Livro das donas e donzellas [microform]

Transcrição

Livro das donas e donzellas [microform]
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Theft, mwtilatien,
and underlining of boeks ar* raoson*
and moy recult in dismitsal fr*m
for disciplinary actien
the Univarsity.
Te renew
Telephen* Center, 333-8400
call
UNIVERSITY OF
JUN 1
OCT
1
OCT
LIBRARY AT URBANA-CHAMPAIGN
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22
AUS Z 2
AUfi
ILLINOIS
-^
1389
^
2^
1993
L161— O-1096
LIVRO
DAS
DONAS E DONZELLAS
tl^É'f1'Ai'rf>1li"i
>;-.'•-.*-..-:'
OBRAS DA MESMA AUCTORA
Traços e Illuminuras, contos.
A
A
Família Medeiros, romance.
Viuva Simões, romance.
Memorias de Martha,
novella.
Livro das Noivas.
A
Fallencia, romance.
Historias da nossa Terra, contos para creanças.
Anciã Eterna, contos.
A
.
Intrusa, romance.
De
collaboração
:
Contos Infantis, com Adelina Lopes
A Casa Verde,
romance, com Filinto de Almeida.
Paris.
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Vieira.
—
Typ. Aillaud
& C*
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JULIA LOPES DE ALMEIDA
^
<3
LIVRO
DAS
DONAS £ DONZELLÃS
^
C^
v
Desenhos DE
Jeanne
MAHIEU
0ÈÍ
FRANCISCO ALVES &
RIO DE JANEIRO
-
134,
RUA DA BAHIA
RELLO HORISONTE
rua do Ouvidor,
RUA DE
1
(Minas)
C.»
S.
134
BENTO,
45
SÃO PAULO
|
1906
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MINHAS AMIGAS
m
Mez
das cigarras e das flores de flamboyant, como diria
Fradique
Mendes se tivesse de datar em Dezembro uma
carta no Rio de Janeiro. Prescindo, como elle, da enumeração do dia. Datas são algarismos sem forças para
nem
fazer sentir o violento azul do nosso céo,
Ihões purpurinos das nossas arvores,
nem
os i^ama-
este chiar inces-
sante das cigarras entontecidas de luz, annunciando o
calor.
em que
Este lindo mez,
o anno morre engalanado de
cores e de sons, obriga-nos a volver o olhar para o passado
num,a inquirição pensativa
e saudosa... e logo
a qu^'er
sondar o futuro impenetrável com afrouxa luz de
esperança.
Nada
uma
se descortina bem, visto de longe; e é
melhor assim. ..
O
prova
que torna a vida encantadora
é o imprevisto
que ninguém desejaria recomeçal-a da
é
formxxpor que a já viveu
;
nem
creio
mesmo
;
e
a
mesma
que, se tal mi-
lagre se pudesse cumprir, houvesse alguém, por mais ven-
turosa que lhe houvesse corrido a curta vida, que tivesse
coragem de a recomeçar !
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LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
8
Cerre alguém os olhos, pense,
da sua
que só alguns dias lhe
existência, e Jicará convencido de
mereceram o desejo de serem
siga o curso
revividos.
Dias
?
Nada
mais
que momentos, de inolvidável doçura...
Para a gente moça
ha de
vir,
no que
se
maior encanto da vida está no que
o
ignora; para a que transpõe o cabo
dos quarenta, está no presente, que passa ligeiro,
como a corrente de um
ligeiro,
rio caudoloso...
Alinhas boas amigas, donas e donjsellas, velhas
nas, perdi o endereço de
algumas de vós;
meni-
e
outras... rese-
mos-lhes por alma, estão mortas
;
de incerta direcção, pretende
até ás portas do céo,
ondulação do acaso
ir
de sorte que esta carta,
na
da saudade.
e
Nós, as mulheres, não temos sempre facilidade de bem
exprimir os sentimentos por palavras ;
por demais
subtis e
quíssimas.
Dizem que ha para todas
complexos ;
parecem-nos
ellas insujfficientes
precisas, de inquestionável exactidão
som,
elles
e
fra-
as coisas expressões
;
a lingua] modula no
a essência da mais rara alegria ou do
e inalterada,
Mas essa é a interpretação dos
fortes ; a nossa dilue-se, numa gotta incolor e inodora, que
é como um chuvisqueiro em uma rosa, se nasce da alegria
ou, se vem da dor, como umjloco de neve em uma brasa,
mais
terrível desespero.
que apaga a luz
e
deixa a nú o carvão.
Lembranças de amisade não são como lembranças de
amor, que pungem
perfume
e
deliciam; têm outra suavidade,
indistincto, e
por
isso são
mais
difjiceis
um
de des-
criminar nas meias tintas do passado ; todavia, quanta
commoção
ellas
nos tracem na sua nevoenta appa^ição !
Min/ias amigas de outros tempos, supponde que eu en^^
feixo as graças e virtudes de vós todas
em uma
só figura,
que podereis chamar de Mocidade, ou de Primavera, como
vos aprouver.
<
.
'^.
DEDICATÓRIA
Para
ser
9
suprema a sua formosura
ella terá os teus
doces olhos a:;ues, tão cedo fechados, Elvira; e o teu riso
Maria Laura ; e a tua vo^, Janan ; e a tua bondade
adorável, Marie ; e as linhas do teu corpo, Alice; e d
alegre,
dúçura da tua
triste
Terá da negi^a Joseplia, tão
!
por não ser branca, a branca innocencia
todas,
e
Carlota
te^,
com que
topei
na minha
;
e
de vós
infância, a gárrula alegria
a trefega imaginação.
Não
uma
sacudo a
a umajigura
immutavel
esphinge o
e risonha,
no horizonte que
de vós não
sinto o calor de
que permanece,
amigas da meninice ; outras
sei,
e
ainda hoje eu
sympathias moças que vêm vindo como
bom
aves annunciadoras do
floresce ainda
mas
me foge.
na edade das confidencias,
vierajn depois,
tempo, para
me dizerem que
na Terra a sagrada planta da amisade.
Entre todas, não
leitoras,
quem menos
lenço saudoso,
tangível, feita de perfeições e
De algumas
minhas
meu
sois
vós,
cujo influxo
amigas desconhecidas
tantas vezes
meu pensamento de
se lança o
me
alenta,
mullier,
desejo defelicidade perfeita...
e
a
num
-
*
*
*
uma das ultimas do fim do anno, que de
lembranças suaves me esvoaçam pelo espirito!
Crede, esta carta é um desabafo. Não só vós, minhas
Nesta
noite,
queridas, voltejaes na
minha memoria, como nas rondas
do collegio; ha outros amigos adorados,
derosa influencia, a que
dão:
—
os auctores.
mais vezes relidas
versos que
;
O
me
com
de po-
significativa grati-
primeiro livro lido
;
as paginas
as musicas que melhor interpretei ; os
me fizeram
estremecer ou sonhar ;
sensibilidades, acordadas
tif.Vv.
lanço
invisíveis,
si nguloj^es
por extranJios que amei como
^-*r^v4i4^' -L^,.. ^
-A>.-^>íi»j^_-l-
-
^'
.\.F';-.'
LIVUO DAS DONAS E DONZELLAS
10
amo
me aquece, ou ajlôr que me inebria, — tudo
passa pelo meu pensamento, numa irradiação
o sol que
renasce e
puríssima, de devaneio...
Nestas Iioras vertiginosas
todos os
meus sonhos
as suas a^as,
com
e
perturbadoras i^econheço
e desejos antigos,
roçando por
tanto arrojo abertas e tão cedo enfra-
quecidas...
Mas
mim
I
isso
que vos importa
?
Valerá a pena pensar no tempo que passou, bem ou
mal?
O anno em
que parte da nossa vida discorreu, acaba?
Deixal-o acabar!
O
outro que vier terá as
mesmas quatro
estações; o sol injlammará a terra no verão, o vento fará
cahir as folhas no outomno, as neves caracterisarão o inverno, e as boninas esmaltarão os
campos na primavera...
Assim como o tempo, fuseo ou luminoso, os homens serão máos ou serão bons e a vida fará o seu giro imperturbável, desfazendo e creando entre declínios e triumphos.
Para
o
mundo
será assim,
&
mas para
^
nós, queridas ?
10
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
•
amo
me aquece, ou ajlôr que me inebria, — tudo
passa pelo meu pensamento, numa irradiação
o sol que
renasce e
puríssima, de devaneio...
Nestas Jioras vertiginosas
todos os
meus sonhos
as suas aaas,
com
e
perturbadoras reconheço
e desejos antigos,
roçando por
mim
tanto arrojo abertas e tão cedo enfra-
quecidas...
Mas
isso
que vos importa
?
Valerá a pena pensar no tempo que passou, bem ou
mal ?
O anno em
que parte da nossa vida discon^eu, acaba?
Deixal-o acabar!
O
outro que vier terá as
mesmas quatro
estações; o sol injlammará a terra no verão, o vento fará
cahir as folhai no outomno, as neves caracterisarão o inverno, e a^ boninas esmaltarão os
campos na primavera...
Assim como o tempo, fuseo ou luminoso, os homens serão máos ou serão bons e a vida fará o seu giro imperturbável^ desfazendo e creando entre declínios e triumphos.
Para
o
mundo
será assim,
mas para
nós, queridas ?
L.
NATAL BRASILEIRO
NESTE
esphacelar de usos e
tradições,
poucas pessoas
encontram ainda
encanto
em
seguir costumes de avós que se
foram
quem
ha
muito
tempo, e de
as caveiras,
das covas, já não
lá
no fundo
guardam nem
resquicios de pelle!
-Ji .\Ã\.
!
:
LIVRO DAS DONAS
12
A
e'
DONZELLAS
nossa vida agitada precisa de
um
\
esforço para
relembrar os divertimentos antigos, e não é senão por
condescendência que muita gente faz horas para
ir
á
missa do gallo ou que deixa o espectáculo pela ceia
caseira,
obrigada a certos pratos que o desuso tornou
para muitos paladares simplesmente abomináveis
!
Noites quentes, maravilhosas noites de verão, ba-
nhadas de
luar,
impregnadas do aroma da magnólia e do
jasmim-manga, convidaes por certo muito mais aos
passeios pelos arredores da cidade, ouvindo cigarras e
em uma
violas de serenatas, do que a fecharmo-nos
em
sala,
um
frente a
prato de canja fumegante, entre
os globos de gaz a toda a luz e
a loiçaria brilhe
com
uma
toalha branca onde
o seu luzimento de esmalte:
chamam
Estas festas são doces ás mamães, porque
para o seu redil as ovelhas soltas por diversos pontos da
cidade. Nestes dias,
como que
se
ouvem badaladas de
sinos de ouro que, a cada repique, dizem assim
— Vinde
vos
para casa
amam
E as ovelhas
tam para
A
!
Vinde para casa
I
É
aqui que
param, escutam, torcem caminho e vol-
o aprisco de onde tinham partido.
amante que
pensam
espere,
os rapazes
estorça de raiva vendo-se preferida.
É
preciso
;
que se
também
contentar a mamãe, que sorri acudindo a tudo e a todos
com
a
filhos
mesma
paciência de ha trinta annos, quando os
eram pequenos
e
não sabiam de nada na vida que
egualasse á sua companhia
Boa mamãe dizem-lhe elles agora, perdoae os nosdesvarios de rapazes Nós cá estamos no teu regaço,
«
sos
i
!
!
!
olhando para o teu rosto, beijando as nossas irmãs,
n
SiV
"C "«
'.
'.
,
"
;
"
NATAL BRASILEIRO
E
a
mamãe
vae e vem,
oliios brilhantes.
ladas se
E
os lábios risonhos e os
o sino de ouro da casa, cujas bada-
ouvem ao
;*.
com
13
longe,
'•**;•. ^j:'/vj.'.. újl:
mal
ella o
sabe
!
é o seu
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
14
ooração, o seu coração angustiado, pisado de soflfrimentos,
de duvidas, de saudades, mas que todo se enflora
ainda de esperanças, porque é de mãe!
Festas
familiares, sois peregrina*
-^^^^^ —^
''
V
•*
mente bondosas
e
ele-
os
ve-
-
mentes
«?•
para
lhos
!
>
•
*
*
Sim, é por
condescendência que
muita gente
deixa a noitada ao re-
lento
pela
ceia caseira,
em que se
comem coisas
succu-
lentas, se ou-
vem
valsas marteladas
ao piano, ou
se
conversam
assumptos repisados.
Na roça é que estas festas do Natal e do Anno-Bom
têm uma còr mais brasileira. Aqui na cidade fazemol-as
seguindo os costumes portuguezes. O frio do Natal
europeu impelle as famílias para o interior das suas
casas, para o calor dos fogões e das ceias fumegantes.
O
nosso Natal é tão diverso
sol
;
em
!
Em
vez da neve temos o
vez da ventania áspera, que obriga as pobres
creaturas a irem para a egreja envoltas
em
capotes,
!
-
'*'
NATAL BRASILEIRO
15
salpicadas de lama e de chuva, temos noites estrelladas,
cheirosas,
em que moças
a missa do gallo,
chites,
com
meia noite ouvir
e rapazes vão á
trages alegres,
sem
podendo folgar pelos caminhos á
palpitantes e coloridas.
come ao
Na
receiar bron-
luz das estrellas
A
roça é assim.
creançada
ar livre pinhões cozidos e faz a algazarra que
lhe apraz.
As moças dansam no
com
terreiro
os
namo-
contam
rados, e os velhos, sentados sob o alpendre,
rememoram visitas a presépios antigos, até
que o sino os chame e elles partam todos, aos magotes,
para a capella tão sua conhecida, tão sua amada
anecdotas,
Se fosse possível deveríamos inventar
quadas ao nosso clima, estabelecel-as,
fixai- as, tornal-as
-
Os costumes europeus não podem^ em
reproduzidos aqui.
em
Ha
Mas
nosso Natal!
de que vale
isso, se as
Bem
que
elle precisa
tirita
lavrando
estações são tro-
em
pleno verão
rango maduro, capote espesso lanzudo e gorro de
das
terras nevadas,
O nosso
é risonho, é caritativo; abriga os
cheiroso e veste-as
quente e doirada!
^
mo-
pelles,
Natal é moço,
sem vintém,
creancinhas nuas não o temem, porque
o~ seu bafo
O
cortadas pelos uivos do
vento, tão cruel para os pobres.
com
!
de outro emblema.
velho de longas barbas brancas, nariz côr de
é filho
do
frios
alguns paizes da Europa; no alto Paraná o gelo
cadas e o nosso Natal desabrocha
O
absoluto, ser
no Brasil climas mais
quebra os galhos das arvores e o aldeão
a terra.
ade-
'
nossas.
que
festas
elle
com
e as
afaga-as
a sua luz
V-
ij^'
x'*-:
^
f.*
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l.-i-*iA
i^i«.ulJ«fÍÁ«L:- .^odv,
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CONVENTOS
-^^-
A
TARDE agonisava em
polida, que
aço, espelhento.
senhora afogada
davam
Num
em
reflexos brancos de prata
á superfície do
mar um tom de
banco do convéz da barca,
lãs pretas,
uma
de lucto, sussurrava
queixas das filhas que a queriam trocar por um convento.
Era
um
desabafo,
entre
as
amigas,
que todas se
debruçavam para aquella angustia
Pelos farrapos dos commentarios percebi que as
'"»
"'
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^.r
"^
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*:*:
-'..T-
rv?*^-
18
r-r.-.»-t..^-í-
Ll\
UO DAS DONAS E DONZELLAS
j
(lonzcllas nà(3 levariam ao
claustro contingente que o
Unia
(Vellas faria versos niysticos, a outra
rezaria ladainhas,
sem que das suas genuflexões ou dos
exalçasse...
seus arroubos viesse beneficio ao mundo.
A mãe
nào sabia explicar aquelle fervor súbito.
Suppunlia que a mais velha, poetisa,
reliiiião os
procurasse na
ideaes ([ue não via realizados na terra^;
mas
a
outra? Debatia-se ante o enigma da outra.
Optaram
as
amigas por uma paixão. Algum amor
mal correspondido
Pobre creança, pensava eu de
mim
para mim, o veu
de freira não tem por certo a magia que
Se
o
mal de que
ella soííre é esse
ella espera...
que dizem, leval-o-á
comsigo, que para a fatalidade do amor não ha amuletos
jiem
que valham.
cilicios
O
convento excitará no
principio a sua phantasia, vinculará a sua saudade,
sem
lhe trazer a pacificação, a vida saborosa, que é o pre-
paro do Parai zo.
Houve tempo em que
o convento tinha,
com
como tudo que
que domina. Tempos houve também em que
os rigores, certos attractivos,
é forte e
elle
menos um logar de reclusão que de galanteio
bilhetes
todos
;
era
então
amorosos e versos dos torneios perpassavam
por entre aquellas paredes severas, Como revoadas de
mariposas tontas
fina, que,
;
e havia freiras,
como a
freira Sera-
escrevendo a respeito da abbadessa de Santo
André, deixava transparecer a convicção de que não
é o
amor
divino,
mas
o
humano,
a
melhor e a
maior preoccupação de toda a gente, tanto de
dentro como
de
cá
de
mesmo chromodernos que nem sempre os
de fora. Dizem
júcas velhas e chronistas
lá
19
CONVENTOS
conventos foram santuários de castidade. Fossem
que fossem, a verdade é que tinham vida
pi'ojn'ia o
<>
prestigio (jue facilita esuggere os grandes devo-
enorme
tamentos. Depois,
ou
n
lá
a
mulher não tinha outros destinos
ou o casamento. Hoje nào é assim
elle
jtaterno já
missas,
não tem o poder de aferrolhar
e
poesia,
a
;
:
o pulso
filhas insuh-
que naquelles tempos o habito
pudessíí ter, foi substituída no nosso
tempo
— por
uma
fúnebre idéa de mortalha. Hoje os conventos parecen»
túmulos.
Imíigino
Que
d'esses casarões enormes.
melancholia
a
silencio de
onde as sandálias
corredoivs,
batem de minuto
a
pateos,
em que
e
as aranhas tecem
que abandono nos
a rede da sua prole;
onde as fontes choram^ sem o consolo de
suas lagrimas suspensas
pelas
que aspecto
freiras bonitas;
frio o
gria,
que
a
comem
tão
as
do refeitório^ onde na
baticas trocam receitas de pasteis e
e o
vèi*
mãos macias de umas
immensa mesa conventual meia dúzia de
mente o pão,
não
minuto; que ar de mofo nas cellas
sem dono. fechadas ha annos
irreverentes
já
freiras soi'um-
benzem distraida-
depois sem alegria, a bella ale-
citada
Santa
Thereza
de
Jesus
aconselhava ás freiras da sua communidade, a par de
trabalho activo, vassouradas, costuras, roupas limpas
e polimento
de metaes
Essa feição salutar da santa
!
modificou a immundicie do convento, mas não lhe tirou
a grandeza austera e a soturnidade doentia.
Dirão: os nossos conventos tèm
modesta
e
mais acanhada
;
uma
feição
mais
estão pintadinhos de fresco
e assoalhados de novo.
Tanto
peior.
Não haverá ao menos espaço para uma
^.^Ji^^.v.V.^-
-
K
ao
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
«•
•^>
I.IVKO
õiide ensinn
;
DAS DONAS E DOX/.ELLAS
n própria íamilia,
hospital,
a
i[ue
sua influencia
onde consola
o pedaço de
jiletiTM
e j)M(*ifica
terra,
onde planta a arvore, que dani sombra
vier
;
mais tarde
<>
e
ramos
[y,\va
;
aquém
as ninhadas entoarem
hymnos ao Creador.
Podemos ser úteis e ser religiosas sem fuj^ir da
sociedade; podemos amnr o Senhor, sem desprezar os
irmãos, que mais ou menos carecem do nosso amparo,
ou da nossa presença.
Este ef^oismo de esconder as feridas da paixão
em
humano não é digno d'este
desnudam para o combate,
logar imperscrutável ao olhar
tempo,
em que
]>(>rque
hoje não ha santos, ha heróes
almas se
as
;
não ha milagres,
eleitos de J)eus são os eleitos
da humanidade,
ha virtudes.
Os
somos
n()s,
ficação do
em
as mães, que criamos os filhos para a glori-
mundo
;
são os homens, que cultivam a
terra,
morrem por uma idéa generosa.
tem com certeza melhores serviços nos
paz abençoada, ou
A
religião
hos])itaes, nos púlpitos,
nas missões,
em
todas as suas
JVirmas de expansão, (jue nos conventos mudos, abafados
])elo
rumor que os cerca
A irmã
de caridade tem ao menos a su])Iimidade, a
abnegação de viver para os
trina.
A
A freira
para
quem
outi'os.
Essa é a sua dou-
vive ?
barca atracou á ponte,
e
a senhora de lucto,
jjuxando para o queixo o véu do toucado, sahiu, levando
com sigo
visto
o
mysterio d"aquelle romance apenas entre-
*
--TÍSf
-,-T- --íV.-..
-K'^.-^
'
'
O VESTUÁRIO FEMININO
'\^
Euma
intellectuaes,
larinho
de
envergarem
,
entre senhoras
paletot, collete e col-
homem, ao apresenta rem-se em
])rocuran(lo confundir-se,
homens
commum
exquisitice muito
como
se lhes
no aspecto
jthysico,
pul)lico,
com
os
não bastassem as approxima-
çòes egualitarias do espirito.
Esse desdém da mulher pela mulher
faz ])ensar (|ue
ou as doutoras julgam, como os homens,
(jue a
:
menta-
lidade da mulher é inferior, e que, sendo ellas excepção
MT-
^
tif
4^
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
24
da grande regra, pertencem mais ao sexo
ao nosso, fragilimo
forte,
do que
ou que isso revela apenas preten-
;
çào de despretenção.
Seja o que
fôr,
nham nada com
má
triumpha da
i)em a moral
isso.
Ao
nem
contrario
;
a esthetica gase
uma mulher
vontade dos homens e das
leis,
dos
preconceitos do meio e da raça, todas as vezes que fòr
chamada ao seu posto de
trabalho,
com
tanta dòr, tanta
esperança, e tanto susto adquirido, deve ufanar-se
apresentar-se
como mulher. Seria
isso
um
em
desafio ?
Nâo naturalissimo pareceria a toda a gente que
uma mulher se apresentasse em publico como todas as
;
outras.
Basta vêr
com muitos
um
jornal feminista para toparmos logo
retratos de mulheres celebres, cujos pale-
tots, colletes e collarinhos
de
mostrar ao mundo que está
e
um
homem, parece quererem
alli
dentro
um
caracter viril
espirito de atrevidos impulsos. Cabellos sacrifica-
dos á tesoura, lapelas (sem flor!) de casacos escuros,
saias esguias e murchas, afeiam corpos que a natureza
talhou para os altos destinos da graça e da belleza.
Os
collarinhos
engommados,
chato, dão ás mulheres
trafeita,
uma
as camisas de peito
linha pouco sinuosa, e con-
porque é disfarçada.
Medicas, engenheiras, advogadas, pharmaceuticas,
escriptoras, pintoras, etc, por
ás
amarem
e se
devotarem
sciencias e ás artes, porque hão de desdenhar
em
absoluto a elegância feminina e procurar nos figurinos
dos homens a expressão da sua individualidade?
Ha
certas
mulheres, precisamos convir, que têm
.
desculpa na adopção dos murchos trages masculinos,
...
"'^
*=
>
o VESTUÁRIO FEMININO
porque para
esthetica,
ellas isso
mas de
essas, as
uma
incontestável necessidade
radoras, por exemplo.
A
não representa
25
'-*
'
saias impediriam
"
•
as
questão de
— as explo-'
passadas
e
03
,.r.*?íí^S'V
saltos,
no labyrintho enredado dos cipoaes, entre todos
os obstáculos
das
florestas
erriçadas de espinhos e
cortadas de vallos a transpor.
As
calças grossas e as altas polainas são para ellas,
-•.^.;--í^,-
-;;
-IVRO DAS
2(i
])ortaiit(), iiAo
dado
o
mas de conimodi-
objecto do j»han1asin.
salvamento.
prendel-as-ia
DONAS E DONZELI.AS
O
])anno
de instante
a
do
fluetuante
vestido
instante aos troncos e ás
arestas do caminho,
quando
e,
molhado. pesar-lht?s-ia no
corpo como chumbo.
Por exigências de commono trabalho, também
didade
esculptoras e j)intoras se
muitas vezes a
sujeitam
vestirem-se assim
(í
S('>
(|uando exe-
cutam
obras
í^i'andes di
de
men-
soes. As calças
facilitam então as
subidas e as descidas de andaimes
e de escadas.
Rosa
Bonheur, conta-nos um
seu
])io«jri'a})ho,
hendida no atelier
de
])ela
surprenoticia
(jue a imjteratriz
offerecer-lhe a
para oníiar
íi
Kugenia entrava em sua casa para
Lenião de Honra.
viu-se atrapalhada
—
])ressa os trages
do seu
sex(t e.]»oder rece-
ber respeitosamente a soberana.
Só de portas a dentro
jtor
ella
seara alheia, j)ara usar
seus movimentos
;
abusava d'essas entradas
com
liberdade de todos os
mas desde que
rada por exti'anhos,
ella aj)parecia
a artista era i)rocu-
como mulher.
'i*?»/.>Uivf >t_
O
Nas
^
ESTUÁRIO FEMININO
cidades, sobre o
das alamedas, não
que razão
a])])ehir,
asj>lialt()
sal)e a
27
das ruas ou o saibro
gente verdadeiramente pai'a
quando
vè, cingidas a corpos femi-
ninos, essas toiletfcs hibridas, compostas de saias de
niulber,
coUetes e
jtaletots
de
homem...
j)onco é fácil de perceber o motivo poi' (pie,
em
tam-
vez
(bi
macia, pi'eíerem essas senlioras esjtecar o pescoço
íita
num
lão
Xem
!
coHarinbo lustrado aferro, c duro como
um
pape-
TT^rn^-
•
h n.
^V-
*'^
7 ^
'
'.'W.
'^
A ARTE DE ENVELHECER
NÃOcomsomos
só nós,
minhas amigas, que vemos
terror brilhar por entre as nossa madeixas
castanhas, louras ou pretas, o primeiro
As dolorosas apprehensões
cram-nos só attribuidas a nós, como
mos senão para a mocidade e o amor.
branco.
O homem,
fio
d'esse
se
de cabello
momento
não nascêra-
envergonhado, e com receio de se con-
fessar vaidoso,
sem perceber
talvez
que a primeira
denuncia da velhice tem para nós amarguras mais subtis
que a do simples medo de ficarmos mais
sempre para a nossa decepção
um
feias,
teve
sorriso de inclemente
ironia...
Poetas e contistas, valham-nos
Aj^.'4:i!u.
- -^ -f-
.ã-^M^^
elles, e
que Deus
7"3W
' ^'"'^vfír^^
«^«{i'*'.' ríT^.
'
-^ ^
-W "-"i,'
Tr.
"?»'"™k'
-
"*w"'J|"."
'
LIVIW DAS DONAS E DONZKIJ.AS
TO
llies
prolongue a raça
dos suaves a
engi'iiialdarain
!
d()r (Tesse
de rimas e perío-
momento sagrado, em que
as
nossas esperanças fecham as azas, repentinamente mura luz dos nossos sonhos esmorece...
clias, e
Mas
adivinharam
se elles
m
delicadeza do nosso sen-
timento, não nos contaram a espécie do seu, ao vèr a
luz ])allida e íina
de
um fio
prateado colleando por entre
as ondas negras da cahelleira, ou as pontas castanlias
do bigode.
Pensávamos que
os
signaes outoniços,
])rimeiros
que são para as mulheres os mais terríveis, não os
alarmassem a
ideaes, que
elles,
nem
semjjre embebidos
tão grandes
tivessem vagar para perceber a ruinn
homem
do próprio corpo. Enganamo-nos; o
sensível
em
como nós
é
também
ás apprehensòes que a vista do
i)ri-
meiro cabello branco suggere...
Um
fio
(juebradiço,
mundo
eram
de cabello, nada ha mais
nem mais
leve,
e
nem mais
frágil,
entretanto
vè-se
de sensações elle prende e arrasta! Até aqui,
só as nossas, suj)punliamos,
que são as de toda a gente
!
mas agora sabemos
.
Tenho deante dos olhos uma pagina de homem
arte de envelhecer
pta deante de
e
bem
que
feita
pretação,
mento de
um
—
(jue se
espelho
me
affigura ter sido escri-
pei'fido.
