CAPITULO I- ESPAO FAMILIAR
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CAPITULO I- ESPAO FAMILIAR
CURSO DE DIREITO “NÃO BATA, EDUQUE”; CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRIAÇÃO INFATO JUVENIL NOS LARES DOMÉSTICOS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Josiane Damasceno Gonçalves Orientadora: Profª. Viviane Duarte Nizzo Rio de Janeiro Outubro/2008 CURSO DE DIREITO “NÃO BATA, EDUQUE”; CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRIAÇÃO INFATO JUVENIL NOS LARES DOMÉSTICOS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Josiane Damasceno Gonçalves Monografia apresentada ao Instituto Metodista do Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. . Aprovada em: ___/___/___ __________________________________ __________________________________ __________________________________ Rio de Janeiro Outubro/2008 3 RESUMO O presente trabalho pretende propor uma reflexão aos leitores acerca da temática família, especificamente a família que apresenta a violência doméstica, com a violência física de pais e mães contra filhos. Mostrando os conceito e natureza jurídica e as leis que regem a violência doméstica contra crianças e adolescentes no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente e do atual Código Civil e do código penal, além da interação entre esses instrumentos. 4 ABSTRACT This paper aims to propose a reflection to readers about family issues, specifically the family that shows domestic violence, with physical violence by parents against children and mothers. Showing the concept and legal nature and the laws governing domestic violence against children and adolescents under the Statute for Children and Adolescents and the current civil code and the penal code as well as an interaction between these instruments. 4 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. ...06 CAPÍTULO I – ESPAÇO FAMILIAR ................................................................. ...12 1.1 – Sociedade Patriarcal ............................................................................. ...12 1.2 – Do Pátrio poder ao poder ao poder familiar em relação ao código civil de 1916 e de 2002 ...................................................................................................15 1.3 – A constituição Federal de 1988 em relação ao estatuto da crianças e do adolescente...................................................................................................22 1.4 – A violência contra crianças e adolescentes no Brasil Colonial e Imperial..........................................................................................................32 1.5 – A violência contra crianças e adolescentes no Rio de Janeiro..........................................................................................................35 CAPÍTULO II – MAUS TRATOS ONTEM, VIOLENCIA DOMÉSTICA HOJE ... .....40 2.1 – Maus Tratos .......................................................................................... .....40 2.2 – Violência Doméstica .............................................................................. .....44 CAPÍTULO III – TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ................................... .....48 3.1 – Violência contra crianças e adolescentes.....................................................48 3.2 – Negligencia...................................................................................................49 3.3 – Violência física contra crianças e adolescentes..........................................53 3.4 – Violência psicológica.....................................................................................54 5 6 3.5 – Violência doméstica silenciosa contra crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais....................................................................................57 3.6.- Violência sexual...........................................................................................60 CAPITULO IV –VIOLÊNCIA FÌSICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES.63 4.1- Violência física.........................................................................................63 4.2- A palmada................................................................................................66 4.2.1- locais do corpo mais acometidos..........................................................67 4.3 – Natureza da violência física....................................................................68 4.4 – Vitimas da violência física.......................................................................73 4.5 – Avaliando o incidente..............................................................................74 4.6 – Síndrome do bebê sacudido...................................................................81 4.7 -Direitos fundamentais contidos na constituição federal e no estatuto da crianças e do adolescente (lei. 8.069/90)...............................................................84 4.7.1- Principio da proteção integral......................................................................87 4.7.2 – Política de atendimento à criança e o adolescente...................................88 ANEXO I................................................................................................................... CONCLUSÃO................................................................................................... ....94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................102 6 7 INTRODUÇÃO No presente trabalho será analisado a violência doméstica contra crianças e adolescentes, juntamente com suas transformações que serão percebidas em diferentes momentos, na sua natureza jurídica, na finalidade do mesmo, as leis que regem a temática da violência e sua contextualização no âmbito legislativo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o atual Código Civil, e o código penal. Como objetivo principal, analisar a violência doméstica, no âmbito familiar e jurídico, sendo uma questão de grandes desafios e preocupações, ao se tratar das crianças e jovens que representarão nosso país. A família é o cenário das versões controversas sobre amor e agressão, confiança e abuso, respeito e invasão, legitimadas em histórias de vida protagonizadas por personagens oriundos das camadas populares da sociedade ao longo das gerações. As histórias das famílias apelam para as dores sentidas, e as lembranças evocadas não se limitam às interlocuções do sujeito consigo mesmo, mas incluem as versões compostas pelas gerações que o antecederam. O desafio desta monografia inclui a compreensão dos aspectos sociais e a produção de subjetividade dos sujeitos, das famílias e das diferentes gerações das famílias que convivem com a violência doméstica praticada por pais e mães contra seus filhos. Desde á década de 1970, as décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pela redução relativa do modelo tradicional de família nuclear, constituída por marido, esposa e filhos e pelo aumento proporcional do número de famílias chefiadas por mulheres e por unidades domésticas. A evolução dos diferentes tipos de unidades 7 8 domésticas mostra a significativa redução do tamanho das famílias, com número médio menor de pessoas e de filhos. As relações atualmente conhecidas que unem rede de parentesco, unidade doméstica residencial e grupo conjugal tiveram estruturas diferenciadas nas diversas sociedades e em momentos históricos específicos, confirmando que a mutabilidade e a não-naturalidade são especificidades do estudo da família. A família é uma unidade dinâmica, um grupo social, um espaço de convivência fundamental ao desenvolvimento dos seus membros; contudo possui características e funções próprias, que são historicamente questionadas e redefinidas. Família é a unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoalaliança, filiação pais,filhos e consangüinidade irmãos - e que, a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe condições para a aquisição de suas identidades pessoais, desenvolveu através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais. A versão bíblica, com Eva e Adão e a expulsão do paraíso, representam, simbolicamente, o repúdio do pai aos filhos. Os irmãos Caim e Abel espelham a rivalidade entre os irmãos. O mito de Édipo, que envolve a punição, a culpa, o desejo e o emaranhado afetivo, amplia a compreensão do ciclo afetivo da vida familiar. As propriedades da família conferem-lhe, mitologicamente, a condição de reduto do nascimento do relacionamento humano. Relação que, é definida pela existência das pessoas em relação a outras, ordenação que se faz intrínseca, ou, em latim, ordo ad aliquid. A família, originária das relações humanas, é entendida como grupo primordial. Se a família se constitui uma representação, é também um grupo de convivência que se organiza de acordo com diferentes arranjos e se apresenta em distintas versões. Faz-se mister a evocação dos cenários que não apenas a historicizam, 8 9 mas que a compõem: a casa, a domesticidade, a intimidade e a produção da violência doméstica nessa conjunção. Pensar a violência implica considerar as bases e o desenvolvimento histórico que determinam as formas que ela assume ao longo da organização das sociedades. O ser humano necessita da agressividade para viver, mas a violência institucional e sistemática é um fenômeno que nasce com as sociedades de classe e penetra no processo de exploração do homem pelo homem por meio de mecanismos de repressão. A ordem capitalista reproduz a violência assim como reproduz o capital e, para isso, reproduz sujeitos ideologicamente violentos que, por fim, produzem e consomem a violência. A violência torna – se, como explosão primária predominantemente física. A violência seria um caminho de descarga tensional na busca por um senso de significação do sujeito. A agressão está associada a um objeto ao qual é direcionada a fúria, por assim dizer. Na violência, a relação com o objeto é danificada. Os maus tratos contra crianças e adolescentes, como uma questão social, são recentes e atravessou diferentes níveis no último século. Apesar do progresso gradativo no estudo da violência ou maus tratos contra a criança, algumas questões permanecem. Explosões emocionais contra os que estão mais próximos e mais indefesos definem a síndrome do pequeno poder, em que o mais forte exerce o seu pequeno poder sobre um mais fraco. A violência e vista de forma intersubjetiva, consiste na violência interpessoal, com abuso do poder disciplinador, ocasionando um processo de vitimização e imposição de maus tratos. Na cena da violência doméstica existem três formas de desempenhar o papel no enredo familiar: como vítima, ator e ou testemunha. O autor da infração, o sujeito que transgride não somente as normas sociais, mas invade a intimidade e a organização afetiva e corpórea do outro, utiliza-se da persuasão e do controle para manter o outro na condição de dominado e subjugado. O desafio é que a 9 10 violência doméstica nem sempre é claramente identificável e a vítima, inerte, assujeitada, sofre mas tem dificuldade de encontrar alternativas de ajuda, seja pela ameaça sofrida, seja pela ausência de elementos norteadores de auxílio, como a escola, a creche e os vizinhos, no caso de crianças vitimizadas. As definições sobre maus tratos infantis devem englobar tanto aspectos teóricos, como uma definição operacional, com vistas a facilitar a identificação do fenômeno. Qualquer dano físico ou psicológico não acidental contra uma criança menor de dezesseis ou dezoito anos - segundo o regime de cada país - praticado por seus pais ou cuidadores e que ocorre como resultado de ações físicas, sexuais ou emocionais de omissão ou comissão e que ameaçam o desenvolvimento normal tanto físico quanto psicológico da criança. A violência doméstica se diferencia quatro tipos: a) Violência sexual: envolve atos hetero ou homossexuais entre o adulto e uma criança ou adolescente e tem por finalidade estimular sexualmente essa criança ou adolescente para obter estimulação sexual para si ou para outrem; b) Violência psicológica: ocorre nas ocasiões em que o adulto ameaça e deprecia a criança provocando-lhe sofrimento mental; c) Negligência: representa a falha ou omissão dos pais ou responsáveis em prover as satisfações físicas e emocionais dos filhos, desde que a falha não seja mero resultado das condições de vida que estão fora do seu domínio; d) Violência física: a autora realiza um apanhado teórico e, em âmbito nacional, oferece um espectro que inclui nomenclaturas como síndrome, violência, abusovitimização física. A violência doméstica aparece em todas as camadas sociais em diferentes momentos históricos, mas nas camadas populares ela se torna pública em virtude da denúncia e do decorrente acompanhamento ou intervenção dos órgãos 10 11 públicos. As camadas altas da sociedade mantêm o anonimato e compram a discrição através dos atendimentos particulares, quando o fazem. O tema violência doméstica é contundente em dois âmbitos principais, desde sua definição, em que os limites que vão do tapinha ao espancamento são controversos, até os parâmetros éticos e pedagógicos sobre castigos e punições físicas, que agregam pesquisadores de diferentes influências. Quiçá existam outras formas de se pensar a violência física que incluam ainda o entendimento do uso do corpo, esse corpo violento que usurpa o lugar do outro, mas que também tenta se aproximar do outro, marcar o outro e não apenas machucá-lo. A interdisciplinaridade é buscada no sentido de revistar as abrangências que delineiam a violência física sem a frenética compulsão da categorização do tipo de violência ou do atendimento à denúncia registrada nos prontuários das instituições de atenção à infância. Fica premente a reflexão sobre as estratégias familiares na educação dos filhos, estratégias que incluem há séculos a punição física. O olhar se ajusta sobre a família agressora denunciada que recebe atenção e análise sem rotulações reducionistas. É preciso desconstruir o conceito e pesquisar a família, o que implica questionar fórmulas prontas de análise e descobrir as sutilezas dos discursos dos personagens que compõem os agrupamentos familiares. A atenção e o investimento de pesquisadores sobre as organizações familiares alertam para a prevenção do abandono de crianças, da institucionalização infantil e do rompimento de relações afetivas desgastadas, mas, na maior parte dos episódios verificados, passíveis de serem reconstruídas e trabalhadas. A Antropologia auxilia a compreender a família não como bem de consumo descartável, reposto por instituições secundárias às quais é delegado o papel da maternagem e educação básica, e sim como instituição primária, incondicionalmente importante na construção de identidades, valores, afetos e cidadania. O Rio de Janeiro revela a cruel realidade de ter sido o último país a abandonar as Rodas dos Expostos - dispositivos utilizados no Brasil no período 11 12 que vai do século XVIII até 1950, com o objetivo caritativo e religioso de abrigar crianças e recém-nascidos abandonados por seus familiares - referendando, na atualidade, a herança impregnada no movimento compulsivo da institucionalização como recurso imediato frente aos desajustes familiares. Abordar a família, considerando as peculiaridades que o termo pressupõe, significa repesá-la na ordenação do passado, do presente e do futuro, numa perspectiva circular, estrutural, dialeticamente efetivada na relativização de parâmetros ditos universais. A violência contra crianças e adolescentes, embora rejeitada socialmente, pode ser considerada ainda hoje um fato cotidiano. Tornou –se um tema de preocupação e de reflexão por parte da sociedade. 12 13 CAPITULO I ESPAÇO FAMILIAR 1.1. SOCIEDADE PATRIARCAL No início do século XX a família seguindo a tradição da época em que os portugueses se instalaram no Brasil, a família não se compunha apenas de marido, mulher e filhos. Era um verdadeiro clã, induindo a esposa, eventuais (e disfarçadas) concubinas, filhos, parentes, padrinhos, afilhados, amigos, dependentes e ex-escravos. Uma imensa legião de agregados submetidos à autoridade indiscutível que emanava da temida e venerada figura do patriarca. Temida, porque possuía o direito de controlar a vida e as propriedades de sua mulher e filhos; venerada, porque o patriarca encarnava, no coração e na mente de seus comandados, todas as virtudes e qualidades possíveis a um ser humano. Tal patriarca que jamais alguém ousou desrespeitá-lo, no lar ou fora dele, trazia em si uma sabedoria que ninguém dele se aproximava sem que, de imediato, se sentisse envolvido pela confiança que irradiava de sua marcante personalidade. Não havia comunidades sólidas, sindicatos, clubes ou outros órgãos que congregassem pessoas de interesses similares. A família, a grande família 13 14 patriarcal, ocupava todos espaços. O próprio Estado, que enquanto ordem pública deveria estar acima das questões familiares, esbarrava nestas quando necessitava intervir. Mas os governantes sabiam que essa família exclusivista, dobrada sobre si mesma e solidamente organizada, era, por sua vez, o sustentáculo do Estado, pois impedia que a população, tão escassa e quase nômade,se pulverizasse neste imenso país. Era, portanto, a espinha dorsal da sociedade e desempenhava os papéis de procriação, administração econômica e direção política. Na casa-grande, nasciam os numerosos filhos e netos do patriarca, traçavam-se os destinos da fazenda e educavam-se os futuros dirigentes do país. Cada um com seu papel, todos se moviam segundo intensa cooperação. A unidade da família devia ser preservada a todo custo, e, por isso, eram comuns os casamentos entre parentes. A fortuna do clã e suas propriedades se mantinham assim indivisíveis sob a chefia do patriarca. Crianças e mulheres não passavam de seres insignificantes e amedrontados, cuja maior aspiração eram as boas graças do patriarca. A situação de mando masculino era de tal natureza que os varões não reconheciam sequer a autoridade religiosa dos padres. Assistiam à missa, sem a menor manifestação daquela humildade cristã do crente assumindo sempre ares de proprietário da capela, protetor da religião, bom contribuinte da Igreja. Jamais um orgulhoso varão se dignaria de beijar as mãos de um clérigo, como o faziam sua esposa e filhas. Nesse universo masculino, os filhos mais velhos também desfrutavam imensos privilégios, especialmente em relação a seus irmãos. E os homens em geral dispunham de infinitas regalias, a começar pela dupla moral vigente, que lhes permitia aventuras com criadas e ex-escravas, desde que fosse guardada certa discrição, enquanto que às mulheres tudo era proibido, desde que não se destinasse à procriação. Uma senhora de elite, envolta numa aura de castidade e resignação, devia procriar e obedecer. Com os filhos mantinha poucos contatos, uma vez que os confiava aos cuidados de amas-de-leite, preceptoras e 14 15 governantas. Sobravam-lhe as amenidades, as parcas leituras e a supervisão dos trabalhos domésticos. Até mesmo as linhas de parentesco, tão caras à sociedade patriarcal, só se tomavam "efetivas" quando provinham do homem. Desse modo, a mulher perdia a consangüinidade de sua própria família de origem, para adotar a do esposo. 