18/09/2009

Transcrição

18/09/2009
INCENTIVOS FISCAIS
Agostinho Toffoli Tavolaro *
12345 -6 --
INTRODUÇÃO
UBICAÇÃO DA MATÉRIA
A MOTIVAÇÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS
O PODER DE NÃO TRIBUTAR CONVERTIDO EM PODER DE CONSTRUIR
INCENTIVAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO
TÉCNICAS FISCAIS DE INCENTIVAÇÃO
6.1 - ISENÇÃO DE TRIBUTOS
6.2 - REDUÇÃO DE ALÍQUOTAS - ALÍQUOTA ZERO
6.3 - DIFERIMENTO TEMPORÁRIO
6.4 - CRÉDITO PRESUMIDO DE IMPOSTO
6.5 - RETORNO INDIRETO - CRÉDITOS NO SISTEMA FINANCEIRO PARA
PAGAMENTO DE TRIBUTOS
6.6 - DEPRECIAÇÃO ACELERADA
6.7 – REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO
7INCENTIVOS REGIONAIS E SETORIAIS
8A VISÃO DOS INCENTIVOS NO COMÉRCIO INTERNACIONAL
9OS PARAÍSOS FISCAIS
10 -- GUERRA FISCAL – HARMFUL COMPETITION ENTRE PAÍSES
10.1 - UNIÃO EUROPÉIA – O CÓDIGO DE CONDUTA
10.2 - A “UNFAIR COMPETITION” NA OECD
10.3 – O POSICIONAMENTO DO BRASIL FACE ÀS RECOMENDAÇÕES
11 - GUERRA FISCAL ENTRE ESTADOS E ENTRE MUNICÍPIOS - O PROBLEMA
NOS PAÍSES FEDERADOS
12 – A GUERRA FISCAL SOB O PONTO DE VISTA NACIONAL
13 - - A GUERRA FISCAL SOB O PONTO DE VISTA DOS ESTADOS
14 -– A GUERRA FISCAL E OS MUNICÍPIOS
15 – APRECIAÇÃO CRÍTICA DOS INCENTIVOS FISCAIS
16 – O “XIS” DO PROBLEMA
17 – GUERRA FISCAL E REFORMA TRIBUTÁRIA
18 – CONCLUSÕES
*
- Advogado Sócio Diretor de TAVOLARO E TAVOLARO - ADVOGADOS – Campinas - São Paulo.
- Vice Presidente da IFA – INTERNATIONAL FISCAL ASSOCIATION – 1983/1985.
- Membro do Comitê Permanente Científico da IFA - INTERNATIONAL FISCAL ASSOCIATION –
Amsterdam – Holanda (1990/2000).
- Presidente da ABDF - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITO FINANCEIRO (1996/1998) –
Atual Vice-Presidente – Rio de Janeiro – Brasil.
- Acadêmico da Cadeira nº 14 da ABDT - ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO TRIBUTÁRIO –
Vice-Presidente – São Paulo – Brasil.
- Professor de Direito Comercial na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas - São Paulo – Brasil.
- Presidente Honorário da Amcham Campinas de 2004 até hoje.
- Presidente do Conselho Diretor da ONG Viva Campinas
- Autor de vários trabalhos em Direito Tributário publicado em 8 países.
1
1 - INTRODUÇÃO
Havendo gozado de grande prestígio em todo o mundo nas décadas de
50 a 80, servindo como lastro ao desenvolvimento de regiões em baixo estado de
situação econômica, como o Mezzogiorno na Itália e Porto Rico, nas Antilhas, os
incentivos fiscais chegaram a ser vistos como panacéia para remediar os males do
subdesenvolvimento.
Em nosso país foram utilizados em larga escala, seja para favorecer a
implantação ou o incremento de setores industriais (indústria automobilística,
indústria aeronáutica, pesca, turismo, etc.), seja para promover o desenvolvimento
de regiões geográficas (SUDAM, SUDENE, etc.).
Posteriormente colocada em questão sua eficiência, continuam, porém,
a ser utilizados em grande escala, razão porque seu estudo se impõe nos dias de
hoje, tanto mais que, em tempos de globalização da economia e crescimento do
comércio mundial a matéria cresce de expressão, dando origem a "guerras fiscais"
entre países, e dentro dos países, entre regiões (províncias ou estados e ainda
municípios).
2 - UBICAÇÃO DA MATÉRIA
O primeiro problema que se antolha a quem busca examinar a matéria
dos incentivos fiscais é colocá-la adequadamente dentro das ciências sociais e, se
dentre elas o direito, em qual dos ramos deste.
Fato social que são os incentivos, apresentando motivações as mais
diversas como adiante se verá, economia, ciência das finanças, direito econômico,
direito financeiro, direito e direito tributário podem ser chamados a analisá-los, em
suas diferentes facetas, aplicando em seu estudo seus princípios e métodos
específicos.
No presente trabalho olharemos a matéria principalmente de um ponto
de vista do direito tributário, embora, ao concluir, apresentemos visão geral, eis que
a par da juridicidade não se pode deixar de avaliar os incentivos sob o ponto de vista
de seu impacto na vida quotidiana dos negócios e da política fiscal, sob pena de se
sacrificar no haras de um pseudo cientificismo a própria essência social do direito.
3 - A MOTIVAÇÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS
Encontram os incentivos fiscais motivações as mais diversas, dentro as
multifárias expressões que fornece a realidade quotidiana, dentre elas podendo se
elencar, como fez HENRY TILBERY 1 para as isenções:
1
TILBERY, Henry.
Base econômica e efeito das isenções. “in” Incentivos Fiscais para o
Desenvolvimento. Coordenador ANTONIO ROBERTO SAMPAIO DORIA, José Bushatsky:
S.Paulo, s/data, p. 19, nº II.2.
2
a) Motivos sociais: ex.: isenção do imposto de renda sobre o mínimo
indispensável à subsistência, isenção dos impostos indiretos sobre
gêneros de primeira necessidade, etc.;
b) Fomento cultural e educacional;
c) Motivos filantrópicos e humanitários;
d) Motivos políticos: ex.: isenção do imposto de importação de bens de
embaixadas e missões diplomáticas;
e) Motivos administrativos: ex.: isenções de imposto sobre serviços de baixa
produtividade fiscal e difícil arrecadação (relação custo/beneficio);
f) Motivos econômicos ex.: desenvolvimento setorial (indústria, agro-pecuária,
pesca, hotelaria, turismo, exportações, etc.) e regional.
4 - O PODER DE NÃO TRIBUTAR CONVERTIDO EM PODER DE CONSTRUIR
A memorável decisão de 1819 da Suprema Corte Americana, em
Mc.Culloch vs. Maryland, que propiciou a célebre frase de MARSHALL "the power to
tax involves the power to destroy", encontra ainda aplicação reversa no que se refere
aos incentivos fiscais, quando o poder de não taxar envolve o poder de construir,
seja implantando uma atividade industrial, seja dando condições econômicas ao
exercício de atividades tradicionais, seja buscando o desenvolvimento de regiões
geográficas subdesenvolvidas.
Evidente que a supressão da carga fiscal, ou sua redução tem
condições de acarretar a instalação de empreendimentos em áreas geográficas até
então não elegíveis para a sua implantação, ou a melhoria dos empreendimentos já
instalados, construindo-se um arcabouço para o desenvolvimento.
5 - A INCENTIVAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
A leitura da Constituição Federal de 1988 demonstra que ali se previu
a incentivação de atividades e regiões, dentro aliás, de um espectro que transcende
aos incentivos fiscais.
Veja-se, inicialmente, que na Constituição encontramos as imunidades
tributárias previstas no art. 150, VI, que vedam a instituição de impostos sobre os
templos de qualquer culto ( alínea "b"), patrimônio, renda ou serviços dos partidos
políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos (alínea "c") e
sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão (alínea "d").
