Miocardites

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Miocardites
Miocardites
Módulo de Cardiomiopatias
Marco Aurélio Nerosky
Miocardite
OMS: “Doença inflamatória do miocárdio, associada a Disfunção
Cardíaca”
-
Desafio para os Cardiologistas;
-
Raramente reconhecida;
-
3 fases distintas, porém eventualmente sobrepostas;
-
Patofisiologia mal conhecida;
-
Não há um exame diagnóstico específico que seja considerado “gold
standard”;
-
Tratamento atual permanece controverso.
Miocardites
Primária: Agente causador não isolado. Provavelmente
decorrente de uma infecção viral ou reação imunomediada
pós-viral;
Secundária: Inflamação miocárdica causada por um agente
agressor específico bem determinado.
Miocardites
Agente agressor mais freqüente: infeccioso, mas pode ser secundária a
agressões pelo sistema imunológico, como na miocardite periparto, por
radioterapia ou quimioterapia.
Entre os agentes infecciosos, o mais comum é o viral, principalmente os
enterovírus (Coxsackie do tipo B: mais comum, responsável por cerca
de 50% dos casos).
Estudos recentes com novas técnicas de detecção molecular mostram
incidência crescente de detecção dos Adenovirus (população jovem), de
Parvovírus, do Herpesvirus,HIV e do Vírus da Hepatite C.
Circulation 2006;114;1581-1590
Miocardites - Causas
Miocardite Viral
Fase 1: Infecção
e ReplicaçãoViral
Fase 2: Lesão
Autoimune
Fase 3:
Cardiomiopatia
Dilatada
Miocardite Viral – Fase 1
Presença de viremia com infecção viral miocárdica e ativação
imune celular/humoral local.
Tem um pico de atividade entre o 4º e 7º dia.
Invasão dos miócitos pelo vírus, com agressão direta do vírus
sobre o miócito;
Ativação de um sistema de defesa local, mediado principalmente
pelos linfócitos teciduais locais (T killers);
T Killers liberam uma série de mediadores, entre eles a perforina,
que tem como objetivo destruir o vírus e que acabam também
lesando o miócito.
Associada a estes mediadores, temos a ativação de macrófagos,
com liberação de citocinas, (interferon gama, interleucinas 1 e 2,
FNT), que amplificam a resposta inflamatória.
Miocardite Viral – Fase 2
Fase mais complexa, com mecanismos não totalmente
compreendidos;
Resposta imune celular: desenvolvimento de receptores de
histocompatibilidade de superfície nos miócitos, com
exposição na superfície da membrana de aminoácidos virais
produzidos no interior do miócito;
Estes receptores estimulam a resposta inflamatória mediada
pelo linfócito T, que terá uma atuação direta e indireta,
através de mediadores inflamatórios que promovem a
agressão do miócito;
Possibilidade de reinfecção, que levaria a sobreposição da
Fase 1 com a Fase 2.
Miocardite Viral – Fase 2
Esta agressão terá repercussão funcional, com alterações
estruturais que induzem disfunção contrátil, a saber:
–
–
–
–
–
Redução dos beta-receptores adrenérgicos;
Disfunção dos canais de cálcio voltagem-dependente;
Alterações na cadeia respiratória;
Miocitólise;
Ativação da cadeia enzimática da apoptose.
A fase 2 tem o seu pico entre a segunda e a quarta semana
após a infecção viral do miocárdio.
Miocardite Viral – Fase 3
Três possibilidades de evolução:
a) Progressão da agressão, por resposta imune-humoral mediada pela
permanência do RNA viral ou por reinfecção, com agressão
miocitária permanente, induzindo cardiomiopatia dilatada com
disfunção e depressão funcional progressivas.
b) Resposta reparativa, com proliferação de colágeno e fibrose, se
manifestando com remodelamento ventricular e cardiomiopatia
dilatada com depressão funcional estável.
c) Regressão do processo inflamatório, com recuperação da função
ventricular ou manutenção de discreta disfunção ventricular.
Miocardite Viral – Fase 3
É a que geralmente chega ao ambulatório;
Paciente refere história de infecção há cerca de dois ou três meses;
Pico de atividade é em torno do segundo ao terceiro mês.
Miocardite Viral
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Miocardite Viral
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Miocardite Viral – Diagnóstico
Tentar estabelecer em que fase evolutiva da doença se
encontra o paciente;
Isto terá implicação no que se deve esperar dos métodos
diagnósticos, assim como no estabelecimento da
estratégia terapêutica;
O diagnóstico baseia-se na análise conjunta dos sinais e
sintomas e confirmação pelos métodos complementares.