Essa i)agina suave
analysa essa hora delicada e de
em
que ha
susto, e o
—A
difficil
inter-
em todos o mesmo estremecimesmo estender de mãos para
agarrar o que passou e que não voltará jjímais
—
a
ihocidade.
A
mocidade aos quarenta annos ainda
I
perto, aspiramos-lhe o ai'oma,
como que
a
sentimos
lhe sentimos
A ARTE DE ENVELHECER
íl..
3L
^^'
"r*
^
*;.
4^
A ARTE DE ENVELHECIÍU
O
33
pó de arroz, contra o qual antigamente alguns
pães de família se insurgiam, é o único auxilio de que
lançamos mão, mais ainda como
que o uso torna indispensável, que
ioííette,
como um elemento de
O
um complemento
de
mesmo
garridice.
pó de arroz não só attenúa o luzidio da pelle,
afogyeada por
uma temperatura
quasi sempre alta,
como também
refresca
suavisa,
e a romã ti sa.
Positivamente, elle
adop-
foi
tado por isto
não
:
só embelleza como
sabe bem.
De tal maneira
ninguém
culta,
que
certo,
isto é
oc-
o
como a um
mysterioso
factor
de
formosura,
guardar incógnito; ao contrario,
que
quizesse
se
damos-lhe
vistosas de crystal lapidado, onde a luz incide
caixas
em refrac-
ções irisadas.
A
velhice material, grosseira, ainda não mereceu
da maior e melhor parte das mulheres brasileiras o sacrifício
inútil
longas,
com
da mascara confeccionada
em
sessões
pincelinhos, camurças, óleos, tintas e es-
maltes.
Mas
A
arte de envelhecer não teve por objectivo a
arte de não parecer velho
;
mas sim de padecer com
resignada calma as gradações da mudança. Isso de3
'^S
?%=«4».^.-
A
'"«????:••
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
34
pende, além da vontade, das circumstancias de cada
um.
A
em
felicidade está
envelhecer sem arte,
com ou<.
tras preoccupaçòes
mais elevadas e menos egoístas...
-r 'à\
Desde os primeiros annos de escola que os mestres
se esforçam por fazer
belleza,
comprehender ás creanças que a
sendo transitória, menos vale do que a bondade,
e que
On
ne
sait plus
que devenir
Lorsque Ton n'a su qu etre belle
o
esforço para a perfeição material é sempre
profícuo, e o
bem
para o aperfeiçoamento moral sempre
coroado.
A
-.
j
arte de envelhecer é a de exercitar a
doces práticas do beneficio e saber derramar
si,
^
im-
até á ultima hora de consciência, a
via ou o calor que reanima...
-
.*
--
.
alma nas
em
torno a
sombra que
alli-
>'
:
'^.•;V:'"-
4
--
J+.
A MULHER BRASILEIRA
O
EUROPEU tem a
noção falsíssima. Para
amor
o
respeito da
e a idolatria dos
mulher brasileira uma
elle
nós só nascemos para
homens, sendo para tudo mais
o prototypo da nullidade.
Dir-se-ia que a existência para nós deslisa
rio
dom
como um
de rosas sem espinhos e que recebemos do céo o
esculptural da formosura, que impõe a adoração...
Nem uma nem outra
coisa.
Nem
a mulher brasileira é
bonita, se não nos curtos annos da primeira mocidade,
nem
tão pouco a sociedade lhe alcatifa a vida de faci-
lidades. Ella é
exactamente digna de observação elo-
giosa pelo seu caracter independente,
pela
presteza
H
.
~-^-^" - il f -
tJ,.-:x'Vl.
•.
jiÕfrMCL^.
.^
^
.^. _
^^->^yLí.vJ LÍ>>.^-Í.í.^i*;
. »>k.
;
l-
*
.
LIVRO DAS DONAS E D0NZ12LL\S
36
com que
*
1
bem
se submette aos sacrifícios, a
dos seus,
e pela sua virtude.
A brasileira não se contenta com o ser
amada: ama; não
se i"esigna a ser inútil: age, vibrando
os tristes
com a sua
subjugar o soffrimento.
Parecerá
sem offender
á felicidade ou á dôr,
alegria e sabendo
quem não a
Masnão tivesse
por isso indiíferente ou socegada, a
co-
nhecer senão pelas exterioridades.
ella
capacidade para a lucta e ainda as portas das academias
não se lhe teriam aberto, nem
cionar
em
teria conseguido lec-
A
superiores.
collegios
esses
responsabilidade ninguém vae por phantasia
sem
sacrificios
homem
pela
nem chega
Apezar da antipathia do
c coragem.
mulher
legares de
intellectual,
que
elle
agride
e,
ridi-
cularisa, a brasileira de hoje procura enriquecer a sua
inteliigencia frequentando cursos que lhe illustrem o
espirito e lhe
um
proporcionem
escudo para a vida, tão
sujeita a mutabilidades....
Se o seu temperamento
é cálido
e voluptuoso, a
suaindoleé honesta e activa e o seu pensamento despido de preconceitos.
Se uma mulher
decerto!) cae de
brasileira, (se
uma
ha excepções
posição ornamental
?
ha-as
em
outra
humilde, é de rosto descoberto que ella procura trabalho;
então vae ser costureira, mestra, typographa, telegraphista, aia, qualquer coisa,
bida, ou o ambiente
em
que
conforme a educação recevive...
Nessas acções, não ha simplicidade,
e
uma comprehensão
perfeita da vida
a guerra das competências.
é
uma
A
— ha stoicisnio
moderna
:
que é
brasileira vive ociosa
phrase injusta e que anda a correr mundo, infe-
lizmente sem protesto. Porque?
!
!
'^
t
A
MULHER BRASILEIRA
Toda a gente sabe que no
os filhos a
37
Brasil só não
amammenta
mulher doente, aquella que não tem
que o sabe prejudicial
em
vez de benéfico
Ricas ou pobres, as mães só têm
aleitar, criar os seus filhos
!
uma
leite
ou
!
aspiração
:
Este exemplo devia ser
—
ci-
tado, porque, á proporção que esta virtude se accentua
entre nós, parece que nos paizes mais civilisados vae-se
tornando escassa
A
mulher brasileira ama com mais intensidade,
vez; dedica-se
belleza, ás
toda,
sem medo de
commoções da
vida.
tal-
a sua
estragar
Ahi vemos as pobres
mulheres dos soldados, seguindo-os á guerra, acom-
panhando-os nas batalhas,
matando quem
ferindo queni os ameaça, erguendo-lhes das
os
fer^,
mãos mori-
bundas a espingarda com que os vingam
t-xXí-
.^!i^^*-u.v-.'j,-,
^;
Kt
,
èT^vií.
.
:i_
...
!
-av?v^-
.•J«=''
I
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
38
,
!
Estas energias não são filhas do acaso, vêm-nos da
mistura de sangues com que fomos geradas, vêm-nos
d'esta natureza portentosa e que por toda a parte nos
ensina que a vida é
uma grande
fonte que não deve
seccar inutilmente
|
*
* *
Nos
paizes tropicaes a precocidade é
existência da
bem
,
menina passa como
tamanha que a
um sopro
e
começam
cedo as responsabilidades da mulher. Por vezes o
assalto é tão repentino que
na creança o
espirito
não ha tempo de preparar
da donzella. Naniorada de
mesma, no deslumbramento da mocidade,
si
ella affigura-
se-nos então frivola e perigosa. Receia a gente pelo fu-
como uma
turo da pobre creança, estonteada pela vida
mariposa pela
luz.
Quanto mais melindrosa
dra, quanto mais vagares
é essa qua-
tem a imaginação, alvoroçada
pelos sentidos, de architectar castellos mentirosos! Felizes as donzellas pobres,
obrigadas pelas circumstancias
apertadas da vida a empregar a sua intelligencia e a sua
actividade no trabalho e no estudo
!
São as mocinhas
engomam
que, para irem ás aulas que frequentam,
as
suas saias ou cosem as suas blusas, as mais habilitadas
para a resistência das paixões ruins. Decididamente, o
trabalho é o melhor saneador de almas
mos da nossa muito
sã,
!
E
filhos e seus irmãos,
descalabro das sociedades arruinadas ou
.
.
A nossa força
critério, coisas que,
está na nossa
em
no
deliques-
bondade e no nosso
quando não são naturaes, fazem-se
pela vontade.
/
nós precisa-
porque só a virtude da mulher
pôde salvar os homens, seus
cencia.
l»
t
-
4..
*
*
A MULHER BUASILEIRA
39
*
Nós, as brasileiras, perdemo-nos pelo excesso de
sentimento. Ainda não aprendemos a dominar o nosso
coração, que se dá
em
demasia, sem colher por isso
grandes resultados...
O
europeu, tractado
com
rigor pela mãe, não
por ella menos respeito (talvez tenha mais
!)
tem
nem menos
carinhos que os nossos filhos têm por nós... que nos
desfazemos por
em
elles
sacrifícios e ternuras
!
Parece
que a blandicie perenne enfraquece a alma do individuo,
tornando-o
um
pouco indiíferente...
*
Ha
muito quem aflSrme que no Brasil a mulher do-
mina como soberana
viagem
«...
.
;
e já
um
escriptor portuguez disse
relatando as suas observações
d'ella,
'
*
em um
livro de
:
A mulher
deve
ser, entre esta raça,
superior a
todas as coisas. Vêl-a passar na rua e comprehender a
commoção que ella causa é ter reconhecido todo o alcance
do seu prestigio. Inspira devoção, tem um culto. Não é
a mulher companheira do homem, sua irmã de trabalhos
e de penas
filha,
;
é a
mulher
idolo, a
mulher sacrário. Mãe,
esposa ou cortezã, ella será neste paiz e para este
povo a suprema instigadora, e a sua vontade, como o
seu capricho, terão o cunho authentico de
lar
como nas
sua boa ou
alcovas. Será ella
má
E possível
sileira
quem predomine
e da
influencia dependerá, talvez, o destino
histórico d'esta nacionalidade.
.
assim no
leis,
»
que assim seja de futuro, visto que a bra-
de hoje tem mais ampla noção da vida
do passado, porém, desgraçadamente, é outra.
;
a licção
6'
•i»i^"r.
^<vi^íí
;"T-'ií?j
'p?
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
40
A
verdade,
que deve apparecer aqui, é que nos
acontecimentos culminantes da nossa historia, aquellos
que nos fastos da nacionalidade brasileira iniciam pcriodos de renovação e de progresso
a abolição, a republica
— a intervenção da
mulher, di-
ou indirectamente considerada, quando não
recta
nulla
— a independência,
foi
foi hostil.
Entretanto, estes factos, para só fallar dos principaes, tiveram todos longa, persistente, tenacíssima pro-
paganda, e realizaram-sc sem a mulher
mulher
A
roso.
-V
.
ou...
apezar da
!
sinceridade d"este livro, exige este desabafo dolo.
-jÇ^.-,:v':-;çi:,r^,-'. •<:•:.;<;'-
:"-
;e<
v
--•-:-— í,..-«7.r:Ti>.«»-_-»íj,-5iP;-
CARTA
»^
«
Minha
queiicla.
com a minha vaidade de dona de
casa completamente satisfeita. Vou dizer-te por
EscREvo-TE
á noite,
quê.
Ha
tempos, entre as minhas phantasias de mena-
mandar
fazer
um chemin
arame, que eu cobriria de
flores
naturaes para a minha
fjère figurou
mesa de
a de
de table de
jantar. Ideada a historia, fez-se o desenho, e no
dia seguinte atirei-me para a Casa Flora, a indagar se
aquillo seria coisa de fácil execução.
Não
era
;
o
dono da
loja
duvidou do êxito. Lá deixei
mesmo louvou
o meu desenho
a idéa, mas
e voltei des-
'y»^)t)>' •«-,.
yTt-
.W.i^|fM'"liii
-»-..»-<;.---:!
J
---"'if.^í^^ír^^TJ^T^J-'-''-*
:T--*^>r:;íPT-'T,
*"^
*í;í-
.
-
-ír^
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
42
consolada. Passadas algumas semanas, quando eu já
nem me lembrava de
de table de arame,
Era
dentro.
tal e
eis
qual
um dia num chemin
me entrou pela porta a
pensado
ter
que
um
elle
esqueleto,
extravagante. Franziu-me a boca o
decepção. Senhor
bonitas,
!
mas como
como
é
é fácil á gente imaginar coisas
diíficil
executal-as
muito mais deixal-as para sempre
cido
Não
!
valerá
em sonho ? Sim, mais
;
mas, já agora, seria preciso cobrir aquella nu-
fria,
cinzenta e desenxabida do arame, todo contor-
valeria
dez
bem descarnado e
clássico muxoxo da
em
licado
voltas e reviravoltas, e disfarçal-a sob
manto de avencas
Pois
nem
jasmins
um
de-
e de jasmins.
nem
avencas. Só encontrei nessa
tarde hastes de hera e de sylvina, cujo verde sombrio
alegrei a espaços
com
rosas e margaridas.
era positivamente encantador
desillusão
na
;
O
registrei
vida, e no dia seguinte
mandei
não
effeito
mais
uma
atirar
com
a causa d'ella para o fundo do quarto das malas e badulaques.
Pendurado rente á parede, mais
fazia lembrar, de
de
um
o desgraçado
me
novo despido da folhagem, a ossada
peixe enorme e exquisitissimo.
Cest de Vart nouveau! Tinha-me
dico o
dono da
Casa Flora, ao observar o desenho que eu lhe levara,
com um
ar de lisonjeiro agrado. Pois sim! estava fresco
o novo estylo
!
Naquelle erriçamento das duras folhas
bem disfarçado que ninguém o percebera, e um amigo mesmo zombara, com a sua íina graça,
do meu amor ás novidades e do meu gosto pelas invende hera ficara tão
ções...
Pois,
minha adorada,
fiquei
com pena de que
oito
A
43
MINHA QUERIDA
dias depois esse senhor não tivesse voltado a jantar
commigo, não
já só pelo prazer
proporcionaria,
não
como porque,
que a sua companhia
d'essa vez, o
meu
me
invento
fez triste figura, antes pelo contrario...
E
por ter dado á minha mesa modesta
singular, determinei revelar-te a
encanto
maneira porque, que-
com segurança
rendo, te poderás servir
um
d'essa espécie
de adorno.
Por
ser teimosa, e não desistir, logo á primeira
diflfi-
culdade, das intenções que tenho, mandei arriar da pa-
rede o
apparelho de arame (que deve ser feito se-
tal
gundo o gosto da dona da casa e
com
o
tamanho da mesa)
me
paciência (que é de todas as obrigações que
imponho amais
terrivel de cumprir)
arame do chemin de
table
com uma
e
comecei a cobrir o
ílôr delicada, cujas
pétalas de seda e de arminho parece terem-se reunido por
um
sopro de brisa. Esta florinha tem o
nioso de
nome harmo-
— Rodanthe.
Umas
uma brancura pai lida de
são brancas, de
weiss, e outras de
Victoria
chemin de
!
um róseo
desmaiado
vestido por ellas,
table,
hastes ondeadas,
um ramo
e doce.
desengraçadissimo
desenhou sobre a toalha,
uma renda
Para dar-lhe mais vida
dade, colloquei,
o
em uma
edel-
em
finas
de flores delicadissima.
e quebrar-lhe a uniformi-
volta da moldura, á cabeceira,
leve de orchideas sulferinas e de, á falta de
crysanthemos, margaridas côr de ouro.
aroma, como convém para a mesa.
namentação pareceu-me
munico; encantador, e
O
sem
effeito d'essa or-
lindo, e é por isso
foi
Flores
que
t'o
com-
por isso que o aproveitei para
assumpto d'esta pagina.... domestica.
'-mêi^-'
O
egoismo tem a
.
44
IJVRO DAS DONAS E DONZELLAS
sua razão de ser
em
outra ordem de sentimentos
;
nestas
pequeninas vaidades de menagcre parece-me, além de
máo, soberanamente
O meu
tolo.
interesse, por exemplo,
não é tornar a minha
pobre casa melhor que a do
meu
visinho, que é rico o
que tem bom gosto; mas
sim
tornal-a
tão
boa
quanto está nas mi-
nhas posses
fa-
Assim,
zel-o.
quando nesse esforço consigo al-
guma
coisa
que
corresponda ou
ultra-passe a
minha espectativa,
apresso-me
munical-a
ás
em comamigas,
para seu regalo e seu uso
((
Não
é o
ferno o que
ao céo
»
temor do in-
me ha de
— disse
levar
o padre
em uma
cartas, não me
António Vieira
das
suas
lembra agora a quem.
Eu
aífirmo o
adivinhar
em que
mesmo, deixando á tua
se
perspicácia
funda a minha esperança de goso
eterno.
Outra que bem merecerá a bemaventurança,
pelas receitinhas de bolos que
me
mandaste...
és tu,
íMinha querida
Um
45
um
observador maligno disse-me
dia que
quem
prestar o ouvido ao cochichar de duas brasileiras ouvirá
de amor ou de receitas culinárias
fallar
O
não
dito
me incommodou,
!
e fiz-lhe
mesmo
notar
que ainda é por amor que tamanha attenção prestamos
á mesa.
Não me lembra quem disse que um homem tudo
perdoa, menos um máo jantar
!
E
repara que os homens são muito mais exigentes
do que nós. Fico tonta...
Variar
variar é
!
dias appeteceu-me
bom
de dizer.
comer
perdiz.
Ha
A
cerca de uns três
minha cozinheira
sacudiu a sua molleza por essas ruas e voltou para casa
como
sahira
:
com
as
mãos a abanar. Nenhuma
perdi-
zinha para a minha salvação. Disse-lhe eu então que
enganasse com
larmente,
ção, que
Por
útil, e
o que ella fez assas regu-
mas que eu mastiguei com
me não
tão pouca convic-
soube ao que pretendia
!
estar enfronhada nestes embaraços domésticos
me
é que
uma galinhola,
me
rejubilo
logo
ainda
um
de te
fallar
sempre que topo com uma novidade
me expando em
descrevel-a ás outras.
motivo para esta tagarelice é
:
ter
um
Ha
pretexto
em flores.
Estas taes rodant/ies, pequeninas e sedosas, são tão
leves e de tão
bom
auxilio para qualquer espécie de or-
namento, que devemos saudar o seu apparecimento no
Rio com algumas palavras de sympathia. Não saudá-
mos também a crysanthònie
e o nuiguet ? Esta agora,
pela sonoridade do nome, parece resuscitada dos famosos
tempos da cavai laria. Deveria ser de rodanthes o
ramo
offerecido por D. Quixote á suaDulcinéa.
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
46
Exactamente no momento
em
que escrevo, sorri na
minha mesa de trabalho um galho vermelho de umas
flores
do matto, cujo nome ainda ignoro.
haste de coral, onde
las,
de
um
uma
E
tal
legião de avezinhas
qual
uma
minúscu-
vermelho ainda mais intenso, tivessem pou-
com as azinhas de velludo suspensas para o vòo.
Que divinas surprezas nos reservam as nossas flores-
sado
pouco exploradas na curiosidade da
flor
tanto, nossas ouextrangeiras (filha, flor não
tem
tas, tão
aclimemol-as aqui
com
!
Entre-
pátria!)
o maior carinho. Olha,
um
um amigo do Pará affirmou-nos ter obtido
jardim, em Belém, camélias perfeitas, de uma
dia
d'estes,
no
seu
al-
vura azulada. Não será mais milagrosa essa maravilha,
uma
flor
do
frio
atmosphera de fogo
desabrochando,
impassivel,
numa
?
Adeus, querida
!
Tua,
JULIETTA.
r
':-4
igkft,'» .-•
>
»•
*
^..
^^.
EM
pello,
sem escamas
e
sem
pennas, somos os animaes
mais bem fadados para a volúpia
da agua. EUa, que no baptismo
nos lava do peccado original, é a
primeira condição da vida. Fria
ou quente, enrijandonos a carne
•'
ou quebrantando-nos os nervos, é sempre a ella que
—
a limpeza.
melhor dos regalos
Diz-nos a historia que os povos da edade-média fu-
devemos
o
giam da agua como o diabo da
cruz, e que, entretanto,
outros mais recuados tinham banheiras de porphyro e
;
V.
'^1
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
48
thermas deslumbrantes, onde iam deleitar o corpo cansado do pó e do ar.
As
bellas ruinas de
Pompeia assim
o attestam.
Já tive a ventura de errar os meus leves passos de
mulher distrahida pelos templos de
Isis,
de Júpiter e de
Vénus, de calcar as grandes pedras deseguaes das
es-
treitissimas ruas da cidade morta, desolada, triste, elo(juente
na sua mudez de tumulo
!
E
a cada caminhada
por entre casas de oradores, poetas e philosophos, cujos
nomes retinem ainda hoje como campanulas de ouro
nos carunchosos e carcomidos monumentos da historia
a cada passada sobre os mosaicos ou por entre as colum-
nas de
mármore do Fortim, da
Basilica, do theatro e
dos templos, que de mysteriosos segredos de extinctas
grandezas e sereníssima
íé
meus olhos descortinavam
!
Dentro d'aquelle cemitério, que mais parece uma legenda
uma
esquina ou ao penetrar no atrium
uma casa luxuosa,
eu esperava, de instante a instante,
viva, ao dobrar
de
vêr extendida para mim, cavalheirosamente, a
trícia
de
um
pompeiano
illustre
roçagante, falias amáveis
:
mão
pa-
riso nos lábios^ túnica
com rythmos de
versos,
em
que offerecesse ao meu corpo, cansado de percorrer toda
a cidade, desde a sua Porta Marina e Fonte da Abundância até aos seus últimos limites, o doce repouso
triclínio
num
dourado, o sabor das suas fructas mais finas e
dos seus mais exquisitos licores
!
Mas... ai de
mim! No
meio d'aquellas estreitíssimas ruas e d'aquellas paredes
derrocadas
nem
viva alma, a não ser, de longe
quebrando o poético respeito do
'%
local,
em longe,
a de algum guarda
de boné e galões nas mangas do casaco...
No meio
das coisas máximas,
commovem
muitas
3fc
íf-j j'_
*
%
:^
.«^ir^í--;-
:
..
H^-c
«
mínimas.
vezes as
Eu
Pom-
sabia que
peia
tinha
pintura
tica,
sua
a
caracteris-
e
alegrei
os
olhos vendo sobre o
vermelho-
estuque
escuro,
preto,
mesmo
ou
as suas gri-
naldinhas de
os finos arabescos serpeando ao redor de taças
flores,
mimosas
e de figuras gentis, essa pintura de estylo tão original
e tão delicado, que seduziu o próprio
Raphael
mais delicado artista de todos os tempos
imitou, na forma e na côr,
á^.
j-v-ir-ii
flr;C_u--
«_
em uma
—
—
o
que a
das galerias do
*
!
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
50
em Roma
Vaticano
mosaicos
dos
ouvira fallar
;
esplendidos
de
noticias
lera
e
Pompeia
e
das
suas
incomparáveis thermas, mas não imaginei nunca que o
amor á agua
seu
tivesse sido
tamanho;
e essa particula-
ridade tão simples, tão da obrigação de toda a gente,
tornou logo sympathico aos meus olhos esse grande
povo, extincto tantos annos antes de ter nascido Christo
Foi, portanto,
rável resto de
me
assombro
dância
:
um
um pedaço
cano velho,
fizeram
I
de chumbo torcido^ mise-
uma
das coisas que mais
Pompeia gastava agua em abun-
a canalisação extendia-se por todas as ruas e
todas as casas,
com
torneiras eguaes ás de hoje, e havia
thermas luxuosas, com largos tanques, piscinas
salas"
bem
decoradas.
Não
lhes bastando isso, todas as
habitações tinham o seu atritim, sala
ao
sol e ás
solo
um
claras,
sem
tecto, aberta
aguas puras do céo, que encontravam no
reservatório de
mármore
— o impluvium.
Roma, na sua parte antiga, mostra-nos também thermas e mais thermas desde as mais soturnas, como as
de Tito, que se não vêm sem auxilio de luzes, até ás
;
de Caracala, onde no seu tempo de brilhantismo viviam.
estatuas celebres, Hercules Farnese,
Vénus
Callipigia,.
Flora e outras! Mas... ruinas, como as thermas, só vistas por artistas
tas,
o
ou por philosophos, historiadores ou poe-
para que o saber ou a imaginação reconstrua o que
tempo
e os
homens perversamente destruíram.
Dizia eu que os povos da edade-média não imitaram
os seus antepassados, e fugiam da agua
da cruz
em
!...
como
o diabo
Felizmente, porém, houve grandes coquettes
todos os tempos e essas tiveram sempre a phantasia
extravagante... do banho!
vm^
t
-
A AGUA
Por desgraça, não
51
lhes bastava a
agua nem o sabo-
Umas lavavam-se em leite
mulher de Nero outras em summo
nete aromático e espumoso.
de jumenta, como a
;
de morangos esmagados, que amacia a pelle e que alegra
a vista; outras
em agua
Diana de Poitiers
;
(finalmente!) da chuva,
outras
com agua
distilada de
como
mel de
rosas,
ou com pasta de amêndoas bem dissolvida, ou
com
summo
toso
o
de
lei-
plantas
verdes, ou em
vinho de Málaga,
como a amante de
Alexandre
Rússia
;
ou
I,
da
em in-
fusões de junquiIhos, nardos e ja-
cynthos, as flores
de aroma capitoso
e
embriagador!
Maria Antonieta,
que
fez
inventar
.,
/
^„
uma banheira
para o seu banho da noite^ mergulhava-se
todas
manhãs num cozimento de folhagem de thymo
as
e de
serpol.
Neste nosso Brasil, quente e ubérrimo, sobejam
plantas, cuja decocção daria banhos cheirosos.
Mas para
que, se os perfu mistas inglezes e francezes nos
mandam
já promptas, transparentes e deliciantes, as mais finas
essências, que, derramadas n'agua ou pulverisadas depois
na
pelle,
nos dão o
mesmo goso com muito menor
;íic^ir:-^
.
!
!
"n
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
52
trabalho ?
Além de
que, os cozimeatoí^, desde que não
sejam prescriptos pelo medico, podem ser perigosos
Para
fazer a toilcíte á pelle, isto é, vestil-a de
uma
còr suave e brandamente velludosa, julgo bastanto... a
um sabonete delicado. Emfim, para não ser
concedo que se deite no banho um pouco de agua
agua pura
avara,
e
de Colónia.
Eu
.
aconselharia a todas as moças ricas luxo de
mármores
e
demetaes nos seus quartos de banho.
mulher moça e formosa (qual
assim
~
.
?)
é d'ellas
Uma
que não se julga
ao escorregar na agua quente, que todo o corpo
enlaça, lambe e amollenta, que doces sonhos teceria,
vendo por entre as pestanas cerradas as cores eterna-
mente fugitivas dos mármores
e dos metaes
caso é outro
amplo
!
e os reflexos dos vidros
Para a burgueza apressada ou fraca o
— o quarto
e risonho.
Um
de banho deverá ser simples,
oleado rodeará ahi a banheira,
para que a agua não apodreça o assoalho, se não houver
ladrilho
;
bastará mais
um
tapete para os pés,
cadeira de encosto, cabides,
uma
um porta-toalhas, e,
larga
lixadas
na parede, perto da banheira, e ao alcance da mão,' a
cesta da esponja e a concha do sabonete.
numa
solida cantoneira de
Além
mármore, as escovas
d'isso,
e o pul-
verisador, o porta-grampos, etc.
A
agua é
um
elemento essencial da vida e o princi-
pal factor da saúde
de philtro seja
bem
humana.
Uma
casa
em
tratada, e o quarto de
que atalha
banho diaria-
mente frequentado, atravessará largos períodos de
nidade e de alegria
^.
sere-
'-h/
w^w
•'*'
r-^.„
EM GUARDA!
UANDO, ao cair da noite,
a
o
filho
mãe senta nos joelhos
amado e o interroga
sobre os feitos do seu dia, para
censural-o ou applaudil-o,
como
é
feliz
quando tem,
para fortalecer a sua consciência, a contar-lhe
facto heróico ou
por
uma
acaso
!
