Livro das donas e donzellas [microform]
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Livro das donas e donzellas [microform]
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De collaboração : Contos Infantis, com Adelina Lopes A Casa Verde, romance, com Filinto de Almeida. Paris. Tl ' • r '-i->^- -'•-• Vieira. — Typ. Aillaud & C* ' '^* "-r^SiííN- ' JULIA LOPES DE ALMEIDA ^ <3 LIVRO DAS DONAS £ DONZELLÃS ^ C^ v Desenhos DE Jeanne MAHIEU 0ÈÍ FRANCISCO ALVES & RIO DE JANEIRO - 134, RUA DA BAHIA RELLO HORISONTE rua do Ouvidor, RUA DE 1 (Minas) C.» S. 134 BENTO, 45 SÃO PAULO | 1906 -'• '-*^^-^-— ' -- ^'a.,i„:,-..-; '- " 'r • « •' í-''fMkr''i''íi*f"'-r-'-' • - -Vil, --^ ri:.\. :íívÍ_>íí:íi^«.-- .'• ?^ #«• â»íií J.-Í _,_»L..;,.A. --Af; ^ PRIMEIRA PARTE .., i 4 m' .;r>>Liiti« . •: **í: , -^•- •'''fifeW-nv '.Ti^r-ij n^- i-^-- 'i '^"fW^^J?^?^^ ' * • j-T''-?'**^^'*-- 'v^ ^:r'-r7ic*.' 'í^";-';--;;tí-" A; *, Tf•~;^r'^•-7^>^^-*^St^VT^yv^;^^^ . íí" . .^-^.E^^-WIJT V , •^yv-''^.> MINHAS AMIGAS m Mez das cigarras e das flores de flamboyant, como diria Fradique Mendes se tivesse de datar em Dezembro uma carta no Rio de Janeiro. Prescindo, como elle, da enumeração do dia. Datas são algarismos sem forças para nem fazer sentir o violento azul do nosso céo, Ihões purpurinos das nossas arvores, nem os i^ama- este chiar inces- sante das cigarras entontecidas de luz, annunciando o calor. em que Este lindo mez, o anno morre engalanado de cores e de sons, obriga-nos a volver o olhar para o passado num,a inquirição pensativa e saudosa... e logo a qu^'er sondar o futuro impenetrável com afrouxa luz de esperança. Nada uma se descortina bem, visto de longe; e é melhor assim. .. O prova que torna a vida encantadora é o imprevisto que ninguém desejaria recomeçal-a da é formxxpor que a já viveu ; nem creio mesmo ; e a mesma que, se tal mi- lagre se pudesse cumprir, houvesse alguém, por mais ven- turosa que lhe houvesse corrido a curta vida, que tivesse coragem de a recomeçar ! lirjir^ ri i ^'^''-s^-^r f i'l«'yftiia 1* 1 1 rlií i AV -JãLiÉtie i r-r ,- •SÍVS^'" •; . : -•y^;-^'^'^-' ; '^?^yí^ LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 8 Cerre alguém os olhos, pense, da sua que só alguns dias lhe existência, e Jicará convencido de mereceram o desejo de serem siga o curso revividos. Dias ? Nada mais que momentos, de inolvidável doçura... Para a gente moça ha de vir, no que se maior encanto da vida está no que o ignora; para a que transpõe o cabo dos quarenta, está no presente, que passa ligeiro, como a corrente de um ligeiro, rio caudoloso... Alinhas boas amigas, donas e donjsellas, velhas nas, perdi o endereço de algumas de vós; meni- e outras... rese- mos-lhes por alma, estão mortas ; de incerta direcção, pretende até ás portas do céo, ondulação do acaso ir de sorte que esta carta, na da saudade. e Nós, as mulheres, não temos sempre facilidade de bem exprimir os sentimentos por palavras ; por demais subtis e quíssimas. Dizem que ha para todas complexos ; parecem-nos ellas insujfficientes precisas, de inquestionável exactidão som, elles e fra- as coisas expressões ; a lingua] modula no a essência da mais rara alegria ou do e inalterada, Mas essa é a interpretação dos fortes ; a nossa dilue-se, numa gotta incolor e inodora, que é como um chuvisqueiro em uma rosa, se nasce da alegria ou, se vem da dor, como umjloco de neve em uma brasa, mais terrível desespero. que apaga a luz e deixa a nú o carvão. Lembranças de amisade não são como lembranças de amor, que pungem perfume e deliciam; têm outra suavidade, indistincto, e por isso são mais difjiceis um de des- criminar nas meias tintas do passado ; todavia, quanta commoção ellas nos tracem na sua nevoenta appa^ição ! Min/ias amigas de outros tempos, supponde que eu en^^ feixo as graças e virtudes de vós todas em uma só figura, que podereis chamar de Mocidade, ou de Primavera, como vos aprouver. < . '^. DEDICATÓRIA Para ser 9 suprema a sua formosura ella terá os teus doces olhos a:;ues, tão cedo fechados, Elvira; e o teu riso Maria Laura ; e a tua vo^, Janan ; e a tua bondade adorável, Marie ; e as linhas do teu corpo, Alice; e d alegre, dúçura da tua triste Terá da negi^a Joseplia, tão ! por não ser branca, a branca innocencia todas, e Carlota te^, com que topei na minha ; e de vós infância, a gárrula alegria a trefega imaginação. Não uma sacudo a a umajigura immutavel esphinge o e risonha, no horizonte que de vós não sinto o calor de que permanece, amigas da meninice ; outras sei, e ainda hoje eu sympathias moças que vêm vindo como bom aves annunciadoras do floresce ainda mas me foge. na edade das confidencias, vierajn depois, tempo, para me dizerem que na Terra a sagrada planta da amisade. Entre todas, não leitoras, quem menos lenço saudoso, tangível, feita de perfeições e De algumas minhas meu sois vós, cujo influxo amigas desconhecidas tantas vezes meu pensamento de se lança o me alenta, mullier, desejo defelicidade perfeita... e a num - * * * uma das ultimas do fim do anno, que de lembranças suaves me esvoaçam pelo espirito! Crede, esta carta é um desabafo. Não só vós, minhas Nesta noite, queridas, voltejaes na minha memoria, como nas rondas do collegio; ha outros amigos adorados, derosa influencia, a que dão: — os auctores. mais vezes relidas versos que ; O me com de po- significativa grati- primeiro livro lido ; as paginas as musicas que melhor interpretei ; os me fizeram estremecer ou sonhar ; sensibilidades, acordadas tif.Vv. lanço invisíveis, si nguloj^es por extranJios que amei como ^-*r^v4i4^' -L^,.. ^ -A>.-^>íi»j^_-l- - ^' .\.F';-.' LIVUO DAS DONAS E DONZELLAS 10 amo me aquece, ou ajlôr que me inebria, — tudo passa pelo meu pensamento, numa irradiação o sol que renasce e puríssima, de devaneio... Nestas Iioras vertiginosas todos os meus sonhos as suas a^as, com e perturbadoras i^econheço e desejos antigos, roçando por tanto arrojo abertas e tão cedo enfra- quecidas... Mas mim I isso que vos importa ? Valerá a pena pensar no tempo que passou, bem ou mal? O anno em que parte da nossa vida discorreu, acaba? Deixal-o acabar! O outro que vier terá as mesmas quatro estações; o sol injlammará a terra no verão, o vento fará cahir as folhas no outomno, as neves caracterisarão o inverno, e as boninas esmaltarão os campos na primavera... Assim como o tempo, fuseo ou luminoso, os homens serão máos ou serão bons e a vida fará o seu giro imperturbável, desfazendo e creando entre declínios e triumphos. Para o mundo será assim, & mas para ^ nós, queridas ? 10 LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS • amo me aquece, ou ajlôr que me inebria, — tudo passa pelo meu pensamento, numa irradiação o sol que renasce e puríssima, de devaneio... Nestas Jioras vertiginosas todos os meus sonhos as suas aaas, com e perturbadoras reconheço e desejos antigos, roçando por mim tanto arrojo abertas e tão cedo enfra- quecidas... Mas isso que vos importa ? Valerá a pena pensar no tempo que passou, bem ou mal ? O anno em que parte da nossa vida discon^eu, acaba? Deixal-o acabar! O outro que vier terá as mesmas quatro estações; o sol injlammará a terra no verão, o vento fará cahir as folhai no outomno, as neves caracterisarão o inverno, e a^ boninas esmaltarão os campos na primavera... Assim como o tempo, fuseo ou luminoso, os homens serão máos ou serão bons e a vida fará o seu giro imperturbável^ desfazendo e creando entre declínios e triumphos. Para o mundo será assim, mas para nós, queridas ? L. NATAL BRASILEIRO NESTE esphacelar de usos e tradições, poucas pessoas encontram ainda encanto em seguir costumes de avós que se foram quem ha muito tempo, e de as caveiras, das covas, já não lá no fundo guardam nem resquicios de pelle! -Ji .\Ã\. ! : LIVRO DAS DONAS 12 A e' DONZELLAS nossa vida agitada precisa de um \ esforço para relembrar os divertimentos antigos, e não é senão por condescendência que muita gente faz horas para ir á missa do gallo ou que deixa o espectáculo pela ceia caseira, obrigada a certos pratos que o desuso tornou para muitos paladares simplesmente abomináveis ! Noites quentes, maravilhosas noites de verão, ba- nhadas de luar, impregnadas do aroma da magnólia e do jasmim-manga, convidaes por certo muito mais aos passeios pelos arredores da cidade, ouvindo cigarras e em uma violas de serenatas, do que a fecharmo-nos em sala, um frente a prato de canja fumegante, entre os globos de gaz a toda a luz e a loiçaria brilhe com uma toalha branca onde o seu luzimento de esmalte: chamam Estas festas são doces ás mamães, porque para o seu redil as ovelhas soltas por diversos pontos da cidade. Nestes dias, como que se ouvem badaladas de sinos de ouro que, a cada repique, dizem assim — Vinde vos para casa amam E as ovelhas tam para A ! Vinde para casa I É aqui que param, escutam, torcem caminho e vol- o aprisco de onde tinham partido. amante que pensam espere, os rapazes estorça de raiva vendo-se preferida. É preciso ; que se também contentar a mamãe, que sorri acudindo a tudo e a todos com a filhos mesma paciência de ha trinta annos, quando os eram pequenos e não sabiam de nada na vida que egualasse á sua companhia Boa mamãe dizem-lhe elles agora, perdoae os nosdesvarios de rapazes Nós cá estamos no teu regaço, « sos i ! ! ! olhando para o teu rosto, beijando as nossas irmãs, n SiV "C "« '. '. , " ; " NATAL BRASILEIRO E a mamãe vae e vem, oliios brilhantes. ladas se E os lábios risonhos e os o sino de ouro da casa, cujas bada- ouvem ao ;*. com 13 longe, '•**;•. ^j:'/vj.'.. újl: mal ella o sabe ! é o seu LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 14 ooração, o seu coração angustiado, pisado de soflfrimentos, de duvidas, de saudades, mas que todo se enflora ainda de esperanças, porque é de mãe! Festas familiares, sois peregrina* -^^^^^ —^ '' V •* mente bondosas e ele- os ve- - mentes «?• para lhos ! > • * * Sim, é por condescendência que muita gente deixa a noitada ao re- lento pela ceia caseira, em que se comem coisas succu- lentas, se ou- vem valsas marteladas ao piano, ou se conversam assumptos repisados. Na roça é que estas festas do Natal e do Anno-Bom têm uma còr mais brasileira. Aqui na cidade fazemol-as seguindo os costumes portuguezes. O frio do Natal europeu impelle as famílias para o interior das suas casas, para o calor dos fogões e das ceias fumegantes. O nosso Natal é tão diverso sol ; em ! Em vez da neve temos o vez da ventania áspera, que obriga as pobres creaturas a irem para a egreja envoltas em capotes, ! - '*' NATAL BRASILEIRO 15 salpicadas de lama e de chuva, temos noites estrelladas, cheirosas, em que moças a missa do gallo, chites, com meia noite ouvir e rapazes vão á trages alegres, sem podendo folgar pelos caminhos á palpitantes e coloridas. come ao Na receiar bron- luz das estrellas A roça é assim. creançada ar livre pinhões cozidos e faz a algazarra que lhe apraz. As moças dansam no com terreiro os namo- contam rados, e os velhos, sentados sob o alpendre, rememoram visitas a presépios antigos, até que o sino os chame e elles partam todos, aos magotes, para a capella tão sua conhecida, tão sua amada anecdotas, Se fosse possível deveríamos inventar quadas ao nosso clima, estabelecel-as, fixai- as, tornal-as - Os costumes europeus não podem^ em reproduzidos aqui. em Ha Mas nosso Natal! de que vale isso, se as Bem que elle precisa tirita lavrando estações são tro- em pleno verão rango maduro, capote espesso lanzudo e gorro de das terras nevadas, O nosso é risonho, é caritativo; abriga os cheiroso e veste-as quente e doirada! ^ mo- pelles, Natal é moço, sem vintém, creancinhas nuas não o temem, porque o~ seu bafo O cortadas pelos uivos do vento, tão cruel para os pobres. com ! de outro emblema. velho de longas barbas brancas, nariz côr de é filho do frios alguns paizes da Europa; no alto Paraná o gelo cadas e o nosso Natal desabrocha O absoluto, ser no Brasil climas mais quebra os galhos das arvores e o aldeão a terra. ade- ' nossas. que festas elle com e as afaga-as a sua luz V- ij^' x'*-: ^ f.* ÍT ^ ^' .^. - •-.a.-- l.-i-*iA i^i«.ulJ«fÍÁ«L:- .^odv, < CONVENTOS -^^- A TARDE agonisava em polida, que aço, espelhento. senhora afogada davam Num em reflexos brancos de prata á superfície do mar um tom de banco do convéz da barca, lãs pretas, uma de lucto, sussurrava queixas das filhas que a queriam trocar por um convento. Era um desabafo, entre as amigas, que todas se debruçavam para aquella angustia Pelos farrapos dos commentarios percebi que as '"» "' •"*' ^.r "^ $• *:*: -'..T- rv?*^- 18 r-r.-.»-t..^-í- Ll\ UO DAS DONAS E DONZELLAS j (lonzcllas nà(3 levariam ao claustro contingente que o Unia (Vellas faria versos niysticos, a outra rezaria ladainhas, sem que das suas genuflexões ou dos exalçasse... seus arroubos viesse beneficio ao mundo. A mãe nào sabia explicar aquelle fervor súbito. Suppunlia que a mais velha, poetisa, reliiiião os procurasse na ideaes ([ue não via realizados na terra^; mas a outra? Debatia-se ante o enigma da outra. Optaram as amigas por uma paixão. Algum amor mal correspondido Pobre creança, pensava eu de mim para mim, o veu de freira não tem por certo a magia que Se o mal de que ella soííre é esse ella espera... que dizem, leval-o-á comsigo, que para a fatalidade do amor não ha amuletos jiem que valham. cilicios O convento excitará no principio a sua phantasia, vinculará a sua saudade, sem lhe trazer a pacificação, a vida saborosa, que é o pre- paro do Parai zo. Houve tempo em que o convento tinha, com como tudo que que domina. Tempos houve também em que os rigores, certos attractivos, é forte e elle menos um logar de reclusão que de galanteio bilhetes todos ; era então amorosos e versos dos torneios perpassavam por entre aquellas paredes severas, Como revoadas de mariposas tontas fina, que, ; e havia freiras, como a freira Sera- escrevendo a respeito da abbadessa de Santo André, deixava transparecer a convicção de que não é o amor divino, mas o humano, a melhor e a maior preoccupação de toda a gente, tanto de dentro como de cá de mesmo chromodernos que nem sempre os de fora. Dizem júcas velhas e chronistas lá 19 CONVENTOS conventos foram santuários de castidade. Fossem que fossem, a verdade é que tinham vida pi'ojn'ia o <> prestigio (jue facilita esuggere os grandes devo- enorme tamentos. Depois, ou n lá a mulher não tinha outros destinos ou o casamento. Hoje nào é assim elle jtaterno já missas, não tem o poder de aferrolhar e poesia, a ; : o pulso filhas insuh- que naquelles tempos o habito pudessíí ter, foi substituída no nosso tempo — por uma fúnebre idéa de mortalha. Hoje os conventos parecen» túmulos. Imíigino Que d'esses casarões enormes. melancholia a silencio de onde as sandálias corredoivs, batem de minuto a pateos, em que e as aranhas tecem que abandono nos a rede da sua prole; onde as fontes choram^ sem o consolo de suas lagrimas suspensas pelas que aspecto freiras bonitas; frio o gria, que a comem tão as do refeitório^ onde na baticas trocam receitas de pasteis e e o vèi* mãos macias de umas immensa mesa conventual meia dúzia de mente o pão, não minuto; que ar de mofo nas cellas sem dono. fechadas ha annos irreverentes já freiras soi'um- benzem distraida- depois sem alegria, a bella ale- citada Santa Thereza de Jesus aconselhava ás freiras da sua communidade, a par de trabalho activo, vassouradas, costuras, roupas limpas e polimento de metaes Essa feição salutar da santa ! modificou a immundicie do convento, mas não lhe tirou a grandeza austera e a soturnidade doentia. Dirão: os nossos conventos tèm modesta e mais acanhada ; uma feição mais estão pintadinhos de fresco e assoalhados de novo. Tanto peior. Não haverá ao menos espaço para uma ^.^Ji^^.v.V.^- - K ao LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS «• •^> I.IVKO õiide ensinn ; DAS DONAS E DOX/.ELLAS n própria íamilia, hospital, a i[ue sua influencia onde consola o pedaço de jiletiTM e j)M(*ifica terra, onde planta a arvore, que dani sombra vier ; mais tarde <> e ramos [y,\va ; aquém as ninhadas entoarem hymnos ao Creador. Podemos ser úteis e ser religiosas sem fuj^ir da sociedade; podemos amnr o Senhor, sem desprezar os irmãos, que mais ou menos carecem do nosso amparo, ou da nossa presença. Este ef^oismo de esconder as feridas da paixão em humano não é digno d'este desnudam para o combate, logar imperscrutável ao olhar tempo, em que ]>(>rque hoje não ha santos, ha heróes almas se as ; não ha milagres, eleitos de J)eus são os eleitos da humanidade, ha virtudes. Os somos n()s, ficação do em as mães, que criamos os filhos para a glori- mundo ; são os homens, que cultivam a terra, morrem por uma idéa generosa. tem com certeza melhores serviços nos paz abençoada, ou A religião hos])itaes, nos púlpitos, nas missões, em todas as suas JVirmas de expansão, (jue nos conventos mudos, abafados ])elo rumor que os cerca A irmã de caridade tem ao menos a su])Iimidade, a abnegação de viver para os trina. A A freira para quem outi'os. Essa é a sua dou- vive ? barca atracou á ponte, e a senhora de lucto, jjuxando para o queixo o véu do toucado, sahiu, levando com sigo visto o mysterio d"aquelle romance apenas entre- * --TÍSf -,-T- --íV.-.. -K'^.-^ ' ' O VESTUÁRIO FEMININO '\^ Euma intellectuaes, larinho de envergarem , entre senhoras paletot, collete e col- homem, ao apresenta rem-se em ])rocuran(lo confundir-se, homens commum exquisitice muito como se lhes no aspecto jthysico, pul)lico, com os não bastassem as approxima- çòes egualitarias do espirito. Esse desdém da mulher pela mulher faz ])ensar (|ue ou as doutoras julgam, como os homens, (jue a : menta- lidade da mulher é inferior, e que, sendo ellas excepção MT- ^ tif 4^ LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 24 da grande regra, pertencem mais ao sexo ao nosso, fragilimo forte, do que ou que isso revela apenas preten- ; çào de despretenção. Seja o que fôr, nham nada com má triumpha da i)em a moral isso. Ao nem contrario ; a esthetica gase uma mulher vontade dos homens e das leis, dos preconceitos do meio e da raça, todas as vezes que fòr chamada ao seu posto de trabalho, com tanta dòr, tanta esperança, e tanto susto adquirido, deve ufanar-se apresentar-se como mulher. Seria isso um em desafio ? Nâo naturalissimo pareceria a toda a gente que uma mulher se apresentasse em publico como todas as ; outras. Basta vêr com muitos um jornal feminista para toparmos logo retratos de mulheres celebres, cujos pale- tots, colletes e collarinhos de mostrar ao mundo que está e um homem, parece quererem alli dentro um caracter viril espirito de atrevidos impulsos. Cabellos sacrifica- dos á tesoura, lapelas (sem flor!) de casacos escuros, saias esguias e murchas, afeiam corpos que a natureza talhou para os altos destinos da graça e da belleza. Os collarinhos engommados, chato, dão ás mulheres trafeita, uma as camisas de peito linha pouco sinuosa, e con- porque é disfarçada. Medicas, engenheiras, advogadas, pharmaceuticas, escriptoras, pintoras, etc, por ás amarem e se devotarem sciencias e ás artes, porque hão de desdenhar em absoluto a elegância feminina e procurar nos figurinos dos homens a expressão da sua individualidade? Ha certas mulheres, precisamos convir, que têm . desculpa na adopção dos murchos trages masculinos, ... "'^ *= > o VESTUÁRIO FEMININO porque para esthetica, ellas isso mas de essas, as uma incontestável necessidade radoras, por exemplo. A não representa 25 '-* ' saias impediriam " • as questão de — as explo-' passadas e 03 ,.r.*?íí^S'V saltos, no labyrintho enredado dos cipoaes, entre todos os obstáculos das florestas erriçadas de espinhos e cortadas de vallos a transpor. As calças grossas e as altas polainas são para ellas, -•.^.;--í^,- -;; -IVRO DAS 2(i ])ortaiit(), iiAo dado o mas de conimodi- objecto do j»han1asin. salvamento. prendel-as-ia DONAS E DONZELI.AS O ])anno de instante a do fluetuante vestido instante aos troncos e ás arestas do caminho, quando e, molhado. pesar-lht?s-ia no corpo como chumbo. Por exigências de commono trabalho, também didade esculptoras e j)intoras se muitas vezes a sujeitam vestirem-se assim (í S('> (|uando exe- cutam obras í^i'andes di de men- soes. As calças facilitam então as subidas e as descidas de andaimes e de escadas. Rosa Bonheur, conta-nos um seu ])io«jri'a})ho, hendida no atelier de ])ela surprenoticia (jue a imjteratriz offerecer-lhe a para oníiar íi Kugenia entrava em sua casa para Lenião de Honra. viu-se atrapalhada — ])ressa os trages do seu sex(t e.]»oder rece- ber respeitosamente a soberana. Só de portas a dentro jtor ella seara alheia, j)ara usar seus movimentos ; abusava d'essas entradas com liberdade de todos os mas desde que rada por exti'anhos, ella aj)parecia a artista era i)rocu- como mulher. 'i*?»/.>Uivf >t_ O Nas ^ ESTUÁRIO FEMININO cidades, sobre o das alamedas, não que razão a])])ehir, asj>lialt() sal)e a 27 das ruas ou o saibro gente verdadeiramente pai'a quando vè, cingidas a corpos femi- ninos, essas toiletfcs hibridas, compostas de saias de niulber, coUetes e jtaletots de homem... j)onco é fácil de perceber o motivo poi' (pie, em tam- vez (bi macia, pi'eíerem essas senlioras esjtecar o pescoço íita num lão Xem ! coHarinbo lustrado aferro, c duro como um pape- TT^rn^- • h n. ^V- *'^ 7 ^ ' '.'W. '^ A ARTE DE ENVELHECER NÃOcomsomos só nós, minhas amigas, que vemos terror brilhar por entre as nossa madeixas castanhas, louras ou pretas, o primeiro As dolorosas apprehensões cram-nos só attribuidas a nós, como mos senão para a mocidade e o amor. branco. O homem, fio d'esse se de cabello momento não nascêra- envergonhado, e com receio de se con- fessar vaidoso, sem perceber talvez que a primeira denuncia da velhice tem para nós amarguras mais subtis que a do simples medo de ficarmos mais sempre para a nossa decepção um feias, teve sorriso de inclemente ironia... Poetas e contistas, valham-nos Aj^.'4:i!u. - -^ -f- .ã-^M^^ elles, e que Deus 7"3W ' ^'"'^vfír^^ «^«{i'*'.' ríT^. ' -^ ^ -W "-"i,' Tr. "?»'"™k' - "*w"'J|"." ' LIVIW DAS DONAS E DONZKIJ.AS TO llies prolongue a raça dos suaves a engi'iiialdarain ! d()r (Tesse de rimas e perío- momento sagrado, em que as nossas esperanças fecham as azas, repentinamente mura luz dos nossos sonhos esmorece... clias, e Mas adivinharam se elles m delicadeza do nosso sen- timento, não nos contaram a espécie do seu, ao vèr a luz ])allida e íina de um fio prateado colleando por entre as ondas negras da cahelleira, ou as pontas castanlias do bigode. Pensávamos que os signaes outoniços, ])rimeiros que são para as mulheres os mais terríveis, não os alarmassem a ideaes, que elles, nem semjjre embebidos tão grandes tivessem vagar para perceber a ruinn homem do próprio corpo. Enganamo-nos; o sensível em como nós é também ás apprehensòes que a vista do i)ri- meiro cabello branco suggere... Um fio (juebradiço, mundo eram de cabello, nada ha mais nem mais leve, e nem mais frágil, entretanto vè-se de sensações elle prende e arrasta! Até aqui, só as nossas, suj)punliamos, que são as de toda a gente ! mas agora sabemos . Tenho deante dos olhos uma pagina de homem arte de envelhecer pta deante de e bem que feita pretação, mento de um — (jue se espelho me affigura ter sido escri- pei'fido. Essa i)agina suave analysa essa hora delicada e de em que ha susto, e o —A difficil inter- em todos o mesmo estremecimesmo estender de mãos para agarrar o que passou e que não voltará jjímais — a ihocidade. A mocidade aos quarenta annos ainda I perto, aspiramos-lhe o ai'oma, como que a sentimos lhe sentimos A ARTE DE ENVELHECER íl.. 3L ^^' "r* ^ *;. 