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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA SUBSEÇÃO
JUDICIÁRIA DE FEIRA DE SANTANA/BA,
DIREITO À SAÚDE – PACIENTES COM FIBROMIALGIA (CID M79.0)FORNECIMENTO GRATUITO DO MEDICAMENTO CYMBALTA,
(DULOXETINA) 60mg – SISTEMA ÚNICO DE SÁUDE - OBRIGAÇÃO
SOLIDÁRIA DA UNIÃO, DO ESTADO E DO MUNICÍPIO – AÇÃO
CIVIL PÚBLICA – PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA – MEDIDA COM
EFEITO ESTADUAL OU NA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA FEDERAL URGÊNCIA
URGENTE
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo procurador da
República infrafirmado, com base no art. 129, II e III da Constituição Federal,
na Lei Complementar Federal n. 75/93 e na Lei n. 7.347/85, vem propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA
TUTELA, em face da:
1. UNIÃO, pessoa jurídica de direito público,
representada pelo Procurador-Chefe da Advocacia
Geral da União, com sede na Avenida Tancredo
Neves, n. 450, 28º andar, Ed. Suarez Trade,
Caminho das Árvores, Salvador/BA;
2. ESTADO DA BAHIA, pessoa jurídica de direito
público, representada pelo Procurador-Geral do
Estado, com sede no Largo do Campo Grande, n.
382, Salvador/BA; e
3. MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA, pessoa
jurídica de direito público, na pessoa do Prefeito
Municipal, com sede na Av. Sampaio, n. 344,
Centro, Feira de Santana/BA.
I – DO OBJETO DA AÇÃO
Pretende-se com a presente ação civil pública a prestação da
tutela jurisdicional para garantir aos cidadãos juridicamente pobres,
usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), residentes no Estado da Bahia, ou,
alternativamente, nos municípios abarcados pela Subseção Judiciária de Feira
de Santana/BA, em especial aos pacientes que apresentarem diagnóstico de
Fibromialgia (CID M79.0), o acesso, nos casos em que for indicado, ao
tratamento medicamentoso com Cymbalta (Duloxetina) 60mg, em regime de
gratuidade, tudo em consonância com a Constituição Federal, a Lei Federal n.
8.080/90 e a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS/SUS n°
01/2002.
II - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A Constituição Federal, em seu artigo 198, define o SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE (SUS) como ações e serviços de saúde que integram uma
rede regionalizada e hierarquizada, estabelecendo o princípio da diversidade
da base de financiamento desse Sistema:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma
rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema
único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de
governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado,
nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, além de outras fontes.
Tal regra é válida tanto para o financiamento do atendimento e
tratamento médicos, quanto para a aquisição dos medicamentos destinados
aos pacientes e usuários do Sistema Único, tendo como fonte de
financiamento, entre outras, as da seguridade social e as orçamentárias da
UNIÃO, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, consoante dispõe a
Constituição Federal.
Com
efeito,
a
UNIÃO,
em
cumprimento
ao
seu
dever
constitucional de participar do financiamento do SUS, repassa recursos ao
ESTADO DA BAHIA e a seus Municípios. E o faz por diversos mecanismos, tais
como transferência regular e automática fundo a fundo, remuneração direta
por serviços produzidos ou ainda por meio da celebração de convênios
específicos.
A fim de atender à diretriz da descentralização gizada no art.
198, inciso I, da Constituição Federal, as leis e normas infralegais que regem o
SUS têm previsto diferentes formas de gestão para os Estados e Municípios. A
habilitação de tais entes federativos em formas mais avançadas de gestão
implica em que a União repassará recursos de maior monta, o que os obriga a
garantir também um espectro maior de ações e serviços de saúde do rol
daqueles devidos ao cidadão.
Em nenhuma hipótese, entretanto, fica a UNIÃO dispensada das
suas responsabilidades dentro de um sistema que é único e hierarquizado.
Sua responsabilidade persiste mesmo após repasse de recursos federais, no
que se refere à cooperação técnica, prevista no art. 30, VII, da Carta Federal.
O STJ já apreciou a matéria, sedimentando a legitimidade passiva
da UNIÃO, dos ESTADOS e dos MUNICÍPIOS em hipóteses análogas à presente,
in litteris:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535,
II, DO CPC. INEXISTÊNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS
PARA PESSOA CARENTE. LEGITIMIDADE DA UNIÃO, DO
ESTADO E DO MUNICÍPIO PARA FIGURAREM NO PÓLO
PASSIVO DA DEMANDA. 1. [...]. 2. Recurso no qual se discute
a legitimidade passiva da União para figurar em feito cuja
pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis
à manutenção de pessoa carente, portadora de atrofia
cerebral gravíssima (ausência de atividade cerebral,
coordenação motora e fala). 3. A Carta Magna de 1988 erige a
saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196).
Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido
genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),
assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o
acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas,
em especial, as mais graves. 4. Sendo o SUS composto pela
União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos
três entes federativos no pólo passivo da demanda. 5.