A
um
um
sentimento sublime, documentados
simples noticia de jornal ou
uma
audição de
sua almaprophetica adivinha que coisa alguma
commoverá mais profunda
e utilmente o seu rapazinho
do que o saber que no seu tempo, na sua cidade mesmo,
-*s«
•'.«
LIVRO DAS rOXAS E DONZELLAS
54
á hora
em
que
elle
os seus themas, ou
brincava
com
o seu pião, ou escrevia
dormia regaladamente o seu somno,
um homem da mesma raça, da mesma lingua, seu
semelhante em tudo, que arriscava a sua vida para
salvar a vida de um extranho, escalando janellas incenhavia
diadas, atirando-se ás ondas impetuosas, atrevendo-se,
emfim, aos perigos de
vitável
uma morte
horrível e quasi ine-
!
São as melhores paginas para a alma, estas paginas
vivas, ainda quentes do calor do sangue, ou
empapadas
pela inundação das lagrimas. Percebendo isso, não ha
mãe que
se
não commova, quando, relatando-as ao
filho,
vê nas transparentes pupillas d'elle despontar e dilatarse a flor
dourada da generosidade e do enthusiasmo
precoce.
Sei que, ao contrario de tudo que é regido pelas
naturaes, os heróes do passado,
tancia dos tempos,
estatura;
em
vistos
leis
atravéz a dis-
vez de diminuírem crescem de
mas a verdade também
que essa lente
é
magica, agiganta-os até ao ponto de os tornar como
deuses, mais fáceis de admirar que de imitar.
O
conhecimento dos grandes homens da antiguidade
serve para a cultura do espirito,
mesmo
mas não
proveito para a do sentimento.
Elles
permanecem immoveis no seu tempo, em um
meio que foge á nossa perspicácia e
como
sei se terá o
em
que se destacam
entes sobrehumanos para o culto das
successivas.
As
façanhas, têm
creanças,
uma
gerações
lendo ou ouvindo as suas
certa desconfiança da sua authen-
ticidade, ou o presentimento de que nos
tempos modei -
nos ellas seriam absolutamente impossíveis.
^^
>;
EM GUARDA
De
resto, o
55
que está nas chronicas e nos livros pôde
Quem viu? Quem
ser ficção.
I
relatou?
homens que
tivessem mentido ou simplesmente exagerado,
dormem ha muito
somno em túmulos
o frio
talvez
e que
dispersos e
ignorados.
Agora
o que não é mentira, o que
parece feito da
carne quente e não das cinzas
um
é
frias,
de
caso
al-
truísmo que o nosso jornal
nos contou esta manhã,
com um commentario
nal,
na frivolidade
apressada de
tudo
ba-
do
quem vê
quer
e
alto
seguir para deante
,
em
desempenho de outras
attribuições. Este caso,
passado entre nós, attestado
por pessoas
nossas conhecidas,
ainda tem
uma
palpi-
tação de vida e pode
reproduzir-se nesta
mesma
hora, d'aqui a pouco, ou
amanhã....
Que
bello partido tiram as
lições do acaso
ficante
attrair
!
As
que se some
a
mães
intelligentes d'essas
vezes o facto parece tão insigni-
em um
canto
do periódico, sem
attenção de ninguém, tal qual como
mulher desconhecida e
feia
se
uma
some numa esquina.
mas não houve quem lhe tirasse
chapéo ou sequer a acompanhasse com a vista.
Passou, viram-na,
*•*.
o
'<-.
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
56
Por mais que bramem contra
o
egoísmo e a maldade
olhem que ha por ahi muitos exemplos
d'estes tempos,
de abnegação e de bondade dignos de toda a nossa reverencia. Lendo-os,
na maior parte das vezes, levantamos
os hombros, não fazemos ca-^o.
É
(jue
a noiicia,
cni'oupada,
com
falta
feila
mal
sobre o joelho, vinha
do estylo que seduz e obriga á
commoção. Reílectindo, porém,
um
bocadinho, a edu-
cadora perspicaz pesca, no lodo que as secções policiaes
revolvem, pérolas de innj)reciavel valor!
O resto depende
da habilidade dos seus dedos, quando as moí^trem aclara
luz para fazel-as admirar.
Ha quem
prohiba a meninas e rapazinhos a leitura
dos jornaes. Por
senso.
O
mim não me
parece que haja nisso
com
jornal é toda a alma da cidade,
vicios, as suas misérias e
bom
os seus
as suas glorias, que fazem
tremer de horror ou de enthusiasmo, e que, melhor que
todos os livros de philosophia,
coração de
Que
um
ensina a
conhecer o
povo.
descortinará o jornal mais indiscretamente do
que descortina a rua, onde a mocinha, incitada á facei-
sem termos, entrevê os graves amigos
do papae conversando com as cocottes, sentindo nas
rice por elogios
faces puras o bafejo de todas as tentações, desde as do
luxo das vitrines até as do jogo,
em
bilhetes de loteria
que fluctuam deante dos seus olhos, sacudidos por mãos
teimosas e impertinentes?
Ah,
rifas e
I
Por toda a parte
se alastra a
das loterias; algumas casas
mania das
mesmo do commer-
Ha
já sapatarias,
alfaiatarias, casas de papel ou de jóias,
que oíTerecem
cio
^'
o jogo
especulam com a sua seducção.
.
.
1
.
.
: !
:
EM GUARDA
coupons sujeitos a
uma
uma
57
fortuna de acaso, que habilita
pessoa a alcançar, de graça,
um
terno novo,
um
par de botinas, ou meia dúzia de lápis. Ora, estes cou-
pons e bilhetinhos de azar entram
janellas,
como que trazidos
pelas portas e pelas
pelo vento, e são sempre as
mãos curiosas dos rapazinhos que primeiro
ram, os reviram e os estudam
os agar-
!
Parece nada? pois nessa insinuação manhosa de
economia caseira está uma
ameaça de
terrivel
Sei que ha algumas mulheres que,
que o gérmen de
átomo
invisível,
collegas de
os
uma grande chaga
acoroçoam os
messas, que, quando se
se
é quasi
filhos a
em
escola cartões
sem
ruina.
cogitar
em
sempre
um
espalhar entre
que fluctuam pro-
cumprem pervertem,
e
quando
não cumprem desesperam.
Uma vez,
descia eu a praia de Botafogo, ao calor
um dia sem sol^ quando ouvi, com ofrouuma saia de seda, a voz de um menino dizer
brando de
frou de
a
uma moça que
ia ao seu lado
— Olhe, mamãe,
laria e ainda
não
já passei cinco
nenhum
tirei
chapéo.
Aquelle lamento, respondeu
voz
coupons da chape-
ella,
com
a sua linda
bem timbrada
— Continua,
Passaram
que ha de chegar a tua vez
ligeiros,
ella
arrepanhando a sua linda
saia de seda côr de gravanço, elle impertigado na sua
farda de collegial. Ficou
Estremeci.
do jogo,
Mãe e
um
rastro de
filho! elle
aroma no ar
queixava-se da
má sorte
ella incitava-o a continuar.
Então, não é verdade que a rua tem revelações
extraordinárias, confidencias imprevistas e absurdas?
!
•
•
,*
...
!
•»
J
LIVUO DAS DONAS E DONZELLAS
58
Em
quatro palavras apanhadas no ar, vi toda núa a
alma d'aquella mulher perfumada
e ligeira, que já se
sumia na primeira esquina, sob a umbela rendada e
rósea do'guarda-sol, que era
como uma
flor
de que ella
fosse a haste
Ora, se aos filhos dos ricos, que têm meias finas e
roupas caras, interessa o bafejo da sorte que lhes con-
ceda
um
chapéo vulgarissimo ou umas botinas ordi-
imaginae que anceios de coração terão os seus
nárias,
collegas pobres,
um
luxo a que estão pouco acostumados
Com
um
para quem esse chapéo representaria
:
mãe
egual razão, se a
— continua —
,
a
mãe
vintém,
um
1
rica condescende
com
pobre, sabendo que o filho
tem no bolso papeis que o habilitem a
um
!
terno novo,
uma
sem gastar
ter,
carteira ou
um
reló-
gio de ouro, supplicar-lhe-á que se avie na acquisição
ainda de outros bilhetes, tanto mais que a flanella do
seu casaco já está poída, ameaçando fim próximo.
Oh
!
estes terriveis papeizinhos
que o vento espalha
pela cidade e faz entrar pelas janellas e portas das casas
de familia onde ha rapazes, como se para
mento
e perdição d'elles
du
soir
au matin, roule
disse o adorável
ensina-
não fosse de sobra a rua, onde,
le
grand
Le hasard, noir flambeau de
como
máo
peut-être,
ces siècles
dennui,
Musset
Quantas e quantas vezes, o próprio chefe da familia
se
gaba distrahida
filhos,
e
imprudentemente, deante dos seus
de ter ganho nesta ou naquella espécie de jogo
No que
écomo
elle
não repara, arrastado pela sua infiuencia,
as
creanças arregalara os olhos de espanto^
,
'^
jmEM GUARDA
59
t
seduzidas por aquelle triumpho que ainda desconhecem,
mas
cuja meia percepção os enleia e os attráe.
O
trabalho que as mães têm, para destruir pela raiz
aquelle desejo de imitação, que tão depressa nasce e se
avigora, é tremendo
com uma
minutO;
!
A
lucta é surda, feita minuto a
vigilância extenuadora, visto que o
inimigo as cerca de todos os lados.
á noite o
somno
filhos, e ellas se
e o cansaço
Mas também, quando
cerram as pálpebras dos
acercam dos seus
leitos,
sentem que a
mão que abençoa procura em um esforço,
vão mas empre puro e bem intencionado, levar
sua
las
almas para
um
aquel-
largo futuro de paz e de ventura.
*i'*%5„.:
3^^
talvez
-.
^
-iiílJV,''
^*
'W!^'3«5i>»lf;A
^
íí
m
Jr
"i..
ii^A
;^ii^
...y
*.
"#
1
PORQUÊ?
f
MATOU-SE,
porquê?
O
amor, esse eterno revolu-
cionário, encheu-lhe o coração
licor
com
amargo
o seu
de duvidas e de desenganos ?
Não
A miséria bateu-lhe á porta,
bros nús, o coUo
immundos
murcho
mostrando-lhe os
e sugado, as roupas
em
mem-
farrapos
e o rosto desconsolado ? Foi essa visão
a fez varar o corpo
com uma
que
bala de garrucha ?
4-
Não
Teve ciúmes do esposo, medo de que a sua belleza
fosse supplantada pela de outra mulher, e
que o seu
:
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
62
espirito e a sua bondade,
mais o seu amor, não bastas-
sem para prender toda a attenção
se dedicava de corpo e alma ?
d'aquelle a
quem
,i
*
.
í
Não.
Perderia algum ente amado,
em quem
um
filho,
por exemplo,
depositasse todas as floridas esperanças
de
melhor futuro, e de quem as saudades fossem tamanhas
que lhe tornassem insupportavel a existência?
Não.
Teria sido attingida por
uma
d'essas moléstias in-
curáveis e nauseantes, que todos os extremos justi-
ficam?
Não.
Adultério ?
Não.
Loucura ?
Não.
Quehypothese formular então que explique o motivo
uma senhora honesta, casada, em boa paz com
o marido, mãe de uma única filha, pega em uma arma
carregada e manda com uma bala a sua pobre alma ao
inferno (que é o logar em que se purgam taes peccados
por que
negros), para os martyrios do fogo e as aguas enlo-
dadas e amargosas do Acheronte
Porquê
casa, e
lêr,
?
Se não adivinhaes
seo não sabeis
num grande jornal
é
é
?
que não
porque não
sois
lestes,
donas de
ou ouvistes
uma noticia simples, sem
de uma senhora, a qual
do Rio,
commentarios, do suicídio
noticia dizia assim
«
No
logar denominado
Itaguahy, suicidou-se D.
— Areal — do município de
Amanda Augusta
Fernandes,
>(-:
:
PORQUÊ?
.
63
esposa do cidadão Júlio Augusto Fernandes.
que se serviu a inditosa senhora
foi
A
arma de
uma garrucha
de
dois canos e a bala atravessou o pulmão, saindo pelas
costas.
A
((
facto,
autoridade policial tomou conhecimento do
um
encontrando próximo do cadáver
bilhete con-
cebido nos seguintes termos
Morro porque não posso supportar empregados.
O meu maior desgosto é morrer sem vêr meu marido
e minha filha. Só peço perdão para esta que não
a
devia ter vindo ao mundo.
mas
foi
reconhecida a letra
da suicida.
Que
o
Não estava assignada,
como a do próprio punho
»
»
exemplo não tenha imitadoras. Este
desfecho, ai de nós
!
faz rir.
E
o ridículo
triste
na morte é a
coisa mais lúgubre e mais terrível que até aqui tenho
visto.
Ah, no Brasil as criadas fariam tremer de raiva as
próprias santas
lidar
;
de cera
,
se
com
ellas
mas nem assim se comprehende
tivessem de
o desatino d'essa
infeliz creatura, cuja paciência arrebentou, á força
esticada.
Mas arrebentou
deveria explodir por outro
Não
fico
E
máu
lado, a sua cólera
modo menos
ruinoso...
seria de mulheres este livro, donas e donzellas,
se não houvesse nelle
das...
por
de
um
cantinho para fallar das cria-
a pobre suicida offerece-nos
para
tal fim.
Eu
um
ensejo magni-
sou das que têm mais pena e mais
sympathia pela gente de serviço, do que resentimento
ou
queixa, na convicção de que
nem sempre
seja mais agradável do que ser servida...
posso deixar de sorrir, ouvindo
uma
servir
Todavia não
amiga, que, lendo
,
'^^
.-
64
-^*,
.
•
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
meu hombro
sobre o
atrapalhando
sincera
do céo
!
;
-
me
:
as palavras que escrevo, exclama
—
Pena
«
sympathia?! não és
?.
uma criada é fazer jus a um cantinho
duas, a um logar nos^degráos do throno
em que fiquem, com o eterno
aqui ter
ter
sorriso,
os eleitos entre os
eleitos.
))
A dona
Brasil
de casa no
mais
martyr
a
é
digna de
commiseração
,
^-i entre todas as ci-
tadas
pela
baixo das
miga que
pôde
mentar as
pagar-lhe
assumindo
que
os
a
ella faz e
serviços
mesmas
com uma
telhas
que
em
Viver
ria.
•^
histo-
ini-
faz tudo o
para
ator-
nossas horas,
ainda fazel-os de parceria,
e
responsabilidade
dos
máos
jantares
da maneira desleixada por que arrasta a
vassoura pela casa
;
ordenar e ser desobedecida
;
pedir
más respostas fallar com doçura e ouvir resmungar com aspereza; advertir com justiça e ouvir
responder com aggressão e brutalidade recommendar
e obter
;
;
limpeza, economia,
cios,
ordem
e calma, e vêr só desperdí-
porcaria, desordem e violência,
coisa de fazer abalar
em
confessa que é
vibrações dolorosas os nervos
os mais modestos, mais tranquillos e mais saudavel-
mente pacatos do mundo
!
!
-'?'
,•" ••7y:».<ífTr
r-MS»''
LIVHO
Cyfi
A
n.VS
DONAS K DONZELLAS
1
sombra de D. Amanda, que a
costa, plácida e alliviada das penas
estas horas se re-
da Terra, a
uma
borda da barca de Charonte, sahirá contente, porque
íoi
comprehendida
Como
:
o morrer é fácil para algumas pessoas
!
^'o%
^lIvIm
•we»^:.:.
I
.
''W*---
"'
,
?
FORMALIDADES
As
formalidades mundanas transformam-se
moda, pouco mais ou menos como os vestidos.
Uma
A
com a
pessoa rigorista não pode estar tranquilla
maneira de calçara luva,
tirar o
!
chapéo, dobrar
uma carta, fazer um convite, receber uma visita, comer
a uma mesa, ir a um enterro ou a uma lesta, andar,
sorrir, etc, varia
como
as estações
!
Nestes cuidados, apparentemente
trabalho
porque emfim,
complicadissimo,
hábitos de anno
fúteis, existe
em anno sempre
é
mais
um
mudar de
difficil
do que
mudar de gravata todos os dias...
Que dolorosas raivinhas sentirá uma creatura,
mesmo bondosa e plácida, mas com apuros de exterio-
um
ridade, ao verificar que pòz
sello
num
sobrescripto,
no logar designado pela moda antiga, ou que dobrou a
ponta do bilhete de visita
jI
moda
antiga, ou que dis-
trahidamente apertou a mão de alguém na rua
antiga
É
para enlouquecer.
.
digo que se não acatem
com
afan certas modifi-
.'
.u:^4^3t
moda
!
Não
-
;l
^^;
f
;
'
Wr^.i
<
LIVIU)
(i8
cações
}ipraz-ine
;
DAS DONAS E DONZELLAS
comer os espargos
;i
moderna, com
garfo e faca, o que desobriga de sujar os dedos e fazer
uma gymnastica
de cabeça
j)or
vezes embaraçosa
;
mas
acceitar todas as reformas de etiquetas e costumes, pa-
i"ece-me excesso de phantasia, que pôde acarretar prejuizos...
Estas minúcias delicadas são as meias tintas, que
fazem realçar a educação do individuo
para que ellas
se-
jam naturaes devem
ser cultivadas desde
a infância, nesse uso
que as faz parecer
uma segunda
reza.
O
natu-
doce pre-
ceito antigo de
que
o que se aprende
berço
dura. até
morte,
fica
com
fazer e
esse
desmanchar de regras com que as
se entretém.
O
no
á
abalado
continuo
civilisações
que era lindo e correcto ha alguns annos
passou a ser caricato
;í
vista
da moda tyrannica dos
dias que vão passando.
Têm
razão os velhos
em
sorrir,
com benigno
escai-
neo, das allucinações desta mocidade trefega.
No
seu tempo os costumes
eram de uma
cortezia
mais repinicada, mas muito maisegual.
A
uma
arte de
bem
viver na sociedade aprendia-se de
vez só e ficava para o uso da vida inteira. Aquelles
^Àif:
>
!
•"-•^F
,
-..
•
r
:
-^w-
FORMALIDADES
69
hábitos a maneirados impi'egnavam-se nas pessoas
um
perfume na
passavam por
pelle e
isso
como
a ser
—
essência própria.
Hoje os hábitos são movediços como as turbas. Tão
homem
depressa é de praxe que seja o
uma
um homem; ora
cumprimentar uma senhora, como
cumprimentar primeiramente
o primeiro a
é o de
senhora
estabe-
lecem que devem ser as damas edosas que oíTereçnm a
face para o beijo das novas, ora que sejam as novas que
entreguem a face para o
beijo das velhas, etc.
Para quem não estiver bem firme na maneira por
que se deve conduzir, estes renovamentos só podem
crear indecisões e afílicção.
Este embaraço não é
Na
S('>
nosso.
velha sociedade da França, civilisada e primo-
rosa, ainda é preciso
que de vez
livro ensinando regras, o
em quando
surja
um
que é indispensável, visto as
transformações, ou se espalhem artigos
em
revistas e
jornaes, cheios de preceitos de civilidade.
É sempre com uma
esses auctores
ensinam a comer ameixas em calda,
farçando a queda dos caroços no j)rato
sem engulir
que
solemnidade dogmática,
as grainhas
:
a pedir a
mão
;
dis-
a chupai' uvas
de
uma moça
a pôr o pé no estribo, a descer do carro, a pegar na
aba do chapéu para
mão
um
cumprimento
e até a apertar a
dos amigos
Este acto tão simples de polidez e de sympathia é
motivo grave de preoccupações.
se extender a
mão
aos outros,
O
com
gesto expressivo de
naturalidade,
p('>de,
na opinião dos formalistas, ser tão ridiculo como uma
cartola velha
num
sujeito elegante, ou uns óculos de
ro
I.IVRO
tMi'tai'Uf»'a
decretam
1'.
se levante o cotovelo
orelha, que o pulso pendn
com molleza
aperto de
(»
num
mão
-Á
shake-/)anris,
Assim, ova
até á altura da
e
que seja nessa
que as mãos nmigas se
attitude de nnimal de feira,
encontrem,
DON/.ELLAS
rostinlio de quinze aiinos...
luini
(|ue
DAS DONAS
simples roçar de dedos, ora que seja o
altura do (|ueixo, acoimando de brutal
com que
mãozinhas molles
as
mãos
esmngam
fortes
as
c débeis.
Usos, costumes e convenções surgem todos os dias
no código mundano, como cogumelos na terra húmida.
É
prudente não acceitMr todos sem exame.
los
quç matam,
tas,
\va
convenções
risivcis.
O
Ha cogume-
i'idiculo d'es-
equivale ao veneno d'aquelles...
J^',XÍ'Mi(>.'.
li-.'
V
PARA A MORTE!
^VlflT
DIZEM
que não
lia
iin
mesma
eguaes e que ns próprias
divergem entre
arvore duas folhas
flores,
bem comparadas,
ou na f(jrma, ou no colorido, ou
si,
,no aroma.
É uma
diflferença (juasi imperceptível e só
hendida pela vista e o olphato argutos de
um
appre-
botânico
estudioso e observador.
Quer
isto dizer
que no fundo da sua natureza mys-
teriosa, a própria planta
tem também os seus desac-
côrdos impenetráveis....
Como
as folhas
da
todas dissemelhantes, e
mesma
como
arvore, iriuãs
as folhas
somos
!
somos levadas
ou pela aragem doce que nos atira para a velludosa
al-
fombra aos pés da própria arvore; ou pela lufada do
temporal, que nos impelle para a terra
ou para as aguas torrenciaes
Que culpa temos
n()s
!
em
torvelinho
.
de ficarmos aqui ou irmos
para além, se somos levadas pelo vento ?
Nos tempos
antigos, a
pacifica e retraída;
mas
mulher era calma, submissa,
seria tudo isso por ter
.«t
mais
>.
'
;'-
:>
•í:.-
7*>
LIVRO DAS DONAS
bom
senso, mais felicidade e
parece.
O
lí
DON/ELLAS
menos ambição
motivo devia ser outro; o motivo devia de
estar na atmosphera que a envolvia e
ti;)
nenhum elemento
damos
em que não
exis-
Não somos nós que mu-
mudam
a
n()S.
transforma, tudo acabn, tudo recomeça,
se
creado pelo
fim.
agitador.
os dias, são os dias (|ue nos
Tudo
Não me
?
mesmo
principio, destinado para o
Nascemos, morremos e no intervallo de
mesmo
uma e
outra acção, vivemos a vida que o nosso tempo nos
impõe.
O
que
elle
impõe hodiernamente á mulher
prendimento dos preconceitos, a
lucta,
sempre dolorosa,
pela existência, o assalto ás culminancias
homens dominam
Mas, seja qual
é o des-
em que
os
e de oncíe a repellem.
fòr a guerra
que lhe façam, o femi-
^V-^'
V
-
^t-
PARA A MORTE
.73
I
iiismo veiicerjí, por que não nasceu
da necessidade
A
quem a pôde
Desde as classes
as
servir, serve-a, e
com
isso
s(>
se
porque o trabalho nunca aviltou ninguém.
enobrece,
sam
obriga a triumphar.
(|ue
vida é cada vez mais exigente, absorve todas as
aptidões;
mam
da vaidade, mas
em
inferiores,
mãos nas
barrellas e
que as mulheres quei-
carregam fardos, ou pas-
noites dobradas sobre as costuras, estragando os
olhos e os pulmões,
ás negociantes, qual
ao
ficar
até ás professoras,
ás medicas,
não terá a consciência de sacri-
dever a sua alegria,
o
seu
corpo,
a sua
mocidade ?
Eu
só
um movimento
não posso reprimir
de estupe-
nome a uma
de sangue. Quando ha
facção deante da mulher que liga o seu
propaganda de extermínio
tempos
li
o de
Emma
e
Galdman, acusada de instigar a
uma revolta n'alma e a suspeita de que comettiam uma injustiça. Se em vez desse,
viesse no mesmo logar um nome de homem eu não vibraria ao mesmo estremecimento.
morte de Mac Kinley senti
Não
leio
todos os dias noticias de mortes, de assas-
sinatos e de crimes
K tremo por
xão ?
meu
com egual
isso?
direito
;í
minha compai-
E atordoo com ella os ouvidos
do
visinho ?
Absolutamente!
A
intenção de
Emma,
bem
de
fazer ás classes oppri-
midas e de só abater os grandes para mais livremente
fazer
circular os pequenos
;
a sua fé divina
futuro de pacificação e de harmonia,
nidade dos homens não seja
uma
em
em um
que a frater-
palavra vã, toda a
generosidade do sonho em, que ella afoga a sua alma de
Mil-Nu^u.r.W- V''a*
\
MVHO DAS nONAS
71
E DON7.RLI.AS
alucinada, nào lograram, ai de
uma mulher
que ha desculpa para
mal procure fazer o hem
Nem
!
convencer-me de
que
por via do
s()
!
O
creio (jue ella o propagasse assim.
difficil é e
todas
mim
serji
sempre o da conciliação,
mesmo
mulheres,
as
deveriam
seus ideaes.
que tarda, e
O mundo está
espera de um bem,
desempenhar.
(jue o ])acifique
toem cadáveres nem
e é esse (jue
mais extremadas nos
as
sangue e de ódios,
farto de
papel mais
e
;i
sem que para
se accrescente o
isso se
amon-
numero dos en-
carcerados.
Oh
triumpho do sonho anarchista, os
se para o
!
fanáticos não quizessem a destruição; se a sua obra
libertadora não exigisse o diluvio do sangue e a devas-
tação das cidades,
como
elle seria
em
todas as revolucionarias,
escriptos e
terra a
em
chamma da
!
*
*
Como
seductor e desejado
Emma
exgottava-se
conferencias, levando de terra
sua palavra incendiada
;
em
pregando as
suas doutrinas pelas cidades e villas da União, pertur-
bando os cérebros espessos de operários,
ao dia nefasto de a ouvirem,
com maior ou menor
gnação, ás privações da sua dura sorte.
ella,
Entretanto,
e a dòr.
A
infelicidade que se ignora,
é infelicidade...
No
em que
dia
Kinley
irmã
foi
executado o assassino de
Mac
alguma mulher o chorou como mulher;
Emma, sem
ou
resi-
querendo illuminal-os, plantava-lhes n'alma o des-
contentamento
não
sujeitos, até
e
consolar essa desconhecida, mãe, amante
do
homem
(|ue
]»erdeu,
sentiu
%
}H-
natural-
'-o
",
!
.
PARA A MORTE
.-
'
ir)
mente subir ás suas pupela
pillas i'ese(|uidas
lebre
das
trabnlho,
vigilias e
do
uma lagrima de
inexprimível inquieta(;
ão
A
lher
j»resentiu
mulher,
sabe ser no
uma
nooão
mundo
>í
m
.Aí
1
a
outra
a(|uella (jue
outra coisa, e (^ue da vida
— a do am<M*
mu-
sua alma de
s(')
não
tem
.
<t
•
í
76
nAS DONAS E IHIN/ELLAS
I.IVRO
A
caminho por onde
ospinlioso e (lufo o
é
bem
busca a
feli-
comprehondou que
esicrintorn anarchisía
ella
mas acharia tarde para voltar, sentindo medo
do caminho |)ercori'ido. Assim, haja o (pie houver e
cidade;
sinta o
que sentir,
ella continuar;!...
em
Continuai';!, lavada
como a
seu destino,
aroma venenoso
lagrimas, ao sojin^ erradio do
folha ao vento, espalhando o seu
pelos
caminhos das fabricas
e os car-
readouros dos campos de lavoura. Ella continuaní
^••ando e pi'ophetisando
um
pn''-
})em ii'realizavel.
mor-
Ella continuar;!, e outros correifio a ouvil-;i, e
rer;w)
por cumprirem os seus m;nidamefitos, e serào
chonidos por mulheres que
coisa no mundo... e
s;m^ue
daç;lo do
e
essenci;i das coís;ís
;nnd;i n;lo
face sei'ena
\r.\
l;i«jfrimas n;"Ío
(l;is
nem
;i
dos seres
lheres
;i
íi
cul]);i
olh;u'em p;u'a
e t;lo penos;i.
j>ara ellas e
d;i
é do
tempo:
;i
;is
com
vid;i
(pie
nunca a
;is
tilo
murude
])recisam trabalhar,
porque
(relias,
que
sentem-lhe os respingos am;irgos
que obriga as
um;i attenção
s('>s,
nascem
mesmo
miseri;i ci*esce, e
mud;ir;i
!