1 "A pátria é a família amplificada. E a família, divinamente constituída, tem por elementos orgânicos a honra, a disciplina, a fidelidade, a benquerença, o sacrifício. É uma harmonia instintiva de vontades, uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivente de almas entrelaçadas. Multiplicai a família, e tereis a pátria". (Ruy Barbosa) 2 Até meados do século XIX, a casa-grande era o modelo perfeito do fechado mundo patriarcal. A reduzida elite das grandes cidades - comerciantes, profissionais liberais e altos funcionários públicos - transportava esse modelo para os austeros sobrados urbanos: a mulher restringia-se às quatro paredes de sua casa, supervisionando o trabalho doméstico dos escravos ,como a confecção de roupas e a destilação de vinho. Nos primeiros anos da República, a família patriarcal começa a mostrar sinais de fraqueza. Não que ela fosse incompatível com o novo regime. São as cidades, as novas profissões, a luz elétrica, os bondes, os imigrantes, as lojas comerciais, as indústrias, que ameaçam o patriarca. Antes, ele podia manter seu extenso clã no mais completo isolamento. Seus agregados, famílias inteiras submetidas a ele, podiam ser ricos ou pobres, não importava, pois eram todos igualmente da grande Família. Trabalhavam em suas terras e obedeciam. Pouco a pouco, o patriarca é obrigado a se relacionar com os outrora indesejáveis elementos "de fora". Os filhos serão matriculados na 1 Editora Abril - NOSSO SECULO - BRASIL - VOLUME 1 - 1900 A 1910 - A ERA DOS BACHAREIS PARTE 1 2 Coríntios 13:4-7, interpretado por Rui Barbosa. 15 16 Faculdade de Direito. Um dia, toma-se mais conveniente que seu primogênito se case, não mais com aquela obscura priminha remediada, mas com a filha de um riquíssimo banqueiro da capital. Ele próprio é forçado a ampliar seus negócios nos centros urbanos, para que seu patrimônio não sucumba à nova maré do progresso. Ele irá aplicar dinheiro em outras atividades, além da fazenda. Chega também o momento de abandonar a casa-grande e se mudar para um palacete na Capital. Talvez seja possível levar junto um parente ou outro, mas o grosso dos leais agregados fica por lá mesmo. E se tornam os "primos pobres" do interior, que, com o tempo, serão cada vez mais pobres e menos primos. O império do patriarca se reduz. Ou, por outra, muda de natureza: agora ele é um industrial, um pioneiro no melhor estilo capitalista, um banqueiro, um grande negociante e também um fazendeiro. Homem que se prezasse era bem-falante. A oratória compunha a personalidade masculina do mesmo modo que o fraque, o chapéu-coco, o cravo na lapela e o soberbo bigode - tudo isso acompanhado, naturalmente, de um título de doutor. "Seu Doutor" integrava o restrito exercito de bacharéis formados pelas faculdades de Direito, Engenharia e Medicina. Todas elas, e não só as de Direito (como geralmente se supõe), são terreno assolado pela retórica, a arte de bem falar. E eram os bacharéis que assumiam as posições de controle no, Estado nos negócios e na família. Com eles, a arte da retórica transbordou os paços acadêmicos e as assembléias políticas para invadir todos os recantos da sociedade. 3 3 Pessoa, Eduardo. História do Direito Romano. 16 17 1.2. DO PATRIO PODER AO PODER FAMILIAR EM RELAÇÃO AOS CODIGOS CIVIS DE 1916 E DE 2002. No Direito Romano, o pátrio poder tinha uma conotação eminentemente religiosa – o pater familias era o condutor da religião em casa. E, como chefe da casa conduzia não só a religião, mas também, todos os grupos familiares, que compunha os seus entes familiares e seus escravos. O pátrio potestas representava um poder incontrastável, detentor de uma autoridade sem limites, na medida em que nem mesmo o Estado era capaz de lhe tolher tal característica. A esposa, os filhos, os demais descendentes e os escravos eram considerados personae alieni juris, ou seja, não possuíam qualquer direito. Sobre eles, o pai romano detinha, inclusive, o direito sobre a vida e a morte. O pátrio poder significava, então, a completa submissão do filho em relação a seu pai, em outras palavras, o conjunto de direitos dos pais com relação às pessoas e aos bens dos filhos menores. O chefe da casa e da família era a autoridade maior; era, melhor dizendo o dono e senhor de tudo. A análise histórica mostra que essa noção romana do pátrio poder, ainda que mitigada, chegou à Idade Moderna, transparecendo em nossa sociedade, por meio do patriarcalismo – senhores de engenho e barões do café, regrado mediante influência do Direito português. 4 Com a urbanização, a industrialização, a nova posição assumida pela mulher no Ocidente, o avanço dos meios de comunicação e a globalização da sociedade, modificaram -se irremediavelmente esse comportamento, passando o segundo plano a idéia de um simples conjunto de direitos pertencentes ao pai em relação aos filhos. Nessa fase, procurou-se entender o pátrio poder muito mais como 4 www.partes.com.br/cidadania/poderfamiliar.asp 17 18 sendo um conjunto de deveres desse pai, do que apenas o único e absoluto detentor de todos os direitos sobre as suas crianças. Com isso, o exercício desse poder acaba pressupondo o cuidado do pai e da mãe em relação aos filhos, o dever de criá-los, alimentá-los e educá-los conforme as condições morais, sociais e financeiras da família. Passa a existir, então, uma visão mais humanista da criança. Há uma preocupação maior com o meio em que ela vive e como ela é criada. O pátrio poder, nesse sentido, tem em vista primordialmente a proteção dos filhos menores. Contudo, é sob a ótica do patriarcalismo que o Código de 1916 é elaborado. Especialmente no Direito de Família e das Sucessões, esse conjunto de normas evidencia a tradição e o estado social do país em que ele foi criado, quais sejam, o conservadorismo da época e os princípios norteadores da sociedade do século XIX. Até bem pouco antes do término da escravidão, iniciou-se a elaboração do Código Civil de 1916, quando a estrutura de nossa sociedade tinha a sua base ainda praticamente no campo, fora, portanto, das cidades. A influência da organização social no Brasil ocorre até o fim do século XIX, e é nos primeiros anos do século seguinte que começa a elaboração desse conjunto de leis civis por Clóvis Beviláqua. O Código Civil sofreu a influência marcante dos usos e costumes próprios dessa sociedade subdesenvolvida, com atividade econômica preponderantemente agrícola, rudimentar e extensiva, que, no entanto, transformou-se de forma extraordinariamente rápida logo após a sua promulgação, já que se viu a classe média, antes inexpressiva, confinada a cargos burocráticos, emergir após a urbanização, passando a ocupar espaços, sobretudo na política. 18 19 Na verdade, razões históricas e sociológicas influenciaram essa sociedade de forma que preponderasse, na organização social, a ordem privada. Em razão disso, quando da elaboração do Código, o legislador preocupou-se essencialmente com o patrimônio, em detrimento dos direitos inerentes às pessoas, e quanto a estas procurou imiscuir em suas regras jurídicas certos princípios morais, vigentes àquela época. Com o passar dos anos e, principalmente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, muitas de suas regras foram substancialmente modificadas, como, por exemplo, aquela que conferia a ambos os pais o pátrio poder e o seu exercício sobre os filhos, mas afastava tal exercício de modo concomitante pelo pai e pela mãe. O exercício era, em verdade, desmembrado. Durante o casamento, competia ao pai e, apenas no caso de seu falecimento, ou quando impedido por qualquer razão, é que se transferia o exercício desse poder à mãe. Tal situação era encontrada no artigo 380 do Código Civil, que admitia a simultaneidade do poder, mas a sucessividade do exercício. Art. 380 - Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade. 5 Após a Carta Magna de 88 tal situação não pôde mais ser aceita, na medida em que o art. 226, § 5º dispôs que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal deveriam ser exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, entendendo-se, assim, que o pátrio poder passaria a ser exercido de modo igual e conjuntamente por ambos os pais. Esse pátrio poder com a separação ou divórcio dos cônjuges, o Código de 1916, mesmo que timidamente, já anunciava essa igualdade trazida pelo texto Constitucional, ao enunciar que, nessa situação, esse poder não se extinguiria em relação a um dos pais. 5 Código Civil de 1916. 19 20 Percebe-se que o Código Civil de 1916 em seu artigo 381, mesmo utilizando a expressão “desquite” já dizia que nesse caso não haveria alteração nas relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos, já que a um deles pertencerá a guarda do menor. A explicação dada sobre o assunto por Clóvis Beviláqua refere que o desquite dissolve a sociedade conjugal, mas não a parental, entre pais e filhos, cujos laços feitos de afeto, direitos e deveres recíprocos, subsistem, apenas de certo modo modificados, no intuito de adaptarem-se a nova situação. Verifica-se que, no curso da história, mesmo tendo a redação de vários artigos alterados pelas legislações posteriores, o Código de 1916 manteve a visão individualista e, em algumas vezes até discriminante, como se pode ver nas expressões “filhos legítimos, legitimados e legalmente reconhecidos” contidas no artigo 379 que elenca os sujeitos ao pátrio poder, enquanto menores. Com o advento do Código Civil de 2002, a relação da criança com os pais, ou seja, o instituto do pátrio poder passou a ser denominado Poder Familiar. O legislador, no intuito de afastar a conotação patriarcalista, na qual predominava a figura paterna nas relações com os filhos menores (existente no Código de 1916), preferiu alterar a nomenclatura para o que então chamou de Poder Familiar. No entanto, tal modificação é bastante questionada, na medida em que essa denominação não se mostra a mais adequada, porque mantém a ênfase no poder. Antes do advento da Constituição de 1988, não faz sentido que seja reconstruído o instituto apenas deslocando o poder do pai (pátrio) para o poder compartilhado dos pais (familiar), pois a mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interesse dos pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, no interesse de sua realização como pessoa em formação. 20 21 Isso viria totalmente ao encontro do que hoje representa essa relação entre pais e filhos, em que preponderam direitos e deveres numa proporção justa e equânime no convívio familiar. Esse “poder” não é o exercício de uma autoridade, mas de um encargo imposto pela paternidade e maternidade, decorrente da lei. Nesse sentido é o poder familiar um conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais com relação aos filhos menores e não emancipados, com relação às pessoas destes e a seus bens. Nessa nova visão, esse instituto passa a ser mais uma conduta dos pais relativamente aos filhos, um acompanhamento para conseguir uma abertura dos mesmos, que se processa lenta e progressivamente, à medida que evoluem na idade e no desempenho físico e mental, de modo a ajudá-los a encontrarem a sua própria capacidade para gerir e administrarem seus bens e negócios. Nessa linha, não haveria tão-somente um encargo como dito anteriormente, mas um encaminhamento, com certo “poder” para impor determinada conduta. Entretanto, mesmo tendo o legislador o intuito de tentar adequar o instituto o quanto mais próximo do que hoje se entende por ele e, mesmo que tenha, de certa forma, se equivocado na nomenclatura utilizada, verifica-se que em relação aos dispositivos a ele competente, muito pouca coisa foi alterada, havendo apenas algumas modificações tópicas. Do confronto entre os dois textos (de 1916 e de 2002), chega-se à surpreendente conclusão de que a estrutura legal do antigo pátrio poder foi mantida intacta. A ordem, a seqüência e o conteúdo dos artigos permaneceram, como se a mudança do conceito e dos titulares (deixando de ser apenas a figura paterna, para abranger a materna) e a exclusão das referências a filhos ilegítimos fossem suficientes. 21 22 Entretanto, em relação à perda do exercício do poder familiar por um dos pais há um aspecto bastante importante que existia desde 1916, permaneceu no novo Código, e deve ser ressaltado. A perda ou destituição do poder familiar é a mais grave sanção imposta aos pais que faltarem com os deveres em relação aos filhos. Nesse contexto, o artigo 1.638 do NCC (antigo artigo 395, inciso II, do Código de 1916) estabelece: Artigo 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas nos artigos antecedente. 6 À luz do Código de 1916 somente se configuraria essa grave hipótese de perda do poder familiar se o abandono fosse patrimonial. O que não causaria nenhum espanto, na medida em que o referido conjunto de normas tinha como norte a visão individualista e, por conseguinte, patrimonial dos institutos que dispunha. No entanto, hoje, esse dispositivo significa mais do que o simples abandono material do menor. Ele abre possibilidade para que o abandono moral e psíquico seja também por ele punido. Isso se deve ao princípio norteador do Direito Civil atualmente, o princípio da interpretação conforme a Constituição, que consiste, basicamente, em explorar ao máximo a compatibilidade com a Carta Magna das normas infraconstitucionais a ela anteriores ou supervenientes, e a partir dela. Nessa linha, apenas deve ser declarada a inconstitucionalidade de uma norma quando a incompatibilidade dela com a Constituição for insuperável. 7 A partir do advento da Constituição Federal de 1988 houve um “redescobrimento” do papel central exercido pelo Direito Constitucional no âmbito do sistema jurídico, redescoberta que logo passou a ser acompanhada de uma gradativa e saudável tomada de consciência de que a Constituição terá a sua eficácia e efetividade assegurada apenas se também incidir no âmbito da 6 7 Artigo 1.638 do novo código civil. Revista Jurídica Cesumar – v.2, n. 1 - 2002 22 23 normativa infraconstitucional, isto é, se esta for produzida e aplicada à luz dos princípios e regras constitucionais. Assim, o Código deve ser interpretado, sempre, a partir da Constituição. Significa dizer que suas normas hão de ser interpretadas em conformidade com os princípios e regras que a Constituição estabeleceu para a família no ordenamento jurídico de nosso país, incentivados por valores completamente diferentes dos que predominavam na sociedade brasileira, na época em que se deu a elaboração do Livro relativo ao Direito de Família, mais especificamente no tocante ao pátrio poder, no Código de 1916, que, em grande medida, manteve-se no capítulo destinado ao poder familiar para a família do século XXI. Para Rizzato Nunes a interpretação “conforme” à Constituição busca apontar as opções valorativas básicas do Texto Máximo fazendo com que os princípios ocupem papéis importantíssimos no trabalho do intérprete, não só porque são, de fato, superiores às normas, ainda que constitucionais, mas especialmente porque, ao contrário das normas, que ao se chocarem geram antinomias, eles são compatibilizáveis. Sendo que essa compatibilizarão deverá pôr em relevo aquele princípio mais influente no contexto analisado – como, da mesma forma, deverá ser dada sempre maior importância aos princípios mais fundamentais, como por exemplo, o da dignidade da pessoa humana. 1.3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 EM RELAÇÃO AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. A partir da promulgação da Constituição de 1988 novos valores passaram a ser cultivados e defendidos. Rompeu-se com aquela visão individualista e patrimonial, passando-se a ter considerável preocupação com a pessoa humana, elevando-se os valores existenciais sobre os materiais. 23 24 As relações de família modificaram-se substancialmente, passaram, na verdade, por um processo de repersonalização, no qual a pessoa humana assumiu o centro da relação estabelecida. A família deixou de ter aquele velho aspecto de desigualdade entre seus membros, de superioridade entre os cônjuges para ser concebida com base nos princípios da liberdade e da igualdade, entre os casais – legalmente casados ou companheiros que vivem em união estável – e, principalmente, entre os filhos, independentemente da condição de seu nascimento. O Código Civil adotou, como regra geral, o conceito de família no seu sentido restrito, qual seja, a comunidade formada entre cônjuges e sua prole, refletindo o pensamento machista e patriarcal da época. Com as inovações constitucionais, admite-se uma maior flexibilidade na definição de entidade familiar, agora em sentido amplíssimo, alcançando, por exemplo, a comunidade formada entre a mãe viúva e seus filhos. A esse grupo formado por qualquer dos pais e seus descendentes dá-se o nome de família monoparental (artigo 226, § 4º). Artigo 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. §4° Entende –se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. 8 Em seu artigo primeiro, inciso III, a Carta Magna de 88 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana - princípio este tido como um dos fundamentos da República – de modo a torná-la no dizer “uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana”. Esse princípio, é o fundamento de proteção do ser humano, no presente caso, do menor em relação à sua família. Ele é concebido como estruturante e conformador dos demais, nas relações familiares, isso porque lida com a dignidade, é tudo aquilo que não tem preço. Citando a tradicional formulação de 8 Artigo 226 da Constituição Federativa do Brasil. 