Untitled - Acquaviva
Transcrição
Untitled - Acquaviva
1 IV Conferência Regional sobre Mudanças Globais: o Plano Brasileiro para um Futuro Sustentável 4 – 7 abril 2011 – Memorial da América Latina, São Paulo TEMA: NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS A política climática dos Estados Unidos sob perspectiva doméstica Solange Reis, doutoranda pela Unicamp, pesquisadora do CEDEC e do INCT-Ineu ([email protected]; [email protected]) Kelly Ferreira, mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais, San Tiago Dantas da UNESP, UNICAMP e PUC/SP, pesquisadora do CEDEC e do INCT-Ineu ([email protected]; [email protected]) Tullo Vigevani, professor da UNESP, pesquisador do CEDEC e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) ([email protected]; [email protected]) 2 Introdução Os riscos de mudança climática decorrente do aquecimento global vêm mobilizando a comunidade internacional desde os anos 60 e 70, quando o Clube de Roma publicou o manifesto ―Os Limites do Crescimento‖ e a Organização das Nações Unidas realizou a Conferência de Estocolmo de 1972. A partir do fim da década de 80, outras reuniões, programas e documentos permitiram avanços no sentido de conscientizar a opinião pública e os dirigentes políticos em diversos países. Dentre os principais eventos, destacaram-se o Relatório Brundtland de 1987, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em 1988 e, finalmente, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente de 1992, no Rio de Janeiro. Todas essas iniciativas visavam desenvolver sistemas de regimes internacionais para proteção ambiental. A questão é simples na descrição: desde meados do século XIX, a temperatura na Terra vem subindo em ritmo acelerado1. Estudos científicos analisados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) indicam que o fenômeno deve-se a causas naturais, mas também ao modelo de civilização industrial, cujo modo de produção depende do uso em larga escala de recursos fósseis geradores de gases poluentes2. Atividades humanas causariam por boa parte das emissões de gases de efeito estufa. As consequências térmicas do consumo de recursos fósseis podem ser desastrosas para a vida na Terra. Segundo a Agência Internacional de Energia3, Continuing on today’s path, without new polices, would mean rapidly increasing dependence on fossil fuels and continuing wasteful use of energy, taking us towards a concentration of greenhouse gases in the atmosphere in excess of 1.000 parts per million (ppm) of CO² equivalent. This (…) would almost certainly lead to massive climatic change and irreparable damage to the planet. 1 Climate Change 2001: Synthesis Report. Summary for Policymakers. An Assessment of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Disponível em: http://www.ipcc.ch/pdf/climatechanges-2001/synthesis-spm/synthesis-spm-en.pdf 2 O IPCC não conduz os estudos, mas avalia relatórios desenvolvidos por cientistas de diversas instituições mundiais. 3 World Energy Outlook 2009. International Energy Agency. OECD/IEA, 2009, p/ 168. 3 Especialistas recomendam a adoção de medidas severas para que o aumento da temperatura no atual século não ultrapasse em mais de 2°C os níveis pré-industriais4. Em 1990, a concentração global de dióxido de carbono na atmosfera era de 354 ppm contra 280 ppm da era pré-industrial. Para a comunidade científica, o índice superior a 450 ppm incorrerá em incontornáveis desastres ambientais5. Em 2005, os Estados Unidos já eram responsáveis por 20% das emissões globais6, vindo a ocupar a 7ª posição na lista de emissão de CO² per capita em 20097. O país ocupou o posto de maior poluidor do mundo por algumas décadas, até ser ultrapassado pela China em volume emitido em 20078. Essa condição não chegava a perturbar os formuladores de políticas no país. Durante muitos anos, imperou nos Estados Unidos, bem como no mundo, a crença de que o desenvolvimento econômico estava diretamente ligado ao consumo energético. Para os norte-americanos, a relação do país com o uso de energia apenas seguia o curso natural de uma história destinada ao progresso contínuo. As duas últimas administrações antes de Barack Obama – Bill Clinton e George W. Bush – sofreram pressão da comunidade internacional para aderir aos acordos internacionais. Em 1992, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática estabeleceu os pilares de uma temática que envolveria cada vez mais nações, governos e comunidades. Sem definir metas e objetivos, o tratado deu o primeiro passo na criação de uma estrutura de 4 LIGHT, Andrew; WEISS, Daniel J; KAUFMAN, Lisbeth; JAMES, Adam. Prospects for U.S. Climate Policy. National Action and International Cooperation in a Changed Political Landscape. Friedrich Ebert Stiftung, dez. 2010, p. 2. 5 LEGGETT, Jane A. A U.S.-centric Chronology of the International Climate Change Negotiations. Congressional Research Service 7-5700, R40001, mar.2010, p. 7. 6 Obama’s New Climate Policy. Opportunities and Challenges of Climate Policy Change in the US. Stiftung Wissenschaft und Politik. SWP Research Papers, jul. 2010, p. 43. 7 World Energy Outlook 2009. International Energy Agency. OECD/IEA, 2009, p/ 177. 8 China increases lead as biggest carbon dioxide emitter. The New York Times, 4/6/2008. Disponível em: http://www.nytimes.com/2008/06/14/world/asia/14china.html 4 colaboração internacional9. Os Estados Unidos foram o quarto país a assinar o acordo e o primeiro entre os industrializados10. Por tratar-se de um problema que desconhece fronteiras, qualquer solução requer uma ação global coordenada, cuja execução não escapa de implicações tecnológicas, econômicas e políticas. A percepção de setores domésticos sobre a extensão dessas implicações impediu uma cooperação prática efetiva dos Estados Unidos. O que parecia ser o início de uma trajetória positiva sobre ação climática no começo do governo Clinton, transformou-se em forte resistência ainda no mandato deste presidente e consolidou-se no de seu sucessor. É sabido, porém, que o desenvolvimento de uma ação global eficiente requer o engajamento deste país, bem como a conscientização de suas lideranças sobre a premência de se estabelecer um novo paradigma de consumo energético. Para compreender a sua atuação nas negociações internacionais sobre mudança climática e aquecimento global, é preciso observar de uma perspectiva minuciosa o cenário doméstico, de modo a identificar os interesses que movem os poderes econômicos e políticos, e determinam o papel do país nas esferas globais de discussão. Este artigo pretende trazer à luz parte dos fatores que determinam o posicionamento dos Estados Unidos nos debates internacionais, sobretudo desde a posse de Barack Obama, e as perspectivas de acordo até 2012, ano em que expiram o Protocolo de Kyoto e o mandato do atual presidente. Na primeira parte do ensaio, faremos uma breve retrospectiva das decisões tomadas nos dois governos anteriores: Bill Clinton (1993-2001) e George W. Bush (2001-2009). A segunda tratará do destaque dado pelo candidato Obama às questões ambientais e energéticas, salientando o aumento da contribuição financeira das indústrias do setor verde para a campanha eleitoral, especialmente a democrata. Ainda na segunda seção, observaremos as realizações e o descumprimento das promessas eleitorais durante seu primeiro mandato. 9 LEGGETT, Jane A. A U.S.-centric Chronology of the International Climate Change Negotiations. Congressional Research Service 7-5700, R40001, mar.2010, p.2. 10 PARKER, Larry B; BLODGETT, John E. U.S. Global Climate Change Policy: Evolving Views on Cost, Competitiveness, and Comprehensiveness. CRS Report for Congress. Order RL30024, p.1. 5 O terceiro bloco do trabalho será dedicado a identificar os principais atores – pessoas e instituições – que permitem ou inviabilizam avanços do (e no) país para uma ação global. Por último, procuraremos demonstrar as perspectivas de curto prazo para as negociações internacionais, tendo em vista o crescimento de grupos conservadores no espectro político dos Estados Unidos e as ações grassroots – campanhas populares - para inibir o estabelecimento no país de políticas climáticas. Parte 1 – A política climática dos Estados Unidos nas administrações Clinton e Bush. 1.1 – A política climática de Bill Clinton (1993-2001) A política climática do democrata Bill Clinton pode ser dividida em duas etapas: antes e depois das eleições de meio de mandato da primeira gestão. Eleito em 1992, Clinton teve a seu favor o controle do Congresso pelo Partido Democrata nos dois primeiros anos de governo. Essa vantagem, contudo, seria perdida antes do fim do primeiro termo, quando os republicanos saíram vitoriosos das eleições gerais de 1994. O resultado foi a retomada, inédita desde 1950, da maioria na Câmara e no Senado pelo Partido Republicano11. Ao assumir o cargo, o presidente anunciara planos de criar um imposto sobre consumo de energia e um programa em consonância com a ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Os projetos, no entanto, viram-se rejeitados no Congresso quando os democratas ainda o controlavam. Seis meses depois, divulgou-se o Plano de Ação para Mudança Climática (CCAP – Climate Change Action Plan) - uma série de iniciativas administrativas para reduzir as emissões de gases do país no ano 2000 ao nível de 1990. Embora a decisão sobre a execução dos programas do CCAP coubesse ao governo federal, o Congresso detinha um controle importante. 11 (1993/1995) Senado: 57 vagas democratas contra 43 republicanas; Câmara: 258 vagas democratas contra 176 republicanas e 1 independente. (1995/1997) Senado: 48 vagas democratas contra 52 republicanas; Câmara: 204 vagas democratas contra 230 republicanas e 1 independente. Disponível em: http://www.infoplease.com/ipa/A0774721.html 6 Para a implantação das medidas executivas, as agências encarregadas dependiam da liberação de US$ 1.9 bilhões por parte das duas casas legislativas. Em conformidade com o primeiro artigo da Constituição, os gastos públicos devem ser aprovados tanto pela Câmara quanto pelo Senado. Depois das eleições de meio de mandato, a liberação dos recursos tornou-se uma batalha diária entre a administração e os congressistas. A vantagem estava do lado dos republicanos, que passaram de uma posição reativa às propostas federais para a condição de impor a própria agenda, conhecida como ―Contrato com a América‖ 12 . Da perspectiva dessa estratégia republicana de governo, cuja essência era a participação mínima do Estado na economia, o CCAP representava um instrumento de interferência estatal no funcionamento do mercado. Em 1997, ao ser constatado que as emissões estavam 13% acima de 1990, Clinton atribui o insucesso do plano ao bloqueio da oposição às verbas para os quase 50 programas do CCAP13. Como demonstraremos adiante, aspectos do cenário doméstico repercutiram significativamente na postura dos Estados Unidos nas negociações internacionais. Seus representantes questionaram as metas e a pressionaram por maior participação dos países ―em desenvolvimento mais avançados‖ 14 . Outra preocupação era enquadrar europeus e japoneses dentro dos mesmos parâmetros, a fim de que as ―externalidades climáticas‖ não tornassem a economia norte-americana menos competitiva do que a de seus aliados. Embora o aumento da participação da China no comércio internacional mantivesse o ritmo médio de 7% ao ano desde 197915, ainda eram os principais países da União Europeia e o Japão os maiores concorrentes dos Estados Unidos. Para o governo, os custos inerentes à limitação das emissões 12 The Contract with America: Implementing New Ideas in U.S. The Heritage Foundation, 12 out. 1995. Disponível em: http://www.heritage.org/research/lecture/the-contract-with-americaimplementing-new-ideas-in-the-us 13 PARKER, Larry B; BLODGETT, John E.U.S. Global Climate Change Policy: Evolving Views on Cost, Competitiveness, and Comprehensiveness. CRS Report for Congress. OrderRL30024, p.11. 