitimizador original. Temos, por exemplo, a perda
de determinado valor em dinheiro em um roubo. Em troca, a vitimização secundária se
caracteriza por outros danos conseqüentes da vitimização inicial. O caso mais característico
desse tipo de vitimização é o da mulher estuprada. Muitas vezes a forma como é tratada no
contato com a polícia, com a família e a sociedade pode causar-lhe danos outros que se
106
caracterizam como uma vitimização secundária.
Discorrendo acerca da vitimização secundária, interessante colacionar a
perspicaz apreciação sobre o tema de GARCÏA-PABLOS, afirmando que a vítima
se sente maltratada pelo sistema penal: percebe o formalismo jurídico, sua criptolinguagem e
suas decisões como uma imerecida agressão (vitimização secundária), fruto da
insensibilidade, do desinteresse e do espírito burocrático daquele. Tem a impressão, nem
sempre infundada, de atuar como mero pretexto da investigação processual, isto é, como
107 108
objeto e não como sujeito de direito.
Assim, perpassando o seqüestro do conflito privado, o Estado impinge um
sofrimento ao ofensor, decorrente da vitimização secundária. A vítima é vista não
como sujeito de direito, mas sim como objeto de direito. Diante do quadro da
positivação da vontade da vítima, relegando-a a um plano secundário, foi
105
106
107
108
CALHAU, Lélio Braga. Op. cit., p.229
KORKMAZ, Alessandra Azzi. Op. cit., p. 17.
GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Op. cit., p. 68.
Novamente a lição de CALHAU: “Ao contrário do aspecto racional, que seria o fim do sofrimento ou
amenização da situação em face da ação do sistema repressivo estatal, a vítima sofre danos psíquicos, físicos
sociais e econômicos adicionais, em conseqüência da reação formal e informal derivada do fato. Não são poucos
os autores a afirmarem que essa reação traz mais danos efetivos à vítima do que o prejuízo derivado do crime
praticado anteriormente. Essa situação, chamada de sobrevitimização do processo penal ou vitimização
secundária, quer dizer o dano adicional que causa a própria mecânica da justiça forma em seu funcionamento.”
(CALHAU, Lélio Braga. Op. cit. p.229).
39
promulgada a Lei nº 11.690/2008, tendo como escopo o realce do papel do ofendido
no processo penal.
A lei nº 11.690 complementou o artigo 201 do Código de Processo Penal,
determinando que “o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao
ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à
sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.” De igual modo,
almejando proteger a vítima, a mencionada lei estabelece que “o juiz tomará as
providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e
imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação
aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito
para evitar exposição aos meios de comunicação.” Ademais, a lei prevê atendimento
multidisciplinar ao ofendido, com assistência psicológica, jurídica e de saúde, a
expensas do ofensor ou do Estado. 109
Todavia, ainda que sejam bem vindos os avanços propiciados pelas
discutidas leis, percebe-se que o papel desempenhado pela vítima no sistema penal
é de pouco relevo. Esta continua sendo tratada como um mero objeto da ação do
acusado, de tal forma que seu papel chega a se confundir com o da testemunha.110
Outrossim, de importância ímpar no sistema penal, a discussão em torno do
ofensor continua relegada a um plano secundário nos modernos sistemas.
Vislumbra-se uma exacerbada discussão ao derredor da culpa, não verificando a
mesma atenção dispensada para outros aspectos que gravitam em torno do ofensor
e do ato ilícito. As necessidades dos ofensores, na quase totalidade dos processos,
são irrelevantes. Nota-se a existência de um conceito imputativo de culpa, em que
há a afirmação de uma qualidade moral ao transgressor da norma penal, rotulando-o
e estigmatizando-o. Nesse processo de estabelecimento da culpa, a preocupação
cinge-se ao passado, não havendo maior atenção ao resultado final do crime. Como
assevera ZEHR, “a culpa legal e não a culpa factual é o fundamento do processo
109
A responsabilização do acusado pelo custeio do acompanhamento previsto no artigo 201, § 5º do Código de
Processo penal, pode tornar letra morta o novo dispositivo legal. Com efeito, caso o ofensor se disponha, por
vontade própria, a efetuar o pagamento das despesas, não haverá maiores problemas, inclusive sendo sua atitude
sopesada na hora da fixação da pena. Todavia, em sendo o réu portador de recursos suficientes para tanto, mas
recusando-se a pagas as aludidas despesas, qual a atitude a ser tomada? Até o presente momento, não foram
apresentadas soluções satisfatórias pela doutrina e jurisprudência pátrias.
110
COSTA, Paula Bajer Fernandes Martins da. A vítima no Processo Penal: interferências da Lei 9.099/1995.
Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n.47, p. 285, mar./abril. 2004.
40
penal.” 111 Continua o autor, afirmando que “o conceito de culpa que guia o processo
judicial é limitado, altamente técnico e tem natureza primariamente objetiva ou
descritiva.” 112
Essa compreensão atomística da culpa ignora o contexto social, econômico,
político e psicológico do ofensor. Para o senso comum, o ofensor deve receber um
“justo castigo”. Esse conceito de justiça é tensionado no sentido de criar abstrações
em vez de focar no mal que foi causado à vítima e à comunidade. O traço
adversarial imputa à justiça uma caracterização marcada pelo processo mais do que
pelo seu resultado. O processo apresenta um discurso que se pauta pela busca da
igualdade. Contudo, ignora as desigualdades sociais, econômicas e políticas.
Outro aspecto de especial relevo é a participação da comunidade. O processo
envolvendo o estabelecimento da culpa deve ultrapassar o objetivo de pacificação
entre o ofensor e ofendido, devendo ser um momento de autoquestionamento das
razões que levaram àquele encontro. A importância da participação do corpo social
é tão grande, que CALHAU assevera que “uma sociedade que não protege e não
presta assistência às vítimas de seus crimes não obtém níveis de cidadania dignos
para o momento histórico em que a comunidade se encontra.” 113 Assim também é a
lição de DOTTI:
A participação da comunidade no processo de execução penal em forma militante
(diagnosticando, propondo e ofertando soluções) e não como testemunha das violências e
rebeliões é uma das exigências da democracia fundada em princípios e regras que dignificam
114
o ser humano, cujo extrato revela a história pessoal em meio à essência e à contingência.