3
Identificado o objetivo dos preceitos constitucionais de imunidade como
assecuratórios da liberdade de consciência e de crença ( art. 5o, incisos VI, VII, e
VIII), de convicção filosófica ou política e exercício da cidadania (arts. 5o., VIII, e
art.17), da liberdade sindical (art.8o.), do direito à educação e à cultura (arts. 205 e
215), do direito à assistência social (art. 194) e da liberdade de pensamento e de
palavra (art. 5o., IV e IX), inegável é que atuam os mesmos como incentivadores das
atividades que dão corpo a essas liberdades, fundamentais no estado democrático
de direito.
Ainda no mesmo artigo 150 encontramos o § 6o., com a redação que
lhe deu a Emenda Constitucional nº 3 de 1993, exigindo lei específica para a
concessão de incentivos, em uma linguagem ampla, como segue:
"§ 6o. - Qualquer subsidio ou isenção, redução de base de cálculo,
anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só
poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou
municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas
ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto
no art. 155, § 2o., XII, g."
Feita a remessa ao art. 155, § 2o., XII, "g", vemos que, quanto ao
ICMS, cabe á lei complementar:
"g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do
Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão
concedidos e revogados".
E a preocupação do constituinte com a aplicação dos incentivos se
espelha, ainda, no § 6o. do art. 165 da Constituição Federal, quando se preceitua a
especificação, no projeto de lei orçamentária, dos efeitos desses incentivos, como
segue:
"§ 6o. - O projeto de lei orçamentária será acompanhado de
demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas,
decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de
natureza financeira, tributária e creditícia."
No que se refere às várias modalidades de incentivos fiscais, temos
que o art. 43, § 2º, visando a ação da União no que se refere ao desenvolvimento
das regiões e redução das desigualdades regionais elenca, nos incentivos regionais,
os itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público, política creditícia
e incentivos tributários, como segue:
4
“Art. 43 - .....................................
§ 2º - Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na
forma da Lei:
I - igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e
preços de responsabilidade do Poder Público;
II - juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias;
III - isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais
devidos por pessoas físicas ou jurídicas;
IV - prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das
massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa
renda, sujeitas a secas periódicas.”
Também o art. 179 prevê tratamento jurídico diferenciado para as
microempresas e empresas de pequeno porte, quanto à eliminação ou redução de
suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, "verbis":
“Art. 179 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte,
assim definidas em Lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a
incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas,
tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução
destas por meio de lei.”
Além disso, encontramos ainda na Lei Magna as disposições tópicas
de seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em seu art. 41. ,
ordenando a reavaliação dos incentivos setoriais, sua revogação e o respeito aos
direitos adquiridos nos casos de concessão sob condição e a prazo certo, e a
reavaliação dos incentivos concedidos por convênios entre estados (visando o
ICMS).
Quanto aos incentivos fiscais regionais, encontram eles, além de no
art. 43 já citado, sua âncora maior no art. 151, I, da Lei Maior, onde expressamente
se excepciona o principio da uniformidade da tributação em todo o território nacional:
“Art. 151 - É vedado à União:
I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou
que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito
Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão
de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do
desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;”
5
E o item III do mesmo artigo 151. veda à União as isenções
heterônomas, expressamente proibindo-a de
"III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do
Distrito Federal ou dos Municípios".
A esse princípio consagra a Lei das Leis exceções poucas e tópicas,
quais as relativas ao ICMS, no art. 155, § 2o., cujo inciso XII, alínea “g” designa a lei
complementar como o instrumento para regular isenções, incentivos e benefícios
fiscais, além de preceituar sobre a exportação, e as relativas ao ISS, no art. 156, §
3o., "verbis":
"Art. 155, § 2o
XII - cabe à lei complementar:
e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior,
serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, a."
"Art. 156, § 3o.
Em relação ao imposto previsto no inciso III:
I - ...
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.” ,
exigindo ainda a lei complementar como veio legal para regular a forma e as
condições como isenções, incentivos e benefícios legais serão concedidos e
revogados em seu III.
Em um e outro caso visando a exportação de mercadorias e serviços,
pois, como com propriedade anota MIZABEL ABREU MACHADO DERZI,
"A União, utilizando-se da faculdade outorgada pela Constituição, no
art. 155, § 2º, XII, concedeu isenção ampla do ICMS a todas as
exportações brasileiras, inclusive produtos semi-elaborados, por meio
da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996.
É que a norma adotada no mercado internacional é aquela de
desoneração das exportações, de tal modo que os produtos e serviços
importados cheguem ao país do destino livres de todo imposto, aliada à
tributação sistemática das importações. Seria agressivo à regra da
livre concorrência e aos interesses nacionais por em posição
desfavorável a produção nacional, que sofre a incidência do IPI e do
ICMS. Daí a necessidade de se fazer incidir o IPI e o ICMS sobre a
importação de bens e produtos.
Em contrapartida, impõe-se a
6
desoneração total das exportações nacionais, o que foi implementado,
corretamente, pela Lei Complementar nº 87/96.” 2
Finalmente, cumpre ainda acrescentar, como restrição à concessão de
incentivos tributários, o preceituado no artigo 152:
“Art. 152 - É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer
natureza, em razão de sua procedência ou destino.”
No plano infra-constitucional, não há que se olvidar, por sua relevância,
a lei de responsabilidade fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) que à matéria
dedica seu artigo 14, sob o título renúncia de receita onde engloba “anistia,
remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral,
alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução
discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a
tratamento diferenciado”.
6 - TÉCNICAS FISCAIS DE INCENTIVAÇÃO
A própria enunciação do artigo 43, III, da Lei Magna, aponta a senda
dos incentivos tributários, que ali são nomeados como isenções, reduções ou
diferimento temporário.
6.1 - ISENÇÕES
Sem nos determos no estudo da natureza das isenções tributárias,
resenhado, criticado e elaborado pelos estudiosos, desde a concepção clássica de
RUBENS GOMES DE SOUSA3 e AMILCAR DE ARAÚJO FALCÃO4 , passando
por ALFREDO AUGUSTO BECKER5 , JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES6 , PAULO
DE BARROS CARVALHO7 , ROQUE ANTONIO CARRAZA8 , LUCIANO DA SILVA
2
DERZI, Mizabel Abreu Machado. Direito Tributário Brasileiro, ALIOMAR BALEEIRO. Forense: Rio,
1999, 11a. ed., notas atualizadoras, p.945.
3
GOMES DE SOUSA, Rubens. Compêndio de Legislação Tributária. Resenha Tributária: S.Paulo,
ed. póstuma, 1975, no. 23, p.97.
4
ARAÚJO FALCÃO, Amilcar de. Fato Gerador da Obrigação Tributária. Ed. Financeiras: Rio, 1964,
nº 37, p. 132.
5
BECKER, Alfredo Augusto.
6
SOUTO MAIOR BORGES, José.
Isenções Tributárias. Sugestões Literárias: S.Paulo, 1969,
capítulo IV, § 2º, X, p. 188.
7
BARROS CARVALHO, Paulo de. Curso de direito Tributário. Saraiva : S.Paulo, 5ª Ed., 1991, p.
328.
8
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. Malheiros: S.Paulo, 1997,
9ª Ed., p. 442.
7
AMARO9 , HUGO DE BRITO MACHADO10 , RICARDO LOBO TORRES11 ,
MIZABEL ABREU MACHADO DERZI12 e SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO
13
, cabe-nos aqui somente apontar que são elas de larga utilização para a finalidade
específica de incentivação, não devendo estas ser confundidas com os incentivos,
dos quais revelam-se meros instrumentos14 .
De se lembrar, no que tange as isenções, que não mais podem ter
lugar as isenções heterônomas e que as isenções do ICMS deverão ser concedidas
pelos estados membros da federação somente mediante convênios (Constituição,
art. 155, § 2o., XII, g). Sobre o assunto voltaremos, na seqüência, ao tratarmos da
guerra fiscal entre as unidades federadas (estados e municípios).
