A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA
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A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA
A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES MILITARES PEREIRA, Diego Franco/FACINAN RESUMO O Código Penal Militar de 1969 prevê expressamente a aplicação do princípio da insignificância, estabelecendo que, quando verificada sua aplicação, deve ser o crime desclassificado para infração disciplinar. Adota o Código para os crimes patrimoniais o critério de pequeno valor, para o reconhecimento do princípio, aquele que não ultrapassar a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país e para as lesões corporais que elas sejam levíssimas. Ocorre, no entanto, que o art. 7º, IV, da Constituição veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, o que obriga os Tribunais a estabelecerem novos critérios para a aplicação do princípio da insignificância aos delitos patrimoniais e criarem critérios para a aplicação do princípio aos crimes cuja aplicação não é estabelecida expressamente no texto normativo. Devem tais critérios estar em consonância com os valores e princípios atinentes à especificidade da atividade militar, sem que se deixe de levar em conta o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Direito Militar. Intervenção mínima. Princípio da insignificância. Jurisprudência. ABSTRACT The Military Penal Code of 1969 expressly provides that the principle of insignificance, stating that, when checked your application, should be disqualified for the crime disciplinary offense. The Code adopts for property crimes the criterion of small value, for the recognition of the principle, one that does not exceed one tenth of the monthly amount of the highest minimum wage in the country and for minor injuries. It happens, however, that art. 7, IV, of the Constitution prohibits linking the minimum wage for any purpose, forcing the courts to establish new criteria for the application of the principle of insignificance to property offenses and create criteria for the application of the principle to crimes whose application is not established specifically in the regulatory text. Such criteria must be consistent with the values and principles relating to the specificity of military activity, without being sure to take into account the fundamental principle of human dignity. Keywords: Military Law. Minimal intervention. Principle of insignificance. Jurisprudence. INTRODUÇÃO O princípio da insignificância, embora não conte com reconhecimento normativo expresso em nossa legislação penal ordinária, tem sua possibilidade de aplicação positivada no Código Penal Militar, editado em 21 de outubro de 1969, em dispositivos como o art. 209, §6° e art. 240 §1°, que permitem que o juiz desclassifique a conduta para infração disciplinar quando não se mostra necessária a intervenção do direito penal para a tutela do bem jurídico, no que buscou o legislador castrense a solução administrativa para o problema penal. Entrementes, em razão das peculiaridades da Justiça Penal Militar, parte da doutrina e jurisprudência entende que a aplicação do Princípio da Insignificância, Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN nesta Justiça especializada, exige extrema cautela, tendo em vista os bens jurídicos por ela tutelados, principalmente os princípios constitucionais da hierarquia e disciplina, sustentáculos de toda instituição militar. Ante recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, como nos autos de Habeas Corpus n° 94085, relatado pelo Ministro Celso Mello, reconhecendo a aplicação deste princípio como causa supra legal da exclusão da tipicidade penal, necessária se faz uma análise acurada do tema para a verificar se atentam ou não aos valores específicos vigentes na caserna. 1. ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL É usual no Supremo Tribunal Federal (STF) a aplicação do princípio da insignificância, inclusive nos crimes militares, que a faz pela análise da lesão ao bem jurídico atingido no caso concreto que, se for ínfima, afastará a tipicidade material. Para o reconhecimento do princípio, as duas turmas do STF verificam a presença dos seguintes quesitos que devem estar presentes no caso: a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ressaltam ainda as Turmas que deve ser levada em conta a capacidade econômica da vítima, ressaltando que não pode ser considerada como insignificante, nos crimes patrimoniais, a quantia necessária ao suprimento das necessidades básicas da vítima1. Logicamente, quando não houver dano relevante ao patrimônio da vítima, ou os bens são devolvidos, o princípio pode ser aplicável2. Em relação à aplicação na seara militar, a Min. Ellen Gracie, ao indeferir pedido de habeas corpus, no que foi seguida de forma unânime pela Segunda Turma, ponderou que: 1 STF. 1ª Turma. HC 91.065 UF: SP, Rel. Min. Eros Grau. Julgamento: 29/04/2008. Disponível <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=91065&classe=HC>. Acesso 19/10/2009. 