Um sistema penal igualitário e justo deve estabelecer meios de comunicação
social dentro das comunidades, implementando um canal aberto de diálogo entre
elas, ofensor e ofendido. O mútuo desprendimento, num atuar colaborativo, é
111
ZEHR, Howard. Op. cit., p.89.
112
Ibidem, p.64. Interessante, ainda, colacionar o magistério de ZEHR, apontando o significado da culpa para os
sistemas contemporâneos: “Legalmente, culpa e inocência são mutuamente excludentes. A gravidade do delito
pode variar, mas no final não há graus de culpa. Ou se é culpado ou não.” (Ibidem, p.65).
113
114
CALHAU, Lélio Braga. Op. cit., p.230.
DOTTI, René Ariel. Op. cit., p. 144.
41
fundamental para o restabelecimento de relacionamentos solidários, atingindo-se,
assim, a pacificação dos conflitos.115
Destarte, é nítido que a crise do sistema penal contemporâneo deve-se, em
boa parte, ao posicionamento periférico da vítima, sendo o seu resgate e sua
revitalização, bem como a atenção às necessidades do ofensor e a participação
efetiva da comunidade, em simbiose entre os três atores principais do processo,
fundamentais para a legitimação de um sistema mais justo e eficaz na resolução de
conflitos e pacificação social.
115
Para HELLER, não pode haver um distanciamento das comunidades nas decisões da justiça penal: “Nós
julgamos como membros de nossa comunidade. Porque julgamos, também somos responsáveis pela comunidade.
Se certas posições sociais em nossa comunidade vivem em profunda pobreza, se outros são discriminados ou são
párias sociais, se as crianças têm pais cruéis e sofrem abusos por parte deles – então, se deixamos tudo ou um
pouco disso acontecer, somos responsáveis em conjunto pelas ofensas cometidas pelas pessoas socializadas sob
tais condições. Pois somos as restrições sociais ou, pelo menos, somos parte daquelas restrições. Temos o direito
de julgar porque assumimos que cada qual é o autor livre de suas ações. Entretanto, se somos os autores livres
das circunstâncias em outro nível, nada mais somos do que restrições sociais para aqueles a quem julgamos.
Conseqüentemente, precisamos também nos julgar.” (HELLER, Agnes. Op. cit., p.237).
42
3. JUSTIÇA RESTAURATIVA
3.1 UM NOVO MODELO DE JUSTIÇA
O reconhecido fracasso do modelo punitivo retributivo, sua crise e notória
deslegitimação, vem possibilitando uma crescente discussão envolvendo novos
modelos de sistema penal. O sistema baseado no delito como ofensa ao Estado,
que propõe uma retribuição do crime por um mal denominado pena, mostra-se
inadequado para satisfação dos anseios individuais, não servindo de freio para os
índices de criminalidade, bem como se mostrando ainda violador dos direitos
fundamentais das vítimas e dos vitimizadores. Dentro dessa perspectiva, a esse
vetusto paradigma, apresenta-se como opção a justiça restaurativa.
Preliminarmente, é mister destacar que a Justiça Restaurativa não pretende
eliminar o sistema penal tradicional, sendo, todavia, uma opção que mitiga seus
efeitos punitivos e estigmatizantes, propugnando pela prevalência dos direitos
humanos dos ofendidos e ofensores. Ela não visa ao desaparecimento do modelo
vigente, eis que, numa “época de modernidade tardia ou pós-modernidade, os
conflitos sociais exigem medidas amargas para pacificação e mantença da liberdade
dentro dos grupos sociais.”
116
Dessa forma, "a Justiça Restaurativa é encarada
como uma forma complementar de reação e não como um substitutivo dos
mecanismos estabelecidos do sistema de Justiça Criminal". 117
Um dos objetivos primordiais da Justiça Restaurativa é a revitalização da
vítima dentro do sistema, permitindo que ela desempenhe um papel ativo no curso
do processo, vivenciando a justiça118, bem como permitindo a ingerência da
comunidade, podendo determinar os seus próprios rumos. Buscam-se métodos
consensuais de resolução das lides. AZEVEDO, dentro dessa perspectiva, conceitua
a Justiça Restauradora como sendo:
116
SALIBA, Marcelo Gonçalves. Op. cit., p.143.
117
LARRUSCAHIM, Paula Gil. Justiça Restaurativa: tecendo um conceito para a margem. In AZEVEDO,
Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de (org.). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de
Administração da Justiça Criminal. 1. ed. Sapucaia do Sul: Notadez, 2006. p.184.
118
Segundo ZEHR, “a justiça precisa ser vivida, e não simplesmente realizada por outros e notificada a nós.
Quando alguém simplesmente nos informa que foi feita justiça e que agora a vítima irá para casa e o ofensor
para a cadeira, isto não dá a sensação de justiça. Nem sempre é agradável vivenciar, passar pela experiência da
justiça. Mas ao menos saberemos que ela existiu porque participamos dela ao invés de ter alguém a fazer isto por
nós. Não é suficiente que haja justiça, é preciso vivenciar a justiça.” (ZEHR, Howard. Op. cit., p. 191-192).
43
a proposição metodológica por intermédio da qual se busca, por adequadas intervenções
técnicas, a reparação moral e material do dano, por meio de comunicações efetivas entre
vítimas, ofensores e representantes da comunidade voltadas a estimular: i) a adequada
responsabilização por atos lesivos; ii) a assistência material e moral de vítimas; iii) a inclusão
de ofensores na comunidade; iv) o empoderamento das partes; v) a solidariedade; vi) o
respeito mútuo entre vítima e ofensor; vii) a humanização das relações processuais em lides
penais; e viii) a manutenção ou restauração das relações sociais subjacentes eventualmente
119 120
preexistentes ao conflito.