Recurso especial desprovido. (STJ. REsp 507205/PR. Primeira
Turma. Rel. Min. José Delgado. Julg. 07/10/2003. DJ
17.11.2003, p. 213).
Resta, assim, demonstrada a competência da Justiça Federal,
nos termos do artigo 109, inciso I, em razão da presença da UNIÃO no pólo
passivo da presente ação, do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL no pólo ativo e
por ser o SUS um sistema de índole nacional.
III – LEGITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS
A legitimidade passiva dos réus decorre, inicialmente, da
Constituição Federal:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
A Lei n. 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção
e gestão do Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes:
Art. 9°. A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única,
de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição
Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos
seguintes órgãos:
I – no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II – no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela
respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e
III – no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de
Saúde ou órgão equivalente.
Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde ramificase, sem, contudo, perder sua unicidade, de modo que de quaisquer de
seus gestores podem/devem ser exigidas “ações e serviços” necessários à
promoção, proteção e recuperação da saúde pública.
Por fim, destaca-se, também, que embora a Norma Operacional
da Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/2002 preceitue ser responsabilidade
solidária do Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde dos Estados a
garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade, ela também
determina que “a regulação dos serviços de alta complexidade será de
responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontrar-se na
condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do
gestor estadual, nas demais situações”.
Assim, em razão de encontrar-se o MUNICÍPIO DE FEIRA DE
SANTANA na situação de gestão plena do sistema municipal de saúde, tal
ente deve ser responsável solidariamente pelas demandas relacionadas ao
direito à saúde. No caso, o MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA/BA deve
também ser obrigado solidariamente com a UNIÃO e o ESTADO DA BAHIA a
garantir o remédio em questão.
O art. 109, inciso I, da Constituição Federal, assim dispõe:
Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – As causa que a União, entidade autárquica ou empresa
pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés
assistentes ou oponentes, exceto as de falências, as de
acidente de trabalho, e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à
Justiça do Trabalho;
[...]
§2°. As causas intentadas contra a União poderão ser
aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor,
naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem
à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no
Distrito Federal.
Os recursos destinados à aquisição dos medicamentos a serem,
posteriormente, fornecidos às pessoas enfermas são provenientes do Sistema
Único de Saúde, de cujo financiamento participam, a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, consoante dispõe a Constituição Federal:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma
rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema
único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de
governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.
Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado,
nos termos do art. 195, com recursos da seguridade social,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
além de outras fontes.
Por conseguinte, a UNIÃO, em cumprimento ao seu dever de
participar do financiamento do SUS, repassa ao ESTADO DA BAHIA e ao
MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA recursos para a finalidade apontada.
Ante o exposto, justificada está a legitimidade passiva dos réus
UNIÃO, ESTADO DA BAHIA e MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA para a
presente demanda.
IV - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O artigo 127, caput, da Carta Federal de 1988, define o papel do
Ministério Público, incumbindo-lhe a missão de defender a ordem jurídica, o
regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. No art.
129, II, comete-lhe a função de “zelar pelo efetivo respeito dos poderes
públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.
No caso vertente, o Ministério Público Federal busca proteger
direito fundamental à saúde, que, indiscutivelmente, qualifica-se como
direito difuso, dada a permeabilidade no meio social dos agravos à saúde.
Entrementes, para que não se pretenda afastar a legitimidade
ativa do Parquet, no caso específico, sob o argumento de que os direitos que
aqui se deduzem possuem a natureza de direitos individuais homogêneos,
insta observar que, ainda que assim fosse, a legitimidade estaria preservada
em face da relevância social do direito protegido, que o faz transcender aos
interesses do grupo atingido, a tal monta, que passam a configurar os direitos
sociais previstos no art. 127 da Constituição Federal, conforme explana, entre
outros, Teori Albino Zavascki, no brilhante estudo “O Ministério Público e a
Defesa de Direitos Individuais Homogêneos” (in Revista do Ministério Público do
Rio Grande do Sul, nº 29, págs. 29/40, Porto Alegre, Revista dos Tribunais, 1993).
A par disso, a Constituição Federal, no art. 197, estabelece:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de
saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei,
sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo
sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
O Ministério Público, ao promover ação civil pública com o fim de
compelir
o
Poder
Público
a
garantir
o
direito
à
saúde
a
seus
cidadãos/contribuintes, de outra atribuição não cuida senão daquela
constitucionalmente assinalada de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na
Constituição. Nesse sentido, o STF já se manifestou:
Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do
direito à saúde fez com que o legislador constituinte
qualificasse, como prestações de relevância pública, as
ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a
legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder
Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais,
anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento
constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia
jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer
outra
inaceitável
modalidade
de
comportamento
governamental desviante. (do voto do Min. Celso de Mello no RE
nº 273.834-4/RS, 2ª Turma, Julg. Em 12/09/2000).