24 25 Immanuel Kant, o referido autor enuncia que: “no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo preço, e, portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade”. Nessa casos, têm-se o direito à vida, à honra, à integridade física, à integridade psíquica, à privacidade, dentre outros, como direitos indisponíveis, dotados, portanto, de dignidade e protegidos por esse princípio maior. A cada pessoa não é conferido o poder de dispor sobre qualquer um desses direitos, sob pena de reduzir sua condição humana, o que faz com todas as demais pessoas também deva abster-se de violá-los. 9 Além do artigo primeiro não há como deixar de citar a dispositiva base de todas as garantias protegidas pela Carta Magna de 1988: o artigo 5º. Em seu caput ele traz dentre outros princípios, o da igualdade ao estabelecer que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”. Aos olhos do Direito de Família essa novidade provocou mudanças profundas, na medida em que sepultou definitivamente aquele patriarcalismo até então existente. A partir de 1988 homens e mulheres passaram a ser iguais em direitos e obrigações, ou seja, passaram a exercer igualmente os deveres decorrentes não só do casamento (entre os cônjuges), mas, e principalmente, com relação aos filhos. Observa-se que ainda que as Constituições anteriores tenham reconhecido o princípio de que a lei deve ser igual para todos, como por exemplo, a 9 Construído diverso, coletado no portal jurídico jus navegante. www.Jus.com.br 25 26 Constituição de 1824, art. 179, XIII, estabelecia que 10 “a lei será igual para todos, quer proteja e quer castigue...”; a Constituição de 1891, art. 72, § 2º, que dispunha: 11 “todos são iguais perante a lei...”; a Constituição de 1934, art. 113, § 1º, que estatuía: 12 “não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de sexo...”; as Constituições de 1937 13 e 1946 14 , arts. 122, § 1º e 141, § 1º, 10 Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiras, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um. 11 Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º - Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. § 2º - Todos são iguais perante a lei. 12 Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas. 13 Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 1º) todos são iguais perante a lei; 14 Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º Todos são iguais perante a lei. 26 27 respectivamente, que dispuseram: “todos são iguais perante a lei...”; a Constituição de 1967, art. 150, § 1º, que determinava: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo...”; princípio esse que foi confirmado pela Emenda nº 01, de 1969, art. 153, § 1º, 15 a legislação ordinária, por muitos anos, estabeleceu regras marcadas pela desigualdade entre os cônjuges. A Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962, denominada “Estatuto da Mulher Casada”, iniciou o movimento legislativo de equiparação entre o homem e a mulher no casamento, aliviando as desigualdades, sem no entanto, tê-las suprimido completamente. Ao marido continuou a caber a chefia da sociedade conjugal, embora devesse exercê-la com a colaboração da mulher, e, conseqüentemente, permaneceram na legislação ordinária os poderes do marido na representação da família, na administração dos bens, na fixação do domicílio conjugal e seu dever de manter a família. A mulher, entretanto, acabou adquirindo a titularidade do pátrio poder, que, como visto anteriormente, cabia exclusivamente ao pai e, supletivamente à mãe. Diante desse contexto, não se pode entender a regra trazida pelo texto Constitucional de 1988 como uma simples cópia literal das Constituições anteriores. Ela representa muito mais que isso, pois, após anos de repressão, o ideal de democracia e igualdade ventilava por todos os ramos e, com o direito não poderia ser diferente, ainda mais com o direito de família, já que as próprias normas infraconstitucionais – que antes obstaculizavam os preceitos trazidos pelas Constituições – estavam mudando seus preceitos, conferindo mais garantias e procurando estampar uma igualdade apenas posta no papel e muito pouco vista na prática. 15 Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes: § 1º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o preconceito de raça. 27 28 Nesse passo, não menos importante é o artigo 226 da Constituição Federal de 1988. Porque, não bastaria apenas explicitar o princípio da igualdade entre os seres do sexo masculino e feminino sem voltar os olhos para a então chamada base da sociedade, ou seja, a família. No caput desse dispositivo, o legislador constitucional dispôs expressamente que a família é à base da sociedade e que, em função disso, tem especial proteção do Estado. E, para que fosse realmente assegurada essa proteção ela reconheceu os diversos tipos de entidades familiares, que com o passar dos anos foram se criando sem qualquer proteção legal, mas que assim mesmo existiam e não poderiam de qualquer forma ser ignorada, como a união estável e a entidade monoparental. Toda essa mudança de valores acabou refletindo de modo extremamente positivo em relação àqueles que nasciam no seio dessas famílias e dessas entidades familiares, ao menos para a época, porque em função disso passou-se também a ter grande preocupação com os menores. Antes, eram apenas objetos de direitos e detentores de muitos deveres 1988, além do fim da desigualdade entre os filhos – já que finalmente acabou com hedionda distinção entre filhos legítimos, legitimados e legalmente reconhecidos, estabeleceu-se a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, que, dentre outras mudanças, tornou as crianças e os adolescentes verdadeiros sujeitos de direitos, os quais deviam ser garantidos não só pela família, como pela sociedade e pelo Estado. Essa é a interpretação do artigo 227 da Carta Magna: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 28 29 A partir desse dispositivo é obrigação legal dos pais assegurarem a seus filhos direitos básicos como a dignidade e a convivência familiar, sendo a privação de qualquer um deles uma verdadeira infração à lei, devendo como tal ser punida. Antes, em 1979, a Assembléia Geral da ONU já havia aprovado a idéia de proceder, de imediato, a elaboração de um projeto que viesse a dar efeito jurídico e força obrigatória aos direitos específicos da criança. E, em 20 de novembro de 1989, foi aprovada a Convenção sobre os Direitos da Criança que reconhecia, pela primeira vez, a criança como sujeito de direitos. Este tem sido o documento normativo com maior capacidade mobilizadora desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, pois desde então tem sido efetivada internacionalmente a conscientização sobre a necessidade de medidas concretas para que os direitos por ela consagrados possam ser consubstanciados. Essa regra consolida juridicamente a noção de proteção integral da criança (adotada, posteriormente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente) e reconhece direitos individuais de natureza civil, política, econômica, social e cultural. A definição mais exata dessa doutrina seria o tratamento da questão da criança e do adolescente como prioridade absoluta, pois, deve-se ter a proteção à criança e ao adolescente como dever de toda a sociedade, desde a família a que pertença o menor, até as autoridades públicas importantes. Deve -se, também, ressaltar o reconhecimento de direitos específicos que a proteção integral assegura à criança e ao adolescente, que visam garantir seus plenos desenvolvimentos físicos, psíquicos, morais e intelectuais. No Brasil, as legislações ordinárias, subseqüentes à nova Constituição no que concerne à criança foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), o qual fez questão de reafirmar o texto constitucional, ao dispor em seu artigo 19 que “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da 29 30 sua família 16 ” e no artigo 22 que “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores” 17 . O artigo 4º dessa Lei praticamente transcreveu o artigo 227 da CF/88 ao determinar que, primeiro, a família e, supletivamente, o Estado e a sociedade, têm o dever de assegurar por todos os meios, de todas as formas e com absoluta prioridade, todos os direitos inerentes à constituição de um homem civilizado. Na verdade, a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente formam um conjunto de princípios, de direitos, para garantir aos menores um novo status, diferenciado daquele que, até o final dos anos oitenta lhe era conferido nacional e internacionalmente. Esse novo status significa que a criança e o adolescente foram, como já mencionado acima, reconhecidos como sujeitos de direito, o que implica na impossibilidade de serem tratados como meros objetos passivos da intervenção da família, da sociedade e do Estado. A partir desse novo tratamento, a criança passou a ser considerada em sua dignidade de pessoa humana e sujeito pleno de direito: à vida, à educação, à saúde, ao lazer, à convivência familiar, à integridade física e psicológica também. E os Novos Códigos Civis da mesma forma, acompanhando a evolução desse novo tratamento dado ao menor, ressaltou entre os deveres conjugais (art. 1.566, inc. IV) o de “sustento, guarda e educação dos filhos” e dispôs em capítulo especial sobre a “proteção da pessoa dos filhos” 18 (arts. 1.583 a 1.590 19 ), em caso de separação ou divórcio dos pais, sempre tendo como princípio norteador o melhor interesse dos filhos. 16 Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. 17 Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendolhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. 18 Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: V - respeito e consideração mútuos. 19 Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008). 30 31 § 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). II – saúde e segurança; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). III – educação. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 4o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008). I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, 31 32 Esse princípio não é apenas uma recomendação ética, mas também uma diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado. A aplicação da lei deve sempre realizar o princípio, consagrado, como “critério significativo na decisão e na aplicação da lei”, tutelando-se os filhos como seres prioritários. O desafio é converter a população infanto-juvenil em sujeitos de direito, “deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como os adultos, titular de direitos juridicamente protegidos”, ainda que exista o aparelhamento normativo, é necessário mais que isso, é imprescindível que seja realmente posto em prática. A evolução do status assumido pela criança, bem como a transformação do papel do filho na família pode ser definida utilizando para tal uma figura de imagem: em lugar da construção piramidal e hierárquica, na qual o menor ocupava a escala mais baixa, tem-se a imagem do círculo, em cujo centro foi colocado o filho, e cuja circunferência é desenhada pelas recíprocas relações com seus genitores, que giram em torno daquele centro. de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, aplica-se quanto à guarda dos filhos as disposições do artigo antecedente. Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais. Art. 1.587. No caso de invalidade do casamento, havendo filhos comuns, observar-se-á o disposto nos arts. 1.584 e 1.586. Art. 1.588. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente. Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Art. 1.590. As disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes. 32 33 Assim, a Constituição Federal de 1988 atenua o modelo institucional de família para residir na relação entre pais e filhos o poder paternal centrado na idéia de proteção. A paridade de direitos e deveres tanto do pai quanto da mãe está em assegurar aos filhos todos os cuidados necessários para o desenvolvimento de suas potencialidades, para a educação, formação moral e profissional, tudo calcado, obviamente, no princípio máximo do ordenamento jurídico brasileiro, no que tange à proteção do indivíduo: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 1.4. A VIOLENCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL COLONIAL E IMPERIAL. A partir do descobrimento, em 1500 até 1822, o Brasil foi uma colônia de Portugal, dependendo econômica, política e administrativamente do poder instalado em Lisboa. As leis e as ordens para as crianças também vinham de Portugal e eram aplicadas por meio da burocracia, dos representantes da corte e da Igreja Católica. A Igreja e o Estado andavam juntos, unindo a conquista armada e a religião. O cuidado com as crianças índias pelos padres jesuítas tinha por objetivo batizá-las e incorporá-las ao trabalho. Os padres, embora não aceitassem os castigos violentos e a matança de índios pelos portugueses, fundaram casas de recolhimento ou casas para meninos e meninas índias, nas quais, após separá-los de sua comunidade, impunham-lhes costumes e normas do cristianismo, tais como o casamento religioso e outros dogmas, com o intuito de introduzi-los na visão cristã do mundo. A economia brasileira dessa época dependia de exportações de riquezas naturais, como madeira e ouro, ou de produtos agrícolas. Para isso, foi muito utilizada a mão-de-obra escrava proveniente da África. Os escravos eram considerados mercadoria. A criação de crianças escravas era mais cara do que a importação de um escravo adulto, já que com um ano de trabalho o escravo 33 34 pagava seu preço de compra. Havia grande mortalidade de crianças escravas. As mães eram alugadas como amas-de-leite, sendo essa uma maneira de separar os filhos de suas próprias mães. A criança escrava, mesmo depois da Lei do Ventre Livre, de 1871, podia ser utilizada pelo senhor desde os 8 até os 21 anos de idade, se, mediante indenização do Estado, não fosse libertada. Antes dessa lei, essas crianças começavam bem cedo a trabalhar ou serviam de brinquedo para os filhos dos senhores. Era grande o número de filhos ilegítimos, muitos eram filhos de senhores e escravas. Segundo a moral dominante, a família normal era somente a família legítima. Os filhos nascidos fora do casamento, com raras exceções, eram fadados ao abandono. A pobreza também era causa de abandono. As crianças eram deixadas nas portas das casas e, muitas vezes, eram comidas por ratos e porcos. Essa situação chegou a preocupar as autoridades, levando o vice-rei a propor, em 1726, duas medidas: coleta de esmolas na comunidade e internação de crianças. Para atender à internação de crianças ilegítimas, foi implantada a Roda. (roda: um cilindro giratório na parede da Santa Casa, que permitia que a criança fosse colocada por fora, sem ser vista de dentro, e, assim, recolhida pela Instituição, que criou um local denominado “Casa de Expostos”.) O objetivo desse instrumento era esconder a origem ilegítima da criança e salvar a honra das famílias. A grande maioria dessas crianças enjeitadas ou expostas era branca ou parda, filhas de brancos ou de brancos e negros. A primeira Roda, na Bahia, foi criada em 1726 e a última somente foi extinta nos anos 50 do século XX. As crianças enjeitadas, uma vez posta na Roda, poderiam permanecer na instituição até um ano e meio. Em geral, eram entregues a amas-de-leite alugadas ou a famílias que recebiam pensões muito pequenas e utilizavam as crianças para o trabalho doméstico. Na Casa dos Expostos, havia grande mortalidade. Em torno de 90% das crianças morriam, por omissão ou falta de condições da própria Santa Casa ou por desinteresse da Corte. Além das Santas Casas, cabia às Câmaras 34 35 Municipais cuidar dos abandonados, podendo para isso criar impostos. Algumas Câmaras prestavam assistência aos órfãos e abandonados por meio da colocação familiar, ou seja, entrega de crianças a algumas famílias em troca de pagamento. As instituições privadas e semi-oficiais cuidavam dos pobres, favorecendo os ricos, isto é, encaminhando as crianças ao trabalho precoce, transformavam-nas em futuros subalternos. Já em 1854, havia a intenção de recolher os meninos que vagavam pelas ruas, segundo um decreto imperial daquele mesmo ano. No entanto, somente em 1871 foi criado o asilo de meninos desvalidos. As meninas desvalidas indigentes eram acolhidas na Santa Casa desde 1740. No final do século XIX, havia trinta asilos de órfãos, sete escolas industriais e de artífices e quatro escolas agrícolas. Com a Proclamação da República, em 1889, precedida pela Abolição da Escravidão, em 1888, não foi mudado o comportamento oficial relativo aos asilos. Os asilos se expandiram, mas foi por iniciativa privada, já que as relações entre Igreja e Estado foram abaladas. Predominou a política da omissão do Estado, apesar dos discursos de preocupação com a infância abandonada. Desde o início do século XX, os juristas, em congressos internacionais da Europa e América Latina, preocuparam-se com o combate à “criminalidade de menores” de forma distinta da dos adultos. Na perspectiva de “salvar o menor” do ambiente perigoso, propunham uma “nova Justiça para a infância, para corrigir os desvios do bom comportamento”. Desde 1913 a idéia de criação de Tribunais para menores foram defendidos pelo desembargador Ataulpho de Paiva. No Código de Menores de 1927 fica estabelecida a distinção entre “abandonados” e “vadios”. Estes, maiores de 14 e menores de 18 anos, eram submetidos a um processo penal especial, ficando a critério do Juiz estabelecer a sanção segundo sua avaliação “da boa ou má índole” dos que eram julgados, com encaminhamentos para seu disciplinamento. Em 1927 ,o Congresso Nacional discutia a implantação de uma política chamada de “assistência e proteção aos menores abandonados e delinqüentes”. Em 1903, foi criada a Escola Correcional 15 de Novembro. Em 1903, foi autorizada a 35 36 criação do Juizado de Menores, e, em 1934, foram criados o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores e o Abrigo de Menores. Em 1927, toda essa legislação é consolidada no primeiro Código de Menores. O Código de 1927 cuidava, ao mesmo tempo, das questões de higiene da infância. e da delinqüência e estabelecia a vigilância pública sobre a infância. Vigilância sobre a amamentação, os expostos, os abandonados e os maltratados, podendo retirar o pátrio poder. O menor de 14 anos não era mais submetido ao processo penal e, se fosse maior de 16 e menor de 18 e cometesse crime, poderia ir para prisão de adultos em lugares separados destes. O juiz devia buscar a regeneração do menor. 20 1.5. A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO RIO DE JANEIRO. Em média, 18 mil crianças são vítimas de violência doméstica por dia no Brasil. Os dados, apresentados pela Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância (Sipani), representam 12% das 55,6 milhões de crianças menores de 14 anos. O perigo está mais próximo do que se imagina. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostram que 80% das agressões físicas contra crianças e adolescentes foram causadas por parentes próximos. Ainda de acordo com o Unicef, de hora em hora morre uma criança queimada, torturada ou espancada pelos próprios pais. No Rio de Janeiro, cerca de 40% de todas as ocorrências registradas por mês nas delegacias do Estado são de agressão infantil. Sendo que, apenas 1% das denúncias são feitas pelas vítimas. Os tipos de agressão infantil são diversos. Os mais comuns são a violência física, a psicológica e a sexual. Bater definitivamente não é a melhor solução, o ideal é o diálogo com a criança, é mais eficaz explicar para a criança as 20 Subsídios para atuar no enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes. MEC/ SECAD /2006 36 37 conseqüências de seus atos e como você se sente decepcionado com isso, do que bater nela. Além de melhorar o relacionamento com a criança, esse tipo de atitude acaba evitando que ela se torne um agressor no futuro. Entre as causas da violência infantil está o trauma de quem foi agredido quando criança. Pais que quando crianças foram vítimas de violência doméstica tendem a repetir as agressões em seus filhos. “Existe um pensamento no imaginário popular de que não devemos interceder em problemas que ocorrem no âmbito familiar, o que é um equívoco. Ariel Alves, 21 do Conanda, retoma a questão do papel da sociedade: “Não é só a família a responsável por garantir os direitos da infância e juventude, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que é um dever de todos: da família, do Estado e de toda a sociedade brasileira.” Os atendentes do Disque-Denúncia recebem mais de 500 chamadas por mês informando sobre maus-tratos contra crianças e adolescentes. O número de ligações só é maior pra denunciar tráfico de drogas e jogos de azar. As investigações sobre famílias têm se concentrado, sobretudo, no influente papel da interação mãe-filho, mas pouco se tem falado dos efeitos do apoio mútuo dos dois pais ao seu filho. O apoio mútuo está diretamente relacionado à coesão familiar. Muitos são os casais que, separados ou não, vivem depreciando-se um ao outro para os filhos. Alguns estudos mostram que os meninos menos problemáticos eram aqueles que tinham um pai que promovia a coesão familiar e uma mãe pouco crítica com a postura desse pai. Observa-se ainda, que as mães provenientes de ambientes familiares estressantes, tendem a ser mais crítica com seus maridos diante de seus filhos. 