Exige alto grau de suspeição clínica.
Miocardite Viral – Quadro Clínico
Apresentação clínica variável;
a) Assintomática;
b) Arritmias freqüentes, morte súbita, quadro
clínico infeccioso, disfunção ventricular
assintomática, disfunção ventricular
sintomática.
Sintomas prodrômicos: febre com presença
de infecções não-específicas do trato
respiratório ou gastroenterite até quadros
mais específicos como síndrome
coxsackievirus (rash, linfadenite, orquite,
hepatite ou meningite). Valorização desta
fase geralmente se dá de forma
retrospectiva.
Miocardite Viral – Quadro Clínico
70% evoluem com disfunção ventricular discreta:
assintomáticas ou com poucos sintomas e regridem sem deixar
seqüelas.
Das formas com maior disfunção ventricular:
- 25% regridem,
- 50% estabilizam
- 25% evoluem com piora da função ventricular.
Miocardite Viral – Quadro Clínico
Dados clínicos de alerta:
1)
taquicardia desproporcional ao quadro febril;
2)
ausência de doença cardíaca pré-existente;
3)
aparecimento súbito de arritmias ou distúrbio de condução;
4)
cardiomegalia ou sintomas de ICC sem causa aparente;
5)
quadros de dor torácica e IC em pacientes jovens.
Miocardite Viral – Quadro Clínico
Os quadros de pericardite aguda (dor precordial, atrito pericárdico e
supra ST ao ECG) recebem, em geral, o diagnóstico de pericardite
viral e são tratados com antiinflamatórios.
Muitos destes, entretanto, são portadores de “miopericardite”,
que pode evoluir para miocardite crônica com disfunção
progressiva de VE.
Portanto, mesmo após o desaparecimento do quadro agudo, todos
os casos de pericardite aguda devem ser seguidos atentamente.
Miocardite Viral – Exame Físico
Inespecífico;
Depende da fase e do grau de
disfunção do órgão;
Taquicardia desproporcional;
Primeira bulha hipofonética, ritmo de
galope com B3, sopro sistólico em
focos de ponta são achados
comuns.
Miocardite – Exames Laboratoriais
Não são diagnósticos. Também dependem da fase.
Fases 1 e 2: Marcadores de atividade inflamatória ou agressão
miocárdica.
60% dos pacientes : ↑ de marcadores de inflamação como VHS ou
PCR;
25%: leucocitose inespecífica.
Ausência de marcadores inflamatórios positivos, ou de elevação
dos marcadores de lesão miocárdica, não exclui o diagnóstico de
miocardite.
Miocardite – Exames Laboratoriais
Os marcadores de lesão miocárdica poderão estar
de necrose miocárdica detectável.
↑ na presença
As troponinas T e I (maior sensibilidade): elevadas em 32% pctes;
CKMB: elevada em apenas 12% dos pctes;
Níveis séricos correspondem ao grau de agressão miocárdica;
Não seguem o padrão usual da curva da SCA, permanecendo com
pico mais prolongado e queda mais lenta.
Miocardite – Exames Laboratoriais
Outros exames:
Tentativa de se identificar a presença do agente viral nas
análises de sangue, fezes, pericárdio e miocárdio (pesquisa de
IGM e PCR viral);
Avaliação de atividade de doença do colágeno e outras
doenças reumáticas.
Biologia Molecular: reação de Polimerase em cadeia (PCR),
Transcriptase reversa e Hibridização in situ (busca direta do
genoma viral) (Fases 1 e 2).
Imunoistoquímica, com a marcação de HLA de tipos 1 e 2
tecidual e vascular (Fase 3)
Miocardite – ECG
Alterações no ECG são mais freqüentes que alterações clínicas.
Padrões heterogêneos (fases 1 e 2):
Mais comuns: Taquicardia sinusal, supra ou infra de ST, com ondas T
apiculadas ou invertidas difusas. FA, SVE, BAVs, alterações de ST, ARVs.
Raros: onda Q, distúrbios de condução AV.
ESSVs, ESVs ou TVNSs também podem ser observadas. e, quando
ocorrem, são transitórias.
Bloqueios de ramo, principalmente o esquerdo: associados com
importante envolvimento miocárdico; indicam pior prognóstico.
Miocardite – ECG
Miocardite – Ecocardiograma
Disfunção sistólica com ↓ da FEVE, dilatação de câmaras,
insuficiências mitral e tricúspide secundárias e, eventualmente,
disfunção diastólica, HVE, hipocinesia, acinesia, discinesia,
derrame pericárdico e trombose intracardíaca.
