beloved (amada) e the color purple (a cor púrpura)
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beloved (amada) e the color purple (a cor púrpura)
ESTUDO DOS ASPECTOS CULTURAIS E TRADUTÓRIOS NAS OBRAS: BELOVED (AMADA) E THE COLOR PURPLE (A COR PÚRPURA) Julio Cezar Gonçalves1; Lucília Teodora Villela de Leitgeb Lourenço² Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Unidade Dourados. Cidade Universitária, BR Itahum-Dourados, S/n. Resumo Os Estudos de Gênero tiveram seu inicio nos Estudos Culturais, este que veio para romper com o sistema educacional vigente na Inglaterra e nos Estados Unidos, enfrentando grandes divergências mesmo em meio às minorias raciais e econômicas, por causa desse duplo papel enfrentado pela mulher negra, o de ser mulher e negra. Os Estudos da Tradução se encaixam em nosso trabalho à medida que dão suporte teórico para tratar de questões pertinentes ao texto de partida e o de chegada (a tradução), servindo de introdução para a discussão sobre as obras de Morrison e Walker, respectivamente Beloved e The Color Purple e suas traduções, “Amada” e “A Cor Púrpura”. Escritos que têm como marca principal, símbolo de resistência a uma ideologia dominante e opressora, a variante dialetal Black English, o inglês falado pelo negro norte-americano. Palavras chave: Estudos da Tradução. Black English. Variação Linguística. Estudos de Gênero. Racismo. Abstract: The Gender Studies had their beginning in the Cultural Studies, which was created to break with British and American educational system, facing great disagreeing, even in the racial and economics minorities’ environment, because of the double role women has been facing, firstly for being woman and secondly for being black. The Translation Studies, find its place in our research, as they give us a theory support to discuss about the pertinent matters related to the original text and its translation; acting as an introduction of a discussion about Walker’s and Morrison’s works; respectively, Beloved and The Color Purple, and their translations, Amada and A Cor Púrpura. Whose main characteristic, as an oppressing and dominant resistance symbol, the dialectical variant Black English, the English spoken by Afro American people. 1 Bolsista UEMS, acadêmico do 3º ano do curso de Letras Português-Inglês; e-mail: [email protected] ² Orientadora, Mestre Lucília Teodora Villela de Leitgeb Lourenço, professora do curso de Letras PortuguêsInglês; e-mail [email protected] Keywords: Translation Studies. Black English. Linguistics Variation. Gender Studies. Racism. Introdução No seguinte texto discorremos sobre assuntos pesquisados durante o segundo semestre de 2008 e o primeiro semestre de 2009. Primeiramente falamos sobre os Estudos Culturais e suas origens, além de suas rupturas no contexto social vigente (branco e patriarcal), como o racismo e o feminismo; em seguida há uma breve reflexão sobre o papel da linguagem e a variante dialetal Black English; ainda, uma exposição sobre os Estudos da Tradução, além de uma discussão desses conceitos nas obras referidas. Objetivos - Verificar o que são os Estudos Culturais e suas origens, identificando sua relação com as obras “Amada” e A cor púrpura. - Observar as rupturas em relação ao feminismo e ao racismo, pontuando a importância que as obras acima citadas têm nesse contexto. - Analisar os Estudos da Tradução e suas principais teorias, verificando nas obras de Toni Morrison e Alice Walker se o dialeto utilizado negro norte americano foi respeitado em suas respectivas traduções. Materiais e Métodos Foram realizadas diversas leituras, fichamentos e discussões relacionadas aos Estudos Culturais, sua origem e consequências advindas de suas rupturas, com reflexo na contemporaneidade: feminismo, racismo, voz às minorias étnicas, além de obras referentes aos Estudos da Tradução, à variação linguística (Black English). Também foram lidas e estudadas, em língua portuguesa e inglesa, as obras de Alice Walker e Toni Morrison, “A Cor Púrpura”(The Color Purple) e “Amada” (Beloved), respectivamente. Resultados A pesquisa propiciou o aclaramento sobre as questões raciais e relações de poder entre homens e mulheres; o esclarecimento sobre os impulsionadores de vários movimentos políticos, sejam feministas ou raciais; a aquisição de conceitos sobre os Estudos da Tradução e sobre a variante Ebonics (Black English); o conhecimento sobre a situação do Estados unidos pós-colonizado, além do prazer de conhecer as obras de Morrison e Walker. Discussão 1- Estudos culturais – rupturas: racismo e feminismo 1.1- Estudos culturais Os Estudos Culturais nasceram de uma ruptura de antigas idéias feudais, onde o foco principal da educação eram as pessoas mais nobres, e apesar de não terem uma definição concreta, podemos ressaltar que nasceram na Inglaterra e são, podemos dizer, um cruzamento de diversas disciplinas que se relacionam com aspectos de nossa sociedade. Stuart Hall (1980) os define como sendo um campo novo de estudos em que diversas disciplinas interagem, não para, simplesmente, se instituir uma nova disciplina. Para Hall esses estudos têm como meta a observação dos aspectos culturais de uma sociedade, compreendendo múltiplos discursos, de diferentes momentos e sem a pretensão de ser um meta-discurso. Williams (1986) ressalta que os Estudos Culturais são oriundos da criação de intelectuais britânicos que propuseram uma mudança de perspectiva no ensino das artes e da literatura, questionando a história e a sociedade britânica. Deu-se, então, a criação da Educação para Adultos, na Inglaterra após a Segunda Guerra Mundial, que era chamada de Worker’s Education Association (WEA), Essa Associação de educação do trabalhador foi