4^ A ARTE DE ENVELHECIÍU O 33 pó de arroz, contra o qual antigamente alguns pães de família se insurgiam, é o único auxilio de que lançamos mão, mais ainda como que o uso torna indispensável, que ioííette, como um elemento de O um complemento de mesmo garridice. pó de arroz não só attenúa o luzidio da pelle, afogyeada por uma temperatura quasi sempre alta, como também refresca suavisa, e a romã ti sa. Positivamente, elle adop- foi tado por isto não : só embelleza como sabe bem. De tal maneira ninguém culta, que certo, isto é oc- o como a um mysterioso factor de formosura, guardar incógnito; ao contrario, que quizesse se damos-lhe vistosas de crystal lapidado, onde a luz incide caixas em refrac- ções irisadas. A velhice material, grosseira, ainda não mereceu da maior e melhor parte das mulheres brasileiras o sacrifício inútil longas, com da mascara confeccionada em sessões pincelinhos, camurças, óleos, tintas e es- maltes. Mas A arte de envelhecer não teve por objectivo a arte de não parecer velho ; mas sim de padecer com resignada calma as gradações da mudança. Isso de3 '^S ?%=«4».^.- A '"«????:•• LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 34 pende, além da vontade, das circumstancias de cada um. A em felicidade está envelhecer sem arte, com ou<. tras preoccupaçòes mais elevadas e menos egoístas... -r 'à\ Desde os primeiros annos de escola que os mestres se esforçam por fazer belleza, comprehender ás creanças que a sendo transitória, menos vale do que a bondade, e que On ne sait plus que devenir Lorsque Ton n'a su qu etre belle o esforço para a perfeição material é sempre profícuo, e o bem para o aperfeiçoamento moral sempre coroado. A -. j arte de envelhecer é a de exercitar a doces práticas do beneficio e saber derramar si, ^ im- até á ultima hora de consciência, a via ou o calor que reanima... - .* -- . alma nas em torno a sombra que alli- >' : '^.•;V:'"- 4 -- J+. A MULHER BRASILEIRA O EUROPEU tem a noção falsíssima. Para amor o respeito da e a idolatria dos mulher brasileira uma elle nós só nascemos para homens, sendo para tudo mais o prototypo da nullidade. Dir-se-ia que a existência para nós deslisa rio dom como um de rosas sem espinhos e que recebemos do céo o esculptural da formosura, que impõe a adoração... Nem uma nem outra coisa. Nem a mulher brasileira é bonita, se não nos curtos annos da primeira mocidade, nem tão pouco a sociedade lhe alcatifa a vida de faci- lidades. Ella é exactamente digna de observação elo- giosa pelo seu caracter independente, pela presteza H . ~-^-^" - il f - tJ,.-:x'Vl. •. jiÕfrMCL^. .^ ^ .^. _ ^^->^yLí.vJ LÍ>>.^-Í.í.^i*; . »>k. ; l- * . LIVRO DAS DONAS E D0NZ12LL\S 36 com que * 1 bem se submette aos sacrifícios, a dos seus, e pela sua virtude. A brasileira não se contenta com o ser amada: ama; não se i"esigna a ser inútil: age, vibrando os tristes com a sua subjugar o soffrimento. Parecerá sem offender á felicidade ou á dôr, alegria e sabendo quem não a Masnão tivesse por isso indiíferente ou socegada, a co- nhecer senão pelas exterioridades. ella capacidade para a lucta e ainda as portas das academias não se lhe teriam aberto, nem cionar em teria conseguido lec- A superiores. collegios esses responsabilidade ninguém vae por phantasia sem sacrificios homem pela nem chega Apezar da antipathia do c coragem. mulher legares de intellectual, que elle agride e, ridi- cularisa, a brasileira de hoje procura enriquecer a sua inteliigencia frequentando cursos que lhe illustrem o espirito e lhe um proporcionem escudo para a vida, tão sujeita a mutabilidades.... Se o seu temperamento é cálido e voluptuoso, a suaindoleé honesta e activa e o seu pensamento despido de preconceitos. Se uma mulher decerto!) cae de brasileira, (se uma ha excepções posição ornamental ? ha-as em outra humilde, é de rosto descoberto que ella procura trabalho; então vae ser costureira, mestra, typographa, telegraphista, aia, qualquer coisa, bida, ou o ambiente em que conforme a educação recevive... Nessas acções, não ha simplicidade, e uma comprehensão perfeita da vida a guerra das competências. é uma A — ha stoicisnio moderna : que é brasileira vive ociosa phrase injusta e que anda a correr mundo, infe- lizmente sem protesto. Porque? ! ! '^ t A MULHER BRASILEIRA Toda a gente sabe que no os filhos a 37 Brasil só não amammenta mulher doente, aquella que não tem que o sabe prejudicial em vez de benéfico Ricas ou pobres, as mães só têm aleitar, criar os seus filhos ! uma leite ou ! aspiração : Este exemplo devia ser — ci- tado, porque, á proporção que esta virtude se accentua entre nós, parece que nos paizes mais civilisados vae-se tornando escassa A mulher brasileira ama com mais intensidade, vez; dedica-se belleza, ás toda, sem medo de commoções da vida. tal- a sua estragar Ahi vemos as pobres mulheres dos soldados, seguindo-os á guerra, acom- panhando-os nas batalhas, matando quem ferindo queni os ameaça, erguendo-lhes das os fer^, mãos mori- bundas a espingarda com que os vingam t-xXí- .^!i^^*-u.v-.'j,-, ^; Kt , èT^vií. . :i_ ... ! -av?v^- .•J«='' I LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 38 , ! Estas energias não são filhas do acaso, vêm-nos da mistura de sangues com que fomos geradas, vêm-nos d'esta natureza portentosa e que por toda a parte nos ensina que a vida é uma grande fonte que não deve seccar inutilmente | * * * Nos paizes tropicaes a precocidade é existência da bem , menina passa como tamanha que a um sopro e começam cedo as responsabilidades da mulher. Por vezes o assalto é tão repentino que na creança o espirito não ha tempo de preparar da donzella. Naniorada de mesma, no deslumbramento da mocidade, si ella affigura- se-nos então frivola e perigosa. Receia a gente pelo fu- como uma turo da pobre creança, estonteada pela vida mariposa pela luz. Quanto mais melindrosa dra, quanto mais vagares é essa qua- tem a imaginação, alvoroçada pelos sentidos, de architectar castellos mentirosos! Felizes as donzellas pobres, obrigadas pelas circumstancias apertadas da vida a empregar a sua intelligencia e a sua actividade no trabalho e no estudo ! São as mocinhas engomam que, para irem ás aulas que frequentam, as suas saias ou cosem as suas blusas, as mais habilitadas para a resistência das paixões ruins. Decididamente, o trabalho é o melhor saneador de almas mos da nossa muito sã, ! E filhos e seus irmãos, descalabro das sociedades arruinadas ou . . A nossa força critério, coisas que, está na nossa em no deliques- bondade e no nosso quando não são naturaes, fazem-se pela vontade. / nós precisa- porque só a virtude da mulher pôde salvar os homens, seus cencia. l» t - 4.. * * A MULHER BUASILEIRA 39 * Nós, as brasileiras, perdemo-nos pelo excesso de sentimento. Ainda não aprendemos a dominar o nosso coração, que se dá em demasia, sem colher por isso grandes resultados... O europeu, tractado com rigor pela mãe, não por ella menos respeito (talvez tenha mais !) tem nem menos carinhos que os nossos filhos têm por nós... que nos desfazemos por em elles sacrifícios e ternuras ! Parece que a blandicie perenne enfraquece a alma do individuo, tornando-o um pouco indiíferente... * Ha muito quem aflSrme que no Brasil a mulher do- mina como soberana viagem «... . ; e já um escriptor portuguez disse relatando as suas observações d'ella, ' * em um livro de : A mulher deve ser, entre esta raça, superior a todas as coisas. Vêl-a passar na rua e comprehender a commoção que ella causa é ter reconhecido todo o alcance do seu prestigio. Inspira devoção, tem um culto. Não é a mulher companheira do homem, sua irmã de trabalhos e de penas filha, ; é a mulher idolo, a mulher sacrário. Mãe, esposa ou cortezã, ella será neste paiz e para este povo a suprema instigadora, e a sua vontade, como o seu capricho, terão o cunho authentico de lar como nas sua boa ou alcovas. Será ella má E possível sileira quem predomine e da influencia dependerá, talvez, o destino histórico d'esta nacionalidade. . assim no leis, » que assim seja de futuro, visto que a bra- de hoje tem mais ampla noção da vida do passado, porém, desgraçadamente, é outra. ; a licção 6' •i»i^"r. ^<vi^íí ;"T-'ií?j 'p? LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 40 A verdade, que deve apparecer aqui, é que nos acontecimentos culminantes da nossa historia, aquellos que nos fastos da nacionalidade brasileira iniciam pcriodos de renovação e de progresso a abolição, a republica — a intervenção da mulher, di- ou indirectamente considerada, quando não recta nulla — a independência, foi foi hostil. Entretanto, estes factos, para só fallar dos principaes, tiveram todos longa, persistente, tenacíssima pro- paganda, e realizaram-sc sem a mulher mulher A roso. -V . ou... apezar da ! sinceridade d"este livro, exige este desabafo dolo. -jÇ^.-,:v':-;çi:,r^,-'. •<:•:.;<;'- :"- ;e< v --•-:-— í,..-«7.r:Ti>.«»-_-»íj,-5iP;- CARTA »^ « Minha queiicla. com a minha vaidade de dona de casa completamente satisfeita. Vou dizer-te por EscREvo-TE á noite, quê. Ha tempos, entre as minhas phantasias de mena- mandar fazer um chemin arame, que eu cobriria de flores naturaes para a minha fjère figurou mesa de a de de table de jantar. Ideada a historia, fez-se o desenho, e no dia seguinte atirei-me para a Casa Flora, a indagar se aquillo seria coisa de fácil execução. Não era ; o dono da loja duvidou do êxito. Lá deixei mesmo louvou o meu desenho a idéa, mas e voltei des- 'y»^)t)>' •«-,. yTt- .W.i^|fM'"liii -»-..»-<;.---:! J ---"'if.^í^^ír^^TJ^T^J-'-''-* :T--*^>r:;íPT-'T, *"^ *í;í- . - -ír^ LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 42 consolada. Passadas algumas semanas, quando eu já nem me lembrava de de table de arame, Era dentro. tal e eis qual um dia num chemin me entrou pela porta a pensado ter que um elle esqueleto, extravagante. Franziu-me a boca o decepção. Senhor bonitas, ! mas como como é é fácil á gente imaginar coisas diíficil executal-as muito mais deixal-as para sempre cido Não ! valerá em sonho ? Sim, mais ; mas, já agora, seria preciso cobrir aquella nu- fria, cinzenta e desenxabida do arame, todo contor- valeria dez bem descarnado e clássico muxoxo da em licado voltas e reviravoltas, e disfarçal-a sob manto de avencas Pois nem jasmins um de- e de jasmins. nem avencas. Só encontrei nessa tarde hastes de hera e de sylvina, cujo verde sombrio alegrei a espaços com rosas e margaridas. era positivamente encantador desillusão na ; O registrei vida, e no dia seguinte mandei não effeito mais uma atirar com a causa d'ella para o fundo do quarto das malas e badulaques. Pendurado rente á parede, mais fazia lembrar, de de um o desgraçado me novo despido da folhagem, a ossada peixe enorme e exquisitissimo. Cest de Vart nouveau! Tinha-me dico o dono da Casa Flora, ao observar o desenho que eu lhe levara, com um ar de lisonjeiro agrado. Pois sim! estava fresco o novo estylo ! Naquelle erriçamento das duras folhas bem disfarçado que ninguém o percebera, e um amigo mesmo zombara, com a sua íina graça, do meu amor ás novidades e do meu gosto pelas invende hera ficara tão ções... Pois, minha adorada, fiquei com pena de que oito A 43 MINHA QUERIDA dias depois esse senhor não tivesse voltado a jantar commigo, não já só pelo prazer proporcionaria, não como porque, que a sua companhia d'essa vez, o meu me invento fez triste figura, antes pelo contrario... E por ter dado á minha mesa modesta singular, determinei revelar-te a encanto maneira porque, que- com segurança rendo, te poderás servir um d'essa espécie de adorno. Por ser teimosa, e não desistir, logo á primeira diflfi- culdade, das intenções que tenho, mandei arriar da pa- rede o apparelho de arame (que deve ser feito se- tal gundo o gosto da dona da casa e com o tamanho da mesa) me paciência (que é de todas as obrigações que imponho amais terrivel de cumprir) arame do chemin de table com uma e comecei a cobrir o ílôr delicada, cujas pétalas de seda e de arminho parece terem-se reunido por um sopro de brisa. Esta florinha tem o nioso de nome harmo- — Rodanthe. Umas uma brancura pai lida de são brancas, de weiss, e outras de Victoria chemin de ! um róseo desmaiado vestido por ellas, table, hastes ondeadas, um ramo e doce. desengraçadissimo desenhou sobre a toalha, uma renda Para dar-lhe mais vida dade, colloquei, o em uma edel- em finas de flores delicadissima. e quebrar-lhe a uniformi- volta da moldura, á cabeceira, leve de orchideas sulferinas e de, á falta de crysanthemos, margaridas côr de ouro. aroma, como convém para a mesa. namentação pareceu-me munico; encantador, e O sem effeito d'essa or- lindo, e é por isso foi Flores que t'o com- por isso que o aproveitei para assumpto d'esta pagina.... domestica. '-mêi^-' O egoismo tem a . 44 IJVRO DAS DONAS E DONZELLAS sua razão de ser em outra ordem de sentimentos ; nestas pequeninas vaidades de menagcre parece-me, além de máo, soberanamente O meu tolo. interesse, por exemplo, não é tornar a minha pobre casa melhor que a do meu visinho, que é rico o que tem bom gosto; mas sim tornal-a tão boa quanto está nas mi- nhas posses fa- Assim, zel-o. quando nesse esforço consigo al- guma coisa que corresponda ou ultra-passe a minha espectativa, apresso-me munical-a ás em comamigas, para seu regalo e seu uso (( Não é o ferno o que ao céo » temor do in- me ha de — disse levar o padre em uma cartas, não me António Vieira das suas lembra agora a quem. Eu aífirmo o adivinhar em que mesmo, deixando á tua se perspicácia funda a minha esperança de goso eterno. Outra que bem merecerá a bemaventurança, pelas receitinhas de bolos que me mandaste... és tu, íMinha querida Um 45 um observador maligno disse-me dia que quem prestar o ouvido ao cochichar de duas brasileiras ouvirá de amor ou de receitas culinárias fallar O não dito me incommodou, ! e fiz-lhe mesmo notar que ainda é por amor que tamanha attenção prestamos á mesa. Não me lembra quem disse que um homem tudo perdoa, menos um máo jantar ! E repara que os homens são muito mais exigentes do que nós. Fico tonta... Variar variar é ! dias appeteceu-me bom de dizer. comer perdiz. Ha A cerca de uns três minha cozinheira sacudiu a sua molleza por essas ruas e voltou para casa como sahira : com as mãos a abanar. Nenhuma perdi- zinha para a minha salvação. Disse-lhe eu então que enganasse com larmente, ção, que Por útil, e o que ella fez assas regu- mas que eu mastiguei com me não tão pouca convic- soube ao que pretendia ! estar enfronhada nestes embaraços domésticos me é que uma galinhola, me rejubilo logo ainda um de te fallar sempre que topo com uma novidade me expando em descrevel-a ás outras. motivo para esta tagarelice é : ter um Ha pretexto em flores. Estas taes rodant/ies, pequeninas e sedosas, são tão leves e de tão bom auxilio para qualquer espécie de or- namento, que devemos saudar o seu apparecimento no Rio com algumas palavras de sympathia. Não saudá- mos também a crysanthònie e o nuiguet ? Esta agora, pela sonoridade do nome, parece resuscitada dos famosos tempos da cavai laria. Deveria ser de rodanthes o ramo offerecido por D. Quixote á suaDulcinéa. LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 46 Exactamente no momento em que escrevo, sorri na minha mesa de trabalho um galho vermelho de umas flores do matto, cujo nome ainda ignoro. haste de coral, onde las, de um uma E tal legião de avezinhas qual uma minúscu- vermelho ainda mais intenso, tivessem pou- com as azinhas de velludo suspensas para o vòo. Que divinas surprezas nos reservam as nossas flores- sado pouco exploradas na curiosidade da flor tanto, nossas ouextrangeiras (filha, flor não tem tas, tão aclimemol-as aqui com ! Entre- pátria!) o maior carinho. Olha, um um amigo do Pará affirmou-nos ter obtido jardim, em Belém, camélias perfeitas, de uma dia d'estes, no seu al- vura azulada. Não será mais milagrosa essa maravilha, uma flor do frio atmosphera de fogo desabrochando, impassivel, numa ? Adeus, querida ! Tua, JULIETTA. r ':-4 igkft,'» .-• > »• * ^.. ^^. EM pello, sem escamas e sem pennas, somos os animaes mais bem fadados para a volúpia da agua. EUa, que no baptismo nos lava do peccado original, é a primeira condição da vida. Fria ou quente, enrijandonos a carne •' ou quebrantando-nos os nervos, é sempre a ella que — a limpeza. melhor dos regalos Diz-nos a historia que os povos da edade-média fu- devemos o giam da agua como o diabo da cruz, e que, entretanto, outros mais recuados tinham banheiras de porphyro e ; V. '^1 LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 48 thermas deslumbrantes, onde iam deleitar o corpo cansado do pó e do ar. As bellas ruinas de Pompeia assim o attestam. Já tive a ventura de errar os meus leves passos de mulher distrahida pelos templos de Isis, de Júpiter e de Vénus, de calcar as grandes pedras deseguaes das es- treitissimas ruas da cidade morta, desolada, triste, elo(juente na sua mudez de tumulo ! E a cada caminhada por entre casas de oradores, poetas e philosophos, cujos nomes retinem ainda hoje como campanulas de ouro nos carunchosos e carcomidos monumentos da historia a cada passada sobre os mosaicos ou por entre as colum- nas de mármore do Fortim, da Basilica, do theatro e dos templos, que de mysteriosos segredos de extinctas grandezas e sereníssima íé meus olhos descortinavam ! Dentro d'aquelle cemitério, que mais parece uma legenda uma esquina ou ao penetrar no atrium uma casa luxuosa, eu esperava, de instante a instante, viva, ao dobrar de vêr extendida para mim, cavalheirosamente, a trícia de um pompeiano illustre roçagante, falias amáveis : mão pa- riso nos lábios^ túnica com rythmos de versos, em que offerecesse ao meu corpo, cansado de percorrer toda a cidade, desde a sua Porta Marina e Fonte da Abundância até aos seus últimos limites, o doce repouso triclínio num dourado, o sabor das suas fructas mais finas e dos seus mais exquisitos licores ! Mas... ai de mim! No meio d'aquellas estreitíssimas ruas e d'aquellas paredes derrocadas nem viva alma, a não ser, de longe quebrando o poético respeito do '% local, em longe, a de algum guarda de boné e galões nas mangas do casaco... No meio das coisas máximas, commovem muitas 3fc íf-j j'_ * % :^ .«^ir^í--;- : .. H^-c « mínimas. vezes as Eu Pom- sabia que peia tinha pintura tica, sua a caracteris- e alegrei os olhos vendo sobre o vermelho- estuque escuro, preto, mesmo ou as suas gri- naldinhas de os finos arabescos serpeando ao redor de taças flores, mimosas e de figuras gentis, essa pintura de estylo tão original e tão delicado, que seduziu o próprio Raphael mais delicado artista de todos os tempos imitou, na forma e na côr, á^. j-v-ir-ii flr;C_u-- «_ em uma — — o que a das galerias do * ! LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 50 em Roma Vaticano mosaicos dos ouvira fallar ; esplendidos de noticias lera e Pompeia e das suas incomparáveis thermas, mas não imaginei nunca que o amor á agua seu tivesse sido tamanho; e essa particula- ridade tão simples, tão da obrigação de toda a gente, tornou logo sympathico aos meus olhos esse grande povo, extincto tantos annos antes de ter nascido Christo Foi, portanto, rável resto de me assombro dância : um um pedaço cano velho, fizeram I de chumbo torcido^ mise- uma das coisas que mais Pompeia gastava agua em abun- a canalisação extendia-se por todas as ruas e todas as casas, com torneiras eguaes ás de hoje, e havia thermas luxuosas, com largos tanques, piscinas salas" bem decoradas. Não lhes bastando isso, todas as habitações tinham o seu atritim, sala ao sol e ás solo um claras, sem tecto, aberta aguas puras do céo, que encontravam no reservatório de mármore — o impluvium. Roma, na sua parte antiga, mostra-nos também thermas e mais thermas desde as mais soturnas, como as de Tito, que se não vêm sem auxilio de luzes, até ás ; de Caracala, onde no seu tempo de brilhantismo viviam. estatuas celebres, Hercules Farnese, Vénus Callipigia,. Flora e outras! Mas... ruinas, como as thermas, só vistas por artistas tas, o ou por philosophos, historiadores ou poe- para que o saber ou a imaginação reconstrua o que tempo e os homens perversamente destruíram. Dizia eu que os povos da edade-média não imitaram os seus antepassados, e fugiam da agua da cruz em !... como o diabo Felizmente, porém, houve grandes coquettes todos os tempos e essas tiveram sempre a phantasia extravagante... do banho! vm^ t - A AGUA Por desgraça, não 51 lhes bastava a agua nem o sabo- Umas lavavam-se em leite mulher de Nero outras em summo nete aromático e espumoso. de jumenta, como a ; de morangos esmagados, que amacia a pelle e que alegra a vista; outras em agua Diana de Poitiers ; (finalmente!) da chuva, outras com agua distilada de como mel de rosas, ou com pasta de amêndoas bem dissolvida, ou com summo toso o de lei- plantas verdes, ou em vinho de Málaga, como a amante de Alexandre Rússia ; ou I, da em in- fusões de junquiIhos, nardos e ja- cynthos, as flores de aroma capitoso e embriagador! Maria Antonieta, que fez inventar ., / ^„ uma banheira para o seu banho da noite^ mergulhava-se todas manhãs num cozimento de folhagem de thymo as e de serpol. Neste nosso Brasil, quente e ubérrimo, sobejam plantas, cuja decocção daria banhos cheirosos. Mas para que, se os perfu mistas inglezes e francezes nos mandam já promptas, transparentes e deliciantes, as mais finas essências, que, derramadas n'agua ou pulverisadas depois na pelle, nos dão o mesmo goso com muito menor ;íic^ir:-^ . ! ! "n LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 52 trabalho ? Além de que, os cozimeatoí^, desde que não sejam prescriptos pelo medico, podem ser perigosos Para fazer a toilcíte á pelle, isto é, vestil-a de uma còr suave e brandamente velludosa, julgo bastanto... a um sabonete delicado. Emfim, para não ser concedo que se deite no banho um pouco de agua agua pura avara, e de Colónia. Eu . aconselharia a todas as moças ricas luxo de mármores e demetaes nos seus quartos de banho. mulher moça e formosa (qual assim ~ . ?) é d'ellas Uma que não se julga ao escorregar na agua quente, que todo o corpo enlaça, lambe e amollenta, que doces sonhos teceria, vendo por entre as pestanas cerradas as cores eterna- mente fugitivas dos mármores e dos metaes caso é outro amplo ! e os reflexos dos vidros Para a burgueza apressada ou fraca o — o quarto e risonho. Um de banho deverá ser simples, oleado rodeará ahi a banheira, para que a agua não apodreça o assoalho, se não houver ladrilho ; bastará mais um tapete para os pés, cadeira de encosto, cabides, uma um porta-toalhas, e, larga lixadas na parede, perto da banheira, e ao alcance da mão,' a cesta da esponja e a concha do sabonete. numa solida cantoneira de Além mármore, as escovas d'isso, e o pul- verisador, o porta-grampos, etc. A agua é um elemento essencial da vida e o princi- pal factor da saúde de philtro seja bem humana. Uma casa em tratada, e o quarto de que atalha banho diaria- mente frequentado, atravessará largos períodos de nidade e de alegria ^. sere- '-h/ w^w •'*' r-^.„ EM GUARDA! UANDO, ao cair da noite, a o filho mãe senta nos joelhos amado e o interroga sobre os feitos do seu dia, para censural-o ou applaudil-o, como é feliz quando tem, para fortalecer a sua consciência, a contar-lhe facto heróico ou por uma acaso ! A um um sentimento sublime, documentados simples noticia de jornal ou uma audição de sua almaprophetica adivinha que coisa alguma commoverá mais profunda e utilmente o seu rapazinho do que o saber que no seu tempo, na sua cidade mesmo, -*s« •'.