14 ROYDEN, Amy. U.S. Climate Change Policy Under President Clinton: A Look Back. Golden Gate University Law Review. Volume 32, Issue 4 Rio’s Decade: Reassessing the 1992 Earth Summit, 28 set. 2010, p.8. 15 PRASAD, Eswar (Editor). China’s Growth and Integration into the World Economy: Prospects and Challenges. International Monetary Fund. Washington, 2004, p.1. 7 deveriam ser partilhados por todos os pares, de forma que nenhum deles saísse em desvantagem no comércio internacional. Para Rafe Pomerance, antigo vice-assistente do secretário de Estado para Meio Ambiente, o objetivo principal do país na COP-1 (Conferência das Partes-1) , em Berlim no ano de 1995, era evitar que a União Europeia impusesse metas de emissão aos Estados Unidos16. Os negociadores concordaram que os países em desenvolvimento participariam de forma voluntária, sem comprometimento com metas préestabelecidas. Contudo, estavam cientes de que transformar acordos externos em legislações domésticas requeria bem mais do que a assinatura de compromissos formais entre Estados, exigiria muito esforço mesmo depois de alcançados os acordos internacionais. As condições de participação dos países em desenvolvimento ainda hoje são um dos tópicos centrais da resistência do Congresso ao engajamento do país em um regime climático global. No início de 1996, os republicanos rejeitaram o orçamento fiscal apresentado pela Casa Branca e propuseram uma nova versão com cortes duros em setores como educação, saúde e meio ambiente. Pela regra, o presidente tem a capacidade de acatar ou vetar a redução. Bill Clinton optou pelo veto, o que levou à paralisação de serviços essenciais em um fenômeno conhecido como government shutdown17. Diante de tal conjuntura interna, a perspectiva de uma política climática de alcance nacional viu-se reduzida. Apesar da dificuldade em coordenar exigências internacionais e domésticas, a administração Clinton nunca chegou a abandonar as negociações, como viria a fazer George W. Bush. Durante a COP-2, realizada naquele ano em Genebra, o subsecretário para Assuntos Globais, Timothy Wirth, declarou que o país concordava em estabelecer um instrumento legal condicionante. A declaração, no entanto, continha premissas que continuam pautando o comportamento do país nos fóruns de mudança climática e dificultando acordos até hoje. 16 ROYDEN, Amy. U.S. Climate Change Policy Under President Clinton: A Look Back. Golden Gate University Law Review. Volume 32, Issue 4 Rio’s Decade: Reassessing the 1992 Earth Summit, 28 set. 2010, p.8. 17 A paralisação do governo representa o impedimento de funcionamento de algumas agências federais por falta de verba, o que leva à interrupção da execução de programas, inclusive de pagamento de salários de funcionários públicos e de benefícios sociais. 8 Em primeiro lugar entre as premissas, as metas de redução deveriam ser realistas. O país não aceitaria trabalhar com números idealizados, sem conexão com a realidade econômica. Além disso, as soluções adotadas deveriam ser orientadas para o mercado, o que significava não apenas preservar a margem de lucro das indústrias, mas fazer do combate ao aquecimento global um negócio em si mesmo. Por último, os acordos deveriam ser suficientemente flexíveis para incorporar um número cada vez maior de países. Como sabemos, o tema da economia ecológica vem perpassando a temática do meio ambiente desde os anos 1960. Sem ser nosso tema aqui, deixamos à margem a pergunta de porque a incorporação dessa economia não se deu, e certamente não produziu os resultados que já nos anos 1980 eram imaginados (Pearce, David. Greening in the World Economy. London, Earthscan Publications, 1991). O que se observou previamente à COP-3, na cidade de Kyoto em 1997, foi uma espécie de fase preparatória da opinião pública e de tomadores de decisão em relação à importância do tratado. Com esse objetivo, foi criada a Força Tarefa para Mudança Climática da Casa Branca sob a liderança de Todd Stern, atual enviado especial de Obama. Funcionários de diversas agências federais procuraram esclarecer a questão para os grupos ambientalistas, os setores industriais, os políticos e a população em geral. O próprio Clinton proferiu um discurso na Sociedade Geográfica Nacional no dia 22 de outubro de 199718. A fala referia-se à questão climática como um problema de amplitude global, particularmente preocupante nos países industrializados e em desenvolvimento. O presidente destacara que, não obstante as incertezas sobre a extensão do fenômeno, a comunidade científica sabia o suficiente para soar o alarme para além dos meios acadêmicos e de pesquisa. O objetivo de Clinton era legitimar o tema diante dos formuladores de política e de opinião pública. A situação do clima no planeta requeria uma ação coletiva, da qual os Estados Unidos não poderiam abster-se. Uma série de diálogos bilaterais foi iniciada junto a países com os quais os Estados Unidos mantinham interesses 18 ROYDEN, Amy. U.S. Climate Change Policy Under President Clinton: A Look Back. Golden Gate University Law Review. Volume 32, Issue 4 Rio’s Decade: Reassessing the 1992 Earth Summit, 28 set. 2010, p.22. 9 energéticos, a exemplo de Austrália, Japão, Canadá e, em alguma medida, a Rússia. A preferência por fóruns reduzidos viria a pautar a atuação dos últimos três presidentes, sobretudo George W. Bush. As divergências mais profundas surgiam em relação aos tradicionais parceiros no velho continente. A União Europeia (UE) propusera em Kyoto reduzir 15% das emissões em 2000 em relação aos níveis de 1990. Para os Estados Unidos, o foco deveria ser a estabilização, e não a redução das emissões. Além de entender que o percentual proposto feria o fundamento da factibilidade dos números, os Estados Unidos discordavam do critério escolhido pelos líderes europeus: fazer valer o percentual para a UE como um todo, cabendo à Comunidade Europeia estabelecer os limites de emissão para cada país individualmente. Com isso, os europeus criavam seu próprio sistema de comércio de quotas de emissão, no que os Estados Unidos discordavam peremptoriamente. Os esforços para conscientizar a classe política doméstica foram em vão. Por 95 votos a favor e nenhum contra, o Senado - que ratifica os tratados assinados pela Casa Branca - aprovou a resolução bipartidária Byrd-Hagel (S.Res.98) 19 , introduzida pelos senadores Robert Byrd (D-WV) e Chuck Hagel (R-NE). A resolução desaconselhava a assinatura do tratado por entender que o instrumento, uma vez adotado, impunha limites insustentáveis à economia e favorecia demasiadamente os países em desenvolvimento. O que se observa na postura do Congresso – além da pressão do lobby do setor energético - é o temor de impedir o funcionamento do livre-mercado. Procurando responder às pressões internacionais, o governo tratou de avançar internamente. Entre outros programas federais, estabeleceu a Iniciativa Tecnológica para Mudança Climática (CCTI – Climate Change Technology Initiative), que previa US$ 6,3 bilhões em investimentos e incentivos fiscais para aumentar a eficiência energética no país. O Congresso usou os instrumentos disponíveis para dificultar a gestão do CCTI, como o veto às verbas solicitadas pelo governo e aos nomes de pessoas indicadas pela administração para ocupar cargos públicos 19 PARKER, Larry B; BLODGETT, John E. U.S. Global Climate Change Policy: Evolving Views on Cost, Competitiveness, and Comprehensiveness. CRS Report for Congress. OrderRL30024, p.12. 10 fundamentais. O maior duelo, no entanto, passou a ser travado com a Agência de Proteção Ambiental (EPA – Environmental Protection Agency) 20 . Congressistas desconfiavam que, diante da improbabilidade de aprovar legislações climáticas, o governo regularia as emissões de carbono, conferindo poderes a EPA com base na mais ampla legislação ambiental já aprovada no país, o Clean Air Act de 1970 (CAA). Essa batalha reproduz-se com toda a intensidade na administração Obama. Quando teve início a COP-3 (Kyoto), Todd Stern apresentou propostas para uma política global pautada nos seguintes princípios: ser guiada pela ciência; ser consonante com o funcionamento do mercado; promover novas tecnologias sem causar a destruição das antigas; promover participação global; acompanhar revisões científicas e econômicas. Ao fim da conferência, Bill Clinton assinou o Protocolo de Kyoto, pelo que foi duramente criticado dentro de casa. "In signing the Kyoto Protocol, the President blatantly contradicts the will of the U.S. Senate (Chuck Hagel).21 O tratado, contudo, nunca foi enviado para ratificação no Senado. Logo depois da assinatura, o presidente enfrentou a mais séria crise em seu governo. Após confessar envolvimento em escândalo sexual na Casa Branca, Clinton viu-se ameaçado pelo risco de impeachment nos meses seguintes22. Diante deste cenário e da Resolução Byrd-Hagel, a chance de ratificação se havia tornado nula. Apesar do retrocesso, Clinton afirmou - no discurso do Estado da União em janeiro de 199923 - que o aquecimento global representava o maior desafio fatal para o país. No mês seguinte, o governo incluiu US$ 4.1 bilhões para programas climáticos na proposta orçamentária fiscal para o ano 2000, 34% a mais do que no ano anterior. A contrarreação da oposição veio por meio de uma iniciativa bipartidária introduzida no Senado. O Ato de Política Climática e Energia de 1999, que não 21 U.S. signs a pact to reduce gases tied to warming. The New York Times, 13 nov. 1998 Disponível em: http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9800E0DC1531F930A25752C1A96E958260& pagewanted=all 22 Clinton impeachment timeline. Guardian.co.uk, 18 nov. 1998. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/world/1998/nov/18/clinton.usa 23 Declaração à nação feita pelo presidente sobre a estratégia anual do governo. 11 chegou a passar como legislação, diferia do Protocolo de Kyoto em vários aspectos. Acima de tudo, o ato rejeitava a assinatura do tratado antes que os países em desenvolvimento aderissem ao controle das emissões e enquanto persistissem as cláusulas mandatórias. Ainda que paradoxalmente o instrumento significasse um avanço na disposição do Senado em discutir um tema tabu, continuou prevalecendo a crença de que o mercado e novas tecnologias seriam suficientes para enfrentar o problema globalmente. No que concerne às questões ambientais, os dois últimos anos de Clinton foram direcionados para catapultar a figura do vice-presidente e ativista ambiental, Al Gore, como candidato às eleições no ano 2000. Gore acabou derrotado por George W. Bush após polêmica apuração de votos. Os oito anos de governo Clinton lograram abrir o diálogo nas esferas de discussão nacional, ainda que tenha sido pautado por avanços e retrocessos. Do ponto de vista interno, o governo creditava à iniciativa privada maior habilidade para lidar com o problema. Nas negociações internacionais, o impasse girou em torno do papel dos países em desenvolvimento, das metas de redução sobre índices de 1990 e de um instrumento jurídico mandatório. 1.2. A política climática dos Estados Unidos na administração de George W. Bush (2001-2008) Em janeiro de 2001, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) declarou haver ―nova e forte evidência de que a maior parte do aquecimento nos últimos 50 anos é atribuível a atividades humanas‖.24 Dois meses depois, o recém-eleito presidente, George W. Bush anunciou a saída dos Estados Unidos das negociações para o Protocolo de Kyoto. A principal razão e justificativa para o desligamento foi demonstrar alinhamento com a Resolução Byrd-Hagel. 