Reginaldo Poeta - Jornal O Lince
Transcrição
Reginaldo Poeta - Jornal O Lince
“O ENCONTRO MÁGICO DO PÓLEN” DE RÉGINALDO POETA GOMES Reginaldo escreveu um livro de poemas com poucas ousadias poéticas. Os 107 poemas versam sobre poucos temas. Apesar da quantidade, podemos resumir em aproximadamente dez temas básicos que se repetem ao longo do livro. Água, céu, ausência, tempo, cores (em especial o amarelo), memórias de infância, noite, amor, luz, sociedade. O principal tema para o poeta é a água, aparecendo principalmente na forma de nuvens e de chuva. Cerca de vinte e cinco por cento dos poemas aparecem com esta referência. Além de citar nuvens e chuva, também há referências à água quando fala em ilha, barragem, tempestade, dilúvio, relâmpago (que precisa de nuvens para se formar). Penso que esta fixação neste tema se deva ao fato dele ser do sertão nordestino e trazer isto muito dentro de si. No sertão, a água é tudo, a vida existe em torno da chuva, se há chuva e água, tudo existe. Para Reginaldo, a água inclusive, é a primeira coisa que ele pensa quando o sentimento da morte surge, ele escreve: “quando encontro o sentimento da morte, escapo dele entre copos de água” Daí a importância capital deste tema, que o remete à sua origem. O mais curioso é que apesar desta ser uma importância capital é, ao mesmo tempo, inconsciente, pois, na última página do livro, entre as coisas que ele gosta e ama, esqueceu-se de colocar algo relacionado às nuvens (com todas as suas formas, a esperança da chuva, a água e tudo o que isto representa em sua vida). O segundo tema mais importante é o céu e todas as coisas do alto ou aéreas como lua, sol, relâmpago (luz), pássaros (liberdade), borboletas (transformação), telhado (pensamento, cabeça) e voar. Também, cerca de vinte e cinco por cento dos poemas versam sobre este tema (coisas aéreas, voar, ou do alto). Em dois temas básicos, resume-se cinqüenta por cento do livro. No entanto, ao abusar dos temas, o poeta se repete constantemente e causa um certo cansaço na leitura do livro, seria muito bom que ele chegasse a um equilíbrio neste tema, talvez reduzindo a quantidade de referência ou ousando mais nas várias versões que as nuvens e céu lhe proporcionam. Apesar da quantidade, as idéias se repetiram. Penso também que o poeta teve muitas idéias geniais que foram pouco exploradas, levando-me a crer que faltou um pouco mais de trabalho em cima do poema. Exemplos de excelentes idéias pouco exploradas: Exemplo 1 – “Cinco Segundos que podem antecipar a tempestade” “Previna-se, antes que seja tarde, a palavra adeus está dentro da saudade” – Achei genial esta idéia do ADEUS dentro da SAUDADE, não apenas pelas letras que formam as duas palavras mas, também, porque para se ter Saudade é preciso primeiro dizer ADEUS, ou seja, só haverá saudade se antes houve o adeus. O poeta poderia trabalhar esta idéia de forma concreta, como por exemplo: A D E U A D E A A A D S A U D A D E D S E D E U E U S U E U S S U S S Ele poderia, no exemplo, formar muitas outras palavras com adeus e saudade como deusa e saúde. Ou poderia trabalhar de forma concreta também formando uma enorme palavra SAUDADE repleta de pequenas palavras ADEUS dentro dela, algo aproximadamente assim: ADE USADEUS ADE USADEUS ADE USAD EUSADEUS A DEU SADAD EUS ADE USADEUS AD EU UAD EUS A D E U S A S U E D A S DEU E assim por diante até formar a palavra saudade com muitos adeus. Exemplo 2 – em “Ruído Indesejado” a idéia do TUPI = Tudo Pirata é boa e também poderia ser trabalhada de forma concreta, fazendo diversos jogos de palavras com TUPI e PIRATA, poderia sair TU PIRATA, TU PIRADO, TU MAGNATA, TU PIRATA e daí por diante. Exemplo 3 – O poeta poderia, também, trabalhar um pouco mais o ritmo de alguns poemas que são bons e poderiam soar melhores. Por exemplo em: “Cardápio Diferenciado”, vamos contar as sílabas poéticas: 1 TEM TEM TEM 2 PE PE PE 3 RO RO RO 4 DA DO DA 5 CONS FEI VI 6 TRU JÃO DA 7 ÇÃO CO OE 8 CI EM XA 9 MEN 10 11 TO MO MEN Vemos que os dois primeiros