proveniente de uma organização de esquerda para educação dos trabalhadores, essa, na verdade, era uma prática muito mais política do que o exercício da docência. A educação nesse Centro tinha por princípio característica libertária e democrática, porém, as disciplinas ensinadas não eram as mesmas ministradas em universidades renomadas. Sua criação foi motivada pela necessidade política de resgatar o direito à educação, suas aulas eram noturnas para aqueles que haviam lutado na guerra e contribuído para a vitória do país. (HALL, 2003). Hall (2003) também corrobora, dizendo que o conceito de cultura é complexo e que é uma área de tensão inacabável, permanecendo em estado de indeterminação, já que nenhuma definição conseguiu encerrar a questão. E deve-se ressaltar que os Estudos Culturais jamais se propuseram serem donos da verdade absoluta. Hall (2003) ainda diz que a cultura estaria relacionada à soma das descrições pelas quais as sociedades encontram sentido, além de ser um espaço para reflexão sobre suas experiências comuns, pertencendo, assim, ao campo das idéias. A cultura atual é democratizada, o conceito do ideal, de perfeição, já não predomina mais; como no campo da arte, que já foi privilégio de alguns, e atualmente tem uma nova definição. A arte já faz parte da vida, assim como o comércio e a política. Stuart Hall (1990) ainda ressalta que a nova definição de cultura (como processo integral, onde significados e definições são formados e transformados historicamente) considera a literatura e arte como um tipo de comunicação social, sendo esse novo foco o impulsionador do desenvolvimento dos Estudos Culturais. 1.2- Rupturas – racismo e feminismo Apesar de estudar as minorias, os Estudos Culturais excluíam as mulheres e as minorias raciais de seus métodos de estudo. Excluíram as mulheres e suas práticas culturais como objetos de estudos, por que carregava muitos pressupostos patriarcais e as histórias centradas no gênero masculino reproduziam, ainda que inconscientemente, uma atitude repressiva, considerando a história a atividade feminina como uma “subcultura” masculina. Em 1974 surgiu o Grupo de Estudos da Mulher dentro dos Estudos Culturais com a finalidade de examinar gêneros culturais considerados femininos, tais como a moda e as telenovelas. Esse Grupo pretendia estudar como o público feminino respondia ao conteúdo dos meios de comunicação em massa e verificar se suas necessidades pessoais e sociais eram atendidas. Essa prática propiciou o resgate da obra literária de escritoras inglesas, além de discutir teoricamente o papel do trabalho doméstico na vida da sociedade inglesa. (TURNER, 1990). Sobre a inclusão e expansão do feminismo na pauta de Estudos Culturais, Stuart Hall fala sobre a “irrupção” do feminismo na vida intelectual dos Estudos Culturais: “Não se sabe, de uma maneira geral, onde e como o feminismo arrombou a casa. (...) Como um ladrão no meio da noite, ele entrou, perturbou, fez ruído inconveniente, tomou a vez e estourou na mesa dos estudos culturais” (1996, p.269). No livro Women Take Issue (1978), que promoveu os Estudos Femininos, Hobson e Angela McRobbie trabalhavam como donas de casa, relataram, então, o isolamento em seus lares. Além disso, através de pesquisas com adolescentes detectou-se que suas expectativas eram pessimistas em meio a uma sociedade patriarcal (ESCOSTEGUY, 2000). Essas expectativas faziam, e ainda fazem, parte do pensamento feminino por causa do conformismo, ou seja, já que o padrão patriarcal sempre existiu, por que vamos questioná-lo? Já em relação à questão racial nos Estudos Culturais, sabemos que atravessou inúmeras dificuldades até ser um campo de estudo, enfrentando lutas teóricas acirradas. Teve sua primeira manifestação em Policing the Crisis (1978), responsável pela grande virada, determinante nos estudos de Stuart Hall. Schulman (2004) diz que Hall e seus colaboradores, nessa obra, mostraram como a mídia britânica associava o crime e outros problemas sociais à presença das minorias raciais, além de apontar o fato de que a identidade nacional era bloqueada, ou em termo mais específicos, manchada, racialmente. Por diversas vezes as pesquisas do Centro de Estudos Culturais sobre gênero e racismo, culpavam a estrutura capitalista, instituída na Inglaterra, como responsável por essa situação, pois a imigração proveniente das ex-colônias britânicas era associada às minorias raciais e às mazelas a elas relacionadas (HALL, 1978). O racismo era intrínseco à estrutura do capitalismo inglês, pois os imigrantes eram minoria. Em 1985, Hall escreveu sua própria experiência, como imigrante do Caribe (Jamaica), dentro de uma sociedade inglesa xenófoba. O início do século XXI foi um momento de transição, quando tempo e espaço se entrelaçaram, destacando identidades e diferenças, inclusão e exclusão, presente e passado, trazendo uma sensação de desorientação, mas também um movimento incessante de caráter exploratório. Homi Bhabha (2003) concebe que, a cultura está em todos os lugares, pois é vista como entidade fronteiriça que estabelece o encontro com o novo, diferenciada no passado e no presente. Bhabha acredita que é crucial ir além das narrativas subjetivas e enfocar os processos que são produzidos na juntura das diferenças culturais, em articulações coletivas. Sendo assim, “novos signos de identidade surgem e novos espaços de colaboração ou contestação despontam” (BHABHA, 2003, p.19-20). É importante que percebamos os caminhos que permitiram a consolidação do pensamento teórico feminista dentro de um quadro epistemológico, que fora causado por crises e pelo desprestígio das falas que vinham autenticando os projetos sociais, religiosos e políticos da atualidade. Apesar