2 STF. 1ª Turma. RHC n. 89.624 UF: RS, Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgamento: 10/10/2006. Disponível <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=89624&classe=RHC>. Acesso 18/10/2009. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 em: em: em: em: A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN Diante dos valores e bens jurídicos tutelados pelo art. 195, do Código Penal Militar, revela-se realmente inadmissível a aplicação do princípio da insignificância. A prática da conduta amoldada no referido dispositivo legal ofende, claramente, as instituições militares, a operacionalidade das Forças Armadas, além de violar os princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do tipo penal3. Assim, em relação à aplicação ao Direito Penal Militar, acrescenta-se aos critérios já enumerados acima, que deve haver maior rigor para a sua aplicação que se comparado ao Direito Penal comum, assim, de plano, condutas insignificantes para o Direito Penal comum, podem não ser para o Direito Penal Militar, para que restem preservadas a hierarquia e a disciplina militares, além da operacionalidade das Forças Armadas. 2. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O ART. 290 DO CPM Maiores críticas e controvérsias na doutrina em relação às decisões do STF encontram-se em relação ao reconhecimento, em julgados recentes, do princípio da insignificância nos crimes de porte para uso próprio ou consumo de pequena substância entorpecente em dependências militares. Reside neste ponto também o principal ponto de divergência entre o STF e o Superior Tribunal Militar (STM). Até recentemente, o STF mantinha posicionamento harmônico com STM e considerava que, embora o art. 290 do CPM se mostrasse defasado, especialmente por não distinguir o traficante do usuário, não havia sido revogado pela Lei 11.343/2006, pelo que não se aplicava o princípio da insignificância a delitos de tóxicos, como se vê na seguinte ementa: Habeas Corpus. Constitucional. Penal Militar e Processual Penal Militar. Porte de substância entorpecente em lugar sujeito à administração militar (art. 290 do CPM). Não-aplicação do princípio da insignificância aos crimes relacionados a entorpecentes. Precedentes. Inconstitucionalidade e revogação tácita do art. 290 do Código Penal Militar. Não-ocorrência. Precedentes. Habeas Corpus denegado4. 3 STF. 2ª Turma. HC n. 94.931 UF: PR, Rel. Min. Ellen Gracie. Julgamento: 07/10/2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=94931&classe=HC>. Acesso em: 18/10/2009. 4 STF. 1ª Turma. HC n. 91.759 UF: MG, Rel. Min. Menezes Direito. Julgamento: 09/10/2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=91759&classe=HC>. Acesso em: 18/10/2009. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN Para o STM: EMBARGOS INFRINGENTES DO JULGADO. SOLDADO DO EXÉRCITO. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE "MACONHA" EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU DA BAGATELA. LEI Nº 11.343/2006. INAPLICABILIDADE À JUSTIÇA MILITAR. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR PELA "NOVATIO LEGIS". INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO. 1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. "In casu", o fato de ser pequena a quantidade de "Maconha" apreendida em poder do agente não configura insignificância penal.Isto porque, a Jurisprudência do Superior Tribunal Militar e do Egrégio Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento de que o Princípio da Insignificância ou da Bagatela não se aplica no caso de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à Administração Militar. 2. LEI Nº 11.343/2006. ALEGADA REVOGAÇÃO DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. Conforme prescreve o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, opera-se a revogação de uma lei anterior por outra superveniente, quando a nova lei expressamente assim o declare ou quando for incompatível com a lei anterior e/ou quando regular integralmente a mesma matéria. No caso concreto, nenhuma dessas situações se verifica. Ao contrário, a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, não revogou expressamente o artigo 290 do CPM. Quisesse o legislador revogar qualquer dispositivo do Código Penal Militar, poderia tê-lo feito no artigo 75 da referida norma, quando determinou a revogação de outras leis. De igual modo, a "Nova Lei de Tóxicos" não é incompatível com a matéria disciplinada no precitado artigo 290 da Lei Substantiva Castrense, pois a primeira é norma geral e a segunda, norma especial. Assim, se o objetivo principal da Lei nº 11.343/2006 é prescrever MEDIDAS DE PREVENÇÃO AO USO INDEVIDO DE DROGAS no âmbito civil, recomendando tratamento terapêutico ao respectivo usuário, o Código Penal Militar, em seu dispositivo específico, preocupou-se com o tráfico, posse e uso de entorpecente ou de substância de efeito similar, EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR, definindo essa hipótese como infração penal e estabelecendo uma pena "In Abstracto" a ser aplicada ao sujeito ativo de tal delito. 