« LIVRO DAS rOXAS E DONZELLAS 54 á hora em que elle os seus themas, ou brincava com o seu pião, ou escrevia dormia regaladamente o seu somno, um homem da mesma raça, da mesma lingua, seu semelhante em tudo, que arriscava a sua vida para salvar a vida de um extranho, escalando janellas incenhavia diadas, atirando-se ás ondas impetuosas, atrevendo-se, emfim, aos perigos de vitável uma morte horrível e quasi ine- ! São as melhores paginas para a alma, estas paginas vivas, ainda quentes do calor do sangue, ou empapadas pela inundação das lagrimas. Percebendo isso, não ha mãe que se não commova, quando, relatando-as ao filho, vê nas transparentes pupillas d'elle despontar e dilatarse a flor dourada da generosidade e do enthusiasmo precoce. Sei que, ao contrario de tudo que é regido pelas naturaes, os heróes do passado, tancia dos tempos, estatura; em vistos leis atravéz a dis- vez de diminuírem crescem de mas a verdade também que essa lente é magica, agiganta-os até ao ponto de os tornar como deuses, mais fáceis de admirar que de imitar. O conhecimento dos grandes homens da antiguidade serve para a cultura do espirito, mesmo mas não proveito para a do sentimento. Elles permanecem immoveis no seu tempo, em um meio que foge á nossa perspicácia e como sei se terá o em que se destacam entes sobrehumanos para o culto das successivas. As façanhas, têm creanças, uma gerações lendo ou ouvindo as suas certa desconfiança da sua authen- ticidade, ou o presentimento de que nos tempos modei - nos ellas seriam absolutamente impossíveis. ^^ >; EM GUARDA De resto, o 55 que está nas chronicas e nos livros pôde Quem viu? Quem ser ficção. I relatou? homens que tivessem mentido ou simplesmente exagerado, dormem ha muito somno em túmulos o frio talvez e que dispersos e ignorados. Agora o que não é mentira, o que parece feito da carne quente e não das cinzas um é frias, de caso al- truísmo que o nosso jornal nos contou esta manhã, com um commentario nal, na frivolidade apressada de tudo ba- do quem vê quer e alto seguir para deante , em desempenho de outras attribuições. Este caso, passado entre nós, attestado por pessoas nossas conhecidas, ainda tem uma palpi- tação de vida e pode reproduzir-se nesta mesma hora, d'aqui a pouco, ou amanhã.... Que bello partido tiram as lições do acaso ficante attrair ! As que se some a mães intelligentes d'essas vezes o facto parece tão insigni- em um canto do periódico, sem attenção de ninguém, tal qual como mulher desconhecida e feia se uma some numa esquina. mas não houve quem lhe tirasse chapéo ou sequer a acompanhasse com a vista. Passou, viram-na, *•*. o '<-. LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 56 Por mais que bramem contra o egoísmo e a maldade olhem que ha por ahi muitos exemplos d'estes tempos, de abnegação e de bondade dignos de toda a nossa reverencia. Lendo-os, na maior parte das vezes, levantamos os hombros, não fazemos ca-^o. É (jue a noiicia, cni'oupada, com falta feila mal sobre o joelho, vinha do estylo que seduz e obriga á commoção. Reílectindo, porém, um bocadinho, a edu- cadora perspicaz pesca, no lodo que as secções policiaes revolvem, pérolas de innj)reciavel valor! O resto depende da habilidade dos seus dedos, quando as moí^trem aclara luz para fazel-as admirar. Ha quem prohiba a meninas e rapazinhos a leitura dos jornaes. Por senso. O mim não me parece que haja nisso com jornal é toda a alma da cidade, vicios, as suas misérias e bom os seus as suas glorias, que fazem tremer de horror ou de enthusiasmo, e que, melhor que todos os livros de philosophia, coração de Que um ensina a conhecer o povo. descortinará o jornal mais indiscretamente do que descortina a rua, onde a mocinha, incitada á facei- sem termos, entrevê os graves amigos do papae conversando com as cocottes, sentindo nas rice por elogios faces puras o bafejo de todas as tentações, desde as do luxo das vitrines até as do jogo, em bilhetes de loteria que fluctuam deante dos seus olhos, sacudidos por mãos teimosas e impertinentes? Ah, rifas e I Por toda a parte se alastra a das loterias; algumas casas mania das mesmo do commer- Ha já sapatarias, alfaiatarias, casas de papel ou de jóias, que oíTerecem cio ^' o jogo especulam com a sua seducção. . . 1 . . : ! : EM GUARDA coupons sujeitos a uma uma 57 fortuna de acaso, que habilita pessoa a alcançar, de graça, um terno novo, um par de botinas, ou meia dúzia de lápis. Ora, estes cou- pons e bilhetinhos de azar entram janellas, como que trazidos pelas portas e pelas pelo vento, e são sempre as mãos curiosas dos rapazinhos que primeiro ram, os reviram e os estudam os agar- ! Parece nada? pois nessa insinuação manhosa de economia caseira está uma ameaça de terrivel Sei que ha algumas mulheres que, que o gérmen de átomo invisível, collegas de os uma grande chaga acoroçoam os messas, que, quando se se é quasi filhos a em escola cartões sem ruina. cogitar em sempre um espalhar entre que fluctuam pro- cumprem pervertem, e quando não cumprem desesperam. Uma vez, descia eu a praia de Botafogo, ao calor um dia sem sol^ quando ouvi, com ofrouuma saia de seda, a voz de um menino dizer brando de frou de a uma moça que ia ao seu lado — Olhe, mamãe, laria e ainda não já passei cinco nenhum tirei chapéo. Aquelle lamento, respondeu voz coupons da chape- ella, com a sua linda bem timbrada — Continua, Passaram que ha de chegar a tua vez ligeiros, ella arrepanhando a sua linda saia de seda côr de gravanço, elle impertigado na sua farda de collegial. Ficou Estremeci. do jogo, Mãe e um rastro de filho! elle aroma no ar queixava-se da má sorte ella incitava-o a continuar. Então, não é verdade que a rua tem revelações extraordinárias, confidencias imprevistas e absurdas? ! • • ,* ... ! •» J LIVUO DAS DONAS E DONZELLAS 58 Em quatro palavras apanhadas no ar, vi toda núa a alma d'aquella mulher perfumada e ligeira, que já se sumia na primeira esquina, sob a umbela rendada e rósea do'guarda-sol, que era como uma flor de que ella fosse a haste Ora, se aos filhos dos ricos, que têm meias finas e roupas caras, interessa o bafejo da sorte que lhes con- ceda um chapéo vulgarissimo ou umas botinas ordi- imaginae que anceios de coração terão os seus nárias, collegas pobres, um luxo a que estão pouco acostumados Com um para quem esse chapéo representaria : mãe egual razão, se a — continua — , a mãe vintém, um 1 rica condescende com pobre, sabendo que o filho tem no bolso papeis que o habilitem a um ! terno novo, uma sem gastar ter, carteira ou um reló- gio de ouro, supplicar-lhe-á que se avie na acquisição ainda de outros bilhetes, tanto mais que a flanella do seu casaco já está poída, ameaçando fim próximo. Oh ! estes terriveis papeizinhos que o vento espalha pela cidade e faz entrar pelas janellas e portas das casas de familia onde ha rapazes, como se para mento e perdição d'elles du soir au matin, roule disse o adorável ensina- não fosse de sobra a rua, onde, le grand Le hasard, noir flambeau de como máo peut-être, ces siècles dennui, Musset Quantas e quantas vezes, o próprio chefe da familia se gaba distrahida filhos, e imprudentemente, deante dos seus de ter ganho nesta ou naquella espécie de jogo No que écomo elle não repara, arrastado pela sua infiuencia, as creanças arregalara os olhos de espanto^ , '^ jmEM GUARDA 59 t seduzidas por aquelle triumpho que ainda desconhecem, mas cuja meia percepção os enleia e os attráe. O trabalho que as mães têm, para destruir pela raiz aquelle desejo de imitação, que tão depressa nasce e se avigora, é tremendo com uma minutO; ! A lucta é surda, feita minuto a vigilância extenuadora, visto que o inimigo as cerca de todos os lados. á noite o somno filhos, e ellas se e o cansaço Mas também, quando cerram as pálpebras dos acercam dos seus leitos, sentem que a mão que abençoa procura em um esforço, vão mas empre puro e bem intencionado, levar sua las almas para um aquel- largo futuro de paz e de ventura. *i'*%5„.: 3^^ talvez -. ^ -iiílJV,'' ^* 'W!^'3«5i>»lf;A ^ íí m Jr "i.. ii^A ;^ii^ ...y *. "# 1 PORQUÊ? f MATOU-SE, porquê? O amor, esse eterno revolu- cionário, encheu-lhe o coração licor com amargo o seu de duvidas e de desenganos ? Não A miséria bateu-lhe á porta, bros nús, o coUo immundos murcho mostrando-lhe os e sugado, as roupas em mem- farrapos e o rosto desconsolado ? Foi essa visão a fez varar o corpo com uma que bala de garrucha ? 4- Não Teve ciúmes do esposo, medo de que a sua belleza fosse supplantada pela de outra mulher, e que o seu : LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 62 espirito e a sua bondade, mais o seu amor, não bastas- sem para prender toda a attenção se dedicava de corpo e alma ? d'aquelle a quem ,i * . í Não. Perderia algum ente amado, em quem um filho, por exemplo, depositasse todas as floridas esperanças de melhor futuro, e de quem as saudades fossem tamanhas que lhe tornassem insupportavel a existência? Não. Teria sido attingida por uma d'essas moléstias in- curáveis e nauseantes, que todos os extremos justi- ficam? Não. Adultério ? Não. Loucura ? Não. Quehypothese formular então que explique o motivo uma senhora honesta, casada, em boa paz com o marido, mãe de uma única filha, pega em uma arma carregada e manda com uma bala a sua pobre alma ao inferno (que é o logar em que se purgam taes peccados por que negros), para os martyrios do fogo e as aguas enlo- dadas e amargosas do Acheronte Porquê casa, e lêr, ? Se não adivinhaes seo não sabeis num grande jornal é é ? que não porque não sois lestes, donas de ou ouvistes uma noticia simples, sem de uma senhora, a qual do Rio, commentarios, do suicídio noticia dizia assim « No logar denominado Itaguahy, suicidou-se D. — Areal — do município de Amanda Augusta Fernandes, >(-: : PORQUÊ? . 63 esposa do cidadão Júlio Augusto Fernandes. que se serviu a inditosa senhora foi A arma de uma garrucha de dois canos e a bala atravessou o pulmão, saindo pelas costas. A (( facto, autoridade policial tomou conhecimento do um encontrando próximo do cadáver bilhete con- cebido nos seguintes termos Morro porque não posso supportar empregados. O meu maior desgosto é morrer sem vêr meu marido e minha filha. Só peço perdão para esta que não a devia ter vindo ao mundo. mas foi reconhecida a letra da suicida. Que o Não estava assignada, como a do próprio punho » » exemplo não tenha imitadoras. Este desfecho, ai de nós ! faz rir. E o ridículo triste na morte é a coisa mais lúgubre e mais terrível que até aqui tenho visto. Ah, no Brasil as criadas fariam tremer de raiva as próprias santas lidar ; de cera , se com ellas mas nem assim se comprehende tivessem de o desatino d'essa infeliz creatura, cuja paciência arrebentou, á força esticada. Mas arrebentou deveria explodir por outro Não fico E máu lado, a sua cólera modo menos ruinoso... seria de mulheres este livro, donas e donzellas, se não houvesse nelle das... por de um cantinho para fallar das cria- a pobre suicida offerece-nos para tal fim. Eu um ensejo magni- sou das que têm mais pena e mais sympathia pela gente de serviço, do que resentimento ou queixa, na convicção de que nem sempre seja mais agradável do que ser servida... posso deixar de sorrir, ouvindo uma servir Todavia não amiga, que, lendo , '^^ .- 64 -^*, . • LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS meu hombro sobre o atrapalhando sincera do céo ! ; - me : as palavras que escrevo, exclama — Pena « sympathia?! não és ?. uma criada é fazer jus a um cantinho duas, a um logar nos^degráos do throno em que fiquem, com o eterno aqui ter ter sorriso, os eleitos entre os eleitos. )) A dona Brasil de casa no mais martyr a é digna de commiseração , ^-i entre todas as ci- tadas pela baixo das miga que pôde mentar as pagar-lhe assumindo que os a ella faz e serviços mesmas com uma telhas que em Viver ria. •^ histo- ini- faz tudo o para ator- nossas horas, ainda fazel-os de parceria, e responsabilidade dos máos jantares da maneira desleixada por que arrasta a vassoura pela casa ; ordenar e ser desobedecida ; pedir más respostas fallar com doçura e ouvir resmungar com aspereza; advertir com justiça e ouvir responder com aggressão e brutalidade recommendar e obter ; ; limpeza, economia, cios, ordem e calma, e vêr só desperdí- porcaria, desordem e violência, coisa de fazer abalar em confessa que é vibrações dolorosas os nervos os mais modestos, mais tranquillos e mais saudavel- mente pacatos do mundo ! ! -'?' ,•" ••7y:».<ífTr r-MS»'' LIVHO Cyfi A n.VS DONAS K DONZELLAS 1 sombra de D. Amanda, que a costa, plácida e alliviada das penas estas horas se re- da Terra, a uma borda da barca de Charonte, sahirá contente, porque íoi comprehendida Como : o morrer é fácil para algumas pessoas ! ^'o% ^lIvIm •we»^:.:. I . ''W*--- "' , ? FORMALIDADES As formalidades mundanas transformam-se moda, pouco mais ou menos como os vestidos. Uma A com a pessoa rigorista não pode estar tranquilla maneira de calçara luva, tirar o ! chapéo, dobrar uma carta, fazer um convite, receber uma visita, comer a uma mesa, ir a um enterro ou a uma lesta, andar, sorrir, etc, varia como as estações ! Nestes cuidados, apparentemente trabalho porque emfim, complicadissimo, hábitos de anno fúteis, existe em anno sempre é mais um mudar de difficil do que mudar de gravata todos os dias... Que dolorosas raivinhas sentirá uma creatura, mesmo bondosa e plácida, mas com apuros de exterio- um ridade, ao verificar que pòz sello num sobrescripto, no logar designado pela moda antiga, ou que dobrou a ponta do bilhete de visita jI moda antiga, ou que dis- trahidamente apertou a mão de alguém na rua antiga É para enlouquecer. . digo que se não acatem com afan certas modifi- .' .u:^4^3t moda ! Não - ;l ^^; f ; ' Wr^.i < LIVIU) (i8 cações }ipraz-ine ; DAS DONAS E DONZELLAS comer os espargos ;i moderna, com garfo e faca, o que desobriga de sujar os dedos e fazer uma gymnastica de cabeça j)or vezes embaraçosa ; mas acceitar todas as reformas de etiquetas e costumes, pa- i"ece-me excesso de phantasia, que pôde acarretar prejuizos... Estas minúcias delicadas são as meias tintas, que fazem realçar a educação do individuo para que ellas se- jam naturaes devem ser cultivadas desde a infância, nesse uso que as faz parecer uma segunda reza. O natu- doce pre- ceito antigo de que o que se aprende berço dura. até morte, fica com fazer e esse desmanchar de regras com que as se entretém. O no á abalado continuo civilisações que era lindo e correcto ha alguns annos passou a ser caricato ;í vista da moda tyrannica dos dias que vão passando. Têm razão os velhos em sorrir, com benigno escai- neo, das allucinações desta mocidade trefega. No seu tempo os costumes eram de uma cortezia mais repinicada, mas muito maisegual. A uma arte de bem viver na sociedade aprendia-se de vez só e ficava para o uso da vida inteira. Aquelles ^Àif: > ! •"-•^F , -.. • r : -^w- FORMALIDADES 69 hábitos a maneirados impi'egnavam-se nas pessoas um perfume na passavam por pelle e isso como a ser — essência própria. Hoje os hábitos são movediços como as turbas. Tão homem depressa é de praxe que seja o uma um homem; ora cumprimentar uma senhora, como cumprimentar primeiramente o primeiro a é o de senhora estabe- lecem que devem ser as damas edosas que oíTereçnm a face para o beijo das novas, ora que sejam as novas que entreguem a face para o beijo das velhas, etc. Para quem não estiver bem firme na maneira por que se deve conduzir, estes renovamentos só podem crear indecisões e afílicção. Este embaraço não é Na S('> nosso. velha sociedade da França, civilisada e primo- rosa, ainda é preciso que de vez livro ensinando regras, o em quando surja um que é indispensável, visto as transformações, ou se espalhem artigos em revistas e jornaes, cheios de preceitos de civilidade. É sempre com uma esses auctores ensinam a comer ameixas em calda, farçando a queda dos caroços no j)rato sem engulir que solemnidade dogmática, as grainhas : a pedir a mão ; dis- a chupai' uvas de uma moça a pôr o pé no estribo, a descer do carro, a pegar na aba do chapéu para mão um cumprimento e até a apertar a dos amigos Este acto tão simples de polidez e de sympathia é motivo grave de preoccupações. se extender a mão aos outros, O com gesto expressivo de naturalidade, p('>de, na opinião dos formalistas, ser tão ridiculo como uma cartola velha num sujeito elegante, ou uns óculos de ro I.IVRO tMi'tai'Uf»'a decretam 1'. se levante o cotovelo orelha, que o pulso pendn com molleza aperto de (» num mão -Á shake-/)anris, Assim, ova até á altura da e que seja nessa que as mãos nmigas se attitude de nnimal de feira, encontrem, DON/.ELLAS rostinlio de quinze aiinos... luini (|ue DAS DONAS simples roçar de dedos, ora que seja o altura do (|ueixo, acoimando de brutal com que mãozinhas molles as mãos esmngam fortes as c débeis. Usos, costumes e convenções surgem todos os dias no código mundano, como cogumelos na terra húmida. É prudente não acceitMr todos sem exame. los quç matam, tas, \va convenções risivcis. O Ha cogume- i'idiculo d'es- equivale ao veneno d'aquelles... J^',XÍ'Mi(>.'. li-.' V PARA A MORTE! ^VlflT DIZEM que não lia iin mesma eguaes e que ns próprias divergem entre arvore duas folhas flores, bem comparadas, ou na f(jrma, ou no colorido, ou si, ,no aroma. É uma diflferença (juasi imperceptível e só hendida pela vista e o olphato argutos de um appre- botânico estudioso e observador. Quer isto dizer que no fundo da sua natureza mys- teriosa, a própria planta tem também os seus desac- côrdos impenetráveis.... Como as folhas da todas dissemelhantes, e mesma como arvore, iriuãs as folhas somos ! somos levadas ou pela aragem doce que nos atira para a velludosa al- fombra aos pés da própria arvore; ou pela lufada do temporal, que nos impelle para a terra ou para as aguas torrenciaes Que culpa temos n()s ! em torvelinho . de ficarmos aqui ou irmos para além, se somos levadas pelo vento ? Nos tempos antigos, a pacifica e retraída; mas mulher era calma, submissa, seria tudo isso por ter .«t mais >. ' ;'- :> •í:.- 7*> LIVRO DAS DONAS bom senso, mais felicidade e parece. O lí DON/ELLAS menos ambição motivo devia ser outro; o motivo devia de estar na atmosphera que a envolvia e ti;) nenhum elemento damos em que não exis- Não somos nós que mu- mudam a n()S. transforma, tudo acabn, tudo recomeça, se creado pelo fim. agitador. os dias, são os dias (|ue nos Tudo Não me ? mesmo principio, destinado para o Nascemos, morremos e no intervallo de mesmo uma e outra acção, vivemos a vida que o nosso tempo nos impõe. O que elle impõe hodiernamente á mulher prendimento dos preconceitos, a lucta, sempre dolorosa, pela existência, o assalto ás culminancias homens dominam Mas, seja qual é o des- em que os e de oncíe a repellem. fòr a guerra que lhe façam, o femi- ^V-^' V - ^t- PARA A MORTE .73 I iiismo veiicerjí, por que não nasceu da necessidade A quem a pôde Desde as classes as servir, serve-a, e com isso s(> se porque o trabalho nunca aviltou ninguém. enobrece, sam obriga a triumphar. (|ue vida é cada vez mais exigente, absorve todas as aptidões; mam da vaidade, mas em inferiores, mãos nas barrellas e que as mulheres quei- carregam fardos, ou pas- noites dobradas sobre as costuras, estragando os olhos e os pulmões, ás negociantes, qual ao ficar até ás professoras, ás medicas, não terá a consciência de sacri- dever a sua alegria, o seu corpo, a sua mocidade ? Eu só um movimento não posso reprimir de estupe- nome a uma de sangue. Quando ha facção deante da mulher que liga o seu propaganda de extermínio tempos li o de Emma e Galdman, acusada de instigar a uma revolta n'alma e a suspeita de que comettiam uma injustiça. Se em vez desse, viesse no mesmo logar um nome de homem eu não vibraria ao mesmo estremecimento. morte de Mac Kinley senti Não leio todos os dias noticias de mortes, de assas- sinatos e de crimes K tremo por xão ? meu com egual isso? direito ;í minha compai- E atordoo com ella os ouvidos do visinho ? Absolutamente! A intenção de Emma, bem de fazer ás classes oppri- midas e de só abater os grandes para mais livremente fazer circular os pequenos ; a sua fé divina futuro de pacificação e de harmonia, nidade dos homens não seja uma em em um que a frater- palavra vã, toda a generosidade do sonho em, que ella afoga a sua alma de Mil-Nu^u.r.W- V''a* \ MVHO DAS nONAS 71 E DON7.RLI.AS alucinada, nào lograram, ai de uma mulher que ha desculpa para mal procure fazer o hem Nem ! convencer-me de que por via do s() ! O creio (jue ella o propagasse assim. difficil é e todas mim serji sempre o da conciliação, mesmo mulheres, as deveriam seus ideaes. que tarda, e O mundo está espera de um bem, desempenhar. (jue o ])acifique toem cadáveres nem e é esse (jue mais extremadas nos as sangue e de ódios, farto de papel mais e ;i sem que para se accrescente o isso se amon- numero dos en- carcerados. Oh triumpho do sonho anarchista, os se para o ! fanáticos não quizessem a destruição; se a sua obra libertadora não exigisse o diluvio do sangue e a devas- tação das cidades, como elle seria em todas as revolucionarias, escriptos e terra a em chamma da ! * * Como seductor e desejado Emma exgottava-se conferencias, levando de terra sua palavra incendiada ; em pregando as suas doutrinas pelas cidades e villas da União, pertur- bando os cérebros espessos de operários, ao dia nefasto de a ouvirem, com maior ou menor gnação, ás privações da sua dura sorte. ella, Entretanto, e a dòr. A infelicidade que se ignora, é infelicidade... No em que dia Kinley irmã foi executado o assassino de Mac alguma mulher o chorou como mulher; Emma, sem ou resi- querendo illuminal-os, plantava-lhes n'alma o des- contentamento não sujeitos, até e consolar essa desconhecida, mãe, amante do homem (|ue ]»erdeu, sentiu % }H- natural- '-o ", ! . PARA A MORTE .- ' ir) mente subir ás suas pupela pillas i'ese(|uidas lebre das trabnlho, vigilias e do uma lagrima de inexprimível inquieta(; ão A lher j»resentiu mulher, sabe ser no uma nooão mundo >í m .Aí 1 a outra a(|uella (jue outra coisa, e (^ue da vida — a do am<M* mu- sua alma de s(') não tem . <t • í 76 nAS DONAS E IHIN/ELLAS I.IVRO A caminho por onde ospinlioso e (lufo o é bem busca a feli- comprehondou que esicrintorn anarchisía ella mas acharia tarde para voltar, sentindo medo do caminho |)ercori'ido. Assim, haja o (pie houver e cidade; sinta o que sentir, ella continuar;!... em Continuai';!, lavada como a seu destino, aroma venenoso lagrimas, ao sojin^ erradio do folha ao vento, espalhando o seu pelos caminhos das fabricas e os car- readouros dos campos de lavoura. Ella continuaní ^••ando e pi'ophetisando um pn''- })em ii'realizavel. mor- Ella continuar;!, e outros correifio a ouvil-;i, e rer;w) por cumprirem os seus m;nidamefitos, e serào chonidos por mulheres que coisa no mundo... e s;m^ue daç;lo do e essenci;i das coís;ís ;nnd;i n;lo face sei'ena \r.\ l;i«jfrimas n;"Ío (l;is nem ;i dos seres lheres ;i íi cul]);i olh;u'em p;u'a e t;lo penos;i. j>ara ellas e d;i é do tempo: ;i ;is com vid;i (pie nunca a ;is tilo murude ])recisam trabalhar, porque (relias, que sentem-lhe os respingos am;irgos que obriga as um;i attenção s('>s, nascem mesmo miseri;i ci*esce, e mud;ir;i ! é elle Sentem-se muito \mvn inun- terra w (l;i * * Sim. s;ubam ser outra n;u> se e a su;i n ond;í afogam nella, sombra pavo- rosíi Oh, cert;imente (jue n;~io foi poi' m(''ra e ca])richos;i phantasiíi que ^ nmllier se (lesjK)jou das suas attribuições de ornamento na luf;i-luf;i jt;ir;i endurecer ;i ;Hma do trabalho angustioso e Elias ]»i'(»testam, jiorque v;~io ec;ilejar ;is * viril. jku';i elle mãos I de i-íistos,"^ •T -..v-' -J^' ..