Outros:
Aumento transitório da espessura da parede posterior e septo
(edema local).
Envolvimento do VD (preditor independente de morte e
transplante cardíaco na Miocardite Aguda, com 60% dos pctes
com Disfunção de VD evoluindo para óbito ou transplante em 24
meses contra nenhum no grupo sem disfunção de VD ).
Mendes et al. Right ventricular dysfunction: an independent predictor of
adverse outcome in patients with myocarditis. Am Heart J 1994;128:301–7.
Miocardite – Ecocardiograma
Miocardite- Cintilografia Miocárdica
Importante papel tanto diagnóstico como na evolução da miocardite.
Diferentes radiofármacos têm sido utilizados no diagnóstico de
inflamação:
- Cintilografia com Gálio-67;
- Cintilografia com leucócitos marcados com In-111 (indium-111);
- Cintilografia com anticorpo antimiosina marcado c/ In-111 ou Tc-99
(sensibilidade de 83% a 100%, especificidade de 53%, valor
preditivo negativo de 93% a 100%).
Miocardite- Cintilografia Miocárdica
A capacidade da cintilografia de detectar a presença de
resposta inflamatória miocárdica está diretamente relacionada
com a fase evolutiva em que se encontra a doença.
Capacidade de detecção:
80% na fase 1
40% a 60% na fase 2
8% a 12% na fase 3
Miocardite- Cintilografia Miocárdica
O’Connell et al. (1984):
Avaliou Cintilo com Galio-67 vs. Biópsia Endomiocárdica em 68 pacientes com
Cardiomiopatia Dilatada.
87% dos pacientes foram “verdadeiramente” positivos na Cintilo com Gálio-67
1,8% de prevalência de miocardite foi observada no grupo com Cintilo negativa.
O’Connell JB et al. Gallium-67 imaging in patients with
dilated cardiomyopathy and biopsy-proven myocarditis.
Circulation 1984;70:58–62.
Miocardite- Cintilografia Miocárdica com Anticorpos
Antimiosina marcados com In-111
Captação difusa do rádiofármaco na área cardíaca
Imagem planar (A) e
reconstruções tomográficas(B).
Miocardite- Ressonância Nuclear
Magnética
Informações precisas sobre a presença e a extensão do
processo inflamatório.
Pode ser utilizado no início do processo inflamatório, assim
como no seguimento dos pacientes com miocardite.
Tende a se tornar o exame padrão na suspeita de miocardite e
atualmente já é a mais importante ferramenta não-invasiva
para detecção e seguimento desses pacientes.
Ressonância Cardíaca com Gadolínio: maior sensibilidade e especificidade
Miocardite vs Lesões Isquêmicas Ressonância Nuclear Magnética
Estudos sugerem que, com a melhora na resolução das imagens da
RNM, ela venha a ser capaz de diferenciar com precisão
cardiomiopatias isquêmicas de não-isquêmicas em um futuro
próximo.
McCrohon JA, et al. Differentiation of heart
failure related to dilated cardiomyopathy and coronary artery disease
using gadolinium-enhanced cardiovascular magnetic resonance.
Circulation 2003;108:54 –9.
Hunold P, et al. Myocardial late enhancement
in contrast-enhanced cardiac MRI: distinction between infarction scar
and non-infarction-related disease. AJR Am J Roentgenol 2005;184:1420–6.
Miocardite- Biópsia Endomiocárdica
A miocardite tem definição histopatológica: seu diagnóstico definitivo
pode ser confirmado com a biópsia endomiocárdica.
Capacidade diagnóstica intimamente relacionada com a fase evolutiva
da doença.
Biópsia busca detectar a fase imune-celular: maior capacidade
diagnóstica nas fases 1 e 2.
Na fase tardia da doença, só consegue detectar a ativação
inflamatória em cerca de 8% dos casos.
Miocardite- Biópsia Endomiocárdica
Miocardite- Biópsia Endomiocárdica
Para padronizar o diagnóstico de miocardite, um grupo de especialistas
reuniu-se em Dallas (1987) para estabelecer critérios histológicos para
o diagnóstico por biópsia endomiocárdica.
Com estes critérios atingiu-se um consenso para o desenvolvimento de
trabalhos.
Miocardite- Biópsia Endomiocárdica
Normal Myocardium
Borderline Myocarditis
Miocardite- Biópsia Endomiocárdica
Active Myocarditis
Active Myocarditis
Miocardite- Biópsia Endomiocárdica
Críticas:
Na miocardite severa não há controvérsia entre os patologistas.