24 Climate Change 2001: Synthesis Report. Summary for Policymakers. An Assessment of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Disponível em: http://www.ipcc.ch/pdf/climatechanges-2001/synthesis-spm/synthesis-spm-en.pdf 12 Entre os dois eventos, o governo havia criado a força tarefa National Energy Policy Development Group (NEPDG) sob a liderança do vicepresidente, Dick Cheney, para enfrentar três desafios: a crise elétrica da Califórnia que ameaçava atingir outras regiões, o aumento do preço e a redução da produção do gás doméstico, e a dependência de petróleo externo. A ligação de Bush e Cheney com o setor petrolífero no Texas e em outras regiões fez com que grupos ambientalistas conseguissem adiar os trabalhos da NEPDG até 200525. A questão primordial para a nova administração não era climática, mas energética. Uma vez atuante, a NEPDG empenharia esforços para tornar o país menos dependente de petróleo externo pelo estímulo à exploração doméstica de hidrocarbonetos, sobretudo de gás em alto-mar e em áreas de reservas naturais. Os planos de Cheney propunham avançar sobre terras federais, incluindo o Arctic National Wildlife Refuge no Alaska, ainda hoje protegido do alcance das empresas petrolíferas. O governo Bush marcou, portanto, um claro retrocesso em relação aos mínimos avanços feitos por seu antecessor. Antes de oficializar o abandono formal e definitivo do acordo de Kyoto, Bush enviara uma carta aos senadores republicanos Chuck Hagel (R-NE), Jesse Helms (R-NC), Larry Craig (R-ID) e Pat Roberts (R-KS), traduzindo toda a política que pautaria o comportamento dos Estados Unidos nos fóruns globais durante seu mandato. As you know, I oppose the Kyoto Protocol because it exempts 80 per cent of the world, including major population centres such as China and India, from compliance, and would cause serious harm to the US economy. [...] At a time when California has already experienced energy shortages, and other Western states are worried about price and availability of energy this summer, we must be very careful not to take actions that could harm consumers. This is especially true given the incomplete state of scientific knowledge of the causes of, and solutions to, global climate change and the lack of commercially available technologies for removing and storing carbon dioxide (BUSH, 2001). 26 25 REIS, Solange. Geopolítica em tempos de crise energética. Publicado pelo Instituto de Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). 26 Disponível em: http://iospress.metapress.com/content/c87cge4kd7mcjbu4/fulltext.pdf 13 Para atenuar o impacto de suas declarações perante a comunidade científica e ambientalista, Bush solicitou um estudo sobre as causas da mudança climática à renomada Academia Nacional de Ciências (NAS). O resultado não foi o esperado para a administração, uma vez que o relatório produzido pela NAS acabou respaldando as conclusões do IPCC.27 O presidente anunciou, então, a intenção de criar a Iniciativa de Pesquisa sobre Mudança Climática para estudar áreas cientificamente incertas e priorizar investimentos. Enquanto isso, a associação Global Climate Coalition liderava uma campanha agressiva para consolidar a ideia da mudança climática como uma invenção dos cientistas28. O grupo acabou dissolvido em 2002 após seus próprios especialistas confirmarem que a ação humana sobre o aquecimento global era uma ideia irrefutável29. Na prática, Bush tratou de desmontar alguns programas criados por Clinton, como a Parceria para a Nova Geração de Veículos, que visava produzir carros com autonomia para 80 milhas por galão de combustível. Em lugar de aumentar a eficiência dos carros nacionais, o governo preferia investir em veículos movidos a hidrogênio, tecnologia ainda hoje fora de aplicação em larga escala, ainda que não possam ser excluída sua evolução futura. No discurso do Estado da União de 2002, o presidente comunicou a intenção de contribuir com US$ 4.6 bilhões em créditos fiscais para fontes renováveis de energia, carros híbridos e movidos a hidrogênio, além de tecnologias para redução de emissões de CO² 30 . Com relação à regulação da emissão de gases poluentes, o presidente declarou-se contrário a metas préestabelecidas. A redução deveria ser alcançada a partir de ações voluntárias do setor privado, sem qualquer interferência estatal. 27 ROSENCRANZ, Armim. U.S. Climate Change Policy under G.W.Bush. Golden Gate University Law Review. Volume 32. Issue 4 Rio’s Decade: Reassessing the 1992 Earth Summit, 28 sep. 2010. 28 Obama’s New Climate Policy. Opportunities and Challenges of Climate Policy Change in the US. Stiftung Wissenschaft und Politik. SWP Research Papers, jul. 2010, p.14. 29 Industry Ignored Its Scientists on Climate’. The New York Times, 23 abr. 2009. http://www.nytimes.com/2009/04/24/science/earth/24deny.html 30 ROSENCRANZ, Armin. U.S. Climate Change Policy under George W. Bush. Golden Gate University Law Review, Volume 32, Issue 4 Rio’s Decade: Reassessing the 1992 Earth Summit, Article 4, 28 set. 2010, p. 11 14 Como alternativa a Kyoto, Bush sugeriu a criação da Iniciativa para Mudança Climática (Climate Change Initiative), em 2002, também com o objetivo de reduzir não a emissão, mas a intensidade dos gases de efeito estufa em 18% até 2012. Na COP-6 em Haia, em novembro de 2000, um ano antes de os Estados Unidos abandonarem as negociações para o Protocolo de Kyoto, a diferença de posição entre os Estados Unidos e a União Europeia tornara-se ainda mais evidente. Europeus defendiam que os países industrializados reduzissem o uso doméstico de recursos fósseis para atingir as metas. Para a União Europeia, uma estratégia climática somente com base na livre iniciativa não produziria os cortes necessários para evitar o aumento do aquecimento global. Os Estados Unidos preferiam adotar critérios menos definidos e que permitissem eliminar os gases sem reduzir significativamente as emissões. Um ponto defendido pelo país foi a inclusão de áreas de agricultura e floresta como sequestradoras de carbono31. Essa condição o beneficiaria sem impor quotas e restrições à economia nacional. Ademais, o país preferia estabelecer um sistema de comércio para que os países mais poluidores pudessem adquirir permissões dos países com menores índices de emissão. A estratégia evidenciava a disposição em contribuir para um regime de combate ao aquecimento global sem necessariamente promover mudanças estruturais no modo de consumo e produção. Nos anos subsequentes à saída das negociações de Kyoto, o governo procurou engajar o país em negociações bilaterais ou regionais, em detrimento das discussões nos fóruns multilaterais da ONU.32 Este foi o caso da AsianPacific Partnership on Clean Development and Climate (2006), estabelecida em parceria com Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Índia e Japão para resolver problemas de segurança energética, mudança climática e a poluição do ar. Como figura ligada tanto ao partido republicano como às indústrias fósseis, Bush manteve certa coerência durante seu mandato. Sob a sua administração, o governo apregoou o credo do livre mercado como panaceia COP-6 – Haia, Holanda. Brasil.gov.br Disponível em: http://www.brasil.gov.br/linhadotempo/epocas/2000/cop-6-2013-haia-holanda 32 Obama’s New Climate Policy. Opportunities and Challenges of Climate Policy Change in the US. Stiftung Wissenschaft und Politik. SWP Research Papers, jul. 2010, p. 7. 31 15 para os males econômicos do país. Para a administração, a submissão a um regime internacional resultaria em ineficiência do mercado. Parte 2 – A política climática dos Estados Unidos na administração Barack Obama (2009-ao presente). 2.1 O papel da nova administração nas negociações internacionais COP-15 e COP-16 Barack Obama baseou boa parte de sua campanha à presidência em 2008 nas promessas de mudança em questões sensíveis para qualquer sociedade, especialmente para a norte-americana, acostumada a um elevado padrão de consumo de energia33. Enquanto candidato, Obama anunciou que procuraria diminuir a dependência de petróleo e enfrentaria a mudança climática combatendo as emissões de dióxido de carbono e outros gases poluentes. As principais metas de campanha eram reduzir as emissões em 80% até 2050; aumentar a parcela de energia renovável para 25% do total consumido; e criar um sistema de comércio de carbono no país34. A campanha trouxe novos ares à política dos Estados Unidos de meio ambiente, uma vez que o tema ambiental não constituía nenhuma plataforma eleitoral desde as eleições presidenciais de 1970. A não ser o significado da campanha de Al Gore de 2000, quando, ainda que em contexto de grande polêmica, perdeu. O assunto voltava não como um diferencial, mas como um ponto nevrálgico. Deste modo, a Plataforma Obama-Biden (candidato a vice-presidente) arquitetou um plano de trabalho apresentado como proposta eleitoral, que visava a colocar os Estados Unidos na liderança da chamada "revolução verde". Em meio à crise financeira de 2008, o candidato democrata vislumbrava 33 Barack Obama e Joe Biden: New Energy For America. Discurso no dia 04/08/2008 em Michigan. Disponível em: http://www.realclearpolitics.com/articles/2008/08/new_energy_for_america.html 34 Obama’s New Climate Policy. Opportunities and Challenges of Climate Policy Change in the US. Stiftung Wissenschaft und Politik. SWP Research Papers, jul. 2010, p. 5. 16 a oportunidade de amalgamar a recuperação econômica e a transformação do paradigma energético do país em um mesmo pacote de estímulo. O Green Economic Recovery Program, criado pelo Center for American Progress e a Unidade de Pesquisa em Economia Política da Universidade de Massachusetts, reuniam medidas de curto e longo prazo para amenizar os efeitos da crise, e a médio e longo prazo para reformar a economia e implantar políticas ambientais. Assim, a retomada econômica e a adoção de políticas energéticas e ambientais seriam interdependentes. Esta estratégia, anunciada no material de campanha como New Energy for America, buscava cativar eleitores com a promessa de um alivio rápido para o aumento de preços no setor energético, diminuição dos níveis de carbono a um patamar 80% inferior aos níveis de 1990, e redução da dependência externa de petróleo. No curto prazo, o plano propunha uma forma de reembolso de gastos com eletricidade às famílias (Immediately Provide Energy Rebate): US$ 500 por pessoa ou US$ 1.000 por casal como compensação pela inflação de preços de combustíveis e eletricidade. Medidas de médio e longo prazo visavam promover uma reforma na matriz energética do país com foco em energias limpas. Ao transformar o setor, Obama esperava estimular a economia, gerar empregos e diminuir a quantidade de gases de efeito estufa. A fim de criar cerca de cinco milhões de empregos, US$ 150 bilhões35 seriam investidos ao longo de dez anos para estimular empresas automobilísticas a produzir e comercializar carros híbridos. Procurando alinhar os interesses do capital e do trabalho, seriam estabelecidos centros de formação profissional, de modo a formar mão de obra qualificada, com estabilidade de emprego e remuneração adequada. As empresas receberiam US$ 4 bilhões para a aquisição de tecnologia necessária para produzir carros híbridos. O candidato Obama esperava colocar nas ruas até 2012 um milhão de veículos dotados desta tecnologia. No que diz respeito aos