é elle
Sentem-se muito
\mvn
inun-
terra w
(l;i
*
*
Sim.
s;ubam ser outra
n;u> se
e a su;i
n ond;í
afogam
nella,
sombra pavo-
rosíi
Oh, cert;imente
(jue n;~io foi poi' m(''ra e ca])richos;i
phantasiíi que ^ nmllier se (lesjK)jou das suas attribuições
de ornamento
na
luf;i-luf;i
jt;ir;i
endurecer
;i
;Hma
do trabalho angustioso e
Elias ]»i'(»testam,
jiorque
v;~io
ec;ilejar
;is
*
viril.
jku';i
elle
mãos
I
de
i-íistos,"^
•T
-..v-' -J^' ..--Jí
•'víStí'.'
PARA A morte!
obrijíadas j)ela necessidndc
corrente que j)uxa
;is
iiri^eiite
demais
ou
;itti"ihid;is
pein
mcsnui voríigem
j)ara a
dolorosa.
De
resto,
bem sabem
(|ue
nessa lida pe!'dem a for-
mosura a que renunciam, não sem
enleio da formosura é seductor,
—
tristeza, por(|ue o
mas com
altiva re-
signação. Pois bem, que tudo se arruine e se perca no
mundo, menos
mento
pai'a o
a l)ondade
bem
da mulhei', o seu acoroçoa-
e as suas expi'essões
materuaes e pa-
cificadoras!
De
(jue
nos serve,
nos e crear-nos
se
no fim de
vario
nos
negra
?
febril
Emma
infinitíts visões
(jualquer
leve,
de futuros impossíveis,
caminbo
vamos todos
Galdman, aturdironde o destino
])or
l)ater
á
mesma
poi'ta,
)
:
•^f -^
'y^
A^•*'«
*•*
j^
í<
i
v,^.
SEGUNDA PARTE
,.-/
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íx
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1
#í;.v
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5 i'
:-^TF«7aj>
<x
^"^^^^i^V
>#•
'.
'^^..
FOLHAS
DE UMA CARTEIRA
3vl
DissE-ME
uni
(lia
um
velho amigo
:
— Ha certos livros de educação e
acho indispensáveis
numa
de hygiene que
bibliotheca de senhoras.
As
mulheres salvarão pelo amor o que os homens estragam
por desidia.
Ponho
nellas toda a
minha esperança. Aos
espiritos
mas
de-
vemos crer que as mães, empenhadas pela saúde
e o
banaes essas
bem
leituras
estar dos filhos,
parecerão fastidiosas
achem grande
interesse
;
em
folhear
6
^^
UVRO DAS DONAS
82
j)aginas
E DONZEl.I,AS
serias de educadores modernos.
É um
erro
pensar que, hoje, o ensino deve ser ministrado com<i
ha cincoenta annos
e entregar os nossos rapazes aos
Ha
nossos collegios atrophiadores.
livro a
minha
filha
Demoulins. Pois os
com
ma
UEdacafion nouDolle, de
meus netos j;í lucraram alguma
:
a leitura da mãe.
O
livro é
uma
coisa
exposição claríssi-
da Escola moderna, prática, que trata de aperfeiçoar
mesmo tempo o corpo e
UEcole doif déoelopper à
o espirito dos
ao
((
um
Edmond
tempos enviei
hirgeur de V intelligence
Minha
et la
filha leu esse livro
rapazes.
la fofs chcz Venfant lo
largeur de la poitrine.
com muito
em
^arinho,
e,
»
na
programma
do collegio, iniciou alguns dos seus exercicios com proinstrucção que recebeu... Os meus
veito, graças
impossihilidade de executar
casa todo o
j'i
netos vivem no campo, onde têm
bom
seus estudos de historia natural.
Um
uma
officina de carpintaria, o outro
A mãe
theatro para os
d'elles frequenta
uma
de ferreiro...
preside ás suas leituras, livros escolhidos, na
boa lingua portugueza, e ensina-lhes desenho e musica.
O
pae dá-lhes
uma hora
e contractaram
franceza e
;1
um
um
de mathematicas e geographia,
professor francez para a
lingua
inglez para a lingua ingleza, obedecendo
ordem da Escola moderna de que nunca uma lingua
deve ser ensinada senão pelos da sua nacionalidade.
Os pequenos nadam como peixes e correm como gamos.
Não têm as mãos assetinadas, está claro... imagine
um ferreiro um marcineiro Por emquanto não bara!
!
fustaram pelos labyrinthos da grammatica, mas
escrevem cartas muito limpas e
malho com algum desembaraço...
já
movem
y.i
a lima e o
'vr-^
- v-y.
fí.»:
;-?* «r
;*;
W^
FOLHAS DE UMA CARTEIRA
Intercalando os
estudos clássicos
83
com
trabalhos
materiaes e occupações artísticas, elles vão-se tornando
homens completos,
tanto''á vontade
num
salão
como
V
'.V
-'•,7>'»:»
7
••»•.
í
->J^
,"
84
I.lVnO
vm uma
mãe
officina...
DAS DONAS E DONZELLAS
Em uma
das suas cartas diz-me a
:
((
;i
João o Luiz têm o andar firme e olham para toda
gente de rosto, com a cabeça
homens
consciência de
E em
((
outra carta
João
horta, a
homem
demonstrando
»
!
:
hoje trabalhando no jardim e Luiz na
estji
meu mandado. As
vem um
quintas e sabbados
guiai -os nesse serviço, depois da hora das offi-
Cada
cinas.
alta, já
(jual
me
faz
mais lindas promessas
ninguém
se realizarem,
tão magníficos repolhos.
Ainda noutra carta
nem
terá
;
se ellas
tão lindas rosas
nem
»
:
João tocou hoje a sua i)rimeira sonatina para
((
alguns amigos ouvirem, e Luiz oílereceu ao mestre de
inglez
um
desenho razoável. Embora eu disfarce o meu
enthusiasmo,
Esta
elles
percebem que estou contente.
mãe que assim
»
cultiva nos filhos todas as boas
qualidades de corpo o de intelligencia, a que deve essa
satisfação ?
Ao
seu
amor
Não
?
só ao seu amor, pelo
qual os filhos nada lhe devem, porque todos os ani-
amam os filhos mas
homem sciencias naturaes e
maes
;
a ter estudado
como um
linguas vivas. Ella sabe
;
logo ella pôde transmittir, e os seus filhos são assim,
duplamente
— suas creaturas.
*
*
Os
russos,
quando querem
coisas enternecedoras.
mance russo
((
*
ser bons e simples,
Aqui estão palavras de
dizem
um
ro-
:
Repara no cavallo, esse grande animal,
e
no
boi,
*•
FOLHAS DE UMA CAKTEIRA
85
O robusto trabalhador que te alimenta
sionomias
timidez
castiga
!
sonhadoras
que
!
vê que phy-
:
que
submissão,
fina
que devotamento por quem tantas vezes os
sem dó
É
!
enternecedor o pensarmos que taes
entes são sem peccado, porque tudo é perfeito, tudo é
sem peccado, menos
Menos
o
homem
homem.
o
e
;
»
para que este seja também puro
quantas lagrimas de arrependimento e de cóntriccâo
terá que verter
Mas para
!
amar a humanidade
;
se ser perfeito não basta
è preciso que o nosso olhar abranja
harmonia, com
toda a natureza e confunda na sua
todos os seres que soífrem e que se
egual carinho,
submettem.
No meu
bairro, ás vezes, tenho de encostar-me a
paredão da estrada para deixar passar
uma
de pedras puxada por
uma
carroçada
ou duas juntas de bois.
Elles vão cobertos de suor, sob o peso da canga,
esforço valente e
com
carroceiro os espicaça
homem
não se
emquanto que
lê
um
num
ar humilde, e ainda o bruto do
com
o seu pampilho
!
Na
cara do
senão a fúria bestial da impaciência,
os robustos trabalhadores, vergados e
submissos, olham para a estrada adeante,
com uma
expressão de bondade sonhadora...
Caminho ontão para
casa, pensando que realmente
nós tratamos muito mal os animaes. Só os vemos embaixo do trabalho pesado.
Nessas lindas tardes de setembro,
no ar pipiles de aves
e
em
que vagavam
pennugens brancas de paineiras,
porque não passaria pelas lindas estradas de Santa
Thereza
tado ?
uma ou
outra amazona
em
cavallo
bem
trac-
»
86
I.IVRO
DAS nONAS E nONZELLAS
Passado o instante do eléctrico os folhudos galhos
das arvores que se debruçam sobre as estradas uúas, só
vêm
passar cavallos magros, lanhados de chicote, ou
os fortes bois submissos e sonhadores...
Ha
uma
na comedia Blanchette, de Brieux,
phrase
que synthetisa, com delicadeza e exactidão, o amor
ufano com que as mulheres servem a sua casa. São
palavras simples, sem litteratura, sempre as mais sinceras, que
ideia ou
nascem da alma
um
com
e definem
clareza
uma
sentimento.
Lembram-sc? Blanchette, deslocada em casa pela
educação recebida
uma
no
collegio,
abandonara o
lar
em
rebentina, ouvindo as maldições do pae a apontar-
Ihe a porta da rua
com a mão nodosa de vendeiro
avaro.
Blanchette, que se recusara a atar á cintura os atilhos
do avental, para servir os freguezes do pae, volta pela
segunda vez ao ninho paterno, mas agora como
batido, magra,
um
cão
morta de fome, coberta de humilhações.
O mundo ensi-
Tivera de servir de criada para viver.
nara-a.
Vendo-a, a mãe acolhe-a, aquecendo-a de encontro
O
á sua carne martyrisada e submissa...
lá
chega ao seu momento de ceder e
ella,
pae, teimoso,
emfim
tuída á sua casa e á sua familia, exclama radiante
— ((Como
casa
é
bom
pôr a gente
um
avental
resti:
em
sua
!
E com
então
ila
que alegria os seus dedos ágeis amarram
cintura os atilhos do avental
I
E
que os aven-
>•»
v;
!
-
,
-1
-^^T^'-
-i-^-;':-^
FOLHAS DE UMA (ARTEIRA
tíies
que as patroas
87
haviam atirado á cara
lá fora lhe
A
tinham bem diversa significação.
independência do
nosso canto, a felicidade do sacrifício feito pelo nosso lar
amamos, estão bem dentro
e por os que
que
diríeis escriptas
por
uma
estão de sentimento feminino
E
ahi está
d'essas palavras,
mulher, tão impregnadas
!
como um pedaço de panno
incolor pode
ter tão alta significação moral...
O lenço desempenha
na vida
um
papel
bem variado
!
Mesmo os lenços de luxo que com renda e tudo
não medem mais que uns vinte e cinco centímetros, mera
futilidade incapaz de descer ás necessidades prosaicas,
até esses
têm
o destino clemente de
enxugar lagrimas e
disfarçar ironias.
Quando pertença a uma senhora,
é obrigado a
um
exercício activo,
— que o do homem
— o lenço branco,
de
meio metro quadrado, paternalmente carinhoso nos
defluxos e nas bronchites, não sae do recato da gaveta,
bem guardadinho para
brado
em
as urgências de occasião, do-
quatro entre sacliets ou raízes do capim chei-
roso.
No
lenços
fundo da sua consciência (supponhamos que os
também têm
d'isso),
elles sentirão a satisfacção
do dever cumprido, tão apregoado pelos que o não cum-
prem, e esperarão que os
de
um
chamem
ao serviço interino
nariz precisado do seu soccorro, e da sua abne-
gação.
Mesmo
os lenços de chita, tão caricatos e nojosos,
—
.V
88
I.IVRO
•
DAS nONAS E HONZKI.LAS
salvain-se quando, l)em lavadinhos, são postos
sobre o peito
não
cheiram
farto de
a
uma camponeza
tabaco
;
cheiram
a
crim
não
de
;
ra])é,
em
cruz
bonita. Entào
trevo
ale-
e
têm nódoas
tèm a sombra da
redemptora ou dos
cruz
que
bentinhos
dona
a
traz
pendurados no pes-
coço
;
não representam a
torpeza de
um
vicio
que
desmoraliza o nariz, mas
sim o recato que poetisa
o seio.
De mais, são alegres
com as suas cores turburamagens
lentas e
sas,
que des])ertam
ideia de
])oulas,
Não
s('»
visto-
a
campos de pa-
onde bata o
sol.
sei precisar se
são
de minha cabeça, ou
suggestão de alguma
lei-
tura fugitiva, estes reparos que por escrúpulo vão entre
jmJíwS^M^
aspas
((
gnamos com mais intensidade
:
E
no lenço que nós impre-
o nosso
perfume favorito,
a essência que faz parte da nossa individualidade e nos
denuncia ao olphatodos amigos.
E
o lenço que secca as
nossas lagrimas, que se mistura aos nossos sorrisos, que
ajuda a mimica, abafa os gemidos, dissimula a careta e
-
FOLHAS DE UMA CARTEIRA
guarda amarguras do coração
:
triste
89
pranto secreto o
que ninguém adivinha. Recurso de afflicções,
sivel e
mudo, deixa queo
cris])emos, que o
quando não possamos com a palavra
intenção de
um olhar
um
ou de
impas-
mordamos, que
movimentos de ódio
o estraçalhemos, nos
elle,
e de despeito,
má
repellir a
gesto que offenda
!
Vic-
nossas agonias, elle é então o salvador da
tima das
nossa dignidade.»
É ainda
o lenço que, comparticipando da expressão
do nosso sentimento, se agita no ar
applauso ou na saudade de
Quem
uma
não viu, ao menos
acceno branco, repetindo
em
numa saudação
de
despedida.
uma
vez na vida,
esse
silencio a palavra que já
não pode ser ouvida ? Onde a voz
já
não chega, chega
ainda o adeus do lenço, batendo-se no ar como
uma
aza na agonia.
Imaginae
se a
amada do poeta
nunca
teria lido
estes
versos
Este teu lenço que eu possuo e aperto
«
De encontro ao
Que
E
se ella o
hei de
foi
um
peito
creio
dia mandar-t'o, pois roubei-o
meu crime em
não usasse
quando durmo,
e o
breve descoberto, »
(1)
não tivesse deixado roubar, já
naturalmente com o propósito, muito humano, de o
rehaver, quando
«Pando, enfunado, concavo de beijos!»
Esse trapinho, que se embebe de lagrimas que sec-
cam, de beijos que se não vêm, que
(1)
Versos de
um
simples.
falia
Guimarães Passos.
nos aparta
!
90
!
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
mentos
e nas acchimações,
um
a
rei
que designa para o amor de
mulher preferida, que abafa os soluços, guia
as pesquizas das cartomantes e das feiticeiras, dá signaes
aos namorad(^s, protege os
esi)irros
rescende aos
e
aromas mais cnpitósos; que é muitas vezes cúmplice
em
intrigas, fingindo seccar olhos enxutos e
escondendo
caretas que desejem parecer sorris(»s, tem ainda
missão misericordiosa
E na
dos cadáveres.
se
com
verem
morte
Hane
a de encobrir a face feia e fria
:
hora extremado cadafalso, vendam-
lenço os olhos dos suppliciados, para não
o
a
i/ou
Spoted
I
not sometimes seen a handkerchief
irith straicherrics in j/our trifts
Quantas vezes o notara Othelo
hand?
se era dadiva sua
;
com esse lencinho salpicado de morangos
honesto Yago assanhou no seu senhor o monstro
Pois
que o
uma
foi
de olhos verdes, o negregado ciúme, que fez morrer a
pallida
Na
DesdemonH.
acção como na intriga os lenços
representam
muitas vezes no theatro extraordinárias ficções
São almas que
se dilaceram entre os dedos apaixo-
nados de Margarida, ou os dentinhos
frou; são como pedacinhos de
aos lábios de
Romeu
nem enxuguem
fico
o suor
e
:
pelle
tei'riveis
amada de encontro
quando não exaltem paixões
da agonia, são ainda
pretexto para que a
de Frou-
mão desoccupada
um magni-
vá e venha,
cortando a monotonia da inércia.
Quem
rendas
foi
inventou o lenço bordado e circumdado de
;i
imperatriz Josephina, que
dentes escondia
com
elle
por ter maus
continuamente aboca. Graças
—•fi\.
FOLHAS DE UMA CARTEIRA
91
O essa carie irreverente o lencinho fino tornou-se objecto
de luxo e entrou na actividade dos passeios, das procissões, dos
minuetos, onde
leque, dobrado
em
elle
era o succedaneo do
ponta entre os dedos carregadinhos
de anneis, de benjoim e de verbena. Era talvez a parte
mais expressiva da
com
toílette, o
seu complemento precioso,
nome da dona sublinhado
o
a rendas caras.
Rendas...
Ha
cujos
em
umas rendeiras
dedos conhecem segredos de fadas. Rendas de
no Brasil,
lenços, fazem-nas
terras do norte,
tão bonitas e tão finas €[ue
se nos
affigura impossível terem sido tecidas por gente inculta,
sem noção de desenho.
Quando se lê o apreço que em
agora mais que nunca, ás rendas
nelles cultivam essa
certos paizes dão, e
feitas á
que é ao mesmo tempo
uma
como
uma industria
arte, receia a
as rendeiras do Norte, já velhinhas,
lépidas, os
e
prenda delicada, agremiando cam-
ponezas, dando-lhes mestres, fomentando
bilros dos
mão,
gente que
deixem cahir os
dedos engelhados, sem que outras mãos, mais
apanhem para continuar
a tarefa interrom-
pida
*
*
*
íamos pela rua do Senador Furtado.
lindo, cheirava a
O
dia estava
murtha. Subitamente começámos
uma grande
vimos agachada numa
a
ouvir gemidos, arrancados de
afílicção.
Mais alguns metros,
soleira de
portão,
uma
com
e
o busto cabido sobre os joelhos pontudos,
negra cadavérica, que a tosse sacudia como o
vento sacode
um
trapo. Sentindo gente, ella levantou a
J
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
92
cabeça, revirando os olhos pallidos para o céo illumiiiado.
que
A aragem brincava-lhecom um
ella franzia
farrapo de chaile,
no peito com as mãos magríssimas e
amarelladas. Parámos, e a voz
d'ella explicou entre uivos
— F oi
:
o cock ... foi o
carvão de cock que
me matou!
As
palavras, in-
terrompidas pelas
guinadas da tosse,
repetiram a queixa
no mesmo
estribi-
lho recriminativo
—
-)f<^5>
:
Foi o carvão de
me matou
Veio gente de dentro. Levaram-n'a em braços.
Ouviram bem ? O cock é um assassino de mulheres.
Mata pelo excesso de calor que desprende. Nunca me
cock que
!
esquecerei d'aquella triste queixa irremediável...
*
*
Não
é raro esbarrarmos na rua
nessa edade indecisa,
...
*
Que não
como
diz o
com uma menina,
mestre
é dia claro e é já alvorecer
:
;
Entreaberto botão, entre-fechada rosa,
Um
E
pouco de menina e
um
(1).
a impressão que se sente é sempre agradável, se
essa creaturatem a condizer
(1)
pouco de mulher
com
o resto de meninice,
Phalenas, Machado de Assis.
ii^v...
.^
.
.
.
FOLHAS DE UMA CARTEIRA
.
93
que vae desapparecendo, e o começo da mocidade, que
vem
apontando,
ficioso
uma graça ingénua
e
um modo
desarti-
de andar e de vestir-se.
Ah, mas quando
ella
passa empapada de essências
caras, de passo estudado e muito espartilhada,
com me-
neios grosseiros e rosto empoado,
vem
a olha
um
desejo absurdo de sacudir pelos
hombros a mamãe
in-
consciente,
ede
a
quem
lhe gritar aos ouvidos que a doce crea-
tura que o céo lhe confiou, e cujos passos ella segue
como má
O
pastora, vae carregadinha de ridículo...
artificio
do pó de arroz é o véo benévolo para os
A
rostos de quarenta annos,
,
d'isso.
A
moça não
pelle
precisa
bellezadas donzellas está na sua candura, na
sua alegria natural, e sobretudo na sua simplicidade...
*
*
Vi em uma
revista
velhinha que aprendeu a
*
franceza
lêr depois
o
retrato
de
uma
dos setenta annos.
Olhando-lhe para a cabecinha e para o rostinho todo
sulcado de rugas, tive vontade de beijal-a.
A historia
d'ella
:
Todas as manhãs costurava a sep-
tuagenária juncto á jancUa da sua choupana, á sombra
de
um
castanheiro que lhe dava perfumes na primavera,
sombras no verão, fructas no outomno e ouriços para o
foguinho do inverno.
Que mais
não
foi feito
seria preciso para a vida?
alphabeto
por Deus; e para amal-o e servil-o bastaria
adorar a natureza. Entretanto,
eis
que depois de longos
annos lhe cortam a frente da casa por
novo, atalho para a
villa,
um
caminho
por onde o rapazio de
aldeia próxima passava para a escola.
vb'i&i_ :^j
O
uma
!
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
94
A
doce velhinha, ouvindo todos os dias a tagarellice
das creaneas levantou os olhos da costura e voltou-os
para o horizonte
Saber
dores
infinito...
que os pobres pães, cava-
lêr seria tão útil,
sem vintém,
todos os dias
á.
abalançassem a mandar os
se
com
escola,
prejuízo do seu trabalho ?
Alguns d'esses j)equenos já sabiam
e
tinham
Com
força para
que duros
mover
a
sacrificios
sapatos e as roupas de
ir
filhos
lidar nos
campos,
enxada ou guiar os
a
mãe
bois...
lhes compraria os
ao mestre
Esse exemplo fêl-a pensar que vivera toda a sua
longa vida de setenta annos, como
em
um
animal inferior,
que o pensamento mal animava a matéria.
teria outros intuitos
com
carne
A
vida
mais elevados que os de servir a
o alimento e o agasalho ?
Dos seus dedos encarquilhados
e trémulos a costura
cahiu, e no dia seguinte ella se incorporou ao bando
das creanças, a caminho da escola.
uma
Foi
um, uma
tou-lhe,
taboada
alegria.
;
e
todos
Os pequenos não riram. Emprescartilha
;
outro offereceu-lhe
se sentiram
uma
muito honrados com
aquella condiscipulade rosto franzido e cabello nevado.
No
fim de três mezes de
uma
applicação teimosa, a
velha aldeã, escrevia a sua primeira carta á neta mais
velha, que vivia
numa
colónia franceza da Africa.
Nas
moça a ir á escola,
mandar-lhe noticias com a sua própria
suas garatujas aconselhava ella a
para aprender a
lettra.
As cartas escriptas pelos outros não são inteiramente
nossas; nas lettras como nas palavras vae alguma coisa
do ente amado e ausente...
*;'' >''"•;.
"í-f-v^ '^v?-
.
-
FOLHAS DE UMA CARTEIRA
95
«
*
em quando
uma creanca...
De
vez
deu-se
E
são sustos,
noticiam os jornaes
Achou-se
uma
:
«
creanea...
lagrimas, afflicções
!
Per-
...
»
Para prevenir
taes confusões bastaria atar ao pescoço dos anjinhos
uma medalha com
como aos
nomes
seus
e
moradas. Tal e qual
cãezinhos. Sim,
porque as pobres creanças
com
as suas linguas
de trapos, tão musicaes e
incomprehensiveis, esfor-
çam-se em vão, muitas
vezes, por explicar a
um
desconhecido, que as
encontra chorosas na
vêm ou
Ha só uma
calçada, de onde
para onde vão.
palavra nitida no
d'aquelle
meio
embaralhado
confuso de syllabas entrecortadas de soluços
niàef Querem a mamãe, cuja
:
— ma-
mão deixaram sem
saber
como, nem onde, nem quando, olhando tontas para a
direita
ou para a esquerda, sem noção do
tremulas, sondando
com
sitio, afflictas,
olhar ávido todas as portas,
erguendo os queixinhos rosados para todas as janellas.
Estas scenas, aliás frequentes, sempre enternecem,
e a cada pergunta que
um
transeunte commovido
faz,
no sentido de auxiliar e bem conduzir a pobre creaturinha, ouve sempre a
—
mesma
resposta
Em que rua mora ? — Mamãe
*.'
r
— mamãe
! . .
!...
!
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
96
—
—
Para onde
Como
mãe, mamãe
Por seu
ia ?
— Mamãe
chama
se
ella,
a sua
mãe volve á
lado, a
!...
mãe?
loja de
encontrar o filhinho embasbacado
boneca
pise
;
um
direita,
— Mamãe, ma-
onde
carro
—
!
e,
mesma
deante da
não o encontra, sae tremula,
já
saiu, julgando
— que
o não
emquanto allucinada sobe para a
interrogando toda a gente, olhando como louca
para todas as lojas e todas as esquinas,
elle
desce para
a esquerda, engrolando termos, segurando-se a todas as
contemplando com avidez e susto todas as mu-
saias,
lheres.
E
nós. que
guinte
ao
creança...
nada vimos, commovemo-nos no dia se-
lêr
nas
gazetas
:
«
...
uma
Perdeu-se
»
Um dia encontrei em uma esquina o velho Dr. Serra,
que, a])ezar dos seus setenta annos, gosta de observar as
moças que passam. Disse-me
elle
:
Estou convencido de que o simples movimento de
levantar o vestido exige
uma graça muito
particular.
um lado e vão com
uma linha diagonal,
Ha
senhoras que erguem a saia de
ella
rastos do outro, descrevendo
c-omo
se
a
caminhassem de esguelha. Outras, não levantam coisa
nenhuma, varrem
as ruas
com desassombro
outras,
;
levantam de mais o vestido, mostrando as saias de baixo,
que só devem
tras,
ter o mérito
arrepanham as duas
de se deixar adivinhar
saias ao
mesmo tempo,
mostrarem a toda gente os tacões das botinas
vêr-se
uma que,
reunindo as pregas da saia á
;
ou-
:
i)ara
e é raro
mesma
«
>
<
«F
dis-
*
4
LI
FOLHAS DK UMA CARTElIiA
tancia da cintura, colha a fazenda
97
sem distracções nem
indiscreçòes, deixando apenas entrever o que se não
deve mostrar.
Eu
j;í
atinei
com
a arte.
A mão que
segura
nem muito alta, nem muito
deante, nem muito para traz de
o vestido não deve estar
baixa,
nem muito
para
;
maneira que o braço caia naturalmente e não desenhe
também a
senhoras do meu
esses feios ângulos agudos, que nos o])rigam
andar fazendo curvas. Realmente, as
tempo...
Pedi ao
meu amigo que
olhasse para outro lado o
aproveitei a occasião para íugir-lhe, não
cupação de que
elle se voltasse e
a saia de esguelha...
Os homens são
^
terriveis
!
me
sem
a preoc-
visse os tacões, ou
m
**
v"'*'
~-
v-'*-.-
yrw^.: ''
Tlíjí"'--
« HF
CHIROMANCIA
^^1^"
UMA
bella tarde, a iniuha amij^a
Raphaela entrou
arrebatadamente na minha saleta de trabalho e
deixoii-se cahir
— Que tens
num
?
tamborete, a meus pés.
perguntei-lhe assustada, percebendo-
Ihe o terror no rosto, ordinariamente repousado.
Por única resposta
ella
estendeu-me a mfio espal-
malda o núa, e arregalou para
mim
os seus olhos claros,
còr de violeta.
— Não percebo o
que
elle te deu?...
teu gesto... roubaram-te o annel
Não abranges
a oitava no piano e
.
*
#
LIVRO DAS DONAS K DONZELLAS
lOO
desistes de o estudar? Terjís liíeumatismo nos dedos ?
! .
.
não queres responder, vae-te embora, mas
l^em; se
arranja primeiro o chapéo, que está torto, e modifica
quem foge de alguém que o persegue na rua...
Ninguém me seguiu na rua... o annel ({ue elle
esse ar de
—
me deu
E,
está
na outra mão...
como orvalho em
violetas,
borbulharam lagi-imas
nos olhos da pobre Raphaela.
—
Se pudesses
—
Escuta:
havia
lá
explicar-te...
venho da casa da Noémia Saldanha;
gente de fora, uns homens de
lembro do nome e
um
quem
ceito rapaz que lia nas
entrei,
seus guinchinhos de
e
puxou-me com
macaca
:
((
me
tenha.
com
Olhem quem vem ahi
Saldanha disse
a
não
mãos das
nome
senhoras a bi/ena dic/ia, ou que melhor
Quando eu
já
alto,
os
!