de o feminismo ter sido identificado desde o século XIX, foi nas duas últimas décadas do século XX que o pensamento feminista surgiu como novidade no campo acadêmico e se impôs como uma inclinação inovadora e de forte potencial crítico e político. Os estudos feministas condizem com os estudos étnicos ou antiimperialistas, que tomam como ponto de partida em suas análises o direito de voz aos grupos marginalizados. Esses grupos passam a ser representados nos domínios políticos e intelectuais, levando-se em consideração que são constantemente excluídos, usurpados de suas funções de significação e de representação. Jacques Derrida (2002) foi quem dispôs uma preocupação com a questão da mulher enquanto participante na filosofia ocidental. Em vários trabalhos estabeleceu como linha de uma metafísica excludente, o fonocentrismo, como o reinado do sujeito ou a prioridade da voz da consciência; o logocentrismo, a prioridade da palavra como lei; e o falocentrismo, como a prioridade do falar como o definidor da identidade. Destacamos ainda que o que se diferencia de outras questões presentes nos Estudos Culturais é o compromisso feminista com a articulação crítica da hegemonia do idêntico e da legitimidade dos sentidos absolutos e universais com os processos históricos de construção e de representação da categoria “mulher”. O feminismo tem sido considerado, no pós-modernismo, como uma das alternativas palpáveis para a renovação da prática política e para as estratégias de defesa da cidadania. Atualmente percebemos dois pólos no campo da produção teórica feminista: o feminismo anglo-americano e o feminismo francês. A corrente anglo-americana procura denunciar os aspectos arbitrários e manipuladores das representações da imagem feminina, além de privilegiar a escrita de mulheres como o lugar para a experiência social feminina. Essa tendência se foca em apontar, denunciar, a ideologia patriarcal que está inserida na crítica tradicional e que determina a composição do cânone literário. Além de questionar a legalidade do que é considerado literário e não-literário. Esse campo ainda desenvolve uma arqueologia literária, ou seja, o resgate de trabalhos de mulheres que foram silenciados ou excluídos da história literária. Percebe-se que há um comprometimento no trabalho de recuperação da identidade feminina, e também a rejeição das pressuposições da crítica literária tradicional que, identificam a escrita feminina como “sensibilidade contemplativa” ou como “linguagem imaginativa” (SHOWALTER, 1985, p.176). Diferentemente o pólo francês do feminismo é vinculado especialmente à psicanálise, trabalha na identificação de uma possível “subjetividade feminina”. As francesas entendem a psicanálise como uma teoria capaz de promover a exploração do inconsciente e a libertação do “pessoal” feminino, possíveis meios para a análise da opressão da mulher. Essa aparente oposição entre as duas tendências, torna-se menos evidente a cada dia, pois a força do pensamento crítico feminista reside na procura de resolução das contradições existentes no âmbito do próprio gênero e não apenas nas duas vertentes que lutam entre si. 2- O papel da linguagem - Black English (ou Ebonics) como forma de resistência O papel da linguagem, como bem frisa Monteiro (2002), não é apenas a transmissão de informações, mas também estabelecer e manter relações entre as pessoas. Essa relação é ainda mais profunda, a língua como sistema acompanha de perto a evolução da sociedade e reflete os padrões de comportamento que variam em função do tempo e espaço. Assim se explica o fenômeno da diversidade e até mesmo mudança linguística. Pode-se supor que algumas atitudes sociais, ou manifestações do pensamento, sejam influenciadas pelas características que uma língua apresenta. Humboldt diz que há uma relação entre a língua e a mentalidade nacional, ou seja, os povos não pensariam da mesma forma (pensamento um tanto perigoso, segundo Monteiro (2002), o que leva a questão de culturas ou povos “puros, superiores”). Sapir e Whorf dizem que um falante nativo desenvolve uma série de categorias, através das quais percebe o mundo. Ou seja, a língua pode mudar a sociedade, pode até controlar a visão de mundo de seus falantes. (apud MONTEIRO, 2002) Vale frisar, ainda, baseado em Monteiro (2002) que Trudgill (1979) e outros autores dão vários exemplos que mostram os efeitos da sociedade sobre a língua, e como o mundo exterior nela se reflete. Um deles fala sobre como o ambiente físico pode refletir na organização do léxico de uma língua; como por exemplo, enquanto no português temos apenas uma palavra para definir o conceito neve no esquimó há distinções lexicalizadas sobre os tipos de neve, sendo que no português usamos neve fina, neve macia... Monteiro (2002; p. 19) afirma que “Cada língua existe, pois, em função das necessidades sociais de designar ou nomear a realidade. Numa sociedade onde os camelos fazem parte das condições básicas da vida, a língua correspondente deverá ter inúmeras palavras pra expressar essas condições”. Ainda, o célebre autor Labov (1968; p. 111) diz que “a variação no comportamento lingüístico em si mesmo não exerce uma decisiva influencia no desenvolvimento social nem afeta as oportunidades de vida do indivíduo. De modo oposto, a forma de comportamento lingüístico muda rapidamente quando muda a posição social do falante.” Com relação ao conceito de agramaticalidade do discurso, sendo que muitos não usam um nome tão polido quanto este ao referir-se ao “erro”, a teoria sociolinguística demonstrou que ela, na fala cotidiana, é na verdade um mito, sendo que qualquer enunciado pode ser descrito, “não passando de mera diferença dialetal, o que muitas vezes se julga