3. Restando comprovado nos autos que a substância encontrada em poder do ora Embargante, em lugar sujeito à Administração Militar, era "CANNABIS SATIVA LINEU", vulgarmente denominada "Maconha", e inexistindo, em favor do Acusado, qualquer causa excludente de culpabilidade e/ou de ilicitude, não há que se falar em absolvição. Rejeitados os Embargos, mantendo-se integralmente o Acórdão hostilizado, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Decisão majoritária5. 5 STM, Embargos infringentes 2006.01.049706-8/MG, Rel. Min. Flávio de Oliveira Lencastre, Julgamento: 17/04/2007. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2006/160/01.0497068/01.0497068.pdf> Acesso em 14 de outubro de 2009. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN Assim, entendia-se que se o legislador quisesse revogar o art. 290 do Código Penal Militar, o teria feito através do art. 75 da Nova Lei de Drogas, como o fez com as Leis 6.368/1976 e 10.409/2002 e, ainda, à luz do art. 2°, §1°, da Lei de Introdução ao Código Civil, considerava-se que a revogação só se operaria pela lei superveniente se expressamente o declarasse, fosse com ela incompatível ou regulasse inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior 6”, o que não se verificava no caso em tela. Todavia, operando-se mudança de posicionamento jurisprudencial, recentes julgados do STF, “a despeito do princípio da especialidade e em consideração ao princípio maior da dignidade humana 7”, vieram a reconhecer a aplicação do princípio da insignificância e a incidência da Lei 11.343/2006 - que não pune com restrição de liberdade o usuário, no âmbito militar. A Segunda Turma considerou que se estiverem preenchidos os requisitos objetivos autorizadores do princípio da insignificância nada obstaria sua aplicação8, vez que caberia à Suprema Corte confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana arrolado no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, fazendo com que se aplique a Lei 11.343/2006, que possibilita a recuperação do civil que é usuário de substância entorpecente, ao invés de apenar, como na ementa do seguinte julgado: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA9. Elenca a Turma como requisitos para o reconhecimento: a) a mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão ao bem 6 STM, Embargos n. 2006.01.049706-8 UF: MG, Rel. Min. Fávio de Oliveira Lencastre. Julgamento: 17/04/2007. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2006/160/01.0497068/01.0497068.pdf>. Acesso em: 18/10/2009. 7 STF. 2ª Turma. HC n. 92.961 UF: SP, Rel. Min. Eros Grau. Julgamento: 21/02/2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=92961&classe=HC>. Acesso em: 18/10/2009. 8 STF. 2ª Turma. HC n. 90.125, UF: RS, Rel. Min. Eros Grau. Julgamento: 24/06/2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=94524&classe=HC>. Acesso em: 18/10/2009. 9 STF. 2ª Turma. HC n 94.524 UF: DF, Rel. Min. Eros Grau. Julgamento: 24/06/2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=94524&classe=HC>. Acesso em: 15/10/2009. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN jurídico e e) a não cogitação pelo Superior Tribunal Militar em aplicar a Lei n. 11.343/2006, que em lugar de apenar, possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta (uso de substância entorpecente), reservando punição severa e exemplar aos traficantes. E nos aspectos atinentes à operacionalidade das Forças Armadas e à hierarquia e disciplina: f) a instituição militar não foi afetada, pois a pequeníssima quantidade não seria capaz de causar distúrbio ou alteração psíquica de modo a causar risco ao exercício de atividades militares e g) as sanções disciplinares são suficientes para que restem preservadas a hierarquia e a disciplina militares. Na corrente oposta à aplicação do princípio da insignificância no delito tipificado pelo art. 290 do CPM, dentro da 2ª Turma, a ministra Ellen Gracie, em voto vencido10, fundamenta que o bem jurídico penal-militar tutelado no art. 290 do CPM não se restringe à saúde do próprio militar, mas também abrange a tutela da regularidade das instituições militares. Assim, a prática das condutas do art. 290 do CPM violaria os princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do tipo penal. Considera, nesta linha, a doutrina que, se vier a ser constantemente aplicado o princípio da insignificância nos delitos de posse ou uso de drogas pelo julgador, poderá ser causado um “colapso institucional 11” nas Forças Armadas, pela grave afronta à hierarquia e à disciplina que estas condutas representam. Como exemplifica Ricardo Vergueiro Figueiredo: Será que um graduado, por exemplo, teria confiança em um seu superior se soubesse que o mesmo estivesse envolvido com drogas? Será que ao