»
violência para a roda, que se abriu
me
O
tal
rapaz continuou
nos seus prognósticos, que faziam
rir
a todos. Lia na
muito amável para
receber.
mão da Sinhá Mendes coisas muito bonitas que ella
se haveria de casar com um moço que a adora... que
:
ha de
ir
á Europa, que
ha deter
três filhos gordos,
mansos, fortes e bonitos; que herdará
tuna de
um
parente afastado de
uma grande
quem não
for-
terá sau-
dades; que terá lindos vestidos, bons carros, assignaturas no lyrico e que morrerá de velha,
uma
sem
syncope...
Todos riam; a Sinhá estava radiante!
exemplo, eu
e
sentir, de
fui
vava.
aquelle
insensivelmente desabotoando a luva
extendendo também
O
Com
a
minha mão.
rapaz tornou-se sombrio, á proporção que a ol)ser-
Como
eu instasse para que dissesse a verdade,
**
,^
CHI ROM ANCIÃ
(f víf'
r'-'".
St
iíSit
•í»^
101
i*.*»
fosse ella qual fosse, elle,
muito constrangido, declarou
tudo.
Disse que não
me
casarei,
que
de vaccinada duas vezes, e que
um
crivo
;
minha
disse que a
que morrerei ainda moça, de
terei bexigas,
ficarei
familia
um
Um
ataque na rua
!
marcada como
me abandonará
ataque, na rua
tão feia não merece melhor desfecho
certo...
(|ue
!
e
Vida
!
Que ignominia Vê
!
tu
— E depois ?
— Depois... que sou muito nervosa — e
dade — que tenho uma grande paixão...
!
apezar
!
isto é ver-
também
é
tenho excel lentes qualidades de coração.
!
;
*
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
102
O que iiào
me
impedirá de morrer como
um
cão sem
dono, na calçada...
— Que mais?
— Ainda querias mais
— Que respondeste?
— Fin^i heroicidade, que é sempre o n©sso costume
?I
mas
sabe Deus o que se passava cá dentro
pude
fugir, fugi.
!
Quando
Os guinchos da Noémia perseguiam-me;
a alegria da Sinh;i irritava-me.
A
felicidade dos outros
aggrava o nosso infortúnio. Só hoje comprehendi
Por mais que eu olhe para a mão, para
estes
isto.
caminhos
que parecem traçados na palma pela ponta finíssima de
um
alfinete e por
onde marcham os nossos instinctos,
os nossos segredos e até o nosso futuro se esclarece,
por mais que eu observe toda esta rede complicadíssima, não consigo descobrir nada
Mas não;
enganado?!
vi
!
Se
se tivesse
elle
que fallou com
toda
a
Eu agora já sei; abandono-me, acceito o meu destino, o meu feio destino de ser medonha, não ser amada e morrer numa
calçada, á vista de quem passar na occasião
Não vês, minha tontinha, que te metteram num.
enredo? Vou apostar eu como o tal rapaz entende
tanto de chiromancia como eu.
— Ah, a chii-omancia é uma arte
convicção, disse a verdade.
!
—
—E
nas salas
uma armadilha
maliciosa á ingenui-
dade de certas moças... Quando tiveres algum segredo
que não queiras vèr profanado, nem pela mais leve suspeita, abotoa
bem
as tuas luvas ao entrar
salas. Entretanto, fica certa de
da mão que
elle se
em
certas
que não será nas linhas
mostre todo, mas no rubor das tuas
CHIROMANCIA
103
faces ou no pestanejar dos teus olhos, que serão consul-
tados á proporção que se faça a leitura fatídica. Quanto
ao resto, o rapaz, se não
uma
não deixou de ter
bonita
feia, tu és
não tens vinte,
;
foi
absolutamente delicado,
pontinha de espirito. Sinhá é
ella roça pelos trinta annos, tu
elle quiz
ainda
egualar-vos momentaneamente,
vestindo-te de desapontamento e illuminando a outra
de alegria.
Na
de adivinhar;
tua edade os segredos são leves e fáceis
em
todo caso guarda-os comtigo, ou só
para a confidencia amiga.
tifica-o e
ennobrece-o.
O
E
recato do sentimento, for-
o coração de
uma
donzella
não se deve devassar a todas as curiosidades... Elle
como
disse o poeta
de secrets.
Vigny
:
tin
é,
vase sacré tout rempli
t»
V
;•;
:r^>!r'
.-.-5?^=^'^-;:^.
ARTE CULINÁRIA
T^^
'^^y
PARA
saber comer, é preciso não ter fome.
fome não saboreia, engole.
enfaiTuscador
com
o
officio
nome de
a/ie culinária,
íbJtú^iajdtitkii:*f*i-.-.-Í:ia^-J«
.
arte pródiga e
desde que
o
de temperar panelas se enfeitou
fértil.
temos
uma
certa obri-
E concordemos que é
Cada dia surge um pratinho
gação de cortezia para com
uma
Ora,
Quem tem
elle.
•'•*:
^
LIVRO DAS nONAS E DONZELLAS
106
novo, eoni mil composições extravagantes, que espan-
tam
menagòres pobres
as
raça
Dão-se nomes
!
procuradas
do acepipe.
e deleitam os cozinheiros de
litterarios,
com esforço, para condizer coma
Os temperos banaes, das velhas
burguezas, vão-se perdendo
Fallar
em
designações delicadas,
n;i
raridade
cozinhas
sombra dos tempos.
alhos, salsa, vinagre, cebola verde, hortelã
ou coentro, arrepia a cabelluda ej)iderme dos mestres
dos fogões actuaes. Agora
em
todas as despensas
devem
brilhar rótulos extrangeiros de conservas assassinas, e
alcaparras, trufas, manteiga dinamarqueza (o toucinho
passou a ser ignominioso), vinho Madeira para adubo
do
filet,
emfim tudo
cheiroso
As
e...
caro
o que
houver de mais apurado,
I
exigências crescem, ameaçam-nos
e,
somos comidos pelo que comemos.
doxo,
sem para-
Isto
vem a
uma exposição de arte culinária que se fez,
tempo, em Paris. Imaginem como aquillo deve
propósito de
ha pouco
ser encantador e appeti toso!
Quem
;
já viu as vitrines das charcuteries,
das crà"
meries, das confeitarias, etc, e que sabe
mimo
e elegância são expostos os queijos, os paios e os
entre bouquets de lilazes e fofos colxões de
pasteis,
}>apeis
de seda
bem combinados,
ir
com quanto
crespos e leves
j5
**,
*
«»
^^^
como
*
4
plumas, imagina que de novidades graciosas se juntarão
V^
no Palácio da Industria.
Naturalmente, cada expositor é
artista
na combinação das
architecto e um:«
Fazem-se
onde
tremulem,
em
.^^»
castellos de -*•**.
engenhosas de chocolate, de creme, de
biscoitos, torres
morangos,
cores.
um
4t
crystalisaçôes
poli-
-
*
"*.
**'
chromas, as gelatinas de fructas ou de aves, reflectindo
^
•I' y»
^:'
-V.;
:.í.
>^
*
*.
«*.
-
-'
•^'^>
!
'S^_yY^"
.i"^--
AUTE CULINAUIA
107
luzes entre lacinhos de fita c ílòres frescas,
francez tem a preoccupação
sempre os olhos
])orque o
gentilissima
de deleitar
nem
os chanipl-
alheios.
Ahençoada mania
O
que eu invejo não são as trufas,
(jnons,
nem
o seu/bic-gras, porque tudo isso temos nós
aqui e mais muitas coisas que elles lá desconhecem.
O
que eu invejo é aquella facilidade, aquella graça das
exposições que se succedem e se multiplicam e que não
podem deixar de ser
porque abrem a curiosidade
úteis,
e ensinam muito.
A
cozinha franceza tem-se intromettido
toda a
'
parte.
A Inglaterra
oppôe-lhe forte resistência
batatas cozidas e presunto crú
plo, está
em
;
muito modificada por
pratos característicos,
só
mas a
ella.
com
as suas
nossa, por
exem-
Entretanto, temos
nossos e que eu teimo
em
achar gostosos. Infelizmente falta-lhes o chie, o lado
onde se possa atar a
tal fitinha
ou collocar o boaquet
de violetas do inverno ou do muguet da primavera.
com
feijão preto
V
mento não
o
respectivo e luctuoso
acompanha-
se presta por certo para a coquetterie de
adorno mimoso, mas
nem
O
um
por isso deixa de ser da pri-
meira linha. Depois temos os pratos bahianos, o afa-
mado vatapá
e outros, quentes e lúbricos, e o churrasco
do Rio Grande, e o cús-cús de S. Paulo, e tantos que
eu ignoro e que descobrem, demonstram, por assim
dizer, as tendências, o
VI*
*
temperamento do povo.
Um paiz como o Brasil, tão vasto e variado, não teria
proporções mais curiosas para realizar
uma
exposição
neste género?
2.-*'
%
^*é
,
,^p^;.^-
-;,.:'—-*
•)mr'-[_:-
,
-^r^ .'^i'":^:'^:^
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS.
108
S(')
do fructas, que, tratando-se da mesa, tem todo o
calumniam-se
geralmente
um
imaginem: fanamos
e de doces...
logar,
as
figurão!
brasileiras
fructas
e
j)arece-me tem])o de lhes irmos dando a merecida im-
Não ha nenhum
portância.
sentido
O
do seu paiz.
as fructas
Minas
Paran<i,
que conheça todas
europeu desdenha-nos nesse
em
que
esquece-se de
;
brasileiro
legares do
muitos
Rio Grande, desenvolvem-se peras
e
magnificas, damascos, cerejas, nozes, etc.
e as hortaliças indigenas? Innumeraveis
!
E as fructas
O que falta á
nossa gotirmandise é poder aggrupal-as, poder escolher,
na mesma
fazer se
terra, estas ou aquellas, e isso só se poderá
houver aqui, algum
quem dê importância
um
dar-lhe
e
como agora em
Paris,
á mesa, e procure, por meio de
ramo de commercio, educar
exposições, facilitar esse
povo,
dia,
o
elemento novo de prazer e de
saúde.
A
exposição j)arisiense tem ainda
principal
recommendação
e a
um
fito,
mais elevada,
e é a sua
—
ensinar. j)or meio do exemplo, a cozinhar bem.
seus cantos é occupado por
segundo
gia
leio,
lucta
])ara fazer
entrar
um
alli
tal
M.
Driessens tem xavias
trabalham umas cincoenta
^
#
mostrando a toda agente como se deve fazer
creme, estender
grelhar
Charles Driessens, que
o ensino da cozinlia no pro-
Este
escolas de cozinha, e
um
Um dos
ha dez annos com desesperada ener-
gramma do Estado.
discipulas,
M.
é o de
bife
uma
massa, temperar
uma
salada,
ou enfeitar uns pezinhos de carneiro
com j»a])elotes e rosetas.
As senhoras não nasceram para
carne ou palmito,
em
]»ublico
;
fallar
em
camarões,
mas, senhores roman-
_,i-
4?
:v.^."-'.
.v^^ív-^
í
i^"*^.
ARTE CULINÁRIA
ticos,
lembrae-vos de que
brilho das estrellas
nem
conversar com as amigas!
<-
*
o
nem sempre
109
nos bastam o
murmulho das ondas para
N'
r
''%• %^^/^
-
AMULETOS
171 01 numa
que
das sextas feiras da Mathilde Abranches,
seu
o
que
affirmou
os
medico,
rapaz
aliiás
sympathico,
homens são maus por culpa das
mulheres
Os dedos de
Cecilia desfolhavam ns notas levissimas
de Ala bavque IcgtTe o
aroma de um botão de
lembrar
um
a
rosa.
meu
lad(^
Bem
Lydia sorvia o
comparado, fcz-me
quadro ideal de Diana Cid: Lydia também
estava de azul,
como
— Por culpa
a
formosa do
u
Perfume.
»
das mulheres?! perguntou a voz
em-
!
'
}
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
112
HnjKKla
uma mãe
(lo
tomar a
do
faniilia,
que tem por habito
sério todas as conversas.
— Como desde o
a influencia
])rincipio
do mundo. Agora então
da mulher é nefasta.
A
nossa sociedade cae
raj)idamente da sua modesta franqueza, que a fazia en-
cantadora, para
um snobismo
A
que a torna ridícula.
preoccupação do chie estraga tudo. As portas já se não
abrem como antigamente,
e
procuramos termos para as
conversas mais simples
simplicidade.
A virtude
das mulheres, que era para as nossas culpas,
como um
Não ha
naturalidade
tronco
profundamente
frágeis
—
um
nem ha
enraizado
sustentáculo que as
é
})ara
as
lianas
eleva e ampara,
sente-se abalada e já não nos inspira
a confiança de
outr'ora.
Como para Bruto, para mim a Virtude não é mais
que uma palavra. Bebemos todos do veneno. Agora só
o diluvio.
—
Que mal
lhe teriam feito as mulheres, sempre
gostaria de saber
—
Estragam tudo com a sua imprudência,
a sua
coquetterie e o seu fanatismo. Basta olhar para
uma
mulherzinha moderna para a gente ])erceber que se
preoccu])a
com
feitiços e é supersticiosa.
A
quantidade
de figas e de amuletos que traz ao pescoço,
])rova.
Em
bem
o
vez de nos ensinarem a sermos simples c
cordatos, tornam
a vida
cada vez mais complexa e
difficil.
— Exem])lo
— Nas minimas coisas
?
convidam-nos para
•
um
elle
apparece. V;i o exemplo:
jantar familiar e dão-nos
um
%^
i:
.
I-.;ip;;W
y»
^.
--;._-.
^^^r»..'
;
!
:!
^v^.VT^jíÉK'
ia»?..
AMULETOS
banquete
113
em que vagueiam perfumes
de ílòres caras e
cheiros de molhos complicados. Aquillo não é o trivial
logo, aquelle
determinou o
não é o jantar familiar.
nieiui,
não
foi
Quem
ordenou c
certamente o dono, mas a
dona da casa. Portanto a atmosphera de falsidade que
se respira naquella casa amiga, foi creada pela mulher.
— Ora ahi está
!
São os nossos maridos que trazem
dos hotéis e das festas a que assistem a exigência
molhos complicados, d'essas
d'esses
floreiras odoriferas,
do champagne ruinoso e dos crystaes variegados das
mesas
ricas.
serviço
e
;
São
vêm
elles
que nos suggerem novidades de
os senhores depois pôr a ridículo a nossa
pretensão! Geralmente não somos nós que
a prataria e as porcelanas.
Que sabemos
compramos
mu-
nós, as
lheres?
— O que adivinham.
Oh
!
e o que as mulheres adi-
vinham Conheço uma que, sem
!
confidencia, sabe que
ter ouvido
uma
única
uma certa pessoa evita encontral-a,
porque é vêl-a e logo nessa noite perder ao jogo
!
— Esse alguém é o senhor. Vê? são os homens que
jogam, que ficam amáveis se ganham ou mal humorados se perdem, que tem estragado a nossa alegria.
Mas sempre quero agora que me
se
ri
explique
:
o senhor, que
das quatro folhas de trevo e dos corcundinhas de
coral que trazemos ao peito, porque foge de cumpri-
mentar uma senhora amiga só pelo receio de que esse
encontro fortuito e rápido lhe traga o azar da fortuna?
— Males de
raça,
minha senhora,
coisas que ficam
da infância. De algum modo precisamos mostrar que
já
fomos creanças. Creia que eu até adoro essa senhora
— Adora-a
e evita-a
8
:
! :
4
.
'
'.
LIVRO DAS DONAS E DONZKLI.AS
114
— MdSíie eWíi tem jetattara
— Use então de um expediente
f
Quando a
Uma chave,
vir,
pegue
em
por exemplo.
:
qualquer objecto de ferro.
Não
traz
uma chave comsigo?
— É bom?
— É magnifico
— Não sabia
I
A
conversa embarafustava por
um
terreno amável
D. Mathilde confessou que deixara de se vestir de
azul,
porque essa côr lhe trazia infelicidade.
uma amiga que usava uma liga
D. Joanna citou
de
cada côr, como porte-bonheur.
Quasi todos os presentes tinham a sua mania...
voltou-se então alguém para o velho e sério dr.
com um rizinho de duvida
O senhor também usa "d'essas coisas
Braga
e perguntou
—
um
Elle tirou do bolso
disse
com
—
O
?
caquinho de vidro azulado
e
seriedade
Isto.
Podem examinar.
em mão olhaconcordaram em que
pedacinho de vidro andou de mão
;
ram todos por
elle
não seria
encontrar outro tão ordinário
fácil
para a luz e
Dr. Braga explicou
:
— Pois, minhas senhoras e senhores,
simples amuleto,
!
isto
não é
um
mas um talisman.
— Ainda ha d'isso
— Ha. Este chama-se o
?!
mente, para se vêr
bem
por
olho da tolerância. Infelizelle é preciso ter-se
dos quarenta annos, ter-se gasto o bestunto
em
passado
muitas
observações e curvado a cabeça a duras exigências da
sorte...
t:
O
olho da tolerância, antes de censurar ou de
_-....
*<
AMULETOS
115
mais disposto a
punir a culpa, penetra-lhe a causa,
absolvel-a que a castigal-a...
Tem
da alma. Antigamente eu sentia como
gilidade
romancista philosopho que disse
nité, pltis
je deteste Vindwídu.
«
:
»
mim um
duo delinquente é para
amar de
a consciência da fra-
um
plasfaime Vhumd-
Hoje não; o indivi-
irmão fraco que devo
preferencia, porque todas as suas impurezas
são consequentes de males, de cuja origem não é só
elle o responsável.
O
olho da tolerância acalma o sys-
tema nervoso e exercita o coração na prática do bem.
Quando me
sinto arrastar pela indignação ou a cólera
contra alguém,
respiro
quinho, domino-me,
vez do
e,
vidiro, reflicto,
stituir o
com
força,
sacco d'este ca-
para abater o Ímpeto, olho atrae
uma grande
meu primeiro movimento de
senhoras, é que não ha nada
piedade
fúria.
como a
dar repouso á inquietação das almas
!
vem
sub-
Ah minhas
!
tolerância para
^
-
?-*
.i-
.t
j
.
os BEIJOS
-«4*-
ITIallam
os senhores médicos contra os beijos, con-
demnando-os como transmissores de micróbios
assassinos. Misérias do sangue ou íeias doenças incuba-
das passam invisivel e perfidamente de
uma para
outra
creatura, no mais rápido ou subtil dos ósculos.
— Não se beijem
hygienistas
se
;
em
é
uma das
formulas modernas dos
resta-nos duvidar que elles, para exemplo,
submettam a
Porque,
!
essas leis de esquivança que apregoam.
verdade,
vasto, por mais
quem haverá por
todo este
emmurchecidos que tenha os
mundo
lábios ou
por mais secca que tenha a alma, que não sinta
::
•
í^j.:-}'/
.
florir
!
-^nff-r.V.
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
118
no peito, com maior ou menor viço, o desejo imperioso
de unir a sua bôcn a outra boca amada ou de refres-
uma creança?
em que nos consumimos,
cal-a nas faces assetinadas de
Fagulhas das labaredas
beijos crepitarão por toda a larga face
a sciencia contra
da
terra,
os
embora
a ducha gelada dos seus
elles asseste
decretos prohibitivos.
Não ha em
lingua
humana palavra que, como
exprima, por mais silencioso que
o beijo,
a ternura e o
elle seja,
amor.
A
boca de
um mudo
quanto ha de mais ele-
diz tudo
vado e de mais vehemente, quando beija; no beijo está
o único triumpho da sua
Bem
do
beijo,
alma encarcerada
prega Frei Thomaz... Não se beijem! dentro
como dentro do
cálice de
uma
flor
de aroma
capitoso, está muitas vezes escondido o veneno que nos
Quando taes palavras
olham para a vida atra-
leva ao ultimo somno. Cuidado...
escrevem, esses senhores que só
vés das lentes dos microscópios, deverão sentir
em
si
próprios o rugido da natureza ofíendida a clamar contra
essa impiedosa verdade da sciencia.
A vida
dim sem
sem
flores,
beijos
!
a vida sem beijos é como
um pomar sem
fructos, ou (que escor-
regue ainda mais esta velha comparação)
sem
oásis.
custa
Não
um jar-
um
deserto
valeria a pena prolongar a existência á
de tamanho
sacrifício.
Por assim entender
é
que a humanidade faz e fará sempre ouvidos surdos á
theoria da suppressão do beijo.
tal
o vehiculo da
phantasmas
Para
ella,
elle
não é
peçonha, a ameaça constante dos
terríficos
de doenças asquerosas e
coisa desvirtuada e maléfica,
mas
tristes,
sim, e por todos os
.
:.,-
'^..
T^-
os BEIJOS
119
um
séculos dos séculos, o que d'elle disse
amigo
poeta
meu
:
o sello da
«
E
do amor
!
amisade
Elle só nos dá felicidade.
Dois coraçÕ3s que o tédio ou o cansaço importune,
Só
O
um
beijo de
amor
os levanta e reúne.
beijo é vida, o beijo é luz, o beijo é gloria
Observae bem
:
Da humanidade.
Que na
que o
vereis
!
beijo é toda a historia
Foi o beijo primitivo
terra o primeiro
Da primeira mulher;
homem
tornou captivo
depois, ardente ou brando,
Veio o beijo de amor as raças perpetuando,
Unindo gerações a gerações,
O
O
beijo é a transfusão das
Não é só
um
mundo
filho,
e
almas
;
elle
encerra
divino na terra. »
beijo perpetuador das raças que
alma o clarão
o
unindo
passado ao futuro insondável e infindo.
Tudo que possa haver de
beija
e
mirífico da felicidade.
como que
derrama na
Quando uma mãe
sente o seu coração maior que
mais victorioso que todos os hymnos do uni-
verso! Saberá alguém de coisa mais doce
nem mais
pura, que o beijo da amisade ?
nem
Infelizmente,
«
Tudo que possa haver de divino na
Como
É
todos os beijos são
terra
!
»
diz o poeta.
que Filinto de Almeida desconhece o horror dos
beijos
convencionaes,
trocam entre
que
lábios
femininos
leis scientificas
deveria ser
só
os
si.
Para esses o rigor das
bem
:
acceito...
Que
se beijem duas
amigas que se
esti-
-
^"^r^?-
120
I.IVnO
lher beije a
um
:
DAS DONAS E DONZELLAS
um enlevo de sympathia, uma muoutra em um primeiro dia de encontro, como
mam, sim Que
!
]
por
pacto de futura amisade, sim
Mas, que, sem espon-
!
taneidade de affecto ou sem velha estima, só por cortezia
e obediência ao habito, duas creaturas indifferentes, e
que
vezes até se desestimam, troquem beijinhos cada
;ís
vez que se encontram...
por Deus,
cente
nem
nem
dável
é de-
agra-
!
Por mais que
a gente
queira
esquivar-se, não
pode,
rer
sem incor-
em
falta
grave, furtar-se
-*
^
com que
damas attra-
ao impulso
certas
hem
as outras para
o
cumprimento da praxe.
Que
desastres,
ás
vezes, nesse
movimento
I
abas de
chapéos que se chocam, véos que se arrepanham, corpos
que se contrafazem, e no
-fim:
um
chapéo
torto,
uma
face babada, e no intimo uns resaibos de mel avina-
grado.
A
graça exquisita d'essa insistência está muitas
em
vezes
para o
que a senhora que imprime á outra o puxão
beijo, dá-lhe logo a face a beijar, face
em
que
não raro desabotoam espinhas e quasi sempre o cold
cream
E
se alastra.
não ha resistência capaz de livrar
uma creatura
de
.
É^^-
z7íS>Ip^'^^ '':'-
^^^'^^--
"
'-~'^.-
121
OS BEIJOS
taes assaltos
beijar e
quer queira quer não queira, ella ha de
;
ha de
ser beijada
em plena luz,
prende nenhum laço de af-
em
quem não a
ou mesmo de sympathia muito
por pessoas a
fecto,
plena rua,
me
Sei que
atiro para dentro de
bondos, fallando assim
De
resto, esta
;
forte.
uma
casa de mari-
pouco importa.
Nenhuma
impressão não é só minha.
mulher deixará de sentir revolver-se no seu coração
um
sentimento de desagrado, ao unir a sua boca a outra
boca de que tenham sabido por ventura epigrammas
que a firam ou indirectas que a molestem.
O
beijo é
sem
assim,
uma
coisa muito nobre para ser esbanjada
significação,
em
encontros de acaso,
em
qualquer canto de rua...
Para que
elle seja
suave e doce, deve ser dado com
a consciência da amisade
;
do contrario, quando não é
perverso, é ridículo.
Não
se diga
que inventou
que já cahiu
que
tal
em
foi
a nossa Índole meiga e expansiva
costume;
elle foi
importado, mas creio
desuso nas terras de que proveio. Pelo
menos, as extrangeiras não se beijam entre
manha
eílusão. Elias desconfiam, talvez, de
o valor os beijos de
uma creatura
si
que perdem
em
familia e pouco
mais... Aqui, ao contrario, o furor do beijo a
;
ta-
que os dispensa a toda
a gente, e por isso só os gastam
augmentado
com
toda a gente se julga
com
esmo tem
direito a elle c
num
gesto imperioso, que não admitte re-
Em resumo,
a minha opinião neste assumpto melin-
o reclama
cusa...
droso e terrível é esta
beijo,
:
não comprehendo a vida sem o
como não comprehendo
o beijo
sem
o aíTecto.
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
122
Como, emquanto houver mundo, ha de haver
o
amor,
o beijo triumphará de todas as perseguições que lhe
fizerem os senhores bacteriologistas.
Eiles
mesmos, depois de horas e horas passadas no
interior dos seus gabinetes
edos seus laboratórios, ao
vantarem os olhos, cansados das paginas dos
le-
livros ou
das lentes dos microscópios, sentirão, para refrigério das
suas almas entontecidas pela vertigem de tantas misérias
humanas,
o desejo de as suavisarem
os seus lábios impuros de
nocencia da face de
num
beijo,
homens encontrem a
uma
creança...
E
'
^ ;^
A
fresca in-
estou certa de
que apressarão os passos, para irem beijar
filhos pequeninos...
em que
em
casa os
TERCEIRA PARTE
.ia«L,
•ff^-l
_*••
#.
AS ARVORES
QUANDO,
na margem lodosa do Tibre, os primeiros
romanos plantaram a
borosa e
em
figueira, arvore
da
flor
sa-
cujas veias o leite escorre compacto e doce,
prestavam culto á lenda da sua origem, fazendo da
planta como que o symbolo da pátria. Naquella terra da
febre,
sem aguas
puras, a arvore sorveu do solo a ardên-
cia doentia quetransmittiu depois, já purificada, á polpa
sanguínea da sua
flor.
As abelhas que procuram de
figo ao
preferencia o mel do
de outro qualquer fructo ou
flor,
enxamearam
depressa por entre as largas folhas escuras da arvore,
em
que legiões de insectos invisíveis punham
um tom
luminoso de vida e deram aos romanos, trabalhadores
e simples, favos deliciosos.
A
ibrado
cheirosa figueira teve,
com
justiça, o seu logar sa-
no Palatino.
V
^-'>r'•
.
•
¥í
'1^^^•
I
LIVRO DAS DONAS E DO.VZELLAS
126
Naquelles tempos rudes, e
em
outros ainda de mais
velha antiguidade, o respeito intuitivo pelas arvores era
tamanho, que os homens as criam representantes de divindades.
O carvalho,
o loureiro, a palmeira e o myrtho,
eram envolucros de deuses. Olhando para a coroa tufosd
das
tilias,
sorvendo-lhe o aroma das pallidas umbellas
esverdeadas, o grego ouvia suaves promessas de Vénus,
alma d'essa planta, tapetando-lhe de velludo as
das da
estra-
vidií.
Este preito A arvore, que a poesia nativa e a crença
jtagã investiam de solemnidade, é
para
mim um
dos en-
cantos mais singulares da tradição.
Por fortuna de outros tempos,
pletamente extincto
;
elle
não ficou com-
não teve a França a sua arvore da
Liberdade, fincada na terra da pátria pelos soldados da
revolução, que a cobriam de flores e
fitas tricolores ?
Se hoje não ha arvores symbolicas, ha, entretanto,
homem culto celebrisa. Não ó
mesmo em paizes de menor in-
outras que o espirito do
raro vèr-se na Europa,
tellectualidade,
uma
em
cujas raizes
um
gradil, para
uma
abrigou um
Essa é
arvore solitária, secular, rugosa,
ninguém
pisa, e
poi*
que não lhe toquem mãos irreverentes.
arvore celebre, é
dia
que vive cercada
um
uma
arvore amada, porque
dos heróes da pátria.