biocombustíveis, o objetivo era alcançar uma geração mais eficiente, como o etanol celulósico e o biobutenol para ajudar o 35 Fact Sheet: Barack Obama - Joe Biden New Energy for America, 2008 17 país a reduzir a dependência de petróleo tradicional. Para todos os combustíveis, de fontes renováveis ou não-renováveis, seria criado um padrão nacional de baixa emissão de carbono, obrigando os produtores a reduzir suas emissões em 5% nos primeiros cinco anos e 10% na década seguinte. Outros projetos de grande destaque seriam a criação de infra-estrutura para a construção de redes inteligentes de energia (smart grids), associada à instalação de painéis solares, e o desenvolvimento de eficiência energética. O maior desafio, porém, girava em torno da implementação do sistema cap-and-trade, que além de impor limites às emissões, era também gerador de receita por meio do comércio de quotas. Cerca de US$ 15 bilhões anuais36 arrecadados com o comércio de emissões entre as corporações seriam investido em projetos de desenvolvimento de energia limpa, aumento da eficiência energética e criação de uma nova geração de combustíveis. Em 20 de janeiro de 2009, Obama foi finalmente empossado como presidente do país, trazendo na bagagem fortes convicções comunitárias, amplo apoio da base progressista de seu partido, o recente grande engajamento de importantes setores da população, como os jovens. Poucos presidentes assumiram a Casa Branca despertando tamanha expectativa na opinião pública nacional e internacional, o que não foi menos verdadeiro para o universo de pessoas e instituições envolvidas no combate ao aquecimento global. O diretor-executivo interino do Greenpeace nos Estados Unidos, Mike Clark, declarou que a histórica posse de Obama iniciava um momento de grande potencial37. Para o centro de pesquisas SWP (Stiftung Wissenschaft und Politik) de Berlim, “a nova administração distingue-se pelas notórias ambições em política climática” (SWP, 2010) 38. No tocante às questões ambientais, as expectativas logo acabaram frustradas: Obama compareceu à COP-15 em Copenhagen, em dezembro de 2009, mas não foi capaz de avançar nos acordos. A explicação desse fato, de grandes conseqüências, é o nosso objeto. E não é possível fazê-lo sem 36 Idem. 37 Posse de Barack Obama renova expectativa sobre Copenhagen. Greenpeace Brasil, 18/01/2009. Disponível em http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/destino-do-climaglobal-nas-m/ 38 Obama’s New Climate Policy. Opportunities and Challenges of Climate Policy Change in the US. Stiftung Wissenschaft und Politik. SWP Research Papers, jul. 2010, p.6. 18 adquirir um bom conhecimento do policy-making norte-americano. Assim como Bush, o novo presidente também adotaria algumas iniciativas em fóruns reduzidos, como o U.S.-China Memorandum of Understanding to Enhance Cooperation on Climate Change, Energy and the Environment (2009)39. A proposta levada pela equipe norte-americana à COP-15 espelhava a legislação democrata aprovada na Câmara alguns meses antes. O país se comprometia a reduzir as emissões de carbono em 17% sobre os níveis de 2005 até o ano 2020, para finalmente alcançar 83% em 2050. Para os países mais engajados nas negociações internacionais, o equívoco começava pelos parâmetros adotados pelos Estados Unidos, uma vez que a proposta da União Europeia girava em torno de redução tendo como referência o ano de 1990. Se os Estados Unidos tomassem por base a referência europeia, a redução real em 2020 seria de apenas 4%, já que os níveis nacionais de emissão haviam subido fortemente desde 199040. Os sinais emitidos pelo país eram contraditórios. No mesmo dia da abertura da COP-15, a Agência de Proteção Ambiental anunciou finalmente a tão esperada classificação do gás carbônico e mais outros gases como nocivos à saúde pública. A partir desta constatação, a agência estaria habilitada a regular as emissões de gases no país. Evitando soar intransigentes, os negociadores norte-americanos levavam na bagagem algumas moedas de troca. A primeira delas confirmava o a disposição em financiar US$ 100 bilhões por ano até 2020 para nações menos desenvolvidas, desde que a aplicação e o uso da verba estivessem sujeitos à supervisão internacional. A COP-15 encerrou-se com um resultado inesperado: um grupo menor de países que incluía China, Estados Unidos, Índia, Brasil e África do Sul apresentou uma proposta em paralelo. O plano, que não foi considerado pelos demais participantes, significou uma vitória do ponto de vista norte-americano por ter conseguido o compromisso de redução de parte de alguns dos maiores países em desenvolvimento41. Contudo, a COP-15 terminou sem resolver a 39 Disponível em: http://www.state.gov/r/pa/prs/ps/2009/july/126592.htm Obama’s New Climate Policy. Opportunities and Challenges of Climate Policy Change in the US. Stiftung Wissenschaft und Politik. SWP Research Papers, jul. 2010, p.9. 40 41 Q&A: The Copenhagen climate summit. BBC News. 21 dez. 2009. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/8278973.stm 19 questão central: encontrar um substituto para o Protocolo de Kyoto a partir de 2012. No ano seguinte, em 2010, em Cancun, a COP-16 obteve conquistas modestas, porém importantes para futuras discussões. Uma delas diz respeito à recuperação de parte da credibilidade das Nações Unidas em conduzir os esforços multilaterais. Destacou-se também a diminuição das divergências entre países ricos e pobres, que permitiu estabelecer dois mecanismos formais: o Fundo Climático Verde para transferência financeira de US$100 bilhões anuais das economias centrais para projetos ambientais em nações menos desenvolvidas, e o acordo para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), que compensará países que preservarem as florestas tropicais. Todd Stern, enviado especial dos EUA, ressaltou a aprovação do sistema de monitoramento e verificação das reduções nos países em desenvolvimento, ponto considerado chave para Washington aceitar acordos mais abrangentes. Isto porque o Congresso dificilmente liberaria a contribuição do país sem que mecanismos de controle fossem instituídos. Entretanto, os EUA seguiram resistindo a um regime global que limite as emissões de carbono. 2.2. Os constrangimentos e oportunidades no cenário doméstico Para o professor de história e política social de Harvard, Alexander Keyssar, Obama ganhou as eleições principalmente por não ser George W. Bush e por apresentar uma agenda transformadora. Entretanto, restrições políticas estruturais, bem como suas características pessoais, levaram-no a negociar cotidianamente com seus mais ferrenhos opositores, desagradando a sua própria base.42 Ao final de dois anos, seu governo havia sido descaracterizado da natureza nitidamente progressista que pautara sua trajetória e a campanha eleitoral, aproximando-o de uma posição política mais centrista, obrigada cotidianamente à barganha e a concessões. 42 KEYSSAR, Alex. The Balancing Act of Barack Obama. Observatório Político dos Estados Unidos. Disponível em: http://www.opeu.org.br/Estudos/OPEU_Estudos_03.pdf 20 Como diria o próprio Obama em entrevista recente, “(...) os dois primeiros anos de governo foram essencialmente caracterizados por emergências”43 A crise econômica, o alto índice de desemprego e o gigantesco déficit fiscal dificultavam a margem de manobra de Obama para enfrentar os problemas climáticos. Ademais, o presidente havia empenhado esforços para aprovar a reforma do sistema de saúde e o pacote de estimulo à economia. Este último, embora dedicasse 12% dos investimentos ao setor de energia alternativa44, não bastava para enfrentar plenamente os problemas climáticos. Como atestam algumas análises, (...) a política externa dos Estados Unidos para mudança climática espelha a sua política doméstica para a questão. Esta, por sua vez, é o resultado de uma complexa interrelação entre os grupos de interesse nos níveis federais e estaduais do governo, e composta por exigências econômicas, pelos interesses industriais e pelo sentimento e conhecimento do público em relação ao tema (SWP, 2010) 45. Todos esses fatores reunidos formam um cenário complexo para o avanço de regulamentações climáticas em nível local, estadual ou federal. Nas próximas seções, discorreremos sobre a tentativa fracassada do governo em aprovar uma legislação em âmbito nacional e a batalha que sucedeu à derrota, opondo os congressistas e a EPA. Esta disputa será decisiva, não apenas para a agenda climática do país (e do mundo), mas também para os planos de reeleição de Obama em 2012. 2.3 American Clean Energy and Security Act of 2009 (ACESA)- A vitória na Câmara dos Representantes. Após a posse, Obama decidiu lutar por duas promessas de campanha: energia e sistema de saúde. A estratégia era plantar a semente da reforma nos 43 Obama to Republicans: Let’s Build Consensus. National Journal, 21 out. 2010. Disponível em: http://www.nationaljournal.com/magazine/obama-to-republicans-let-s-build-consensus-20101021 Obama’s New Climate Policy. Opportunities and Challenges of Climate Policy Change in the US. Stiftung Wissenschaft und Politik. SWP Research Papers, jul. 2010, p.23 45 Idem, p.6 (Tradução própria). 44 21 dois campos e colher os frutos onde vingasse. Enquanto o representante Max Baucus (D-MO) apresentou uma legislação de saúde no Senado, os representantes Henry Waxman (D-CA) e Edward Markey (D-MA) introduziram no Comitê de Comércio e Energia da Câmara, em 15 de maio, proposta que seria aprovada na casa como o American Clean Energy and Security Act of 2009. Porém, o ato Waxman-Markey jamais será adotado como lei no país. Os mandatos dos representantes na Câmara possuem duração de dois anos, período ao final do qual são realizadas novas eleições. Antes do término de um período legislativo, projetos de lei não votados na casa, ou leis aprovadas e pendentes de análise no Senado, são arquivados. Como a Waxman-Markey passou na Câmara, mas não foi encaminhada à votação no Senado antes do fim do 111º Congresso (2009-2010), a legislação terminou arquivada. A proposta foi uma das mais ambiciosas que já tramitaram no Congresso por tratar de cap-and-trade - sistema que determina os limites para emissão de gases e quotas para comércio de carbono. Inúmeros congressistas e grandes indústrias opõem-se radicalmente a qualquer iniciativa nesse sentido por entendê-la como interferência do Estado na economia. Os objetivos gerais da Waxman-Markey eram reduzir a emissão dos gases causadores do efeito estufa em 17% até 2020 sobre o nível de 2005 (e 83% até 2050); criar empregos relacionados à produção de energia renovável; conquistar independência energética; reduzir a poluição causadora do aquecimento global; promover transição para uma economia baseada em energia renovável; desenvolver meios de transporte ecologicamente adequados; incentivar a energia limpa com programas de crédito; exportar tecnologia para o desenvolvimento de energia renovável. O texto também determinava as competências da EPA (Environmental Protection Agency) para regular, juntamente com o Departamento do Interior, as emissões de gases poluentes e o comércio de créditos de carbono entre indústrias. Para amenizar a preocupação com a ―vantagem‖ das nações em desenvolvimento, a legislação propunha que a EPA elaborasse relatórios anuais sobre o desenvolvimento de legislações ambientais e a redução de emissões na China e na Índia. 