6.2 - REDUÇÃO DE ALÍQUOTA - ALÍQUOTA ZERO
Como técnica de incentivação apresenta-se ainda a redução da
alíquota, entendida por muitos como isenção parcial, o que é negado por SACHA
CALMON NAVARRO COÊLHO para quem isenção ou é total ou isenção não é,
porque isenção consiste em ser modo obstativo ao nascimento da obrigação15 .
Maior dissenso na doutrina reside, no entanto, na qualificação jurídica
da alíquota zero, ou seja, quando, principalmente no IPI, tem-se o produto como
tributado, porém a alíquota do tributo é fixada em zero. Vista por alguns como
isenção16 e por outros como mera exoneração quantitativa interna17 , essa
qualificação apresenta notáveis conseqüência práticas, vez que, entendida nesse
ultimo sentido, dispensa lei que a restaure, podendo ser aplicada de imediato a nova
alíquota do tributo.
São exemplos recentes de redução de alíquota ou de alíquota zero as
medidas constantes da Lei nº 11.196, de 21/11/2005, que instituiu o REPES –
Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de
Tecnologia da Informação, o RECAP – Regime Especial de Aquisição de Bens de
Capital para Empresas Exportadoras e o Programa de Inclusão Digital.
9
AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. Saraiva: S.Paulo, 1997, nº 9.1, p. 264.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Malheiros: S.Paulo, 1993, 8ª Ed. nº 5.2,
p. 153.
11
LOBO TORRES, Ricardo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Renovar: Rio, 1999, 6ª Ed., nº
21.3, p. 262.
12
DERZI, Mizabel Abreu Machado, op. cit., p. 915.
13
COELHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro. Forense: Rio, 1999, nº
5.11, p. 166.
14
CARRAZA, Roque Antonio. Op. cit. p. 443.
15
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. nº 5.17, p. 177.
16
DERZI, Mizabel Abreu Machado. Op. cit. p. 929.
17
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. nº 5.17, p. 173.
10
8
6.3 - DIFERIMENTO
Consiste o diferimento temporário em se conceder ao contribuinte
incentivado maior prazo de pagamento do tributo.
Nessa categoria entendemos incluir-se a suspensão de pagamento do
tributo, aplicada especialmente no IPI, no II e no ICMS. Assim é que, nos regimes
especiais aduaneiros, encontramos a suspensão, por exemplo, do II e do IPI na
importação para os entrepostos industriais.
6.4 - O CRÉDITO PRESUMIDO DE IMPOSTO
Adotada essa técnica de incentivação, presume-se, a favor do
contribuinte, credito de tributo nas aquisições anteriores, ainda que resultem tais
aquisições de produtos isentos ou não tributados.
6.5 - RETORNO INDIRETO - CRÉDITOS NO SISTEMA FINANCEIRO
PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS
Escapando ao enquadramento ortodoxo de incentivo fiscal, foi utilizada
no Brasil, por vários Estados federados, a técnica de se conceder ao contribuinte,
através de organismos financeiros de que o Estado federado era acionista
controlador (bancos comerciais estaduais ou bancos de desenvolvimento), créditos
correspondentes ao valor do tributo a ser pago.
Com isso, extinguia o contribuinte sua obrigação tributária pelo
pagamento, ficando como devedor do organismo financeiro, de uma dívida de perfil
alongado no tempo, suscetível, inclusive, de prorrogações.
6.6 - DEPRECIAÇÃO ACELERADA
Incidindo o imposto de renda das pessoas jurídicas sobre o lucro real
por elas apurado (no caso de empresas sujeitas ao imposto sobre o lucro real) e
sendo esse lucro determinado pela soma algébrica de receitas, custos e despesas, o
exame da legislação vigente, consolidada no vigente Regulamento do Imposto de
Renda (Dec. 3.000, de 26/03/99, doravante RIR) demonstra que a depreciação dos
bens do ativo imobilizado da empresa pode ser computada como custo ou encargo
(RIR - art. 305), depreciação essa correspondente à diminuição do valor dos bens
9
do ativo resultantes do desgaste pelo uso, ação da natureza e obsolescência
normal.
Estabelecida a taxa anual de depreciação pela Secretaria da Receita
Federal (RIR - art. 310, §1o.), é admitida a adoção de coeficiente de depreciação
acelerada "com o fim de incentivar a implantação, renovação ou modernização de
instalações ou equipamentos" a vigorar durante prazo certo para determinadas
indústrias e atividades” (RIR - art. 313), estando apontadas como incentivadas para
fins de utilização de depreciação acelerada:
a) a atividade rural - depreciação integral do bem no próprio ano da aquisição
(RIR - 314);
b) a atividade industrial - bens novos relacionados em ato do Ministro da
Fazenda, adquiridos entre junho/91 e dezembro/93, taxa multiplicada por dois
sem prejuízo da depreciação normal (RIR - 315);
c) a atividade industrial - bens novos adquiridos entre 01/92 e 12/94 depreciação em 24 quotas mensais (RIR - 316);
d) atividade comercial - aquisição de equipamentos emissores de cupom
fiscal - depreciação em dobro ( RIR - 317);
e) atividades que utilizem equipamentos relacionados na Lei 9393/97 adquiridos entre 06/95 e 12/97 - depreciação em dobro (RIR - 318);
f) Programas setoriais integrados - aprovados pelo Conselho de
Desenvolvimento Industrial - CDI, até 06/93 - bens novos de produção
nacional - depreciação em dobro (RIR - art. 319);
g) Programas de desenvolvimento tecnológico - PDTI e Programas de
desenvolvimento tecnológico agropecuário - PDTA - depreciação em dobro
(RIR-320 e 321);
h) Programas BEFIEX - produção de bens destinados à exportação
depreciação em dobro (RIR - art. 322);
-
i) Obras audiovisuais - depreciação em 24 quotas mensais (RIR - art. 323).
Embora tecnicamente diversa, há de se apontar que a quota de
exaustão de recursos minerais também é objeto de incentivo (RIR - arts. 331 a 333).
10
6.7 - REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO
A técnica de redução da base de cálculo também encontra utilização,
principalmente no que diz respeito aos impostos indiretos (ICMS, IPI e II).
7 - INCENTIVOS REGIONAIS E SETORIAIS
Os incentivos a determinados setores produtivos constituem-se em
prática constante, visando sempre ao incremento de atividades, principalmente
agrícolas e industriais, que se apresentem como fundamentais ao desenvolvimento
e ao bem estar social, ou como integrantes de funções estratégicas para a
consecução de objetivos econômicos. De amplo espectro, abrangem tais incentivos
os setores mais diversos da atividade humana, indo desde a produção agrícola,
passando por atividades industriais até a promoção e o estímulo à cultura nas suas
mais variadas expressões.
Os incentivos regionais encontram sua razão de ser na disparidade
econômica e social que o Brasil apresenta como país-continente que é, visando
corrigir ou ao menos atenuar essas diferenças, atendendo a áreas geográficas que
apresentem peculiaridades e discrepâncias com os objetivos constitucionais
fundamentais previstos no art. 3º da Lei Maior, em especial a garantia do
desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a
redução das desigualdades sociais e regionais.
8 – A VISÃO DOS INCENTIVOS NO COMÉRCIO INTERNACIONAL
Extremamente suscetíveis as práticas de comércio internacional às
influências tributárias, pois, como alhures já referimos, toda solução tributária causa
problemas de comércio e toda solução de comercio acarreta problemas tributários 18,
inevitável que os organismos máximos das operações internacionais de comércio
(GATT e OMC) se ocupassem dos incentivos fiscais.