--Jí •'víStí'.' PARA A morte! obrijíadas j)ela necessidndc corrente que j)uxa ;is iiri^eiite demais ou ;itti"ihid;is pein mcsnui voríigem j)ara a dolorosa. De resto, bem sabem (|ue nessa lida pe!'dem a for- mosura a que renunciam, não sem enleio da formosura é seductor, — tristeza, por(|ue o mas com altiva re- signação. Pois bem, que tudo se arruine e se perca no mundo, menos mento pai'a o a l)ondade bem da mulhei', o seu acoroçoa- e as suas expi'essões materuaes e pa- cificadoras! De (jue nos serve, nos e crear-nos se no fim de vario nos negra ? febril Emma infinitíts visões (jualquer leve, de futuros impossíveis, caminbo vamos todos Galdman, aturdironde o destino ])or l)ater á mesma poi'ta, ) : •^f -^ 'y^ A^•*'« *•* j^ í< i v,^. SEGUNDA PARTE ,.-/ ! . íx .» .- * v !^ 1 #í;.v :. .^V % 5 i' :-^TF«7aj> <x ^"^^^^i^V >#• '. '^^.. FOLHAS DE UMA CARTEIRA 3vl DissE-ME uni (lia um velho amigo : — Ha certos livros de educação e acho indispensáveis numa de hygiene que bibliotheca de senhoras. As mulheres salvarão pelo amor o que os homens estragam por desidia. Ponho nellas toda a minha esperança. Aos espiritos mas de- vemos crer que as mães, empenhadas pela saúde e o banaes essas bem leituras estar dos filhos, parecerão fastidiosas achem grande interesse ; em folhear 6 ^^ UVRO DAS DONAS 82 j)aginas E DONZEl.I,AS serias de educadores modernos. É um erro pensar que, hoje, o ensino deve ser ministrado com<i ha cincoenta annos e entregar os nossos rapazes aos Ha nossos collegios atrophiadores. livro a minha filha Demoulins. Pois os com ma UEdacafion nouDolle, de meus netos j;í lucraram alguma : a leitura da mãe. O livro é uma coisa exposição claríssi- da Escola moderna, prática, que trata de aperfeiçoar mesmo tempo o corpo e UEcole doif déoelopper à o espirito dos ao (( um Edmond tempos enviei hirgeur de V intelligence Minha et la filha leu esse livro rapazes. la fofs chcz Venfant lo largeur de la poitrine. com muito em ^arinho, e, » na programma do collegio, iniciou alguns dos seus exercicios com proinstrucção que recebeu... Os meus veito, graças impossihilidade de executar casa todo o j'i netos vivem no campo, onde têm bom seus estudos de historia natural. Um uma officina de carpintaria, o outro A mãe theatro para os d'elles frequenta uma de ferreiro... preside ás suas leituras, livros escolhidos, na boa lingua portugueza, e ensina-lhes desenho e musica. O pae dá-lhes uma hora e contractaram franceza e ;1 um um de mathematicas e geographia, professor francez para a lingua inglez para a lingua ingleza, obedecendo ordem da Escola moderna de que nunca uma lingua deve ser ensinada senão pelos da sua nacionalidade. Os pequenos nadam como peixes e correm como gamos. Não têm as mãos assetinadas, está claro... imagine um ferreiro um marcineiro Por emquanto não bara! ! fustaram pelos labyrinthos da grammatica, mas escrevem cartas muito limpas e malho com algum desembaraço... já movem y.i a lima e o 'vr-^ - v-y. fí.»: ;-?* «r ;*; W^ FOLHAS DE UMA CARTEIRA Intercalando os estudos clássicos 83 com trabalhos materiaes e occupações artísticas, elles vão-se tornando homens completos, tanto''á vontade num salão como V '.V -'•,7>'»:» 7 ••»•. í ->J^ ," 84 I.lVnO vm uma mãe officina... DAS DONAS E DONZELLAS Em uma das suas cartas diz-me a : (( ;i João o Luiz têm o andar firme e olham para toda gente de rosto, com a cabeça homens consciência de E em (( outra carta João horta, a homem demonstrando » ! : hoje trabalhando no jardim e Luiz na estji meu mandado. As vem um quintas e sabbados guiai -os nesse serviço, depois da hora das offi- Cada cinas. alta, já (jual me faz mais lindas promessas ninguém se realizarem, tão magníficos repolhos. Ainda noutra carta nem terá ; se ellas tão lindas rosas nem » : João tocou hoje a sua i)rimeira sonatina para (( alguns amigos ouvirem, e Luiz oílereceu ao mestre de inglez um desenho razoável. Embora eu disfarce o meu enthusiasmo, Esta elles percebem que estou contente. mãe que assim » cultiva nos filhos todas as boas qualidades de corpo o de intelligencia, a que deve essa satisfação ? Ao seu amor Não ? só ao seu amor, pelo qual os filhos nada lhe devem, porque todos os ani- amam os filhos mas homem sciencias naturaes e maes ; a ter estudado como um linguas vivas. Ella sabe ; logo ella pôde transmittir, e os seus filhos são assim, duplamente — suas creaturas. * * Os russos, quando querem coisas enternecedoras. mance russo (( * ser bons e simples, Aqui estão palavras de dizem um ro- : Repara no cavallo, esse grande animal, e no boi, *• FOLHAS DE UMA CAKTEIRA 85 O robusto trabalhador que te alimenta sionomias timidez castiga ! sonhadoras que ! vê que phy- : que submissão, fina que devotamento por quem tantas vezes os sem dó É ! enternecedor o pensarmos que taes entes são sem peccado, porque tudo é perfeito, tudo é sem peccado, menos Menos o homem homem. o e ; » para que este seja também puro quantas lagrimas de arrependimento e de cóntriccâo terá que verter Mas para ! amar a humanidade ; se ser perfeito não basta è preciso que o nosso olhar abranja harmonia, com toda a natureza e confunda na sua todos os seres que soífrem e que se egual carinho, submettem. No meu bairro, ás vezes, tenho de encostar-me a paredão da estrada para deixar passar uma de pedras puxada por uma carroçada ou duas juntas de bois. Elles vão cobertos de suor, sob o peso da canga, esforço valente e com carroceiro os espicaça homem não se emquanto que lê um num ar humilde, e ainda o bruto do com o seu pampilho ! Na cara do senão a fúria bestial da impaciência, os robustos trabalhadores, vergados e submissos, olham para a estrada adeante, com uma expressão de bondade sonhadora... Caminho ontão para casa, pensando que realmente nós tratamos muito mal os animaes. Só os vemos embaixo do trabalho pesado. Nessas lindas tardes de setembro, no ar pipiles de aves e em que vagavam pennugens brancas de paineiras, porque não passaria pelas lindas estradas de Santa Thereza tado ? uma ou outra amazona em cavallo bem trac- » 86 I.IVRO DAS nONAS E nONZELLAS Passado o instante do eléctrico os folhudos galhos das arvores que se debruçam sobre as estradas uúas, só vêm passar cavallos magros, lanhados de chicote, ou os fortes bois submissos e sonhadores... Ha uma na comedia Blanchette, de Brieux, phrase que synthetisa, com delicadeza e exactidão, o amor ufano com que as mulheres servem a sua casa. São palavras simples, sem litteratura, sempre as mais sinceras, que ideia ou nascem da alma um com e definem clareza uma sentimento. Lembram-sc? Blanchette, deslocada em casa pela educação recebida uma no collegio, abandonara o lar em rebentina, ouvindo as maldições do pae a apontar- Ihe a porta da rua com a mão nodosa de vendeiro avaro. Blanchette, que se recusara a atar á cintura os atilhos do avental, para servir os freguezes do pae, volta pela segunda vez ao ninho paterno, mas agora como batido, magra, um cão morta de fome, coberta de humilhações. O mundo ensi- Tivera de servir de criada para viver. nara-a. Vendo-a, a mãe acolhe-a, aquecendo-a de encontro O á sua carne martyrisada e submissa... lá chega ao seu momento de ceder e ella, pae, teimoso, emfim tuída á sua casa e á sua familia, exclama radiante — ((Como casa é bom pôr a gente um avental resti: em sua ! E com então ila que alegria os seus dedos ágeis amarram cintura os atilhos do avental I E que os aven- >•» v; ! - , -1 -^^T^'- -i-^-;':-^ FOLHAS DE UMA (ARTEIRA tíies que as patroas 87 haviam atirado á cara lá fora lhe A tinham bem diversa significação. independência do nosso canto, a felicidade do sacrifício feito pelo nosso lar amamos, estão bem dentro e por os que que diríeis escriptas por uma estão de sentimento feminino E ahi está d'essas palavras, mulher, tão impregnadas ! como um pedaço de panno incolor pode ter tão alta significação moral... O lenço desempenha na vida um papel bem variado ! Mesmo os lenços de luxo que com renda e tudo não medem mais que uns vinte e cinco centímetros, mera futilidade incapaz de descer ás necessidades prosaicas, até esses têm o destino clemente de enxugar lagrimas e disfarçar ironias. Quando pertença a uma senhora, é obrigado a um exercício activo, — que o do homem — o lenço branco, de meio metro quadrado, paternalmente carinhoso nos defluxos e nas bronchites, não sae do recato da gaveta, bem guardadinho para brado em as urgências de occasião, do- quatro entre sacliets ou raízes do capim chei- roso. No lenços fundo da sua consciência (supponhamos que os também têm d'isso), elles sentirão a satisfacção do dever cumprido, tão apregoado pelos que o não cum- prem, e esperarão que os de um chamem ao serviço interino nariz precisado do seu soccorro, e da sua abne- gação. Mesmo os lenços de chita, tão caricatos e nojosos, — .V 88 I.IVRO • DAS nONAS E HONZKI.LAS salvain-se quando, l)em lavadinhos, são postos sobre o peito não cheiram farto de a uma camponeza tabaco ; cheiram a crim não de ; ra])é, em cruz bonita. Entào trevo ale- e têm nódoas tèm a sombra da redemptora ou dos cruz que bentinhos dona a traz pendurados no pes- coço ; não representam a torpeza de um vicio que desmoraliza o nariz, mas sim o recato que poetisa o seio. De mais, são alegres com as suas cores turburamagens lentas e sas, que des])ertam ideia de ])oulas, Não s('» visto- a campos de pa- onde bata o sol. sei precisar se são de minha cabeça, ou suggestão de alguma lei- tura fugitiva, estes reparos que por escrúpulo vão entre jmJíwS^M^ aspas (( gnamos com mais intensidade : E no lenço que nós impre- o nosso perfume favorito, a essência que faz parte da nossa individualidade e nos denuncia ao olphatodos amigos. E o lenço que secca as nossas lagrimas, que se mistura aos nossos sorrisos, que ajuda a mimica, abafa os gemidos, dissimula a careta e - FOLHAS DE UMA CARTEIRA guarda amarguras do coração : triste 89 pranto secreto o que ninguém adivinha. Recurso de afflicções, sivel e mudo, deixa queo cris])emos, que o quando não possamos com a palavra intenção de um olhar um ou de impas- mordamos, que movimentos de ódio o estraçalhemos, nos elle, e de despeito, má repellir a gesto que offenda ! Vic- nossas agonias, elle é então o salvador da tima das nossa dignidade.» É ainda o lenço que, comparticipando da expressão do nosso sentimento, se agita no ar applauso ou na saudade de Quem uma não viu, ao menos acceno branco, repetindo em numa saudação de despedida. uma vez na vida, esse silencio a palavra que já não pode ser ouvida ? Onde a voz já não chega, chega ainda o adeus do lenço, batendo-se no ar como uma aza na agonia. Imaginae se a amada do poeta nunca teria lido estes versos Este teu lenço que eu possuo e aperto « De encontro ao Que E se ella o hei de foi um peito creio dia mandar-t'o, pois roubei-o meu crime em não usasse quando durmo, e o breve descoberto, » (1) não tivesse deixado roubar, já naturalmente com o propósito, muito humano, de o rehaver, quando «Pando, enfunado, concavo de beijos!» Esse trapinho, que se embebe de lagrimas que sec- cam, de beijos que se não vêm, que (1) Versos de um simples. falia Guimarães Passos. nos aparta ! 90 ! LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS mentos e nas acchimações, um a rei que designa para o amor de mulher preferida, que abafa os soluços, guia as pesquizas das cartomantes e das feiticeiras, dá signaes aos namorad(^s, protege os esi)irros rescende aos e aromas mais cnpitósos; que é muitas vezes cúmplice em intrigas, fingindo seccar olhos enxutos e escondendo caretas que desejem parecer sorris(»s, tem ainda missão misericordiosa E na dos cadáveres. se com verem morte Hane a de encobrir a face feia e fria : hora extremado cadafalso, vendam- lenço os olhos dos suppliciados, para não o a i/ou Spoted I not sometimes seen a handkerchief irith straicherrics in j/our trifts Quantas vezes o notara Othelo hand? se era dadiva sua ; com esse lencinho salpicado de morangos honesto Yago assanhou no seu senhor o monstro Pois que o uma foi de olhos verdes, o negregado ciúme, que fez morrer a pallida Na DesdemonH. acção como na intriga os lenços representam muitas vezes no theatro extraordinárias ficções São almas que se dilaceram entre os dedos apaixo- nados de Margarida, ou os dentinhos frou; são como pedacinhos de aos lábios de Romeu nem enxuguem fico o suor e : pelle tei'riveis amada de encontro quando não exaltem paixões da agonia, são ainda pretexto para que a de Frou- mão desoccupada um magni- vá e venha, cortando a monotonia da inércia. Quem rendas foi inventou o lenço bordado e circumdado de ;i imperatriz Josephina, que dentes escondia com elle por ter maus continuamente aboca. Graças —•fi\. FOLHAS DE UMA CARTEIRA 91 O essa carie irreverente o lencinho fino tornou-se objecto de luxo e entrou na actividade dos passeios, das procissões, dos minuetos, onde leque, dobrado em elle era o succedaneo do ponta entre os dedos carregadinhos de anneis, de benjoim e de verbena. Era talvez a parte mais expressiva da com toílette, o seu complemento precioso, nome da dona sublinhado o a rendas caras. Rendas... Ha cujos em umas rendeiras dedos conhecem segredos de fadas. Rendas de no Brasil, lenços, fazem-nas terras do norte, tão bonitas e tão finas €[ue se nos affigura impossível terem sido tecidas por gente inculta, sem noção de desenho. Quando se lê o apreço que em agora mais que nunca, ás rendas nelles cultivam essa certos paizes dão, e feitas á que é ao mesmo tempo uma como uma industria arte, receia a as rendeiras do Norte, já velhinhas, lépidas, os e prenda delicada, agremiando cam- ponezas, dando-lhes mestres, fomentando bilros dos mão, gente que deixem cahir os dedos engelhados, sem que outras mãos, mais apanhem para continuar a tarefa interrom- pida * * * íamos pela rua do Senador Furtado. lindo, cheirava a O dia estava murtha. Subitamente começámos uma grande vimos agachada numa a ouvir gemidos, arrancados de afílicção. Mais alguns metros, soleira de portão, uma com e o busto cabido sobre os joelhos pontudos, negra cadavérica, que a tosse sacudia como o vento sacode um trapo. Sentindo gente, ella levantou a J LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 92 cabeça, revirando os olhos pallidos para o céo illumiiiado. que A aragem brincava-lhecom um ella franzia farrapo de chaile, no peito com as mãos magríssimas e amarelladas. Parámos, e a voz d'ella explicou entre uivos — F oi : o cock ... foi o carvão de cock que me matou! As palavras, in- terrompidas pelas guinadas da tosse, repetiram a queixa no mesmo estribi- lho recriminativo — -)f<^5> : Foi o carvão de me matou Veio gente de dentro. Levaram-n'a em braços. Ouviram bem ? O cock é um assassino de mulheres. Mata pelo excesso de calor que desprende. Nunca me cock que ! esquecerei d'aquella triste queixa irremediável... * * Não é raro esbarrarmos na rua nessa edade indecisa, ... * Que não como diz o com uma menina, mestre é dia claro e é já alvorecer : ; Entreaberto botão, entre-fechada rosa, Um E pouco de menina e um (1). a impressão que se sente é sempre agradável, se essa creaturatem a condizer (1) pouco de mulher com o resto de meninice, Phalenas, Machado de Assis. ii^v... .^ . . . FOLHAS DE UMA CARTEIRA . 93 que vae desapparecendo, e o começo da mocidade, que vem apontando, ficioso uma graça ingénua e um modo desarti- de andar e de vestir-se. Ah, mas quando ella passa empapada de essências caras, de passo estudado e muito espartilhada, com me- neios grosseiros e rosto empoado, vem a olha um desejo absurdo de sacudir pelos hombros a mamãe in- consciente, ede a quem lhe gritar aos ouvidos que a doce crea- tura que o céo lhe confiou, e cujos passos ella segue como má O pastora, vae carregadinha de ridículo... artificio do pó de arroz é o véo benévolo para os A rostos de quarenta annos, , d'isso. A moça não pelle precisa bellezadas donzellas está na sua candura, na sua alegria natural, e sobretudo na sua simplicidade... * * Vi em uma revista velhinha que aprendeu a * franceza lêr depois o retrato de uma dos setenta annos. Olhando-lhe para a cabecinha e para o rostinho todo sulcado de rugas, tive vontade de beijal-a. A historia d'ella : Todas as manhãs costurava a sep- tuagenária juncto á jancUa da sua choupana, á sombra de um castanheiro que lhe dava perfumes na primavera, sombras no verão, fructas no outomno e ouriços para o foguinho do inverno. Que mais não foi feito seria preciso para a vida? alphabeto por Deus; e para amal-o e servil-o bastaria adorar a natureza. Entretanto, eis que depois de longos annos lhe cortam a frente da casa por novo, atalho para a villa, um caminho por onde o rapazio de aldeia próxima passava para a escola. vb'i&i_ :^j O uma ! LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 94 A doce velhinha, ouvindo todos os dias a tagarellice das creaneas levantou os olhos da costura e voltou-os para o horizonte Saber dores infinito... que os pobres pães, cava- lêr seria tão útil, sem vintém, todos os dias á. abalançassem a mandar os se com escola, prejuízo do seu trabalho ? Alguns d'esses j)equenos já sabiam e tinham Com força para que duros mover a sacrificios sapatos e as roupas de ir filhos lidar nos campos, enxada ou guiar os a mãe bois... lhes compraria os ao mestre Esse exemplo fêl-a pensar que vivera toda a sua longa vida de setenta annos, como em um animal inferior, que o pensamento mal animava a matéria. teria outros intuitos com carne A vida mais elevados que os de servir a o alimento e o agasalho ? Dos seus dedos encarquilhados e trémulos a costura cahiu, e no dia seguinte ella se incorporou ao bando das creanças, a caminho da escola. uma Foi um, uma tou-lhe, taboada alegria. ; e todos Os pequenos não riram. Emprescartilha ; outro offereceu-lhe se sentiram uma muito honrados com aquella condiscipulade rosto franzido e cabello nevado. No fim de três mezes de uma applicação teimosa, a velha aldeã, escrevia a sua primeira carta á neta mais velha, que vivia numa colónia franceza da Africa. Nas moça a ir á escola, mandar-lhe noticias com a sua própria suas garatujas aconselhava ella a para aprender a lettra. As cartas escriptas pelos outros não são inteiramente nossas; nas lettras como nas palavras vae alguma coisa do ente amado e ausente... *;'' >''"•;. "í-f-v^ '^v?- . - FOLHAS DE UMA CARTEIRA 95 « * em quando uma creanca... De vez deu-se E são sustos, noticiam os jornaes Achou-se uma : « creanea... lagrimas, afflicções ! Per- ... » Para prevenir taes confusões bastaria atar ao pescoço dos anjinhos uma medalha com como aos nomes seus e moradas. Tal e qual cãezinhos. Sim, porque as pobres creanças com as suas linguas de trapos, tão musicaes e incomprehensiveis, esfor- çam-se em vão, muitas vezes, por explicar a um desconhecido, que as encontra chorosas na vêm ou Ha só uma calçada, de onde para onde vão. palavra nitida no d'aquelle meio embaralhado confuso de syllabas entrecortadas de soluços niàef Querem a mamãe, cuja : — ma- mão deixaram sem saber como, nem onde, nem quando, olhando tontas para a direita ou para a esquerda, sem noção do tremulas, sondando com sitio, afflictas, olhar ávido todas as portas, erguendo os queixinhos rosados para todas as janellas. Estas scenas, aliás frequentes, sempre enternecem, e a cada pergunta que um transeunte commovido faz, no sentido de auxiliar e bem conduzir a pobre creaturinha, ouve sempre a — mesma resposta Em que rua mora ? — Mamãe *.' r — mamãe ! . . !... ! LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 96 — — Para onde Como mãe, mamãe Por seu ia ? — Mamãe chama se ella, a sua mãe volve á lado, a !... mãe? loja de encontrar o filhinho embasbacado boneca pise ; um direita, — Mamãe, ma- onde carro — ! e, mesma deante da não o encontra, sae tremula, já saiu, julgando — que o não emquanto allucinada sobe para a interrogando toda a gente, olhando como louca para todas as lojas e todas as esquinas, elle desce para a esquerda, engrolando termos, segurando-se a todas as contemplando com avidez e susto todas as mu- saias, lheres. E nós. que guinte ao creança... nada vimos, commovemo-nos no dia se- lêr nas gazetas : « ... uma Perdeu-se » Um dia encontrei em uma esquina o velho Dr. Serra, que, a])ezar dos seus setenta annos, gosta de observar as moças que passam. Disse-me elle : Estou convencido de que o simples movimento de levantar o vestido exige uma graça muito particular. um lado e vão com uma linha diagonal, Ha senhoras que erguem a saia de ella rastos do outro, descrevendo c-omo se a caminhassem de esguelha. Outras, não levantam coisa nenhuma, varrem as ruas com desassombro outras, ; levantam de mais o vestido, mostrando as saias de baixo, que só devem tras, ter o mérito arrepanham as duas de se deixar adivinhar saias ao mesmo tempo, mostrarem a toda gente os tacões das botinas vêr-se uma que, reunindo as pregas da saia á ; ou- : i)ara e é raro mesma « > < «F dis- * 4 LI FOLHAS DK UMA CARTElIiA tancia da cintura, colha a fazenda 97 sem distracções nem indiscreçòes, deixando apenas entrever o que se não deve mostrar. Eu j;í atinei com a arte. A mão que segura nem muito alta, nem muito deante, nem muito para traz de o vestido não deve estar baixa, nem muito para ; maneira que o braço caia naturalmente e não desenhe também a senhoras do meu esses feios ângulos agudos, que nos o])rigam andar fazendo curvas. Realmente, as tempo... Pedi ao meu amigo que olhasse para outro lado o aproveitei a occasião para íugir-lhe, não cupação de que elle se voltasse e a saia de esguelha... Os homens são ^ terriveis ! me sem a preoc- visse os tacões, ou m ** v"'*' ~- v-'*-.- yrw^.: '' Tlíjí"'-- « HF CHIROMANCIA ^^1^" UMA bella tarde, a iniuha amij^a Raphaela entrou arrebatadamente na minha saleta de trabalho e deixoii-se cahir — Que tens num ? tamborete, a meus pés. perguntei-lhe assustada, percebendo- Ihe o terror no rosto, ordinariamente repousado. Por única resposta ella estendeu-me a mfio espal- malda o núa, e arregalou para mim os seus olhos claros, còr de violeta. — Não percebo o que elle te deu?... teu gesto... roubaram-te o annel Não abranges a oitava no piano e . * # LIVRO DAS DONAS K DONZELLAS lOO desistes de o estudar? Terjís liíeumatismo nos dedos ? ! . . não queres responder, vae-te embora, mas l^em; se arranja primeiro o chapéo, que está torto, e modifica quem foge de alguém que o persegue na rua... Ninguém me seguiu na rua... o annel ({ue elle esse ar de — me deu E, está na outra mão... como orvalho em violetas, borbulharam lagi-imas nos olhos da pobre Raphaela. — Se pudesses — Escuta: havia lá explicar-te... venho da casa da Noémia Saldanha; gente de fora, uns homens de lembro do nome e um quem ceito rapaz que lia nas entrei, seus guinchinhos de e puxou-me com macaca : (( me tenha. com Olhem quem vem ahi Saldanha disse a não mãos das nome senhoras a bi/ena dic/ia, ou que melhor Quando eu já alto, os ! » violência para a roda, que se abriu me O tal rapaz continuou nos seus prognósticos, que faziam rir a todos. Lia na muito amável para receber. mão da Sinhá Mendes coisas muito bonitas que ella se haveria de casar com um moço que a adora... que : ha de ir á Europa, que ha deter três filhos gordos, mansos, fortes e bonitos; que herdará tuna de um parente afastado de uma grande quem não for- terá sau- dades; que terá lindos vestidos, bons carros, assignaturas no lyrico e que morrerá de velha, uma sem syncope... Todos riam; a Sinhá estava radiante! exemplo, eu e sentir, de fui vava. aquelle insensivelmente desabotoando a luva extendendo também O Com a minha mão. rapaz tornou-se sombrio, á proporção que a ol)ser- Como eu instasse para que dissesse a verdade, ** ,^ CHI ROM ANCIà (f víf' r'-'". St iíSit •í»^ 101 i*.