22 A iniciativa recebeu apoio de 61 grupos de interesse, entre os quais Sierra Club, Union of Concerned Scientists, One Sky, Clean Water Action, American Rivers e Environmental Defense Fund. Dentre seus críticos, destacaram-se: Greenpeace, American Farm Bureau Federation, Friends of the Earth, Rainforest Action Network, Public Citizen e Murray Energy Corporation. Vale ressaltar que a composição eclética do segundo grupo inclui ambientalistas, indústrias de energia fóssil e associações de consumidores e contribuintes46. Isso se explica pelo posicionamento crítico partindo, às vezes, de pontos de vista totalmente opostos. Em 26 de junho de 2009, a proposta Waxman-Markey foi finalmente aprovada na Câmara com uma margem apertada de 219 (incluindo oito republicanos) a 21247, quando eram necessários 217 votos. É importante ressaltar que os democratas, que detinham 255 cadeiras de um total de 435, não votaram unidos. A Waxman-Markey, apesar de ambiciosa, foi considerada fraca por ambientalistas, que, a exemplo do Greenpeace48, acreditavam que a proposta beneficiaria interesses capitalistas em detrimento da necessidade ambiental, uma crítica à política de créditos como incentivo para a redução de gases. Por razões diferentes, os representantes das indústrias petrolíferas também condenaram a lei, que as obrigariam a comprar permissões do governo para compensar a emissão de carbono produzida por todos os veículos terrestres. Segundo Jack Gerard, presidente da maior associação petrolífera do país, American Petroleum Institute (API), observou-se grande resistência do público à lei durante as campanhas populares (grassroots) promovidas pela API e outras indústrias49. No ano seguinte, uma pesquisa feita pelo Pew Research Center revelou que, dentre 20 temas escolhidos, os norte-americanos apontavam a mudança 46 OpenCongress.org. Disponível em: http://www.opencongress.org/bill/111-h2454/show Disponível em: http://www.pewclimate.org/acesa 48 “Greenpeace opposes Waxman-Markey”. Greenpeace. Disponível em: http://www.greenpeace.org/usa/en/news-and-blogs/campaign-blog/greenpeace-opposeswaxman-markey/blog/25644 49 US Senate will not approve House cap-and-trade bill. ICIS.com. Disponível em: http://www.icis.com/Articles/2009/09/15/9247685/us-senate-will-not-approve-house-cap-andtrade-bill-api.html 47 23 climática como o último item da lista de prioridades50. Enquetes com outras metodologias indicaram resultados diferentes. O trabalho conduzido pelas Universidades de George Mason e Yale conclui que 65% dos americanos consideravam a mudança climática alarmante e 50% atribuíam o aquecimento global à ação humana51. 2.4 A proposta Kerry-Lieberman A pretensão de tornar a Waxman-Markey uma legislação nacional acabou interrompida no Senado, que optou por formular seus próprios projetos. Todavia, o clima político do Senado não permitiria grandes progressos nesse sentido. O controle da casa pelos democratas não impedia a manifestação contrária dentro do próprio partido. A Gangue dos 16 – senadores democratas dos estados que compõem o cinturão industrial (Rust Belt) – enviaram uma carta aos líderes da casa alertando para os efeitos negativos do combate à mudança climática sobre a economia52. Inicialmente, a discussão na casa girou em torno da proposta dos senadores John Kerry (D-MA) e Barbara Boxer (D-CA), o Clean Energy Jobs and American Power Act (S.1733), apresentada em 30 de setembro de 2009. Apesar de sugerir a redução de 20% sobre as emissões de 2005, a iniciativa foi considerada mais branda do que a Waxman-Markey por fazer maiores concessões de crédito de carbono ao setor industrial. Lançada meses antes da COP-15 em Copenhagen, foi criticada no Congresso como um instrumento planejado para impressionar os negociadores internacionais. Segundo o presidente da Associação Nacional de Refinarias e Petroquímicas, um sistema cap-and-trade beneficiaria as refinarias europeias em detrimento das norte-americanas53. 50 LIGHT, Andrew; WEISS, Daniel J; KAUFMAN, Lisbeth; JAMES, Adam. Prospects for U.S. Climate Policy. National Action and International Cooperation in a Changed Political Landscape. Friedrich Ebert Stiftung, dez. 2010, p. 6. 51 Idem, p.7 52 Gang of 16 regroups to flex muscle. Politico.com, 04/03/2009. Dsiponível em: http://www.politico.com/news/stories/0309/19583.html Copenhagen… and bust! Intellectual honesty, economy take a back seat to political expediency in the climate debate. The Hill’s Congress Blog. Disponível em: 53 24 Sem apoio suficiente dentro do próprio partido democrata, o líder da maioria, senador Harry Reid (D-NE), optou por não introduzir a proposta KerryBoxer na pauta de votação. O senador Kerry iniciou novas negociações com os senadores Joseph Lieberman (I-CT) e Lindsey Graham (R-SC) para a formulação de um novo projeto tripartidário a fim de reduzir em 17% a emissão de gases de efeito estufa até 2020 sobre os índices de 2005, e em 83% até 2050. Duas estratégias para angariar simpatizantes republicanos haviam sido determinadas: oferecer aos senadores algum tipo de barganha ou tentar influenciar os setores petrolíferos, nuclear e de eletricidade que financiavam as campanhas republicanas. Depois de tentar sem sucesso a primeira opção, os senadores optaram por buscar o apoio das indústrias com a promessa de ceder em pontos considerados críticos por cada uma delas. Inicialmente, procuraram o presidente da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, Tom Donohue, uma vez que a instituição é apontada como o grupo de interesse mais influente em Washington. A moeda de troca para Donohue era destituir a EPA do poder de regular as emissões de carbono. O mesmo tipo de barganha foi oferecido ao empresário de gás natural, T. Boone Pickens. Em relação à indústria petrolífera, o grupo conseguiu negociar com a britânica BP, e as norte-americanas Shell e a ConocoPhillips uma legislação compatível com o interesse dessas empresas em troca da interrupção da campanha contra legislação climática promovida pelas associações petrolíferas, especialmente o American Petroleum Institute. Por último, os três senadores partiram para buscar o apoio da Edison Electric Institute, principal representante das empresas de eletricidade. Os planos de Kerry, Graham e Lieberman, no entanto, foram soterrados por outros eventos. O primeiro acontecimento foi o acidente com a plataforma da BP no Golfo do México. O maior desastre ambiental da história do país obrigaria o governo a rever a liberação de licenças de exploração de petróleo em alto-mar, o que impediria os três senadores de cumprir com as promessas alinhavadas com os setores de petróleo e gás, e de eletricidade. http://thehill.com/blogs/congress-blog/energy-a-environment/66751-copenhagen-and-bustintellectual-honesty-economy-take-a-back-seat-to-political-expediency-in-the-climate-debate 25 Do ponto de vista político, contudo, o fator determinante para o fracasso da iniciativa foi a decisão de Harry Reid (D-NE) de priorizar a lei de imigração na agenda da casa em lugar de incentivar a votação da legislação climática54. Simultaneamente, a campanha dos grupos mais conservadores do partido republicano e da mídia, como o Tea Party e a Fox News, levaram Graham a desistir de apoiar a iniciativa55. Caso ainda venham a reunir os 60 votos mínimos para aprovação, Kerry e Lieberman prometem tentar reintroduzir a proposta no 112º Congresso (2011-2012). O problema é que a derrota do partido democrata nas eleições de meio de mandato em 2010 reduziu as cadeiras para 51 contra as 59 que tinham em 2009. Além de garantir a unanimidade dos votos democratas, a dupla de senadores precisará obter o improvável apoio de nove republicanos. 2.5 Desafios e oportunidades no segundo período da presidência Obama (2011 – 2012) Em 15 de março de 2011, o Comitê de Energia e Comércio da Câmara dos Representantes aprovou resolução para impedir que a EPA regule emissões com base jurídica no Clean Air Act. A resolução deverá ser introduzida no plenário como projeto de lei ainda este ano, após receber o apoio de 34 membros do comitê, sendo que 19 votos foram desfavoráveis. Jim Matheson (D-UT), um dos três democratas a favor da resolução, conseguiu incluir uma emenda que confere ao Congresso parte da atribuição da EPA. Matheson, como muitos outros críticos da agência, teme ser visto como inimigo do ―clima‖ e procura demonstrar a inadequação da agência, e não do tema em si. A iniciativa dificilmente passará pelo Senado, onde outras propostas republicanas ou bipartidárias também procuram ceifar o poder da agência 54 Sen. Reid to push climate bill before immigration. Reuters, 28 abr. 2010. Disponível em: http://www.reuters.com/article/2010/04/28/us-climate-usa-idUSTRE63R4OP20100428 55 Graham completes break with Kerry climate plan, backs Lugar energy bill with no emissions cap. The Hill, 09 jun. 2010. Disponível em: http://thehill.com/blogs/e2-wire/677-e2wire/102281-graham-completes-break-with-kerry-climate-plan-backs-lugar-energy-bill-withno-emissions-cap 26 reguladora. Com os democratas ainda majoritários na casa, existe a possibilidade de que todas essas tentativas acabem frustradas e os avanços republicanos desacelerados. Para isso, também será preciso vencer a resistência dos chamados democratas moderados, ideologicamente mais próximos dos republicanos. A Casa Branca parece ter começado o segundo período do mandato de Obama (2011 – 2012) com mais empenho para estabelecer regulamentações climáticas. No discurso do Estado da União em janeiro de 2011, Obama lançou proposta orçamentária para 2012, reforçando a postura pró-energia limpa56. Embora a prioridade nacional seja reduzir o déficit do orçamento federal de U$1,1 trilhão, o presidente defendeu aumento de investimentos no setor. A proposta orçamentária do presidente enfoca o Departamento de Energia, para o qual está previsto um aumento de U$29.5 bilhões, com destaque para o aumento da eficiência energética; programas de inovação para minerais raros, baterias e armazenamento de energia, e novas tecnologias de rede elétrica; pesquisa, desenvolvimento e implantação de investimentos em programas tecnológicos de energia limpa. Em paralelo, o governo defende a liberação de US$ 36 bilhões em empréstimos para a construção de reatores nucleares. O plano também busca dar continuidade às promessas feita pelo presidente, como a contribuição de U$580 milhões em pesquisas avançadas de tecnologia limpa para automóveis e ajuda ao cumprimento de meta para atingir um milhão de veículos elétricos nos EUA até 2015. Para financiar os gastos, Obama propõe que os benefícios fiscais fornecidos à indústria fóssil, da ordem de U$46.2 bilhões anuais, sejam revogados pelos próximos 10 anos, bem como programas de pesquisa de tecnologia para energia fóssil. As intenções da Casa Branca veem-se ameaçadas pela radicalização do cenário político. Mesmo os republicanos menos radicais defendem reformas orçamentárias vigorosas, o que poderá afetar primeiramente os setores de 56 Obama's DOE Budget Request Promotes Clean Tech, Slashes Fossil Energy. The New York Times, 14 fev. 2011. Disponível em: http://www.nytimes.com/gwire/2011/02/14/14greenwireobamas-doe-budget-request-promotes-clean-tech-32236.html?pagewanted=1&ref=energyenvironment 27 energia alternativa. Dentre os principais argumentos dos republicanos – e democratas moderados – ressalta-se a crença de que a indústria limpa não gera suficiente número de empregos. Comparativamente ao seu antecessor, pode-se dizer que Obama retomou a questão de maneira positiva. O presidente e seus assessores para assuntos de energia e clima declaram publicamente concordar com as pesquisas científicas e mostram-se dispostos a debater o assunto. Entre a retórica e a prática, contudo, existe um Congresso radicalizado, um déficit trilionário e a maior economia do mundo para reaquecer. Obama e equipe acreditam que a adoção de um modelo energético limpo é a solução não apenas para a mudança climática, mas para a economia nacional. Assumir a liderança em desenvolvimento e comércio de tecnologia verde poderá ser o fator determinante de poder econômico e político nas décadas subseqüentes. Nos debates sobre economia ecológica, uma das críticas fortes que surgem em relação à teoria neoclássica é a de que sua concepção da função de produção não tem em conta que os recursos naturais são finitos. Pode ser que algumas idéias na equipe de Obama estejam sendo incorporadas, no sentido da absorção de elementos de economia ecológica, numa perspectiva liberal. De acordo com o Center for American Progress, a China investe US$ 12.6 milhões por hora para tornar a sua economia mais ―verde‖ 57 . Ao disparar na corrida tecnológica nos anos recentes, os chineses vêm despertando a preocupação da administração, congressistas e industriais. A disputa foi referida pelo presidente no discurso do Estado da União, em 2011, como o ―Momento Sputnik‖ dos Estados Unidos. Obama apenas reproduzia a citação do secretário de Energia, Steven Chu, dias antes da abertura da COP-16 em Cancun. Lembrando o ano de 1957, quando os Estados Unidos foram surpreendidos com o lançamento pela União Soviética do Sputnik (satélite), Chu alertou para a liderança chinesa em investimento e desenvolvimento de energia limpa. 