Examinados os incentivos pelo ângulo do comércio internacional,
vemos que o GATT 1947, em seu art. XVI, ao versar sobre subvenções, as dá como
abrangentes de “qualquer forma de proteção ou sustentação de preços que tenha
direta ou indiretamente por efeito elevar as exportações de um produto qualquer do
território ... ou reduzir as importações do mesmo no seu território” enquadrando-se
como subsídios, no conceito que deles dá o Acordo sobre Subsídios e Medidas
18
TAVOLARO, Agostinho Toffoli. “OMC: Subsídios Tributários”, “in” Direito Tributário. Coord. IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS e ALEJANDRO C. ALTAMIRANO, São Paulo : Thomson/IOB,
2005, p. 40.
11
Compensatórias da OMC (referido quase sempre pelos autores como SCM
Agreement (Subsidies and Countermeasures Agreement), resumido por ADILSON
PIRES RODRIGUES “verbis” “todo auxílio oficial, de ordem financeira, cambial,
comercial ou fiscal, concedido direta ou indiretamente ao industrial, assim como ao
exportador ou grupo de exportadores, estabelecido em uma área geográfica, com o
fim de estimular na exportação de determinado produto”19.
Cabe aqui apontar que a lista ilustrativa de subsídios à exportação
(Anexo I ao SMC Agreement), no que se refere aos subsídios tributários assim os
exemplifica:
“Alínea “e” – Isenção, remissão ou diferimento, total ou parcial,
concedido especificamente em função de exportações, de impostos
diretos ou de impostos sociais pagos ou pagáveis por empresas
industriais ou comerciais.
Alínea “f” – Reduções na base de cálculo dos impostos diretos,
relacionadas às exportações ou ao desempenho exportador, superiores
aos concedidos à produção para consumo interno.
Alínea “g” – Isenção ou redução de impostos indiretos sobre a
produção ou distribuição de produtos exportados, além dos aplicados a
produção ou distribuição no mercado interno.
Alínea “h” – Isenção, remissão ou diferimento de impostos indiretos
sobre etapas anteriores de bens ou serviços utilizados no fabrico de
produtos exportados.
Alínea “i” – Remissão ou devolução de direitos de importação de
insumos que sejam importados para consumo no fabrico de produto
exportado.”
De se referir ainda dessa lista, sempre somente ilustrativa, os
incentivos (subsídios) creditícios a saber:
“Alínea “j” – Criação pelo governo ou por instituições por ele
controladas de programas de garantia de crédito ou seguros à
exportação.
19
PIRES, Adilson Rodrigues. Práticas abusivas no comércio internacional. Rio de Janeiro: Forense,
2001, p. 203.
12
Alínea “k” – Concessão pelo governo ou por instituições
governamentais de créditos à exportação a taxas privilegiadas.
Alínea “l” – Qualquer outra despesa para o orçamento público que
constitua subsídio no sentido do art. XVI do GATT 1994.”
Como anota ANA CARLA BLIACHERIENE, o que rechaça o SMC
Agreement é a concessão de subvenções governamentais que distorçam o comércio
internacional e neutralizem as concessões mútuas negociadas no âmbito da OMC 20;
em nosso país, como aponta HELENO TAVEIRA TORRES, a inequívoca
repercussão de seus tributos indiretos sobre a produção e exportação de produtos,
necessitamos da adequação à OMC dos instrumentos jurídicos utilizados para
garantir a igualdade no comércio internacional 21.
9 - OS PARAÍSOS FISCAIS
Dentro do tema incentivos cabe ainda alusão, ainda que breve, ao
chamados paraísos fiscais, países que se caracterizam por nenhuma ou muito
reduzida tributação da renda, liberdade de câmbio e estrito sigilo fiscal e bancário 22
Com efeito, a caracterização desses países demonstra que, através da
inexistência de tributação e do oferecimento de facilidades se busca, no plano
internacional, o que se busca é incentivar a instalação, em seu território, de
empresas que irão lhes proporcionar receita (mínima que seja) e eventual atividade
turística receptiva de homens de negócio.
A Lei nº 9430 de 27/12/1996, ao disciplinar a matéria de preços de
transferência, determinou, em seu art. 24, tratamento diferenciado para empresas
residentes ou domiciliadas em países com tributação favorecida, definidos como os
que não tributem a renda ou a tributem à alíquota máxima inferior a 20%, havendo a
Instrução Normativa SRF nº. 188, de 06.08.2002 enumerando 53 países com
tributação favorecida, a saber:
20
BLIACHERIENE, Ana Carla., “Subsidios Tributários e sua Compatibilidade com as Regras da
OMC” “in” Direito Tributário. Coord. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e ALEJANDRO C.
ALTAMIRANO, São Paulo: Thomson/IOB, 2005, p. 57.
21
TORRES, Heleno Taveira. “O Acordo de Subsídios do GATT e a Devolução de Créditos
de Exportação no Direito Brasileiro” “in” Direito Tributário. Coord. IVES GANDRA DA
SILVA MARTINS e ALEJANDRO C. ALTAMIRANO, São Paulo: Thomson/IOB, 2005, p.
11.
22
Sobre o assunto v. TAVOLARO, Agostinho Toffoli, Paraísos Fiscais (“in” Resenha Tributária
13
Andorra – 71.000 habitantes
Ilhas Mauricio – 1.129.000 hab.
Anguilla – 8.000 habitantes
Ilhas Montserrat – 11.000 hab.
Antígua e Barbuda – 66.000 hab.
Ilhas Turks e Caicos – 15.000
Antilhas Holandesas – 195.000 hab.
Ilhas Virgens Americanas – 106.000
Aruba – 71.000 hab.
Ilhas Virgens Britânicas – 19.000 habitantes
Bahrein – 570.000 hab.
Lebuan -
Barbados – 261.000 hab.
Líbano – 3.084.000 hab.
Belize – 219.000 hab.
Libéria – 2.245.000 hab.
Campione D´Italia -
Liechtenstein – 31.000 hab.
Chipre – 756.000 hab.
Luxemburgo – 412.000 hab.
Cingapura – 3.384.000 hab.
Macau – 500.000 habitantes
Comunidade das Bahamas – 284.000
Maldivas – 263.000 habitantes
Djibouti – 617.000 habitantes
Malta – 309.000 habitantes
Dominica – 71.000 habitantes
Mônaco – 32.000 habitantes
Emirados Árabes Unidos – 260.000
Nauru – 11.000 habitantes
São Cristóvão e Nevis – 41.000 hab.
Panamá – 2.677.000 hab.
Gibraltar – 208.000 hab.
República da Costa Rica – 3.500.000
Granada – 92.000 hab.
Samoa Americana – 56.000
Hong Kong – 1.232.083.000 hab.
Samoa Ocidental – 166.000
Ilha da Madeira – 260.000 hab.
San Marino – 25.000 habitantes
Ilha de Man – 76.315 hab.
Santa Lúcia – 144.000 habitantes
Ilha Niue – 2.000 habitantes
São Vicen te e Granadinas – 116.812
Ilhas Bermudas – 64.000 hab.
Seychelles – 80.098 habitantes
Ilhas Cayman – 32.000 hab.
Sultanato de Omã – 2.622.198
Ilhas Cook – 19.000 hab.
Tonga – 102.321 habitantes
Ilhas do Canal (Alderney, Guernsey, Jersey e
Sark) – 160.000 hab.
Vanuatu – 199.414 habitantes
Ilhas Marshall – 57.000 habitantes
Fonte: Enciclopédia do Mundo Contemporâneo – Editora Terceiro Milênio, Rio de Janeiro,
1999.
Anote-se, aqui, que na maioria desses países a população não
ultrapassa o milhão de habitantes, como é o caso de Tonga (102.321 habitantes),
Vanuatu (199.414 habitantes), Belize, a ex-Honduras Britânica (219.000 habitantes)
ou as Ilhas Cayman (32.000 habitantes).