Esse arquétipo de justiça penal121 é visto como “um novo paradigma de
conceitualização do crime e de resposta da justiça".
122
Ao proceder à uma análise
desse contexto, ZEHR diferencia as lentes retributiva e restaurativa, conceituando
"crime" e "justiça", de acordo com cada uma dessas perspectivas:
Justiça retributiva. O crime é uma violação contra o Estado, definida pela desobediência à lei
e pela culpa. A justiça determina a culpa e inflige dor no contexto de uma disputa entre o
ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas.
Justiça restaurativa. O crime é uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a
obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca
123
de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.
119
AZEVEDO, André Gomma de. O Componente de Mediação Vítima-Ofensor na Justiça Restaurativa: Uma
Breve Apresentação de uma Inovação Epistemológica na Autocomposição Penal. In SLAKMON, Catherine; DE
VITTO, Renato Pinto Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa: Coletânea de
Artigos. Brasília - DF: Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD, 2005. p.140.
120
PARKER propõe uma definição inclusiva de justiça restaurativa: “a Justiça Restaurativa é uma resposta
sistemática ao comportamento ilegal ou imoral, que enfatiza a cura das feridas das vítimas, dos infratores, e das
comunidades afetadas pelo crime. As práticas e os programas que refletem os propósitos restaurativos
responderão ao crime através de: (1) identificação e encaminhamento da solução para o prejuízo; (2)
envolvimento de todos os interessados, e (3) transformação da relação tradicional entre as comunidades e seus
governos nas respostas ao crime.” (PARKER, L. Lynette. Justiça Restaurativa: Um Veículo para a Reforma? In
SLAKMON, Catherine; DE VITTO, Renato Pinto Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça
Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília - DF: Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento - PNUD, 2005. p.247- 248).
121
Insta ressaltar que a justiça restaurativa não é criação recente, como alguns autores erroneamente insistem em
afirmar. Sobre as origens da Justiça Restaurativa, a lição de SALIBA: “A justiça restaurativa não é criação da
modernidade ou pós-modernidade, já que a restauração é um processo existente nas mais antigas sociedades e
ainda vigente em diversos sistemas sociais e comunitários. Na modernidade, o Estado, dentro da estrutura atual,
foi concebido deitando suas raízes em Hobbes, Rousseau e Locke, e a concentração da resolução dos conflitos,
com a razão iluminista, sepultou qualquer forma de resolução de litígio por método não científico. A justiça
restaurativa foi quase esquecida, com raras exceções. Jaccoud esclarece que o afastamento da justiça restaurativa
se deu com os processos de colonização, mas as reivindicações dos colonizados restabeleceram, em
determinadas situações, esse procedimento, e impediram sua extinção. Afirma, ainda, que não se trata de um
procedimento de tribos ou povos nativos, mas das sociedades comunais em geral.” (SALIBA, Marcelo
Gonçalves. Op. cit., p.147).
122
PARKER, L. Lynette. Op. cit., p.247.
123
ZEHR, Howard. Op. cit., p.170-171.
44
Basta uma análise perfunctória dos conceitos acima enunciados, para
perceber que o paradigma restaurativo lança suas raízes na deslegitimidade do
paradigma retributivo, possuindo como norte princípios inclusivos da comunidade e
vítimas,
almejando
uma
cidadania
participativa.
O
seu
caráter
de
complementaridade da justiça criminal comum a torna factível, ao contrário das
teorias abolicionistas criadas pela doutrina. A consensualidade, o diálogo e as
medidas informais são a base para a fixação desse novo modelo de justiça. Ao
vislumbrarem o diálogo como componente central, OXHORN e SLAKMON afirmam
que os modelos restaurativos têm
um valor positivo intrínseco para o sistema de justiça, as comunidades, e os cidadãos, e não
podem ser explicados apenas como sendo uma resposta da sociedade, ou uma solução
paliativa do governo, para as decadentes instituições legais. Os programas de justiça
restaurativa podem ter um impacto positivo no processo e no resultado da justiça,
independentemente do desempenho institucional e do nível de desigualdade, e ainda mais
124
assim no contexto de desigualdade enraizada e desconfiança nas instituições.
O delito, na ótica da justiça restaurativa, não é visto somente como uma
transgressão à lei, mas sim, é visto como uma violação à vitima, aos
relacionamentos interpessoais, ao próprio ofensor e à comunidade. Ao ser encarado
como uma violação ao ser humano, o crime enseja uma reparação dos danos
causados, com a assunção de responsabilidades pelo vitimizador. Assim, o
tratamento dispensado ao ofensor é realizado de maneira diametralmente oposta ao
que ocorre quando recebe uma mera punição, situação em que "embora ela cause
sofrimento por algum tempo, não envolve responsabilidades nem ameaça as
racionalizações e estereótipos". 125
3.2 Princípios e características
Analisando os diversos conceitos de justiça restaurativa, podem ser extraídas
características comuns: o diálogo, a participação das partes interessadas e os
124
OXHORN, Philip; SLAKMON, Catherine. Micro-Justiça. Desigualdade e cidadania democrática – A
construção da sociedade civil através da justiça restaurativa no Brasil. In SLAKMON, Catherine; DE VITTO,
Renato Pinto Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos.
Brasília - DF: Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, 2005.
p.205.
125
ZEHR, Howard. Op. cit., p. 186.
45
acordos restauradores.