*» fosse ella qual fosse, elle, muito constrangido, declarou tudo. Disse que não me casarei, que de vaccinada duas vezes, e que um crivo ; minha disse que a que morrerei ainda moça, de terei bexigas, ficarei familia um Um ataque na rua ! marcada como me abandonará ataque, na rua tão feia não merece melhor desfecho certo... (|ue ! e Vida ! Que ignominia Vê ! tu — E depois ? — Depois... que sou muito nervosa — e dade — que tenho uma grande paixão... ! apezar ! isto é ver- também é tenho excel lentes qualidades de coração. ! ; * LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 102 O que iiào me impedirá de morrer como um cão sem dono, na calçada... — Que mais? — Ainda querias mais — Que respondeste? — Fin^i heroicidade, que é sempre o n©sso costume ?I mas sabe Deus o que se passava cá dentro pude fugir, fugi. ! Quando Os guinchos da Noémia perseguiam-me; a alegria da Sinh;i irritava-me. A felicidade dos outros aggrava o nosso infortúnio. Só hoje comprehendi Por mais que eu olhe para a mão, para estes isto. caminhos que parecem traçados na palma pela ponta finíssima de um alfinete e por onde marcham os nossos instinctos, os nossos segredos e até o nosso futuro se esclarece, por mais que eu observe toda esta rede complicadíssima, não consigo descobrir nada Mas não; enganado?! vi ! Se se tivesse elle que fallou com toda a Eu agora já sei; abandono-me, acceito o meu destino, o meu feio destino de ser medonha, não ser amada e morrer numa calçada, á vista de quem passar na occasião Não vês, minha tontinha, que te metteram num. enredo? Vou apostar eu como o tal rapaz entende tanto de chiromancia como eu. — Ah, a chii-omancia é uma arte convicção, disse a verdade. ! — —E nas salas uma armadilha maliciosa á ingenui- dade de certas moças... Quando tiveres algum segredo que não queiras vèr profanado, nem pela mais leve suspeita, abotoa bem as tuas luvas ao entrar salas. Entretanto, fica certa de da mão que elle se em certas que não será nas linhas mostre todo, mas no rubor das tuas CHIROMANCIA 103 faces ou no pestanejar dos teus olhos, que serão consul- tados á proporção que se faça a leitura fatídica. Quanto ao resto, o rapaz, se não uma não deixou de ter bonita feia, tu és não tens vinte, ; foi absolutamente delicado, pontinha de espirito. Sinhá é ella roça pelos trinta annos, tu elle quiz ainda egualar-vos momentaneamente, vestindo-te de desapontamento e illuminando a outra de alegria. Na de adivinhar; tua edade os segredos são leves e fáceis em todo caso guarda-os comtigo, ou só para a confidencia amiga. tifica-o e ennobrece-o. O E recato do sentimento, for- o coração de uma donzella não se deve devassar a todas as curiosidades... Elle como disse o poeta de secrets. Vigny : tin é, vase sacré tout rempli t» V ;•; :r^>!r' .-.-5?^=^'^-;:^. ARTE CULINÁRIA T^^ '^^y PARA saber comer, é preciso não ter fome. fome não saboreia, engole. enfaiTuscador com o officio nome de a/ie culinária, íbJtú^iajdtitkii:*f*i-.-.-Í:ia^-J« . arte pródiga e desde que o de temperar panelas se enfeitou fértil. temos uma certa obri- E concordemos que é Cada dia surge um pratinho gação de cortezia para com uma Ora, Quem tem elle. •'•*: ^ LIVRO DAS nONAS E DONZELLAS 106 novo, eoni mil composições extravagantes, que espan- tam menagòres pobres as raça Dão-se nomes ! procuradas do acepipe. e deleitam os cozinheiros de litterarios, com esforço, para condizer coma Os temperos banaes, das velhas burguezas, vão-se perdendo Fallar em designações delicadas, n;i raridade cozinhas sombra dos tempos. alhos, salsa, vinagre, cebola verde, hortelã ou coentro, arrepia a cabelluda ej)iderme dos mestres dos fogões actuaes. Agora em todas as despensas devem brilhar rótulos extrangeiros de conservas assassinas, e alcaparras, trufas, manteiga dinamarqueza (o toucinho passou a ser ignominioso), vinho Madeira para adubo do filet, emfim tudo cheiroso As e... caro o que houver de mais apurado, I exigências crescem, ameaçam-nos e, somos comidos pelo que comemos. doxo, sem para- Isto vem a uma exposição de arte culinária que se fez, tempo, em Paris. Imaginem como aquillo deve propósito de ha pouco ser encantador e appeti toso! Quem ; já viu as vitrines das charcuteries, das crà" meries, das confeitarias, etc, e que sabe mimo e elegância são expostos os queijos, os paios e os entre bouquets de lilazes e fofos colxões de pasteis, }>apeis de seda bem combinados, ir com quanto crespos e leves j5 **, * «» ^^^ como * 4 plumas, imagina que de novidades graciosas se juntarão V^ no Palácio da Industria. Naturalmente, cada expositor é artista na combinação das architecto e um:« Fazem-se onde tremulem, em .^^» castellos de -*•**. engenhosas de chocolate, de creme, de biscoitos, torres morangos, cores. um 4t crystalisaçôes poli- - * "*. **' chromas, as gelatinas de fructas ou de aves, reflectindo ^ •I' y» ^:' -V.; :.í. >^ * *. «*. - -' •^'^> ! 'S^_yY^" .i"^-- AUTE CULINAUIA 107 luzes entre lacinhos de fita c ílòres frescas, francez tem a preoccupação sempre os olhos ])orque o gentilissima de deleitar nem os chanipl- alheios. Ahençoada mania O que eu invejo não são as trufas, (jnons, nem o seu/bic-gras, porque tudo isso temos nós aqui e mais muitas coisas que elles lá desconhecem. O que eu invejo é aquella facilidade, aquella graça das exposições que se succedem e se multiplicam e que não podem deixar de ser porque abrem a curiosidade úteis, e ensinam muito. A cozinha franceza tem-se intromettido toda a ' parte. A Inglaterra oppôe-lhe forte resistência batatas cozidas e presunto crú plo, está em ; muito modificada por pratos característicos, só mas a ella. com as suas nossa, por exem- Entretanto, temos nossos e que eu teimo em achar gostosos. Infelizmente falta-lhes o chie, o lado onde se possa atar a tal fitinha ou collocar o boaquet de violetas do inverno ou do muguet da primavera. com feijão preto V mento não o respectivo e luctuoso acompanha- se presta por certo para a coquetterie de adorno mimoso, mas nem O um por isso deixa de ser da pri- meira linha. Depois temos os pratos bahianos, o afa- mado vatapá e outros, quentes e lúbricos, e o churrasco do Rio Grande, e o cús-cús de S. Paulo, e tantos que eu ignoro e que descobrem, demonstram, por assim dizer, as tendências, o VI* * temperamento do povo. Um paiz como o Brasil, tão vasto e variado, não teria proporções mais curiosas para realizar uma exposição neste género? 2.-*' % ^*é , ,^p^;.^- -;,.:'—-* •)mr'-[_:- , -^r^ .'^i'":^:'^:^ LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS. 108 S(') do fructas, que, tratando-se da mesa, tem todo o calumniam-se geralmente um imaginem: fanamos e de doces... logar, as figurão! brasileiras fructas e j)arece-me tem])o de lhes irmos dando a merecida im- Não ha nenhum portância. sentido O do seu paiz. as fructas Minas Paran<i, que conheça todas europeu desdenha-nos nesse em que esquece-se de ; brasileiro legares do muitos Rio Grande, desenvolvem-se peras e magnificas, damascos, cerejas, nozes, etc. e as hortaliças indigenas? Innumeraveis ! E as fructas O que falta á nossa gotirmandise é poder aggrupal-as, poder escolher, na mesma fazer se terra, estas ou aquellas, e isso só se poderá houver aqui, algum quem dê importância um dar-lhe e como agora em Paris, á mesa, e procure, por meio de ramo de commercio, educar exposições, facilitar esse povo, dia, o elemento novo de prazer e de saúde. A exposição j)arisiense tem ainda principal recommendação e a um fito, mais elevada, e é a sua — ensinar. j)or meio do exemplo, a cozinhar bem. seus cantos é occupado por segundo gia leio, lucta ])ara fazer entrar um alli tal M. Driessens tem xavias trabalham umas cincoenta ^ # mostrando a toda agente como se deve fazer creme, estender grelhar Charles Driessens, que o ensino da cozinlia no pro- Este escolas de cozinha, e um Um dos ha dez annos com desesperada ener- gramma do Estado. discipulas, M. é o de bife uma massa, temperar uma salada, ou enfeitar uns pezinhos de carneiro com j»a])elotes e rosetas. As senhoras não nasceram para carne ou palmito, em ]»ublico ; fallar em camarões, mas, senhores roman- _,i- 4? :v.^."-'. .v^^ív-^ í i^"*^. ARTE CULINÁRIA ticos, lembrae-vos de que brilho das estrellas nem conversar com as amigas! <- * o nem sempre 109 nos bastam o murmulho das ondas para N' r ''%• %^^/^ - AMULETOS 171 01 numa que das sextas feiras da Mathilde Abranches, seu o que affirmou os medico, rapaz aliiás sympathico, homens são maus por culpa das mulheres Os dedos de Cecilia desfolhavam ns notas levissimas de Ala bavque IcgtTe o aroma de um botão de lembrar um a rosa. meu lad(^ Bem Lydia sorvia o comparado, fcz-me quadro ideal de Diana Cid: Lydia também estava de azul, como — Por culpa a formosa do u Perfume. » das mulheres?! perguntou a voz em- ! ' } LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 112 HnjKKla uma mãe (lo tomar a do faniilia, que tem por habito sério todas as conversas. — Como desde o a influencia ])rincipio do mundo. Agora então da mulher é nefasta. A nossa sociedade cae raj)idamente da sua modesta franqueza, que a fazia en- cantadora, para um snobismo A que a torna ridícula. preoccupação do chie estraga tudo. As portas já se não abrem como antigamente, e procuramos termos para as conversas mais simples simplicidade. A virtude das mulheres, que era para as nossas culpas, como um Não ha naturalidade tronco profundamente frágeis — um nem ha enraizado sustentáculo que as é })ara as lianas eleva e ampara, sente-se abalada e já não nos inspira a confiança de outr'ora. Como para Bruto, para mim a Virtude não é mais que uma palavra. Bebemos todos do veneno. Agora só o diluvio. — Que mal lhe teriam feito as mulheres, sempre gostaria de saber — Estragam tudo com a sua imprudência, a sua coquetterie e o seu fanatismo. Basta olhar para uma mulherzinha moderna para a gente ])erceber que se preoccu])a com feitiços e é supersticiosa. A quantidade de figas e de amuletos que traz ao pescoço, ])rova. Em bem o vez de nos ensinarem a sermos simples c cordatos, tornam a vida cada vez mais complexa e difficil. — Exem])lo — Nas minimas coisas ? convidam-nos para • um elle apparece. V;i o exemplo: jantar familiar e dão-nos um %^ i: . I-.;ip;;W y» ^. --;._-. ^^^r»..' ; ! :! ^v^.VT^jíÉK' ia»?.. AMULETOS banquete 113 em que vagueiam perfumes de ílòres caras e cheiros de molhos complicados. Aquillo não é o trivial logo, aquelle determinou o não é o jantar familiar. nieiui, não foi Quem ordenou c certamente o dono, mas a dona da casa. Portanto a atmosphera de falsidade que se respira naquella casa amiga, foi creada pela mulher. — Ora ahi está ! São os nossos maridos que trazem dos hotéis e das festas a que assistem a exigência molhos complicados, d'essas d'esses floreiras odoriferas, do champagne ruinoso e dos crystaes variegados das mesas ricas. serviço e ; São vêm elles que nos suggerem novidades de os senhores depois pôr a ridículo a nossa pretensão! Geralmente não somos nós que a prataria e as porcelanas. Que sabemos compramos mu- nós, as lheres? — O que adivinham. Oh ! e o que as mulheres adi- vinham Conheço uma que, sem ! confidencia, sabe que ter ouvido uma única uma certa pessoa evita encontral-a, porque é vêl-a e logo nessa noite perder ao jogo ! — Esse alguém é o senhor. Vê? são os homens que jogam, que ficam amáveis se ganham ou mal humorados se perdem, que tem estragado a nossa alegria. Mas sempre quero agora que me se ri explique : o senhor, que das quatro folhas de trevo e dos corcundinhas de coral que trazemos ao peito, porque foge de cumpri- mentar uma senhora amiga só pelo receio de que esse encontro fortuito e rápido lhe traga o azar da fortuna? — Males de raça, minha senhora, coisas que ficam da infância. De algum modo precisamos mostrar que já fomos creanças. Creia que eu até adoro essa senhora — Adora-a e evita-a 8 : ! : 4 . ' '. LIVRO DAS DONAS E DONZKLI.AS 114 — MdSíie eWíi tem jetattara — Use então de um expediente f Quando a Uma chave, vir, pegue em por exemplo. : qualquer objecto de ferro. Não traz uma chave comsigo? — É bom? — É magnifico — Não sabia I A conversa embarafustava por um terreno amável D. Mathilde confessou que deixara de se vestir de azul, porque essa côr lhe trazia infelicidade. uma amiga que usava uma liga D. Joanna citou de cada côr, como porte-bonheur. Quasi todos os presentes tinham a sua mania... voltou-se então alguém para o velho e sério dr. com um rizinho de duvida O senhor também usa "d'essas coisas Braga e perguntou — um Elle tirou do bolso disse com — O ? caquinho de vidro azulado e seriedade Isto. Podem examinar. em mão olhaconcordaram em que pedacinho de vidro andou de mão ; ram todos por elle não seria encontrar outro tão ordinário fácil para a luz e Dr. Braga explicou : — Pois, minhas senhoras e senhores, simples amuleto, ! isto não é um mas um talisman. — Ainda ha d'isso — Ha. Este chama-se o ?! mente, para se vêr bem por olho da tolerância. Infelizelle é preciso ter-se dos quarenta annos, ter-se gasto o bestunto em passado muitas observações e curvado a cabeça a duras exigências da sorte... t: O olho da tolerância, antes de censurar ou de _-.... *< AMULETOS 115 mais disposto a punir a culpa, penetra-lhe a causa, absolvel-a que a castigal-a... Tem da alma. Antigamente eu sentia como gilidade romancista philosopho que disse nité, pltis je deteste Vindwídu. « : » mim um duo delinquente é para amar de a consciência da fra- um plasfaime Vhumd- Hoje não; o indivi- irmão fraco que devo preferencia, porque todas as suas impurezas são consequentes de males, de cuja origem não é só elle o responsável. O olho da tolerância acalma o sys- tema nervoso e exercita o coração na prática do bem. Quando me sinto arrastar pela indignação ou a cólera contra alguém, respiro quinho, domino-me, vez do e, vidiro, reflicto, stituir o com força, sacco d'este ca- para abater o Ímpeto, olho atrae uma grande meu primeiro movimento de senhoras, é que não ha nada piedade fúria. como a dar repouso á inquietação das almas ! vem sub- Ah minhas ! tolerância para ^ - ?-* .i- .t j . os BEIJOS -«4*- ITIallam os senhores médicos contra os beijos, con- demnando-os como transmissores de micróbios assassinos. Misérias do sangue ou íeias doenças incuba- das passam invisivel e perfidamente de uma para outra creatura, no mais rápido ou subtil dos ósculos. — Não se beijem hygienistas se ; em é uma das formulas modernas dos resta-nos duvidar que elles, para exemplo, submettam a Porque, ! essas leis de esquivança que apregoam. verdade, vasto, por mais quem haverá por todo este emmurchecidos que tenha os mundo lábios ou por mais secca que tenha a alma, que não sinta :: • í^j.:-}'/ . florir ! -^nff-r.V. LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 118 no peito, com maior ou menor viço, o desejo imperioso de unir a sua bôcn a outra boca amada ou de refres- uma creança? em que nos consumimos, cal-a nas faces assetinadas de Fagulhas das labaredas beijos crepitarão por toda a larga face a sciencia contra da terra, os embora a ducha gelada dos seus elles asseste decretos prohibitivos. Não ha em lingua humana palavra que, como exprima, por mais silencioso que o beijo, a ternura e o elle seja, amor. A boca de um mudo quanto ha de mais ele- diz tudo vado e de mais vehemente, quando beija; no beijo está o único triumpho da sua Bem do beijo, alma encarcerada prega Frei Thomaz... Não se beijem! dentro como dentro do cálice de uma flor de aroma capitoso, está muitas vezes escondido o veneno que nos Quando taes palavras olham para a vida atra- leva ao ultimo somno. Cuidado... escrevem, esses senhores que só vés das lentes dos microscópios, deverão sentir em si próprios o rugido da natureza ofíendida a clamar contra essa impiedosa verdade da sciencia. A vida dim sem sem flores, beijos ! a vida sem beijos é como um pomar sem fructos, ou (que escor- regue ainda mais esta velha comparação) sem oásis. custa Não um jar- um deserto valeria a pena prolongar a existência á de tamanho sacrifício. Por assim entender é que a humanidade faz e fará sempre ouvidos surdos á theoria da suppressão do beijo. tal o vehiculo da phantasmas Para ella, elle não é peçonha, a ameaça constante dos terríficos de doenças asquerosas e coisa desvirtuada e maléfica, mas tristes, sim, e por todos os . :.,- '^.. T^- os BEIJOS 119 um séculos dos séculos, o que d'elle disse amigo poeta meu : o sello da « E do amor ! amisade Elle só nos dá felicidade. Dois coraçÕ3s que o tédio ou o cansaço importune, Só O um beijo de amor os levanta e reúne. beijo é vida, o beijo é luz, o beijo é gloria Observae bem : Da humanidade. Que na que o vereis ! beijo é toda a historia Foi o beijo primitivo terra o primeiro Da primeira mulher; homem tornou captivo depois, ardente ou brando, Veio o beijo de amor as raças perpetuando, Unindo gerações a gerações, O O beijo é a transfusão das Não é só um mundo filho, e almas ; elle encerra divino na terra. » beijo perpetuador das raças que alma o clarão o unindo passado ao futuro insondável e infindo. Tudo que possa haver de beija e mirífico da felicidade. como que derrama na Quando uma mãe sente o seu coração maior que mais victorioso que todos os hymnos do uni- verso! Saberá alguém de coisa mais doce nem mais pura, que o beijo da amisade ? nem Infelizmente, « Tudo que possa haver de divino na Como É todos os beijos são terra ! » diz o poeta. que Filinto de Almeida desconhece o horror dos beijos convencionaes, trocam entre que lábios femininos leis scientificas deveria ser só os si. Para esses o rigor das bem : acceito... Que se beijem duas amigas que se esti- - ^"^r^?- 120 I.IVnO lher beije a um : DAS DONAS E DONZELLAS um enlevo de sympathia, uma muoutra em um primeiro dia de encontro, como mam, sim Que ! ] por pacto de futura amisade, sim Mas, que, sem espon- ! taneidade de affecto ou sem velha estima, só por cortezia e obediência ao habito, duas creaturas indifferentes, e que vezes até se desestimam, troquem beijinhos cada ;ís vez que se encontram... por Deus, cente nem nem dável é de- agra- ! Por mais que a gente queira esquivar-se, não pode, rer sem incor- em falta grave, furtar-se -* ^ com que damas attra- ao impulso certas hem as outras para o cumprimento da praxe. Que desastres, ás vezes, nesse movimento I abas de chapéos que se chocam, véos que se arrepanham, corpos que se contrafazem, e no -fim: um chapéo torto, uma face babada, e no intimo uns resaibos de mel avina- grado. A graça exquisita d'essa insistência está muitas em vezes para o que a senhora que imprime á outra o puxão beijo, dá-lhe logo a face a beijar, face em que não raro desabotoam espinhas e quasi sempre o cold cream E se alastra. não ha resistência capaz de livrar uma creatura de . É^^- z7íS>Ip^'^^ '':'- ^^^'^^-- " '-~'^.- 121 OS BEIJOS taes assaltos beijar e quer queira quer não queira, ella ha de ; ha de ser beijada em plena luz, prende nenhum laço de af- em quem não a ou mesmo de sympathia muito por pessoas a fecto, plena rua, me Sei que atiro para dentro de bondos, fallando assim De resto, esta ; forte. uma casa de mari- pouco importa. Nenhuma impressão não é só minha. mulher deixará de sentir revolver-se no seu coração um sentimento de desagrado, ao unir a sua boca a outra boca de que tenham sabido por ventura epigrammas que a firam ou indirectas que a molestem. O beijo é sem assim, uma coisa muito nobre para ser esbanjada significação, em encontros de acaso, em qualquer canto de rua... Para que elle seja suave e doce, deve ser dado com a consciência da amisade ; do contrario, quando não é perverso, é ridículo. Não se diga que inventou que já cahiu que tal em foi a nossa Índole meiga e expansiva costume; elle foi importado, mas creio desuso nas terras de que proveio. Pelo menos, as extrangeiras não se beijam entre manha eílusão. Elias desconfiam, talvez, de o valor os beijos de uma creatura si que perdem em familia e pouco mais... Aqui, ao contrario, o furor do beijo a ; ta- que os dispensa a toda a gente, e por isso só os gastam augmentado com toda a gente se julga com esmo tem direito a elle c num gesto imperioso, que não admitte re- Em resumo, a minha opinião neste assumpto melin- o reclama cusa... droso e terrível é esta beijo, : não comprehendo a vida sem o como não comprehendo o beijo sem o aíTecto. LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 122 Como, emquanto houver mundo, ha de haver o amor, o beijo triumphará de todas as perseguições que lhe fizerem os senhores bacteriologistas. Eiles mesmos, depois de horas e horas passadas no interior dos seus gabinetes edos seus laboratórios, ao vantarem os olhos, cansados das paginas dos le- livros ou das lentes dos microscópios, sentirão, para refrigério das suas almas entontecidas pela vertigem de tantas misérias humanas, o desejo de as suavisarem os seus lábios impuros de nocencia da face de num beijo, homens encontrem a uma creança... E ' ^ ;^ A fresca in- estou certa de que apressarão os passos, para irem beijar filhos pequeninos... em que em casa os TERCEIRA PARTE .ia«L, •ff^-l _*•• #. AS ARVORES QUANDO, na margem lodosa do Tibre, os primeiros romanos plantaram a borosa e em figueira, arvore da flor sa- cujas veias o leite escorre compacto e doce, prestavam culto á lenda da sua origem, fazendo da planta como que o symbolo da pátria. Naquella terra da febre, sem aguas puras, a arvore sorveu do solo a ardên- cia doentia quetransmittiu depois, já purificada, á polpa sanguínea da sua flor. As abelhas que procuram de figo ao preferencia o mel do de outro qualquer fructo ou flor, enxamearam depressa por entre as largas folhas escuras da arvore, em que legiões de insectos invisíveis punham um tom luminoso de vida e deram aos romanos, trabalhadores e simples, favos deliciosos. A ibrado cheirosa figueira teve, com justiça, o seu logar sa- no Palatino. V ^-'>r'• . • ¥í '1^^^• I LIVRO DAS DONAS E DO.VZELLAS 126 Naquelles tempos rudes, e em outros ainda de mais velha antiguidade, o respeito intuitivo pelas arvores era tamanho, que os homens as criam representantes de divindades. O carvalho, o loureiro, a palmeira e o myrtho, eram envolucros de deuses. Olhando para a coroa tufosd das tilias, sorvendo-lhe o aroma das pallidas umbellas esverdeadas, o grego ouvia suaves promessas de Vénus, alma d'essa planta, tapetando-lhe de velludo as das da estra- vidií. Este preito A arvore, que a poesia nativa e a crença jtagã investiam de solemnidade, é para mim um dos en- cantos mais singulares da tradição. Por fortuna de outros tempos, pletamente extincto ; elle não ficou com- não teve a França a sua arvore da Liberdade, fincada na terra da pátria pelos soldados da revolução, que a cobriam de flores e fitas tricolores ? Se hoje não ha arvores symbolicas, ha, entretanto, homem culto celebrisa. Não ó mesmo em paizes de menor in- outras que o espirito do raro vèr-se na Europa, tellectualidade, uma em cujas raizes um gradil, para uma abrigou um Essa é arvore solitária, secular, rugosa, ninguém pisa, e poi* que não lhe toquem mãos irreverentes. arvore celebre, é dia que vive cercada um uma arvore amada, porque dos heróes da pátria. A municipali- dade tem paraella cuidadissimos desvelos, o povosabeIhe a historia, e respeita-a só por ella ter dado frescura a alguém, que á sua sombra descançou de uma batalha cruenta ou escreveu versos immortaes. quem nossa his- ter feito ainda inteira justiça, tem Creio ter já lido que D. João VI, a toria parece-me não a sua mais bella memoria na primeira palmeira do Jar- «rr^rJA--,^. AS ARVORES 127 dim Botânico, de cujas sementes nasceram os únicos ' adornos da Capital. Dia formoso, aquelie em que o rei desceu do seu throno para, no rude mister de jardineiro, tocar mão macia a com a terra áspera e fértil da pátria preferida. Suspeitaria elle que a alma da planta estrellada lhe peipetuaria a lembrança, melhor que as chronicas, tantas vezes confusas, tantas vezes mal interpretadas ? Talvez. . . Dizem que ouvindo ramalhar os mais velhos cedros do Lybano, que aíRrma a lenda serem contempo- râneos de Salomão, alguns viandantes contemplativos crêem sentir nesse sussurro toda a doçura do Cântico dos Cânticos... * * Conta um veira de portuguez, escriptor campo extrangeiro, que * nelle havia descrevendo a doce epallida um oli- ramagem meúda, que dà à paisagem um tom grego. Uma simples arvore accorda a ideia de um desenrola aos olhos de um paiz e poeta a vastidão de um sonho. O pinheiro resistente á neve e querido dos povos scandinavos, traz á ideia planicies brancas em que a sua silhueta negra se destaca apontando para o céo pallidc. É dos seus braços hispidos que se fazem as arvores do Natal, consagradas á infância em nome do Jesus. Assim, o cypreste faz lembrar o cemitério, e o da fazenda, em bambual o lago que os marrecos deslisam e o gado bebe. Dir-se-ia que só por sionomia dos legares. si a arvore delineia e fixa Nenhum viajante aphy- esquece os J28 I-lVnO DAS DONAS B DONZELLAS \l ."