Na verdade, vê-se que esses países buscam meios de sobrevivência,
tanto mais que os valores por eles percebidos de emolumentos e tributação são
mínimos, como pode ser, situando-se na ordem de US$ 3.000,00, por exemplo , os
gastos de constituição e existência legal e os de manutenção da empresa raramente
excedem a US$ 1.500,00 por ano.
14
Tenha-se em mente, ainda, que mesmo os países desenvolvidos são
nomeados como paraísos fiscais, em relação a certas atividades ou “nichos”de
mercado, como preferem denominá-los certos economistas..
Em recente artigo, o reputado jornal “The Economist “ publicou artigo
sobre a matéria, traduzido e publicado no Brasil no jornal Valor Econômico 23, em
que se menciona o sucesso dos centros financeiros em paraísos fiscais - os OFC
(offshore financial center), afirmando que concentram hoje de 5 a 7 trilhões de
dólares, constituindo 6% a 8% da riqueza mundial, constituindo-se nas maiores
economias do mundo em PIB per capita. Ali se refere, também, que não somente
as empresas financeiras se beneficiam da mobilidade que o capital colocado nos
paraísos fiscais proporciona, mas que também companhias não financeiras dele
auferem lucro, citada a General Electric, o conglomerado industrial norte-americano,
cujo principal gerador de lucros foi sua divisão financeira.
10 - GUERRA FISCAL – HARMFUL TAX COMPETITION ENTRE PAÍSES
O grande problema que apresentam os incentivos fiscais diz respeito à
competição que se faz entre os países, no plano internacional, e, no plano nacional
dos países federados, à disputa entre estados federados e, mesmo, entre
municípios de um mesmo estado.
Nas relações entre Estados Soberanos ganhou vulto, a partir da
década de 90 a competição fiscal nociva, havendo recebido atenção e cuidados no
âmbito da União Européia e no da OECD.
10.1 – UNIÃO EUROPÉIA – O CÓDIGO DE CONDUTA
A União Européia 24 preocupou-se com o assunto a partir de 1997,
havendo elaborado um Código de Conduta de Tributação de Negócios (Code of
Conduct for Business Taxation) também denominado Primarolo Committee Code,
porque elaborado inicialmente pela comissão presidida por Dawn Primarolo, do
Reino Unido 25, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Européias de
06.01.1998, onde se recomendou aos países da União Européia:
a)
23
24
25
Não introduzir em sua legislação medidas tributárias nocivas (“standstill”)
Valor Econômico. Paraísos fiscais crescem como nunca. 27/02/2007 p. A14
A União Européia é hoje integrada por 25 países, a saber: Alemanha; França; Itália; Reino Unido;
Espanha; Polônia; Países Baixos; Bélgica; República Checa; Grécia; Hungria; Portugal; Áustria;
Suécia; Dinamarca; Irlanda; Lituânia; Eslováquia; Finlância; Chipre; Estônia, Letônia; Luxemburgo;
Eslovênia e Malta. (http;//europa.eu/abd/12lessons/index3_pt.htm
BAKER, Philip. The world-wide response to the harmful tax competition campaigns (Up dated to
April 2004) – GITC review, Vol. III, No. 2 www.taxbar.com/documents/world-wide_response
15
b)
Reexaminar sua legislação tributária a fim de eliminar medidas nocivas
existentes (“rollback”).
BAKER 26, ao analisar em 2004 o Código em causa, fazendo-o conjuntamente com o
exame do trabalho da OCDE, identificou 6 diferentes grupos de países objeto das
recomendações do Código, a saber:
Grupo 1 – Os países membros da União Européia e da OECD 27;
Grupo 2 – Os países membros da OCDE, porém não membros da União
Européia;
Grupo 3 – Os países candidatos a membros da União Européia em 2004 (10
países);
Grupo 4 – Os territórios associados ou dependentes;
Grupo 5 – Os paraísos fiscais;
Grupo 6 – Os não-paraísos.
10.2 - A "UNFAIR COMPETITION" NA OCDE
A contenção da concorrência fiscal nociva fez-se objeto da atenção da
OECD (ou, em português OCDE - Organização de Cooperação e de
Desenvolvimento Econômico), havendo resultado no informe "Harmful Tax
Competition: an emerging issue" (abril de 1998) preparado pelo Comitê de Assuntos
Fiscais da OECD 28 a quem se incumbiu de apresentar relatórios periódicos de
progresso.
Estruturado com o fito de identificar paraísos fiscais e regimes
tributários preferenciais nocivos, enumera o informe os fatores que os caracterizam,
a saber:
Paraísos Fiscais –
a) Nenhuma tributação ou tributação apenas nominal;
b) Ausência de efetiva troca de informações;
c)
Falta de transparência;
d) Ausência de atividade substancial.
26
BAKER, Philip. Op. cit.
A OECD, criada em 14 de dezembro de 1960, reúne os países desenvolvidos, hoje em número de
30: Alemanha; Austrália; Áustria; Bélgica; Canadá; Coréia; Dinamarca; Espanha; Estados Unidos;
Finlândia; França; Gréca; Holanda; Hungria; Inglaterra: Irlanda; Islândia; Itália; Japão;
Luxemburgo; México; Noruega; Nova Zelândia; Polônia; Portugal; República Eslovaca; República
Checa; Suécia; Suíça; Turquia.
28
– OECD – HARMFUL TAX COMPETITION – A N EMERGING GLOBAL ISSUE – www.oecd.org
27
16
Regimes Tributários Preferenciais Nocivos;
a) Alíquotas de imposto zero ou reduzidas;
b) Regimes fechados (ring fenced) somente permitidos a não-residentes e
proibição de operar no mercado local;
c)
Falta de transparência;
d) Ausência de efetiva troca de informações
O informe do Comitê de Assuntos Fiscais apresenta 19
recomendações, que procura ver aplicadas também a países não membros da
OECD, a seguir resumidas:
I – Quanto à legislação interna de cada país:
1 – Sociedades Estrangeiras Controladas – adoção de regras sobre a
tributação
2 – Fundos Investimentos Estrangeiros
3 – Regime de isenção de investimentos estrangeiros
4 – Troca de informações sobre operações estrangeiras
5 – Decisões administrativas
6 – Preços de transferência
7 – Informações bancárias
II – Quanto aos tratados internacionais sobre tributação:
8 – Intensificação do intercâmbio de informações:
9 – Direitos e vantagens derivados de tratados
10 – Doutrina de leis anti-elisão
11 - Exclusão de beneficiados
12 – Paraísos fiscais
13 – Coordenação de implementação
14 - Assistência em matéria de cobrança de débitos fiscais
III – Quanto à cooperação internacional para prevenir a concorrência
fiscal nociva:
15 – Criação de um Fórum internacional
16 – Estabelecimento de uma lista de paraísos fiscais
17 – Vínculos com paraísos fiscais
18 – Promoção de práticas de administração fiscal
19 - Extensão das recomendações a países não membros da OECD
nocivos
Listados pela OECD 47 países com regimes tributários potencialmente
em relação publicada no ano 2000, o relatório do Comitê de Assuntos
17
Fiscais para 2006 informa que somente o Luxemburgo manteve-se nesta lista,
havendo os demais países se conformado aos critérios sugeridos 29.
Tanto o Código de Conduta quanto a OECD receberam apreciação da
doutrina, cabendo destacar dentre outros os trabalhos de WEINER e AULT 30,
publicado logo após o relatório da OECD (1998), ZODROW 31, datado de 2003 e o
de BAKER 32.
ZODROW, em seu trabalho, distingue entre harmonização fiscal, que
entende dizer respeito à plena equalização de alíquotas de impostos e coordenação,
que a seu ver compreende a harmonização de alíquotas e a adoção de mínimos de
taxação e unificação de bases tributárias.