126
Em consonância com as características apresentadas, a
Organização das Nações Unidas, por intermédio de resolução de seu Conselho
Econômico e Social, enunciou princípios da Justiça Restaurativa:
1. Programa Restaurativo – se entende qualquer programa que utilize processos restaurativos
voltados para resultados restaurativos. 2. Processo Restaurativo – significa que a vítima e o
infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo
crime, participam coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime,
geralmente com a ajuda de um facilitador. O processo restaurativo abrange mediação,
conciliação, audiências e círculos de sentença. 3. Resultado Restaurativo – significa um
acordo alcançado devido a um processo restaurativo, incluindo responsabilidades e
programas, tais como reparação, restituição, prestação de serviços comunitários, objetivando
suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e logrando a reintegração da vítima
127 128
e do infrator.
É imperioso salientar que os princípios descritos no rol das Nações Unidas
não são exaustivos. Com efeito, uma das características da Justiça Restaurativa é a
sua adaptabilidade aos interesses envolvidos e às diferentes comunidades. Apenas
se faz necessária a delimitação de um mínimo sedimentador, para que não haja
desvio das finalidades originárias.
O procedimento restaurativo pressupõe um encontro voluntário entre o
ofendido, ofensor e membros da comunidade, para juntos, discutirem a maneira
126
LARRAURI, Helena. Tendencias actuales de la justicia restauradora. Revista brasileira de ciências
criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.51, p.74-79, nov./dez.2004.
127
PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa: é possível no Brasil?. In SLAKMON, Catherine; DE
VITTO, Renato Pinto Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa: Coletânea de
Artigos. Brasília - DF: Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD, 2005. p.24.
128
No Brasil, os princípios do modelo restaurativo foram enunciados no I Simpósio de Justiça Restaurativa, em
abril de 2005, mediante a Carta de Araçatuba, posteriormente ratificada na pela Carta de Brasília, na Conferência
Internacional Acesso à Justiça por Meios Alternativos de Resolução de Conflitos: “1. plenas e precedentes
informações sobre as práticas restaurativas e os procedimentos em que se envolverão os participantes; 2.
autonomia e voluntariedade na participação em práticas restaurativas, em todas as suas fases; 3. respeito mútuo
entre os participantes dos encontros; 4. co-responsabilidade ativa dos participantes; 5. atenção às pessoas
envolvidas no conflito com atendimento às suas necessidades e possibilidades; 6. envolvimento da comunidade,
pautada pelos princípios da solidariedade e cooperação; 7. interdisciplinaridade da intervenção; 8. atenção às
diferenças e peculiaridades socioeconômicas e culturais entre os participantes e a comunidade, com respeito à
diversidade; 9. garantia irrestrita dos direitos humanos e do direito à dignidade dos participantes; 10. promoção
de relações equânimes e não hierárquicas; 11. expressão participativa sob a égide do Estado Democrático de
Direito; 12. facilitação feita por pessoas devidamente capacitadas em procedimentos restaurativos; 13. direito ao
sigilo e à confidencialidade de todas as informações referentes ao processo restaurativo; 14. integração com a
rede de políticas sociais em todos os níveis da federação; 15. desenvolvimento de políticas públicas integradas;
16. interação com o sistema de justiça, sem prejuízo do desenvolvimento de práticas com base comunitária; 17.
promoção da transformação de padrões culturais e a inserção social das pessoas envolvidas; 18. monitoramento e
avaliação contínua das práticas na perspectiva do interesse dos usuários internos e externos. (Carta de Brasília.
Disponível em www.mj.gov.br/reforma/eventos/conf_internacional/carta%20brasilia%2001072005.pdf. Acesso
em 15/02/2009).
46
mais eficaz e justa de solucionar o litígio.
129
Assim, a existência de um processo
permeado pelo diálogo é fundamental para assegurar a efetividade da justiça
restaurativa. Há um atuar de modo inclusivo e ativo na justiça penal, em que os
atores desempenham seus papéis de modo a discutir as motivações do delito e suas
conseqüências, através de reuniões monitoradas por intermediadores. Devolve-se à
esfera privada a possibilidade dos envolvidos resolverem particularmente seus
conflitos. Diante desse quadro, a concordância das partes à submissão ao
procedimento restaurativo é fundamental para sua viabilização. Busca-se o
consenso em primeiro lugar, sendo que todos os participantes têm voz ativa e
decisiva nos procedimentos e nos resultados. Ao possibilitar o encontro entre
vitimizador e ofendido, o padrão restaurativo permite que os abrangidos pelo conflito
compartilhem suas histórias e valores130, objetivando achar uma maneira satisfatória
de reparar os prejuízos advindos do delito. Consoante assevera Laurrari, através do
diálogo, a vítima "puede expresar directamente al infractor sus sentimientos de ira,
miedo o angustia y contribuir de este modo a superar el impacto del delito". 131
Os resultados esperados consistem na reparação e na reintegração social,
como afirma SALIBA:
reparação dos eventuais danos causados, sejam eles patrimoniais ou morais, e reintegração
da vítima e delinqüente à comunidade, sem estigma ou marginalização, com despenalização.
A reintegração possibilita a devolução da vítima e desviante mais conscientes de seus atos e
132
repercussões sociais, diante das discussões realizadas e resolução alcançada.
Verifica-se uma sensível mudança em relação ao modo de atuação que
permeia a justiça tradicional comum. E esse foco de atuação diferenciado tem início
129
Nesse sentido assegura PINTO: “A Justiça Restaurativa baseia-se num procedimento de consenso, em que a
vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como
sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas
e perdas causados pelo crime.” (PINTO, Renato Sócrates Gomes. Op. cit., p.20.)
130
Sobre a importância da participação ativa da vítima, a lição de ZEHR: “Mesmo que perdas materiais sejam
importantes, pesquisas feitas entre as vítimas de crime mostram que elas em geral dão prioridade a outras
necessidades. Uma delas é a sede de respostas e de informações. Por que eu? Essa pessoa tinha alguma coisa
pessoal contra mim? Ele ou ela vão voltar? O que aconteceu com minha propriedade? O que eu poderia ter feito
para não me tornar uma vítima? As informações precisam ser fornecidas e as respostas dadas. (...) Além de
indenização e respostas, as vítimas precisam de oportunidades para expressar e validar suas emoções: sua raiva,
medo e dor. Mesmo que seja difícil ouvir esses sentimentos, e mesmo que não estejam de acordo com o que
gostaríamos que a vítima sentisse, eles são uma reação humana natural à violação do crime.” (ZEHR, Howard.