••'. *'" AS ARVORES castanheiros de Londres, que sua austeridade e grandeza, 129 sfio nem vigoi'Osos traços da as arvores tosquiadas de Paris, onde pardaes chilréam e a Primavera põe de- nem as mimosas de esgalhando-se em ramos delicados licados rebentões côr de alface; Cannes e de Nice, de folhas pequeninas e botões oòr de palha, tão accõrdes nem tão pouco em que as flores (;om essas cidades elegantes e frivolas; as luxuosas magnólias de Petrópolis, se abrem como pequeninas urnas de ouro, Vendo tos capitosas. o^ algodoeiros desgraciosos, inclinados e tor- como corpos desegualdade doentes, e que por ahi ficaram em algumas com ruas, tenho muitas vezes pen- sado na arvore que deveríamos escolher de preferencia para a nossa cidade. Deveria ser feita, uma arvore pura, per- indicada por eleição de artistas e conselho de sa- bedores. O algodoeiro, com o seu aspecto desalinhado, sente- se contrafeito entre as duras pedras das calçadas e ati- numa ra-se todo, attitude contorcida, para os lados ou para a frente, na anciã histérica do A sol. palmeira, de que todos levamos a imagem no co- ração quando sahimos da pátria, é inimiga da habitação do sos homem ; quer a seus pés colchões de areia, ou exten- grammados sobre que derrube sem fragor o casco das suas palmas seccas. Disse-me um dia um dos nossos melhores pintores, que, se tivesse poder para tanto, guarneceria toda a ci- dade de paineiras, a arvore das estações, que antes de desnudar-se se purpurisa Eu gostaria de ros e em flores. vèr nas florestas que atapetam os cingem a cidade, mais mor- d'esses maravilhosos //a/?í9 DONAS E DONZELLAS LIVRO DA 130 * * ' hoi/anfs de ramalliões escarlates, que são a gloria do s Que arvore ha mais pomposa, nossos verões ardentes. quando se reveste de folhas e de pétalas ? Mais que aos coqueiros, de })almas flabelladas, mais que todos os espécimens da floresta e que todas as arvores de pomar, de flor cheirosa, mangueira selvagem, grande, eu adoro a mangueira, a tranquilla, onde a herva parasita se enleia e pende, onde o ninho se occulta e que em parece guardar si esse mysterio doce que fez com que os homens da antiguidade julgassem algumas arvores envolucros de deuses. Cada cidade deveria ter o seu conselho de sábios e de artistas que lhe estudassem o clima e, de accordo com a sua physionomia, lhe escolhessem a arborisação severa ou delicada. Um viajante, num traço rápido e firme, pinta-nos o valor do povo do baixo Canadá. o seu amor por uma emblema da sua Como ? Revellando-nos arvore, que elle planta belleza e da sua fortuna como um — o érable. nenhum machado cruel lhe amputa os braços vigorosos, nem lhe lanha o tronco, porque as iras do povo, que são como as iras de Deus, cahiriam em coro sobre a mão que o branPlanta-o, e não deixa arrancal-o, disse. Arvores bondosas da minha minada do tes céo, terra, sob a cúpula illu- no supremo jubilo do sol, sacudi as ves- de esmeralda e deixae cahir no chão da floresta a chuva benéfica da vossa sementeira. homem será cego : dia virá em Nem sempre o que a vossa belleza im- periosa e doce faça cahir o braço que tente erguer contra vós o afiado gume de um ferro. .- 5, ^,4. ..•; ^' T '*« .. AS ARVORES ' 131 Entretanto, perdoae-lios o mal que vos fazemos e sabei que entre tantas vozes perversas ou indifferentes, sempre ha algumas que, como a do poeta Alfredo de Musset, peçam a vossa sombra para sua sepultura. ^^^dçK^rsTít : ' ;.:^,- -<rtr *. •SiVv-»*»' 0 „. : if-y^^-vsy- •.v^ZIv- • ' ^T" - . ?" ,-^m-^rm- FLORES -»<»fr Escrevo estas em minhas linhas pensando me coni- ilibas. Elias prehenderão quando forem mulheres e plantarem rosas para dar mel ás abelhas e perfume á sua casci EM maio de 1901 resolvi organizar para setembro d'esse mesmo anno uma exposição de flores no Rio de Janeiro, a primeira que se faria nesta cidade. Se faltava originalidade á lembrança, visto sições de flores fazem-se todos os annos lisadas, em que expo- terras civi- sobrava-lhe o interesse, a curiosidade amiga que sempre tive pelas amadas na minha flores e o desejo de as vèr terra. muito Referir-me a essa exposição ^ . .. . ' »,* •^ V . J * * 'i- :>.- f V ;•. • "rv "' ' *-." •' LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 134 é para mim um sacrifício; mas não quero omittir tal capitulo neste livro de mulheres, presidido pelo olhar das minhas filhinhas, a quem pretendo um das plantas, como amor insinuar o dos mais suaves e melhores da vida. Dizem que mas ha obras que tiva voam as palavras e que as obras ficam; o vento leva e que só deixam a sua lembrança... Não mallograda, por ella tuitos, nem na palavra fallarei fugi- da exposição por mim, mas pelos seus in- que eram múltiplos e que continuo a achar ex- cellentes. O que foi do esquecimento ; acabou. Deite-se-lhe agora o que em cima aterra poderá ainda ella seria ser, e é nessa hypothese que tem cabimento esta insis- tência. O só que eu esperava d'essa exposição era isto : Que fosse o inicio de outras mais bailas, que iriam aperfeiçoando as espécies estimadas dos nossos jardins e descobrindo os thesouros dos nossos campos e das nossas florestas. Quantas flores vicejam por esses sertões, dignas de figurarem nos salões mais exigentes mesma, que nada posso, guiada por da meninice, não mandara uma flor que, se tivesse a ginaria nunca vêr o seu uma Eu I rápida visão vir do interior de S. Paulo desgraça de pensar, não ima- nome em um catalogo ? Com o prestigio da exposição, quantas pessoas trariam a con- curso lindas flores ignoradas, e ignoradas porque são brasileiras ? ' Não sou dos que pensam que não devemos acceitar nem pedir arvores extrangeiras, desde que temos flores e arvores com tamanha abundância em nosso paiz. As coisas boas c bellas nunca são de mais, e ha ^ )*. " •• a. ~^ :^.t: ^? *x K*- ainda a accrescentar a essas duas quali- a utilidade dades de cada especial nta. Todavia, devemos indaj^ar bem do que temos em casa, antes de pedir o que só julgamos haver na alheia. Uma paes das princi- preoccupações da exposição seriam as orchideas, de tão melindroso cultivo e demorada O floração. catalogo meneio- ** K, »^ '» » LIVRO DAS DONAS E DONZELí.AS 136 naria com o maior cuidado todas as variedades apre- sentadas no certamen, raras ou não. Ah, no artigo das orchideas havia paragraphos que valiam capitulos pelas suas intenções. Imaginae que se aventava a idéade fundarmos no Rio um pavilhão para exposições permanentes, chidea seria protegida e defendida como Faz a idéa, não é verdade? rir em um que a or- thesouro. . Nesse pavilhão, organizado por competentes, todas as orchideas vindas dos Estados próximos, para exportação, seriam sujeitas a um exame tica, para o competente passaporte... Esta prá- que á maioria parecerá absurda, seria considerada naturalissima, se o respeito pelas orchideas, que são as jóias das nossas florestas, já tivesse sido povo. Ha orchideas e parasitas que implantado no tendem a desappa- recer, pela devastação arrebatadora com que naturaes inconscientes e extrangeiros especuladores as arrancam das arvores para as metterem nos caixotes em que mandam para os portos europeus. Pôde dizer-se que é estufas da Inglaterra, manha e até mais bellas as nas da França, da Hollanda e da Alle- da Republica Argentina, que se vêem as flores do Brasil ! Não seria justo que, expor- tando as variedades mais raras das nossas orchideas, guardássemos d'ellas, na capital, exemplares que garan- tissem a sua reproducção no paiz e abrilhantassem a exposição permanente, visitada ao menos por todos os extrangeiros Mas em transito ? a nossa attenção não estava voltada só para as orchideas. Cada dia da exposição de flores seria dedicado a das espécies mais estimadas entre nós. •ml „* - •d' 4 A, uma FLORES Teríamos um 137 Em dia só para rosas. roseiras ou cortadas, nessas flores se concentraria a attenção do constituido jury, pelos nossos mestres de botânica e pelos donos dos principaes estabelecimentos de flori- cultura do Rio Nesse dia apurar-se-ia, de Janeiro. aproximadamente, a quantidade de variedades que temos d'essa com flor, para estabelecer depois a comparação as que se apresentassem tivas. Tudo isso ficaria consignado mentado por nomes conhecidos Assim como em exposições consecu- em um livro, docu- e insuspeitos. as rosas, os cravos não teriam razão de queixa. Têm reparado como a cultura de cravos se tem des- envolvido e embellezado no Rio de Janeiro ? Acreditava-se antigamente que essa flor, uma das mais origi- bem em naes, se não a mais original, só desabrochava Petrópolis, em São Paulo e não sei Pois estávamos enganados. em que outras terras. Nem mesmo. do da alto Tijuca são esses formosos cravos que ahi estão de tantas cores variadas e tão opulentos de forma; são do valle do Andarahy; são do Engenho Velho; são dos subúrbios; são de Santa Thereza, etc. canto de jardim, um um peitoril largo Quem um tiver para vasos de barro, pouco de terra, pôde com segurança semear os seus craveiros; as flores virão. Como mudas de incentivo, a exposição distribuiria crysanthemos a um certo numero de moças, empra- zando-as a apresentarem na estação d'essa florida para uma exposição, em que flor a planta seriam distribuídos os prémios do primeiro certamen. Inoculando o gosto pela jardinagem, ella desen- »* . . - , ** ^''C- LIVKO DAS DONAS E DONZELLAS i:{8 volveria a cultura de uma ílòr a que o brilhante e nosso clima é favorável Nessa primeira exposição, te- ríamos, além de conferencias estimulando o amor das plantas, em mostrando-as todos os seus aspectos múltiplos seductores, lições de jardinagem prá - tica Essas li- ções, dadas com a maior simpli- cidade, sem termos empliaticos, um homem illuspor ^^ % trado e amigo das flores, nos ensinariam como deve ser preparada a terra para o jardim, como se devem fazer as sementeiras e as podas e os enxertos e matar os pulgões, e crear rosas novas e transformar as variedades mais conhecidas, e pulverizar de agua fresca os altos troncos das orchideas, etc. Com mente essas coisas pensava doi-s serviços, á cidade, eu prestar simultanea- demonstrando apossibi- ^'í '"''^^ V ir -' ; ^-<\ - 139 FLÔIIES uma lidade de se fundar aqui e ás escola para jardineiros, moças a quem o tempo sobre para essas brilhantes phantasias. A jardinagem fornece ensejo para distrac- ções e estudos próprios para mulheres. E, depois, que encanto o de vêr-se o senhora ligado ao de Em todas da rosa as capitães do ! mundo civilisado ha o culto Elias symbolisam as nossas grandes alegrias, flor. como uma nome de uma as nossas grandes tristezas, imagens materiali- zadas das maiores commoções da vida. Nas alegres visitas rias de boas festas e de anniversarios, ou nas roma- para os cemitérios, as flores exprimem o jubilo ou a saudade, tão bem como a lagrima ou como o sorriso. Na Allemanha, disse-me uma amiga que por lá andou viajando, ha nas portas dos hospitaes, em dias de visita, abundam floristas com ramos para os baratinhos, vulgares. Naturalmente, todos os preços; de flores agrestes ou mais quem vae vêr um doente de quarto particular, escolhe as camélias mais puras ou os narcisos mais raros; para os pobres e os indigentes das enfermarias publicas vão bouquets modestos e pequeninos, comquanto vistosos e alegres. Que é aquillo ? Um pouco de poesia e de primavera, que vão errar com o seu aroma e as suas cores vistosas e alegres naquelle ambiente triste e aborrecido. desconsolado do doente encontra naquillo um O olhar pouco de distracção e de consolo. E assim que nós precisamos gostar de tar tanto, que ellas sejam para nós tanto, que até o povo das uma flores. Gos- necessidade enfermarias gratuitas não >•? MO I.INKO onípro^ado o tostàoziíiho com que as adquira! ;\i'lie niíil \\ aqui ó (ào A DAS DONAS E DON/KI.I.AS fácil cultival-as, Senlior ! arte do raniilhete, tão adorada no Japão, segundo ailirniani as ehronistas de l;í, o que é com certeza uma uma mulher p()de exercer, era em um dos dias da exposição. das mais delicadas que chamada a concurso A moça que fizesse ramo com mais harmónica como binação no colorido de forma e mais elegante, seria premiada. Uma das mais curiosas velleida- des d'essa exposi- ção era o interessar-se das pelo floristas rua, typo da procurando ~^ induzir a trans- formação das do Rio de Janeiro, que não é positiva- mente encantador. Para curso, em isso obteria também um con- que os nossos pintores e desenhistas apre- sentassem figuiinos de accôrdo com o nosso clima para floristas ambulantes. Isso naturalmente constituiria uma galeria de problemático aproveitamento muito interessante. Lembrava mesmo ; em todo caso, o alviíre de oíTe- recer a exposição os primeiros trajes aos que se sujei- tassem á experiência. as creanças, tendo A exposição seria gratuita para mesmo um dia destinado ás escolas. ! -.•Ml^* , ;-i»í^,rM Hl FLORES Nunca imaginei que llòres, fosse preciso ensinar a amar as que as creanças saúdam desde o berço, articu- lando, ao vêl-as, syllabas tando para ellas incomprehensiveis, e agi- com enthusiasmo as mãozinhas! No emtanto parece-me que o culto da planta deve entrar na educação do povo. As exposições de bellas-artes ensinam a amar os quadros e as estatuas; é amor dos europeus ílôres bem possivel que o pelas tenha sido desper- tado e aperfeiçoado pelas exposições de flores, que na Europa duas se fazem vezes no anno, uma no outomno, outra na primavera. Deixei de reproduzir muitos pontos programma da primeira exposição, taes como a do batalha de com que ella se encerra- flores, ria, a indicação das res mais aproveitáveis para a distillaria, etc. flo- Bastam estes que ahi ficam para de- monstrar que a belleza e a utilidade andam 'ás vezes de mãos dadas Se eu fui infeliz, talha e pelo mesmo outras serão felizes na ideal. mesma ba- Das minhas esperanças dece- padas brotem novas esperanças em almas mais novas e capazes de emprehendimentos de mais forte enverga- , r ist, 142 / . LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS ' dura. E para atiçar essa chamma que [escrevo estas linhas tremulas, porque agindo adquiri a certeza de que ^ *?. nesta terra bastam para executar grandes obras só duas coisas : energia e vontade. -, 4 *j • - * ^ -v ; . ^^ ^' / ,. • -^ ^- '- ! X-' *í'^'^. * HARMONIAS TUDO é musica na natureza, até as osti'as cantam Cada dia que passa nos traz uma surpreza magnifica. Esta, que talvez não tivesse commovido ninguém mais, fez-me cair das mãos estupefactas o Jornal do Coinmcrcio, um cm em que como affirmaeão de cuja palavra não pôde ser posta, ella veio fixada, sábio professor, daoida. Mal haja quem fizer ouvidos surdos a uma tão bella ",- fí : ! i> í LIVRO DAS DONAS E DONZELI.AS 144 revelação da poesia universal. Esse será de um materia- lismo indifíno d'este século, que ha de ser todo cheio de sublimes divulgações. e revelho no mundo as ostras têm alma com « voz, inteiro. Mentira em que expandem ; é velho ahi está a prova as queixas da sua gritinhos agudos, seguidos de suave mas expressivo É Digam embora que tudo murmúrio ». assim que diz a noticia. Ora, onde ha expressão ha sentimento, logo esses gelatinosos moluscos, feios e informes, tão repugnantes o tão saborosos, dão para a divina harmonia dos dias e das noites o seu contingente ignorado de soluço ou de riso Não bastava á ostra ser ! mãe da pérola. Tal gloria •v, • ,-:/ , «, •" r^^' HARMONIAS 145 não a elevou nunca no pasmado conceito das multidões. Essa preciosa concreção calcarea que as mulheres ado- ram e os ourives exploram, bem como é, o aljôfar, o nácar e a madrepérola, de tamanha impassibilidade, que nunca suspeitamos, por via conchas dade das em d'ella, que na concavi- que a ostra se espapa, molle e gommosa, resoasse a voz do goso ou do soffrimento ! Foi preciso que a orelha, naturalmente cabelluda, de um grave e sábio professor se inclinasse para as an- fractuosidades de terio um rochedo, para que o divino mys- da alma ignorada do molusco se revelasse ao mundo. em vez sido pronunciadas solemnemente em um — de pesca — por um homem cogitador e insus- Se as palavras que esse de terem congresso peito, tivessem saltado /)er facto denunciaram, da lingua da Sirineta, que foi feita contare solamente as bellezas do mar, de que é o hombros com espirito, a gente levantaria os com que acolhe as mais lindas phantasias e iria conti- nuando a comer ao almoço, sem remorso e com o sorriso appetite, as famosas ostras cruas. Mas d'aqui em deante ja virá uma gosto amargar esse prazer maldoso. pontinha de des- A gotta de limão que contrahir o molusco ainda vivo, nos dará a sensa- um ção de que estamos a espremer torturas sobre digno da nossa veneração, porque sabe sacrifício conhecer ser o ! Antes de a metter na bocca é preciso aproximar do ouvido a ostra que temos de deglutir. Foi esta a nova preoccupação que inventou o senhor sábio, como se já não tivéssemos tantas I 10 tal mas, "^ LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 146 não faz mal ! ficamos assim sabendo que não ha na creação nada que seja absolutamente mudo. Quantas e quantas vezes a litteratura allude ao decantado rumor do silencio, que nos traz da solidão dos campos ou da vastidão das aguas murmúrios fraudu- num d'esses instantes toca em surdina, que o de ignota magia? Foi talvez leiros em que a orchestra universal sábio investigador, deitando-se uma uma praia, junto a sobre a areia fofa de velha rocha ostreira, perce- beu a ténue voz dos moluscos atravez as camadas das conchas sotopostas. Vamos, que a surpreza não devia nem tampouco desagradável. Não ter sido pequena, tardará muito que alguém nos venha dizer o diapasão em que cantam essas pobres enclausuradas, cujo estylo trará á mente, já presumo! a forma de um hymno está dado; sciencia e acaso, de ram O passo rude mãos dadas, descobri- o segredo das ostras; ellas cantam, e naturalmente barbado e muito um sacro... serio, um homem, como convém a sábio e grande professor, cuja palavra não pode ser em posta duvida, teve a coragem de o declarar sessão de congresso. O em uma principal está feito; o resto virá depois. Virá depois, mas levará seu tempo. A interpretação da musica e a sua definição estou vendo que não é coisa fácil ! Ainda ha pouco, nião em musica uma acato pessoa que estimo e cuja opi- como a melhor, me disse que a opera Saldunes tem muita belleza e larga inspiração. Alegrei-me; mas a par d'esta, quantas não a tinham entendido ? me disseram que ! •^SV'' HARMONIAS Não entender tranlia, mas a musica não que se precise para ser fria sciencia tão necessária para ser traduzii* com é uma lingua ex- diccionarios ! Ai assim fosse; deixaria então de ser arte divimi d'ella, se dora, ! 147 uma ; deixaria de ser a grande pacifica- ao atribulado coração liumano, coisa impenetrável e rigida, a que só com esforço as multidões chegariain. A maioiia do publico que vae ao theatro ouvir uma opera, não trata, por incompetente, de averiguar se ella é feita d'esta ou d'nqueila maneira, se a sua instrumen- tação obedece a todos os primores de uma orchestração opulenta, se a sua tessitura é perfeita, e as suas harmonias bem combinadas. O que elle vae buscar lá é a emoção, o sentimento que transbordará e se evolará da musica com a espontaneidade perturbadora com que o perfume sae de uma ílòr Parece-me que a arte, a não ser para os artistas, não é coisa que se entenda, mas que se sinta. Que importa á maioria que os processos por que tal partitura é feita, sejam complicados e ella dolorosamente trabalhada, se do seu conjunto espinhento e bravio não uma voou nem phrase que lhe fizesse vibrar os nervos impassiveis ? Em verdade é muito frequente ouvir-se dizer : eu não gostei d'esta ou d'aquella opera, porque não a entendi. Essa modesta confissão de incompetência, que, só é feita em relação á musica, visto que pai'a as outras; artes toda a gente se julga habilitada e uma aliás, com direito a critica definitiva, deve. até certo ponto, consolar os maestros... Ah, deante das harmonias da natureza é que não ha ! ip'« 148 LlVliO tanto embaraço sem que para : DAS DONAS K DONZKM.AS oUas ciiti'am-iios isso •:•. ;? -. tenham de jx^la alma a dentro foirnr o entendimento. Quem compreliendení jjímais a eontexturad'essa grande opera em que lomnm pnrte desde o asqueroso snpo dos brejos, até á sentimental patativa dos laranjaes? Ninguém É ])or ; e todavia todos a sentem isso que, j)or sobi'e as areias e a adoram. movediças ou as asperezas agrestes dos rochedos mudos, roçam na avi- dez de uma curiosidade insaciável as cabelludas orelhas dos sábios naturalistas. mundo Certos de que neste velho tudo é novo, os seus ouvidos esperam ainda, esperarão sempre, surprehender no próprio seio das coisas mudas, vozes ignoradas e perfeitas. Esta, que o grave pi"oíessor do Congresso de Pescaria descobriu Como nas osti*as, deveras extraordinária os cysnes, o viscoso molusco despi-ende extrema. ap()s um grito agudo, Haverá quem, depois moção é e sem remorsos vivas?! Não! um na hora canto suavíssimo... d'isto saber, ingira sem com- as saborosas ostras cruas, cruas e UM TESTAMENTO -iiA- nome de Hothschild ENO incarna da se a idéa dim, de que cada um que aos olhos do mundo riqueza. lam[)ada de Ain- de nós lem na imaginaçào copia, arranca-lhe de cada syllaba preciosa. Elle 6 o distico de com A um uma uma chispa de pedra thesouro accumuiado avidez judaica atravéz dos tempos e de que só desabam catadupas de ouro quando solicitadas pela ' 150 ';:»C • LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS volúpia do negocio. Elle é a gloria da raça, a ventosa terrível sugando energias de hebreus e submissões de christãos, e é o senhor do ouro que, como o mar, recebe de todas as nascentes, e de agua com agua limpida faz mesma onda que estrondeia turva a em espumaradasde praia. Rothschild não é tidade, é um uma symbolo en- — o . >. r " * .