BAKER critica a inexistência de definição precisa do que seja regime
tributário nocivo, colocando em relevo que o Código de Conduta europeu somente
em um passo (parágrafo B), afirma o que seja esse regime,dando-o como aquele em
que se disponha um nível de tributação efetivo, incluindo a taxa zero,
significativamente inferior ao normalmente aplicado, afirmando ainda que os fatores
de caracterização da OECD tornaram-se ao longo dos anos somente os de falta de
transparência e ausência de vontade de trocar informações, além dos paraísos
fiscais.
Mais acerba é a crítica de RICHARD RAHN, para quem a expressão
“harmful tax competition“ soa como um oximoro, paradoxo 33 que a seu ver disfarça
uma tentativa de maximizar a tributação, pois para ele a competição entre os países
é sadia e leva a melhores resultados no que diz respeito ao desenvolvimento. De
se notar que o autor em causa não é europeu, apresentando ponto de vista como
contribuinte residente do EUA.
10.3 – O
RECOMENDAÇÕES
POSICIONAMENTO
DO
BRASIL
FACE
ÀS
Embora não seja membro de nenhuma das organizações
internacionais acima, tendo apenas quanto a OECD o “status” de observador, a
análise da legislação tributária brasileira bem como das atividades desenvolvidas por
29
OECD – The OECD’S PROJECT ON HARMFUL TAX PRACTICES: 2006 UPDATE ON
PROGRESS IN MEMBER COUNTRIES - www.oecd.org
30
WEINER, Joann M. e AULT, Hugh J.
The OECD’S REPORT ON HARMFUL TAX
COMPETITIONS. National Tax Journal, Vol. 51 no.3 (September 1998) p. 601-8.
31
ZODROW, George R. Tax Competition and Tax Coordination in the European Union. International
Tax and Public Finance, 10, p. 651-671, 2003. Holland : Kluwer
32
BAKER, Philip, op. cit.
33
RAHN, Richard W. Economic murder-suicide. The Washington Times, 12/06/2003 – também em
www.seclists.org/politech
18
nossa administração fiscal mostram que em boa parte essas recomendações vêm
sendo postas em prática em nosso país. Assim é que temos já leis sobre a
tributação de operações de sociedades estrangeiras controladas (Lei 9430, de
27/12/1996, art. 16), acordos sobre troca de informações, seja os previstos nos
tratados para prevenir a dupla tributação internacional seja em acordos com países
com os quais não firmamos esse tratado,como, por exemplo, os EUA, com quem
recentemente (20 de março de 2007) firmamos acordo de troca de informações,
normas sobre preços de transferência mais rígidas até que as enunciadas pela
OECD, lei de anti-elisão (Lei Complementar nº 104/2001) 34, que RICARDO LOBO
TORRES vê como recepção do modelo francês 35, estabelecimento de lista de
34
A lei complementar em tela veio introduzir parágrafo único no art. 116 com a seguinte dicção:
“Parágrafo único: A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza
dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem
estabelecidos em lei ordinária.” Farta a apreciação do dispositivo da lei complementar em tela,
pela doutrina, cabendo apontar posições a ela completamente antagônicas, negando a sua
constitucionalidade, por afrontar o princípio da estrita legalidade e da tipicidade cerrada, quais a
de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, Investimento externo e norma antielisão, “in” Dimensão
Jurídica do Tributo – Homenagem ao Professor DEJALMA DE CAMPOS, Coord. EDVALDO
BRITO e ROBERTO ROSAS, São Paulo: Meio Jurídico, 2003, p.363), EDVALDO BRITO, HUGO
DE BRITO MACHADO, MISABEL ABREU MACHADO DERZI, SACHA CALMON NAVARRO
COÊLHO E SIDNEY SARAIVA APOCALYPSE, expressas na coletânea O Planejamento Tributário
e a Lei Complementar 104 (Coord. VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA, S.Paulo: Dialética, 2002),
constituindo-se, na palavra de LUIS EDUARDO SCHOUERI em norma anti-evasão (Planejamento
Tributário ... “in” Curso de Direito Tributário, Coord. ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO
AMARAL, S.Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 300), ou, como escreveu ALBERTO XAVIER, cláusula
anti-simulação (Direito Tributário Internacional do Brasil, Rio : Forense, 2004, 6ª ed. p. 421), no
mesmo sentido manifestando-se ROGÉRIO LINDENMEYER VIDAL GANDRA DA SILVA
MARTINS e JOSÉ RUBEN MARONE (Comentários à Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro
de 2001 “in” Curso de Direito Tributário, Coord. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, S. Paulo:
Saraiva, 2006, 9ª ed., p. 1019, posicionamento este de que também partilhamos (Tratados para
evitar a Dupla Tributação Internacional. “in” Curso ..Saraiva supra, p.557). Anote-se, contudo, que
dissentem dessa conclusão ELIZABETH LEWANDOWISK LIBERTUCI, que no preceito vê a
possibilidade de aplicação da finalidade exclusiva (o business purpose do direito anglo-saxão)
(Validade e Eficácia da Norma Antielisão à Luz do Novo Código Civil e do Parágrafo Único do Art.
116 do Código Tributário Nacional “in” Curso Saraiva supra, p. 991), declarando-se por sua
aplicação AURÉLIO PITANGA SEIXAS FILHO, CESAR A. GUIMARÃES PEREIRA e MARCO
AURÉLIO GRECO, todos em Planejamento. Dialética, manifestando este último um conformismo
resignado ao dizer que “... não é o modelo que considero o mais adequado, mas é o de direito
positivo “ ( p. 204.). Sintetizando-se os posicionamentos, e usando aqui a distinção traçada por
ANDRÉ LUIZ CARVALHO ESTRELLA (A norma antielisão e seus efeitos . Art. 116, parágrafo
único do CTN. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, nº 52, nov. 2001. Disponível em:
<htpp://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2317>. Acesso em 14/04/2007) temos a existência
de 3 correntes de pensamento sobre questão:
a) a que reputa inútil a norma, pois já existia na legislação pátria o art. 149, VII do CTN a
possibilidade de lançamento ou sua revisão no caso de simulação, de que a dissimulação de que
fala a norma nada mais é que simulação relativa;
b) a que considere a norma inconstitucional;
c) a que prescreve sua aplicação, subdividida em:
c1) que associa a norma à legislação ordinária procedimental dos membros da federação e
c2) que entende ser genérica a norma do CTN, cabendo a cada ente federado elaborar a norma
especifica, de direito material, que definirá os atos elisivos.
35
TORRES, Ricardo Lobo. “in” O Planejamento Tributário e a Lei complementar 104 supra, p. 242,
saudando a norma como “exceção à proibição de analogia do art. 108, § 1º do CTN e se pôs em
19
paraísos fiscais (nossa relação de países de tributação favorecida – Lei 9430/96),
etc.
Verdade é que nossa administração fiscal age solertemente para
adotar as medidas que aumentem a tributação ou ampliem o seu poder fiscalizatório,
em muitos passos indo além do preconizado.
Dirigidas embora essas recomendações aos enfretamentos de
tributação direta, acreditamos que muitas delas poderão, “mutatis mutandis”,
encontrar aplicação na guerra fiscal dentro de nossa federação, única no mundo que
engloba como entidades federadas também os municípios.
11 GUERRA FISCAL ENTRE ESTADOS E ENTRE MUNICÍPIOS - O
PROBLEMA NOS PAÍSES FEDERADOS
De maior atualidade e proximidade é a questão da guerra fiscal dos
estados entre si e dos municípios.
Parecendo ao leitor menos avisado das disposições constitucionais não
padecer dúvidas a discriminação dos tributos bem como as regras sobre de
concessão de incentivos, a verdade é que se engalfinham os estados em renhida
disputa, onde muitas vezes a relação custo/beneficio cede passo a intenções
eleitoreiras, sem consideração apropriada da projeção no tempo dessas benesses
distribuídas.