Ademais, a proteção pretendida visa atender especificamente
indivíduos que padecem de fibromialgia. Sabe-se que outros tratamentos
podem ser indicados para combater aquela enfermidade, mas também é
necessário reconhecer que a resposta a um mesmo tratamento não será
idêntica para todas as pessoas que a ele se submetem. Há que se considerar,
portanto, que alguns paciêntes que sofrem de fribromialgia podem apresentar
melhoras mais acentuadas com o uso regular de duloxetina.
Assim, os beneficiários da prestação jurisdicional pretendida
serão todos os cidadãos acometidos por tal enfermidade e que apresentem
a real necessidade de fazer uso da referida substância, derivando-se daí a
legitimidade do Ministério Público para defender o interesse individual
indisponível, consistente no direito à saúde.
Destarte, afigura-se legítima a atuação do MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL para a defesa de direitos e interesses difusos, entre os quais se
insere o direito à saúde, exteriorizada, in casu, na busca de provimento
judicial que assegure aos pacientes, usuários do SUS, que apresentarem
diagnóstico de fibromialgia - nos casos em que for indicado o tratamento
medicamentoso com Cymbalta (duloxetina) 60mg, ainda que importado ou
não constante da lista oficial do Ministério da Saúde - a entrega gratuita do
medicamento pelo Poder Público.
V - DOS FATOS
Instaurou-se nesta Procuradoria da República o Procedimento
Administrativo
nº
1.14.004.00211/2007-46,
a
partir
de
representação
formulada pela Sra. XXXXXX, portadora de fibromialgia (CID M79.0), tomada
por termo em 1º de agosto de 2007, a qual buscava viabilizar a dispensação do
medicamento Cymbalta 60mg (duloxetina 60mg), visto que o Sistema Único
de Saúde não fornece espontaneamente tal remédio.
Segundo a declarante e em consonância com os documentos
apresentados, ela é portadora de fibromialgia (CID M79.0), doença
neurológica multissintomática relacionada com o funcionamento do sistema
nervoso central e o mecanismo de supressão da dor, e que se caracteriza por
ser de difícil identificação e de ter suas causas ainda desconhecidas da pela
comunidade científica.
A declarante afirma que apresentou melhora significativa de
seu quadro após ter sido submetida ao tratamento com Cymbalta 60mg
(duloxetina) – tratamento este prescrito pela Dra. Rosa Garcia (CREMEB n°
1606),
conforme
fls.
04-06
do
procedimento
administrativo
acima
mencionado.
Aliás, a resposta positiva da declarante ao tratamento da
fibromialgia por conta do uso do medicamento Cymbalta 60mg encontra-se
ratificada
pelos diversos relatórios médicos carreados aos autos do
Procedimento Administrativo n° 1.14.004.000211/2007-46 (fls.21, 22, 23, 31 e
34). Registre-se, ademais, que alguns desses relatórios apontam que outras
medicações foram administradas, mas que nenhuma delas proporcionou
uma melhora tão significativa quanto a apresentada através da utilização
de duloxetina.
A declarante afirmou ainda que, embora faça tratamento no
CAPS (Centro de Apoio Psicosocial), o município de Feira de Santana e o
Estado da Bahia não oferecem o medicamento em comento.
Ressalte-se que o referido medicamento, já aprovado pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Registro nº 112600164, válido até
setembro de 2009), é um antidepressivo, indicado para o tratamento do
transtorno depressivo maior e da dor neuropática associada à neuropatia
diabética periférica, mas que, no caso da paciente XXXXXX, vem ocasionando
melhoras significativas no seu quadro clínico, que é de fibromialgia (CID
M79.0).
Destarte, embora o tratamento da fibromialgia não seja referido
no rol de indicações constantes da bula do medicamento Cymbalta 60mg, há
que se ressaltar que a empresa fabricante daquele medicamento (Eli Lilly) já
apresentou um pedido junto a FDA (Food and Drug Administation) – agência
reguladora americana – para aprovar o uso desse antidepressivo no controle
da
fibromialgia,
consoante
fl.53
do
Procedimento
Administrativo
n°
1.14.004.000211/2007-46.
Em resposta a requisição ministerial, a Secretaria Municipal de
Saúde informou que o medicamento Cymbalta 60mg não é fornecido pelo
município, mas que a sua dispensação é realizada na esfera estadual em
função de aquele medicamento não pertencer ao elenco de fármacos da
Atenção Básica (fl. 11 do procedimento supracitado). Segundo aquele órgão,
sendo a medicação classificada como de dispensação excepcional, caberia à
Secretaria Estadual de Saúde a aquisição e dispensação do medicamento.
A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, por sua vez, através
da Diretoria de Assistência Farmacêutica, em resposta a ofício desta PRM,
preocupou-se apenas em informar que a fibromialgia poderia ser tratada
através da administração de outras medicações, e que a eficácia do
tratamento da enfermidade com duloxetina ainda se mostra vacilante (fls.
18/20).