uma frase impossível”. Labov afirmou que em todos os dados que coletou as frases eram formadas corretamente, “a possibilidade de que alguém produza uma sentença agramatical é quase nula”. (MONTEIRO, 2002; p. 32). O que quebra com o “mito”, como já dito, de que a pessoa que usa um discurso “errado” é caipira, ou que tem problemas mentais. Na verdade, a variante que o indivíduo usa, seja ela o Black English (abordado em nosso trabalho) ou uma das varias variantes que o Brasil possui, é fruto de várias circunstancias, sejam sociais, políticas, históricas ou econômicas. O autor Marcos Bagno (2007, p.10) faz uma comparação entre a gramática normativa em um igapó, que “é um trecho de mata inundada, uma grande poça de água estagnada às margens de um rio, sobretudo depois da cheia”, ou seja, a gramática normativa é um “brejo”, um “charco”, enquanto a língua “é um rio caudaloso, longo e largo, que nunca se detém em seu curso”, ou seja, está sempre se renovando e está sempre em movimento. Enquanto a gramática está parada em um período de tempo, a língua se renova todo o momento, construindo um enorme abismo entre o real e o ideal. Os falantes de qualquer língua são criativos de tal maneira (para o desespero dos puristas) que são capazes de ou manter característica antigas de uma língua, ou criar novos significados para algumas palavras. Bagno (2007) critica o fato de que tudo o que é diferente do que é dito nos manuais de gramática é considerado uma forma “errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente”. O autor salienta que muitos ainda consideram quem diz coisas como “Craúdia, chicrete, praça” e “broco”, como pessoas com atraso mental. Há pessoas, de renome, que chegam a taxá-las de “asnos” e “idiotas”, porém, os linguístas explicam que muitas dessas variantes linguísticas vêm de suas raízes históricas, sendo que o falante apenas mantém o que era dito anteriormente, nas origens da língua. Esse mito é fruto do preconceito social, pois é somente a língua falada pelas camadas mais baixas da sociedade que é taxada de “errada”, sendo que uma palavra que era escrita anteriormente pelos “cultos” hoje é escrita de uma maneira diferente. Quanto a questão da homogeneidade de qualquer língua, defendida por alguns teóricos, Nancy Dorian (1994) diz que cada vez mais se aceita a idéia de que a heterogeneidade linguística reflete a variabilidade social, e as diferenças no uso das variantes lingüísticas correspondem às diversidades dos grupos sociais e à sensibilidade que eles mantêm em termos de uma ou mais obras de prestígio. 2.1- A variante dialetal Black English, ou Ebonics. Black English, ou como é conhecido em termos mais científicos African American Vernacular English (AAVE), constitui uma variedade linguística considerada dialeto, socioleto e etnoleto da Lingua Inglesa Norte-Americana, sendo coloquialmente é conhecido como Ebonics (uma junção de ebony com phonics). Com uma pronúncia parecida ao inglês falado no sul dos Estados Unidos da América, a variedade é falada por muitos negros nos EUA e entre minorias étnicas pelo mundo inteiro. Suas origens gramaticais e suas características prosódicas mantêm parentesco com várias línguas da África Ocidental. A ampliação desse dialeto tem origem no comércio de escravos, além de carregar características do inglês falado na Grã Bretanha e na Irlanda durante os séculos XVI e XVII. E com uma gama tão grande de linguagens, houve uma necessidade do aperfeiçoamento da comunicação entre os africanos cativos e seus captores, mas foi durante a Guerra Civil americana que a língua dos escravos tornou-se familiar a um grande número de brancos cultos. A população começou a ter o conhecimento dos dialetos Hausa, Yoruba, Dogon, Akan, Kimbundu, Bambara, entre outras línguas africanas, desenvolveram pidgins, que são misturas simplificadas de duas ou mais línguas e com o passar do tempo, muitos desses pidgins evoluíram para creoles nas Américas. Há um número significativo de negros que ainda falam alguns desses creoles nos EUA, especialmente nas ilhas da Carolina do Sul e da Geórgia. Os traços do AAVE que o distinguem do inglês padrão incluem: estruturas gramaticais detectáveis como provenientes de línguas africanas ocidentais; mudanças na pronúncia em creoles e em dialetos de outras populações de padrões definíveis, que são em grande parte encontrados nos descendentes dos habitantes da África Ocidental, mas que também afloram em dialetos provenientes do inglês da Newfoundland (Terra Nova); o vocabulário apresenta-se distinto, além de diferenças marcantes no uso dos tempos verbais. O AAVE também contribuiu para a formação do inglês padrão norte-americano, com palavras de origem africana como: yam, banjo, além de expressões como cool, hip, entre outras. A resistência apresentada pelo Ebonics ao inglês padrão dos EUA é fruto das diferenças culturais entre negros e brancos, uma vez que a linguagem se tornou um meio de auto-diferenciação e que ajudou a constituir a identidade do grupo, em uma mistura de solidariedade e orgulho. O Ebonics sobreviveu e cresceu durante os séculos, também como resultado de vários graus de isolamento entre o inglês sulista e o inglês padrão norteamericano, em razão da marginalização dos negros. É bom salientar que boa parte dos falantes do Ebonics são bidialetais, sendo que tanto usam a norma padrão quanto o dialeto. A maioria dos negros, independentemente de nível socioeconômico, escolaridade ou região geográfica que habitam, usa alguma forma de AAVE em comunicações informais e intra-étnicas. Nos anos de 1990, o Ebonics teve seu reconhecimento formal como língua distinta e seu uso foi proposto como ferramenta educacional para ajudar estudantes negros a se tornarem mais fluentes no inglês padrão, o que se tornou um assunto de contestação nos Estados Unidos da América. 