A
municipali-
dade tem paraella cuidadissimos desvelos, o povosabeIhe a historia, e respeita-a só por ella ter dado frescura
a alguém, que á sua sombra descançou de
uma batalha
cruenta ou escreveu versos immortaes.
quem nossa
his-
ter feito ainda inteira justiça,
tem
Creio ter já lido que D. João VI, a
toria
parece-me não
a sua mais bella memoria na primeira palmeira do Jar-
«rr^rJA--,^.
AS ARVORES
127
dim Botânico, de cujas sementes nasceram
os únicos
'
adornos da Capital.
Dia formoso, aquelie
em
que o
rei
desceu do seu
throno para, no rude mister de jardineiro, tocar
mão macia a
com
a
terra áspera e fértil da pátria preferida.
Suspeitaria elle que a alma da planta estrellada lhe peipetuaria a lembrança, melhor que as chronicas, tantas
vezes confusas, tantas vezes mal interpretadas ?
Talvez.
.
.
Dizem que ouvindo ramalhar os mais velhos
cedros do Lybano, que aíRrma a lenda serem contempo-
râneos de Salomão, alguns viandantes contemplativos
crêem
sentir nesse sussurro toda a doçura do Cântico
dos Cânticos...
*
*
Conta
um
veira de
portuguez,
escriptor
campo extrangeiro, que
*
nelle havia
descrevendo
a doce epallida
um
oli-
ramagem meúda, que dà à paisagem um tom
grego.
Uma
simples arvore accorda a ideia de
um
desenrola aos olhos de
um
paiz e
poeta a vastidão de
um
sonho.
O
pinheiro resistente á neve e querido dos povos
scandinavos, traz á ideia planicies brancas
em
que a sua
silhueta negra se destaca apontando para o céo pallidc.
É
dos seus braços hispidos que se fazem as arvores do
Natal, consagradas á infância em
nome do Jesus. Assim,
o cypreste faz lembrar o cemitério, e o
da fazenda,
em
bambual
o lago
que os marrecos deslisam e o gado bebe.
Dir-se-ia que só por
sionomia dos legares.
si
a arvore delineia e fixa
Nenhum
viajante
aphy-
esquece os
J28
I-lVnO
DAS DONAS B DONZELLAS
\l
."••'.
*'"
AS ARVORES
castanheiros de Londres, que
sua austeridade e grandeza,
129
sfio
nem
vigoi'Osos traços
da
as arvores tosquiadas
de Paris, onde pardaes chilréam e a Primavera põe de-
nem as mimosas de
esgalhando-se em ramos delicados
licados rebentões côr de alface;
Cannes
e de Nice,
de folhas pequeninas e botões oòr de palha, tão accõrdes
nem tão pouco
em que as flores
(;om essas cidades elegantes e frivolas;
as luxuosas magnólias de Petrópolis,
se
abrem como pequeninas urnas de ouro,
Vendo
tos
capitosas.
o^ algodoeiros desgraciosos, inclinados e tor-
como corpos
desegualdade
doentes, e que por ahi ficaram
em algumas
com
ruas, tenho muitas vezes pen-
sado na arvore que deveríamos escolher de preferencia
para a nossa cidade. Deveria ser
feita,
uma
arvore pura, per-
indicada por eleição de artistas e conselho de sa-
bedores.
O
algodoeiro,
com
o seu aspecto desalinhado, sente-
se contrafeito entre as duras pedras das calçadas e ati-
numa
ra-se todo,
attitude contorcida, para os lados ou
para a frente, na anciã histérica do
A
sol.
palmeira, de que todos levamos a
imagem no
co-
ração quando sahimos da pátria, é inimiga da habitação
do
sos
homem
;
quer a seus pés colchões de areia, ou exten-
grammados sobre que derrube sem
fragor o casco
das suas palmas seccas.
Disse-me
um
dia
um
dos nossos melhores pintores,
que, se tivesse poder para tanto, guarneceria toda a ci-
dade de paineiras, a arvore das estações, que antes de
desnudar-se se purpurisa
Eu gostaria de
ros e
em
flores.
vèr nas florestas que atapetam os
cingem a cidade, mais
mor-
d'esses maravilhosos //a/?í9
DONAS E DONZELLAS
LIVRO DA
130
*
*
'
hoi/anfs de ramalliões escarlates, que são a gloria do s
Que arvore ha mais pomposa,
nossos verões ardentes.
quando
se reveste de folhas e de pétalas ?
Mais que aos coqueiros, de })almas
flabelladas,
mais
que todos os espécimens da floresta e que todas as arvores de
pomar, de
flor cheirosa,
mangueira selvagem, grande,
eu adoro a mangueira, a
tranquilla,
onde a herva
parasita se enleia e pende, onde o ninho se occulta e que
em
parece guardar
si
esse mysterio doce que fez
com
que os homens da antiguidade julgassem algumas arvores envolucros de deuses.
Cada cidade deveria
ter o seu conselho de sábios e
de artistas que lhe estudassem o clima
e,
de accordo
com
a sua physionomia, lhe escolhessem a arborisação severa ou delicada.
Um
viajante,
num
traço rápido e firme, pinta-nos o
valor do povo do baixo Canadá.
o seu
amor por uma
emblema da sua
Como ? Revellando-nos
arvore, que elle planta
belleza e da sua fortuna
como um
— o érable.
nenhum machado
cruel lhe amputa os braços vigorosos, nem lhe lanha
o tronco, porque as iras do povo, que são como as iras
de Deus, cahiriam em coro sobre a mão que o branPlanta-o, e não deixa arrancal-o,
disse.
Arvores bondosas da minha
minada do
tes
céo,
terra, sob a cúpula illu-
no supremo jubilo do
sol,
sacudi as ves-
de esmeralda e deixae cahir no chão da floresta a
chuva benéfica da vossa sementeira.
homem
será cego
:
dia virá
em
Nem
sempre o
que a vossa belleza im-
periosa e doce faça cahir o braço que tente erguer contra
vós o afiado
gume de um
ferro.
.-
5,
^,4.
..•;
^'
T
'*«
..
AS ARVORES
'
131
Entretanto, perdoae-lios o mal que vos fazemos e sabei
que entre tantas vozes perversas ou indifferentes,
sempre ha algumas que, como a do poeta Alfredo de
Musset, peçam a vossa sombra para sua sepultura.
^^^dçK^rsTít
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*.
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•
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.
?"
,-^m-^rm-
FLORES
-»<»fr
Escrevo
estas
em minhas
linhas pensando
me coni-
ilibas. Elias
prehenderão quando forem mulheres e plantarem rosas para dar
mel ás abelhas e perfume á sua
casci
EM
maio de 1901 resolvi organizar para setembro
d'esse
mesmo anno uma
exposição de flores no
Rio de Janeiro, a primeira que
se faria nesta cidade.
Se faltava originalidade á lembrança,
visto
sições de flores fazem-se todos os annos
lisadas,
em
que expo-
terras civi-
sobrava-lhe o interesse, a curiosidade amiga
que sempre tive pelas
amadas na minha
flores e o desejo de as vèr
terra.
muito
Referir-me a essa exposição
^
.
..
.
'
»,*
•^
V
.
J *
*
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:>.-
f
V
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•
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'
*-."
•'
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
134
é para
mim um
sacrifício;
mas não quero
omittir tal
capitulo neste livro de mulheres, presidido pelo olhar das
minhas
filhinhas,
a
quem pretendo
um
das plantas, como
amor
insinuar o
dos mais suaves e melhores da
vida.
Dizem que
mas ha obras que
tiva
voam
as palavras
e que as obras ficam;
o vento leva e que só
deixam a sua lembrança... Não
mallograda, por ella
tuitos,
nem
na palavra
fallarei
fugi-
da exposição
por mim, mas pelos seus in-
que eram múltiplos e que continuo a achar ex-
cellentes.
O
que
foi
do esquecimento
;
acabou. Deite-se-lhe
agora o que
em cima aterra
poderá ainda
ella seria
ser, e é
nessa hypothese que tem cabimento esta insis-
tência.
O
só
que eu esperava d'essa exposição
era isto
:
Que
fosse o inicio de outras
mais
bailas,
que iriam
aperfeiçoando as espécies estimadas dos nossos jardins
e descobrindo os thesouros dos
nossos campos e das
nossas florestas. Quantas flores vicejam por esses sertões, dignas
de figurarem nos salões mais exigentes
mesma, que nada
posso, guiada por
da meninice, não mandara
uma
flor que, se tivesse a
ginaria nunca vêr o seu
uma
Eu
I
rápida visão
vir do interior de S.
Paulo
desgraça de pensar, não ima-
nome em um
catalogo ?
Com
o
prestigio da exposição, quantas pessoas trariam a con-
curso lindas flores ignoradas, e ignoradas porque são
brasileiras ?
'
Não sou dos que pensam que não devemos acceitar
nem pedir arvores extrangeiras, desde que temos flores
e arvores com tamanha abundância em nosso paiz.
As coisas boas c bellas nunca são de mais, e ha
^ )*.
"
••
a.
~^
:^.t:
^?
*x
K*-
ainda a accrescentar
a essas duas
quali-
a utilidade
dades
de cada
especial
nta.
Todavia, devemos indaj^ar bem do
que temos
em
casa,
antes de pedir o que
só
julgamos
haver
na alheia.
Uma
paes
das princi-
preoccupações
da exposição seriam
as orchideas, de tão
melindroso cultivo e
demorada
O
floração.
catalogo meneio-
**
K,
»^
'»
»
LIVRO DAS DONAS E DONZELí.AS
136
naria
com
o maior cuidado
todas as variedades apre-
sentadas no certamen, raras ou não. Ah, no artigo das
orchideas havia paragraphos que valiam capitulos pelas
suas intenções.
Imaginae que se aventava a idéade fundarmos no Rio
um
pavilhão para exposições permanentes,
chidea seria protegida e defendida como
Faz
a idéa, não é verdade?
rir
em
um
que a or-
thesouro.
.
Nesse pavilhão,
organizado por competentes, todas as orchideas vindas
dos Estados próximos, para exportação, seriam sujeitas
a
um exame
tica,
para o competente passaporte... Esta prá-
que á maioria parecerá absurda, seria considerada
naturalissima, se o respeito pelas orchideas, que são as
jóias das nossas florestas, já tivesse sido
povo.
Ha orchideas
e parasitas que
implantado no
tendem a desappa-
recer, pela devastação arrebatadora
com que naturaes
inconscientes e extrangeiros especuladores as arrancam
das arvores para as metterem nos caixotes
em que
mandam para os portos europeus. Pôde dizer-se que é
estufas da Inglaterra,
manha
e até
mais bellas
as
nas
da França, da Hollanda e da Alle-
da Republica Argentina, que se vêem as
flores
do Brasil
!
Não
seria justo que, expor-
tando as variedades mais raras das nossas orchideas,
guardássemos
d'ellas,
na
capital,
exemplares que garan-
tissem a sua reproducção no paiz e abrilhantassem a
exposição permanente, visitada ao menos por todos os
extrangeiros
Mas
em
transito ?
a nossa attenção não estava voltada só para as
orchideas.
Cada dia da exposição de flores
seria dedicado a
das espécies mais estimadas entre nós.
•ml
„*
-
•d'
4
A,
uma
FLORES
Teríamos
um
137
Em
dia só para rosas.
roseiras ou
cortadas, nessas flores se concentraria a attenção do
constituido
jury,
pelos nossos
mestres
de botânica
e pelos donos dos principaes estabelecimentos de flori-
cultura do Rio
Nesse dia apurar-se-ia,
de Janeiro.
aproximadamente, a quantidade de variedades que
temos d'essa
com
flor,
para estabelecer depois a comparação
as que se apresentassem
tivas.
Tudo
isso ficaria
consignado
mentado por nomes conhecidos
Assim como
em
exposições consecu-
em um
livro,
docu-
e insuspeitos.
as rosas, os cravos não teriam razão
de queixa.
Têm
reparado como a cultura de cravos se tem des-
envolvido e embellezado no Rio de Janeiro ? Acreditava-se antigamente que essa
flor,
uma
das mais origi-
bem em
naes, se não a mais original, só desabrochava
Petrópolis,
em São Paulo
e não sei
Pois estávamos enganados.
em
que outras terras.
Nem mesmo. do
da
alto
Tijuca são esses formosos cravos que ahi estão de
tantas cores variadas e tão opulentos de forma; são do
valle do
Andarahy; são do Engenho Velho; são dos
subúrbios; são de Santa Thereza, etc.
canto de jardim,
um
um
peitoril largo
Quem
um
tiver
para vasos de barro,
pouco de terra, pôde com segurança semear os seus
craveiros; as flores virão.
Como
mudas de
incentivo, a exposição distribuiria
crysanthemos a
um
certo
numero de moças, empra-
zando-as a apresentarem na estação d'essa
florida para
uma
exposição,
em que
flor
a planta
seriam distribuídos
os prémios do primeiro certamen.
Inoculando o gosto pela jardinagem, ella desen-
»*
.
.
-
,
**
^''C-
LIVKO DAS DONAS E DONZELLAS
i:{8
volveria a cultura de
uma
ílòr
a que o
brilhante e
nosso clima é favorável
Nessa primeira exposição,
te-
ríamos, além de conferencias
estimulando o amor das plantas,
em
mostrando-as
todos os
seus
aspectos
múltiplos
seductores, lições de
jardinagem prá
-
tica
Essas
li-
ções, dadas
com a maior
simpli-
cidade,
sem
termos empliaticos,
um homem illuspor
^^
%
trado e amigo das flores, nos
ensinariam
como
deve
ser
preparada a terra para o jardim, como se devem fazer as
sementeiras e as podas e os
enxertos e matar os pulgões,
e crear rosas
novas e transformar as variedades mais
conhecidas, e pulverizar de agua fresca os altos troncos das orchideas, etc.
Com
mente
essas coisas pensava
doi-s
serviços, á cidade,
eu
prestar simultanea-
demonstrando apossibi-
^'í
'"''^^
V
ir
-'
;
^-<\ -
139
FLÔIIES
uma
lidade de se fundar aqui
e ás
escola para jardineiros,
moças a quem o tempo sobre para essas brilhantes
phantasias.
A jardinagem
fornece ensejo para distrac-
ções e estudos próprios para mulheres.
E, depois, que encanto o de vêr-se o
senhora ligado ao de
Em todas
da
rosa
as capitães do
!
mundo
civilisado
ha o culto
Elias symbolisam as nossas grandes alegrias,
flor.
como
uma
nome de uma
as nossas grandes tristezas,
imagens materiali-
zadas das maiores commoções da vida. Nas alegres
visitas
rias
de boas festas e de anniversarios, ou nas roma-
para os cemitérios, as flores exprimem o jubilo ou
a saudade, tão bem como a lagrima ou como o sorriso.
Na Allemanha,
disse-me
uma amiga que
por lá
andou viajando, ha nas portas dos hospitaes, em dias
de
visita,
abundam
floristas
com ramos para
os baratinhos,
vulgares. Naturalmente,
todos os preços;
de flores agrestes
ou
mais
quem vae vêr um doente de
quarto particular, escolhe as camélias mais puras ou
os narcisos mais raros; para os pobres e os indigentes
das enfermarias publicas vão bouquets modestos e pequeninos, comquanto vistosos e alegres.
Que
é aquillo ?
Um
pouco de poesia e de primavera,
que vão errar com o seu aroma e as suas cores vistosas
e alegres naquelle ambiente triste e aborrecido.
desconsolado do doente encontra naquillo
um
O
olhar
pouco de
distracção e de consolo.
E
assim que nós precisamos gostar de
tar tanto, que ellas sejam para nós
tanto, que até o povo das
uma
flores.
Gos-
necessidade
enfermarias gratuitas não
>•?
MO
I.INKO
onípro^ado o tostàoziíiho com que as adquira!
;\i'lie niíil
\\
aqui ó (ào
A
DAS DONAS E DON/KI.I.AS
fácil cultival-as,
Senlior
!
arte do raniilhete, tão adorada no Japão, segundo
ailirniani as ehronistas
de
l;í,
o que é
com
certeza
uma
uma mulher p()de exercer, era
em um dos dias da exposição.
das mais delicadas que
chamada a concurso
A moça que fizesse
ramo com mais
harmónica como
binação no colorido
de forma
e
mais
elegante,
seria premiada.
Uma das
mais
curiosas velleida-
des d'essa exposi-
ção era o interessar-se
das
pelo
floristas
rua,
typo
da
procurando
~^
induzir
a trans-
formação das do Rio de Janeiro, que não é positiva-
mente encantador. Para
curso,
em
isso obteria
também um con-
que os nossos pintores e desenhistas apre-
sentassem figuiinos de accôrdo com o nosso clima para
floristas
ambulantes. Isso naturalmente constituiria uma
galeria de problemático aproveitamento
muito interessante. Lembrava
mesmo
;
em
todo caso,
o alviíre de oíTe-
recer a exposição os primeiros trajes aos que se sujei-
tassem á experiência.
as creanças, tendo
A
exposição seria gratuita para
mesmo um
dia destinado ás escolas.
!
-.•Ml^*
,
;-iȒ^,rM
Hl
FLORES
Nunca imaginei que
llòres,
fosse preciso ensinar a
amar
as
que as creanças saúdam desde o berço, articu-
lando, ao vêl-as, syllabas
tando para ellas
incomprehensiveis, e agi-
com enthusiasmo
as mãozinhas!
No
emtanto parece-me que o culto da planta deve entrar na
educação do povo. As exposições de bellas-artes ensinam
a amar os quadros e as estatuas; é
amor dos europeus
ílôres
bem
possivel que o
pelas
tenha sido desper-
tado e aperfeiçoado pelas
exposições de flores, que
na Europa duas
se fazem
vezes no anno,
uma
no outomno, outra
na primavera.
Deixei de reproduzir muitos pontos
programma da
primeira exposição, taes como a
do
batalha
de
com que
ella se encerra-
flores,
ria,
a indicação das
res
mais aproveitáveis para a
distillaria,
etc.
flo-
Bastam
estes
que ahi ficam para de-
monstrar que a belleza e a utilidade andam
'ás
vezes
de mãos dadas
Se eu
fui infeliz,
talha e pelo
mesmo
outras serão felizes na
ideal.
mesma
ba-
Das minhas esperanças dece-
padas brotem novas esperanças
em almas mais
novas e
capazes de emprehendimentos de mais forte enverga-
,
r
ist,
142
/
.
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
'
dura.
E
para atiçar essa
chamma que
[escrevo estas
linhas tremulas, porque agindo adquiri a certeza de que
^
*?.
nesta terra bastam para executar grandes obras só duas
coisas
:
energia e vontade.
-,
4
*j
•
-
* ^
-v
;
.
^^
^'
/
,.
•
-^
^-
'-
!
X-'
*í'^'^.
*
HARMONIAS
TUDO
é
musica na natureza, até as
osti'as
cantam
Cada dia que passa nos traz uma surpreza magnifica.
Esta, que talvez não tivesse
commovido ninguém mais,
fez-me cair das mãos estupefactas o Jornal do Coinmcrcio,
um
cm
em que
como affirmaeão de
cuja palavra não pôde ser posta,
ella veio fixada,
sábio professor,
daoida.
Mal haja quem
fizer
ouvidos surdos a
uma
tão bella
",- fí
:
!
i>
í
LIVRO DAS DONAS E DONZELI.AS
144
revelação da poesia universal. Esse será de
um materia-
lismo indifíno d'este século, que ha de ser todo cheio de
sublimes divulgações.
e revelho
no mundo
as ostras
têm
alma com
«
voz,
inteiro.
Mentira
em que expandem
;
é velho
ahi está a prova
as queixas da sua
gritinhos agudos, seguidos de
suave mas expressivo
É
Digam embora que tudo
murmúrio
».
assim que diz a noticia. Ora, onde ha expressão
ha sentimento, logo esses gelatinosos moluscos,
feios e
informes, tão repugnantes o tão saborosos, dão para a
divina harmonia dos dias e das noites o seu contingente
ignorado de soluço ou de riso
Não bastava
á ostra ser
!
mãe da
pérola. Tal gloria
•v,
• ,-:/
,
«,
•"
r^^'
HARMONIAS
145
não a elevou nunca no pasmado conceito das multidões.
Essa preciosa concreção calcarea que as mulheres ado-
ram
e os ourives exploram,
bem como
é,
o aljôfar, o
nácar e a madrepérola, de tamanha impassibilidade,
que nunca suspeitamos, por via
conchas
dade das
em
d'ella,
que na concavi-
que a ostra se espapa, molle e
gommosa, resoasse a voz do goso ou do soffrimento
!
Foi preciso que a orelha, naturalmente cabelluda,
de
um
grave e sábio professor se inclinasse para as an-
fractuosidades de
terio
um
rochedo, para que o divino
mys-
da alma ignorada do molusco se revelasse ao
mundo.
em vez
sido pronunciadas solemnemente em um —
de pesca — por um homem cogitador e insus-
Se as palavras que esse
de terem
congresso
peito, tivessem saltado
/)er
facto
denunciaram,
da lingua da Sirineta, que
foi feita
contare solamente as bellezas do mar, de que é o
hombros com
espirito,
a gente levantaria os
com que
acolhe as mais lindas phantasias e iria conti-
nuando a comer ao almoço, sem remorso
e
com
o sorriso
appetite,
as famosas ostras cruas.
Mas
d'aqui
em
deante ja virá
uma
gosto amargar esse prazer maldoso.
pontinha de des-
A
gotta de limão
que contrahir o molusco ainda vivo, nos dará a sensa-
um
ção de que estamos a espremer torturas sobre
digno da nossa veneração, porque sabe
sacrifício
conhecer
ser
o
!
Antes de a metter na bocca é preciso aproximar do
ouvido a ostra que temos de deglutir.
Foi esta a nova preoccupação que inventou o
senhor sábio, como se já não tivéssemos tantas
I
10
tal
mas,
"^
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
146
não
faz
mal
!
ficamos assim
sabendo que não ha na
creação nada que seja absolutamente mudo.
Quantas e quantas vezes a litteratura allude ao decantado rumor do silencio, que nos traz da solidão dos
campos ou da vastidão das aguas murmúrios fraudu-
num d'esses instantes
toca em surdina, que o
de ignota magia? Foi talvez
leiros
em que
a orchestra universal
sábio investigador, deitando-se
uma
uma
praia, junto a
sobre a areia fofa de
velha rocha ostreira, perce-
beu a ténue voz dos moluscos atravez as camadas das
conchas sotopostas.
Vamos, que a surpreza não devia
nem tampouco
desagradável.
Não
ter sido pequena,
tardará muito que
alguém nos venha dizer o diapasão em que cantam essas
pobres enclausuradas, cujo estylo trará á mente, já
presumo! a forma de
um hymno
está dado; sciencia e acaso, de
ram
O
passo rude
mãos dadas, descobri-
o segredo das ostras; ellas cantam, e
naturalmente barbado e muito
um
sacro...
serio,
um homem,
como convém a
sábio e grande professor, cuja palavra não pode ser
em
posta
duvida, teve a coragem de o declarar
sessão de congresso.
O
em uma
principal está feito; o resto virá
depois.
Virá depois, mas levará seu tempo.
A interpretação
da musica e a sua definição estou vendo que não é coisa
fácil
!
Ainda ha pouco,
nião
em musica
uma
acato
pessoa que estimo e cuja opi-
como a melhor, me
disse que a
opera Saldunes tem muita belleza e larga inspiração.
Alegrei-me; mas a par d'esta, quantas
não a tinham entendido
?
me
disseram que
!
•^SV''
HARMONIAS
Não entender
tranlia,
mas a musica não
que se precise
para ser
fria sciencia
tão necessária
para ser
traduzii*
com
é
uma
lingua ex-
diccionarios
!
Ai
assim fosse; deixaria então de ser arte divimi
d'ella, se
dora,
!
147
uma
;
deixaria de ser a grande pacifica-
ao atribulado coração liumano,
coisa impenetrável e rigida, a que só
com
esforço as multidões chegariain.
A
maioiia do publico que vae ao theatro ouvir
uma
opera, não trata, por incompetente, de averiguar se ella
é feita d'esta
ou d'nqueila maneira, se a sua instrumen-
tação obedece a todos os primores de
uma
orchestração
opulenta, se a sua tessitura é perfeita, e as suas harmonias
bem combinadas.
O
que
elle
vae buscar
lá é
a emoção, o sentimento
que transbordará e se evolará da musica com a espontaneidade perturbadora
com que
o perfume sae de
uma
ílòr
Parece-me que a
arte, a
não ser para os
artistas,
não é coisa que se entenda, mas que se sinta. Que importa á maioria que os processos por que tal partitura é
feita,
sejam complicados e ella dolorosamente trabalhada,
se do seu conjunto espinhento e bravio não
uma
voou nem
phrase que lhe fizesse vibrar os nervos impassiveis ?
Em verdade é muito frequente ouvir-se dizer
:
eu não
gostei d'esta ou d'aquella opera, porque não a entendi.
Essa modesta confissão de incompetência, que,
só é feita
em
relação á musica, visto que pai'a as outras;
artes toda a gente se julga habilitada e
uma
aliás,
com
direito a
critica definitiva, deve. até certo ponto, consolar
os maestros...
Ah, deante das harmonias da natureza
é que não
ha
!
ip'«
148
LlVliO
tanto embaraço
sem que para
:
DAS DONAS K DONZKM.AS
oUas ciiti'am-iios
isso
•:•. ;?
-.
tenham de
jx^la
alma
a
dentro
foirnr o entendimento.
Quem
compreliendení jjímais a eontexturad'essa grande
opera
em que lomnm
pnrte desde o asqueroso snpo dos
brejos, até á sentimental patativa dos laranjaes?
Ninguém
É
])or
;
e todavia todos
a
sentem
isso que, j)or sobi'e as areias
e a
adoram.
movediças ou as
asperezas agrestes dos rochedos mudos, roçam na avi-
dez de
uma
curiosidade insaciável as cabelludas orelhas
dos sábios naturalistas.
mundo
Certos de que neste velho
tudo é novo, os seus
ouvidos esperam ainda, esperarão sempre, surprehender
no próprio seio das coisas mudas, vozes ignoradas e
perfeitas.
Esta, que o grave pi"oíessor do Congresso de Pescaria
descobriu
Como
nas
osti*as,
deveras extraordinária
os cysnes, o viscoso molusco despi-ende
extrema.
ap()s
um
grito agudo,
Haverá quem, depois
moção
é
e
sem remorsos
vivas?! Não!
um
na hora
canto suavíssimo...
d'isto saber, ingira
sem com-
as saborosas ostras cruas, cruas e
UM TESTAMENTO
-iiA-
nome de Hothschild
ENO incarna
da
se
a idéa
dim, de que cada
um
que aos olhos do mundo
riqueza.
lam[)ada de Ain-
de nós lem na imaginaçào
copia, arranca-lhe de cada syllaba
preciosa. Elle 6 o distico de
com
A
um
uma
uma
chispa de pedra
thesouro accumuiado
avidez judaica atravéz dos tempos e de que só
desabam catadupas de ouro quando
solicitadas
pela
'
150
';:»C
•
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
volúpia do negocio. Elle é a gloria da raça, a ventosa
terrível
sugando energias de
hebreus
e
submissões de
christãos, e é o senhor do ouro
que,
como
o mar,
recebe de
todas as nascentes, e de agua
com agua limpida faz
mesma onda que estrondeia
turva
a
em espumaradasde
praia.
Rothschild não é
tidade, é
um
uma
symbolo
en-
—
o
.
>.
r
"
*
.•>-
UM TESTAMENTO
151
^
> -*
dinheiro. Elle faz tremer as nações, vê a seus pés os
mais nobres governos e finca no mundo as suas garras
formidáveis,
como
enterrando-lh'as
bem
âmago,
ao
até
o abutre enterra as suas na carne tenra de
um
cordeiro.
Como
o frágil animal, o
mundo
nia do proletário, do faminto, do
—
sangra,
na ago-
sem vintém, para cujos
olhos o capital é o roubo, e que ahi estão rugindo mais
alto
que o balir tremulo do cordeirinho na afflicção da
morte.
.
Rothschild
!
que retine com
Pôde
ser
amado
nome luminoso
e
uma
tão
ampla sonoridade de ouro
?
Diria não, se a leitura de
provar que
elle
gocio, lucro.
homem
É
um
este
testamento
me
não quer dizer unicamente
:
não viesse
metal, ne-
nome de
pois certo que Rothschild é
!
