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Mestrado em Ciências das Religiões
Disciplina: Socioantropologia do Islão
Dhikr - O “Mantra Yoga” no Islão
O século XIX ficou marcado por uma expansão do
conhecimento
pressupostos
proveniente
e
novos
do
Oriente.
factos
Novos
histórico-críticos
propulsionaram o “orientalismo” e trouxeram-nos uma
avaliação
menos
polémica
do
Islão,
por
parte
da
sociedade ocidental Cristã.
Segundo Hans Kung*, houve um progresso decisivo no
reconhecimento
investigadores
do
Profeta
credenciados.
Maomé,
Gustav
por
Weil,
parte
de
Maxime
Rodinson, Leone Caetani e outros, sublinharam nas suas
edições
uma
“história
do
Alcorão”
com
traduções
modernas atualizadas. Houve também maior investigação
sobre a cultura Islâmica e suas práticas religiosas.
H.Kung afirma ainda que houve um reconhecimento
histórico-crítico
nomeadamente
da
imagem
através
dos
corânica
trabalhos
de
de
Jesus,
Geoffrey
Parrinder, Heikki Raisanen e Martin Bauschke. Josef Van
Ess elaborou um estudo rigoroso de fontes da teologia
Islâmica.
Trevor Ling* aponta o século II depois da Hégira (séc. IX
da era Cristã) para o Islão atingir de forma desenvolvida
a sua normatividade, que se mantém até aos tempos
modernos.
Esse
desenvolvimento
total
foi
atingido,
segundo o autor, quando os principais artigos de crença e
prática tinham sido fixados e surgira um corpo aceite de
fontes com autoridade. De facto, além do Corão, o Islão
ortodoxo aceita também outras coleções das Hadith ou
tradições sobre o Profeta Maomé consideradas genuínas
e dignas de confiança, compiladas por al-Bukhari e por
Muslim.
Estas
fontes
de
“autoridade
canónica
secundária”, em relação ao Corão, constituem a fonte
para determinar os Sunna, ou costumes, do Profeta e dos
antepassados. O Muçulmano ortodoxo recorre ao Corão e
aos Sunna para questões de teologia e de lei. T.Ling
conclui que são sete os principais artigos de crença do
Islão ortodoxo: Deus, Anjos, os Profetas, os Livros
Sagrados, a doutrina da predestinação por Deus do bem
e do mal, a doutrina do último dia e a doutrina da
ressurreição corporal.
Verificamos que alguns dos pilares religiosos do Islão
estão também presentes na cultura Hindu. A confissão de
fé, shaháda, chama-se shraddha na Índia. Os rituais de
oração, em horas estabelecidas do dia, chamam-se puja
(ritual
religioso)
na
Índia.
Neste
país
também
se
considera auspicioso a ajuda aos carenciados e aos
monges, através de doação de esmolas. A noção de
“karma” sublinha a retribuição positiva das boas ações. O
jejum, especialmente enquanto há luz no período do
Ramadão, corresponde na Índia - para algumas tradições
- ao período do 11º dia lunar ou “ekadashi”. Por último,
a peregrinação a Meca tem a sua correspondente
Indiana, e por diferentes motivos, ás cidades de Varanasi
(Benares), Mathura, Haridwar e Rishikesh, entre outras.
O Hillal (crescente da lua nova) é por excelência, o
símbolo (não sagrado) do Islão, que faz ressoar nos
comportamentos
dos
Muçulmanos
a
importância
do
calendário lunar na regulação de toda a sua vida social e
religiosa (Religiões, projeto religare, Editora Paulinas,
p.174).
A Muçulmana Karima Burns, MH, ND, no seu artigo “the
yoga of Islamic prayer” afirma que o yoga consiste num
certo número de posturas (asanas). Estas são por vezes
mantidas durante um período de tempo, podem ser
acompanhadas da recitação de mantras ou da respiração
ritmada. Os seus benefícios, sublinha a autora, já foram
pesquisados por vários médicos que agora recomendam
essas práticas aos seus pacientes. Essas recomendações
estendem-se
a
muitas
instituições,
tais
como
a
“Menninger Foundation”. E continua: “a forma Islâmica
de oração tem permitido aos Muçulmanos, durante
catorze séculos, alguns dos mesmos benefícios que as
práticas de yoga proporcionam. Claro que nem todas as
posições do yoga são encontradas na oração Islâmica”.
No entanto, esta simples forma de “yoga” oferece
benefícios físicos, mentais e espirituais cinco vezes por
dia,
à
medida
que
os
Muçulmanos
assumem
determinadas posturas e recitam o Corão. Entretanto,
pesquisadores médicos concluíram que os pacientes
beneficiaram
de
versões
simplificadas
de
yoga
terapêutico. Muitos programas de yoga nos hospitais, tais
como
no
“Spaulding
Rehabilitation
Center”
de
Massachusetts, consistem em apenas 5 a 7 posições. A
oração Islâmica tem cinco posições e um correspondente
relacionamento com o bem-estar mental e espiritual (de
acordo com as modernas pesquisas científicas). Os
benefícios
resultantes
de
praticar
determinados
movimentos e orações diárias advêm da adoção de
correta posição ou da própria ação, do tempo de
permanência na própria postura e da correta utilização
das técnicas de recitação. Cada uma das cinco posturas
de oração Islâmica tem uma correspondente postura do
yoga. Todas, em conjunto, ativam centros energéticos.
Compreende-se que as posturas, sejam as usadas na
oração
Islâmica
ou
nas
práticas
do
yoga
Indiano,
proporcionam maior consciência corporal (e espacial) e
consciência
(awareness)
dos
processos
mentais
do
adepto. A paz está logo ali ao lado. Esta forma de
austeridade, designada por “tapas” na Índia, é uma
disciplina essencial na busca do divino. Se bem que para
o Islão, Deus está no céu e portanto separado da
humanidade, para o pensamento ortodoxo Hindu o
Absoluto, ou Brahman, manifesta-se em todo o lado.