Op. cit., p.26-27).
131
LARRAURI, Helena. Op. cit., p.74.
132
SALIBA, Marcelo Gonçalves. Op. cit., p.151.
47
na forma como o crime é visto pela lente restaurativa133. Pela justiça retributiva, o
crime é visto como violação da lei, sendo a vítima o Estado. As partes no processo
são o ofensor e o ente estatal, sendo as dimensões pessoais irrelevantes. Os danos
são definidos em abstrato, bem como o dano causado ao ofensor é periférico.
Ademais, os direitos e necessidades da vítima são ignorados. Por outro lado, a
justiça restaurativa analisa o crime em seu contexto social, econômico, ético e
político, e não somente no aspecto técnico-jurídico, como o faz o modelo retributivo.
Reconhece-se a natureza conflituosa do crime, sendo colocado como ponto
nevrálgico da modalidade restaurativa a atenção às dimensões interpessoais,
respeitando-se os direitos e necessidades da vítima e do ofensor. O dano é definido
concretamente, sendo a vítima e o vitimizador partes no processo.
O foco diferenciador continua na visão geral sobre a justiça. No viés
retributivo, a apuração da culpa134 é o tema central, ao passo que o prisma
restaurativo coloca como ponto central a solução do problema. No viés restaurativo,
apagam-se as luzes sobre o passado, focando-se no futuro. A busca de consenso
através do diálogo é a norma, em oposição ao modelo de batalha adversarial do
sistema retributivo. Buscam-se traços comuns, ao invés de salientar as diferenças.
De igual maneira, tenta-se afastar a imposição da dor como regra, objetivando-se
atingir a restauração e reparação dos danos sociais e das vítimas. O dano praticado
pelo ofensor não é contrabalançado pelo dano imposto a ele, mas sim pelo bem
133
O antagonismo entre os sistemas retributivo e restaurativo é apontado por REZENDE MELO: “Entendo que a
justiça restaurativa nos abre de modos vários um contraste radical com este modelo. Primeiro, ela expressa uma
outra percepção da relação indivíduo-sociedade no que concerne ao poder: contra uma visão vertical na definição
do que é justo, ela dá vazão a um acertamento horizontal e pluralista daquilo que pode ser considerado justo
pelos envolvidos numa situação conflitiva. Segundo, ela foca nas singularidades daqueles que estão em relação e
nos valores que a presidem, abrindo-se, com isso, àquilo que leva ao conflito. Neste duplo contraste a própria
fundação da regra se apresenta de outro modo, permitindo o rompimento desta cisão entre interioridade e
exterioriedade que marca a concepção kantiana e que nos remete à possibilidade de emancipação, com um
comprometimento pessoal nas ações e expressões individuais pela elaboração das questões que se apresentam
envolvidas no conflito. Terceiro, e principalmente, se o foco volta-se mais à relação do que à resposta estatal, a
uma regra abstrata prescritora de uma conduta, o próprio conflito e a tensão relacional ganham um outro estatuto,
não mais como aquilo que há de ser rechaçado, apagado, aniquilado, mas sim como aquilo que há de ser
trabalhado, elaborado, potencializado naquilo que pode ter de positivo, para além de uma expressão gauche, com
contornos destrutivos. Quarto, contra um modelo centrado no acertamento de contas meramente com o passado,
a justiça restaurativa permite uma outra relação com o tempo, atentando também aos termos em que hão de se
acertar os envolvidos no presente à vista do porvir. Quinto, ao trazer à tona estas singularidades e suas condições
de existência subjacentes à norma, este modelo aponta para o rompimento dos limites colocados pelo direito
liberal, abrindo-nos, para além do interpessoal, a uma percepção social dos problemas colocados nas situações
conflitivas.” (MELO, Eduardo Rezende. Op. cit., p.60)
134
Segundo ZEHR, “o conceito legal de culpa que orienta o processo judicial é altamente técnico, abstraído da
experiência, e isto faz com que seja mais fácil para o ofensor negar a responsabilidade pelo seu próprio
comportamento. Também frustra as vítimas, que têm dificuldades para casar a descrição jurídica dos fatos com
sua própria experiência. Mas tanto vítima quanto ofensor são obrigados a falar a linguagem do ‘sistema’,
definindo sua realidade em termos que não lhes são próprios.” (ZEHR, Howard. Op. cit., p.69).
48
realizado à vitima e à comunidade. Procura-se obter altos índices de restituição, bem
como propiciar o maior nível de informações à vitima, fazendo com que ela vivencie
a justiça. Busca-se a responsabilização do ofensor, incentivando sua integração com
a sociedade.135 Fomentam-se valores de reciprocidade e colaboração, bem como a
avaliação da justiça pelos seus resultados e frutos, não pelos seus procedimentos. A
justiça restaurativa tem por escopo, enfim, a obtenção de resultados em que todas
as partes ganhem, e não a presunção de resultados em que uma parte ganha e a
outra perde, como é concebido no sistema retributivo.
Ademais, a comunidade, vista como vítima indireta do delito, é participante
fundamental na administração da justiça restaurativa.136 Para COLD e WACHTEL, a
comunidade abrange "os vizinhos, aqueles que pertencem a organizações
religiosas, educacionais, sociais ou empresas cujas áreas de responsabilidade
incluem os lugares ou as pessoas afetadas pela transgressão", bem como "a
sociedade como um todo, representada pelo governo".137 É mister salientar que os
procedimentos restaurativos devem reconhecer as diferentes comunidades e sua
heterogeneidade cultural. O respeito ao multiculturalismo deve ser a pedra angular
da justiça restaurativa, objetivando diminuir os desequilíbrios sociais.