Nos casos não tão evidentes, os critérios de Dallas não estabelecem o
número mínimo de células no infiltrado inflamatório para um exame ser
considerado anormal.
Miocardite- Biópsia Endomiocárdica
“ No maior grupo de pacientes já estudado com Cardiomiopatia de etiologia
não-definida que utilizaram BEM, só foi identificada a etiologia em 111 dos
1230 pacientes com miocardite (9%). No Myocarditis Treatment Trial, menos
de 10% dos 2233 pacientes com IC idiopática tiveram resultado alterado pelo
critério de Dallas”.
Miocardite- Biópsia Endomiocárdica
“(...) Erros de amostra, variações na interpretação do exame, variações entre
os marcadores de infecção viral e ativação imune do coração, além das
variações nos resultados dos tratamentos, sugerem que os critérios de
Dallas não são mais adequados. (...)”
“ (...) Um novo critério deveria incluir em avaliação conjunta: apresentação
clínica, histopatologia, imunohistoquímica, PCR viral, avaliação dos
anticorpos cardíacos e exames de imagem. (...).”
Miocardite Viral – Tratamento
Miocardite – Tratamento com
Imunosupressão
Sem demonstração de melhora na
FE, sem diferenças de
mortalidade nos grupos
imunossuprimidos vs. tto
convencional.
MTT (111 pcts, FE < 45%)
Myocarditis Treatment Trial
(31 centros, EUA, Canadá,
Reino Unido e Japão. 1986 a
1990, controlado,
randomizado): Não mostrou
melhora na FE com uso de
Prednisona + Azatioprina ou
Prednisona + Ciclosporina vs
Terapia convencional.
N Engl J Med. 1995; 333:269-75.
Miocardite – Tratamento com Imunosupressão
Críticas ao MTT:
1) Muitos pacientes alocados não tinham miocardite vigente;
2) Os pacientes eram estáveis e não apresentavam risco elevado
ou imediato;
3) Dose baixa de prednisona e ciclosporina dada aos pacientes;
O próprio autor questiona se alguns pacientes alocados para o
tratamento imunossupressor com doença viral recente estariam na
terceira fase (persistência de níveis virais não detectáveis porém
suficientes para manter nível de destruição imune mediada).
Miocardite – Tratamento com Imunosupressão
Miocardite – Tratamento com Imunosupressão
Resultados mais promissores com Interferon- ά e Interferon- β,
ainda aguardando estudos randomizados maiores e mais
expressivos.
Miocardites – Conclusão
-
Já houve grande progresso em
relação ao diagnóstico da
doença;
-
Com isso, espera-se que mais
diagnósticos sejam feitos
precocemente, o que deve
permitir mais pesquisas em
relação ao tratamento, que ainda
permanece obscuro, controverso
e pouco individualizado.
Caso Clínico
AVC, 51 anos, masculino.
Há 1 mês, dispnéia progressiva aos esforços, dispnéia paroxística
noturna e ortopnéia.
Antecedentes: Sem antecedentes de cardiopatia prévia
Quadro gripal 1 semana antes do início dos sintomas.
Exame Físico (Admissão): PA: 125/105 mmHg. FC: 105 bpm.
FR: 22 ipm
ACV: RCR em 3T (B3), SS 2+/6+ F. Mi.
AR: MVF, estertores basais bilaterais.
Abd: sem VMG, sem ascite, RHA+.
Ext: sem edemas.
Caso Clínico
ECG: RS, FC: 106 spm, BDASE, ARV difusa, sugestivo de área
eletricamente inativa ântero-septal, com ondas T negativas em
parede antero-lateral.
Exames Laboratoriais Iniciais: Troponina < 0,2; CKMB: 3,5;
Leucócitos: 9600; Bastôes: 3; PCR: 7,7; VHS: 2mm.
Radiografia Tórax: Aumento de área cardíaca, padrão de inversão
de trama vascular, discreto derrame pleural bilateral.
Eco TT: Hipocinesia difusa, FE: 30%; VEs: 54; VEd: 63; AE: 60;
PSAP: 50 mmHg.Refluxos moderados mitral e tricúspide.
Caso Clínico
Ressonância de Coração e Aorta (02/1107):
- FE: 23% (Simpson);
- Acinesia antero-septal e inferior.
- Hipocontratilidade dos demais segmentos.
- VD com função preservada.
- Área de realce tardio em parede ântero-septal basal,
podendo ser compatível com lesão por miocardite;
Conclusão:
- Lesão miocárdica sugestiva de injúria inflamatória
(miocardite);
- Dilatação e disfunção de VE;
- Regurgitação mitral e tricúspide.

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