No campo dos municípios, embora a sua possibilidade de tributação
seja quantitativamente menor que a dos estados, a realidade que salta aos olhos é a
de que empenham-se os mesmos em atrair investimentos industriais e comerciais
para o seu território, permitindo assim a geração de empregos e impedindo o êxodo
de seus moradores para os centros mais populosos.
Condenáveis, sob o ponto de vista jurídico, os expedientes utilizados, o
fechamento dos olhos à realidade não oculta a necessidade de equacionamento do
problema, a fim de que disposições constitucionais não se apresentem como letra
morta.
Observe-se, ainda, que estabelecida constitucionalmente a
participação de estados e municípios na arrecadação de impostos federais (CF arts.
157 a 159) a União Federal, usando de subterfúgio a nosso ver reprovável,
harmonia com os países mais importantes e democráticos da Europa e da América do Norte no
combate ao abuso do direito” (p. 244).
20
descobriu o filão das contribuições, que escapam a essa participação, instituindo-as
sob os mais diversos pretextos e desviando-as de suas finalidades (PIS/PASEP,
COFINS, CPMF, CIDE, CCSL).
12 - A GUERRA FISCAL SOB O PONTO DE VISTA NACIONAL
Desde logo, em uma visão nacional da guerra fiscal, cabe-nos apontar,
com RICARDO VARSANO, que a principal fonte de receita dos estados – o ICMS –
sofreu, a partir da Lei Kandir (LC 87, de 13/09/1996), alterações em suas
características econômicas que o aproximaram do conceito teórico do imposto sobre
valor agregado (IVA), ao estabelecer que todos os insumos produtivos geram crédito
do imposto pago anteriormente pelos adquirentes, transformando-o de um IVA tipo
bruto em um IVA tipo consumo, ao permitir que os contribuintes se creditem do
imposto pago sobre bens incorporados ao seu ativo permanente, adotando ainda o
princípio do destino no comércio exterior, ao desonerar as exportações de produtos
primários e industrializados semi-elaborados – até então tributados e assegurar o
aproveitamento dos créditos respectivos36, o que veio a ser constitucionalizado com
a EC 42/2003, que veio dar nova redação ao art. 155, § 2º, X.
Situação de conflito na Federação, a guerra fiscal se estende, em um
primeiro passo, à disputa de poder entre a União e os estados federados, a se
agravar ainda mais com a recente invasão do domínio do IVA (ICMS) pela nova
COFINS, não cumulativa, que, como aponta FERNANDO REZENDE, “vem
ocasionar” a disputa por um mesmo espaço tributário – o valor adicionado pelas
empresas “37, mesmo que, em seu entender, venha a esvaziar o IPI, que já vem
perdendo significado na arrecadação federal, pois sua participação caiu de 20% na
segunda metade dos anos 90, para 8% em 2002, do qual um terço provém dos
setores do fumo, bebidas e veículos automotivos. Quanto ao PIS/COFINS, informa
ainda FERNANDO REZENDE, a composição setorial de sua arrecadação repousa,
em 50%, em seis atividades: eletricidade, gás e água quente, serviços prestados
principalmente a empresas, fabricação de produtos alimentícios e bebidas,
fabricação de produtos químicos, comércio por atacado e intermediários de
comercio.
Para VARSANO, do ponto de vista nacional o país perde com a guerra
fiscal do ICMS, pois
36
VARSANO, Ricardo. A guerra fiscal do ICMS: quem ganha e quem perde.
www.ipea.gov.br/pub/ppp/ppp15/varsanopdf
37
REZENDE, Fernando. Integração regional e Harmonização Tributária: a perspectiva brasileira.
www.iadb.org/IDBDocs.cfm?docnum+831634 acesso em 11/04/2007.
21
a)
b)
c)
d)
e)
a não incidência do tributo nas exportações não estimula novos
empreendimentos neste sentido;
sendo a manutenção de créditos na exportação um verdadeiro subsídio,
a sua existência poderia levar a criar, na cadeia de produção e
comercialização, a criação de um elo a mais apenas para aproveitá-lo;
considerando empresas voltadas para o mercado interno a relocalização
de um empreendimento situado em outro estado constituir-se-ia, do
ponto de vista nacional, em desperdício de recursos, trocar-se-ia bem
público por lucro adicional da empresa privada;
conceder redução do ICMS para empreendimentos multinacionais que
viriam a se instalar no Brasil, ainda que em outro estado, mesmo que o
incentivo não existisse, seria entregar a não-residente em troca de nada
recursos que seriam utilizados para o bem-estar da população do país;
conceder redução do ICMS ao capital nacional poderia ser
contraproducente sem se ter conhecimento do uso alternativo desse
capital, embora haja que se considerar que esse capital poderia seria
ser direcionado para investimento no exterior.
Para nós, no entanto, parece-nos que esses pontos negativos,
estritamente econômicos, deixam de levar em conta outros fatores fundamentais ao
desenvolvimento do nosso país, pois olvida o autor que, como vantagens do ponto
de vista nacional seriam:
a)
b)
c)
d)
a geração de empregos, de que nosso país é carente, o que seria
atenuado com os investimentos em empresas exportadoras, ainda que
as mesmas não gerem receitas tributárias diretamente, cabendo não
esquecer que os funcionários e prestadores de serviço vivem, comem e
adquirem produtos que serão tributados localmente, aumentando assim
o número de consumidores e seu potencial de gasto;
a criação de mais um elo na cadeia de produção e comercialização gera
também tributos e empregos;
a relocalização se constitui, muitas vezes, em fator inibidor do
movimento migratório das regiões menos favorecidas para as regiões
melhor desenvolvidas;
a existência de incentivos que aliviam a carga tributária podem se
constituir em diferencial suficiente para que a multinacional opte por
investir em um determinado país;
22
e)
o uso alternativo do capital nacional obedece a mesma ratio opção de
investimento da multinacional, o que vale dizer que também aqui o
incentivo tem papel a desempenhar.
13 - A GUERRA FISCAL SOB O PONTO DE VISTA DOS ESTADOS
Anota VARSANO que o produto da arrecadação de um tributo nada
mais é que uma transferência monetária do setor privado para o setor público e que
os incentivos operam em sentido inverso, conceituando o incentivo fiscal “uma
eliminação marginal de tributo, em virtude do surgimento de uma nova oportunidade
de uso privado de recursos da sociedade cujos benefícios sejam superiores aos do
uso público a que se destinavam”.
Escreve então que com os incentivos o estado (quase sempre) ganha
(por algum tempo).
E aqui vemos que a boa parte da contra argumentação que utilizamos
quando contrapusemos nossa visão nacional dos incentivos quanto à perda para o
país, é agora dada receptividade.
Assim, é que:
a)
b)
c)
d)
a criação de novos empreendimentos de produção para exportação,
implica na criação de empregos e, portanto, renda adicional para os
residentes do estado;
a criação de um novo elo na cadeia de produção e comercialização para
exportação acarreta a possibilidade de tributação intermédia para o
estado optou pelo incentivo:
considerando empresas voltadas para o mercado interno a relocalização
de um empreendimento situado em outro estado existiria vantagem para
o estado concedente do incentivo fiscal, atenuando-se o desequilíbrio
porventura existente;
conceder redução do ICMS para empreendimentos multinacionais que
viriam a se instalar no Brasil, teria como condão tornar mais atraente a
inversão no estado que concede os favores fiscais, podendo esse ser o
fator decisivo em uma decisão de um “board” de multinacional, quando
há um empate de outras condições relativas ao investimento.
23
e)
conceder redução do ICMS ao capital nacional sem dúvida nenhuma
redunda em atrair o investimento para o estado que lhe abre ensanchas
para gozar desse favor, em igualdade de condições com outro estado e
mesmo com outros países.