135
Consoante ZEHR, os resultados do sistema retributivo incentivam a irresponsabilidade do ofensor: “Todo o
entorno carcerário é estruturado com o fim de desumanizar. Os prisioneiros recebem um número, um uniforme,
pouco ou nenhum espaço pessoal. São privados de praticamente todas as oportunidades de tomar decisões e
exercer poder pessoal. De fato, o foco de todo o ambiente é a obediência e o aprendizado de aceitar ordens.
Numa situação assim, a pessoa tem poucas escolhas. Ele ou ela talvez aprendam a obedecer, a ser submissos, e
essa é a reação que o sistema prisional incentiva. Mas é justamente a reação que menos propiciará uma transição
bem sucedida para a liberdade da vida lá fora.” (ZEHR, Howard. Op. cit., p.37).
136
LARRAURI defende a participação da comunidade na Justiça Restaurativa, como valor democrático,
afirmando que “el sistema penal occidental ha sido en general corrosivo para la democracia participativa, a pesar
de la institución del jurado. La justicia restauradora es justicia deliberativa; es la gente que delibera sobre las
consecuencias de los delitos, como tratarlos y prevenir su repetición.” (LARRAURI, Helena. Op. cit., p.75-76).
Mesmo analisando o sistema retributivo, alguns autores já pregavam uma participação ativa da comunidade no
sistema penal. Por todos, cite-se DOTTI: “A execução das penas e medidas de segurança à revelia da
participação eficaz da sociedade, além de institucionalizar mais gravemente a pena de proscrição, ou seja, uma
reprise em circuito fechado da antiga pena da perda da paz, impede que o condenado possa alcançar a
ressocialização como objetivo racional e dogmático de um fim social da pena e não como esperança mirífica da
recuperação moral, tão recitada pelos samaritanos da redenção espiritual. ” (DOTTI, René Ariel. Op. cit. p. 145).
137
MCCOLD, Paul; WACHTEL, Ted. Em Busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça Restaurativa.
Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em:
<http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.home>. Acesso em 15/02/2009.
49
3.3 Procedimento
A justiça restaurativa, como mencionado anteriormente, não apresenta um rol
taxativo de princípios ou características. Não existe um procedimento prédeterminado a ser aplicado, devendo haver uma individualização consoante as
características próprias de cada comunidade. Propugna-se por uma informalidade
do processo, apenas com a observância de um núcleo duro orientador dos
procedimentos. É mister salientar que a ausência de formalidades não configura
uma violação às garantias dos entes do processo, mas ao contrário, as assegura,
pois a burocratização do sistema penalista tradicional, seu formalismo exacerbado,
acarreta inúmeros entraves à plena realização da justiça, gerando problemas como
a vitimização secundária, a morosidade dos processos judiciais e ausência de
participação da comunidade. Nessa toada, a lição de SALIBA:
Essa ausência de formalismo ritualístico está dentro das perspectivas de ação de um Direito
pós-moderno, reivindicador de justiça social, a desprezar a forma, quando dispensável, e
rejeitar a negação de direitos por esses critérios, que se mostram deletérios por serem
embasados numa legalidade estrita. Há flexibilidade frente aos complexos fenômenos sociais,
em busca da efetividade das respostas ao caso concreto. Essa ausência de formalidades não
representa ausência de garantias e desrespeito às prerrogativas mínimas para a proteção dos
fins almejados pela justiça restaurativa, uma vez que violaria seus próprios; ao contrário, o
objetivo da desformalização dos procedimentos é o cumprimento dos princípios propostos e
138
qualquer interpretação diversa não encontra sintonia com esta.
Nesse contexto de medidas relativamente informais que visam à restauração
e à reintegração social da vítima e do ofensor, GOMES PINTO apresenta um
procedimento claro:
Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar
preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do
cenário judiciário, intervindo um ou mais mediadores ou facilitadores, e podendo ser utilizadas
técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou
seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se
139
lograr a reintegração social da vítima e do infrator.
A possibilidade, outorgada às partes pela justiça restaurativa, de poderem
encontrar-se pessoalmente, descrevendo os fatos a sua maneira, relatando como
foram afetadas pelas conseqüências do delito e as maneiras de restaurar as
138
SALIBA, Marcelo Gonçalves. Op. cit., p.175.
139
PINTO, Renato Sócrates Gomes. Op. cit., p.20.
50
relações interpessoais é um grande diferencial apontado pelos autores como modo
de possibilitar a vivência da justiça à vítima e ao ofensor. Assim é o escólio de
ZEHR:
Uma parte importante da justiça é a troca de informações - uns sobre os outros, sobre os
fatos, sobre a ofensa, sobre necessidades. As vítimas querem respostas para suas dúvidas
quanto ao que aconteceu, por que aconteceu, e quem fez aquilo. Rostos precisam substituir
os estereótipos. Representações equivocadas precisam ser questionadas. Essa troca de
informações é vital, e idealmente ela deveria acontecer numa interação direta. Num contexto
assim é possível tratar do que aconteceu no passado e do que vai acontecer no futuro. Os
resultados dessa interação devem ser registrados na forma de acordos passíveis de serem
140
qualificados e monitorados.
Deve-se buscar o consenso sobre os fatos, havendo um diálogo direto entre
vítima e vitimizador. Busca-se a humanização dos conflitos, pois a motivação de
inúmeros crimes reside justamente no não reconhecimento da humanidade entre as
partes envolvidas no conflito. Para lograr êxito nesse intento, a doutrina comumente
aponta como meio restaurativo por excelência a mediação. 141 Segundo ZEHR,
A mediação vítima-ofensor fortalece os participantes, põe em cheque as representações
equivocadas, oferece ocasião para troca de informações e incentiva ações com o propósito
de corrigir a situação. Quando mediadores da comunidade estão envolvidos, esse tipo de
mediação também abre espaço para a participação comunitária. A mediação é totalmente
142
compatível com a abordagem restaurativa na justiça.