57 FURNAS, Ben. We Must Seize the Energy Opportunity or Slip Further Behind: A Primer on Global Competition in Green Technology Investments. Center for American Progress, 20 abr. 2009. Disponível em: http://www.americanprogress.org/issues/2009/04/global_competition.html 28 Meanwhile, China had emerged as the world's largest producer of wind and solar power, and was breaking ground on 30 new nuclear reactors. It now has the fastest high-speed trains in operation, with running speeds of 220mph.58 A competição por tecnologia para produção de energia limpa entre esses países, que são as duas maiores economias, bem como os maiores poluidores do mundo, beneficiaria indiretamente política climáticas em âmbito global. Além disso, a preocupação da China com os elevados índices de poluição no país a levam a rever algumas de suas opiniões em relação ao combate ao aquecimento global. De fato, o 12. Plano Quinquenal (2011 – 2015) aprovado em março de 2011 define como meta a redução do consumo de energia por unidade do PIB entre 16% e !7%, o que implica o fechamento de empresas intensivas em consumo energético. No período anterior, de 2006 a 2010, a substituição de centrais termelétricas antigas por modernas permitiu economia de 300 milhões de toneladas de CO2 que não foram emitidas na atmosfera. Como observado na COP-16 em Cancun, uma nova perspectiva chinesa poderia levar a um maior isolamento dos Estados Unidos nas negociações internacionais, forçando-os a também adotar um novo posicionamento. Parte 3. Atores e Instituições no debate doméstico 3.1. Agência de Proteção Ambiental (EPA) x Congresso Existem dois caminhos para a adoção de uma política ambiental nos Estados Unidos em âmbito nacional: por meio de legislação aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente, ou pela regulação da Agência de Proteção Ambiental59. 58 US energy secretary warns of 'Sputnik moment' in green technology race. Guardian.Co.Uk, 29 nov. 2010. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/world/2010/nov/29/us-green-technology-energyinvestment 59 GOULDER, Lawrence H; STAVINS, Robert N. Interaction Between State and Federal Climate Change Policies. In: FULLERTON, Don; WOLFRAM, Catherine (Editors). The Design and Implementation of U.S. Climate Policy. National Bureau of Economic Research., jun. 2010, p.1. Disponível em: http://www.nber.org/books/full10-1 29 A primeira alternativa apresenta algumas dificuldades como já discutimos, a explicação reside no sistema político do país. A constituição prevê um sistema de ―verificações e pesos‖ a fim de equilibrar os poderes, o que acaba por constranger a atuação do Executivo. Outro obstáculo é o procedimento de votação no Senado, que requer maioria qualificada de 60 votos para aprovação de leis. Quando Obama assumiu o cargo, o Partido Democrata detinha justos 60 assentos, mas o falecimento do senador Ted Kennedy diminuiu a vantagem para 59. Independentemente da composição partidária no Congresso, o presidente não exerce liderança sobre a atuação de seu próprio partido em plenário, como ocorre nos sistemas parlamentaristas europeus. Nesse contexto, o controle das casas legislativas pelos democratas nos dois primeiros anos de governo não se traduziu em apoio aos planos de Obama. Depois das eleições em novembro de 2010, a vantagem foi perdida: republicanos abriram uma grande diferença na Câmara, com 242 assentos contra 193 democratas; no Senado, a vantagem anterior foi diminuída em oito cadeiras, passando os democratas a ocupar apenas 51, contra 47 republicanas e 2 independentes60. A agressividade dos setores conservadores tem enfocado a EPA, a segunda alternativa disponível ao governo para agir no tocante ao meio ambiente e ao clima, na ausência de um cenário político ideal. A agência federal regula emissões de gases provenientes da atividade econômica de algumas das maiores empresas que utilizam energia fóssil no país. Indústrias de carvão, petróleo e gás seriam tremendamente afetadas caso uma eventual legislação energética e climática as sujeitassem ao pagamento de taxas e impostos, e ao corte dos subsídios atualmente vigentes. Incentivos governamentais à indústria de energia alternativa também afetariam a concorrência, diminuindo o potencial de lucro do setor de energia tradicional. Em 1970, o Congresso aprovou o Clean Air Act (CAA) com o objetivo de legislar sobre emissões poluentes pela primeira vez na história do país. Leis anteriores como o Air Pollution Control Act de 1955, o Clean Air Act de 1963 e o Air Quality Act de 1967 tratavam de pesquisa e desenvolvimento, e 60 Disponível em: http://www.infoplease.com/us/government/112-congress.html 30 verificação de poluição, mas somente o CAA abrangeu o controle das emissões.61 No mesmo ano, o então presidente Richard Nixon criou a Agência de Proteção Ambiental (EPA) para consolidar em uma única agência uma série de atividades decorrentes do CAA. Após ter tido uma emenda em 1990, o CAA teve seus poderes ampliados para execução e regulação de medidas de prevenção de poluição relacionadas à saúde individual e ao meio ambiente. É com base principalmente nessa emenda, que a EPA vem conseguindo burlar as barreiras impostas ininterruptamente pelos sucessivos Congressos. The Clean Air Act (...) defines the Environmental Protection Agency’s responsibilities for protecting and improving the nation’s air quality when a substance has been determined to endanger human health and the environment (LIGHT, WEISS, KAUFMAN, JAMES, 2010, p. 4) Durante o governo de George W. Bush, o então chefe da EPA, Stephen Johnson, não levou adiante os estudos que classificariam o gás carbônico e outros gases poluentes como nocivos para a saúde humana. Para pressionar a agência a tomar a medida, vários estados decidiram processar o governo. Em 2007, a Suprema Corte deu ganho de causa ao estado de Massachussetts no caso Massachussetts v. EPA, obrigando a agência a concluir o processo de análise e classificação dos gases. Porém, foi apenas no início do mandato de Obama que a EPA concluiu a tarefa. A classificação dos gases como prejudiciais à saúde humana os colocava sob a esfera de atuação da agência. O mesmo, contudo, não é atribuído à mudança climática, cuja prevenção foge à competência da agência. Desde que viu os seus poderes ampliados, em 1990, a EPA vem sofrendo repetidas investidas por parte de quase todos os republicanos e de alguns democratas para destituí-la das atribuições. Em 2009, a proposta de lei introduzida pela senadora Lisa Murkowski (R-AK) para 61 History of the Clean Air Act of 1970. Environmental Protection Agency. Disponível em: http://www.epa.gov/air/caa/caa_history.html 31 desautorizar a EPA ficou a apenas 4 votos de aprovação, com 47 votos a favor, dos quais 6 democratas62. Mesmo que o presidente vete decisões desse tipo, o Congresso ainda tem como trunfo o poder de cortar as verbas fundamentais para os programas ambientais. A estratégia, no entanto, poderia resultar no mesmo fracasso vivenciado pelos republicanos em 1995. Ao tentar bloquear algumas das atividades da EPA durante o governo Clinton por meio do corte de verbas, os congressistas acreditavam que o presidente cederia à pressão e reformularia as atribuições. Clinton, no entanto, vetou o orçamento ―anti-ambiental‖ do Congresso, fazendo com que a opinião pública se voltasse contra os representantes e senadores. Para aqueles que acompanham a política doméstica dos Estados Unidos, o contexto atual soa como uma reprise da relação entre Clinton e o Congresso. Obama, no entanto, é uma figura política diferente em uma conjuntura bem diversa. Seu antecessor democrata não enfrentava a maior crise econômica desde a Segunda Guerra ou o maior déficit fiscal de toda a história do país. O cenário nos Estados Unidos de Obama é de elevados índices de desemprego e uma grande pressão para ajustes fiscais. Apesar dos ataques, a EPA anunciou, em 23 de dezembro de 2010, um cronograma para adoção de parâmetros e critérios para emissão de gases de efeito estufa pelos grandes poluidores. As primeiras indústrias submetidas às limitações serão as usinas de eletricidade movidas a combustíveis fósseis e as refinarias de petróleo, respectivamente obrigadas a adotar os critérios em julho e dezembro de 2011. Outra grande medida da EPA foi anunciada em 15 de janeiro último. Trata-se de plano de regulamentações para reduzir emissões de mercúrio e outras toxinas geradas por usinas termoelétricas. A administradora da EPA, Lisa Jackson, disse que a medida vem com um atraso de 20 anos, pois estava prevista pela emenda de 1990 do Clean Air Act. O plano divulgado obriga as usinas a usar purificadores a partir de 2015 para reduzir em 91% as emissões 62 LIGHT, Andrew; WEISS, Daniel J; KAUFMAN, Lisbeth; JAMES, Adam. Prospects for U.S. Climate Policy. National Action and International Cooperation in a Changed Political Landscape. Friedrich Ebert Stiftung, dec. 2010, p. 4. 32 de mercúrio. Segundo estudos do Congresso, as termoelétricas respondem por 70% das emissões de dióxido de enxofre e 50% de mercúrio nos Estados Unidos. Jackson disse que a decisão vai custar às empresas US$ 10 bilhões em quatro anos, mas também permitirá economizar aos cofres públicos US$ 100 bilhões por ano de gastos relativos a saúde e meio ambiente. O plano de regulamentações substitui regra anterior de George W. Bush, rejeitada por uma corte federal em 2008 por não incluir outros metais além de mercúrio. Segundo o senador Jim Inhofe (R-OK), o procedimento reduz em 20% a capacidade produtiva das usinas, prejudicando a economia e aumentando o desemprego. Para o futuro presidente do influente Comitê de Energia e Comércio, o representante Fred Upton (R-MI), as normas previstas pela EPA prejudicam o setor energético e não passam de tentativas disfarçadas de se estabelecer quotas para emissão e comércio de poluentes. A estratégia dos opositores da administração Obama na Câmara será questionar a autoridade jurídica da agência. O plano dos republicanos encontra apoio em parte dos democratas, preocupados com a incerteza sobre a rigidez dos novos padrões e sobre o tipo de tecnologia que será exigido das indústrias para atingir as metas. 