versos têm nove e oito sílabas poéticas, respectivamente, e o último verso tem onze sílabas poéticas o que força muito o ritmo da leitura, a idéia é excelente, dos temperos da vida, mas se a palavra EXATO fosse omitida não alteraria a idéia básica do poema que diz que o tempero da vida é o momento, é o que acontece naquela hora, naquele tempo, não precisa ser exato para ser o tempero, aliás, ao temperar a comida, nunca se põe a quantia exata de tempero, sempre é algo aproximado e por isso que, a cada vez, o feijão fica com gosto diferente, o mesmo para a vida. Ao retirar a palavra exato, o último verso teria oito sílabas poéticas e teria um outro ritmo melhor de ler. Exemplo 4 – No poema: “Semanal” DOMingo SEgunDA TERça quARta quINta SEXta SABADO: relaxo! Em cada dia da semana Me encaixo. Ao citar os dias da semana e destacar algumas letras de cada dia, o poeta parece querer o destaque das letras, DOM – SE – TER – AR – IN – SEX – SABADO. À primeira vista, parecia que o poeta queria escrever outro poema dentro do primeiro poema: Dom se ter ar in sex... mas a palavra sábado escrita em maiúscula mostra que não houve esta intenção, parece aleatório o destaque das letras. Reginaldo poderia aproveitar melhor esta boa idéia e dar destaque às letras com a intenção de escrever outro poema, por exemplo: DO – SE – TER – RA- IN – SEX – SO – poderia ser DOSE TERRA IN SEX SÓ, indicando uma pessoa que tem uma dose de sexo só, ou está solitário e sem sexo ou, numa leitura rápida, DOCE TERRA IN SEXO, aludindo aos prazeres do sexo na Terra, enfim, poderia haver outros significados dentro do poema. Estes exemplos não destroem a poesia de Reginaldo, ao contrário, espero que sirvam para alertá-lo da importância de trabalhar o poema, lapidar, melhorar, ler e reler. São boas idéias que penso pouco aproveitadas. E há coisas muito interessantes no livro, como o jogo feito com a palavra LUA, pois nunca temos certeza se o poeta fala da LUA – astro no firmamento ou da LUA (Zenilda Lua) sua esposa. O que torna interessante misturar estas duas idéias e os jogos de palavras feitos como no belo poema: Fim de Julho Na maciez do fim de tarde Busco o tapete calmo De uma paz escondida Numa Lua que se anuncia Mas que ainda não se resolveu Buscamos tanto... Queremos tanto... Anoiteceu. E agora? Onde você se escondeu? A Lua está escondida e se anuncia, qual Lua? O satélite Lua ou a esposa Lua? Quem não se resolveu? O poeta está dando características humanas ao satélite ou está falando de sua esposa e lhe dando características divinas (ser um astro no firmamento). Este é um ótimo poema que mostra o talento do poeta, ao fazer o jogo de palavras que, no fim, é a poesia. Entra no jogo de palavras quando o poeta começa a fazer definições curiosas e bem vindas como “Desabafo de um notebook” – “Tem mouse que vem para o bem”. É uma bela brincadeira que junta o ditado popular e a modernidade, atualizando de certa forma o ditado. Enfim, o livro de Reginaldo mostra o talento do seu autor, do poeta que observa o mundo, que procura entender o seu mundo, no entanto, mostra também que este talento precisa de mais trabalho, de mais carinho na elaboração do poema, vê-se que o poeta transborda de inspiração e carece de transpiração. Falta-lhe um olhar mais atento ao conjunto da própria obra, os poemas vão saindo (vê-se que são freqüentes, dada a quantidade) e não retornam, não são mastigados, o poeta não acrescenta elementos químicos, não os cozinha até o ponto. Poucos poemas saem perfeitamente prontos da cabeça de um poeta. É necessário e importante trabalhar em cima de cada poema. Fica aqui o meu pedido a Reginaldo Poeta Gomes: continue com o seu trabalho porque você tem talento, mas olhe para o conjunto da sua obra, e trabalhe mais os poemas pensando neste passado já conquistado e no futuro de obras mais elaboradas e belas. Creio que este livro é um livro de transição entre o poeta inspirado e o grande poeta inspirado. Siga em frente, continue ousando, este é o seu caminho. Parabéns pelo livro.