3- Estudos da tradução Os Estudos da Tradução nasceram como disciplina acadêmica nos finais da década de setenta. Surgiu pela dificuldade de leitura sem o questionamento de que se os fenômenos linguísticos e culturais seriam realmente traduzíveis, se realmente havia o conceito de equivalência entre eles. Normalmente, entende-se por tradução a transferência de um texto originalmente escrito em uma língua, a língua de partida (LP), para uma língua de chegada (LC), garantindo que o significado dos dois textos seja aproximadamente o mesmo e que as estruturas da LP sejam preservadas o máximo possível, mas não tanto que distorçam gravemente as estruturas da LC. (BASSNET, 2003) Os Estudos da Tradução, em franca expansão e há alguns anos ganharam status de disciplina, compreendem uma diversidade e uma quantidade considerável de revistas científicas, congressos internacionais, dissertações de mestrado, teses de doutoramento, associações de profissionais, catálogos de publicações, num testemunho da vitalidade desse campo de estudo anteriormente considerado à margem (BASSNETT, 1993). O conceito de tradução baseado no modelo norte-americano foi aliado da inferiorização dos Estudos da Tradução em razão do embasamento calcado nos valores universais dos textos literários, sendo que os processos de transferência de um contexto para outro não eram considerados como dignos de estudo pelos comparatistas, na realidade eram vistos como uma área a ser explorada pelos linguistas. Havia também a prática editorial de relegar as traduções à uma categoria apartada, como atividade de remuneração irrelevante, considerando-se ainda a tradução como um trabalho menos crítico, que não envolvia criatividade alguma. (BASSNETT, 1993) Susan Bassnett (1993, p. 1402) afirma que continuar a acreditar que “uma tradução trai, diminui, reduz, perde parte do original, possui natureza derivativa, sendo uma reação mecânica e secundária, ou que a poeticidade se perde e que determinados autores são “intraduzíveis”, são afirmações despidas de confirmação prática”. Os Estudos da Tradução historicamente passaram por três fases. A primeira, bastante influenciada pela teoria dos polissistemas, envolveu uma série de desafios ao discurso inferiorizado estabelecido sobre tradução. O trabalho descontextualizado dos linguistas também era desafiado, bem como o trabalho assistemático dos Estudos Literários, o que provocou debates críticos sobre a teoria da equivalência da tradução. O problema com a teoria da equivalência é a negação da existência de relações hierárquicas entre os textos de partida e os de chegada. A teoria dos polissistemas, ao contrário, argumenta sobre o posicionamento nunca idêntico dos sistemas. A segunda fase preocupou-se com o estabelecimento de padrões da atividade tradutória em determinadas épocas, marcando a retirada de cena da Teoria dos Polissistemas, significando um passo adiante rumo aos estudos tradutórios pós-estruturalistas, os quais são desempenhados por tradutores que utilizam a linguagem figurativa, normalmente evidenciada nos prefácios das obras traduzidas. A terceira fase, a atual, abarca os estudos metafóricos iniciados nos anos 80, carregando traços de polissistemas. Naquela década, operou-se uma reviravolta nos Estudos da Tradução e o trabalho dos tradutores diversificou-se enormemente, sendo concebido como uma das variáveis nos processos da manipulação textual, em que o conceito de fidelidade é substituído pelo conceito de pluralidade e a “originalidade” é desafiada por outros pressupostos mais abrangentes, de ordem cultural. Assim, o texto traduzido também é um original, em virtude da sua existência continuada em outro contexto (BASSNETT, 1993). Segundo a concepção de Derrida (1995) a tradução não é vista como um acontecimento secundário ou simplesmente derivado em relação a uma língua ou a um texto 2 O texto de Susan Bassnett (1993) está em língua inglesa. Sendo todas as inserções neste trabalho, traduzidos pela profª. MSc. Lucília T. Villela de Leitgeb Lourenço. de origem. Em uma cadeia de substituições, a desconstrução é uma palavra e um processo essencialmente de substituição, que ocorre em relação ao escritor traduzido, e a construção em relação à língua do tradutor. A possibilidade para a desconstrução é que outra palavra seja encontrada ou inventada em outro idioma, significando a mesma coisa, ou seja, há a condução de um vocábulo a um outro lugar, o da sua escritura e da sua transcrição. A teórica indiana Tejaswini Niranjana (1992) argumenta que a problemática tradutória em um período pós-colonial torna-se palco de discussões de representação, de poder e de historicismo, tendo como grande questão a contestação, tentando considerar a discordância das relações entre os povos, etnias e idiomas. As práticas de sujeição em oposição à subjugação, implícitas nos empreendimentos coloniais, não atuavam unicamente por intermédio de artefatos repressivos, mas principalmente por meio dos discursos filosóficos, históricos, antropológicos, filológicos, linguísticos e literários. Niranjana (1992) enfatiza que a atividade tradutória depende das noções de realidade da filosofia ocidental, da representação e do conhecimento. Sendo a realidade colonialista vista como algo sem problemas, entretanto o conhecimento deveria envolver a representação fiel da realidade. Logo, o discurso filosófico gera a prática tradutória empregada para fins de dominação colonialista. A teórica ainda argumenta que a tradução no contexto colonialista produz e apóia a economia dentro do discurso da filosofia oriental, funcionando como um filosofema, que constitui a