O grupo de mediadores é composto por pessoas selecionadas no seio da
sociedade, com preparo e maturidade suficiente para direcionar os procedimentos
restaurativos. O mediador, também nominado conciliador, nos dizeres de PARKER,
“é treinado para facilitar a reunião".143 Eles devem estar informados da necessidade
de “respectar la dignidad de las partes y actuar com respeto a ambas, proporcionar
un entorno agradable y actuar de forma eficiente respetando los tiempos necesarios
140
ZEHR, Howard. Op. cit., p. 192-193.
141
Conforme SILVANA e SILVINA, "o sistema de respostas restaurativas podem ser executados sem
intervenção judicial, por meio de três processos: mediação entre a vítima e o infrator, encontro ou reunião de
família ou grupo comunitário e tratado de paz ou grupos de sentença". (PAZ, Silvana Sandra; PAZ, Silvina
Marcela. Justiça Restaurativa - Processos Possíveis. In SLAKMON, Catherine; DE VITTO, Renato Pinto
Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília - DF:
Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, 2005. p.126-127.).
Parker também se mostra adepta a esses dois outros processos restaurativos. (PARKER, L. Lynette. Op. cit.,
p.248.). Todavia, a mediação vítima e infrator como prática restaurativa é entendimento dominante entre os
doutrinadores. Assim, os demais tipos de procedimentos restaurativos não serão abordados no presente trabalho.
142
ZEHR, Howard. Op. cit., p. 193.
143
PARKER, L. Lynette. Op. cit., p.248.
51
para las partes.”
144
O mediador deve ouvir os relatos do ofendido e do ofensor,
ajudando-os a discutir o problema, buscando soluções.145 Sobre o assunto, insta
transcrever o vaticínio de DEVITTO:
Ressalte-se que é fundamental assegurar aos participantes boa informação sobre as etapas
do procedimento e conseqüências de suas decisões, bem como garantir sua segurança física
e emocional. Nesta ocasião o papel dos facilitadores é muito importante, os quais devem ser
tão discretos quanto possível, no sentido de não dominarem as ações do evento, mas
conduzirem as partes no caminho de lograr, por seus próprios meios, o encontro da solução
146
mais adequada ao caso.
Repise-se que o processo restaurativo somente "tem lugar quando o acusado
houver assumido a autoria e houver um consenso entre as partes sobre como os
fatos aconteceram".147 A importância do consenso entre as partes é tamanha, que
ZEHR afirma que a mediação só se completa quando respeitadas as três fases:
confissão, restituição e arrependimento.148 Outrossim, é de bom alvitre salientar que
o princípio da proporcionalidade não se verifica de maneira constante, pois não é
possível fixar um nível de proporcionalidade entre a infração e o acordo final
estabelecido entre as partes. Com efeito, em cada processo há uma resposta,
determinada pelo delito e pelas partes envolvidas no conflito, variáveis em cada
caso concreto. Nesse sentido é o ensinamento de JACOUD:
é provável que duas situações objetivamente comparáveis (por exemplo um arrombamento
seguido de roubo ou a destruição de objetos de valor considerável) não só serão negociadas
de maneira diferenciada pelas respectivas partes, mas obrigarão a um consenso cujo
conteúdo tem grande chance de ser específico e portanto diferenciado.
144
LARRAURI, Helena. Op. cit., p.85.
145
PARKER, L. Lynette. Justiça Restaurativa: Op. cit., p.248.
149
146
DE VITTO, Renato Campos Pinto. Justiça criminal, justiça restaurativa e Direitos Humanos. In SLAKMON,
Catherine; DE VITTO, Renato Pinto Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa:
Coletânea de Artigos. Brasília - DF: Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD, 2005. p.45.
147
PINTO, Renato Sócrates Gomes. Op. cit., p.24.
148
ZEHR, Howard. Op. cit., p. 194.
149
JACCOUD, Mylène. Princípios, Tendências e Procedimentos que Cercam a Justiça Restaurativa. In
SLAKMON, Catherine; DE VITTO, Renato Pinto Campos; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça
Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília - DF: Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento - PNUD, 2005. p.177.
52
Ao término do processo restaurativo, sendo alcançado um acordo, este deve
ser encaminhado para o Ministério Público, para que aprecie o acordo firmado e
verifique a observância dos direitos fundamentais dos participantes. Posteriormente,
encaminha-se o acordo para o Poder Judiciário150, que após uma análise minuciosa
de seus termos o homologará. Em um momento posterior, passa-se para a fase
executiva, "com o acompanhamento integral do cumprimento do acordo, inclusive
para monitoramento e avaliação dos projetos-pilotos e, futuramente, da Justiça
Restaurativa institucionalizada como uma ferramenta disponibilizada universalmente
aos cidadãos e às comunidades". 151
150
Como observa SALIBA, “a eliminação do Poder Judiciário como órgão fiscalizador, ante a regra
constitucional da inafastabilidade da apreciação de lesão, ou ameaça de lesão de direito, nos termos do artigo 5°,
inc. XXXV, da nossa Constituição Federal, não é possível, por estar a justiça restaurativa atuando dentro do
poder punitivo estatal. A atividade fiscalizadora, porém, deverá ser exercida como forma de limitação e
preservação dos direitos e garantias, para fazer respeitar os princípios e as regras da própria justiça restaurativa.”
(SALIBA, Marcelo Gonçalves. Op. cit., p.179).
151
PINTO, Renato Sócrates Gomes. Op. cit., p.34.
53
CONCLUSÃO
Em apertada síntese, procurou-se no presente trabalho estudar os ideais da
justiça
restaurativa,
em
cotejo
ao
modelo
retributivo
do
sistema
penal.