21 Ariel Alves, responsável pelo Conanda. 37 38 Durante o período pré-escolar, as condutas agressivas aparecem mais nas crianças que vêem de lares onde as mães são mais críticas com seus maridos. Portanto, tanto a atitude hostilidade-competitividade, como a atividade excessivamente crítica da mãe sobre o pai aparece como elementos de grande influência no surgimento de conduta agressiva em idades pré-escolares. A violência, em todas as suas formas, é para mim sempre impressionante. Não me conformo em ver nos hospitais de emergência, em grande quantidade, crianças e adolescentes atropelados em portas de escolas, vítimas de acidentes de trânsito e de quedas, muitas vezes evitáveis, ou de intoxicações diversas. O problema é saber quais dessas situações poderiam ter sido prevenidas e quais delas foram intencionais. Voltando à violência de pais contra filhos, um dos casos que mais me marcaram. Evidentemente, os piores foram aqueles que chegaram à morte. Lembro-me do Willian, um menino de cerca de dois anos de idade, que chegou morto à sala de emergência, numa manhã de sábado. Apresentava inúmeros sinais externos de violência e fratura do crânio. A pessoa que o levou era uma mulher de cerca de 30 anos, mãe substituta. Ela deitava-se sobre o corpo do menino e chorava, gritando: "O que fizeram com você, Willian? Quem fez isso? Vou me vingar”.Pouco depois, confessou que havia torturado o garoto durante dias, como represália pelo fato de a mãe biológica não estar mandando regularmente a importância combinada para a manutenção do menino. Ela foi presa e condenada: pena máxima, por homicídio doloso. Outra criança que morreu, com cerca de um ano de idade, encontrei na emergência em um respirador, com inúmeras fraturas de crânio. A mãe, tranqüila e às vezes até dormindo ao lado da criança, informou que a encontrou caída, junto à cama, quando chegou em casa. O pai estava lá. A criança havia sido agredida violentamente na cabeça, com algum instrumento. Os casos que chegam a um hospital público são sempre de grande violência. Uma mãe colocou a mão da criança em panela com água fervendo, causando queimaduras de segundo grau profundo, queimadura em luva, típica de maus-tratos físicos. Outra queimou a boca do filho com uma colher aquecida, porque ele dizia palavrões. Outros pais colocaram a filha em uma bacia com água quente para castigá-la porque não 38 39 controlava oesfíncterurinário à noite. Outros, queimaram o períneo da filha com objeto aquecido porque ela se masturbava. Ou queimaram a mão de uma menina na prancha do fogão, ou colocaram um bebê sentado na frigideira com óleo fervendo. São todos exemplos de casos graves que chegam aos hospitais. Os casos levados ao SOS Criança da Abrapia são menos graves, permitindo uma ação preventiva mais eficaz. Em relação à negligência, o que mais me impressiona são as situações de crianças deixadas sozinhas em casa - que se intoxicam, sofrem quedas e, às vezes, morrem ou ficam mutiladas em conseqüência de incêndio em casa, com graves queimaduras, ou quedas de apartamentos altos. O abuso sexual, quando chega ao hospital, é sempre muito grave, com lesões graves de genitália e ânus. Os casos levados freqüentemente à Abrapia apresentam menores conseqüências físicas, sem marcas evidentes e exigindo para o diagnóstico a aplicação de técnicas sofisticadas de revelação do abuso sexual na família. Maus-tratos e negligência de pais contra filhos continuam a ocorrer em todos os países do mundo. A literatura científica está cheia de casos quase inacreditáveis: bebês colocados em forno de microondas, ou mortos por aspiração de pimenta em pó colocada pelos pais nas suas bocas, ou assassinados por asfixia por travesseiro. Recordo-me que, certa vez, fiz uma conferência sobre violência doméstica em um congresso internacional de cirurgia pediátrica, no Rio. Após minha exposição, o presidente do congresso, um médico suíço, parabenizou-me, mas disse que já conhecia todas as situações que eu havia apresentado. Na sua terra também ocorria o mesmo. E citou casos que não conhecemos pessoalmente, como colocar uma criança, para castigá-la, em um armário fechado, ou para fora de casa, na neve. Efetivamente, o que mais me impressiona não são os casos extremos, exemplares, que citamos. O pior é saber que a violência de pais e parentes contra crianças que deles dependem totalmente continua a existir, em todas as suas formas, com enorme freqüência, em todos os países do mundo. Por analogia com as estatísticas americanas, pode-se calcular que cerca de 40 mil crianças e adolescentes são severamente maltratados pelos seus responsáveis, todos os anos, no Rio de Janeiro e no Brasil, no mínimo 600 39 40 mil ao ano. Dessas, 1800 (0,3%) morrem. Lamentavelmente, poucos são os casos notificados. 22 Durante 10 anos, de janeiro de 1989 até junho de 1999, a ABRAPIA atendeu crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e suas famílias, no Estado do Rio de Janeiro. Esta é uma análise preliminar de 1169 casos atendidos no SOS Criança da ABRAPIA no período de janeiro de 1998 a junho de 1999. LAURO MONTEIRO FILHO - Editor [email protected] 22 40 41 CAPITULO II – MAUS TRATOS ONTEM, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA HOJE. 2.1. MAUS TRATOS. No direito romano o pai dispunha de absoluto poder disciplinar em relação ao filho, nele incluído até o de matá-lo, de transferi-lo a outrem ou mesmo entregálo como indenização, venda, doação ou penhor; o poder de punição doméstica, além de não observar qualquer regra de proporcionalidade e contraditório, era absoluto, não respondendo o pater famílias pelos castigos e excessos impostos aos filhos. Com a evolução da civilização e a partir do cristianismo, tal poder – que se situava na órbita do exercício regular de direito - foi se abrandando com exigência de moderação, passando a ser punidos seus excessos quando deles resultassem lesões corporais graves ou morte. Hoje o pátrio poder é encarado como complexo de deveres em relação aos pais, instituído no interesse dos filhos e da família, havendo denominação até de pátrio-dever. O Código Criminal do Império (1830) não tratou dos maus tratos, justificando os castigos moderados; o Código Penal de 1890 não tratou da matéria, cabendo ao 41 42 Código de Menores de 1927 fazê-lo, nos arts. 137 23 a 141 24 , os quais foram adotados na Consolidação das Leis Penais de 1932, nos incisos VI a X, do art. 292. O Código Penal de 1940, no Capítulo III, do Título I, da Parte Especial, utilizando uma forma unitária e com a rubrica “maus tratos” não só englobou aqueles crimes individualizados na legislação anterior, como ampliou a proteção legal dispensada para alcançar, além dos menores de dezoito anos, e agora sem limite etário, todos aqueles que se encontrem sob a autoridade, guarda ou vigilância de outrem, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. Efetivamente, prevê o art. 136, do Código Penal: 25 Sujeito ativo deste crime é apenas aquele que tenha a vítima sob guarda, vigilância ou autoridade, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. Por isto é delito próprio, pois se exige uma específica relação jurídica entre os sujeitos ativo e passivo; não havendo relação de subordinação entre o agente e a vítima – de direito público ou privado, não se tratará de maus tratos, mas de perigo para a vida ou saúde de outrem (CP, art. 132). Já o sujeito passivo é aquele que estiver sob a autoridade, guarda ou vigilância do sujeito ativo, para fins de educação (atividade docente que tenha por escopo aperfeiçoar, sob o aspecto intelectual, moral, físico, técnico ou profissionalizante, 23 Art. 137. Aplicar castigos imoderados, abusando dos meios de correção ou disciplina, a menor de 18 anos, sujeito a sua autoridade, ou que lhe foi confiado, para criar, educar, instruir, ter sob a sua guarda ou a seus cuidados ou para o exercício de uma profissão ou arte. Pena de prisão de três meses a um ano; com a inibição do pátrio poder ou remoção da tutela, si o culpado for pai ou mãe ou tutor. 24 Art. 141. Nos casos dos quatro artigos precedentes, si os castigos imoderados, os maus tratos, a privação de alimentos ou de cuidados, o excesso de fadiga causaram lesão corporal grave, ou comprometeram gravemente o desenvolvimento intelectual do menor, e si o delinqüente podia prever esse resultado, a pena será de prisão de um a cinco anos; e de cinco a doze anos, si causaram a morte, e o delinqüente podia prever-o. 25 “Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”. 42 43 a capacidade individual); ensino (são os conhecimentos transmitidos com vistas à formação de um fundo comum de cultura – ensino primário, secundário, etc.), tratamento (que reúne não apenas os processos e meios curativos, de caráter médico-cirúrgico, como também a administração de cuidados periódicos, destinados a prover a subsistência alheia e custódia (que é a detenção de uma pessoa para fim autorizado legalmente). Da delimitação do sujeito passivo do crime de maus tratos, exclui-se, por evidente, a esposa e filho maior de vinte e um anos, ante a absoluta ausência de relação de subordinação com o marido e pais, respectivamente. O núcleo do tipo é o verbo expor, significando criar uma situação de perigo à vida ou à saúde da pessoa subordinada; é típico crime de perigo, de conteúdo variado por prever múltiplos meios de maltratar a pessoa: 1) privando-a da alimentação necessária, claro que de forma habitual, pois da omissão alimentar deve resultar perigo, o que não se vislumbra com apenas uma conduta; pode se caracterizar com privação parcial e, desde que exponha a vida ou a saúde da pessoa subordinada a perigo, constitui maus tratos, (art. 45, § 1º, da Lei n. 7.210/84) 26 , sob pena de caracterização do delito de tortura do § 1º, do art. 1º da Lei n. 9.455/97 “. 27 2) privando-a dos cuidados indispensáveis – tem-se que estão compreendidos entre aqueles que representam o mínimo necessário à vida e saúda da pessoa, como não levar criança doente ao médico ou privá-la da higiene necessária. Nesta modalidade a conduta também é omissiva e para caracterizar maus tratos também se exige habitualidade, como o pai deixa o filho dormir sem agasalho no inverno fora de casa, em região fria, sabendo-se que pode contrair doença grave como pneumonia. 3) sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado – Trabalho excessivo é o que supera as forças físicas ou mentais da vítima, ou o que produz fadiga 26 Art. 45. Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar. § 1º As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do condenado. 27 Art. 1º Constitui crime de tortura: § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. 43 44 anormal, enquanto inadequado é o trabalho impróprio para as condições orgânicas da vítima, segundo a idade ou sexo. 4) abusando dos meios de correção e disciplina – esta modalidade do crime consiste no abuso de meios de correção ou disciplina, infligindo castigos excessivos que resultem perigo para a vida ou saúde da pessoa, atuando o agente imbuído para um fim inicialmente lícito (correção ou disciplina), ao contrário das anteriores, quando os maus tratos são impostos por malvadez, intolerância, impaciência, grosseria etc. No crime de maus tratos o dolo é de perigo, pode-se distinguir que, se houver dolo de dano, como, por exemplo, agressão física excessiva do pai ao filho, malgrado o animus corrigendi, o delito será de lesões corporais (CP, art. 129), podendo se transformar no crime de tortura do inciso II do art. 1º da Lei n. 9.455/97. 28 Assim, para que se configure o crime delito de maus tratos é necessário que o abuso dos meios corretivos ou disciplinares ocorra mediante: Os castigos físicos que não representem agressão contra a vítima. ‘O pai ou mestre que põe o menor de joelhos, por longo tempo, ou que o obriga a subir ou descer escadas, pode incorrer em crime de maus tratos, se excessiva a punição disciplinar a ponto de tornar periclitante a saúde da vítima. Em tais hipóteses, o crime será de lesões corporais, tão-só se o abuso do poder disciplinar foi praticado com dolo de dano’. Se houver emprego de violência física, causadora de intenso sofrimento físico ou mental, o agente responderá pelo crime de tortura (art. 1º, II, da Lei n. 9.455/97). Violência moral”. Exemplos: ameaças, intimidações, terror, impedimento do sono etc., desde que idôneos a expor a perigo a vida ou saúde. Se, entretanto, a grave ameaça causar intenso sofrimento físico ou mental, o agente responderá pelo delito de tortura previsto no inciso II do art. 1º da Lei n. 9.455/97. Se, porém, o sofrimento não for intenso, haverá delito de maus tratos, que, nesse caso, assume o perfil de crime subsidiário. 28 II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. 44 45 2.2. VIOLENCIA DOMÊSTICA. É na família onde tudo começa; sua função é importante para o desenvolvimento da criança e do adolescente, pois não só os torna aptos, como também pode qualificá-los como inaptos e até desajustados para viver em sociedade. A partir do momento em que o núcleo familiar se desestrutura, por diversos e conhecidos fatores, podem resultar atos violentos e agressivos ameaçadores do convívio familiar; pode-se dizer que daí passa-se ao que doravante se denominará violência doméstica contra a criança e o adolescente, exteriorizada como abuso do poder disciplinar e coercitivo dos pais ou responsáveis em relação aos filhos e pupilos. Tal abuso pode durar dias, meses ou anos porquanto, enquanto não levado ao conhecimento das agências oficiais de proteção, tudo se reveste com a característica do sigilo, vale dizer melhor, em família de regra prevalece a “lei do silêncio” O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/90), ao implantar a doutrina da proteção integral em substituição à antiga doutrina da situação irregular do revogado Código de Menores, em perfeita simetria com o comando constitucional (CRFB, art. 227) reconhece os direitos próprios de toda criança e adolescente, necessários à sua total proteção. A seu turno, no art. 18 do mesmo Estatuto, contextualizado no Cap. II, que trata “Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade”. 29 29 “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. 45 46 Daí resulta cristalizado que é dever primário dos pais e responsáveis garantir o cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, remanescendo não só como de caráter supletivo, mas também de natureza complementar, a intervenção estatal na ordem familiar, vale dizer, na falha do mecanismo familiar é dever do Estado garantir os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes. 30 Haverá violência, toda vez que houver violação aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, tais como à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de deverem estar a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão. O termo violência não pode ser considerado como um termo global, porque ela pode caracterizar determinados fenômenos num dado momento histórico. A violência só pode ser entendida pela formação ideológica da sociedade em conexão com uma análise de sua conjuntura social” Os abusos que caracterizam violência contra crianças e adolescentes se apresentam, de rotineiro, no geral, sob forma de agressão física, sexual, psicológica ou mesmo como negligência no cumprimento e observância daqueles direitos fundamentais. Uma não é menos grave que a outra, pois todas ofendem aqueles direitos fundamentais garantidos. A violência doméstica é encontrada em todas as classes sociais, mas assume maior visibilidade nas camadas populares, primeiro por serem mais numerosas e, segundo, por serem elas as que mais procuram, com maior freqüência, os serviços públicos; por isto, vêm a lume fatores como pobreza crônica, desemprego, subemprego, baixos salários, má ou falta de habitação, alcoolismo e drogas, dentre outros, como responsáveis pela desestruturação familiar, com conseqüências diretas na manutenção de prole consistente, gerando mais 30 www.dhnet.org.com.br. 46 47 violência. É a violência doméstica praticada contra crianças e adolescentes gerando mais violência: Indicadores físicos da criança ou adolescente” – presença de toda espécie de lesões físicas, exemplificadas como queimaduras, feridas, fraturas que não se adequar à coisa alegada. Ocultamento de lesões antigas. Comportamento da criança ou adolescente “– muito agressivo ou apático. Extremamente imperativo ou depressivo; assustável ou temeroso; tendências autodestrutivas; teme aos pais, alega sofrer agressão dos pais; alega causas pouco viáveis às suas lesões; apresenta baixo conceito de si; foge constantemente de casa; tem problemas de aprendizagem e que podem ser caracterizadas como “maus tratos”. Características da família “– oculta as lesões da criança ou adolescente ou as justifica de forma não convincente ou contraditória; descreve a criança como má e desobediente; defende a disciplina severa, abusa de álcool e/ou drogas; tem expectativas irreais da criança ou adolescente; tem antecedentes de maus-tratos na família”. Na realidade, estas “pistas” são apenas meros indicadores de comportamentos para os profissionais que atendem aos protegidos, principalmente na área da saúde e assistência social, buscarem a consolidação e padronização de critérios para diagnósticos. Neste ponto, a atuação séria e destemida dos Conselhos Tutelares, pelo menos nas cidades de médio e pequeno porte, tem servido para receber notícias e apurar atos de violência doméstica, muitas vezes reiterada, contra crianças e adolescentes. Aos pais e/ou responsáveis que se revelarem incapazes de cuidar do bem estar dos filhos ou pupilos, ou que não exerçam com dignidade os devedores para com eles, cuja responsabilidade lhes foi confiada pela lei ou pelo juiz, em momento inicial poderão ser aplicadas as medidas previstas no art. 129 e 47 48 seguintes da ECA, 31 sobressaltando a advertência para aqueles que pratiquem maus tratos – que não constituam crime -; depois, se o problema persistir, a solução será a colocação da vítima em família substituta (guarda, tutela e adoção); por fim, poderá o agressor ser afastado do lar, consoante dispõe o art. 130: 32 “Verificada a hipótese de maus tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da morada comum”. A partir da prática de tais atos, e com dificuldade probatória na maioria das vezes, é que se poderá verificar se constituem simples crime de constrangimento especial previsto no art. 232, do ECA. 33 31 Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar; VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII - advertência; VIII - perda da guarda; IX - destituição da tutela; X - suspensão ou destituição do pátrio poder. 