unidade básica de um conceito filosófico. A tradução, então, traz conceitos de realidade e de representação, ao formular certo tipo de assunto ou ao apresentar versões particulares dos colonizados, portanto, produz estratégias de contenção e de coerção. (NIRANJANA, 1992) No ponto de vista assumido por Niranjana (1992), o repensar nas questões da tradução se torna uma tarefa crucial, dentro de um contexto em que desde o Iluminismo europeu (século XVIII) a ação tradutória, por vezes, tem sido utilizada para firmar práticas de sujeição. Para aqueles que foram colonizados, tal tarefa faz-se urgente para a defesa de uma teoria póscolonial que planeja entender os temas que já estão traduzidos, buscando retomar a noção de tradução através de sua desestruturação e reeditando estratégia de resistência. todo o seu potencial como uma 4- Discussão: Estudos culturais – rupturas; racismo e feminismo, e a variante Black English nas obras “Amada” (Morrison) e “A Cor Púrpura”(Walker) Por causa das grandes Guerras Mundiais, as mulheres norte-americanas foram as primeiras a serem convocadas para trabalhar em fábricas de armas, e, justamente por causa dessa afloração da atividade feminina sobre assuntos que antes pertenciam aos homens, ou seja, o início de uma ruptura no sistema patriarcal, pesquisas sobre gênero começaram a surgir nos Estados Unidos da América; além disso, vale ressaltar que as mulheres também tiveram direito ao voto no fim do século XIX. A condição da população afro-americana, considerada como uma minoria marginalizada, não era e não é uma das mais favoráveis, retomando o sentimento anti-Estudos Culturais representados em seus primórdios, Inglaterra, que dizia que essas minorias manchavam a cultura local. Felizmente essa minoria viu em 1970 uma grande mudança na valorização de sua cultura, podemos ressaltar os estudos de William Labov sobre uma variante linguística denominada African American Vernacular English, ou simplesmente, Ebonics ou Black English, além de pessoas como Martin Luther King e as autoras de nossa pesquisa. Vale refletir também o duplo papel da mulher nesse contexto de minoria, onde, se o homem é discriminado, ou por sua posição social, ou por sua condição étnica, a mulher o é não apenas por essas duas, mas por ser mulher também, ou seja, isenta de qualquer participação em uma sociedade patriarcal, que, apesar de em nossos dias apresentar uma melhora quanto ao seu ponto de vista, não muda em nada a mentalidade de alguns homens e ainda pior, a questão salarial, tão debatida no meio feminino. Ainda, podemos refletir sobre o porquê de a mulher não se libertar dessa estrutura “carcerária-emocional”, uma vez que, sua identidade vinha sendo oprimida e escondida pelos maridos e pais da sociedade tradicional. A resposta que procuramos talvez esteja no conformismo, assim como Celie, personagem da obra “A Cor Púrpura”, que desde criança nunca questionou o modo como era tratada, sempre se submetendo a tudo o que lhe era imposto. Porém, assim como ocorreu com as mulheres na ruptura feminista, Celie, ajudada por Docí Avery uma mulher muito à frente de seu tempo, quebrou com todos os paradigmas e enfrentou seu marido opressor, libertando não somente a ela, mas a ele também. Nosso estudo se volta principalmente para questão étnica-feminina, onde temos como base para análise as autoras afro-americanas Toni Morrison e Alice Walker, mais especificamente suas obras “Amada” e “A Cor Púrpura”. Para tal, vale observar que essas autoras quebraram com vários paradigmas e romperam com algumas estruturas patriarcais. Toni Morrison foi a primeira escritora negra a ganhar o Prêmio Nobel (The Nobel Prize in Literature 1993) e a obra “The Color Purple” rendeu a Alice Walker uma obra fílmica, dirigida por Steven Spielberg, e o Prêmio Pulitzer de Literatura. Digo “algumas estruturas patriarcais”, pois as obras de autoras como as de nossa pesquisa, entre outras, não recebem o devido valor no meio literário, obras como essas estão à margem do cânone literário. Podemos exemplificar tal afirmação considerando a falta de tais obras em países como o Brasil, que apresenta uma vasta produção literária e público para literatura, onde essas obras tardaram a chegar e hoje, dificilmente as encontramos em alguma livraria e, principalmente, em bibliotecas. Linda Hutcheon (1991) diz que foi de vital importância, no meio cultural, o movimento pelos direitos civis nos anos 60 nos Estado Unidos; as vozes de protesto negro militante tiveram grande influência política, onde a literatura negra foi uma das bases para retomadas de consciência que ultrapassaram fronteiras, vitalizando o protesto feminino e desmoralizando o etnocentrismo. Após essa contextualização, podemos refletir um pouco sobre nossas obras de estudo. Inicialmente tomemos a obra de Toni Morrisson, “Amada”, que, indiscutivelmente, apresenta características marcantes, como o mistério, o desenrolar dos fatos que não se dão de forma linear e, apesar disso são engenhosamente ligados, o que permite ao leitor, como um detetive, fazer suposições, então crescer a cada novo fato apresentado. A obra apresenta traços muito mais fortes de racismo do que relacionados ao feminismo, mas ainda assim remete ao tema. Na fala de seus personagens apresenta um forte traço de ódio e muita tristeza em relação aos “brancos”, como no trecho: Os brancos ainda estavam à solta m 1874. Negros eram expulsos de algumas cidades; oitenta e sete linchamentos num único ano em Kentucky; quatro escolas para negros totalmente queimadas; adultos apanhando como crianças; crianças apanhando como adultos; mulheres negra estupradas; propriedades roubadas; pescoços quebrados. Stamp Paid sentia o cheio de pele, pele e sangue