O Ministério da Saúde, através da Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Insumos Estratégicos, respondeu à requisição ministerial
enviando uma manifestação oriunda do Departamento de de Assistência
Farmacêutica. Manifestou-se o órgão no sentido de que o crescente
desenvolvimento tecnológico pressiona permanentemente o sistema de saúde,
de maneira que, em nome da efetividade desse sistema, um maior rigor seja
imposto para incorporação de novas tecnologia (fls. 13/16).
Não sendo, pois, integrante de qualquer elenco de assistência
farmacêutica com financiamento público, o medicamento não é fornecido
pelo Sistema Único de Saúde. Deixou-se aberta, porém, a possibilidade – que,
segundo o parecer técnico, apenas é “excepcional” – de que pacientes em
situações semelhantes sejam avaliados e atendidos pela Secretaria Estadual
de Saúde, em respeito ao princípio da integralidade que sustenta o SUS.
Saliente-se que se trata de medicamento de alto custo, haja
vista que uma caixa de Cymbalta 60mg, com 28 cápsulas, custa, em média,
R$ 227,00 (duzentos e vinte e sete reais), e a paciente em questão
necessita de apenas de uma caixa por mês.
VI - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Os óbices burocráticos opostos pelos gestores do SUS não são
aptos a afastar o dever constitucionalmente imposto ao Estado (Poder
Público) de garantir o pleno direito à saúde, conforme a seguir se
demonstrará.
O artigo 196 da Constituição Federal estabelece:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
Este dispositivo não é uma mera ordem programática despida de
conteúdo jurídico obrigacional. O art. 196 da CF obriga o PODER PÚBLICO a
garantir o direito à saúde mediante políticas sociais e econômicas, bem como
a exercer ações e serviços de forma a promover, proteger e recuperar a
saúde. A tal dever corresponde o direito subjetivo público do cidadão de ver
tais ações e serviços implementados. Nesse sentido, pronunciou-se o Supremo
Tribunal Federal:
PACIENTE COM PARALISIA CEREBRAL E MICROCEFALIA. PESSOA
DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À
SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E DE
APARELHOS MÉDICOS, DE USO NECESSÁRIO, EM FAVOR DE
PESSOA CARENTE. DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF,
ARTS. 5º, CAPUT, E 196). PRECEDENTES (STF).
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa
jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas
pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz
bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja
integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder
Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas
sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o
acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da
Carta Política - que tem por destinatários todos os entes
políticos que compõem, no plano institucional, a
organização federativa do Estado brasileiro - não pode
converter-se em promessa constitucional inconseqüente,
sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas
nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira
ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por
um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao
que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
Precedentes do STF”. (STF, RE n. 273.834-4/RS. 2ª Turma, Rel.
Min. Celso de Mello, Julg. 12/09/2000).
Como se observa, o direito à saúde implica para o Poder Público
o dever inescusável de adotar todas as providências necessárias e
indispensáveis para a sua promoção. Nesse contexto jurídico, se o poder
público negligencia no atendimento de seu dever, cumpre ao Poder Judiciário
intervir, num verdadeiro controle judicial de política pública, para conferir
efetividade ao correspondente preceito constitucional.
Por sua vez, a legislação infraconstitucional, regulando e
estruturando o Sistema Único de Saúde constitucionalmente estabelecido, em
atenção ao princípio da integralidade da assistência, define, no artigo 2º da
Lei n. 8.080/90 que “a saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.”.
Estabelece ainda, em seu artigo 6º, inciso I, alínea d, que “Estão incluídas
[...] no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) [...]
assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”.
Existindo plena disponibilidade do medicamento no mercado e
havendo real necessidade de tratamento reconhecida por especialista,
nenhum óbice se pode opor à dispensação do medicamento Cymbalta
(duloxetina) 60 mg aos pacientes carentes que dele necessitem.
A Política Nacional de Medicamentos, aprovada por intermédio
da Portaria GM-MS Nº 3.916 DE 30/10/98 (DOU 10/11/1998), estabelece entre
suas diretrizes que:
3.0 – Diretrizes
[...]
3.3 [...] O processo de descentralização, no entanto, não
exime os gestores federal e estadual da responsabilidade
relativa à aquisição e distribuição de medicamentos em
situações especiais.
“Inicialmente, a definição de produtos a serem adquiridos e
distribuídos de forma centralizada deverá considerar três
pressupostos básicos, de ordem epidemiológica, a saber”:
a) [...]
b) doenças consideradas de caráter individual que, a
despeito de atingir número reduzido de pessoas, requerem
tratamento longo ou até permanente, com o uso de
medicamentos de custos elevados.
Não custa repetir que a Constituição Federal, ao cometer tal
dever de proteção à saúde ao ESTADO, o faz como gênero. A forma como os
entes
federativos
promoverão
a
prestação
é
matéria
afeta
ao
planejamento orçamentário, à logística ou ao exercício da coordenação
política entre os entes federados. Deve, todavia, permanecer transparente
ao usuário do sistema e jamais servir ao propósito de afastar a prestação
devida.
Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
SAÚDE – AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS.
DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar
meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando
envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde
torna a responsabilidade linear alcançando a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios. (STF, RE n.
195.192-3/RS, 2ª Turma, Relator Min. Marco Aurélio, julg.
22/02/2000, DJ 31/03/2002).
Entretanto, a providência devida, isto é, a dispensação do
medicamento aos pacientes que dele necessitam vem sendo negada tanto
pelo gestor municipal, como pelo gestor estadual, sob os argumentos acima
descritos.
A Suprema Corte, por intermédio de uma de suas dignas vozes,
S. Exa. o Ministro CELSO DE MELLO, apresenta inteligente orientação no
seguinte sentido, verbis:
Não deixo de conferir [...] significativo relevo ao tema
pertinente à ‘reserva do possível’ (STEPHEN HOLMES/CASS R.
SUNSTEIN, “The Cost of Righs”, 1999, Norton, New York),
notadamente em sede de efetivação e implementação
(sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo
Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais
positivas concretizadas de tais prerrogativas individuais e/ou
coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais
– além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo
de concretização – depende, em grande medida, de um
inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades
orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada,
objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da
pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir,
considerada a limitação material referida, a imediata
efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal
hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade
financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo
artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável
propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos
cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do
possível' – ressalvada a ocorrência de justo motivo
objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo
Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de
suas obrigações constitucionais, notadamente quando,
dessa conduta governamental negativa, puder resultar
nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial
fundamentalidade (ADPF 45 MC/DF – Informativo do STF nº
345).
Apesar do exposto, o SUS, em suas diversas áreas de atuação,
tem negado o fornecimento de determinados medicamentos imprescindíveis
para o correto tratamento de enfermidades como a do caso concreto,
violando, destarte, o direito constitucional e legal à saúde, ao recebimento
gratuito de medicamentos e, em última análise, o próprio direito à vida
digna.
Ressalte-se que o ocorrido com XXXXXX não configura um caso
isolado, haja vista que todas as pessoas acometidas pelas mesmas
enfermidades, que já necessitam ou que venham a necessitar de Cymbalta
(duloxetina) 60mg, caso o solicitem ao SUS, enfrentarão recusa, vendo-se,
cada uma delas, obrigada a recorrer ao Ministério Público Federal e ao
Judiciário, para que possam continuar vivendo dignamente.
O recebimento gratuito, pelos portadores de tais enfermidades,
de toda a medicação necessária a seu tratamento se afigura, então, direito
difuso, transindividual, de natureza indivisível, do qual são titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstância de fato.
Nítido está que o objetivo primordial da presente demanda, para
a qual está devidamente legitimado a figurar no pólo ativo o Ministério
Público Federal, é a proteção de um dos direitos individuais e coletivos mais
relevantes e que restou violado com o não fornecimento, pelo SUS, da
medicação em questão: o direito à vida digna.
Não menos maculada restou a garantia constitucional da saúde,
como direito de todos e dever do Estado, que se não possuísse acepção de
valor/interesse social, não mereceria tratamento individualizado pela Carta
Magna de 1988, no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da Seguridade
Social), Seção II.
Neste sentido, os tribunais pátrios têm decidido:
CONSTITUCIONAL
E
ADMINISTRATIVO.
MANDADO
DE
SEGURANÇA. OBJETIVO: RECONHECIMENTO DO DIREITO DE
OBTENÇÃO
DE
MEDICAMENTOS
INDISPENSÁVEIS
AO
TRATAMENTO DE RETARDO MENTAL, HEMIATROPIA, EPILEPSIA,
TRICOTILOMANIA
E
TRANSTORNO
ORGÂNICO
DA
PERSONALIDADE.
DENEGAÇÃO
DA
ORDEM.
RECURSO
ORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL (ART. 6º E 196 DA CF). PROVIMENTO DO RECURSO E
CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
I - É direito de todos e dever do Estado assegurar aos
cidadãos a saúde, adotando políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e permitindo o acesso universal igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação (arts.
6º e 196 da CF).
II - Em obediência a tais princípios constitucionais, cumpre ao
Estado, através do seu órgão competente, fornecer
medicamentos indispensáveis ao tratamento de pessoa
portadora de retardo mental, hemiatropia, epilepsia,
tricotilomania e transtorno orgânico da personalidade.
III - Recurso provido.
(Origem: STJ. Classe: ROMS. Processo: 2001000890152. UF:
MG. Órgão julgador: PRIMEIRA TURMA. Data da decisão:
13/08/2002. Relator: GARCIA VIEIRA).
CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO. PACIENTE COM HEPATITE “C”. DIREITO À VIDA
E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO.
1-Delegado de polícia que contraiu Hepatite “C” ao socorrer
um preso que tentara suicídio. Necessidade de medicamento
para cuja aquisição o servidor não dispõe de meios sem o
sacrifício do seu sustento e de sua família.