•>- UM TESTAMENTO 151 ^ > -* dinheiro. Elle faz tremer as nações, vê a seus pés os mais nobres governos e finca no mundo as suas garras formidáveis, como enterrando-lh'as bem âmago, ao até o abutre enterra as suas na carne tenra de um cordeiro. Como o frágil animal, o mundo nia do proletário, do faminto, do — sangra, na ago- sem vintém, para cujos olhos o capital é o roubo, e que ahi estão rugindo mais alto que o balir tremulo do cordeirinho na afflicção da morte. . Rothschild ! que retine com Pôde ser amado nome luminoso e uma tão ampla sonoridade de ouro ? Diria não, se a leitura de provar que elle gocio, lucro. homem É um este testamento me não quer dizer unicamente : não viesse metal, ne- nome de pois certo que Rothschild é ! « Tenho observado, * talvez mal, que o egoismo mano em nenhuma formula tão bem se evidencia, hu- como na testamentária. Pessoas riquíssimas e cuja fortuna ao serviço de num um coração generoso se podia expandir largo circulo, fazem testamentos em que concen- tram todos os haveres nos seus herdeiros da lei ou em pouquíssimos mais. Assim, ninguém que as não tivesse conhecido em vida as diria capazes de matar com um bocado de pão duro, a fome de qualquer mendigo que lhes batesse á porta. Toda aquella fortuna parece ter sido passada a ou- trem a contragosto, de olhos fechados, inevitável. num mergulho ITT^.íf-"»-^' ,-^- . •• _ - '-•-^.«r- •"'>,»í»^.'^rTl'*"í~ ;^!J?r^»»' LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 152 É l)em fazer-se difficil tão raro apparecer al^''um a -.VIlBIlif^" um em testamento, visto que é que a justiça, a ternura e humanidade transpareçam. nenhum Entretanto, nem mais acto pôde ser mais consolador um homem bello ])ara de grande fortuna e largo espirito, do que esse de espalhar, após o seu bem estar e a ale- um punhado de gente que soffre e que trabalha. pleto desapparecimento da Terra, o gria por É com- ainda maneira que os ricos têm de a se fazerem perdoados de bens, adquiridos muitas vezes pelo seu mas que nem por próprio esforço, mal vistos pelos Rothschild glorioso, que ! li isso deixam de ser que nada alcançam... Adolpho Rothschild o testamento é de em um jornal e onde ha legados com- mo vedores. Se houve culpas nos seus antepassados, bem redime-as de Sem apagar um este homem todas nestas paginas de clemência. único beneficio que o coração decre- tara no primeiro impulso, elle quarenta e quatro vezes alterou o seu testamento, para desenvolver, accres- centar os soccorros que a observação da vida lhe ia suggerindo. Sem fallar nos asylos, hospitaes, escolas e museus, para os quaes deixou montões e montões de dinheiro, milhares e milhares de contos; sem commentar a abundância das verbas destinadas á manutenção dos institutos, e onde a raiva e o croup encontram Unitivo remédio, destacarei os legados que mais reveladores de plo : determinou ças pobres que um uma me pareceram coração raro. Este, por exemquantia para auxilio vivam do seu trabalho. Isto de mo- não tem - . í ?'^^^ ,T *« - * * UM TESTAMENTO 153 O valor banal da caridade atirando dinheiro aos pobres como migalhas aos roeoamento, uma encerra |)eixes; de applauso, de estimulo, ideia de acoé como um carinho fraternal, que não será recebido sem lagiimas. O grande argentado pensou na operaria sacdíicada, na quem laboriosa filha do povo, para cupiscência e a perdição, e amigo, que tão raramente o seria só têm olhos a con- atirou-lhe homem um adeus de dá á mulher, e que sempre o mais suave esteio para as suas fra- quezas... Não é menos encantador, na sua simplicidade, beneficio aos animaes em o geral, cuja sorte triste pro- curou minorar. Assim, os cavallos que tenham trabalhado, chegado o instante inevitável da decadência ou da ruina, não serão aproveitados em misteres brutaes, ^g^im^íí^nt^K lU. I . ^,.^'^^^;r ,jijpp|ji^( r; ^i : 7 154 em - ^#' -x-; •*-*•.->. 7^ r • LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS que o seu pobre corpo esfalfado vergue ainda no interesse do dono egoista. Chegamos ao ultimo legado, que eu não classificarei, porque toda a sua pliilosophia adorável E falia por si. simples Adolpho Rothschild, deixou a uns tantos sacerdotes velhos, de qualquer religião, exercerem tranquillamente somma que lhes permitta em França o seu minis- tério. Esta lembrança abre-se aos meus olhos como flor até nem o hoje desconhecida. Nem nem a côr, aroma denunciam a semente que uma a forma, lhe deu origem, tão sabido é que a tolerância absoluta raro germina na Terra. Cada ha de um de nós pensa que da nossa religão é que vir a felicidade ao feita e é verdadeira. mundo, porque só Bálsamos que outras derramem, que nos importam, se nem filhos nossos ellas são justas, um nem os seus irmãos ? em nome da nossa Guerreêmo-nos, matemo-nos que será ella é per- Fé, dia a de todos que nós tivermos vencido ou que vierem ao nosso chamamento. lenta, desorientadora e d'aquelle paragrapho, triste, responde a voz serena em que um a velhos sacerdotes pobres, A esta idéa turbu- judeu ofierece amparo catholicos, ou israelitas protestantes, para a sua manutenção, aconselhando ao mesmo tempo aos seus descendentes, que lhe sigam o exemplo de tolerância e de liberdade Pouco importa o culto; é ao religiosa. homem que elle estende o bordão para qualquer dos caminhos que vão ter á felicidade e de que tantas pessoas se extraviam... , '*. X f. '^ :••': - -È •^•'' - ; vsir' .|f.- UM TESTAMENTO Será curioso vôr-se um dia, 155 em uma aldeia de França, esta velha França tão irriçada e de tão dura para com os judeus, um má cata- sacerdote catholico e velhinho, ensinando ás suas ovelhas rudes a murmu- rarem com doçura o nome de Rothschild... Quando imprimirem na os seus sapatões ferrados se neve dos caminhos em soccorro de um agonisante; quando o sino do seu campanário repicar na madru- gada clara; quando as creanças se ajuntarem á sua porta para o cathecismo, com as mãozinhas carregadas de favos de mel ou de cerejas para o senhor padre-mestre quando as suas mãos tremulas de ancião ligarem para o futuro e para o robusto com ; amor as mãos de um casal moço e quando os seus lábios murchos consolarem palavras de perdão e de esperança uma pecca- dora, ou quando a sua face enrugada e pallida sentir o afago agradecido do aleijadinho que o bom ninguém ama, pastor de almas terá a visão perfeita de que o velho judeu Rothschild lhe sorri do céo! Assim seja. —"7 ''gV : i"t 'í y ^' ->;T" r'-ajW »iy- 'T ,t»7 ,*' ' !.' w .X»-J.- '.. v3?>5;í * f - a*h; ORPHAOS DE HEROES. $ NINGUÉM e ignora quanto é assombrosa a imaginação como é intelligente a pertinácia dos inglezes e dos americanos na concepçfio e na expansão dos seus annuncios e reclamos. Não lhes bastando os avisos que inserem nos seus jornaes de grande tiragem, ;i\ida- mente lidos por populações que têm mais almas do que formigas têm os maiores formigueiros dos nossos jardins ; não lhes bastando os cartazes com que enfeitam as suas cidades, aquelles formidáveis cartazes de fundo vermelho u:5ÍÍi^-'.Í^X'tJ[:'^.f:f «. :«•' ^. e luzidio, com figuras negras (negros ali só LIVRO DAS nONAS E DONZELLAS 158 Hintados...), a em baixo, exposta em que num nào : sig-zag de raio, rabeia de alto nome da droga caracteres amarellos, o bastando os llies milhares de bilhetes que espalham tumultuariamente pelos seus theatros, salões públicos, gares, etc, elles remettem rias, avenidas, vfigões, com a mesma fúria para os mais longinquos pontos do globo, cartões, lhetos, mappas, chromos, pastas, com cerveja- livros, fo- uma prodigali- dade que chega a ser oífensiva. É imperturbável a seriedade e a convicção com que esses senhores affirmam aos povos de todas as raças, a superioridade das suas industrias. mos capazes de fazer com uma O que nós não seria- fileira cerrada de pontos de exclamação e ainda outra de ahs e de ohs, acom- panhados pela regia magnificência de muitos adjectivos pomposos, engastam A elles um um phrase secca, onde superlativo esmagador e positivo. táctica do annuncio não está, pois, está no vehiculo zisse uma fazem com um em que ella vem na palavra, assentada. Reprodu- commerciante, menos negocioso que idealista verso de Shakspeare em um papel barato, feio, fácil de amarfanhar, e a phrase maravilhosa, que lhe servisse de epigraphe ao annuncio, escorregaria pelos boeiros das ruas ou para a caixa do cisco dos quintaes, sem ter logrado attrahir a attenção de A ninguém. habilidosa insinuação do annuncio está na bôa qualidade do seu papel, na nitidez do seu typo, na variedade das cores em que está impresso, no seu asseio, em fim. Comprehende-se a manha. <x)uem terá a coragem de atirar para a cesta dos i» ORPHÃOS DE HEROES papeis rasgados um livrinho, em 159 que, sobre o marro- um emblema dou- rado, e que, por pequeno e elegante, mais parece uma quim bem imitado da capa, brilha carteira de lembranças amáveis, do que chapas e de fogões completo !? Aberto o um livro, o catalogo de desencanto é nas suas curtas paginas assetinadas não ha ; mas uma imposição clara de fabricante, chamando sem cansaço a attenção da gente para os seus productos, sempre com a mesma phrase, cem vezes segredos, repetida, e em que ainda na ultima pagina se sente fôlego para outras tantas affirmações. É de se ficar agoniado ! mas os inglezes e os ameri- canos não ficam, e continuam na sua ambiciosa pro- paganda, a exportar para as cinco partes do mundo annuncios de toda a espécie, a doce e encantadora effigie suas creanças louras, vestidinhas de azul, das em com margaridas, ou gatos brancos no regaço. Que vão fazer nos arraiaes africanos, nas povoações asiáticas, nos sertões americanos, ou mesmo nas mo- destas aldeias européas essas carinhas rosadas e gor- duchas, feitas para o beijo e a caricia do olhar? dizer de em tal ou inglez que a manteiga mais pura e saborosa é tal fabricante E como de Londres ou de New-York. a menina tem um bom todos os que entendem o que tam a maior fé, e os alli ar de innocencia, está escripto, lhe pres- que o não entendem, guardam, por amor dos seus olhos côr do céo, o cartão ella Vão vem estampada em que entre dizeres commerciaes. Parecia-me a mim, que nesta questão estava tudo feito e explorado, desde as paizagens suggestivas, rotu- lando latas de leite, onde a vaquinha gorda demonstra '- -V. ^_ '- "n wo U\nO DAS DONAS a fertilidade (lo pasto, até E DONZLOLI.AS jís em íolhinlias que, a par das vantagens das pilulas que preconizam, se desven- dam os mysterios dos astros e invernos e verões. Enganei-me ; vem a prophecia de a arte do reclamo não pára. vao alargando cada vez mais a sua phantasia. Agora, com a mesma parcimonia de vocábulos, os senhores fabricantes de graxa, de vernizes, ou de qual- quer outra coisa, encontram geito de fallar ao coração das turbas desprevenidas. attractivo para a vista, sentimento traição ! Já não basta o começa também o Ha tempos : achei sobre a minha mesa de Inglaterra, Abri-o e íolheei-o retratos de creanças, nada ; só De quem eram (juena introducçã(j do livro explicava tudo : as ar- continha menos de cincoenta phototypias nítidas e bonitas. linhas ti'abalho com livrinho adornado na capa, brochura, mas de assalto ao ! Se não, vejamos um Que ? em e seis A pe- poucas essas cincoenta e seis creanças, cujos nomes, vem indicados ^;ob cada retrato, são apresentadas ao mundo como orphãs dos heróes da guerra sul-africana, a quem o proprietário de uma farinha qualquer alimenta gratuitamente. E bem edade. filiação, morada, etc, .^«.» ..^Mtf <j . ORPHAOS DE HEHOES j)rovam Hs gravuras a efficacia de dos, os bebés 161 fécula. tal ! Tenho-os aqui, deante de mim. Que esta! A cada pagina que viro, as uma piedade Abre o livro por triste galeria minhas mãos tremem e alastra-se-me no coração, a par de gnação, São gor- uma grande indi- dolorida por não ter i'emedio. um pequenino de dez mezes, pimpado na sua cadeira, muito pellado e sério, vestido de rendas e sapatinhos brancos; depois re- com vem todo o rancho de infortunados, uns ainda de touca, outros em fraldinhas, com papudas, o peitinho gordo as pernas grossas, as mãos uns de boca aberta, mos- ; trando no seu riso côr de rosa as gengivas sem dentes, outros de ar pensativo e todos muito galantes e muito sympathicos, como se para isso não bastasse o serem creanças e o serem Olhando para creança do infelizes. o livro, esta rostinho redondo da penúltima formosa Clara Alice Wilson, de dezenove mezes, não haverá quem não imagine que deveria ter voado para ella o pensamento do pae ao expirar o seu ultimo alento na guerra, a que talvez se oppuzessem as suas convicções de decer á sua disciplina de soldado homem para só obe- . 11 lí-.'Sí.<"AV.'Tr^t -v- -. í -.- ^ »>w'Veí-:i;;_.'j t jft^^' • .'W.í?H,'»i'' LIVRO DAS DONAS E D0N7.ELLAS 1C)2 . Orn, a cnridnde (l'esse fabricante inglez, que ali- menta fíratiiitainenteci'eançaspara em exliibil-as uma expressão muito j)roveito seu, é de ao mundo, singular e absolutamente nova nos annaes da philanthropia e do annuncio ! demonstra A pátria (jue lhe agradeça o desvelo que elle Se a explo- orpliãos dos seus her()es! ])elos ração do sentimento continua d'esta maneira, não nos deixam nada Mas não j)ara a litteratura... seria por amor d'isso que eu gritaria, mas porouti'a causa mais respeitável e delicada. taria de saber com (jue Sempre gos- olhos os senhores do governo da velha Inglaterra olhariam para este álbum de reclamo, se elle algum dia lhes cahisse sobre a sua mesa, cahiu sobre a minha, sem eu saber como ! Talvez que levantassem os liombros e os nomes dos soldados e dos officiaes, cujas authenticadas sob o nitrato de cada orphão não ligassem ú íileira como nem lessem mortes vêm ; talvez que de rostinhos infantis maior im- portância que a (pie ligam aos gordos frades embor- cando cerveja nos cai'tazes dos sc/iops, nas nos annuncios das tabacarias, ás estão triaes ; ou ás dansari- — tão acostumados extravagantes explorações dos comtudo. ;i seus indus- minha ignorância de mulher senti- mental parece que o olhar mudo e innocente d'estas creancinhas revolver-lhes-ia na consciência maiores 1 etlexões do que todos os discursos das duas cama- rás... Realmente, a fúnebre lembrança d'esta propaganda é de fazer arrepios. eu acredito que da farinha Pobres orphãos innocentes elles (jue lhes ! o que espalhem pelo mundo não é a fama engrossa o leite, e os prepara para **-7-^r-v ^'^ ORPUAOS DE HEROES futuras batallias, fere, <» mas sim a 163 idéa da injustiça (jue as tremendo horror da guerra, que semeia com sangue as mais tristes saudades da terra ! _ L- - ^•:Jsji3LijJ*-' ^-í J-^- .•*.-.- JJ, y- ., '^ CARTA ((Minha querida. VENHO do circo. Lá ao fundo, na noiteescura, em uma baixada do morro, ha ainda um clarão averme- lhado rompendo o toldo e as paredes de lona suja, onde a rapaziada do bairro assobia ao rythmo da charnnga desafinada. se As personagens da pantomimn esbordoam- na ultima scena, fazendo voar as cabelleiras longas abas das casacas immundas começa a voltar costas ao espectáculo O ])ovo ri, e as mas : ! 1 LIVRO DAS DONAS E DONZEí.LAS 16(5 Vèin encostn. umas lanternas de doceiras trôpegas pela como estrellinhas caneadas. No meio da treva, j;i mal attenuada pelos esj)açados lampeões de gaz, diviso as linliMs ondeantes do morro, de onde escorre o aroma agreste das plantas, que o relento refresca e activa. Sinto-me acolhe minli'alma n escuridão a triste; me e a como um seio materno. Nunca a pareceu mais doce; posso mostrar ao céo amargura da minha deixar que placidez da noite silenciosa, o desalento ti'anspareça no meu porque face, meu do s() Deus a vê, e espirito se infiltre e corpo. Quem ha que não tenha tido, ao menos, uma hora d'essas, em que toda a força vital parece exgottada e não nos resta nem ao menos A meu uma lado voz a vontade de reagir? como um rumor falia, conti- nuado de agua rolando em pedregulhos baixos. Mal me ati"evo a esboçar um gesto com Decididamente A a tristeza é que lhe responda. agente da preguiça! ultima bexiga da pantomima deve ter rebentado agora nas costas do estalajadeiro, que era velhaco e sonso. Calou-se a charanga, e o clarão rosado do circo sumiu-se de repente na treva. Augmenta a bulha de passos ; ouço uma voz dizendo — O palhaço é muito engraçado Eu mim de um por antigas, achei-o estúpido, repetidor de trapaças rancismo bolorento. Engraxou-se mal, não tocou ao violão e pouco dançou da chula. Mas a razão não estaria do meu lado; a razão nunca está do lado da gente O triste. palhaço devia ter cumprido a sua missão. brei-me de ter visto torcer-se toda, em um Lem- accesso de : CARTA liilaridade, uma expansão o seu espectadora velha, expondo no auge da uiiico dente descarnado e foram da archibancadn caras 167 Outras lonj^fo. sur^rindo minha na memoria. em certos espectáculos, único pittoresco num circo Olhar para os espectadores é, o melhor espectáculo, e o de roça. O rosto dos velhos tem uma sobretudo cândida expressão de deleite, mais demonstrativa de enlevo que os das creanças mesmo. A alegria desabrocha-lhes por entre as gilhas da lace e as pálpebras franzidas, frescor em viçoso de ílôres curiosa, que eu invejo, piedade... É ruinas. Aquella com o alegria causa-me entretanto uma certa a profanação do riso, a abjecção do gosto.. Parece-me que aquellas cozinheiras e operarias que l)asmam radiantes para as misérias da arena só deveriam sentir á vontade com festões de lâmpadas em cada camarote Um em um se circo de sedas claras, eléctricas e ramos de violetas equilibrista fechava a primeira parte, susten- tando maravilhosamente A vaidade do homem uma penna na ponta do nariz. devia ser grande naquelle indi- viduo! Cruzaram-se fardas de belbutina e casacas luctuosas dos ajudantes na arena. .• Cerrei as pálpebras, aspirei o fiz de conta que estava vendo a ^'J^^ aroma de meu lenço pompa circensis e com que se precediam os jogos no circo de Maxencio... e a illusão talvez se prolongasse, se se uma preta moça e tafula não lembrasse de roçar pelos meus joelhos, exha- lando o cheiro de um carapinha. Entonteci ; raminho de arruda espetado na e logo tudo me pareceu ignóbil •V -.- -i-; -^i-i ^~TÇi>^ít«A';FT/'-f ;•.. r- <-. V DAS nONAS E nONZELLAS as desafiiiações da cha- ranga, as pernas grossas das écayères mal calçadas, o ondear das e das tarlatanas fitas a baratas, repetição sortes tantas vezes (las os assobios do vistas, povo, os dos estalos chicotes e das bofetadas, o ruido da masti- um gaÇíão de visinho, enchia a bocca de qtie mendobi, o fumo dos cigarros, a deficiência das luzes, e os pregões de um hespanhol mal- annunciando trapilho biscoitos. Restabelecido notei equilibrio, surpreza que o com alguns d'aquelles saltimbancos tinham logrado prender-me a attenção em uma niatinéa do S.Pe- dro. Sim, era a mesma gente, era trabalho. o mesmo Somente a atmosphera atravez da qual eu os via ora outra. CAUTA Nã(í se comia iiiendubi, mas 169 pastilhas de chocolate; a sala era clara, limpa, e nos camarotes apinhava m-se creancas lavadas e cheirosas. Nesse dia os artistns nham ti- trabalhado bem, pnreceram-me até pessoas de ({ua- lidade, (jue vinham por excepcional obsequio divertira gente Para penitencia relembro uma pagina de sinto sobre o como que —A armado a meu hombro alegria á pressa, cambalhota verdade a e mão pesada íVaco a sua o seu espirito sussurra ao Tolstoí, meu e : neste barracão estão como uma tenda de campanha, para e as misérias Sedas? flores? luzes mal disfarçadas. eléctricas! são phantasiaspara gente de casaca, que não sabe rir. Só a gente rude con- serva frescura e sensibilidade de alma. Os únicos velhos que têm riso gostoso são os ignorantes. . Vae-te embora. eis E eu vim-me embora, pensando nessas coisas quando, passa por mim um medico illustrado a quem ouço dizer: — Pois senhores, A opinião dos homens confunde-me. simples motivo de ser tenha de tudo tem graça! o palhaço uma homem, O homem, pelo está determinado que visão mais positiva, mais clara e mais perfeita do que a minha. Relembro a scena principal do Um clown : sujeito de casaca e de chicote dá-lhe a bência de levar um embrulho de doces a certa Procuro fixar o resto: não j)osso. incum- moça foge-me a idéa para outro assumpto. O céo está estrellado, o ar doce, o aroma das ma- LIVRO DAS DONAS E DON/,El.I-AS 170 g-iiolias túnica como uma sae dos jardins o envolve-me toda, que invisível, d;í ;i minha alma uma |)ureza de Vestal. Pyrilampos sal])icam o viajoras. ciivo em de fulgurantes esmeraldas alto e volto a vista ]inra o local do Chego ao tudo : ai' trevas ; a noite como que suspira de allivio. Passa-me ainda uma vez pelo romance espirito o explorado velhos tas : ])elos contis- o riso agu- do do palhaço que se rehola na arena e que se trasmudaem soluços quando nos intervallos se atira sobre o ' corpo moribun- do do filho ; as sovas nas creanças roubadas, nos estudos da acrobacia, e o pudor das écuycres, virgens e recatadas. Para mim, todo um filho o palhaço tem sem])re no bastidor moribundo e todas as creanças signaes de pan- cada sob os maillots rosados. e E é talvez por isso que este cii'co de em que as misérias se mostram tanto segue diverti r-me A hora nem dissipar-me em que vou chegando roça, grotesco, a nú, não con- a tristeza. a casa, está o palhaço, e estão os seus com])anlieiros refazendo as forças o bife e o vinho da ceia, porque a féria foi bôa. c rindo-se, com ainda por cima, '»i.;s:.j,.wi.-- :%:. ( Entretanto, (oh ! ARTA prodi^fios 171 da imaginação cnfeiti- çada pelos romancistas!) como que distingo no ar, lá muito perto do céo, o senhor cíown enfarinhado e choroso sustentnndo nos hraços E como um filhinho morto ! são horas de dormir, digo-te adeus!» Tua Francisca --.. _- .. , ,. . ' ^-£<'^ ps-TTrvsT?^,- - ^ -7 i^^-.-i- .•>«'-.>«. jw 'K-i V,- ' >;. : '. ?qK". J rí.-VZ^T.^ívi BRUTOS! f D umas largas dezenas de annos, quem 'aqui a amigo de lèr chronicas d'este século XX, lòi* que des- pontou com aspirações de paz universal e bondades aperfeiçoadoras do coração dias houve um rei, seu real reino, dizer que nestes que por amor da sua dama quebrou as mais rijas lanças. o humano, poderá Para conquistal-a, expulsou ello pae e senhor, deportando-o para fora do onde o misero morreu sem amigos, no desam- paro da ingratidão... Para colher dos lábios d'ella a cheirosa ílòr do beijo, houve o rei de arcar com a basta chusma dos preconceitos da épocha. de sangue da real, e enfeitiçadíV por isso, A pobre não era mal estimada pelos súbditos magestade, todos se oppunham a que o ^ :i LIVRO DAS DOSAS E DOXZRÍ.LAS 174 unisse nquella mullicr, que rei se Julieta, como nem um era portadora de moca como era titulo de princeza, Cordelia. Por sua parte a «iio nem 1 im])riidente, fascinada j)elo presti- homem, caminhava para (raquelle agulha de aço para um elle Cirande pedaço de iman. mulheres nào se emendam, e tanto mais menos devem amar. Com o perigo, amam se recebeu unia (dnia feita para o amor, é priva r-se, a outrem, de uma grande felicidade. Seri(t laranjeira que não florescesse — como dizia Stendhal, dade que em um outras conclusões ao seu amor, : As quanto do céo si e a como uma com medo de peccar, escriptor de então... paginas adeante fina augmentava o en- Não amar, quando canto da pnixão. como a elle É accrescentava, a firmeza d? imut mulher que vei^- em resiste a coisa meus admirável que pôde exis- é mi terra ; todas as outras provas possiceis de coragem são bagatelas ao pé desta, tão forte e tão penosa. tir Raciocinando a dama que esses heroismos são bons para os livros, e que, sendo a missão da mulher obedecer á natureza, mais lhe quadrava a allegorin da laran- como jeira, assim mento e ao seu rei íez. Desditosa ! : devia, a vontade ao seu senti- casou com o povo, que já entrou a aborrecel-a. elle. não a via com bons olhos, Para que todas as antipathias chovessem sobre a sua cabeça lado, homem costumes ram a (|ue fora fáceis, fraca, o velho rei exi- sempre de amores ephemeros e morreu longe da dizer que elle pátria, e logo começa- se finara de paixão, resentido d'aquelle filho ingrato, e que a culpada de tudo era a rainha, que por não ser de estirpe real não devia me- . * ^K a -* f ^ ,.. íflj ^ .