32 Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum. 33 Artigo 232 do ECA. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos. 48 49 CAPITULO III TIPOS DE VIOLÊNCIAS DOMÈSTICAS. 3.1. VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES “Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica de um lado numa transgressão de poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”. (Azevedo e Guerra, 1995) 34 34 Azevedo e Guerra, 1995 49 50 A família, que deveria fornecer aos seus jovens integrantes um ambiente de proteção e tranqüilidade, auxiliando na formação da personalidade da criança, instruindo-a e a preparando para enfrentar os "tropeços" da vida, inverte seu papel, transformando-se no seio da violência, no palco de luta do mais forte contra o desenvolvimento do mais frágil. Existe violência infantil no momento em que uma ou várias pessoas invadem a zona intocável da criança, de modo tão freqüente ou tão flagrante que o desenvolvimento normal desta última corre o risco de ser afetado. Ou seja, quando se violam direitos como o da intimidade, do respeito, da liberdade, dignidade, entre outros, que compõem a personalidade da vítima, pratica-se violência. Dessa forma, não só o abandono material identifica-se como um ato de agressão, mas o simples fato de não se dar a devida atenção à criança, aos seus problemas, ao seu universo, também a caracteriza. São quatro as formas mais praticadas de violência: a física, a psicológica, a sexual e a negligência podem-se conceituá-las como: 3.2. Negligência: "Privar a criança de algo de que ela necessita, quando isso é essencial ao seu desenvolvimento sadio. Pode significar omissão em termos de cuidados básicos como: privação de medicamentos, alimentos, ausência de proteção contra inclemência do meio (frio / calor)”. Um conceito amplo de negligência, ou omissão do cuidar, é o não atendimento das necessidades básicas da criança, em variados níveis de gravidade. É uma das formas mais freqüentes de maus tratos que há muito pouco tempo vem sendo reconhecida como tal. Incluída no cotidiano de muitas famílias o instituições, faz parte do contexto do que os adultos supõem ser seu direito de escolher, na maioria das vezes sem questionamentos, a qualidade de vida daqueles que deles dependem. 50 51 Sendo dever da família, da sociedade e do Estado colocar crianças e adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (artigo 227 da Constituição Federal), compete à equipe de saúde, ao atender uma suposta vítima de violência por ação o omissão. Deve, também, agir com justiça, ou seja, garantir a qualquer criança ou adolescente o acesso aos meios disponíveis de cuidados e de proteção que viabilizem a sua existência, garantindo-lhe os direitos previstos nos Art. 5º e 227 da Constituição da República Federativa do Brasil. Abandono: "Caracteriza-se como abandono a ausência do responsável pela criança ou adolescente. Considera-se abandono parcial a ausência temporária dos pais expondo-a a situações de risco. Entende-se por abandono total o afastamento do grupo familiar, ficando as crianças sem habitação, desamparadas, expostas a várias formas de perigo". Abandono - Segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, é a falta de amparo ou de assistência. De acordo com o ECA, pratica o abandono os pais que deixam, sem justa causa, de prover o sustento, a guarda e a educação dos filhos menores de 18 anos (art. 22). O artigo 23 do Estatuto estabelece que a falta ou carência de recursos não caracteriza, por si só, abandono de uma criança ou de um adolescente e não pode servir de base para a decretação da perda ou suspensão do poder familiar. Uma das violências mais cometidas dentre a negligencia e o abandono. A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR PELO ABANDONO. O abandono tem relevância jurídica tanto na esfera cível como na penal. A análise desta situação revela a importância do conceito de abandono. Código Civil de 1916. Art. 395 – Perderá por ato judicial o pátrio poder o pai, ou a mãe: I – que castigar imoderadamente o filho; II – que o deixar em abandono; III – que praticar atos contrários à moral e aos bons costumes. 51 52 Código Civil de 2002. Art. 1638 – Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 22 – Aos pais incube o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendolhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Art. 24 – A perda e a suspensão do pátrio poderem serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o artigo 22. Código Penal. Abandono de incapaz. Art. 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono. Pena – detenção, de seis meses a três anos. Ocorre diferença de pena caso do abandono resulte lesões corporais ou morte e agrava-se a pena quando praticada por ascendentes. O abandono neste caso significa largar, deixar sem assistência, o afastamento físico do incapaz. Exposição ou abandono de recém-nascido Art. 134 Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria. Pena – detenção de seis meses a dois anos (agrava-se a pena se resulta lesão ou morte). Abandono Material Art. 244 – Deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do cônjuge, ou de filho menor de dezoito 2 anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou valetudinário, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente gravemente enfermo. Pena: detenção de 1 a 4 anos, e multa . Tais recursos necessários são os estritamente necessários à habitação, alimentação, vestuário e remédios. Valetudinário é o incapaz de exercer atividade em razão de idade avançada ou estada doentio. Abandono intelectual . Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar. Pena: detenção de 15 dias a um mês ou multa. 52 53 As definições apresentadas pelos doutrinadores da área cível guardam uma relação direta com a época em que foi lançada. Assim, os primeiros doutrinadores citados definem o abandono com base no Código Civil de 1916 e no Código de Menores. O último apresenta uma definição mais voltada ao Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, uma pesquisa preliminar aponta uma ausência de definição técnica do que vem a ser abandono, ocorrendo a necessidade de se socorrer de outras áreas como o Código de Menor, ECA.e Código Penal. Abandono não é apenas o ato de deixar o filho sem assistência material, fora do lar. Mas o descaso intencional, pela sua criação, educação e moralidade. O Código de Menores, em seu artigo 26, caracteriza, com bastante pormenor, os casos de abandono. Dentre as hipóteses figuradas nessa lei convém reproduzir, a título de exemplo, os casos dos incisos III, IV, VII e VIII, que declaram abandonados os menores de 18 anos: III – que tenham pai, mãe ou tutor ou encarregado de sua guarda reconhecidamente impossibilitado ou incapaz de cumprirem os seus deveres para com o filho ou pupilo ou protegido; IV – que vivam em companhia de pai, mãe, tutor ou pessoa que se entregue à prática de atos contrários à moral e aos bons costumes; VII – que, devido à crueldade, abuso de autoridade, negligência ou exploração dos pais, tutor ou encarregado de sua guarda, sejam: a) vítimas de maus tratos físicos habituais ou castigos imoderados; b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados indispensáveis à saúde; c) empregados em ocupações proibidas ou manifestamente contrárias à moral e aos bons costumes ou que lhes ponham em risco a vida ou à saúde; d) excitados habitualmente para a gatunice, mendicidade ou libertinagem; VIII – que tenham pai, mãe ou tutor, ou pessoa encarregada de sua guarda, condenado por sentença irrecorrível: a) a mais de dois anos de prisão, por qualquer crime; b) a qualquer pena como co-autor, cúmplice, encobridor ou receptador de crime cometido por filho, pupilo ou menor sob sua guarda, ou por crime contra estes. O abandono do filho é ato que implica desatendimento direto do dever de guarda, bem como do de criação e educação. Revela falta de aptidão para o exercício e justifica plenamente a privação, tendo em vista que coloca o filho em situação de grave perigo, seja quanto à segurança e integridade pessoal, seja quanto à a saúde e à moralidade. É o ato que afronta um dos direitos mais caros dos filhos: o de estar sob os cuidados e vigilância dos pais. Traduz-se o abandono na falta de cuidado e atenção, na incúria, ausência absoluta de 53 54 carinho e amor. O abandono que justifica a perda do poder familiar há que ser aquele em que o pai deixa o filho à mercê da própria sorte, ainda que com terceira pessoa ou com o outro pai, mas que não tenha condição alguma de atendê-lo. O abandono pode ser de aspecto material, intelectual e afetivo. COMPREENDENDO O ABANDONO NA DESTITUIÇÃO. a) Princípio da proteção integral da ECA. O abandono familiar revela o não cumprimento deste princípio por parte dos genitores. b) Infringência ao dever de sustento, guarda e educação. Não cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar. c) Formas de abandono: material, intelectual, moral e afetivo. d) O abandono que justifica a destituição é o voluntário e não o forçado ou não querido. e) Necessidade de ser demonstrado o abandono. 3.3.Violências Físicas contra Crianças e Adolescentes. "Qualquer ação, única ou repetida, não acidental (ou intencional), cometida por um agente agressor adulto (ou mais velho que a criança ou o adolescente), que lhes provoque conseqüências leves ou extremas como a morte." Os adultos com descontroles emocionais covardemente violentam a integridade física da criança por atos atrabiliários e pela fragilidade da física da mesma. As vezes podem não ter a reta intenção de ferir, mas assim mesmo, pelo uso da força praticam atos de violência que culminam em graves ferimentos e terríveis seqüelas quando não a morte. Muitas crianças portam consigo seqüelas físicas que não chegam ao conhecimento das autoridades porque são encobertos pelos próprios adultos no caso os pais ou tutores. 54 55 São comuns murros e tapas, agressões com diversos objetos e queimaduras causadas por objetos como cigarro, ferro elétrico de passar roupa, líquidos quentes etc. 35 3.4.Violência Psicológica. "É o conjunto de atitudes, palavras e ações dirigidas para envergonhar, censurar e pressionar a criança de forma permanente. Ameaças, humilhações, gritos, injúrias, privação de amor, rejeição, etc.” É uma das violências de que os adultos estão constantemente praticando sem tomarem a devida consciência como é o caso da discriminação e a segregação em um ambiente familiar. Os "patinhos feios" termo vulgar das crianças de uma constelação familiar, que vivem, constantemente postas de lado, ou porque não são dotadas de pouca inteligência que desagrada os pais, ou mesmo, não possuem características estéticas bonitas. A segregação em muitos casos é tão evidente que até os de fora passam a perceber. A rejeição é a irmã gêmea da discriminação e da segregação. As crianças são desprezadas, seus atos passam a ser constantemente reprovado com recusas e são desdenhadas e repelidas. A depreciação ocorre quando a criança perde a estima e a consideração; sendo, desacreditada em todas os seus atos. O desrespeito é parte da desconsideração, pois apesar de nítidos esforços que determinadas crianças empregam para obterem resultados escolares satisfatórios e não conseguindo seu intento são desrespeitadas sendo comparadas com outras crianças que obtiveram notas altas, porém não sendo levada em consideração a dedicação que as mesmas efetuaram. 35 Educar sem culpa, A gênese da Ética, Tânia Zagury. 55 56 Pais frustrados aproveitam o seu complexo de inferioridade para descarregarem na frágil criança o seu mesquinho modo de ser, aplicando punições exageradas como por exemplo em pleno inverno obrigarem a criança a tomar banho frio como castigo, etc. Tais violências psíquicas podem não marcar fisicamente, mas com certeza, deixarão marcas comportamentais negativas por toda a vida. SÍNDROME DE MUNCHAUSSEN NA INFÂNCIA Síndrome de Münchausen por procuração, é uma entidade relativamente rara, de difícil diagnóstico, caracterizado pela fabricação intencional ou simulação de sintomas e sinais físicos ou psicológicos em uma criança ou adolescente, levando a procedimentos diagnósticos desnecessários e potencialmente danosos O excesso de cuidados é uma forma grave de abuso da infância que encontra na Síndrome de Münchausen por procuração a forma mais grave e perigosa .A doença se torna para a criança münchausizada uma modalidade de superar ou negar o medo de ser abandonada ou rejeitada pelos pais, convicta que enquanto apresenta o sintoma físico à mãe se preocupará com ela, enquanto a recuperação da saúde coincide com o medo do abandono materno. A criança na Síndrome de Münchausen é tratada como figura de referência afetiva, principalmente pela mãe que a considera como um doente, e perde a capacidade de perceber corretamente a sensação que se origina do físico; com a persistência do quadro perde o referencial de distinguir se os sintomas são reais, imaginosos de sua parte ou induzidos pelos outros. O nome da síndrome vem da literatura, em que o personagem, Barão de Münchausen cujo nome era Hieronymus Karl Friedrich von Münchausen (17201797), alemão, tornou-se muito conhecido pelas mentiras humorísticas e (agressivas) que contava de bar em bar. O barão de Münchausen criava histórias fantasiosas, extremamente detalhadas, e todos acreditavam nelas. Esse quadro foi inicialmente descrito em adultos, que criavam doenças em si próprios. Posteriormente, em 1977, Meadow descreveu a situação em que pais 56 57 com desordens psiquiátricas produziam nos filhos o mesmo quadro. Daí a denominação Síndrome de Münchausen by proxi, ou por procuração. Burman foi o primeiro autor a referir-se com o nome de Síndrome de Polle a forma de apresentação infantil da Síndrome de Münchaussen. Trataria-se de uma forma muito particular de abuso ou maus tratos dirigidos contra as crianças, que geralmente provem de seus próprios pais mais freqüentemente da mãe e as motivações são similares as da Síndrome de Münchaussen, fazendo com que as crianças sejam hospitalizadas e tratadas como doentes. A etiopatogenia que é o estudo sobre a origem da síndrome da patologia, é complexa, implicando na existência de uma patologia dual, em lugar da individual Portanto enquanto a criança pode considerar-se objeto passivo desta forma de adoecer, a mãe é o autentico sujeito atuante ou latente da patologia. Poderíamos propor um perfil mais ou menos característico da criança vulnerável, segundo o qual, casamentos com graves conflitos conjugais, ou mães imaturas, com personalidades patológicas, ou com relações semióticas e dependentes com seus filhos, chegam a elaborar sintomas ou estados patológicos para que sejam consultados clinicamente, embora apesar de entrar numa dinâmica contraditória entre a preocupação pela saúde do filho e a necessidade de que esteja enfermo, como modo compensatório de seus próprios conflitos intra ou extrapsíquicos. Os métodos utilizados para a elaboração da sintomatologia são tão diversos como surpreendentes, e os sistemas de produção e quadros clínicos podem considerar-se quase ilimitados, sendo a maior ou menor acessibilidade dos aparatos e o conjunto de elementos materiais, a imaginação das mães, é o que determina a maior ou menor freqüência de apresentação.. Quanto aos métodos a mais direta é a simples alegação e o exageros de sintomas anódinos que são os medicamentos que mitigam ou fazem cessar a dor para que com tais medicamentos possa provocar de forma direta lesões, traumatismos, 57 58 intoxicações, etc. Em certas ocasiões as mães utilizam métodos mais elaborados como manipulação de sinais de ferimentos. Os quadros clínicos observados na criança podem ser muito variados tais como: sintomas neurológicos, urológicos, digestivos, respiratórios, síndromes febris, diabetes, hiperglicemias, traumatismos, infecções, desidratação, problemas cutâneos etc. As crianças são submetidas a múltiplos exames, hospitalizações e tratamentos que com freqüência causam um prejuízo no seu desenvolvimento psicofísico, quando não enfermidades iatrógenas (alteração patológica provocada no paciente por tratamentos não bem direcionados), graves riscos de infecção hospitalar e inclusive a morte. Nestes casos, os pais ou tutores utilizam artifícios diferentes para provocar-lhes enfermidades fictícias em seus filhos, com o objetivo de obter um lucro ou ganância secundaria mal definida na hospitalização da criança. 3.5. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA SILENCIOSA CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAS. Dentro da história do fenômeno da violência doméstica contra crianças e adolescentes um dos capítulos mais obscuros é o daquele que se relaciona a vitimas portadoras de deficiências (de natureza mental, física) uma vez que as contribuições científicas sobre a questão vem aumentando lentamente mais ao final da década de 80 e inicio dos anos 90, acreditando-se que a Convenção das Nações Unidas para os Direitos da Criança tenha tido o papel preponderante ao alavancar este tipo de debate. Entretanto, o que se observa é que muitos preconceitos cercam esta problemática e ainda perduram as atitudes de descompromisso face à gravidade da questão. A violência doméstica (através de espancamentos com cintos, chinelos, sedação, confinamento, prática de atos libidinosos, estupros, negligência, etc) 58 59 pode fazer parte integrante da vida de crianças portadoras de deficiências físicas e mentais; Estas crianças são mais vulneráveis do que as demais como resultado do fato de serem vistas como “diferentes” e, portanto, tratadas de forma também diversa que diz respeito a suas freqüentes hospitalizações, educação com escolas especiais, múltiplas pessoas incumbidas de seus cuidados, etc. Muito adultos portadores de deficiências e que foram vitimas de violência doméstica em sua infância ou de violência perpetrada por terceiros colocaram, por exemplo, que as dificuldades de mobilidade física ou sua inabilidade para a defesa pessoal contribuíram para estes quadros de violência se instalasse e perpetuasse; As dificuldades para crianças deficientes em termos de relato da violência doméstica se exacerbam na medida em que não conseguem se comunicar adequadamente com os adultos que estão tentando investigar tais episódios, bem como muitas vezes não dispõem de vocabulário necessário para descrição dos fatos. O medo de ser desacreditado, o medo das repercussões do ato de relatar, embora pertençam ao mundo de todas as vítimas de violência doméstica, são mais agudos para os casos de deficiência; As conseqüências do quadro de violência doméstica para as vítimas portadoras de deficiências são da mesma natureza que para as vítimas não portadoras deste tipo de problema. Acresce-se, entretanto, para elas o sentimento de maior vulnerabilidade e o receio contínuo de que o fato se repita. “Há muita relutância em se acreditar que qualquer pessoa pode perpetrar violência contra crianças portadoras de deficiência (como se esta deficiência conferisse algum grau de proteção). Elas podem ser vistas como tão sem atrativos para se tornarem vítimas de violência sexual ou tão dignas de piedade para serem vítimas de violência física”. Os pais também são considerados como super-heróis, incapazes de cometer tais atos em relação a seus filhos, não se percebendo com clareza o tipo de dificuldades que enfrentam. Isto leva a um 59 60 comportamento do profissional de “descrédito” ou de “negação” da violência doméstica, aliás, muito perigoso e revelador de preconceitos. Há dúvidas consideráveis em termos da possibilidade de que crianças com deficiências especialmente de natureza mental possam funcionar como testemunhas confiáveis em termos da violência que sofreram. As oportunidades de tratamento para o problema da violência doméstica oferecidas às vítimas portadoras de deficiência são, em geral, mais restritas (dados relativos a países desenvolvidos), uma vez que demandam profissionais treinados para a abordagem conjunta de dois fenômenos: a deficiência e a violência, bem como implicam em maiores recursos financeiros, além evidentemente da necessidade de que os serviços voltados à atenção para a deficiência se conscientizem da necessidade do estabelecimento de medidas de proteção à infância e os serviços voltados a esta mesma proteção dirijam seu olhar para os casos de deficiência na tentativa de se proceder a um diagnóstico precoce e a uma intervenção imediata quando quadros de violência doméstica aparecem. 60 61 3.6.Violência Sexual. "Entendemos todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual entre um ou mais adultos e umas crianças menores de dezoito anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa". Crime considerado grave contra a criança ou adolescente, cuja conseqüência para os vitimizadores, se forem pais ou responsável, pode ser o afastamento da moradia comum com a criança ou adolescente abusado, conforme previsto no artigo 130 da ECA. 36 A cultura difundida na sociedade ocidental, a partir da Idade Moderna, criou bases que expandiram a relação domínio-exploração entre os indivíduos. Para tanto, houve a domesticação da sexualidade, posto a serviço dos interesses capitalistas (a teoria utilitarista do sexo elegendo-o como fator gerador da massa de trabalhadores). Dessa forma, proporcionou, no meio social, a formação de dois pólos antagônicos, compostos de um lado pelo sexo masculino, representando o ser ativo e pensante da família, e de outro o feminino e o infanto-juvenil, desempenhando os papéis de seus subordinados. Construiu-se então, com o auxílio de elementos - faixa etária, sexo, raça - uma pirâmide social, que estabelecia quase que automaticamente a função de cada 36 Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum. 61 62 indivíduo na sociedade. Assim, as meninas, quando nasciam, já tinham seu futuro destinado a servir aos homens, e como suas mães, desempenhar fielmente as tarefas familiares. Da mesma maneira, ocorria com os meninos, que tinham como retrato os próprios pais. Portanto, ao homem, é atribuído o papel de liderança e autoridade, e à mulher o exemplo de submissão, modéstia, discrição e eficiência doméstica. Entretanto, nesse padrão hierárquico, os que mais sofriam com a discriminação e a indiferença, eram as crianças e os adolescentes, pois se o homem reprimia a mulher, ambos, por sua vez, dominavam os infantes. Esse processo vicioso vem reforçando, durante séculos, a construção do estereótipo feminino e masculino, e servindo como justificativa para a existência das mais diversificadas situações de desigualdade. Desde então, a violência contra a mulher e os infante-juvenis foi crescendo desenfreadamente, tornando-se tão legítima a ponto de o próprio Estado e outras instituições (escolas, igrejas, entre outras), também a exercerem. Dentre várias formas de manifestações dessa violência, a sexual vem mostrando-se como a mais agressiva, nos últimos tempos, já que o homem consegue constranger, não só física como também moralmente, a liberdade sexual do dominado, a tal ponto que obtém a anulação da vontade do mesmo, concretizando sua agressão, numa demonstração de força e poder. Dada a constante ocorrência de uma série de atos dessa natureza, que atingem crescentemente as mais variadas classes sociais e faixas etárias, transportou-se o assunto da esfera privada, onde era tratado com cautela e discrição, para o espaço público; implicando não só a responsabilidade do violentador, como de toda a sociedade que acobertou durante anos, entre quatro paredes, a gravidade do problema. 62 63 Entretanto, discutir a problemática da violência sexual é enfrentar, ainda, determinados tabus que insistem em impedir uma clara e ampla compreensão da situação de abuso. Entre alguns, está a dificuldade que as pessoas possuem, em aceitar a incidência do abuso sexual no âmbito familiar. Nesse caso, a gravidade é reforçada pelo fato de se utilizar-se não só da mulher-adulta, como alvo preferido, mas também por eleger as crianças e os adolescentes, exercendo-se, o que os estudiosos das Ciências Sociais denominam por abusovitimização infanto-juvenil. Abuso-vitimização expressa o fenômeno em sua totalidade de processo de causar dano à criança através de sua participação 'forçada' em práticas ou atos eróticos. A diferença reside no fato de que quando se emprega ABUSO, a ênfase é posta no pólo adulto, isto é, naquele que impõe, que 'força', que coercitivamente domina o processo. Quando se emprega VITIMIZAÇÃO, a ênfase é posta no pólo criança, isto é, naquele que sofre a coação, que recebe a injúria e o dano. 63 64 CAPITULO IV. VIOLENCIAS FISICAS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. 4.1. VIOLÊNCIA FÍSICA. Às vezes, a pessoa que bate não está pensando na criança, mas na própria raiva. Depois, o agressor acaba se sentindo mal e a criança percebe isso. É preciso saber colocar limites, sem agressão física. A criança não nasce sabendo as regras, ela precisa que alguém explique o que se deve ou não fazer. “É o uso de força física de forma intencional; não acidental, por parte dos pais ou responsáveis da criança / adolescente, com o objetivo de ferir, danificar e até mesmo destruir, deixando ou não marcas evidentes”. (Guerra, 1985). Atualmente, no Brasil, o marco teórico adotado para conceituar a violência contra crianças e adolescentes tem por base a teoria do poder. Todo poder implica a existência de uma relação, mas nem todo poder está associado à violência. O poder é violento quando se caracteriza como um 64 65 relação de força de alguém que a tem e que a exerce visando alcançar objetivo e obter vantagens (dominação, prazer sexual, lucro) previamente definidos. A relação violenta, por ser desigual, estrutura-se num processo de dominação, através do qual o dominador, utilizando-se de coação e agressões, faz do dominado um objeto para seus “ganhos”. A relação violenta nega os direitos do dominado e desestrutura sua identidade. O poder violento é arbitrário ao ser “autovalidado” por quem o detém e se julga no direito de criar suas próprias regras, muitas vezes contrárias às normas legais. As punições corporais contra crianças e adolescentes, como palmadas, chineladas, são práticas habituais em quase todas as sociedades. Encarados como ferramentas essenciais para a disciplina, estes castigos, que variam em intensidade. Embora para o senso comum, a “Pedagogia da Palmada” seja simplesmente um instrumento corretivo (ou preventivo), ela encerra um problema muito maior que é a banalização do uso da violência como meio de solucionar conflitos. Além disso, ensina a criança que a violência é uma maneira plausível e aceitável de se solucionar conflitos e diferenças, principalmente quando você está em uma posição de vantagem física frente ao outro. 37 O castigo físico e humilhante imposto à infância poderá ter reflexos negativos ao longo da vida da criança. Ademais, constituem uma violação aos Direitos Humanos fundamentais, atentando contra a dignidade humana e a integridade física das crianças. Educar os filhos não é uma tarefa fácil. O relacionamento entre pais e filhos é cercado de expectativas, que quando não são satisfeitas acabam gerando frustrações e muitas vezes desentendimentos. As razões que levam a isso são diversas. Por um lado os pais nem sempre tem condições para dar aos filhos o necessário para um crescimento saudável e às vezes esperam que eles sejam 37 Educar sem culpa, A gênese da ética, Tânia Zagury editora Record 1993. 65 66 iguais a eles, ou ainda, que eles sejam aquilo que gostariam de ter sido e não foram. Muitas vezes acreditamos que a melhor forma de educá-los ou conseguir que façam o que achamos melhor para eles é através da rigidez e do uso de castigos físicos, o que nem sempre funciona e pode ter efeitos nocivos ao pleno desenvolvimento da criança. Muitos pais justificam o uso do castigo físico dizendo que tentaram educar na conversa e não deu certo. Isto pode ocorrer por diversos motivos, mas geralmente ocorre por falta de consistência na aplicação de estratégias educacionais positivas. 38 Estamos quase na porta de um novo milênio, e a violência educativa está. Claramente banalizada em nosso país. "Dar uma boa palmada" como método educativo está fortemente enraizado no cotidiano das pessoas, apesar de todas as palavras que denunciam estes métodos. As pessoas gostam de afirmar que "eu sempre apanhei de meus pais e como estou bem, vou continuar a fazer isso com meus filhos". É preciso refletir que a criança sempre foi considerada, na história da humanidade, como uma propriedade de seus pais que podiam fazer com ela o que lhes aprouvesse. A violência nos métodos educativos previa "domesticar" a criança, considerada um mini-adulto imperfeito, até que ela se tornasse um adulto. Não é possível deixar de pensar sobre o tipo de sociedade que temos hoje, feita exatamente por crianças que sofreram coerção e violência, e, portanto, aprenderam a utilizar estes mesmos métodos na construção do mundo, perpetuando uma sociedade imersa na lei do mais forte. A violência física praticada contra crianças e adolescente é uma violação dos direitos humanos universais e dos direitos peculiares à pessoa em desenvolvimento, assegurados na Constituição Brasileira, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na 38 Campanha, não bata eduque. 66 67 Normativa Internacional. O Código Penal prevê como crimes as lesões corporais dolosas e culposas (artigo 1 9). TIPOS DE VIOLÊNCIA COMETIDAS PELOS PAIS Queimaduras (imersão em água quente) Espancamentos com utilização de objetos (pau, palmatória, barra de ferro, cabo de vassoura, chinelo, vara, chicote, algemas, cinta e etc) Cortes Socos Pontapés Beliscão Imersão da cabeça na privada Puxão de cabelo. 4.2. A PALMADA A palmada aparentemente pode até resolver, porque num primeiro momento faz com que a criança se sinta amedrontada e recue. Por outro lado, podem ocorrer casos em que mesmo apanhando e com medo, a criança que se sente extremamente agredida e que identifica – com razão – tal atitude como ação covarde, humilhante, encontra forças para enfrentar os pais dizendo, por exemplo: “Não doeu!”, Viu? Nem chorei!”, e coisas do gênero. É uma forma de defesa que pode redundar em mais agressão, porque faz com que o pai ou a mãe se descontrole (mais do que já está) e perca completamente o domínio sobre si mesma. Dessa forma, pode acabar numa verdadeira pancadaria, e até mesmo espancamento”. O que ocorre com freqüência é que a palmada tende a ir “perdendo o efeito”, isto é, a criança acaba se “acostumando” a apanhar, e passa, gradativamente, a temer cada vez menos esse tipo de agressão. O perigo reside no fato de que a 67 68 tendência dos pais é começar a bater mais e mais, tentando conseguir de novo o efeito inicialmente alcançado. 39 Acreditamos que, com algumas exceções, o que acontece é que muitas vezes os pais agridem os filhos quando deixam de agir precocemente em situações que desaprovam. Ocorre que ao não colocar limites, vão permitindo ou admitindo certos comportamentos nos filhos, e só ao se sentirem irritados, cansados, exauridos, é que agem, tentando proibir ou coibir atitudes que, até então, pelo menos aparentemente, eram aceitas. Não é difícil entender que nessas situações a tendência natural da criança é teimar, insistir na atitude que está acostumada a ter, gerando então os momentos de “desespero”, os gritos, as palmadas e os castigos exagerados dos pais. 4.2.1. LOCAIS DO CORPO MAIS ACOMETIDOS PELE – Tipos de lesões incluem desde a hiperemia, escoriações, equimoses, hematomas e queimaduras de 1º a 3º grau. ESQUELETO – Os ossos longos são os mais comprometidos. Os ossos cranianos são os ossos chatos mais lesados. SISTEMA NERVOSO CENTRAL - “Síndrome do bebê sacudido” ÓRGÃOS INTRA-ABDOMINAIS - Lesões, hemorragias internas provocadas através de socos, chutes, pauladas, etc. Como pode ser observado, quando for utilizado algum instrumento para se efetuar a agressão, pode-se identificar a forma do mesmo através das marcas deixadas sobre a pele. INDICADORES DE VIOLÊNCIA FÍSICA INDICADORES FÍSICOS: fraturas, hematomas, marcas de mordidas, queimaduras, cortes, cicatrizes. INDICADORES COMPORTAMENTAIS: dificuldade de concentração, distúrbios de aprendizagem, relutância em voltar para casa, agressividade e rebeldia 39 Violência contra crianças e adolescentes em busca de uma definição, Simone Gonçalves de Assis, Suely Ferreira deslandes, Maria Aparecida Barbosa Marques. 68 69 (repetição do comportamento punitivo dos pais e uso da agressão para afirmar seu poder sobre os outros), fugas constantes. 4.3. NATUREZA DA VIOLÊNCIA FÍSICA A preocupação com os direitos da criança e do adolescente trouxe à tona o problema dentro dos lares; a história do direito da criança confunde-se com a evolução da abordagem da violência doméstica, por isso, o histórico enfatizará este aspecto, ressaltando uma trajetória de abusos, maus-tratos e um processo de humanização da justiça. Quanto mais regressamos na história, maiores as chances de depararmo-nos com a falta de proteção jurídica à criança, aumentando as probabilidades de que tivessem sido abandonadas, assassinadas, espancadas, aterrorizadas e abusadas física e sexualmente. Exemplos são colhidos ao longo da história, assinalando-se que, no Oriente Antigo, o Código de Hamurábi (1728/1686 a.C.), em seu art. 192, previa o corte da língua do filho que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram seus pais, assim como a extração dos olhos do filho adotivo que aspirasse voltar à casa dos pais biológicos, afastando-se dos pais adotantes (art. 193). Punição severa era aplicada ao filho que batesse no pai. Segundo o Código de Hamurábi, a mão do filho, considerada o órgão agressor, era decepada (art. 195). Em contrapartida, se um homem livre tivesse relações sexuais com sua filha, a pena aplicada ao pai limitava-se à sua expulsão da cidade (art. 154). Em Roma, a Lei das XII Tábuas, entre os anos 303 e 304, permitia ao pai matar o filho que nascesse disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos (Tábua Quarta). 69 70 No período que antecedeu ao século XVIII, surge a utilização dos castigos, da punição física, dos espancamentos através de chicote, ferros e paus às crianças. Justificavam os pensadores da época que os pais deveriam cuidar para que seus filhos não recebessem más influências. Acreditavam que as crianças poderiam ser moldadas de acordo com os desejos dos adultos. Novas concepções, como a contribuição de John Locke, em sua obra intitulada Da educação das crianças, um dos clássicos da pedagogia européia do século XVIII, alertava os pais para a importância da prevenção "como o meio mais eficaz de preservar a saúde dos filhos". O mesmo autor propôs que se desse "atenção rigorosa ao desenvolvimento intelectual e à capacidade de autocontrole da criança". Assim como Locke, também Rousseau, no século XVIII, contribuiu para o entendimento do significado da infância. Afirmava que "a criança é importante em si mesma, e não meramente como um meio para um fim", além de sustentar que "a infância é o estágio da vida em que o homem mais se aproxima do “estado de natureza”. Na Inglaterra, em 1780, "as crianças podiam ser condenadas por qualquer um dos mais de duzentos crimes cuja pena era o enforcamento". Entre 1730 e 1779, metade das pessoas que morreram em Londres tinha menos de cinco anos de idade. Somente no século XIX, o filho passa a ser objeto de investimento afetivo, econômico, educativo e existencial. É neste período que passa a ocupar a posição central dentro da família que, por sua vez, passa a ser um "lugar de afetividade, onde se estabelecem relações de sentimento entre o casal e os filhos, lugar de atenção (bom ou mau)". Surge o interesse de filantropos, médicos e estadistas em auxiliar as crianças provenientes de famílias pobres. Em 1841, é editada uma das primeiras leis sobre a limitação do tempo de trabalho nas fábricas, voltada à proteção da criança, "marcando a primeira guinada de um direito liberal rumo a um direito social". Na Europa, a partir de 1850, percebe-se o filho como sendo objeto de amor dos pais, e a sua morte passa a ser motivo de luto para o adulto. É, nesse 70 71 período, que os manuais de educação sinalizam para a prece infantil e maternal, forma de aproximar mães e filhos em torno da aprendizagem da oração. 40 A chegada das primeiras crianças ao Brasil, mesmo antes do seu descobrimento oficial, foi marcada por situações de desproteção. Na condição de órfãs do Rei, como grumetes ou pagens, eram enviadas com a incumbência de casarem com os súditos da Coroa. Poucas mulheres vinham nas embarcações, e as crianças eram "obrigadas a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos". Por ocasião dos naufrágios, comuns na época, eram deixadas de lado pelos adultos, entregues à fúria do mar. No final do século XIX, as descobertas de Freud e outros pensadores abriram caminho para novos entendimentos sobre a infância: "Freud e Dewey cristalizaram os paradigmas básicos da infância, que vinha sendo formado desde a invenção da prensa tipográfica: a criança como aluno ou aluna, cujo ego e individualidade devem ser preservados por cuidados especiais, cuja aptidão para o autocontrole, a satisfação adiada e o pensamento lógico devem ser ampliados, cujo conhecimento da vida deve estar sob controle dos adultos". Até o final do século XIX e início do século XX, a criança foi vista como um instrumento de poder e de domínio exclusivo da Igreja. Somente no início do século XX, a medicina, a psiquiatria, o direito e a pedagogia contribuem para a formação de uma nova mentalidade de atendimento à criança, abrindo espaços para uma concepção de reeducação, baseada não somente nas concepções religiosas, mas também científicas. O primeiro estudo científico sobre a violência contra a criança foi realizado na França, em 1860, pelo Professor Ambroise Tardieu, presidente da Academia de Medicina de Paris, estabelecendo o conceito de criança maltratada. Nos EUA, a violência doméstica contra crianças veio ao conhecimento do público através do 40 Azevedo, MA, Guerra, VNA. Infância e violência doméstica: Fronteiras do Conhecimento. 