Ainda que, com o passar do tempo as condições de concessão dos
incentivos possam se tornar onerosas para os estados concedentes, ainda assim há
que se tomar em apreço que também as empresas se relocalizam e que as
condições se alteram. Na verdade, de um lado e de outro, do estado e da empresa,
a deliberação que se faz é sempre a de se aquilatar o VALOR PRESENTE vis-à-vis
do VALOR FUTURO em que se desenrolará o investimento de ambas as partes.
Estranhos não são, ao processo deliberativo, em ambos os casos,
fatores estranhos à economia e à juridicidade, quais as motivações políticas e
eleitorais dos atores envolvidos no processo, não nos esquecendo que os mesmo
fatores, com peso diverso, podem também existir no seio das empresas privadas.
14 -– A GUERRA FISCAL E OS MUNICÍPIOS
Não se pode ainda olvidar que membros da Federação são também os
municípios, em numero que se aproxima dos 6.000 e que se apresentam com uma
multiformidade de interesses díspares.
E aqui não tem lugar a apreciação do peso de seus impostos próprios
(ITBI, IPTU e ISS) na sua receita, pois o ISS, que em tese deveria se constituir na
base tributária principal a alicerçar sua receita somente tem expressão, como
assinala FERNANDO REZENDE, para os 380 municípios pertencentes a 25 regiões
metropolitanas que arrecadam 80% do total do ISS no país, sobre vivendo a grande
maioria dos demais com as participações nos impostos federais e estaduais.
Entre esses 380 é que vem ocorrendo conflito, em que o contribuinte
fica entre os fogos cruzados do município onde tem sua sede ou estabelecimento
responsável pela prestação dos serviços e os municípios onde se situam seus
clientes desses serviços, e pois não obstante o ordenamento contido no art. 4º definir
o estabelecimento prestador de serviços pretendem os municípios de localização
dos clientes que os serviços ali são prestados, com arrimo em decisões do STJ.
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Esta questão tem surgido com freqüência em relação à prestação de
serviços de informática, em que boa parte da prestação de serviços se faz à
distância e sem instalação física do prestador junto ao cliente e mesmo sem
presença física de seus funcionários junto ao cliente.
15 –
APRECIAÇÃO CRÍTICA DOS INCENTIVOS FISCAIS
De se concordar, assim, com VARSANO, pois sem dúvida alguma há
quase sempre um ganho para os estados na concessão de incentivos, cabendo, no
entanto assinalar que na guerra fiscal entre estados sempre haverá ganhadores e
perdedores, e que essa condição não se eterniza, pois o ganhador de hoje poderá
ser o perdedor de amanhã, com o mesmo incentivo aplicado aos longos dos anos, e
vice-versa.
Dele cabe ainda não dissentir quando enumera como condições para
conceder incentivos somente no caso de oportunidade de uso privado dos recursos:
“a) que não seria aproveitada em qualquer ponto do território da unidade
considerada caso o incentivo não fosse concedido;
b) que seja efetivamente nova, isto é, uma adição ao investimento na
unidade;
c) cujos benefícios sejam, pelo menos parcialmente, apropriados por
residentes da unidade, que – a menos de extenalidades
interjurisdicionais (spillovers) são os que perdem com a redução da
provisão pública de bens; e que a parte apropriada supere os benefícios
gerados pelo anterior uso público dos recursos”.
São, no entanto, condições ideais, que no duro embate da realidade
cedem espaço a considerações imediatistas, que a sensibilidade do homem público
bem intencionado antepõe à teoria, ou quando, infelizmente, aproveitadores existam
que visando ganho próprio, direto ou indireto, mascaram suas intenções revestindoadotando medidas e ações que mascaram o seu verdadeiro e reprovável intuito..
Em tema de incentivos cabe ainda não esquecer da má qualidade e o
despreparo de muitos de nossos governantes, para quem princípios éticos são muita
vez incomodo a ser reservado para fustigar a oposição e a fortuna pessoal ou
política tem ascendência fundamental na condução da res publica, que é por muitos
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trata como propriedade privada, pessoal ou de apenas do integrante do seu círculo
de amigos e apaziguados.
Mal que infesta a vida nacional, a extirpação de líderes carismáticos e
vazios parece distante ainda da compreensão de nossa pobre democracia.
16 – O “XIS” DO PROBLEMA
Expostos os termos da equação com que nos defrontamos quando
examinamos os incentivos fiscais, parece-nos que o problema se radica, muito mais,
nas transferências das parcelas da arrecadação aos entes federados do que no
sistema tributário em si.
Se é certo que nosso sistema tributário pode e deveria sofrer ajustes,
não é com reformas tributárias que iremos resolver a questão da guerra fiscal.
Fossem cumpridas ao pé da letra as determinações constitucionais de apropriação e
transferência de fundos de participação aos entes federados, sem preferências
políticas e injunções de toda a ordem e provavelmente teríamos atenuada a
necessidade de incentivos fiscais.
17 – GUERRA FISCAL E REFORMA TRIBUTÁRIA
Evidentemente, o aperfeiçoamento do sistema tributário é imposição
ditada pela dinâmica do mundo moderno, pela globalização da economia e pela
necessidade de interação internacional, buscando-se a harmonização dos tributos,
dentro do contexto dos organismos internacionais (Mercosul, OMC, dentre outros).
Em nosso país, incipiente ainda a aplicação da Constituição de 1988, já
nos anos seguintes iniciaram-se as críticas e sugestões para uma reforma tributária.
A realidade, no entanto, é que se a receptividade à tese de reforma é
geral, ninguém se atrevendo a refutá-la, sua efetivação não ocorre de vez que cada
um dos entes tributantes a deseja para aumentar o seu poder impositivo, e não para
melhorar efetivamente o sistema.
A adoção de um imposto sobre o valor agregado, nos moldes do IVA
europeu, por exemplo, englobando em um só tributo os nossos IPI, ICMS e ISS,
preconizada por grande maioria de nossos doutrinadores situa-se no plano da utopia
pois governo federal, governadores estaduais e prefeitos municipais não se mostram
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dispostos a sofrer diminuição em seu poder de tributar. E este, como afirmamos no
início do presente estudo envolve o poder de destruir, bem como o poder de
construir e, para o “homus politicus” o poder de angariar fundos e votos que lhe
permitam vencer eleições.
Não nos parece, assim, que reformas tributárias reais e não simples
arranjos cosméticos venham a suceder em um futuro próximo.
18 – CONCLUSÕES
Os incentivos fiscais são instrumento necessário e fundamental para se
realizar os objetivos fundamentais de desenvolvimento, eliminação das diferenças
sociais e desequilíbrios regionais que apresenta nosso país.
Má distribuição de renda, necessidade de geração de empregos,
segurança pública falha, política educacional deficiente e corrupção de
administradores vem fazendo com que o homem comum cada vez mais não acredite
nos governos, multiplicando-se hoje as organizações não governamentais (ONGs)
de todo o tipo e para todos os fins, procurando suprir a ausência e ineficácia do
governo.
Reforma tributária, por si só, não resolve os problemas. Reformados
homens e sua mentalidade sim. No entanto, há dois mil anos ela se anuncia, com o
advento das lições de Cristo, sem resultados concretos. Roma de então e o mundo
de hoje, poucas diferenças qualitativas de vida apresentam. Viesse CATÃO aos
nossos dias e talvez nem chegasse a ocupar cadeira no Senado para incentivar os
desmandos de nossos homens públicos e voltasse CÍCERO e suas Catilinárias
(quosque tandem Catilina patientia nostra abutere) talvez fossem sufocadas por
arranjos de cúpulas partidárias.
Não podemos, contudo, esmorecer em nosso esforço. As novas
gerações estão vindo e a elas devemos e por elas temos de lutar, procurar dar
nosso país (que era do futuro e a ele não chega), condições de desenvolvimento
humano, social e político. Como D.Quixote, lutar e sonhar um sonho impossível. Mas
lutar sempre.
http://www.tavolaroadvogados.com/doutrina/cs678.doc
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