quente. A pele era uma coisa, mas o sangue humano cozido (...) era muito diferente. (...) Stamp (...) vira uma coisa vermelha boiando na água (...) com um galho de árvore, puxara a coisa para mais perto: era uma fita vermelha, amarrada num cacho de cabelos encarapinhados, ainda grudado em um pedacinho de couro cabeludo. (...) tivera de esperar o mal-estar passar para poder continuar. (...) voltara-se para olhar o caminho que fizera, gritando para a lama congelada e o rio mais além: - Que coisa é essa gente? Diga-me, Jesus. Que coisa é essa gente. (MORRISON, 1987, p.210-211) Isso talvez explique o fato de haver uma total separação entre “negros” e “brancos” nos EUA, além de certa antipatia por parte de algumas pessoas afro-americanas em relação aos outros. Mas essa obra não trata apenas da diferença étnica, mas também fala do papel da mulher, onde, com uma das personagens central, a relação de dependência da mulher em relação ao marido praticamente não existe, uma vez que ela conduz sua casa sozinha, cuidou da sogra e da filha; ou seja, quebra um pouco com o padrão patriarcal, que, para nossa tristeza, também é presente na mente dos afro-descendentes. Porém, depois Paul D entrou em sua vida as coisas mudaram um pouco, na verdade houve a questão da persuasão masculina e do domínio sobre a casa, mais especificamente no trecho em que Paul expulsa o espírito que atormenta a 124 (casa da família) e em seguida conquista o respeito e a admiração de Sethe (personagem principal da obra). Um outro fato que nos chama a atenção é a questão dos movimentos antiescravagistas, personificados no Sr. Bodwin, que ajudou Baby Suggs após esta ter sua liberdade comprada por seu filho Halle. O Sr Bodwin ajudou-a com uma moradia (a 124, cenário da narrativa) em troca de alguns trabalhos, além de ter ajuda Sethe a se livrar da forca após ela ter assassinado sua filha. Diferentemente, a obra “A cor púrpura”, de Alice Walker, já apresenta traços mais marcantes sobre gênero e racismo. A obra já começa com a questão do estupro, coisa muito comum no decorrer da história, que faz com que a mulher se sinta como um objeto sexual, como algo que só serve para satisfazer ao homem. A personagem principal, Celie, não só passa por esse abalo emocional, mas também por pensar que seus filhos são seus irmãos (o que é colocado por terra mais tarde, ao descobrir que na verdade aquele homem que a criou não era seu pai). Além disso, é dada a um homem como se fosse uma mercadoria; e na casa desse homem (Sinhô) seu papel é reduzido a cuidar da casa dos filhos e satisfazer ao marido, não podendo nem manifestar opiniões ou sentimentos. O racismo é mostrado através da experiência de mulheres dentro da obra, nesse ponto difere da obra de Morrison; como por exemplo, o tratamento que uma mulher recebia ao entrar em uma loja para comprar mantimentos, ou quando se dirigia a outra pessoa, tinha que ser o mais suave possível, pois qualquer demonstração de alteração acarretaria em consequências sérias. Para exemplificar, tomemos um trecho referente a uma personagem que não suportou ser humilhada pela mulher de um prefeito e por isso reagiu; foi espancada e presa por muito tempo e o pior de tudo é que teve que trabalhar na casa da senhora que a humilhou: “Sofia faz até um morto rir contando os casos dessas pessoa da casa onde ela trabalha. Eles tem o displante de querer fazer a gente pensar que a escravidão acabou por nossa culpa. Que a gente num teve juízo bastante pra fazer ela durar.” (WALKER, 1986, 119) Walker mostrou bem a questão da ruptura feminista em sua obra, na verdade, concebemos que a autora personificou a questão feminina na própria Celie, que após tanto tempo de humilhações, finalmente se libertou dessas cadeias do preconceito e foi em frente, aprendeu a se reconhecer como um ser pensante e participante das decisões do mundo. Albert (Sinhô) representa o papel da sociedade patriarcal, opressor e cego, uma vez que não percebeu que a mulher tem um papel de vital importância na construção da humanidade, não só por causa da maternidade, mas por ser conselheira, um braço direito. Docí Avery e Sofia representam o papel de um sentimento que era (é) inerente às mulheres, o sentimento de identidade e liberdade; o próprio Albert reconheceu que elas eram diferentes, logo depois que Celie rompeu com as cadeias que a prendiam. Ele falou que ama o jeito dela. Ele falou que, pra falar a verdade, Docí tem mais jeito de homem que a maioria dos homens. Eu quero dizer que ela é direita, honesta. Fala o que pensa e o diabo que leve o resto, ele falou. Você sabe que a Docí é de briga, ele falou. (...) Ela tá dicidida a viver a vida dela e ser ela mesma num importa o que. Sinhô acha que tudo isso é coisa de homem. Mas o Harpo num é assim, eu falo pra ele. Você num é assim. O que a Docí faz é coisa de mulher, eu acho. Principalmente porque ela e a Sofia é que são as pessoa que tem esse jeito. Sofia e Docí num são como os homem, ele falou, mas elas também num são como as mulher. Você que dizer que elas num são nem como você nem como eu. Elas num dependem de ninguém, ele falou. E isso é diferente. (WALKER, 1982, p.294-295) Sabemos que há muito mais a ser discutido sobre esse tema, também sabemos que apesar dos esforços da maioria das pessoas para minimizar o racismo e as questões de gênero, ainda há lugares e casos onde seres-humanos são tratados como não deveriam, e não só isso, temos consciência que esses assuntos, racismo e feminismo, às vezes são tão arraigados em nossa cultura que o sentimento, apesar de não demonstrado ou de ser demonstrado em palavras mal colocadas, ainda impera em muitas pessoas. 