71 72 caso da menina Mary Ellen, de 8 anos, que foi severamente maltratada, resultando na fundação da Sociedade de Prevenção da Crueldade contra Criança em 1874. No século XX, a redescoberta da violência doméstica foi assinalada por Caffey (1946), que descreveu a síndrome de crianças com hematomas subdurais associados a múltiplas fraturas de ossos longos, de origem traumática. Até 1960, pensava-se que a violência contra a criança era rara, em parte porque a disciplina física de crianças era mais aceita; em parte, pela sua negação. Em 1962, Kempe et al. publicaram um importante artigo no JAMA, descrevendo a síndrome da criança espancada, tornado o problema da lesão infligida um problema evidente para a comunidade. Nos anos 70, em todo EUA, foram aprovadas leis nas quais requeria-se a designação de pessoas para notificar a violência doméstica contra a criança e o adolescente. Isso acabou provocando um melhor entendimento da extensão da violência sexual contra crianças. Era sabido que o incesto ocorria, mas muitos acreditavam que deveria ser muito raro e que se sucedia apenas entre famílias muito comprometidas. Embora Freud já tenha abordado o assunto, em 1919, foi com a publicação da obra "Síndrome da Criança Espancada", de Kempe e colaboradores, em 1962, em Chicago, que o maltrato a infância começou a ser aceito como objeto de investigação, passando a chamar a atenção dos profissionais da saúde e do público em geral para a necessidade de proteção à criança. Em 1924, a União Internacional do Fundo para a Salvação de Crianças estabeleceu, através da Declaração de Genebra, a primeira tentativa de codificar os direitos elementares das crianças, merecendo a ratificação pela Liga das Nações. O texto, composto de cinco artigos, embora sem caráter coercitivo, foi o marco inicial, em nível internacional, na luta pelos direitos da infância. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas reafirma o direito a cuidados e assistência especiais a esta parcela da sociedade. No 72 73 mesmo ano, a Declaração de Genebra, através de revisão e ampliação, veio a se constituir na base para a Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1959. Dez princípios compõem o documento que passou a incorporar novas diretrizes de proteção dos direitos humanos aplicáveis à infância. Sua importância deve-se ao fato de ter contribuído para o chamamento dos pais, dos cidadãos, das organizações não-governamentais, das autoridades e dos governos ao reconhecimento dos direitos da criança. A evolução das ciências, em sentido amplo, influenciou no surgimento das diversas legislações protetivas à criança, permitindo constatar que, no Brasil, de res, isto é, de simples objeto de satisfação dos desejos dos adultos, passou, na pós-modernidade, mais especificamente no ano de 1988, à condição de sujeito de direitos, com a introdução do art. 227 da Constituição Federal. Cada vez mais, faz-se necessário um trabalho interdisciplinar, em que "médicos, psicólogos, pedagogos e assistentes sociais, profissionais que, no exercício de suas atividades, podem estar envolvidos com o atendimento e a defesa de direitos de crianças e adolescentes e suas violações". Em que pesem os avanços registrados ao longo da história, tanto no aspecto social, médico, como jurídico, as crianças vítimas de violência, no Brasil, ainda formam um grande contingente, no qual encontramos, basicamente, "a infância pobre, vítima de violência social mais ampla; a infância explorada, vítima de violência no trabalho; a infância torturada, vítima da violência institucional; a infância fracassada, vítima da violência escolar; a infância vitimizada, vítima da violência doméstica". Entre as inovações operadas a partir de 1988, de basilar relevância é o chamamento lançado à família, à sociedade e ao poder público no que diz respeito ao atendimento dos direitos fundamentais da criança, elevados ao patamar de prioridade absoluta. De todos os setores, há de vir o envolvimento, recaindo, de igual forma, sobre todos a responsabilização pelo descumprimento dos novos deveres, hoje guindados à condição de direitos da infância. Negar à criança os direitos humanos fundamentais, frente ao disposto na nova Carta 73 74 significa negar-lhe a essência da própria dignidade humana. O moderno paradigma da infância passa a ser também o moderno paradigma da vida adulta. Existe uma aliança solidária entre os pais, dificilmente um dos cônjuges exerce este tipo de violência sem a cumplicidade silenciosa do outro, sendo mais raro que o parceiro não agressor revele o problema a terceiros. O agressor dificilmente reconhece espontaneamente a sua responsabilidade sobre a situação. Família com critérios estabelecidos à priori, isto é, pais detentores do saber, inquestionáveis, “perfeitos e bons” versus filhos que não sabem nada, que precisam ser corrigidos, de má índole. 41 4.4. VÍTIMAS DAS VIOLENCIAS FISICAS. GÊNERO: masculino e feminino IDADE: 0 à 18 anos sendo a faixa de maior risco a de 0 a 5 anos devido a dificuldade de auto-proteção. AGRESSORES VÍNCULO: Pai ou mãe (biológicos; padrastos, madrastas; ou adotivos) – estatísticas internacionais – pais biológicos 70% GÊNERO: No Brasil, a figura feminina passa a maior parte do dia com os filhos, o que a torna a agressora em geral, no entanto, as lesões mais graves são causadas por agentes do sexo masculino, o pai, devido a sua força física. FATORES FACILITADORES DA VIOLENCIA FISICA. Imaturidade emocional Desconhecimento das fases do desenvolvimento infantil e juvenil 41 www.usp.br/ip/laboratorios/lacri. 74 75 Gravidez indesejada Dependência química Distúrbios psiquiátricos / psicológicos Doenças físicas e mentais Grande número de filhos Falta de espaço físico Perda de entes queridos Comportamento da criança Histórico de violência doméstica durante a infância/adolescência. Causas Fundamentais: Podemos considerar a violência como abuso na família; pais que sofreram violência intrafamiliar provavelmente abusarão mais de seus filhos; influência de álcool/drogas; isolamento físico e social da família falta de controle dos impulsos; stress financeiro/emocional; número de membros na família; expectativas irrealistas por parte dos pais em relação aos filhos; gravidez difícil/indesejada; prematuridade ou doenças na criança; falta de conhecimento sobre o desenvolvimento infantil; desemprego; brigas conjugais e outros fatores. 4.5. AVALIANDO O INCIDENTE Devido ao fato de crianças menores de 6 anos sofrerem maior risco de serem abusadas, muito dos pais ao serem investigados do fato agressor, força ferimentos na cabeça da criança para que pareça que foi um acidente. Crianças também podem ser machucadas seriamente quando sacudidas violentamente. Os motivos racionais dados pelos pais para sacudir são: como meio de ressuscitação, dificuldades respiratórias, irritabilidade, letargia, perda do apetite, vômito e choro. As pessoas têm impressão de que (uma boa sacudida) parece ser socialmente mais aceitável e fisicamente menos perigosa do que um soco, puxão, na cabeça ou em qualquer outra parte do corpo. Porém, 75 76 dependendo da faixa etária, essa “sacudidela” poderá provocar sérias conseqüências tais como: morte, coágulos no cérebro, problemas motores, visuais, auditivos, letargia, vômito e estupor. Em alguns incidentes de abuso, o responsável pode parecer despreocupado com a criança ou tentado a ocultar os ferimentos; é possível que um adulto proteja a identidade da pessoa responsável pela agressão. Geralmente também os responsáveis atrasam o tratamento, ou eles selecionam o hospital e um médico diferente em cada episódio de agressão (isto se for constante a violência sofrida pela criança). Esta prática é conhecida como rodízio de hospitais. INVESTIGANDO AS INJÚRIAS DOS FERIMENTOS. É geralmente aceito que mãos e pés são as armas mais comuns usadas durante o abuso. Se armas de verdade ou objetos são usados, são em geral instrumentos domésticos. O tamanho total e a forma do ferimento padrão deixado no corpo da criança podem indicar que objeto foi utilizado. Existem dois grupos de objetos a serem utilizados: Objetos rígidos: raquete, bastões, tábuas, escova de cabelo, chinelo, fivela de cinto, etc. Objetos flexíveis: cinto, fio de eletricidade ou uma vara fina. Objetos rígidos não acompanham as dobras do corpo, já os flexíveis acompanham e podemos em algumas situações observar uma extensão maior na pele provocada por esse objeto. Período de tempo das contusões: TEMPO COR 0 – 2 dias inchada e macia 2 – 5 dias vermelha, azul 76 77 5 – 7 dias verde 7 – 10 dias amarela 10 – 14 dias marrom 2 – 4 semanas clara Período de tempo das escoriações: TEMPO COR Em algumas horas sangue pisado, superfície inflamada e fluído claro Depois de 6 horas seco, vermelho dependendo do tratamento Depois de 24 horas forma de cicatriz QUEIMADURAS Queimaduras são a segunda causa mais freqüente de morte acidental em crianças de 1 a 4 anos. Como forma de abuso de criança, queimaduras receberam pouca atenção. Mais de 70% das queimaduras infantis ocorrem em casa durante os momentos de maior tensão do dia e meses mais difíceis do ano: Meses de inverno, quando a família fica mais em casa. No final do dia, quando a criança está mais cansada e como fome. Pela manhã, quando a criança acabou de acordar. Machucados por queimaduras em crianças são normalmente classificados como acidentais, quando na verdade o abuso é a verdadeira causa. Os indicadores no índice de suspeitas mostrado a seguir podem ser úteis ao se determinar se o abuso foi um fator no incidente de queimadura. Índice de suspeitas Inexplicado atraso no tratamento que exceda duas horas; Injúrias que parecem mais antigas do que quando o incidente supostamente ocorreu; Ambivalência ao procurar atendimento médico; 77 78 Uma causa de injúria incompatível com a idade e o desenvolvimento da criança; Insistência do responsável de que não houve testemunhas do “acidente”; Alguém que não seja o pai, a mãe ou o responsável que leve a criança para a sala de emergência; A culpa da queimadura é atribuída a um irmão, irmã ou outra criança qualquer; A criança ferida ser excessivamente retraída, submissa, muito polida, ou não reagir a tratamentos dolorosos; Queimaduras isoladas nas nádegas; A história do que aconteceu, mudar muitas vezes ou haver discrepância nas versões contadas por cada um dos pais. Os locais mais comuns para se suspeitar de fratura ou danos são: Costelas. Crânio. Parte superior do braço no ombro. Parte superior da perna na altura do joelho. Mãos. Pés. Fraturas múltiplas nas costelas são raras quando uma criança é ferida acidentalmente, como em uma queda da cama ou do berço. Estas fraturas múltiplas normalmente são causadas por apertões violentos no tronco. Costelas também são quebradas quando o bebê ou a criança pequena é agredido no tronco, chutado ou arremessado contra um objeto duro. O abuso de criança deve ser fortemente suspeitado quando o RAIO X mostrar múltiplas fraturas das costelas em variados estágios de restabelecimento. Uma fratura na base do crânio deve ser suspeitada se outros sinais de abuso estiverem presentes. Isto inclui pequenos hematomas atrás das orelhas e sangue ou algum outro fluido escorrendo do nariz ou dos ouvidos. . 78 79 Uma grande parte dos incidentes de abuso físico de crianças causam injúrias no tecido superficial, que são hematomas, vergões, lacerações, abrasões e queimaduras. HEMATOMAS Hemorragia intradermal ou sangramento interiormente à pele. Petéquia: Hematoma muito pequeno causado por rompimento de capilares Púrpura: Pequenos hematomas que aparecem em grupo ou apenas um isolado (medindo acima de 1 cm). Equimose: Hematomas maiores. VERGÕES Sulco em relevo ou protuberância na pele LACERAÇÕES Corte denteada ou ferida ABRASÕES Superfície do corpo desprovida de pele devido a arranhão. QUEIMADURAS Efeitos de energia térmica na pele. O hematoma é o escapamento de sangue dentro dos tecidos de uma pessoa viva ou recentemente falecida devido ao rompimento de capilar por força moderada. Queimaduras resultam do efeito de energia térmica sobre a pele. A epiderme é a mais fina das duas e fica na parte externa do corpo, servindo como uma capa protetora. A derme forma a massa da pele e está localizada entre a camada epidérmica e a área subcutânea de músculos e ossos. As terminações nervosas 79 80 que transmitem dor, temperatura, e sensações estão localizadas somente no interior da camada dérmica da pele. A classificação de queimaduras mais comumente usada é a que se refere a queimaduras de primeiro, segundo e terceiro graus, sendo que a mais séria é a de terceiro grau. Este tipo de classificação apenas se refere à característica visual do ferimento e na verdade não é positivamente descritiva da injúria. A classificação de queimaduras preferencialmente usada pela maioria dos médicos é densidade “parcial” ou “total” da queimadura. Uma criança forçada a sentar numa vasilha de líquido quente freqüentemente produzirá uma queimadura em forma de “rosquinha”, porque as nádegas fazem um firme contato com o fundo do recipiente, desta maneira poupando esta área da queimadura. A presença deste tipo de queimadura “rosquinha”, indica que alguém estava segurando a criança, impedindo a sua fuga. Outras áreas comuns em casos de queimaduras por imersão são as mãos e os pés. Quando algum destes apêndices e imerso em liquido quente, a configuração resultante da injúria é conhecida como “queimadura tipo meia” ou “queimadura tipo luva”. A queimadura de contato, também conhecida como queimadura seca, é um tipo de queimadura abusiva. Exemplos de utensílios que são sabidamente usados para causar queimaduras de contato são ferros de passar roupa, estufas, aquecedores, grelhas, canos de radiador, pratos quentes e ferros para enrolar cabelos. Essencialmente, qualquer utensílio capaz de produzir calor pode ser usado num incidente abusivo. As queimaduras deliberadas, provocadas por cigarro vão produzir pequenas queimaduras circulares com cerca de um centímetro de diâmetro. Os ferimentos 80 81 vão varias desde de uma bolha até uma cratera, dependendo da duração do contato. MARCAS NA ÁREA DA CABEÇA, PROVOCADA PELA VIOLENCIA. OLHOS: quando uma criança aparece com os dois olhos roxos é mais lógico que se assuma que deve ter ocorrido um comportamento agressivo, tipo de injúria nos olhos é a hemorragia na retina; esta está presente em mais de 50% das crianças com hematomas subdurais e são difíceis até mesmo para um médico experimentado diagnosticar. OUVIDOS: Danos no ouvido também podem ser causados por sacudidas na criança. Alguns tipos de danos no ouvido, causados por repetidos golpes ou puxões na orelha (resultado em “orelhas de couve-flor”), podem ser cobertos pelo cabelo, escondendo a parte externa. O mais sério é quando ocorre dano no ouvido interno, pois só o médico pode diagnosticar. Rupturas e dilacerações podem deixar a criança permanentemente surda ou com sérios problemas de redução auditiva. BOCA: Dentro da boca existem muitas dobras de pele conhecidas como frênula. Elas estão unidas ao lábio superior, inferior e parte de baixo da língua. Quando um adulto fora de controle tenta enfiar qualquer coisa dentro da boca de uma criança, estas pregas de pele podem ser danificadas. Socos diretos também podem causar injúria na frênula. Normalmente, a frênula das crianças está bem protegida e não pode ser danificada a não ser que tenha sido deliberadamente atacada. DENTES: Os dentes de uma criança podem ser danificados de muitas maneiras. Listados abaixo estão os tipos de danos no dente que podem ser procurados se a criança tiver sido ferida na face ou na boca; Deslocações: Dentes que estão frouxos, mas não caíram; Intrusões: Dentes que foram forçados dentro de gengiva/linha do osso; 81 82 Extrações: Dentes que foram golpeados para fora da cavidade; Fraturas: Dentes que foram quebrados ou lascados; NARIZ: Qualquer inchaço ao redor do nariz ou sangue seco nas narinas pode indicar que a criança quebrou o nariz ou sofreu desvio de septo, o qual ocorre quando a parede entre as duas narinas e danificada. CÉREBRO: Concussões, contusões e lacerações são os tipos mais comuns de injúria cerebral: Concussões: Um choque na parte mole do cérebro, causando com freqüência um entorpecimento ou inconsciência. O encobrimento é completo, deixando apenas um corte ou afundamento no couro cabeludo. Contusões: Esmagamento mais sério do cérebro, freqüentemente envolvendo inconsciência por dias ou semanas. Lacerações: Dilaceração na massa cefálica, esmagamentos e vasos sangüíneos dilacerados normalmente levando a um hematoma subdural. Um hematoma subdural é uma injúria na cabeça comum em casos de abuso de crianças. E uma porção de sangue dentro da cobertura externa do cérebro normalmente produzida por um soco na cabeça ou uma sacudida violenta. Esta forma de abuso acontece no tratamento diário e freqüentemente leva a inabilidades permanentes. Como redução da visão, cegueira, deficiências motoras, doenças repentinas, atrasos no desenvolvimento e paralisia cerebral. 4.6. SÍNDROME DO BEBÊ SACUDIDO Mais de 50% das crianças com hematomas subdurais não apresentam associadas a eles nenhuma fratura de crânio, contusões ou inchaço sobre o local da injúria por causa da “Síndrome do Bebê Sacudido” (em inglês conhecido como “Whiplash Shaken Infant Syndrome” ou “Shaken Baby Syndrome”). 82 83 A “Síndrome de Bebê Sacudido” foi primeiramente documentada pelo Dr. John Caffey em 1974 e foi descrita como “sacudida manual vigorosa de crianças pela extremidade ou pelos ombros com sangramento intracranial induzido pela velocidade do movimento, mas sem nenhum sinal externo de trauma na cabeça”. Crianças são especialmente suscetíveis a este tipo de injúria durante os primeiros 24 meses de vida devido às seguintes características de desenvolvimento: Crânio macio e flexível e articulações abertas. Cérebro macio e maleável – permitindo o estiramento excessivo do cérebro e das veias sangüíneas. Cabeça maior e mais pesada com músculos do pescoço fracos. O ciclo de duas fases de aceleração e desaceleração causa uma flexão da cabeça durante a qual o queixo bate no peito, seguido da extensão da cabeça para trás na espinha. Casos históricos e pesquisas nesta área indicam que as crianças normalmente são submetidas a numerosos episódios de sacudidas antes do descobrimento das injúrias. As sacudidas podem ocorrer durante o período de dias, semanas ou até meses. A confirmação dos diagnósticos de “Síndrome do Bebê Sacudido” se tornou mais fácil para os médicos desde a introdução da tomografia computadorizada, a qual é superior aos Raios-X ao se diagnosticar fratura deprimida de crânio. LESÕES ABDOMINAIS Três conseqüências comuns de injúrias abdominais são: COMPRESSÃO: Soco ou chute no abdômen causando ruptura no estômago ou cólon. ESMAGAMENTO: O órgão é comprimido contra a costela/coluna, danificando rins, pâncreas, baço ou fígado. ACELERAÇÃO: A criança é propelida após ter sido empurrada ou jogada, causando um efeito de tosquia nos órgãos. 