Preliminarmente, é mister ressaltar que o paradigma retributivo representa um marco
evolutivo no pensamento da ciência penal ocidental. A crise do modelo tradicional de
justiça penal, alicerçado na retribuição do crime através da pena, e mediante a
utilização indiscriminada da pena privativa de liberdade152, é clamado e discutido
não somente pelos operadores do direito, mas pela população em geral, pelos
cidadãos que sofrem com a escalada dos níveis de violência.
O surgimento de uma nova faceta do sistema penal, em um período em que
as sociedades são plurais, em constante mutação, é salutar para que os objetivos de
pacificação sociais sejam atingidos. O cabedal legislativo hodierno é incapaz de
albergar de maneira satisfatória os conflitos que atingem as relações interpessoais.
Diante desse quadro, a justiça restaurativa procura iluminar o obscurantismo do
sistema retributivo clássico e sua seletividade deslegitimante. Ademais, insta
ressaltar que a proposta de uma justiça restaurativa não é mais uma teoria jurídica
sem possibilidades de implementação, como um produto da mente dos juristas. De
maneira diametralmente oposta, os alicerces do paradigma restaurativo surgem a
partir da necessidade de buscar respostas satisfatórias para o aumento dos conflitos
interpessoais, diante da falibilidade do modelo retributivo em voga. O Direito deve
estar atento às mudanças sociais, rompendo com seus antigos paradigmas, pois
como assevera ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO
é preciso compreender que o direito, na verdade, não é em si um sistema autônomo;
integrado na sociedade, ele é um sistema de segunda ordem, algo como o sistema nervoso
nos seres vivos. Por isso mesmo, para cumprir sua função de absorver conflitos sem
152
POSSAS propugna pela utilização de modelos alternativos de pena, face ao evidente fracasso da pena
privativa de liberdade: “Se a pena (aflitiva) não tem nenhum papel especial para o direito, porque não substituir
com mais freqüência, por exemplo, a pena de prisão por outras modalidades, tomando-se como exemplo o direito
civil ou administrativo? Por que não valorizar a conciliação, a reparação de danos, os serviços à comunidade, o
tratamento em liberdade? Por que não dar prioridade às multas reparatórias? Por que não, ainda pensar em outras
possibilidades de sanção, em sentido amplo, que nem sequer foram cogitadas pelo direito penal, mas que se
apresentam como ‘equivalentes funcionais’(desculpas, explicações)? Em todos esses casos é bom esclarecer que
não estou me referindo a penas alternativas à privação de liberdade, mas à hipótese de dar-lhes estatuto
preferencial, de penas por excelência. E a prisão? Bom, talvez em casos muito específicos, realmente ela seja
necessária, mas esses casos seriam tão pouco numerosos a ponto de não se poder mais identificar, como se faz
hoje em dia, a pena criminal da pena de prisão.” (POSSAS, Mariana Thorstensen. Op. cit., p. 304).
54
perturbar o grande corpo social, ele tem, justamente, de dar solução aos conflitos, da melhor
153
forma possível.
O nítido viés repressor da justiça penal deve ser superado. Os ideais de
pacificação social e resolução dos conflitos interpessoais devem ser a pedra de
toque desse novo sistema penal. Todavia, este sistema somente encontrará
legitimidade se houver um transparente respeito à dignidade da pessoa humana e
aos direitos, para que a justiça penal possa promover a justiça social.154 E o modelo
de justiça penal social inclusiva deve se impor. Dentro dessa perspectiva, a justiça
restaurativa apresenta-se como proposta viável de implementação, rompendo com o
formalismo exacerbado e promovedor de desigualdades das vetustas estruturas do
paradigma retributivo. A análise das feições do modelo proposto deve ser pautada
sempre em uma perspectiva funcional, tendo em vista que o sistema penal não deve
ser um sistema estanque, pois não rege relações interpessoais estratificadas, mas
sim deve ser um instrumento refletidor das escalas de valores de uma sociedade em
constante mutação.
153
AZEVEDO, Antonio Junqueira.O direito pós-moderno e a codificação. Revista de Direito do Consumidor.
v.33, São Paulo: RT, 2000, p.126.
154
Já na década de 1970, FRAGOSO, com maestria, apontava os caracteres necessários para a idealização de
uma justiça penal verdadeiramente inclusiva e igualitária: “Orienta-se o Direito Penal de nosso tempo no sentido
de uma nova humanização, resultado de uma larga experiência negativa. Sugestivas, a propósito, são as
propostas de desjudicialização, ou seja, no sentido de retirar do sistema jurisdicional certo tipo de conflitos, que
até hoje têm recebido solução punitiva. A experiência de certos países socialistas nesse sentido é valiosa, e é
formidável o que se tem feito no Canadá. Em certo tipo de conflitos surge dar relevância à composição entre a
vítima e o transgressor, para solução do problema penal. Reclama-se, assim, menos Direito Penal. Todavia, a
essa recomendação de parcimônia, reage o legislador com perplexidade, ante o fenômeno assustador do aumento
da criminalidade, praticamente em todo o mundo ocidental, principalmente os crimes violentos contra o
patrimônio. Diante do aumento da criminalidade, o legislador hesita em aceitar a recomendação dos que pedem
menos Direito Penal. E isso porque o legislador está habituado a trabalhar com o instrumental punitivo, supondo,
ingenuamente, que, aumentando a severidade das penas, resolverá o problema da violência. A criminalidade
aumenta, e provavelmente continuará aumentando, porque está ligada a uma estrutura social profundamente
injusta e desigual, que marginaliza, cada vez mais, extensa faixa da população, apresentando quantidade
alarmante de menores abandonados ou em estado de carência. Enquanto não se atuar nesse ponto, será inútil
punir, como será inútil, para os juristas, a elaboração de seus belos sistemas. Aspiramos a um Direito Penal mais
humano. Um Direito Penal que efetivamente exerça função de tutela de valores de forma justa e igualitária. Isso
só será possível numa sociedade mais justa e mais humana, que assegure os valores fundamentais da dignidade
da pessoa humana e da liberdade.” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit., p.559).
55
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