4.1- Questões tradutórias e a presença da variante Black English nas obras de Morrison e Walker Nas obras desse estudo há de forma marcante a presença dialetal, não porque as escritoras não dominassem a norma padrão do inglês norte americano, mas como forma de orgulho e resistência, como comentamos anteriormente. Entre as diferenças da norma padrão podemos citar o não uso da partícula does para a terceira pessoa do singular, em interrogações e negações, ao invés disso usam do; não há o uso do verbo to have em interrogativas no present perfect continuous: “How you been, girl, besides barefoot?”; a omissão do verbo to be, como em: “We lucky this ghost is a baby.”, “You looking good.”, ou em: “Boys gone too”; a supressão do pronome it em alguns casos: “Cool out here.”; e do pronome I: “Had to. Coudn’t be no waiting” (questão da dupla negação); a eliminação do auxiliar do: “You want to soak them?”; a elipse do fonema th: “Both of em walked off just before Baby Suggs died.”; o uso de y’all, característica comum na região sul dos EUA; o uso da conjugação do verbo to be, is, ao invés de are no plural: “my niggers is men every one of em. Bought em thataway, raised em thataway.”; o uso de ain’t, que é a contração de am not, is not, are not, has not ou have not, como em: “Beg to differ, Garner. Ain’t no nigger men.”; O não uso de any em formas negativas: “I wouldn’t have no nigger men round my wife.” (Morrison, 1987; p. 03-11) Sabendo que a escritora afro-descendente marcava o diálogo de seus personagens com a variante black english, notamos que a tradução da obra para o português (feita por Evelyn Kay Massaro, editora Best Seller) não apresenta traços dessa marca, nem mesmo um escritura diferente para enfatizar a fala do negro, podendo ser uma das variantes que o Brasil possui. Como exemplo, extraimos algumas falas das personagens de Morrisson (1987) e suas respectivas traduções (publicada pela editora Best Seller): ‘Not a house in the country ain’t packed to its rafters with some dead Negro’s grief. We lucky this ghost is a baby.’ (p. 5) - Não existe uma casa no país que não esteja cheia da dor de algum negro morto. Temos sorte por esse fantasma ser um bebê. (p. 14) ‘Now at Sweet Home, my niggers is men every one of em. Bought em thataway, raised em thataway. Men every one’ (p. 10) Mas, em Sweet Home, os negros são todos homens. Comprei-os homens, criei-os como homens. (p. 20) ‘Beg to differ, Garner. Ain’t no nigger men.’ (p. 10) - Por favor, Garner, considere a diferença. Não existem homens negros. (MORRISON, 1987; p. 20) Vale também pontuar a ausência, na tradução, de um marcador muito importante que sinaliza bem a questão da posse do negro, várias vezes enfatizados na obra original, é o pronome possessivo my (meu, minha, meus e minhas). O trecho “my niggers is men every one of em.” pontua bem a questão, sendo que na tradução observamos essa ausência: “os negros são todos homens”. Podemos nos questionar se tal tradução para um termo com significado completamente diferente, e aqui cabe a tradução literal, foi feita de propósito ou por motivos de estética? Isso só a tradutora pode nos responder, porém, se a tradução fosse realmente voltada para transmitir um “retrato poético e cruel da condição do negro na época imediatamente posterior à guerra” como retrata a orelha do livro de Morrison (1987) traduzido, então seria necessário a preservação do dialeto e dos termos que marcavam o ódio contra o negro, a relação de posse e a resistência, essa por parte dos afro-descendentes, assinalada pela linguagem diferenciada. Uma vez que, se novamente considerarmos o mesmo trecho “retrato poético e cruel”, podemos concluir que a poeticidade foi omitida pela tradutora, sendo que Morrison poetizou a fala do afro-americano através do uso da variante dialetal. Em relação à tradução da obra de Walker (A Cor Púrpura), verificamos que os tradutores, Peg Bodelson, Betúlia Machado e Maria José Silveira, respeitaram o falar “diferente” dos personagens, não usaram a norma padrão brasileira, como na tradução da obra de Toni Morrison, sim uma variante comum na fala do brasileiro, que muitas vezes é chamado de “asno”, como o já citado Bagno (2007) salienta em sua obra. Seguem-se alguns trechos da obra original e de sua tradução: He say, she near twenty. And another thing – She tell lies (p. 18). Ele fala, ela tá perto dos vinte. E outra coisa… Ela é mentirosa. (p.18) Know I’m not as pretty or as smart as Nettie, but she say I ain’t dumb (p. 19). Eu sei queu num sou nem tão bunita nem tão isperta quanto a Nettie, mas ela falou queu eu num sou boba. (p. 19) I lay there thinking bout Nettie while he on top of me, wonder if she safe (WALKER, 1982; p. 21). Eu fiquei lá pensando na Nettie quanto ele tava em cima de mim, imaginado se ela tava salva. (WALKER, 1986; p. 22) Depois de todas as ponderações sobre os conceitos de Estudos culturais, geradores da visão de Walker e Morrison; Estudos da Tradução e a dialetologia, aporte teórico para nosso debate acima, vale dizer que o tradutor não deve, realmente, ser visto como gerador de um “trabalho menor”, mas sim como o “canal” criativo que conduzirá o texto original dentro da língua de chegada de maneira a garantir sua preservação, principalmente quando se trata de questões linguísticas: o dialeto, que, assim como uma língua, marca a identidade de uma comunidade de falantes. Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus, pela força e capacitação; à UEMS pela concessão da bolsa PIBIC; aos examinadores da banca de avaliação, pelo grande bem que a mim fizeram; a minha família, amigos, professores e colegas de classe, pelo apoio, amor e amizade prestados incondicionalmente. Bibliografia. AFRICAN AMERICAN VERNACULAR ENGLISH. Dialeto. 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