83 84 Os investigadores devem considerar a hipótese de injúria abdominal quando um dos indicadores a seguir estiver ocorrendo: Vômitos (material verde ou sangue) Febre Colapso ou paralisia (causados por sangramento interno) Urina com sangue Reclamações por parte da criança de dores no estômago. Qualquer um ou todos estes sintomas podem começar depois de algumas horas ou depois de um período de alguns dias. Se os sintomas forem severos e persistentes um médico deve fazer um exame exploratório para determinar a natureza exata e a extensão da injúria. FRATURAS Danos no esqueleto são comuns em casos de abuso de criança. De fato, tem sido repetidamente demonstrado que a “Síndrome da Criança Sacudida” inclui a presença de múltiplas fraturas em variados estágios de recuperação. Uma fratura parcial é uma fratura próxima a metade da haste do osso (diáfise) fazendo com que o osso se curve e quebre. Este tipo de injúria acontece quando uma criança é agarrada pelo braço ou pela perna criando um efeito de alavanca entre o peso da criança e o membro. Fraturas em espiral ou transversa Ocorrem no osso superior da perna (fêmur), no osso inferior da perna (tíbia), e na parte superior do braço (úmero). Uma fratura espiral abusiva ocorre quando é exercida uma força de torção aplicada ao membro. Fraturas abusivas transversas resultam tanto de um golpe direto quanto por se agarrar a criança pelos cotovelos ou punhos e fazer violentamente o movimento de arremesso para cima e para frente. Fraturas do osso peitoral 84 85 Fraturas do osso peitoral (externo) são raras. Quando este tipo de injúria na estrutura esquelética é detectado, a causa é um geral um golpe severo e direito com a mão cerrada, os pés ou algum instrumento. 4.7. DIREITOS FUNDAMENTAIS CONTIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI FEDERAL Nº 8.069/90) A Constituição Federal trouxe em seu bojo um novo direito a ser aplicado a Crianças e Adolescentes, como uma nova perspectiva no tratamento dos mesmos. Com tal perspectiva, a Constituição Federal preceituou responsabilidade simultânea e solidária da família, da sociedade e do Estado para promoção, proteção e preservação, com absoluta prioridade, dos direitos fundamentais de Crianças e Adolescentes, os quais dizem respeito ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, prevendo ainda um plus acerca da proteção dispensada aos mesmos quando menciona que também a família, a sociedade e o Estado devem pô-los a salvo de toda e qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, traduz tal preceito constitucional em seu Art. 3º 42 , quando menciona que a Criança e o Adolescente 42 Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar os desenvolvimentos físicos, mentais, morais, espirituais e sociais, em condições de liberdade e de dignidade. 85 86 gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei. Também a lei infraconstitucional menciona direitos fundamentais específicos para a proteção da criança e do adolescente. Verifica-se que o legislador, sabiamente, compreendeu que a Criança e o Adolescente são pessoas em desenvolvimento, portanto incapazes de se defenderem sozinhos, sem a proteção de todo um conjunto sistematizado de ações por parte da família, da comunidade e do Estado. Os direitos fundamentais específicos do Estatuto iniciam-se com o direito à vida e á saúde, nos termos do Art. 7º 43 . Menciona a ECA que, obrigatoriamente, a Criança e o Adolescente deve ter uma vida sadia e harmoniosa. Tal direito é assegurado desde a concepção, pois a gestante deverá ter atendimento pré e perinatal através do SUS. Atendimento este que abrange desde as consultas médicas do pré-natal até o parto, bem como se refere ao apoio alimentar à gestante e a nutriz que dele necessitem 8º 44 Outras obrigações também buscam proteger tal direito à vida e à saúde, tais como: atendimento médico pelo SUS, atendimento especializado para criança e adolescente portadores de necessidades especiais, fornecimento gratuito de medicamentos, próteses e outros recursos necessários ao tratamento, habilitação e reabilitação, entre outros previstos nos Art. 10 a 14 45 da ECA. 43 Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. 44 Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal. § 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema. § 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal. § 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. 45 Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a: 86 87 Preceitua também o Estatuto o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade no rol dos direitos fundamentais específicos, constantes nos Art. 16 a 18 46 . Além dos direitos fundamentais específicos já mencionados possui, ainda, a Criança e o Adolescente direito à convivência familiar e comunitária, o que significa que os mesmos têm direito de serem criados e educados no seio de sua família natural e, apenas excepcionalmente, serão encaminhados à colocação em família substituta, bem como em contato com a comunidade em que está inserido, para I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos; II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente; III - proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recémnascido, bem como prestar orientação aos pais; IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato; V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe. Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. 46 Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso; IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei; VII - buscar refúgio, auxílio e orientação. Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. 87 88 que os mesmos possam desenvolver-se como cidadãos de forma seguram, fortalecida e harmoniosa. São direitos fundamentais ainda os referentes à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. Eis que se afiguram de incomensurável valor para o bom desenvolvimento da Criança e do Adolescente a participação conjunta com sua comunidade e escola em atividades educacionais e de divertimento, proporcionando boas e saudáveis oportunidades futuras em detrimento do fracasso e da ociosidade e livre de qualquer tipo de ingerência criminosa de adultos. É de comprovada importância que a criança viva intensamente os momentos de sua infância e adolescência, brincando livre de opressões ou violências, e o adolescente ultrapasse essa fase cheia de mudanças e questionamentos com segurança e preservação de seu direito de freqüentar a escola e de ter uma vida tranqüila sem inquietações diversas da sua correlata idade. Por fim, configuram-se também como direitos fundamentais a profissionalização e a proteção ao trabalho, pois ao adolescente maior de 14 anos é permitido preparar-se para o futuro aprendendo um ofício como aprendiz, possuindo, nesta categoria, todos os direitos protetivos inerentes. Como se vê, a Constituição Federal e o ECA tiveram grande preocupação para preservação das etapas da vida da Criança e do Adolescente. 4.7.1. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL Trata-se de dispositivo contido no Art. 1º 47 , que assim disciplina a doutrina que rege o Estatuto: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. Integral porque abrange todas as etapas da vida da Criança e do Adolescente, considerando-se todos os tipos de proteção e prioridades. O dispositivo retrata preceito constitucionalmente assegurado de que Crianças e Adolescentes são sujeitos de direitos e devem ser tratados de forma especial e 47 Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. 88 89 específica em face de sua condição de pessoa em desenvolvimento que necessita de amparo diferenciado da família, da sociedade e do Estado. Conforme já mencionado, a Constituição Federal trouxe um elenco de direitos fundamentais específicos para proteção de Crianças e Adolescentes e para caracterização como sujeitos de direitos. Aliado ao princípio da proteção integral, tem o princípio da garantia de prioridade que compreende: primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; precedência de atendimento nos serviços públicos e ou de relevância pública; preferência na formulação de políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Significa dizer que Crianças e Adolescentes deverão ter privilégios e prioridades em todas as esferas, públicas e privada, para a efetivação, promoção, proteção e preservação de seus direitos. Também é princípio complementar ao da proteção integral o da prevalência do interesse do menor no que diz respeito à interpretação do Estatuto. Tal princípio está previsto no Art. 6º 48 , ECA e determina que a interpretação dada o Estatuto sempre será a que melhor interessar à criança e ao adolescente, considerandose os fins sociais, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da Criança e do Adolescente como pessoas em desenvolvimento. Outros princípios auto-explicativos podem ainda ser mencionados, tais como: sigilosidade, respeitabilidade, contraditório e ampla defesa, gratuidade, indisponibilidade, escolarização, reeducação e reintegração. 4.7.2 POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE . A Constituição Federal prevê diretrizes para a realização de políticas públicas para promoção, preservação e proteção dos direitos de crianças e adolescentes, 48 Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. 89 90 vejamos alguns: No Art. 227, em seu parágrafo primeiro, a Constituição Federal menciona que: “o Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos: I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência maternoinfantil; II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física e sensorial ou mental”. Mencionam, ainda, o mesmo diploma legal, no seu Art. 204 49 , que nas ações governamentais de assistência sociais referentes ao atendimento dos direitos de crianças e adolescentes serão utilizados recursos da seguridade social, arrecadados nos termos do Art. 195 50 , entre outras fontes. Como se vê, é preceito constitucional a previsão orçamentária derivada para custeio das ações relativas à promoção, preservação e proteção dos direitos de Crianças e Adolescentes. Ressalte-se, ainda, que a CF também determina quais as diretrizes de organização das ações governamentais. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, enquanto lei infraconstitucional específica que regulamentou o Art. 227 51 da Constituição, estabelece que crianças e 49 Art. 204 - As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidade beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. 50 Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: 51 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e 90 91 comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência maternoinfantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 91 92 adolescentes possuem garantia de prioridade Art. 4º, Parágrafo 52 Único, bem como prevê as linhas de ação da política de atendimento que são: políticas sociais básicas; políticas e programas de assistência social; serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; proteção jurídico-social por entidades defesa dos direitos de crianças e do adolescente Art. 87, além de prescrever que tais políticas serão feitas através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios Art. 86. No Art. 88 53 , § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. 52 Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. 53 Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: I - políticas sociais básicas; II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem; III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Art. 88. São diretrizes da política de atendimento: I - municipalização do atendimento; II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a 92 93 também o Estatuto traça as diretrizes das políticas de atendimento quando menciona: a municipalização; criação dos conselhos municipais, estaduais e federais; criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político administrativa; a manutenção dos fundos ligados aos conselhos; integração operacional dos órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social. Observe-se que os direitos de crianças e adolescentes são previstos de maneira pormenorizada na Constituição Federal, bem como no ECA, além da formas de políticas sociais a serem desenvolvidas e sua previsão orçamentária. Porém, nossa realidade, infelizmente, é outra. Verifica-se a carência em todas as linhas de políticas de ações sociais de proteção, promoção e de preservação dos direitos de crianças e adolescentes. Há que se reconhecer que algumas iniciativas estão sendo realizadas, mas ainda não suprem a imensa demanda. Existente. A DPCA é, sem dúvida, um feliz avanço na proteção da Criança e do Adolescente, principalmente no que tange à prática de crimes de violência sexual contra estes seres em desenvolvimento. A comunidade sente uma nova credibilidade nos órgãos públicos de defesa quando se fala em DPCA, mas ainda é pouco, pois ainda existem muitos casos que não são submetidos à sua apreciação e repressão por puro desconhecimento dos jurisdicionados, que não possuem a informação adequada ou que têm medo da exposição, pois ainda está em vigor o pacto do silêncio. participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais; III - criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização políticoadministrativa; IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente; V - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional; VI - mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade. 93 94 A DPCA, quando se fala em casos de violência sexual praticados contra a criança e o adolescente, está integrada em um SISTEMA DE ATENDIMENTO, que é uma iniciativa das instituições que atuam no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, e tem a finalidade de garantir um serviço de atendimento coordenado, especializado, com abordagens interdisciplinares, ágeis e eficientes a crianças e adolescentes vitimizados sexualmente, de modo a interromper o ciclo perpetuador dessa violência sistema de atendimento se inicia com a denúncia da ocorrência do crime e imediata apuração. Após será feito o encaminhamento às autoridades competentes como Ministério Público e Poder Judiciário para a devida apuração bem como encaminhamento da vítima aos serviços de assistência social, educação e saúde. O Conselho Tutelar também é acionado para agir dentro de suas atribuições. 94 95 CONCLUSÃO. Nesta perspectiva conceitual, a categoria “violência doméstica” engloba os conceitos de abuso físico, sexual, emocional e negligencia. A violência doméstica e uma forma de violência interpessoal que costuma apresentar contra as crianças e adolescentes de todas as classes sociais, no entanto, mais comum os números de registros nos grupos que mais sofrem desigualdades sociais, e onde o capitalismo tem maior importância. Vivemos numa sociedade que cultiva a ficção da cordialidade como forma ideológica de mascarar a prática histórica e cotidiana da Violência em suas várias formas. A sociedade brasileira costuma recorrer à Violência como forma privilegiada de solucionar conflitos urbanos, rurais, familiares, institucionais, etc. A violência doméstica ou contra crianças e adolescentes é cometido, na maior parte das vezes, pelo pai da família, e, geralmente, eles consumem antes algum tipo de droga ou álcool. Todas as a respeito à violência domésticas contra crianças e adolescentes suas transformações foram processadas na sociedade Brasileira com a mediação da inserção subordinada do país no sistema capitalista mundial e por particularidades da sua formação econômica, com decorrências na complexidade das classes, com perda de sua dimensão, diferenciação, divisões, cortes e recomposições da classe operária tradicional. O presente trabalho permitiu apreender as percepções dos operadores do direito sobre a violência doméstica cujos resultados, quanto aos seus aspectos desencadeadores, desenhou caminhos para sua compreensão a partir do foco do que é a questão social, palco privilegiado de sua encenação. 95 96 A violência, qualquer que seja ela, instaura-se por inúmeros e complexos fatores, passando desde a questão ambiental e o problema da qualidade de vida que atingem a realidade familiar, até o comprometimento das relações. Por outro lado, a ordem jurídica compõe se e é produto do viver em comunidade, constituinte precípuo de nossa cultura, cuja mater é a família. A mesma sociedade que impõe regras e normas de conduta não transcende seus atos históricos nem seus ditames; especificamente, quanto à violência doméstica, foi possível confirmar nosso pressuposto de que, historicamente, ela é tratada pela sociedade de forma a banalizar as suas características específicas. O Poder Judiciário parece-nos ser formado numa cultura com pouca capacidade de entender a sociedade e seus conflitos, além de estar fechado para discussão interna ou externa. Seus operadores, enquanto ramos do Estado, comungam e introjetam o ideário de sua possível redemocratização. Ultrapassamos, dessa forma, a visão ingênua da realidade, para uma compreensão mais crítica, possibilitada pelo diálogo entre a teoria e os dados concretos apresentados. Os relatos dos entrevistados demonstram uma visão limitada quanto à violência doméstica e à violência na sociedade, não citando, por exemplo, os aspectos psicossociais, éticos, morais. Acredito, ainda, que este estudo representa uma pequena contribuição para o avanço do conhecimento com relação à violência contra a criança e o adolescente, ao ultrapassar a simples descrição de fatos e desconstruir as falas dos sujeitos, trazendo luz à compreensão da realidade estudada, participando, assim, do desafio de construir o saber. 96 97 REFERÊNCIAS LUIZ, António Miguel Ferreira: A distinção do poder familiar pelo abandono. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Ed. RT ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, lei 8.069 de 1990. ADALBERTO, Bolleta Oliveira, ÀLVARO Rodrigues, MARIA Amélia Azevedo: Crianças Vitimizadas. Ed.Iglu. MARIA Aparecida , BARBOSA Marques, AZEVEDO, M.A e GUERRA. Violência contra crianças e adolescentes em busca de uma definição: ED: Vozes LTDA 1994. TANIA Zagury, Educar sem culpa, A Gênese da ètica. Ed. Record, 1993. BACHARELADO do curso de direito da UNIBENETT, Área de Direitos Humanos, História de crianças, de vida e abandono. 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