3.2 As Iniciativas Regionais Na ausência de legislação ambiental nacional, alguns estados decidiram agir por conta própria nos últimos anos. No plano prático, 26 estados adotaram regras para estimular a geração de energia a partir de fontes alternativas e outros 22 criaram programas de quotas de emissão e comércio de carbono. Muitos projetos nasceram de ações regionais63. This is illustrated by California’s actions, by the collaborative efforts of nearly a dozen mid-Atlantic and Northeast states involved in the Regional Greenhouse Gas Initiative (RGGI), by the rapid growth in operations of the Chicago Climate Exchange—where over sixty million metric tons have been traded voluntarily this year alone by over 300 companies, in private sector efforts within the U.S. Climate Action Partnership 63 Regional Iniciatives. Pew Global Center on Climate Change. Disponível em: http://www.pewclimate.org/what_s_being_done/in_the_states/regional_initiatives.cfm#midwest 33 (USCAP) as well as by the actions of citizens across the country.64 Quase todas sofrem ataques de setores conservadores. Em New Hampshire, a instituição Americans for Prosperity - ligada ao Tea Party e às indústrias petroquímicas Koch - promoveu uma campanha para convencer a população de que a Iniciativa Regional para Gases de Efeito Estufa (RGGI) prejudica a economia. Pressionados pelos eleitores, os representantes aprovaram uma proposta de lei republicana contra a permanência do estado na RGGI, cabendo agora ao governador democrata John Lynch sancioná-la ou vetá-la. O radicalismo político se personifica no Tea Party, ala populista do partido republicano, que repudia uma série de fundamentos e princípios da atual administração. Opondo-se sempre a qualquer iniciativa que possa soar limitadora de uma perspectiva individualista, beirando o fundamentalismo. As campanhas do grupo, iniciadas em 2009, visavam a manter o corte de impostos introduzidos por George W. Bush e derrubar a reforma de saúde, dois temas da agenda do 111º Congresso. Outras temáticas como imigração, incentivos fiscais, energia limpa e mudança climática também pairam na mira do Tea Party e seus colaboradores próximos. Apoiado por algumas indústrias do setor fóssil, o grupo rejeita os progressos científicos que têm sido alcançados na análise sobre mudança climática e combate ferozmente a mudança de paradigma energético 65. Na essência, o Tea Party é um movimento libertário, cujo principal inimigo é o poder público. O posicionamento de seus representantes se transformou em um problema não apenas para os democratas, mas para os próprios republicamos. Estes arriscam perder o apoio de eleitores menos conservadores caso sucumbam às pressões ultraconservadoras. Por outro lado, o partido não pode desprezar o número de cadeiras ganhas pelos radicais nas últimas eleições se quiser rejeitar ou aprovar qualquer legislação no atual Congresso. 64 EIZENSTAT, Stuart. The U.S. Role in Solving Climate Change: green growth policies can enable leadership despite the economic downturn. Energy Law Review. Volume 30, n. 1, 2009, p.4 65 The Big Question: What is the Tea Party movement, and could it change US politics? The Independent, 22 jan. 2010. Disponível em: http://www.independent.co.uk/news/world/americas/the-big-question-whatis-the-tea-party-movement-and-could-it-change-us-politics-1875229.html 34 Vale destacar a atuação dos empresários Charles e David Koch como ícones anti-ambientalistas, muito embora seus interesses também perpassem outras questões relevantes, como a redução de direitos trabalhistas e a defesa de cortes fiscais66. The Kochs are longtime libertarians who believe in drastically lower personal and corporate taxes, minimal social services for the needy, and much less oversight of industry—especially environmental regulation. (…) In a study released this spring, the University of Massachusetts at Amherst’s Political Economy Research Institute named Koch Industries one of the top ten air polluters in the United States. And Greenpeace issued a report identifying the company as a ―kingpin of climate science denial.‖ The report showed that, from 2005 to 2008, the Kochs vastly outdid ExxonMobil in giving money to organizations fighting legislation related to climate change, underwriting a huge network of foundations, think tanks, and political front groups. Indeed, the brothers have funded opposition campaigns against so many Obama Administration policies—from health-care reform to the economic-stimulus program—that, in political circles, their ideological network is known as the Kochtopus67. O ―Kochtopus‖ também ajudou a eleger governadores e representantes contrários a regulamentações climáticas. Outros projetos de lei já foram introduzidos em 13 câmaras estaduais na linguagem sugerida pela organização American Legislative Exchange Council, defensora da não-intervenção do Estado na economia. Ideias comuns às propostas são a reversão de medidas vigentes e o combate às regulações da Agência de Proteção Ambiental (EPA). Independentemente das críticas, a expectativa é de que as Iniciativas Regionais estabeleçam os pilares para uma política nacional abrangente. Conflitos entre os interesses estaduais e nacionais, no entanto, deverão emergir tão logo o país adote uma legislação ampla. Dada a particularidade de cada estado e região, é possível o surgimento de divergências em relação a sistema de comércio de quotas de emissão, à adoção de padrões de energia e 66 Billionaire Brothers’ Money Plays Role in Wisconsin Dispute. The New York Times, 21 fev. 2011. Disponível em: http://www.nytimes.com/2011/02/22/us/22koch.html 67 Covert Operations. The New Yorker, 30 ago. 2010. Disponível em: http://www.newyorker.com/reporting/2010/08/30/100830fa_fact_mayer 35 à modernização da rede inteligência para eletricidade (smart grid) 68 . Relacionamos abaixo cinco Iniciativas Regionais: Midwest Greenhouse Gas Reduction Accord (MGGRA) Em novembro de 2007, seis estados norte-americanos (Illinois, Iowa, Kansas, Michigan, Minnesota e Wisconsin) e uma província canadense (Manitoba) formaram a MGGRA com o objetivo de estabelecer metas regionais de redução de até 80% em gases e um sistema cap-and-trade. Energy Security and Climate Change Stewardship Platform for the Midwest No mesmo ano, 11 estados norte-americanos (Wisconsin, Minnesota, South Dakota, Illinois, Indiana, Iowa, Kansas, Michigan, Missouri, Nebraska, North Dakota e Ohio) e Manitoba, no Canadá, formaram a plataforma para aprimorar eficiência energética, abastecimento de combustíveis de baixo carbono, produção de energia renovável e de biocombustíveis. A plataforma também estabelece objetivos para implementar captura e armazenamento de carbono, de modo que todas as usinas termoelétricas possuam o sistema até 2020. Western Climate Initiative (WCI) Igualmente em 2007, os estados de Arizona, Califórnia, New Mexico, Oregon e Washington estabeleceram a WCI. Desde então, Utah, Montana e quatro províncias canadenses somaram-se ao grupo como membros, além de vários outros estados do México, Estados Unidos e Canadá na posição de observadores. Os objetivos da WCI são reduzir em 15% as emissões de 2005 até 2020 e desenvolver um sistema cap-and-trade a partir de 2012. Regional Greenhouse Gas Initiative (RGGI) A mais antiga das Iniciativas Regionais foi criada em 2005 e reúne os estados de Connecticut, Delaware, Maine, New Hampshire, New Jersey, New York, Vermont, Massachussetts, Rhode Island e Maryland. Juntos estabeleceram o primeiro sistema cap-and-trade (limite e negociação) em caráter obrigatório Obama’s New Climate Policy. Opportunities and Challenges of Climate Policy Change in the US. Stiftung Wissenschaft und Politik. SWP Research Papers, jul. 2010, p.33. 68 36 para as usinas elétricas na região. Isto é, um mecanismo de mercado que cria limites para a emissão de gases e induz a comercialização de direitos de poluir até um certo patamar. Transportation and Climate Initiative (TCI) A mais recente é a TCI, que reúne os membros da RGGI, a Pensilvânia e o Distrito de Columbia, e tem por meta minimizar o impacto do sistema de transporte regional sobre mudança climática. 3.3. Principais atores em Washington No âmbito do governo federal, é possível destacar os seguintes escritórios, agências, departamentos ou representantes: The White House Office of Energy and Climate Change Policy, criado na administração Obama com a função de orientar o presidente nos temas de energia e mudança climática. Responsável: desde a demissão voluntária de Carol Browner no início de 2011 não foi designado outro. Cargo de Enviado Especial para Mudança Climática nas negociações internacionais. Responsável: Todd Stern. Agência de Proteção Ambiental (EPA) está encarregada de proteger a saúde e o meio ambiente por meio do estabelecimento, da execução e da fiscalização de padrões. Responsável: Lisa Jackson. Departamento de Energia é responsável por todas as questões de energia. Sua divisão interna Office of Policy and International Affairs é responsável por orientar o secretário em assuntos internacionais. Responsável: o secretario de Energia é Steven Chu. 37 Federal Energy Regulatory Comission (FERC) é a agência ligada ao Departamento de Energia para regular energia no plano interestadual. Responsável: Jon Wellinghoff. Departamento de Agricultura está encarregado de diversos programas para energia renovável. Responsável: Tom Vilsack Comitê de Energia e Comércio da Câmara dos Representantes analisa e recomenda propostas de lei e resoluções referentes aos temas. O papel dos comitês é determinante para o encaminhamento de uma proposta para votação. Responsável: Fred Upton (R-MI). Comitê de Energia e Recursos Naturais do Senado analisa e recomenda propostas de lei e resoluções referentes aos temas. O papel dos comitês também é determinante para o encaminhamento de uma proposta para votação. Responsável: Jeff Bingaman (D-NM). 3.3 A influência de grupos de interesse Os defensores do clima e do meio ambiente tiveram bons motivos para comemorar o resultado de um referendo na Califórnia em 2010. Concomitantemente às eleições legislativas de novembro, pelo voto foi rejeitada a Proposição 23, medida que visava condicionar a vigência da atual legislação ambiental AB 3269 (California Global Warming Solutions Act of 2006) à manutenção do nível de desemprego em até 5,5% por quatro trimestres seguidos. Para os defensores da Proposição 23, a aprovação impediria que os custos de energia aumentassem em tempos de recessão e crise financeira. Empresas como SunPower, Microsoft, Google e Intel contribuíram com boa parte dos US$25 milhões arrecadados pelo grupo opositor à proposta. A soma 69 Trata-se de lei estadual sancionada pelo então governador republicano da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, para limitar as emissões em 2020 ao nível de 1990. 