«
Tenho observado,
*
talvez mal, que o egoismo
mano em nenhuma formula
tão
bem
se evidencia,
hu-
como
na testamentária. Pessoas riquíssimas e cuja fortuna
ao serviço de
num
um
coração generoso se podia expandir
largo circulo, fazem testamentos
em
que concen-
tram todos os haveres nos seus herdeiros da
lei
ou
em
pouquíssimos mais. Assim, ninguém que as não tivesse
conhecido
em
vida as diria capazes de matar
com um
bocado de pão duro, a fome de qualquer mendigo que
lhes batesse á porta.
Toda
aquella fortuna parece ter sido passada a ou-
trem a contragosto, de olhos fechados,
inevitável.
num mergulho
ITT^.íf-"»-^'
,-^-
.
••
_
-
'-•-^.«r- •"'>,»í»^.'^rTl'*"í~
;^!J?r^»»'
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
152
É
l)em
fazer-se
difficil
tão raro apparecer al^''um
a
-.VIlBIlif^"
um
em
testamento, visto que é
que
a justiça, a
ternura e
humanidade transpareçam.
nenhum
Entretanto,
nem mais
acto pôde ser mais consolador
um homem
bello ])ara
de grande fortuna e
largo espirito, do que esse de espalhar, após o seu
bem
estar e a ale-
um punhado de gente que soffre e
que trabalha.
pleto desapparecimento da Terra, o
gria por
É
com-
ainda
maneira que os ricos têm de
a
se fazerem
perdoados de bens, adquiridos muitas vezes pelo seu
mas que nem por
próprio esforço,
mal
vistos pelos
Rothschild
glorioso, que
!
li
isso
deixam de
ser
que nada alcançam...
Adolpho Rothschild o testamento
é de
em um
jornal e onde ha legados
com-
mo vedores.
Se houve culpas nos seus antepassados,
bem redime-as
de
Sem
apagar
um
este
homem
todas nestas paginas de clemência.
único beneficio que o coração decre-
tara no primeiro impulso, elle quarenta e quatro vezes
alterou
o
seu testamento, para desenvolver,
accres-
centar os soccorros que a observação da vida lhe ia
suggerindo.
Sem
fallar
nos asylos, hospitaes, escolas e museus,
para os quaes deixou montões e montões de dinheiro,
milhares
e
milhares
de
contos;
sem commentar a
abundância das verbas destinadas á manutenção dos
institutos,
e
onde a raiva
e o croup
encontram Unitivo
remédio, destacarei os legados que
mais reveladores de
plo
:
determinou
ças pobres que
um
uma
me pareceram
coração raro. Este, por exemquantia para
auxilio
vivam do seu trabalho.
Isto
de
mo-
não tem
- .
í ?'^^^
,T *«
-
*
*
UM TESTAMENTO
153
O valor banal da caridade atirando dinheiro aos pobres
como migalhas aos
roeoamento,
uma
encerra
|)eixes;
de applauso,
de estimulo,
ideia de acoé
como um
carinho fraternal, que não será recebido sem lagiimas.
O
grande argentado pensou na operaria sacdíicada, na
quem
laboriosa filha do povo, para
cupiscência e a perdição,
e
amigo, que tão raramente o
seria
só
têm olhos a con-
atirou-lhe
homem
um
adeus de
dá á mulher, e que
sempre o mais suave esteio para as suas
fra-
quezas...
Não
é
menos encantador, na sua simplicidade,
beneficio aos animaes
em
o
geral, cuja sorte triste pro-
curou minorar. Assim, os cavallos que tenham trabalhado, chegado o instante inevitável da decadência ou
da ruina, não serão aproveitados
em
misteres brutaes,
^g^im^íí^nt^K
lU.
I
.
^,.^'^^^;r ,jijpp|ji^( r;
^i
:
7
154
em
-
^#'
-x-;
•*-*•.->.
7^
r
•
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
que o seu pobre corpo esfalfado vergue ainda no
interesse do dono egoista.
Chegamos ao ultimo
legado, que eu não classificarei,
porque toda a sua pliilosophia adorável
E
falia
por
si.
simples
Adolpho Rothschild, deixou a uns tantos sacerdotes
velhos, de qualquer religião,
exercerem tranquillamente
somma que lhes permitta
em França o seu minis-
tério.
Esta lembrança abre-se aos meus olhos como
flor até
nem
o
hoje desconhecida.
Nem
nem
a côr,
aroma denunciam a semente que
uma
a forma,
lhe deu origem,
tão sabido é que a tolerância absoluta raro germina
na Terra.
Cada
ha de
um
de nós pensa que da nossa religão é que
vir a felicidade ao
feita e é verdadeira.
mundo, porque só
Bálsamos que outras derramem,
que nos importam, se nem
filhos nossos
ellas são justas,
um
nem
os seus
irmãos ?
em nome da nossa
Guerreêmo-nos, matemo-nos
que será
ella é per-
Fé,
dia a de todos que nós tivermos vencido
ou que vierem ao nosso chamamento.
lenta, desorientadora e
d'aquelle paragrapho,
triste,
responde a voz serena
em que um
a velhos sacerdotes pobres,
A esta idéa turbu-
judeu ofierece amparo
catholicos,
ou
israelitas
protestantes, para a sua manutenção, aconselhando ao
mesmo tempo
aos seus descendentes, que lhe sigam o
exemplo de tolerância e de liberdade
Pouco importa o
culto; é ao
religiosa.
homem
que
elle
estende
o bordão para qualquer dos caminhos que vão ter á
felicidade e de
que tantas pessoas se extraviam...
,
'*.
X
f.
'^
:••':
-
-È
•^•'' -
;
vsir'
.|f.-
UM TESTAMENTO
Será curioso vôr-se
um
dia,
155
em uma
aldeia de
França, esta velha França tão irriçada e de tão
dura para com os judeus,
um
má
cata-
sacerdote catholico e
velhinho, ensinando ás suas ovelhas rudes a
murmu-
rarem com doçura o nome de Rothschild...
Quando
imprimirem na
os seus sapatões ferrados se
neve dos caminhos
em
soccorro de
um
agonisante;
quando o sino do seu campanário repicar na madru-
gada clara; quando as creanças
se
ajuntarem á sua porta
para o cathecismo, com as mãozinhas carregadas de
favos de mel ou de cerejas para o senhor padre-mestre
quando as suas mãos tremulas de ancião ligarem para
o futuro e para o
robusto
com
;
amor
as
mãos de um
casal
moço
e
quando os seus lábios murchos consolarem
palavras de
perdão e de esperança
uma
pecca-
dora, ou quando a sua face enrugada e pallida sentir
o afago agradecido do aleijadinho que
o
bom
ninguém ama,
pastor de almas terá a visão perfeita de que o
velho judeu Rothschild lhe sorri do céo!
Assim
seja.
—"7 ''gV
:
i"t
'í
y ^' ->;T"
r'-ajW »iy- 'T ,t»7 ,*'
'
!.'
w
.X»-J.-
'.. v3?>5;í
*
f
-
a*h;
ORPHAOS DE HEROES.
$
NINGUÉM
e
ignora quanto é assombrosa a imaginação
como
é intelligente a pertinácia dos inglezes e
dos americanos na concepçfio e na expansão dos seus
annuncios e reclamos. Não lhes bastando os avisos que
inserem nos seus jornaes de grande tiragem, ;i\ida-
mente
lidos por populações
que têm mais almas do que
formigas têm os maiores formigueiros dos nossos jardins
;
não lhes bastando os cartazes com que enfeitam
as suas cidades, aquelles formidáveis cartazes de fundo
vermelho
u:5ÍÍi^-'.Í^X'tJ[:'^.f:f
«.
:«•'
^.
e luzidio,
com
figuras negras (negros ali só
LIVRO DAS nONAS E DONZELLAS
158
Hintados...),
a
em
baixo,
exposta
em que num
nào
:
sig-zag de raio, rabeia de alto
nome da droga
caracteres amarellos, o
bastando os
llies
milhares de bilhetes
que espalham tumultuariamente pelos seus theatros,
salões
públicos,
gares,
etc, elles remettem
rias,
avenidas,
vfigões,
com
a
mesma
fúria para os
mais longinquos pontos do globo, cartões,
lhetos,
mappas, chromos, pastas, com
cerveja-
livros, fo-
uma
prodigali-
dade que chega a ser oífensiva.
É
imperturbável a seriedade e a convicção
com que
esses senhores affirmam aos povos de todas as raças, a
superioridade das suas industrias.
mos capazes de
fazer
com uma
O
que nós não seria-
fileira
cerrada de pontos
de exclamação e ainda outra de ahs e de ohs, acom-
panhados pela regia magnificência de muitos adjectivos
pomposos,
engastam
A
elles
um
um
phrase secca, onde
superlativo esmagador e positivo.
táctica do annuncio não está, pois,
está no vehiculo
zisse
uma
fazem com
um
em
que
ella
vem
na palavra,
assentada. Reprodu-
commerciante, menos negocioso que idealista
verso de Shakspeare
em um
papel barato, feio,
fácil
de amarfanhar, e a phrase maravilhosa, que lhe servisse
de epigraphe ao
annuncio, escorregaria
pelos
boeiros das ruas ou para a caixa do cisco dos quintaes,
sem
ter logrado attrahir a attenção de
A
ninguém.
habilidosa insinuação do annuncio está na bôa
qualidade do seu papel, na nitidez do seu typo, na
variedade das cores
em
que está impresso, no seu asseio,
em fim.
Comprehende-se a manha.
<x)uem terá a
coragem de
atirar
para a cesta dos
i»
ORPHÃOS DE HEROES
papeis rasgados
um
livrinho,
em
159
que, sobre o marro-
um emblema
dou-
rado, e que, por pequeno e elegante, mais parece
uma
quim bem imitado da capa, brilha
carteira de lembranças amáveis, do que
chapas e de fogões
completo
!?
Aberto o
um
livro, o
catalogo de
desencanto é
nas suas curtas paginas assetinadas não ha
;
mas uma imposição clara de fabricante, chamando sem cansaço a attenção da gente para os seus
productos, sempre com a mesma phrase, cem vezes
segredos,
repetida, e
em que
ainda na ultima pagina se sente
fôlego para outras tantas affirmações.
É
de se ficar agoniado
!
mas
os inglezes e os ameri-
canos não ficam, e continuam na sua ambiciosa pro-
paganda, a exportar para as cinco partes do mundo
annuncios de toda a espécie, a doce e encantadora
effigie
suas creanças louras, vestidinhas de azul,
das
em
com
margaridas, ou gatos brancos no regaço.
Que vão
fazer nos arraiaes africanos, nas povoações
asiáticas, nos sertões americanos,
ou
mesmo
nas mo-
destas aldeias européas essas carinhas rosadas e gor-
duchas, feitas para o beijo e a caricia do olhar?
dizer
de
em
tal
ou
inglez que a manteiga mais pura e saborosa é
tal fabricante
E como
de Londres ou de New-York.
a menina tem
um bom
todos os que entendem o que
tam a maior
fé,
e os
alli
ar de innocencia,
está escripto, lhe pres-
que o não entendem, guardam,
por amor dos seus olhos côr do céo, o cartão
ella
Vão
vem estampada
em
que
entre dizeres commerciaes.
Parecia-me a mim, que nesta questão estava tudo
feito e
explorado, desde as paizagens suggestivas, rotu-
lando latas de
leite,
onde a vaquinha gorda demonstra
'-
-V.
^_
'-
"n
wo
U\nO DAS DONAS
a fertilidade
(lo
pasto, até
E DONZLOLI.AS
jís
em
íolhinlias
que, a par
das vantagens das pilulas que preconizam, se desven-
dam
os mysterios
dos astros e
invernos e verões. Enganei-me
;
vem
a prophecia de
a arte do reclamo não
pára. vao alargando cada vez mais a sua phantasia.
Agora, com a mesma parcimonia de vocábulos, os
senhores fabricantes de graxa, de vernizes, ou de qual-
quer outra coisa, encontram geito de fallar ao coração
das turbas desprevenidas.
attractivo para a vista,
sentimento
traição
!
Já não basta o
começa também o
Ha tempos
:
achei sobre a
minha mesa de
Inglaterra,
Abri-o e íolheei-o
retratos de creanças, nada
;
só
De quem eram
(juena introducçã(j do livro explicava tudo
:
as ar-
continha
menos de cincoenta
phototypias nítidas e bonitas.
linhas
ti'abalho
com
livrinho adornado na capa, brochura,
mas de
assalto ao
!
Se não, vejamos
um
Que
?
em
e seis
A
pe-
poucas
essas cincoenta e seis creanças, cujos nomes,
vem indicados ^;ob cada
retrato, são apresentadas ao mundo como orphãs dos
heróes da guerra sul-africana, a quem o proprietário de
uma farinha qualquer alimenta gratuitamente. E bem
edade. filiação, morada, etc,
.^«.»
..^Mtf
<j
.
ORPHAOS DE HEHOES
j)rovam Hs gravuras a efficacia de
dos, os bebés
161
fécula.
tal
!
Tenho-os aqui, deante de mim. Que
esta!
A cada pagina que
viro, as
uma piedade
Abre o
livro por
triste galeria
minhas mãos tremem e
alastra-se-me no coração, a par de
gnação,
São gor-
uma grande
indi-
dolorida por não ter i'emedio.
um
pequenino de dez mezes,
pimpado na sua cadeira, muito pellado
e sério,
vestido de rendas e sapatinhos brancos; depois
re-
com
vem
todo o rancho de infortunados, uns ainda de touca,
outros
em
fraldinhas,
com
papudas, o peitinho gordo
as pernas grossas, as
mãos
uns de boca aberta, mos-
;
trando no seu riso côr de rosa as gengivas sem dentes,
outros de ar pensativo e todos muito galantes e muito
sympathicos, como se para isso não bastasse o serem
creanças e o serem
Olhando para
creança do
infelizes.
o
livro, esta
rostinho
redondo da penúltima
formosa Clara Alice Wilson, de
dezenove mezes, não haverá quem não imagine que
deveria ter voado para ella o pensamento do pae ao
expirar o seu ultimo alento na guerra, a que talvez se
oppuzessem as suas convicções de
decer á sua disciplina de soldado
homem
para só obe-
.
11
lí-.'Sí.<"AV.'Tr^t -v- -.
í
-.-
^
»>w'Veí-:i;;_.'j t jft^^'
•
.'W.í?H,'»i''
LIVRO DAS DONAS E D0N7.ELLAS
1C)2
.
Orn, a cnridnde
(l'esse
fabricante inglez, que ali-
menta fíratiiitainenteci'eançaspara
em
exliibil-as
uma expressão muito
j)roveito seu, é de
ao mundo,
singular e
absolutamente nova nos annaes da philanthropia e do
annuncio
!
demonstra
A
pátria (jue lhe agradeça o desvelo que elle
Se a explo-
orpliãos dos seus her()es!
])elos
ração do sentimento continua d'esta maneira, não nos
deixam nada
Mas não
j)ara a litteratura...
seria por
amor
d'isso
que eu gritaria, mas
porouti'a causa mais respeitável e delicada.
taria de saber
com
(jue
Sempre gos-
olhos os senhores do governo da
velha Inglaterra olhariam para este álbum de reclamo,
se elle
algum dia
lhes cahisse sobre a sua mesa,
cahiu sobre a minha, sem eu saber
como
!
Talvez que levantassem os liombros e
os
nomes dos soldados
e dos officiaes, cujas
authenticadas sob o nitrato de cada orphão
não ligassem
ú
íileira
como
nem
lessem
mortes vêm
;
talvez que
de rostinhos infantis maior im-
portância que a (pie ligam aos gordos frades embor-
cando cerveja nos
cai'tazes dos sc/iops,
nas nos annuncios das tabacarias,
ás
estão
triaes
;
ou ás dansari-
— tão acostumados
extravagantes explorações dos
comtudo.
;i
seus indus-
minha ignorância de mulher
senti-
mental parece que o olhar mudo e innocente d'estas
creancinhas revolver-lhes-ia na consciência maiores
1
etlexões
do que todos os discursos das duas cama-
rás...
Realmente,
a
fúnebre lembrança d'esta propaganda
é de fazer arrepios.
eu acredito que
da farinha
Pobres orphãos innocentes
elles
(jue lhes
!
o que
espalhem pelo mundo não é a fama
engrossa o
leite, e
os prepara para
**-7-^r-v
^'^
ORPUAOS DE HEROES
futuras batallias,
fere,
<»
mas sim
a
163
idéa da injustiça (jue as
tremendo horror da guerra, que semeia com
sangue as mais
tristes
saudades da terra
!
_
L- -
^•:Jsji3LijJ*-'
^-í J-^-
.•*.-.-
JJ,
y-
.,
'^
CARTA
((Minha querida.
VENHO do circo. Lá ao fundo, na noiteescura, em uma
baixada do morro, ha ainda
um
clarão
averme-
lhado rompendo o toldo e as paredes de lona suja, onde
a rapaziada do bairro assobia ao rythmo da charnnga
desafinada.
se
As personagens da pantomimn esbordoam-
na ultima scena, fazendo voar as cabelleiras
longas abas das casacas
immundas
começa a voltar costas ao espectáculo
O
])ovo
ri,
e
as
mas
:
!
1
LIVRO DAS DONAS E DONZEí.LAS
16(5
Vèin
encostn.
umas lanternas de doceiras trôpegas pela
como estrellinhas caneadas. No meio da treva,
j;i
mal attenuada pelos esj)açados lampeões de gaz, diviso
as linliMs ondeantes do morro, de onde escorre o
aroma
agreste das plantas, que o relento refresca e activa.
Sinto-me
acolhe
minli'alma
n
escuridão
a
triste;
me
e a
como um
seio materno.
Nunca a
pareceu mais doce; posso mostrar ao céo
amargura da minha
deixar que
placidez da noite silenciosa,
o desalento
ti'anspareça no
meu
porque
face,
meu
do
s()
Deus a
vê, e
espirito se infiltre e
corpo.
Quem ha que não tenha tido, ao menos, uma hora
d'essas, em que toda a força vital parece exgottada e
não nos resta nem ao menos
A meu
uma
lado
voz
a
vontade de reagir?
como um rumor
falia,
conti-
nuado de agua rolando em pedregulhos baixos. Mal me
ati"evo a esboçar
um gesto com
Decididamente
A
a tristeza é
que lhe responda.
agente da preguiça!
ultima bexiga da pantomima deve ter rebentado
agora nas costas do estalajadeiro, que era velhaco e
sonso. Calou-se a charanga, e o clarão rosado do circo
sumiu-se de repente na treva. Augmenta a bulha de
passos
;
ouço
uma
voz dizendo
— O palhaço é muito engraçado
Eu
mim
de um
por
antigas,
achei-o estúpido, repetidor de trapaças
rancismo bolorento. Engraxou-se mal,
não tocou ao violão e pouco dançou da chula. Mas a razão
não estaria do meu lado; a razão nunca está do lado
da gente
O
triste.
palhaço devia ter cumprido a sua missão.
brei-me de ter visto torcer-se toda,
em um
Lem-
accesso de
:
CARTA
liilaridade,
uma
expansão o seu
espectadora velha, expondo no auge da
uiiico
dente descarnado e
foram
da archibancadn
caras
167
Outras
lonj^fo.
sur^rindo
minha
na
memoria.
em certos espectáculos,
único pittoresco num circo
Olhar para os espectadores é,
o melhor espectáculo, e o
de roça.
O
rosto dos
velhos tem
uma
sobretudo
cândida
expressão de deleite, mais demonstrativa de enlevo que
os das creanças
mesmo.
A
alegria desabrocha-lhes por
entre as gilhas da lace e as pálpebras franzidas,
frescor
em
viçoso de ílôres
curiosa, que eu invejo,
piedade...
É
ruinas. Aquella
com
o
alegria
causa-me entretanto uma certa
a profanação do riso, a abjecção do gosto..
Parece-me que aquellas cozinheiras e operarias que
l)asmam radiantes para as misérias da arena só
deveriam sentir á vontade
com festões de lâmpadas
em cada camarote
Um
em um
se
circo de sedas claras,
eléctricas e
ramos de violetas
equilibrista fechava a primeira parte, susten-
tando maravilhosamente
A vaidade
do
homem
uma penna na
ponta do nariz.
devia ser grande naquelle indi-
viduo! Cruzaram-se fardas de belbutina e casacas luctuosas dos ajudantes na arena.
.•
Cerrei as pálpebras, aspirei o
fiz
de conta que estava vendo a
^'J^^
aroma de meu lenço
pompa
circensis
e
com
que se precediam os jogos no circo de Maxencio... e a
illusão talvez se prolongasse, se
se
uma
preta
moça
e tafula
não lembrasse de roçar pelos meus joelhos, exha-
lando o cheiro de
um
carapinha. Entonteci
;
raminho de arruda espetado na
e logo tudo
me
pareceu ignóbil
•V
-.- -i-;
-^i-i
^~TÇi>^ít«A';FT/'-f ;•..
r-
<-.
V
DAS nONAS E nONZELLAS
as desafiiiações da cha-
ranga, as pernas grossas das écayères
mal
calçadas, o ondear das
e das tarlatanas
fitas
a
baratas,
repetição
sortes tantas vezes
(las
os assobios do
vistas,
povo,
os
dos
estalos
chicotes e das bofetadas, o ruido
da masti-
um
gaÇíão de
visinho,
enchia a bocca de
qtie
mendobi, o fumo dos
cigarros, a deficiência
das luzes, e os pregões
de
um
hespanhol mal-
annunciando
trapilho
biscoitos.
Restabelecido
notei
equilibrio,
surpreza
que
o
com
alguns
d'aquelles saltimbancos
tinham logrado prender-me a attenção
em
uma
niatinéa do S.Pe-
dro.
Sim, era a mesma
gente,
era
trabalho.
o
mesmo
Somente a
atmosphera atravez da
qual eu os via ora outra.
CAUTA
Nã(í se comia iiiendubi,
mas
169
pastilhas de chocolate; a
sala era clara, limpa, e nos camarotes apinhava m-se
creancas lavadas e cheirosas. Nesse dia os artistns
nham
ti-
trabalhado bem, pnreceram-me até pessoas de ({ua-
lidade, (jue
vinham por excepcional obsequio divertira
gente
Para penitencia relembro uma pagina de
sinto sobre o
como que
—A
armado
a
meu hombro
alegria
á pressa,
cambalhota
verdade
a
e
mão pesada
íVaco a sua
o seu espirito sussurra ao
Tolstoí,
meu
e
:
neste barracão
estão
como uma tenda de campanha, para
e as misérias
Sedas? flores? luzes
mal disfarçadas.
eléctricas! são phantasiaspara
gente de casaca, que não sabe
rir.
Só a gente rude con-
serva frescura e sensibilidade de alma. Os únicos velhos
que têm
riso
gostoso
são
os
ignorantes.
.
Vae-te
embora.
eis
E eu vim-me embora, pensando nessas coisas quando,
passa por mim um medico illustrado a quem ouço
dizer:
— Pois senhores,
A
opinião dos
homens confunde-me.
simples motivo de ser
tenha de tudo
tem graça!
o palhaço
uma
homem,
O homem,
pelo
está determinado que
visão mais positiva,
mais clara e
mais perfeita do que a minha. Relembro a scena principal do
Um
clown
:
sujeito de casaca e de chicote dá-lhe a
bência de levar
um embrulho
de doces a certa
Procuro fixar o resto: não
j)osso.
incum-
moça
foge-me a idéa
para outro assumpto.
O
céo está estrellado, o ar doce, o
aroma das ma-
LIVRO DAS DONAS E DON/,El.I-AS
170
g-iiolias
túnica
como uma
sae dos jardins o envolve-me toda,
que
invisível,
d;í
;i
minha alma uma
|)ureza de
Vestal.
Pyrilampos sal])icam o
viajoras.
ciivo
em
de fulgurantes esmeraldas
alto e volto a vista ]inra o local do
Chego ao
tudo
:
ai'
trevas
;
a noite
como que
suspira de
allivio.
Passa-me ainda uma vez pelo
romance
espirito o
explorado
velhos
tas
:
])elos
contis-
o riso agu-
do do palhaço
que
se
rehola
na arena e que
se
trasmudaem
soluços quando
nos intervallos
se atira sobre o
'
corpo moribun-
do do
filho
;
as sovas nas creanças roubadas, nos estudos
da acrobacia, e o pudor das écuycres, virgens e recatadas.
Para mim, todo
um
filho
o palhaço
tem sem])re no bastidor
moribundo e todas as creanças signaes de pan-
cada sob os maillots rosados.
e
E é talvez por isso que este cii'co de
em que as misérias se mostram tanto
segue diverti r-me
A
hora
nem dissipar-me
em que vou chegando
roça, grotesco,
a nú, não con-
a tristeza.
a casa, está o palhaço,
e estão os seus com])anlieiros refazendo as forças
o bife e o vinho da ceia,
porque a féria
foi
bôa.
c rindo-se,
com
ainda por cima,
'»i.;s:.j,.wi.--
:%:.
(
Entretanto, (oh
!
ARTA
prodi^fios
171
da imaginação cnfeiti-
çada pelos romancistas!) como que distingo no ar,
lá
muito perto do céo, o senhor cíown enfarinhado e choroso sustentnndo nos hraços
E como
um
filhinho
morto
!
são horas de dormir, digo-te adeus!»
Tua
Francisca
--.. _-
..
,
,.
.
'
^-£<'^
ps-TTrvsT?^,-
-
^
-7
i^^-.-i-
.•>«'-.>«.
jw
'K-i
V,-
'
>;.
:
'.
?qK".
J
rí.-VZ^T.^ívi
BRUTOS!
f
D
umas largas dezenas de annos, quem
'aqui a
amigo de
lèr
chronicas d'este século
XX,
lòi*
que des-
pontou com aspirações de paz universal e bondades aperfeiçoadoras do coração
dias
houve
um
rei,
seu real
reino,
dizer que nestes
que por amor da sua dama quebrou
as mais rijas lanças.
o
humano, poderá
Para conquistal-a, expulsou
ello
pae e senhor, deportando-o para fora do
onde o misero morreu sem amigos, no desam-
paro da ingratidão... Para colher dos lábios d'ella a
cheirosa
ílòr
do beijo, houve o
rei
de arcar com a basta
chusma dos preconceitos da épocha.
de sangue
da
real, e
enfeitiçadíV
por
isso,
A
pobre não era
mal estimada pelos súbditos
magestade, todos se oppunham a que o
^
:i
LIVRO DAS DOSAS E DOXZRÍ.LAS
174
unisse nquella mullicr, que
rei se
Julieta,
como
nem
um
era portadora de
moca como
era
titulo de princeza,
Cordelia.
Por sua parte a
«iio
nem
1
im])riidente, fascinada j)elo presti-
homem, caminhava para
(raquelle
agulha de aço para
um
elle
Cirande pedaço de iman.
mulheres nào se emendam, e tanto mais
menos devem amar. Com
o perigo,
amam
se recebeu
unia (dnia feita para o amor, é priva r-se, a
outrem, de
uma grande
felicidade. Seri(t
laranjeira que não florescesse
— como
dizia Stendhal,
dade que
em
um
outras conclusões
ao seu amor,
:
As
quanto
do céo
si e
a
como uma
com medo de peccar,
escriptor de então...
paginas adeante
fina
augmentava o en-
Não amar, quando
canto da pnixão.
como a
elle
É
accrescentava,
a firmeza d? imut mulher que
vei^-
em
resiste
a coisa meus admirável que pôde exis-
é
mi terra ; todas as outras provas possiceis de coragem são bagatelas ao pé desta, tão forte e tão penosa.
tir
Raciocinando a dama que esses heroismos são bons
para os livros, e que, sendo a missão da mulher obedecer á natureza, mais lhe quadrava a allegorin da laran-
como
jeira,
assim
mento
e ao seu rei
íez.
Desditosa
!
:
devia, a vontade ao seu senti-
casou
com
o povo, que já
entrou a aborrecel-a.
elle.
não a via com bons olhos,
Para que todas as antipathias
chovessem sobre a sua cabeça
lado,
homem
costumes
ram
a
(|ue fora
fáceis,
fraca, o velho rei exi-
sempre de amores ephemeros e
morreu longe da
dizer que
elle
pátria, e logo
começa-
se finara de paixão, resentido
d'aquelle filho ingrato, e que a culpada de tudo era a
rainha, que por não ser de estirpe real não devia
me-
.