A
importância
compreensão
Enquanto
que
do
som
intelectual
as
é
algo
de
palavras
que
transcende
qualquer
transportam
a
indivíduo.
um
certo
significado conceptual, há sons que não têm um cenário
mental associado. Por outro lado, há pesquisas diversas
(que estão para lá do âmbito deste curto texto) sobre
frequências sonoras e o seu impacto nos estados da
consciência.
Os
textos
das
diferentes
tradições
enfatizam a importância do som, como forma de
comunicação mas principalmente como forma de união
(yoga = unir ou jungir)
do indivíduo com o Deus
Muçulmano “Alá”. Essa união que o Muçulmano procura
com Deus é a mesma União que o Hindu procura através
da prática de mantra ou aquela que o Cristão realiza
com a repetição continuada das orações e ladaínhas.
Assim, podemos de certa maneira distinguir entre
palavras com significado e palavras de poder. As
primeiras ativam determinados centros cerebrais e as
segundas ativam estruturas energéticas psicomentais e
espirituais. A palavra “allah” (al ilāh) significa Deus e
tem correspondência em “elah” ou “alaha” em Aramaico
e Siríaco, “Ēl “ em Canaanita e “elohim” ou “eloah” ּ‫אלוה‬
no Hebraico. No Aramaico existem duas vogais com
valor “a” e no Sânscrito (devanagri) também; a = अ e
a+a (dois “matras” ou tempos verbais) = आ. Na Índia a
palavra AUM (ॐ) tem significado semelhante a “Alá” e
vem prevista no Mandukya Upanishad, no Patanjali Yoga
Sutra, Bhagavad Gita e muitos outros textos da filosofia
ortodoxa Hindu.
As
palavras
de
poder
correspondem
a
sons
com
diferentes frequências, medido na unidade hertz ou
ciclos por segundo. Em sânscrito, essas palavras de
poder são designadas por “mantra”. No Egito antigo
designavam-se por “Hekau” e para os Muçulmanos
designam-se por ”‫ ِﮎکْﺭر‬ḏikr” ou a “lembrança” dos atos
devocionais – orações - do Islão. Pequenas frases ou
orações são repetidas constantemente, em voz alta ou
mentalmente. Em outras ocasiões, poucas, a recitação é
acompanhada de um colar de contas - ‫ ﺹصﻝلﻭوﺍاﺕت ﺱسﻝلﺱسﻝلﺓة‬. O
mesmo que “japa mala” para os Hindus ou o rosário dos
Cristãos. O efeito é o mesmo em todas as tradições.
Na Índia, os mantras dividem-se ainda em Saguna e
Nirguna. Os primeiros estão associados ao “ishta
devata”, a divindade escolhida pelo praticante. Os
últimos não estão associados a formas físicas e são
frequentemente chamados de “sons semente” ou bijamantras.
Embora cantados em língua Árabe, os principais cânticos
Islâmicos podem ser traduzidos e interpretados. No
entanto, de acordo com alguns autores, parece que é
melhor serem entoados na língua original na medida em
que se perde algum tipo de “poder encapsulado na
palavra”, perdendo-se a mística do som. Jawshan-eKabir é um bom exemplo de livro Islâmico que pode ser
usado diariamente como referência de orações.
Algumas da orações Islâmicas:
•
Allahu Akbar (Deus é Grande)
•
Ya Salaam (Ligação ao Divino. Proporciona paz mental )
•
Bismillah Al-Rahman, Al-Rahim (Em nome de Alá, o
mais misericordioso).
•
Ya Ali Madad. “Imam Ali” é o 1º Imã e altamente
respeitado no Islão. O seu nome é invocado, muitas
vezes em situações de dor e sofrimento.
•
Allaahumma Innee ( Alá, eu me refugio no Teu nome)
CONCLUSÃO
Dhikr e Mantra são técnicas muito semelhantes e são
usadas nas culturas Islâmica e Hindu. Estas “fórmulas
espirituais” têm o objetivo de ajudar o devoto a unir-se
com o seu deus de eleição, o único, o predileto.
Os cânticos Islâmicos e os mantras Hindus produzem
vibração e estados alterados da consciência. No entanto,
também provocam modificação positiva dos espaços
exteriores (de acordo com a moderna física quântica,
não há realidade sem observador(es). A força e o efeito
das palavras depende, no entanto, da concentração,
atitude, motivação e fé do praticante. Se praticado de
forma sincera, seja qual for a tradição do crente, os
“sons de poder” ajudam na transformação interior e
proporcionam
o
desenvolvimento
mais
holístico
da
personalidade. Os textos clássicos afirmam que após a
experiência da “noite da alma”, segue-se a experiência
extática que é acompanhada de serenidade e de
profunda felicidade. Embora no início se comece com
uma
repetição
repetição
verbal
torna-se
das
verbal.
“palavras
No
sagradas”,
estágio
final
a
da
experiência (mística ou religiosa ? ) o adepto foca a sua
atenção no silêncio que existe no intervalo entre dois
pensamentos. Esse silêncio é a própria natureza do
Cosmos harmonioso e organizado.
BIBLIOGRAFIA
Hans Kung*, Islão – Passado, Presente e Futuro –
Edições 70 – ISBN 978-972-44-1508-6
Trevor Ling*, História das Religiões – Editorial Presença
– ISBN 972-23-1766-0
Religiões, História – Textos – Tradições, Editora Paulinas
– ISBN-10 972-751-747-1
Paulo Hayes
Tomar, 15 de Setembro de 2015

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