38 superou os US$ 10 milhões angariados pelos defensores da Proposição 23 junto ao setor fóssil. O que nos Estados Unidos é um índice importante de adesão a determinado projeto. O líder da campanha anti-Proposição 23 foi Thomas Steyer, bilionário administrador da Farallon Capital Management, empresa especializada em fundos de investimentos em energia alternativa 70. Steyer promete combater os grupos ligados à energia não-renovável, trabalhando junto com a administração Obama nos chamados swing states, ou estados onde não existe preferência partidária consolidada, podendo os eleitores facilmente migrar de um partido ao outro após uma dada eleição. Para ele, o caminho para atrair a população para a causa verde é trabalhar no nível local e estadual. Linhas de transmissão de energia eólica offshore receberam oferta de incentivo de um grupo de empresas lideradas pelo Google. Para poupar aos desenvolvedores de turbinas o custo de cabeamento - e com isso estimular as usinas eólicas em alto-mar – foram oferecidos US$ 5 bilhões em investimentos para a construção de uma super autovia a partir de 2013.71 Os exemplos acima são apenas dois dentre inúmeras amostras de envolvimento de corporações e empresários no processo de formulação de política energética e climática. Seja para um lado ou outro, os interesses variam em função de inúmeros fatores. Dentre os grupos que procuram influenciar a formulação de políticas ambientais, destacam-se: petróleo e gás, saúde, ambientalista, indústria e comércio, mineração, operadoras elétricas, consumidores e contribuintes, entre outros. Embora possamos detectar uma tendência internamente a cada grupo, seus componentes dificilmente podem ser vistos como uma massa monolítica, e muitas vezes defendem posições diametralmente opostas sobre o mesmo assunto. Contudo, dois grupos em especial se destacam pela unidade e uniformidade de opinião: petrolífero e ambientalista. 70 A Foil for the Koch Brothers? The New York Times, 15 mar. 2011. Disponivel em: http://green.blogs.nytimes.com/2011/03/15/a-foil-for-the-koch-brothers/?ref=energyenvironment 71 Google invests in major wind power projet. HuffpostTechnology, 12 dez. 2010. Disponível em: http://www.huffingtonpost.com/2010/10/12/google-wind-power-project_n_759208.html 39 O grupo das indústrias de petróleo e gás é composto por ExxonMobil, Royal Dutch Shell, BP, Koch Industries, Chevron Corporation e ConocoPhillips, entre outras gigantes do mercado ou companhias independentes. O setor consta como um dos que mais investem em lobby para influenciar decisões em Washington. Em 2010, 5% do total de US$ 3,49 bilhões gastos com lobby nos Estados Unidos vieram de empresas como essas. Durante o período eleitoral de 2008, os investimentos foram da ordem de US$36 milhões72 e em 2010, aproximadamente US$27 milhões. Com o objetivo de visualizar a participação nessas ações de parte desses grupos ligados à produção de combustíveis fósseis, vejamos a tabela abaixo, onde são apresentadas as contribuições nas campanhas eleitorais de 2008 e de 2010: Contribuições para Candidatos 2010 Koch Industries Exxon Mobil Chief Oil & Gas Chevron Corp Marathon Oil Valero Energy Occidental Petroleum Devon Energy Williams Companies Chesapeake Energy ConocoPhillips Independent Petroleum Assn of America Anadarko Petroleum American Gas Assn Halliburton Co Pilot Corp Tesoro Petroleum Society of Indep Gasoline Marketers Bass Brothers Enterprises Petroleum Marketers Assn $1.931.562 $1.337.058 $1.192.361 $937.964 $678.290 $636.500 $575.900 $507.250 $491.685 $467.056 $462.204 Contribuições para Candidatos 2008 Koch Industries Exxon Mobil Chevron Corp Valero Energy ConocoPhillips Marathon Oil Occidental Petroleum Anadarko Petroleum BP Chesapeake Energy Devon Energy $1,860,873 $1,388,263 $1,088,067 $913,972 $695,596 $595,230 $577,451 $507,450 $488,910 $475,771 $460,396 $459.500 Pilot Corp Independent Petroleum Assn of $443.260 America $386.400 Hess Corp $314.280 Sunoco Inc $290.567 American Gas Assn $277.883 Williams Companies Bass Brothers $274.000 Enterprises $452,575 $247.465 Royal Dutch Shell Moncrief Oil $243.900 International $315,725 $448,750 $426,907 $401,100 $384,100 $371,350 $362,550 $286,750 Fonte:Opensecrets.org 72 O candidato à presidência John McCain foi o maior receptor do setor de petróleo e gás, tendo recebido recebeu cerca de US$2 milhões, seguido de Barack Obama com US$901 mil. 40 Essas indústrias se posicionam contra a legislação que visa fortalecer os meios de proteção ao meio ambiente. Isso se manifesta diretamente pelo apoio a determinados projetos propostos no Senado e na Câmara dos Representantes. Como discutimos no item 3.1, nos primeiros meses de 2011 nota-se o esforço concentrado em medidas que buscam contornar o controle sobre as emissões de gases de efeito estufa exercido pela EPA. Senadores e representantes que apoiam a resolução Energy Tax Prevention Act of 2011, como vimos apresentada pelo presidente do Comitê de Energia e Comércio da Câmara, Fred Upton (R-MI), visando restringir o Clean Air Act e cercear o poder da EPA receberam cerca de US$100 mil em contribuições do setor petrolífero. A proposta Energy Tax Prevention Act of 2011, apresentada por James Inhofe (R-OK), complementa o projeto de Upton na batalha contra a EPA. Outras propostas, como o Free Industry Act, apresentado pela representante Marsha Blackburn (R-TN), visa a retirar do Clean Air Act menções sobre os gases de efeito estufa e a sua relação com as mudanças climáticas. Do mesmo modo, Defending America's Affordable Energy and Jobs Act tem como fim minimizar os poderes da EPA sobre o controle de gases de efeito estufa. A senadora Lisa Murkowski (I-AL) apresentou outro projeto bastante agressivo: American Energy Independence and Security Act of 2011. O ato incentiva exploração, desenvolvimento, produção e transporte de petróleo e gás no Alaska. Segundo o site OpenCongress, apoiadores da resolução receberam cerca de US$ 589 mil dólares de grupos petrolíferos como financiamento de campanha. Dentre as instituições que apoiam formalmente estes projetos encontramos repetidas vezes o think tank American for Prosperity, ligado às indústrias Koch. As empresas petrolíferas, no entanto, não são as únicas a tentar impedir o avanço de legislação relativa ao clima. No grupo de opositores à legislação de caráter protecionista, é possível destacar a National Association of Manufacturers (NAM) como uma dos mais atuantes. A NAM apoia a adoção de metas internacionais de redução de emissões, mas defende obrigações semelhantes para as economias emergentes. A preocupação é preservar o 41 ambiente de competição para os exportadores norte-americanos. Essa questão foi discutida nesse texto, e certamente é um dos aspectos mais relevantes no debate sobre os regimes ambientais internacionais. O tema da participação global na preservação do ambiente certamente tem impacto na tomada de posição da opinião pública norte-americana não diretamente envolvida com os interesses diretamente atuantes. Lógica idêntica molda o posicionamento da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, a maior federação empresarial do mundo, cujo foco é manter a competitividade das empresas exportadoras e a garantia de empregos. The Business Roundtable, uma espécie de forum corporativista, defende medidas de combate ao aquecimento global, desde que tomadas de forma voluntária pelo setor privado. O setor elétrico é o mais plural, uma vez que seus interesses são determinados a partir dos recursos naturais utilizados na geração de eletricidade. Usinas termoelétricas a carvão, gás ou derivados de petróleo opõem-se à regulamentação de emissões. Outras, no entanto, são favoráveis a ações de preservação do clima. Operadoras nucleares, usinas hidroelétricas e movidas a recursos renováveis seriam particularmente beneficiadas por um sistema que sobretaxasse as emissões de carbono de concorrentes fósseis. Algumas dessas grandes corporações se desligaram da Câmara de Comércio em 2009 por discordarem da política anticlimática da associação. Foi o caso da Exelon (operadora nuclear) e da Pacific Gas & Electric. Enquanto o lobby das indústrias de petróleo e gás torna-se cada dia mais fervorso, o lobby ambientalista cresce discretamente, sendo ainda pequeno se comparado ao primeiro. As maiores representantes do grupo são Nature Conservancy, presidida por Mark Tercek (ex-diretor do Goldman Sachs), e Environment Defense Fund, organizadora e co-autora do California Global Warming Solutions Act of 2006, em parceria com Natural Resources Defense Council. Em 2010, o lobby ambientalista gastou cerca de US$19 milhões. Um mapeamento das contribuições partidárias de grupos de interesse indica que candidatos republicanos receberam mais do lobby petrolífero do que os democratas. Foram cerca de US$ 14 milhões contra US$ 4.9 milhões. Entre os defensores de energia limpa, a equação se inverteu. Em 2010, os 42 republicanos receberam US$ 320 mil, ao passo que os democratas arrecadaram US$3,6 milhões73. Duas associações corporativas personificam espíritos ambientalistas: Ceres e Clean Economy Networks, que englobam grandes empresas do setor nuclear, como Duke Energy e Exelon; Constellation Energy, do setor de gás; e outras, como Nike e eBay. Conclusão O papel dos Estados Unidos nas negociações internacionais sobre aquecimento global é profundamente determinado por fatores de política doméstica. A maior dificuldade é vencer a resistência de grupos políticos e econômicos, que vêem na idéia de um regime internacional para o combate às mudança climática uma ameaça à economia do país. Além dos interesses, há concepções de mundo a serem discutidas. Sinalizemos o tema de grande relevância ainda não suficientemente amadurecido, o da economia ambiental. Como introduzir plenamente um debate que sinaliza haver forte a racionalidade econômica na preservação do meio ambiente. A questão científica também é muito importante, fortalecer a convicção na justeza das análises, inclusive as elaboradas pelo IPPC (Intergovernmental Panel on Climate Change) e outras instituições que se ocupam do tema. Mais recentemente, a questão do clima tem si inserido fortemente na competição entre países e regiões. A União Européia utiliza o tema ambiental como instrumento importante de fortalecimento de seu soft power há muitos anos. Mais recentemente a China intervém no debate, apresentando-se com posições inovadoras no tema da indústria verde. As posições dos Estados Unidos tem como conseqüência perda de prestígio internacional, o que acaba impactando os próprios interesses norte-americanos globais. A tudo isso, some-se o fato de que a imposição de limites de emissão de carbono e o padrão de eficiência energética são vistos como interferência do 73 Dados extraídos do Opensecrets.org 43 Estado no funcionamento do livre mercado. Como a produção de energia limpa demanda incentivos governamentais em sua fase inicial, a mudança de paradigma requer a transposição de uma grande resistência de parte da classe política. Ademais, o sistema político do país permite que grupos de interesse estabeleçam canais de influência junto aos tomadores de decisão no Congresso e no corpo executivo. Dada a senioridade dos lobbies do setor fóssil e a ligação de congressistas com alguns estados e distritos produtores de energia tradicional, a aprovação de legislações climáticas torna-se mais turbulenta e dificultosa. As políticas de Bill Clinton e Barack Obama, ainda que tímidas, apresentaram alguns avanços nesse sentido. Contudo, o atual cenário político encontra-se altamente polarizado em torno da participação estatal na economia. As alas extremistas e conservadoras do partido republicano, bem como os moderados no partido democrata - rejeitam medidas para taxar emissões ou subsidiar novas tecnologias. A ascensão de forças políticas radicais torna-se um desafio nos últimos dois anos da administração Obama 2009 – 2012 e para seus planos de reeleição. Mais ainda, a emergência dessas forças radicais dificultará fortemente a adesão do país a acordos multilaterais para mudança climática. Oportunidades podem emergir com a busca de ganhos de competitividade por meio do desenvolvimento de tecnologia de energia de baixo carbono. O domínio, outrora restrito aos países industrializados, migra para a Ásia, mais especificamente para a China. O surgimento dessa potência asiática como líder em produção de equipamentos em área relativamente negligenciada pelos Estados Unidos poderá servir como um fator de estímulo importante à transformação da visão do país sobre o tema. 44