* ' .V ' recer o BR UTOS amor de um rei. 175 Teceram logo uma trama de enredos e zendo que falsidades, ella di- mentia á sua religião e á sua consciência. O beijo do amor não a fecundara, e na sua murcha esterilidade divulgava um sonho que embevecia a corte e o O ella rei. sonho da mater- nidade. •>* . 176 DAS DONAS I.IVIIO li DONZEIJ.AS (Tente do palácio, muito embusteira, inventou logo que minha íi um simularia uma parto, vindo creançn. extranha occupar no berro principesco o logar que só deveria competir ao filho do sobemno... Intriga que se espalhou por toda a nação e ti'ansbordou alheios e terras de além mar. E, paizes iam as guinhas, rei perfídias entrando esta foi para, como formi- pelos ouvidos do ... No seu grande palácio sumptuoso vivia a misera rainha desconfiada, sem se poder lavar das maculas que lhe attribuiam. Assim, a flor da sua belleza outomniça enlanguescia, e o vassalos, que rei, aturdido, cheio das queixas dos lamentavam a morte de um rei que nunca tinham amado, só por acinte á rainha intrusa, cahiu em acreditar que a esposa só o quizera por vaidade e ambição de reinar. Por em lhava isso, quanto mais ella se debu- pranto, mais elle se enfastiava d 'ella, que sempre as lagrimas foram causa de aborrecimento aos olhos dos maridos. depressa herdara o seu grande afTecto se tornou em ogerisa, que também do pae uma certa inconstância no amor mesmos os Todo olhos, naturalmente ; e vêr sempre de mais a mais queixosos, não lhe sabia bem. um dia, um rei da Correram mezes nesse desagrado, até que em culta Europa cahiu com bruteza sobre a uma rainha. No triumpho da e mão de pleno palácio, a macia e régia fieis alegria correram pallida face de damas de honor criados de el-rei a soprar aos quatro ventos aquella ignominia, rindo da triste rainha ofíendida. Esta, humilhada, quiz matar-se ; mas não a ^' deixa-^ r í'i-4 . -v . . ;• BRUTOS 177 ram acabar com a vida, guardando-a dia e noite de perto, com os olhos arregalados e as unhas afiadas. Os vendavaes desnudam as mais floridas laranjeiras; »: a alma da rainha já não tinha perfumes, só tinha espinhos e o rei, por onde andasse, lá ouvia o echo das ; canções maliciosas das ruas e dos theatros, dizia a aventura de rei uma mulher que pela vaidade e o desejo de reinar. Entendiam no século encarcenulo, e ainda XX com muitos que, um . Amor sellos devia viver nas portas e nas janellas gradeadas, que lhe attestassem De modo que se sò se unira a . que o em a legalidade. quando cansado da reclusão, elle qui- zesse fugir, teria de debater-se e deixar na cadeia o sangue de seu corpo e as pennas de suas azas. Elle arrependido, ella resignada, parecia até que tinham voltado a amar-se, foram uma prehendidos no seu castello por assassinos, que tinellas, Não alta noite sur- uma immensa horda de arrombando portas, derrubando sen- alcancou-os a ambos e os matou sem dó... fosse elle fraco; não fosse ella ambiciosa... « * * Dirá mais coisas a lenda do com injustiça a pobre Draga, não tinha nas veias sangue . rei da Servia, tratando sua mulher, só porque real. Outra lenda, sua contemporânea, provará d'aqui a uma centena de annos, que as mulheres, nhas, não tinham no começo d'este seculu mesmo XX as prero- gativas que hão de ter então. Esta será talvez de balada. Uma soberana moça, de rai- perfil em forma doce, 12 ele- ; LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 17S vando ao seu throno d'elle a mesma senhor Somente, ! um príncipe extrangeiro, recebeu injuria que a pobre Draga, do seu real ;i dòr da linda Guilhermina acudiu chorando todo o seu povo. Emquanto que á outra... O que pensarem d'este nosso tempo os futuros com- mentadores da historia, parecer-se-á de perto que pensamos das velhas edades, mentos prendiam pelas tranças em então, como o t . que esposos ciu- * dos seus " ao. ferrolho castellos as esposas ultrajadas pelo seu ciúme. E com '- " i *' • *^ hoje, a queixa ouvida e que perdure pela sua sinceridade, será a exhalada pelos lábios femininos... . V * > >. , . í'í •' • Michelet, que tão bem penetrou no coração da mulher, 4#^ escreveu Os (( em Z.'^/>ío«r .• insectos e os peixes são canta, querendo articular o ; A - " mudos homem tem ; L o pássaro a linguagem distincta, a palavra clara e luminosa, o verbo limpido. ^. Mas a mulher, acima do verbo do pássaro, tem homem \ e do canto do uma linguagem magica com que * '"*" intercala ^. esse verbo ou esse canto nado. ; o anhelo, o suspiro apaixo- )) Feita para o amor, ella é o ser mais sensível do universo. Toda ella vibra ás blandícias d'aquelle que entre todos os ou ás crueldades homens escolheu e a quem não sabe fazer comprehender a sua paixão, porque as suas expressões são apenas balbucios rompe alto inter- os gorgeios da sua alegria ou os temores do seu raciocínio. ({ue com que Elle^ que passa, pune, mata ou esquece olha para ella como o jequetibá para a roseira, do da sua superioridade e da sua grandeza, não per- cebe que, na sua humildade doce, a voz da mulher. v ! ^- • r BRUTOS • , como ,- ''í^^^:- ... .. , (í 179 perfume das rosas, pode chegar muito mais o alto, até ao céo, que só se abre para a sinceridade dos sentimentos grandes e verdadeiros E ! não a comprehender que ainda é por a brutaliza. > r-- ou outro v v . um Ainda não ha muitos annos uma pobre rainha tica sentiu marido. no rosto a pesada valentia da mão de seu Como no palácio da Servia, o no da China. A pressa que mesmo com que o telegrapho annuncia ao *> - a imperatriz chineza. Matou-se. uma que Afigura-se-nos mesmo da não com a do- imperatriz, China, deve olhar para todo o seu povo, com com que um fria altivez e pastor olha para o seu rebanho, mas soberana indiíferença. Ella está alli, no throno brilhante e a mundo o que não deixaram fazer a Draga, consentiram fizesse çura alvoroço . estas misérias Mas asiá- forte, amem. Não querendo para que a vejam e para que deixar penetrar os seus pensa- mentos, torna-se impassivel e austera ; sentindo em cada beijo a baba da adulação, começa a desgostar-se da humanidade sos. Os e a ter repugnância dos cortezãos mentiro- seus pensamentos com analysados, sentidos devem ser extranhos, intelligencia. prehendemos as rainhas senão assim. bem Nós não com- Uma imperatriz que ame o marido, que discuta com vivacidade, que o censure como uma com paixão, e que (santo e misericordioso Deus, isto até custa rainha que, a escrever!) leve d'elle pancada... em vez do cynismo de salvaguardar apparencias para que o seu povo a julgue invulnerável^ encontra rancor no peito e sangue vivo nas veias, para •fi ! LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 180 acabar com ;i vida, vinfrando a offensa recebida, é digna de figurar na galeria feminina dos últimos temj)os, como um dos mais interessantes typos de mulher. A verdade é que não é supportavel a idéa de que um homem, seja elle quem possa levantar a for, uma para í/t/ern Se mão mulher, seja ello for também. elle se julga e se proclama o forte, o domi- senhor nador e podedeve en- roso, contrar na palavra todo o fel da censura, sem se rebaixar num aviltamento que o amesquinha. É melhor matar do que bater. Uma mulher apunhalada poderá perdoar, mas uma mulher esbofeteada, nunca Lá ficará sempre o resentimento, quando não immediatamente o nojo, ou não haja a fique coragem da vin- gança. Dizem por ahi que as mulheres que apanham pancada são as que mais amam... A mulher É preciso afinal de contas os mesmos Não acrediteis! descida a essa ignominia é incapaz de tudo. que se comprehenda bem, que ramos de veias que fazem circular no corpo do homem o sangue que os mos altera, desejos, as fazem nascer na mulher os mes- mesmas violências. Somos mais tenazes, rji.T, -**;• - ^ -vt- • ! ! -v'*- .181 BRUTOS talvez, mais frias no amor, mas mais excessivas no ódio. O exemplo do imperador da China levou tempo a medrar, civilisada, mas medrou em desponta e velhos thronos de ouro e purpura, que dão norma ao povo, como reito na velha Europa uma lei de justiça e um di- da força indiscutível. Dizem que a mulher do povo gosta do amor que a brutalize ; cruel, se assim é, que bons maridos e que gníficos trabalhadores de enxada se ma- perderam naquelles régios senhores coroados Bailadas e lendas d'estas rainhas, nossas contemporâneas, attrahirão a maguada sympathia de outras mu- lheres que, chegado o sol doirado, se tempo do amor, do céo azul e do vejam, como laranjeiras floridas, cober- tas de illusões V^ . • .>-•>• o ULTIMO SONHO DA RAINHA THERE is Em glaterra, no one near me to call me Victoria, h. toda a extensa biographia da rainha da In- a bem amada, que os jornaes do mundo publicaram na occasião da sua morte, teiro now tosa necrologia, nenhuma phrase ha in- em lamen- talvez que mais justamente revele a mulher, do que esta, com que ella chorou a sua viuvez : — ((Agora já não tenho ninguém me chamar O Victoria. a meu lado para » seu nome, isolado de toda a cerimonia, proferido de egual para egual, nunca mais soaria aos seus ouvidos, na intimidade franca do amor. A morte egualitaria e justa sellava na bocca do prin- .;;.', , • . _ i - • . LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 184 nome da mulher, cipe O ficando só para a Vida o da ma- gestade. Rainha Nâo ! não ser mais que rainha, é pouco. Mãe? têm pela soberana presti- basta. Filhos e súbditos mesmo giosa o respeito incondicional, a mesma obe- diência passiva. Ella sente, na sua viuvez, não só a falta do amigo, mas a da sua própria personalidade Havia uma voz tratava humana. entre tantissimas vozes, que a só, como a companheira de jornada, alma irmã, a creatura de Deus, sujeita ao erro, do- filha mavel ao conselho, com as qualidades rentes aos mais ; havia só e os defeitos inhe- uma voz que lhe lembrava que uma mulher como ella era a confidente, a as outras mulheres, aflectiva, nascida para o goso e para o soflrimento, e que o seu papel na Vida, sahia todo do coração. Dizer somente: Victoria, era o mesmo que significar, aos seus ouvidos aturdidos de honrarias e lisonjas confusas — : (( Para mim tu és mais do que a soberana, a poderosa Rainha da Inglaterra e Imperatriz de todas as índias ; tu és a Mulher, creada á minha semelhança, para companheira da minha existência, bonança dos meus dias, e bençam da minha mim somos eguaes, amemo-nos ; prole. ! Nasceste para » Percebo a sensação de isolamento que a rainha havia de sentir, quando, olhando em torno, só visse cabeças curvadas deante dos seus olhos interrogativos, e joelhos vergados nos degraus do seu throno. A única voz que a tratava por tu, extinguira-se e só ; então ella percebeu como essa expressão de egualdade e de intimidade é doce... ! >^r ' -<-: o ULTIMO SONHO DA RAINHA Todas as suas confidencias se 185 voltam para o seu diário. É preciso escreve. abrir É também — válvula ao sentimento, si . —a Victoria portanto, que ^ . camponezas que andam pelos campos ceifando, as pobres com e vão á tarde para as pontes e as cercas tagarellar os noivos. Este livro é numa prisão. Eu gostaria como que uma janella aberta de lêl-o, certa de que elle será cellente estudo de uma alma, revelação de uma desconhecida e nobre, cuja interpretação é esta ciã de e a única maneira que ella tem de se mesma que ella é — carne e osso, da mesma espécie, fazer lembrar a mulher de uma uma um ex- tortura : a an- rainha por ser antes, e mais que tudo — a Mulher. Em toda a sua biographia só entrevi, talvez mal, traço ligeiro de vaidade. Sua Magestade Britannica, um of- ferecendo o sen jornal ao grande romancista Dickens escreveu (( tores, : ; Como o dom de um ao maior de todos. dos mais humildes escrip» ^ . Talvez que este livro expontâneo, espelho de alma em toda a sua intimidade^ dê direito ao titulo uma que a rainha se arrogou. Que observações finas e curiosas teriam essas pagi- nas commentadoras de actos e de personagens da Corte, se a mão da soberana, trocando o sceptro pela penna, a empunhasse, não como derivativo de saudade amarga, mas como um instrumento que tudo revolve em busca da Verdade O livro de uma rainha tem de ser nublado pelos pre- - fit^gf^KXmrtirTyr^" m^x^siC^ — -.- » • t .--.,.. ..-•jy^-^ . ">^ '^^-^^' ^^ '.;.",• Si .vf^-.í-í^^/J^f ' » "V^StT LIVRO DAS DONAS E D0N7.ELLAS 186 conceitos o as conveniências. Muitas linhas teriam sido riscadas, quando, deixando de ser álbum intimo, esse confidente discreto passou a ser livro publicado. a Todavia, o que naturalmente o torna encantador, é sua essência, a expansão ingénua da felicidade ao al- cance de qualquer. . Tnlvez tivesse sido esse o segredo da popularidade da rainha. O povo ama os simples e reverencia, sobre todas, as qualidades do co- ração. Não tardará que essas decantadas, virtudes atravessem ^^^ inglezes e can- .fl^^H^B^^^^^feí ^^^^^i». ^^^^KH I *^' con- idy liças, ç-^g como embryão de / H^^^^^^^^^^^^^^^^ formosas e futuras lendas. O tocante episodio da offerta ' ú filha de um de um camponez, annos depois de brinquedo feita a pro- messa, interromj)ida por viagens e altas preoccupações de estado, servirá de assumpto magnifico para historias do Natal, em que as creanças que hão de vir, antes de conhecer a rainha da Historia, comecem a amar a mulher do conto... Assim, a rrfin/ia boni ginas, conduzida pelas associou, Eu (imada, surgirá mãos d'aquelle a em varias pa- quem ella se chamando-se escriptora. quizera, sempre a exigência da perfeição ! que, ! \-W. : '-^ ir. í 187 O ULTIMO SONHO DA RAINHA para a apotheóse de tão clara e amorosa existência, a velha Rainha da Inglaterra e Imperatriz das índias, so- erguendo-se no leito de morte, com o esforço supremo da sua vontade soberana, tivesse pedido aos seus ministros e ao novo rei, seu filho, a terminação da guerra sul- africana. Dizem que do mal senhora. Quero crêl-o d'esta guerra se finou ; a velha e só assim concebo a suavidade da sua morte. A dôr, que não pôde ser expressa, por conveniências e por orgulhos de Estado, e que ficou abafada no ultimo suspiro, deve vibrar agora como um remorso na con- sciência dos que a provocaram. Triste, o deixa morrer A brilhante destino dos como que nem os reis, os demais christãos : alma da rainha-imperatriz muito perdoando se ! mostrara ao Com a percepcomo em um livro seu povo para que elle não a conhecesse. ção aguda do instincto, elle lê nella por isso afíirma que era infinito o desgosto da sua sobe- rana ao fechar os olhos para o ultimo somno. Era infinito o seu desgosto ; mas, se em vez de oitenta annos a Rainha Victoria tivesse quarenta, teria sabido morrer de outra maneira. Então, o rumor surdo das armas em combate, des- cançando no solo ainda fumegante da batalha, soaria mais alto que todas as orações e que todos os sinos das abbadias e das cathedraes. Esse devia ter sido o ultimo sonho da Rainha. Advinhando-o, todo o seu povo cero, os jardins do se cobre de lucto sin- Reino despojam-se das suas hôres, as viuvas e os orphãos não a amaldiçoam. e ; LIVHO nAS DONAS E DONZELLAS 188 As virtudes altissimns do seu espirito e do seu ca- racter são mencionadas em todas as linguas da Terra o telegrapho espalha o seu nome ha em todo este movimento um pelo mundo inteiro, e respeito singular e pro- fundo pela mulher cujo conselho, cuja prudência e cujo acerto, desenvolveram, ampararam mais poderosa nação do Globo, e triste, por e que e enriqueceram a afinal, morre calada não poder realizar o seu ultimo sonho 9<l I ^^2^7<" • -í 'V- PREDESTINAÇÃO! QUANTOS quelle e quantos dias se passaram depois d'a- em que a mão divina de Shakespeare es- creveu no seu immorredouro Hamlet « There are things in heaven and hearth, Horatio, Than E : are dreamt of in your philosophy. ainda hoje, como talvez d'aqui a amanhã, se continua a sentir o .'• um longuissimo mesmo que o principe <*' "T^iijjj/uy.. LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 190 da Dinamarca affirmava ao amigo céo e na que ha coisas no : que não são suspeitadas pela philo- terra sophia.... Por mais que as sciencias victoriosas dêm ao ho- mem moderno uma um acorrentado por sivel idéa positiva da vida, elle sente-se mundo doce phantasma ao invi- que abre á sua imaginação inquieta perspectivas infinitas. O tudo nega, mais independente encontra lá um quiçá mais e, que feliz, caminho uma dia no seu interrogação a que não sabe responder e que o obriga a levantar os olhos Uma com espanto. crença que nasce, presentimento, um uma aceno do nada, para ligar muita vez, um visão que passa, um sopro, bastam mesmo que momentaneamente, o espirito mais livre ao singular encanto do mysterio. De resto, não ha quem não conte, ainda que vagamente, com o auxilio da sorte, o que é ainda acreditar nas determinações do desconhecido, certos como estamos nem que <( se tudo dependerá nunca de nós mesmos. Deus quizer », — atheus uma Toda significação, inexplicável, a gente conta vae regendo os uma que é para os déistas mula sem contestação, não deixa de com uma ter mas O — for- na boca dos sincera. força superior que destinos humanos, impassivelmente, atravez dos séculos, e de que se emana todo todo o mal da nossa alma. Haverá quem viva na terra bem o e •"• . só pela terra, . ., i sem outra preoccupação que a da hora porque está passando e o trabalho sobre que está curvado ? Não conhecendo o embalamento da esperança amiga, a mais perceptivel das creações sonhadas, como poderá esse ente archi- • ''•- í :-,-^:^ • -^ - - - *• # PREDESTINAÇÃO 191 de susto ou de em que nos abrigamos nos momentos enfado ? Sem o mundo irreal, já não me lembro quem perguntou, não seria insupportavel o tectar os castellos mundo visivel ? E para que nos cançarmos procurando em vão, sempre em vão, adivinhar o que nos parece apenas presentir ? Para esta fome da alma, nunca satisfeita, nunca apaziguada, nasceram as religiões, que se transformam mas não acabam, e que ainda assim não bastam, visto que mesmo os homens mais religiosos não são alheios á superstição. Fatalidade ! eis a palavra que sem explicar nada tudo explica, e é como (jue um grande manto de cle- mência atirado sobre todos os crimes e todas as obsessões. Um dia entrou-me bellos brancos e em casa um cavalheiro de ca- mãos tremulas, cansadas do trabalho bemdicto de apontar ás creanças as lettras do Deve ser conhecido ahi pela cidade; AB C. tem setenta annos, ainda moureja, e passou toda sua vida clareando o espirito dos analphabetos. Quando Ahi está um trabalho ! o vi entrar, por elle ser velhinho dei-lhe a melhor cadeira, e como sou da raça dos que amam ouvir historias, prestei-me a ouvir a sua. Têm reparado ? Para os velhos não ha prazer com- parável ao de contar a sua vida. Relembrando as horas rapidíssimas do prazer, ou as lentas da agonia, luzemIhes nas pupillas, atravez da névoa da velhice, que — com mais acerto se deveria chamar nevoeiro da saudade uma claridade branda, de primavera. É uma ternura, um rejuvenescimento da alma, que — LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS 192 çtvir>-- attestam, mais que tudo, O cariniio com que como a vida Sou um bôa e amada! são lembrados os dias da mocidade, tão passageira^ tão fugitiva « é i ! predestinado, dizia-me elle; não acredita na predestinação ? Sete vezes o fogo reduziu a cinzas ! PREDESTINAÇÃO OS meus haveres me e Nasci para reagir... Na um incêndio reno, levantou os No deixou nú, quasi a pedir esmolas » primeira vez, contou-me, quando 193 ainda era moço elle lhe devorou o negocio. Forte e se- hombros — Paciência e disse ! dia immediato ao do desastre recomeçou a tra- balhar para reconstruir o que as labaredas tinham des- Pouco a pouco, com economia feito. e ambição de for- tuna, angariou alguns contos de réis. Casou então, teve um filho, e quando maior numero de promessas lhe fazia o futuro, veio outro incêndio que lhe levou até o berço do filhinho. Mas elle Paciência ! ainda era moço e tinha confiança — murmurou em — si ainda, e recomeçou na can- ceira. Não me lembram esse novo Job cavou as minúcias do e perdeu successivamente fortunazinhas, duramente adquiridas. pressionou não drama em que O que sérias vae a gente ficando preparada para as novidade tristeza « me uma deu desfecho, contado com sensação de simplicidade e A sétimo incêndio, fiquei sem ter que mulher tinha morrido, o vizinho, condoído, para que mais dolo- : Depois do vestir. Um foi este O me im- á força de lêr e de ouvir mi- foi isso; rosas confidencias. sete um filho estava fora. deu-me umas roupas par de botinas, visto que eu nunca mara a andar descalço e as e dinheiro me acostu- que trazia estavam em misero estado. Fui ao ageitar meu velho sapateiro, único o couro nos meus pés homem que sabia doloridos; fiz-lhe a '" ' r'->:_ I,. t ' LIVRO DAS DONAS K hONZELI.AS 1!)1 Giiconimendn, pa^íuoi-lh';! c canto de empréstimo em resignado para o voltei (jue eu descan!:>ava os ossos "'' magoadissimos. Estava cansado, mas não desanimado; mais uns e eu voltaria para o dias de repouso, eml)ora |)oucos, cepo a recomeçar a vida pela oitava vez Uma de manhã, appellando homem, filho desci me que ;i ! toda a minha energia ])ara cidade a trabalhar para o ultimo restava. Havia ainda alguém que preci- sava da minha coragem e da minha força, e esse alguém seria servido. Para apresentar-me no emprego era mister que eu fosse antes calçar as botinas novas dirigi-me para a ; em um montão sapataria e encontrei-a transformada cinzas : ardera toda na véspera; só havia de pé uns restos de surpreza de paredes e humbraes carbonizados foi ! Minha tamanha, que não cria nos meus olhos; e eu, (jue já sete vezes tinha visto destruída pelo fogo a minha propriedade, ganha com tanto sacrifício; eu, esforço e tanto que por causa de incêndios passara uma humilhações e trabalhos sem conta, sempre com resignação que nem sei me de onde d'aquelle ])ar de botinas succumbi chorei como uma creança meu amor pela ]»i'imeira vez, ! Percebi então claramente que o e, vinha, por pol" em vão luctaria contra destino. Agora, já serenado, espero o oitavo in- cêndio, que consumirá os minha carne. » Assim fallou meus ossos e purificará a o velho de barbas brancas e mulas, que tão vivamente me trazia á mãos tre- lembrança o experimentado varão da terra de Hus. Job, tosquiando. "'0 A Wii^ L-. PREDESTINAÇÃO ji 195 cabeça e rasgando os vestidos, sentou-se turo a raspar corpo, em com um caco de num mon- telha a immundicie do servidão espontânea aos mandados de Deus. Este novo Job, comquanto certo de uma perseguição com chega para onde ouve fallar em mysteriosa que o ha de vencer, lucta, trabalhn pertinácia, e ainda se com o sentido de ensinal-as a lêr! Emquanto se vive trabalha-se », resumiu elle ao despedir-se de mim. Sim; agora, como nos tempos antigos, ha coisas no creancinhas, (( céo e na terra que não são philosophia ; mas a verdade nem sequer sonhadas pela é que a maneira de gosar ou de soffrer a influencia d'essas coisas impenetráveis, é hoje, ainda bem para nós dos dias de Job ifv t ! todos, muito differente da çwippSíçp' V ". I'.' V .' ' ^i *^. " '^F*^ "^ '^TT^Z,-- '^ -~ '^'.'^«>^ N — ' -. • í, ft.. índice PRIMEIRA PARTE Minhas Amigas 7 Natal Brasileiro 11 Conventos 17 Vestuário Feminino ,..»... ..... 23 Arte de envelhecer 29 A mulher brasileira Uma carta A agua 35 Em .... 47 guarda 53 Porquê? 61 ,: Formalidades Para a morte 41 67 .'v-:^^ !....... . 71 '^. / SEGUNDA PARTE Folhas de uma Chiromancia carteira • , 81 • 99 Arte culinária 105 Amuletos 111 Os Beijos 117 f '• ' ' '>:- „ -iL-^zy».*^.^- 3:7^^J"^- *è^ 198 índice TERCEIRA PARTE As arvores As 125 flores . Harmonias Um testamento. 133 143 . 149 , Orphãos de heroes 157 Carta 165 Brutos O ! 173 , ultimo sonho Predestinação 183 . 189 .f- Parte do programma referido 110 capitulo das Flores foi realisado pela Associação das Creanças Brasileiras na sua exposição de Flores de 1903. v# > Typ. AiLLAUD. — Paris