2-O Sistema Único de Saúde – SUS visa a integralidade da
assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo
atender aos que dela necessitem em qualquer grau de
complexidade, de modo que, restando comprovado o
acometimento do indivíduo ou de um grupo por
determinada moléstia, necessitando de determinado
medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de
modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida
digna.
3-O direito à vida e a disseminação das desigualdades impõe o
fornecimento pelo Estado do tratamento compatível à doença
adquirida no exercício da função. Efetivação da cláusula
pétrea constitucional.
4-Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a
sua pretensão, legítima e constitucionalmente garantida,
posto assegurado o direito à saúde e, sem última instância, à
vida [...]
5-Recurso especial provido.
(Origem: STJ. Classe: RESP. Processo: 200200447996. UF: SP. Órgão
Julgador: Primeira Turma. Data da Decisão: 1/10/2002. Relator:
LUIZ FUX.).
O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988,
configura direito fundamental de segunda geração. Nesta geração, estão os
direitos sociais, culturais e econômicos, que se caracterizam por exigirem
prestações positivas do Estado. Não se trata mais, como nos direitos de
primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em desfavor das
liberdades individuais.
Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo
o direito de exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da
saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho, etc.
Cumpre ressaltar, outrossim, que baliza nosso ordenamento
jurídico o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º,
inciso III, da Constituição Federal e que se apresenta como fundamento da
República Federativa do Brasil.
Visando a concretizar o mandamento constitucional, o legislador
estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Neste
sentido, a Lei Federal n. 8.212/91 dispõe que:
Art. 1º. A Seguridade Social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da
sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à
previdência e à assistência social.
[...]. 2º. A Saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância
pública e sua organização obedecerá aos seguintes princípios e
diretrizes:
a) acesso universal e igualitário;
b) provimento das ações e serviços através de rede
regionalizada e hierarquizada, integrados em sistema único;
c) descentralização, com direção única em cada esfera de
governo;
Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei
Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da
própria sociedade no sentido de “assegurar o direito relativo à saúde”.
A Lei Federal n. 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelece:
Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício.
§1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na
formulação e execução de políticas econômicas e sociais que
visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no
estabelecimento de condições que assegurem o acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação.
[...]
Art. 4º. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados
por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e
municipais, da administração direta e indireta e das funções
mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de
Saúde – SUS.
O art. 7º da citada lei estabelece que as ações e serviços
públicos que integram o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos de
acordo com as diretrizes previstas no artigo 198, da CF, obedecendo,
ainda, aos seguintes princípios:
Art. 7º. [...]
I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os
níveis de assistência;
II – integralidade de assistência, entendida como um
conjunto articulado.
III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua
integridade física e moral;
IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou
privilégios de qualquer espécie;
[...]
XI – conjugação de recursos financeiros, tecnológicos,
materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de
assistência à saúde da população.
Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora do
Sistema Único de Saúde elenca como princípio a integralidade de assistência,
definindo-a como um conjunto articulado e contínuo de serviços
preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em
todos os níveis de complexidade do sistema.
É dever do Sistema Único de Saúde fornecer não apenas os
remédios constantes da lista oficial do Ministério da Saúde, mas, tendo em
vista as particularidades do caso concreto e a comprovada necessidade de
utilização de outros medicamentos, impõe-se a obrigatória conjugação de
recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da UNIÃO, do
ESTADOS, do DISTRITO FEDERAL e dos MUNICÍPIOS, na prestação de
serviços de assistência à saúde da população.
VII - DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Assim estabelece o artigo 273 do Código de Processo Civil:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,
total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no
pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se
convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação;
No presente caso, todos os requisitos exigidos pela lei
processual para o deferimento da tutela antecipada encontram-se reunidos.
A verossimilhança da alegação está plenamente demonstrada,
conforme as razões fáticas, jurídicas e probatórias desta petição de ingresso.
A demora na prestação jurisdicional evidentemente teria conseqüências
deletérias para a saúde dos enfermos que se busca tutelar.
Em
relação
especificamente
ao
paciente
nominado,
há
comprovação do diagnóstico através de relatórios médicos, que recomendam
o uso diário e contínuo da droga em questão e assinalam eficácia do
tratamento, decorrendo, daí, o inquestionável receio de ocorrência de dano
irreparável e irreversível à paciente XXXXXX e a outros cidadãos que
enfrentem igual situação.
Há ainda o fundado receio de dano irreparável, que deflui da
inequívoca gravidade da enfermidade que acomete XXXXXX e todos os demais
cidadãos que padecem do mesmo mal. A evolução da doença pode, a
qualquer momento, precipitar-se em complicações irreversíveis, se não
adotado o tratamento pleiteado e se não garantida a sua continuidade,
conforme relatórios médicos juntados ao Procedimento Administrativo n°
1.14.004.000211/2007-46.