*
^K
a -*
f
^
,..
íflj
^
.*
'
.V
'
recer o
BR UTOS
amor de um
rei.
175
Teceram logo uma trama de
enredos
e
zendo que
falsidades,
ella
di-
mentia á
sua religião e á sua consciência.
O
beijo do
amor
não a fecundara, e na sua
murcha
esterilidade
divulgava
um
sonho que
embevecia a corte e o
O
ella
rei.
sonho da mater-
nidade.
•>*
.
176
DAS DONAS
I.IVIIO
li
DONZEIJ.AS
(Tente do palácio, muito embusteira, inventou logo
que
minha
íi
um
simularia
uma
parto, vindo
creançn.
extranha occupar no berro principesco o logar que só
deveria competir ao filho do sobemno... Intriga
que se espalhou por toda a nação e ti'ansbordou
alheios e terras de além mar. E,
paizes
iam as
guinhas,
rei
perfídias entrando
esta
foi
para,
como formi-
pelos ouvidos do
...
No
seu grande palácio sumptuoso vivia a misera
rainha desconfiada, sem se poder lavar das maculas que
lhe attribuiam. Assim, a flor da sua belleza outomniça
enlanguescia, e o
vassalos, que
rei,
aturdido, cheio das queixas dos
lamentavam a morte de
um
rei
que nunca
tinham amado, só por acinte á rainha intrusa, cahiu
em
acreditar que a esposa só o quizera por vaidade e
ambição de reinar. Por
em
lhava
isso,
quanto mais
ella se
debu-
pranto, mais elle se enfastiava d 'ella, que
sempre as lagrimas foram causa de aborrecimento aos
olhos dos maridos.
depressa
herdara
o seu grande afTecto se tornou
em ogerisa, que também do pae
uma certa inconstância no amor
mesmos
os
Todo
olhos,
naturalmente
;
e vêr sempre
de mais a mais queixosos, não lhe
sabia bem.
um dia,
um rei da
Correram mezes nesse desagrado, até que
em
culta
Europa cahiu com bruteza sobre a
uma rainha.
No triumpho da
e
mão de
pleno palácio, a macia e régia
fieis
alegria correram
pallida face de
damas de honor
criados de el-rei a soprar aos quatro ventos
aquella ignominia, rindo da triste rainha ofíendida.
Esta, humilhada, quiz matar-se
;
mas não a
^'
deixa-^
r
í'i-4
.
-v
.
.
;•
BRUTOS
177
ram acabar com a vida, guardando-a dia e noite de
perto, com os olhos arregalados e as unhas afiadas.
Os vendavaes desnudam as mais floridas laranjeiras;
»:
a alma da rainha já não tinha perfumes, só tinha espinhos e o rei, por onde andasse, lá ouvia o echo das
;
canções maliciosas das ruas e dos theatros,
dizia a aventura de
rei
uma mulher que
pela vaidade e o desejo de reinar.
Entendiam no século
encarcenulo, e ainda
XX
com muitos
que,
um
.
Amor
sellos
devia viver
nas portas e nas
janellas gradeadas, que lhe attestassem
De modo
que se
sò se unira a
.
que o
em
a
legalidade.
quando cansado da reclusão,
elle qui-
zesse fugir, teria de debater-se e deixar na cadeia o
sangue de seu corpo e as pennas de suas azas.
Elle arrependido,
ella
resignada, parecia até que
tinham voltado a amar-se, foram uma
prehendidos no seu castello por
assassinos, que
tinellas,
Não
alta noite sur-
uma immensa horda de
arrombando portas, derrubando sen-
alcancou-os a ambos e os matou sem dó...
fosse elle fraco; não fosse ella ambiciosa...
«
* *
Dirá mais coisas a lenda do
com
injustiça a pobre Draga,
não tinha nas veias sangue
.
rei
da Servia, tratando
sua mulher, só porque
real.
Outra lenda, sua contemporânea, provará d'aqui a
uma
centena de annos, que as mulheres,
nhas, não tinham no começo d'este seculu
mesmo
XX as prero-
gativas que hão de ter então. Esta será talvez
de balada.
Uma
soberana moça, de
rai-
perfil
em forma
doce,
12
ele-
;
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
17S
vando ao seu throno
d'elle a
mesma
senhor
Somente,
!
um
príncipe extrangeiro, recebeu
injuria que a pobre Draga, do seu real
;i
dòr da linda Guilhermina acudiu
chorando todo o seu povo. Emquanto que á outra...
O
que pensarem d'este nosso tempo os futuros com-
mentadores da
historia, parecer-se-á de perto
que pensamos das velhas edades,
mentos prendiam pelas tranças
em
então,
como
o
t
.
que esposos ciu-
*
dos seus
"
ao. ferrolho
castellos as esposas ultrajadas pelo seu ciúme.
E
com
'-
"
i
*'
•
*^
hoje, a queixa ouvida e que perdure
pela sua sinceridade, será a exhalada pelos lábios femininos...
.
V
*
>
>.
,
.
í'í
•'
•
Michelet, que tão bem penetrou no coração da mulher, 4#^
escreveu
Os
((
em
Z.'^/>ío«r
.•
insectos e os peixes são
canta, querendo articular
o
;
A
-
"
mudos
homem tem
;
L
o pássaro
a linguagem
distincta, a palavra clara e luminosa, o verbo limpido. ^.
Mas
a mulher, acima do verbo do
pássaro, tem
homem
\
e do canto do
uma linguagem magica com que
*
'"*"
intercala
^.
esse verbo ou esse canto
nado.
;
o anhelo, o suspiro apaixo-
))
Feita para o amor, ella é o ser mais sensível do universo.
Toda
ella vibra ás blandícias
d'aquelle que entre todos os
ou ás crueldades
homens escolheu
e a
quem
não sabe fazer comprehender a sua paixão, porque as
suas expressões são apenas balbucios
rompe
alto
inter-
os gorgeios da sua alegria ou os temores do seu
raciocínio.
({ue
com que
Elle^
que passa, pune, mata ou esquece
olha para ella
como
o jequetibá para a roseira, do
da sua superioridade e da sua grandeza, não per-
cebe que, na
sua humildade doce, a voz da mulher.
v
!
^-
•
r
BRUTOS
•
,
como
,-
''í^^^:- ...
..
,
(í
179
perfume das rosas, pode chegar muito mais
o
alto, até
ao céo, que só se abre para a sinceridade dos
sentimentos grandes e verdadeiros
E
!
não a comprehender que ainda
é por
a brutaliza.
>
r--
ou outro
v
v
.
um
Ainda não ha muitos annos uma pobre rainha
tica sentiu
marido.
no rosto a pesada valentia da mão de seu
Como no
palácio da Servia, o
no da China.
A
pressa
que
mesmo
com que
o telegrapho annuncia ao
*>
-
a imperatriz chineza. Matou-se.
uma
que
Afigura-se-nos
mesmo da
não com a do-
imperatriz,
China, deve olhar para todo o seu povo,
com
com que um
fria altivez e
pastor olha para o seu rebanho,
mas
soberana indiíferença. Ella está
alli,
no throno brilhante e
a
mundo
o que não deixaram fazer a Draga, consentiram
fizesse
çura
alvoroço
.
estas misérias
Mas
asiá-
forte,
amem. Não querendo
para que a vejam e para que
deixar penetrar os seus pensa-
mentos, torna-se impassivel e austera
;
sentindo
em
cada beijo a baba da adulação, começa a desgostar-se da
humanidade
sos.
Os
e a ter repugnância dos cortezãos mentiro-
seus pensamentos
com
analysados, sentidos
devem
ser extranhos,
intelligencia.
prehendemos as rainhas senão assim.
bem
Nós não com-
Uma
imperatriz
que ame o marido, que discuta com vivacidade, que o
censure
como
uma
com
paixão, e que (santo e misericordioso Deus,
isto até custa
rainha que,
a escrever!) leve d'elle pancada...
em
vez do cynismo de salvaguardar
apparencias para que o seu povo a julgue invulnerável^
encontra rancor no peito e sangue vivo nas veias, para
•fi
!
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
180
acabar com
;i
vida, vinfrando a offensa recebida, é digna
de figurar na galeria feminina dos últimos temj)os, como
um
dos mais interessantes typos de mulher.
A
verdade é que não é supportavel a idéa de que
um homem,
seja elle
quem
possa levantar a
for,
uma
para
í/t/ern
Se
mão
mulher, seja ello
for também.
elle
se julga e se
proclama o
forte,
o
domi-
senhor
nador e podedeve en-
roso,
contrar na palavra todo o
fel
da censura, sem
se rebaixar
num
aviltamento que
o
amesquinha.
É melhor matar
do que bater.
Uma mulher apunhalada poderá
perdoar,
mas uma mulher esbofeteada, nunca
Lá ficará sempre o resentimento, quando não
immediatamente
o nojo, ou não haja a
fique
coragem da vin-
gança.
Dizem por ahi que as mulheres que apanham pancada
são as que mais amam...
A
mulher
É
preciso
afinal de contas os
mesmos
Não
acrediteis!
descida a essa ignominia é incapaz de tudo.
que se comprehenda bem, que
ramos de veias que fazem circular no corpo do homem o
sangue que os
mos
altera,
desejos, as
fazem nascer na mulher os mes-
mesmas
violências.
Somos mais tenazes,
rji.T,
-**;•
-
^ -vt-
•
!
!
-v'*-
.181
BRUTOS
talvez,
mais
frias
no amor, mas mais excessivas no
ódio.
O
exemplo do imperador da China levou tempo a
medrar,
civilisada,
mas medrou
em
desponta
e
velhos thronos de ouro e purpura, que
dão norma ao povo, como
reito
na velha Europa
uma
lei
de justiça e
um
di-
da força indiscutível.
Dizem que a mulher do povo gosta do amor
que a brutalize
;
cruel,
se assim é, que bons maridos e que
gníficos trabalhadores de
enxada
se
ma-
perderam naquelles
régios senhores coroados
Bailadas e lendas d'estas rainhas, nossas contemporâneas, attrahirão a
maguada sympathia de outras mu-
lheres que, chegado o
sol doirado, se
tempo do amor, do céo azul
e do
vejam, como laranjeiras floridas, cober-
tas de illusões
V^
.
•
.>-•>•
o ULTIMO SONHO DA RAINHA
THERE
is
Em
glaterra,
no one near
me
to call
me
Victoria,
h.
toda a extensa biographia da rainha da In-
a bem amada, que os jornaes do mundo
publicaram na occasião da sua morte,
teiro
now
tosa necrologia,
nenhuma phrase ha
in-
em lamen-
talvez que mais
justamente revele a mulher, do que esta, com que ella
chorou a sua viuvez
:
— ((Agora já não tenho ninguém
me chamar
O
Victoria.
a
meu
lado para
»
seu nome, isolado de toda a cerimonia, proferido
de egual para egual, nunca mais soaria aos seus ouvidos,
na intimidade franca do amor.
A morte egualitaria e justa sellava
na bocca do prin-
.;;.',
,
•
.
_
i
-
•
.
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
184
nome da mulher,
cipe O
ficando só para a Vida o da
ma-
gestade.
Rainha
Nâo
!
não ser mais que rainha, é pouco.
Mãe?
têm pela soberana
presti-
basta. Filhos e súbditos
mesmo
giosa o
respeito incondicional, a
mesma
obe-
diência passiva.
Ella sente, na sua viuvez, não só a falta do amigo,
mas
a da sua própria personalidade
Havia uma voz
tratava
humana.
entre tantissimas vozes, que a
só,
como a companheira de jornada,
alma irmã, a creatura
de Deus, sujeita ao erro, do-
filha
mavel ao conselho, com as qualidades
rentes aos mais
;
havia só
e os defeitos inhe-
uma voz que lhe lembrava que
uma mulher como
ella era
a confidente, a
as outras mulheres, aflectiva,
nascida para o goso e para o soflrimento, e que o seu
papel na Vida, sahia todo do coração.
Dizer somente: Victoria, era o
mesmo que
significar,
aos seus ouvidos aturdidos de honrarias e lisonjas confusas
—
:
((
Para mim
tu és mais do que a soberana, a
poderosa Rainha da Inglaterra e Imperatriz de todas as
índias
;
tu és a Mulher, creada á
minha semelhança,
para companheira da minha existência, bonança dos
meus
dias, e
bençam da minha
mim somos eguaes, amemo-nos
;
prole.
!
Nasceste para
»
Percebo a sensação de isolamento que a rainha havia
de sentir, quando, olhando
em
torno, só visse cabeças
curvadas deante dos seus olhos interrogativos, e joelhos
vergados nos degraus do seu throno.
A única voz
que a tratava por
tu,
extinguira-se e só
;
então ella percebeu como essa expressão de egualdade e
de intimidade é doce...
!
>^r
'
-<-:
o ULTIMO SONHO DA RAINHA
Todas as suas confidencias
se
185
voltam para o seu
diário.
É
preciso
escreve.
abrir
É também
—
válvula ao sentimento,
si
.
—a
Victoria
portanto, que
^
.
camponezas que andam pelos campos ceifando,
as pobres
com
e vão á tarde para as pontes e as cercas tagarellar
os noivos. Este livro é
numa prisão.
Eu gostaria
como que uma
janella aberta
de lêl-o, certa de que elle será
cellente estudo de
uma
alma, revelação de
uma
desconhecida e nobre, cuja interpretação é esta
ciã de
e
a única maneira que ella tem de se
mesma que ella é —
carne e osso, da mesma espécie,
fazer lembrar a
mulher de
uma
uma
um
ex-
tortura
:
a an-
rainha por ser antes, e mais que tudo
—
a
Mulher.
Em
toda a sua biographia só entrevi, talvez mal,
traço ligeiro de vaidade.
Sua Magestade Britannica,
um
of-
ferecendo o sen jornal ao grande romancista Dickens
escreveu
((
tores,
:
;
Como
o
dom
de
um
ao maior de todos.
dos mais humildes escrip»
^
.
Talvez que este livro expontâneo, espelho de
alma em toda a sua intimidade^ dê
direito ao titulo
uma
que
a rainha se arrogou.
Que observações
finas e curiosas teriam essas pagi-
nas commentadoras de actos e de personagens da Corte,
se a
mão da
soberana, trocando o sceptro pela penna, a
empunhasse, não como derivativo de saudade amarga,
mas como um instrumento que tudo revolve em busca
da Verdade
O livro
de
uma
rainha tem de ser nublado pelos pre-
-
fit^gf^KXmrtirTyr^" m^x^siC^
— -.- »
•
t .--.,.. ..-•jy^-^
.
">^ '^^-^^'
^^
'.;.",•
Si
.vf^-.í-í^^/J^f
'
»
"V^StT
LIVRO DAS DONAS E D0N7.ELLAS
186
conceitos o as conveniências. Muitas linhas teriam sido
riscadas, quando, deixando de ser
álbum intimo, esse
confidente discreto passou a ser livro publicado.
a
Todavia, o que naturalmente o torna encantador, é
sua essência, a expansão ingénua da felicidade ao al-
cance de qualquer.
.
Tnlvez tivesse sido esse o segredo da popularidade
da rainha.
O
povo
ama
os
simples e reverencia, sobre
todas, as qualidades do co-
ração.
Não
tardará que essas
decantadas,
virtudes
atravessem
^^^ inglezes e can-
.fl^^H^B^^^^^feí
^^^^^i». ^^^^KH
I
*^'
con-
idy liças,
ç-^g
como embryão de
/
H^^^^^^^^^^^^^^^^
formosas e futuras
lendas.
O
tocante
episodio da offerta
'
ú
filha
de
um
de
um
camponez, annos depois de
brinquedo
feita a pro-
messa, interromj)ida por viagens e altas preoccupações
de estado, servirá de assumpto magnifico para historias
do Natal,
em que
as creanças que hão de vir, antes de
conhecer a rainha da Historia, comecem a amar a mulher do conto...
Assim, a
rrfin/ia boni
ginas, conduzida pelas
associou,
Eu
(imada, surgirá
mãos
d'aquelle a
em
varias pa-
quem
ella se
chamando-se escriptora.
quizera,
sempre a exigência da perfeição
!
que,
! \-W.
:
'-^
ir.
í
187
O ULTIMO SONHO DA RAINHA
para a apotheóse de tão clara e amorosa existência, a
velha Rainha da Inglaterra e Imperatriz das índias, so-
erguendo-se no
leito
de morte, com o esforço supremo da
sua vontade soberana, tivesse pedido aos seus ministros
e ao
novo
rei,
seu filho, a terminação da guerra sul-
africana.
Dizem que do mal
senhora. Quero crêl-o
d'esta guerra se finou
;
a velha
e só assim concebo a suavidade
da sua morte.
A dôr,
que não pôde ser expressa, por conveniências
e por orgulhos de Estado, e
que ficou abafada no ultimo
suspiro, deve vibrar agora
como um remorso na con-
sciência dos que a provocaram.
Triste,
o
deixa morrer
A
brilhante destino dos
como
que nem os
reis,
os demais christãos
:
alma da rainha-imperatriz muito
perdoando
se
!
mostrara ao
Com a percepcomo em um livro
seu povo para que elle não a conhecesse.
ção aguda do instincto,
elle lê nella
por isso afíirma que era infinito o desgosto da sua sobe-
rana ao fechar os olhos para o ultimo somno.
Era infinito
o seu desgosto
;
mas, se
em
vez de oitenta
annos a Rainha Victoria tivesse quarenta, teria sabido
morrer de outra maneira.
Então, o rumor surdo das armas
em
combate, des-
cançando no solo ainda fumegante da batalha, soaria
mais alto que todas as orações e que todos os sinos das
abbadias e das cathedraes. Esse devia ter sido o ultimo
sonho da Rainha.
Advinhando-o, todo o seu povo
cero, os jardins do
se cobre de lucto sin-
Reino despojam-se das suas hôres,
as viuvas e os orphãos não a amaldiçoam.
e
;
LIVHO nAS DONAS E DONZELLAS
188
As
virtudes altissimns do seu espirito e do seu ca-
racter são mencionadas
em
todas as linguas da Terra
o telegrapho espalha o seu
nome
ha em todo este movimento
um
pelo
mundo
inteiro, e
respeito singular e pro-
fundo pela mulher cujo conselho, cuja prudência e cujo
acerto, desenvolveram,
ampararam
mais poderosa nação do Globo,
e triste, por
e
que
e enriqueceram a
afinal,
morre calada
não poder realizar o seu ultimo sonho
9<l
I
^^2^7<"
•
-í
'V-
PREDESTINAÇÃO!
QUANTOS
quelle
e
quantos dias se passaram depois d'a-
em
que a mão divina de Shakespeare es-
creveu no seu immorredouro Hamlet
«
There are things in heaven and hearth, Horatio,
Than
E
:
are dreamt of in your philosophy.
ainda hoje, como talvez d'aqui a
amanhã,
se continua a sentir o
.'•
um
longuissimo
mesmo que
o principe
<*'
"T^iijjj/uy..
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
190
da Dinamarca affirmava ao amigo
céo e na
que ha coisas no
:
que não são suspeitadas pela philo-
terra
sophia....
Por mais que as sciencias victoriosas dêm ao ho-
mem moderno uma
um
acorrentado por
sivel
idéa positiva da vida, elle sente-se
mundo
doce phantasma ao
invi-
que abre á sua imaginação inquieta perspectivas
infinitas.
O
tudo nega,
mais independente
encontra
lá
um
quiçá mais
e,
que
feliz,
caminho uma
dia no seu
interrogação a que não sabe responder e que o obriga
a levantar os olhos
Uma
com
espanto.
crença que nasce,
presentimento,
um
uma
aceno do nada,
para ligar muita vez,
um
visão que passa,
um
sopro, bastam
mesmo que momentaneamente,
o espirito mais livre ao singular encanto do mysterio.
De resto, não ha quem não conte, ainda que vagamente,
com o auxilio da sorte, o que é ainda acreditar nas
determinações do desconhecido, certos como estamos
nem
que
<(
se
tudo dependerá nunca de nós mesmos.
Deus quizer
»,
—
atheus
uma
Toda
significação, inexplicável,
a gente conta
vae regendo
os
uma
que é para os déistas
mula sem contestação, não deixa de
com uma
ter
mas
O
—
for-
na boca dos
sincera.
força superior que
destinos humanos, impassivelmente,
atravez dos séculos, e de que se
emana todo
todo o mal da nossa alma.
Haverá quem viva na terra
bem
o
e
•"•
.
só pela terra,
.
.,
i
sem outra
preoccupação que a da hora porque está passando e o
trabalho sobre que está curvado ?
Não conhecendo
o
embalamento da esperança amiga, a mais perceptivel
das creações sonhadas,
como poderá
esse ente archi-
•
''•-
í
:-,-^:^
•
-^
-
-
-
*•
#
PREDESTINAÇÃO
191
de susto ou de
em que nos abrigamos nos momentos
enfado ? Sem o mundo irreal, já não me
lembro quem
perguntou, não seria insupportavel o
tectar os castellos
mundo visivel ? E para que nos cançarmos procurando
em vão, sempre em vão, adivinhar o que nos parece
apenas presentir
?
Para esta fome da alma, nunca
satisfeita,
nunca
apaziguada, nasceram as religiões, que se transformam
mas não acabam, e que ainda assim não bastam, visto
que mesmo os homens mais religiosos não são alheios
á superstição.
Fatalidade
!
eis
a palavra que sem explicar nada
tudo explica, e é como (jue
um
grande manto de cle-
mência atirado sobre todos os crimes e todas as obsessões.
Um
dia entrou-me
bellos brancos e
em
casa
um
cavalheiro de ca-
mãos tremulas, cansadas do trabalho
bemdicto de apontar ás creanças as lettras do
Deve
ser conhecido ahi pela cidade;
AB
C.
tem setenta
annos, ainda moureja, e passou toda sua vida clareando
o espirito dos analphabetos.
Quando
Ahi está
um
trabalho
!
o vi entrar, por elle ser velhinho dei-lhe a
melhor cadeira, e como sou da raça dos que
amam
ouvir historias, prestei-me a ouvir a sua.
Têm
reparado ? Para os velhos não ha prazer com-
parável ao de contar a sua vida. Relembrando as horas
rapidíssimas do prazer, ou as lentas da agonia, luzemIhes
nas
pupillas, atravez
da névoa da velhice, que
—
com mais acerto se deveria chamar
nevoeiro da saudade
uma claridade branda, de primavera.
É uma ternura, um rejuvenescimento da alma, que
—
LIVRO DAS DONAS E DONZELLAS
192
çtvir>--
attestam, mais que tudo,
O
cariniio
com que
como a vida
Sou
um
bôa
e
amada!
são lembrados os dias da mocidade,
tão passageira^ tão fugitiva
«
é
i
!
predestinado, dizia-me elle; não acredita
na predestinação
?
Sete vezes o fogo reduziu a cinzas
!
PREDESTINAÇÃO
OS
meus haveres
me
e
Nasci para reagir...
Na
um incêndio
reno, levantou os
No
deixou nú, quasi a pedir esmolas
»
primeira vez, contou-me,
quando
193
ainda era moço
elle
lhe devorou o negocio. Forte e se-
hombros
— Paciência
e disse
!
dia immediato ao do desastre recomeçou a tra-
balhar para reconstruir o que as labaredas tinham des-
Pouco a pouco, com economia
feito.
e
ambição de for-
tuna, angariou alguns contos de réis. Casou então, teve
um
filho, e
quando maior numero de promessas lhe
fazia o futuro, veio outro incêndio
que lhe levou até o
berço do filhinho.
Mas
elle
Paciência
!
ainda era moço e tinha confiança
—
murmurou
em
—
si
ainda, e recomeçou na can-
ceira.
Não me lembram
esse novo Job cavou
as minúcias do
e perdeu successivamente
fortunazinhas, duramente adquiridas.
pressionou não
drama em que
O
que
sérias vae a gente ficando preparada para as
novidade
tristeza
«
me
uma
deu
desfecho, contado
com
sensação de
simplicidade e
A
sétimo incêndio, fiquei sem ter que
mulher tinha morrido, o
vizinho, condoído,
para
que
mais dolo-
:
Depois do
vestir.
Um
foi este
O
me im-
á força de lêr e de ouvir mi-
foi isso;
rosas confidencias.
sete
um
filho estava fora.
deu-me umas roupas
par de botinas, visto que eu nunca
mara a andar descalço
e as
e dinheiro
me
acostu-
que trazia estavam
em
misero estado.
Fui ao
ageitar
meu
velho sapateiro, único
o couro
nos meus pés
homem
que sabia
doloridos; fiz-lhe
a
'" '
r'->:_
I,.
t
'
LIVRO DAS DONAS K hONZELI.AS
1!)1
Giiconimendn,
pa^íuoi-lh';! c
canto de empréstimo
em
resignado para o
voltei
(jue
eu descan!:>ava os ossos
"''
magoadissimos.
Estava cansado, mas não desanimado; mais uns
e eu voltaria para o
dias de repouso, eml)ora |)oucos,
cepo a recomeçar a vida pela oitava vez
Uma
de
manhã, appellando
homem,
filho
desci
me
que
;i
!
toda a minha energia
])ara
cidade a trabalhar para o ultimo
restava.
Havia ainda alguém que preci-
sava da minha coragem e da minha força, e esse alguém
seria servido.
Para apresentar-me no emprego era mister que eu
fosse antes calçar as botinas novas
dirigi-me para a
;
em um montão
sapataria e encontrei-a transformada
cinzas
:
ardera toda na véspera; só havia de pé uns
restos de
surpreza
de
paredes e humbraes carbonizados
foi
!
Minha
tamanha, que não cria nos meus olhos; e
eu, (jue já sete vezes tinha visto destruída pelo fogo a
minha propriedade, ganha com tanto
sacrifício; eu,
esforço e tanto
que por causa de incêndios passara
uma
humilhações e trabalhos sem conta, sempre com
resignação que
nem
sei
me
de onde
d'aquelle ])ar de botinas succumbi
chorei
como uma creança
meu
amor
pela ]»i'imeira vez,
!
Percebi então claramente que
o
e,
vinha, por
pol"
em
vão luctaria contra
destino. Agora, já serenado, espero o oitavo in-
cêndio, que consumirá os
minha carne. »
Assim fallou
meus
ossos e purificará a
o velho de barbas brancas e
mulas, que tão vivamente
me
trazia á
mãos
tre-
lembrança o
experimentado varão da terra de Hus. Job, tosquiando.
"'0
A
Wii^
L-.
PREDESTINAÇÃO
ji
195
cabeça e rasgando os vestidos, sentou-se
turo a raspar
corpo,
em
com um caco de
num mon-
telha a immundicie do
servidão espontânea aos mandados de Deus.
Este novo Job, comquanto certo de
uma
perseguição
com
chega para onde ouve fallar em
mysteriosa que o ha de vencer, lucta, trabalhn
pertinácia, e ainda se
com o sentido de ensinal-as a lêr!
Emquanto se vive trabalha-se », resumiu elle ao
despedir-se de mim.
Sim; agora, como nos tempos antigos, ha coisas no
creancinhas,
((
céo e na terra que não são
philosophia
;
mas a verdade
nem
sequer sonhadas pela
é que a maneira de gosar
ou de soffrer a influencia d'essas coisas impenetráveis,
é hoje, ainda
bem para nós
dos dias de Job
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!
todos, muito differente da
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—
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índice
PRIMEIRA PARTE
Minhas Amigas
7
Natal Brasileiro
11
Conventos
17
Vestuário Feminino
,..»...
.....
23
Arte de envelhecer
29
A mulher brasileira
Uma carta
A agua
35
Em
....
47
guarda
53
Porquê?
61
,:
Formalidades
Para a morte
41
67
.'v-:^^
!.......
.
71
'^. /
SEGUNDA PARTE
Folhas de
uma
Chiromancia
carteira
•
,
81
•
99
Arte culinária
105
Amuletos
111
Os Beijos
117
f
'•
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„ -iL-^zy».*^.^- 3:7^^J"^-
*è^
198
índice
TERCEIRA PARTE
As arvores
As
125
flores
.
Harmonias
Um
testamento.
133
143
.
149
,
Orphãos de heroes
157
Carta
165
Brutos
O
!
173
,
ultimo sonho
Predestinação
183
.
189
.f-
Parte do programma referido 110 capitulo das Flores
foi realisado pela Associação das Creanças Brasileiras
na sua exposição de Flores de 1903.
v#
>
Typ. AiLLAUD.
—
Paris

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