Justifica-se, in casu, o pedido de antecipação da tutela em
relação a XXXXXX e aos que vivem igual drama médico, pelo fato de estarem
caracterizados, à lume do artigo 273, do Código de Processo Civil, todos os
pressupostos autorizadores de sua concessão:
O primeiro requisito para a concessão da tutela antecipatória
é a probabilidade de existência do direito afirmado pelo
demandante. Esta probabilidade de existência nada mais é,
registre-se, do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como
requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e não
apenas da tutela cautelar. Assim sendo, deve verificar o
julgador se é provável a existência do direito afirmado pelo
autor, para que se torne possível a antecipação da tutela
jurisdicional.
Não basta, porém, este requisito. À probabilidade de
existência do direito do autor deverá aderir outro elemento,
sendo certo que a lei processual criou dois outros (incisos I e II
do art. 273). Estes dois requisitos, porém, são alternativos,
bastando a presença de um deles, ao lado da probabilidade de
existência do direito, para que se torne possível a antecipação
da tutela jurisdicional.
Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão da
tutela antecipatória porque, além de ser provável a existência
do direito afirmado pelo autor, existe o risco de que tal
direito sofra um dano de difícil ou impossível reparação (art.
273, I, CPC). Este requisito nada mais é do que o periculum in
mora, tradicionalmente considerado pela doutrina como
pressuposto de concessão da tutela jurisdicional de urgência
(não só na modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada,
mas também em sua outra espécie: a tutela cautelar)
(CÂMARA, Alexandre, Lições de Direito Processual Civil.
Lúmen Iuris: São Paulo, 2000. pp. 390-1).
O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado,
consubstancia-se nos relatórios médicos e demais documentos apresentados e
que atestam, de forma inequívoca, que XXXXXX apresenta diagnóstico de
fibromialgia, necessitando de tratamento médico com duas doses diárias de
Cymbalta 60mg, que lhe é negado pelo SUS.
Nessa condição, é direito garantido pela legislação já invocada, o
recebimento gratuito da medicação necessária ao seu tratamento, de
acordo com a legislação constitucional e infraconstitucional, aplicável à
matéria.
O periculum in mora é notório e decorre do risco da
ocorrência de agravamento do quadro clínico da paciente e dos demais que
padeçam do mesmo quadro, em decorrência da falta de tratamento médico
adequado. O receio de lesão consubstancia-se na possibilidade de os pacientes
experimentarem prejuízo irreparável ou de difícil reparação, se tiverem de
aguardar o tempo necessário para decisão definitiva da lide.
Eis um julgado recente do TRF da 4ª Região quanto ao
cabimento de antecipação da tutela no caso de tratamento de saúde:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. TRATAMENTO DE SAÚDE.
LEGITIMIDADE
PASSIVA.
INEXISTÊNCIA
DE
ÓBICE
À
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
1. A União tem legitimidade à ocupação do pólo passivo de
ação visando a realização de exames médicos e o
fornecimento de medicação.
2. O ente político em tela não se exime do cumprimento de
ordem deferitória de antecipação de tutela ao argumento de
ausência de previsão orçamentária, pois consabido possuir
várias fontes de receita e meios orçamentários de relocação
de verbas. Também não lhe socorre a alegada prejudicialidade
que a medida acarreta aos usuários que porventura
necessitem dos serviços públicos de saúde.
3. Afastada a alegada ingerência do Poder Judiciário na esfera
administrativa, bem como o empeço ao concessório
objurgado, não havendo a incidência da Lei nº 9.494/97.
4. Presente a conjugação dos pressupostos legais a tanto,
defere-se pedido de antecipação de tutela para que a União
custeie a realização de exame médico e os medicamentos
necessários a tratamento emergencial de saúde,
notadamente ante à envergadura constitucional do direito
correspondente.
(Origem: TRF 4ª Região. Classe: AG - AGRAVO DE
INSTRUMENTO Processo: 200304010505363. UF: RS. Órgão
Julgador: QUARTA TURMA. Data da decisão: 31/03/2004.
Relator(a): JUIZ AMAURY CHAVES DE ATHAYDE).
Impõe-se, na espécie, a dispensa de intimação da Fazenda
Pública para os fins do artigo 2º da Lei nº 8.437/92, no tocante ao
fornecimento do medicamento à paciente XXXXXX, em face da gravidade da
enfermidade e da urgência que o caso requer, sob pena de se tornar inócua
decisão posterior. Ademais, a garantia constitucional do direito à vida digna
prevalece quando em confronto com as regras de direito processual civil.
Deferir a tutela antecipada no presente caso significa garantir a
vida digna do mencionado enfermo e dos demais pacientes de igual quadro,
respeitando suas condições de seres humanos e cidadãos, que têm o direito de
cobrar do Estado o atendimento integral à saúde.
Não obstante o pedido de antecipação de tutela se refira
especificamente à entrega de determinado remédio, o que levaria, em uma
análise apressada, a se pensar que a obrigação em tela se resumiria a uma
prestação de dar, está-se, em verdade, diante de uma verdadeira obrigação
de fazer, qual seja, a de prestar o tratamento necessário, suficiente e
adequado à manutenção da saúde e preservação da vida digna de XXXXXX e
dos demais pacientes economicamente hipossuficientes que se encontrem
na
mesma
situação
de
enfermidade,
no
Estado
da
Bahia,
ou,
alternativamente, sob a jurisdição da Subseção Judiciária de Feira de
Santana/BA.
Todos os requisitos legalmente exigidos para o deferimento da
antecipação do provimento jurisdicional se encontram presentes.
Em razão do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a
Vossa Excelência:
a) a concessão da antecipação da tutela, inaudita altera parte,
a fim de que seja determinando à UNIÃO, ao ESTADO DA BAHIA e ao
MUNÍCIPIO DE FEIRA DE SANTANA, de forma solidária, o fornecimento gratuito
e ininterrupto, em local disponível e de forma imediata, a XXXXXX e a todos
os pacientes economicamente hipossuficientes ou usuários do SUS que, no
curso da ação, comprovarem a necessidade do uso de Cymbalta (duloxetina)
600mg, por intermédio de receituário expedido por médico vinculado ao SUS,
ainda que necessite ser importado e/ou não conste da lista oficial do
Ministério da Saúde, em prazo exíguo a ser estipulado pelo prudente arbítrio
de Vossa Excelência, bem como seja assegurado o fornecimento mensal da
quantidade de remédio necessário à continuidade do tratamento.
Impende salientar que a relação obrigacional é solidária,
devendo a UNIÃO, se for o caso, repassar ao ESTADO e ao MUNICÍPIO os
recursos necessários a custeá-la; e
b) que a UNIÃO, por intermédio do Ministério da Saúde, no papel
de gestor federal do SUS, responsável pela elaboração da lista de
medicamentos excepcionais, adote as medidas administrativas necessárias à
inclusão do medicamento
Cymbalta 60mg
na lista de medicamentos
excepcionais, visando à transferência de recursos federais fundo a fundo,
dentro do financiamento específico para o Programa de Dispensação de
Medicamentos em Caráter Excepcional, para fazer frente ao encargo atribuído
ao Estado-membro na forma descrita na alínea “a” acima.
c) a cominação de multa diária para caso de descumprimento
da decisão antecipatória, no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais).
Requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL que a medida seja
concedida em relação a todos os pacientes carentes ou usuários do SUS
portadores
de
fibromialgia
domiciliados
no
Estado
da
Bahia,
ou,
alternativamente, para todos os pacientes carentes ou usuários do SUS
domiciliados na Subseção Judiciária Federal de Feira de Santana1, eis que
tal necessidade não toca apenas à paciente XXXXXX, que, aliás, com o
deferimento da tutela, deverá ser imediatamente beneficiada.
VIII - DOS PEDIDOS PRINCIPAIS
1 Em relação ao Município de Feira de Santana o pedido de condenação cinge-se, obviamente, aos
pacientes carentes com domicílio no próprio município.
Por fim, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:
a) sejam julgadas procedentes as pretensões ora deduzidas,
confirmando-se a tutela antecipada e condenando-se a UNIÃO, o ESTADO DA
BAHIA e o MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA, de forma solidária, nas
obrigações ali descritas relativamente a XXXXXX e a todos os pacientes
juridicamente pobres ou usuários do SUS, portadores de fibromialgia (CID
M79.0), com domicílio no Estado da Bahia, ou, por via alternativa, aos
enfermos domiciliados na Subseção Judiciária Federal de Feira de
Santana/BA2, que comprovem a necessidade de tratamento com CYMBALTA
(duloxetina) 60mg, determinando-se que a medida liminar, de início
deferida, continue produzindo seus efeitos até o trânsito em julgado da
sentença de procedência;
b) a citação dos entes demandados, nas pessoas de seus
representantes legais, para contestarem a presente ação e acompanhá-la em
todos os seus termos, até final procedência, sob pena de revelia e confissão;
c) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros
encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei n. 7.347/85; e
d) em que pese já tenha apresentado prova pré-constituída do
alegado, o MPF requer se lhe faculte a produção de todos os meios de prova
em direito admitidos, especialmente prova documental, testemunhal,
pericial e inspeção judicial, na medida necessária ao pleno conhecimento dos
fatos.
e) a publicação, às expensas das rés, da decisão de
antecipação dos efeitos da tutela e da sentença que julgar procedentes os
2 Para o Município de Feira de Santana, o pedido de condenação em obrigação de fazer restringe-se ao
fornecimento do medicamento aos cidadãos residentes em sua área territorial.
pedidos formulados nesta exordial, em, no mínimo, dois jornais de grande
circulação no Estado da Bahia, para possibilitar a ciência de todos os
interessados.
Dá-se à causa o valor de R$2.724,00 (dois mil setecentos e
vinte e quatro reais), correspondente, em média, à dispensação, por um ano,
do medicamento em questão a um só paciente, pois este é o único efeito
patrimonial imediatamente aferível da demanda.
Pede deferimento.
Feira de Santana/BA, 30 de maio de 2008
VLADIMIR BARROS ARAS
Procurador da República
PV