menos tal subordinado não teria sequer um receio de cumprir as ordens recebidas deste superior, por desconfiar que o mesmo pudesse estar os efeitos de determinada substância entorpecente? Ou então, será que um capitão não teria receio em advertir verbalmente o sargento-de-dia, durante um serviço, sabendo que este último tem no coldre uma pistola 9 mm, e também em uma de suas mãos, em plena luz do dia, um “fininho” aceso de maconha, com outros poucos no bolso de sua gandola para uso posteriormente? Em um outro exemplo, imagine-se uma Bateria de soldados artilheiros, que pouco antes da prática de determinado exercício militar de tiro com morteiro de 120 mm, se reunissem para 10 STF. 2ª Turma, HC 90.125/RS, Rel. Min Ellen Gracie, Rel. para o acórdão Min. Eros Grau. Julgamento: 24/06/2008.Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=90125&classe=HC>. Acesso em 14 de setembro de 2009. 11 A expressão é de Abelardo Julio da Rocha (Os crimes de porte e uso de drogas em área sujeita à administração policial militar em face da lei nº 11.343/06. Revista Direito Militar, AMAJME, n. 71, p. 16, maio/jun. 2008.) Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN fumar cigarros de maconha. Será que os demais colegas de caserna que também iria participar de tal exercício, que não fumaram coisa nenhuma, se soubessem que tais colegas minutos antes fumaram cigarros de maconha, se sentiriam seguros na realização e prática do exercício?12 A Primeira Turma, por sua vez, denegou ordem de habeas corpus13, nos termos da relatora Min. Carmen Lúcia, porque reconheceu não estarem preenchidos os requisitos elencados acima na situação concreta apresentada. Em ponto discordante com a 2ª Turma, fez a ressalva de que, pelo princípio da especialidade, o art. 290 do Código Penal Militar não restou alterado pela superveniência da Lei nº 11.343/2006, pelo que deve continuar a ser aplicado. Veja-se que a discussão, sempre relacionada ao princípio da insignificância, sobre se a Lei 11.343/2006 revogou ou não o art. 290 CPM e se aquela é aplicada ao usuário que é encontrado com pequena quantidade, tem razão de ser porque se reconhecida a aplicação da Lei 11.343/2006, o foco da aplicação da norma será dado à pessoa do usuário que não mais será visto como um delinquente, mas como um doente que precisa de tratamento e não de reprimenda penal, ao passo que, se reconhecida a incidência do art. 290 do CPM, o enfoque da norma seria a incolumidade pública e o resguardo da hierarquia e disciplina, razão pela qual exige o tipo penal seja a conduta cometida em “lugar sujeito à administração militar”, pelo que seria incompatível com o princípio da insignificância – Em que pese aparente entendimento contrário da 1ª Turma, citado acima, que reconheceu que se estivessem presentes os requisitos, poderia o princípio ser aplicado diretamente em relação ao art. 290 do CPM. Conclui-se por esta linha, recentemente adotada pelo Supremo, que a especialidade do Código Penal Militar não afastaria a incidência da nova Lei de Drogas e a imposição de pena de prisão ao usuário não seria mais justificada em qualquer hipótese. Esta discussão e a divergência entre o STF e o STM sobre se a lei penal mais benéfica é aplicável apesar do princípio da especialidade não é nova e foi suscitada com a edição da Lei 9.099/1995, que criou os Juizados Especiais Criminais. Discutia-se se seus institutos da suspensão condicional do processo e a 12 FIGUEIREDO, Ricardo Vergueiro. A pequena quantidade de entorpecente, o princípio da insignificância e o artigo 290 do código penal militar. Revista Direito Militar, AMAJME, n. 44, p. 17-18, nov./dez. 2003. p. 18. 13 STF. 1ª Turma, HC 94.649-6/RJ, Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgamento: 12/08/2008. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=94649&classe=HC>. Acesso em 14 de outubro de 2009. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN representação criminal nos crimes de lesão corporal simples e culposa seriam aplicáveis à Justiça Militar, tendo havido, inclusive, a formação de três correntes jurisprudenciais: a que decidia pela aplicação integral dos institutos à legislação militar; a que entendia cabíveis apenas nos crimes impropriamente militares e a pela não aplicação em nenhuma hipótese14. O STM, para uniformizar seu posicionamento, chegou a sumular a questão com a súmula 9 que estabelecia: “A Lei n. 9.099, de 26.09.1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à Justiça Militar da União”. A questão foi levada ao STF, no que anota João Ronaldo Roth que: Muitos habeas corpus, naquele mesmo período, por iniciativa dos advogados dos réus, foram impetrados junto ao Supremo Tribunal Federal, o qual, de maneira unânime, deu guarida à Primeira Instância da Justiça Militar Federal, anulando as decisões do STM e concedendo a suspensão condicional do processo e/ou decretando a extinção de punibilidade por ausência de representação nos crimes militares correlatos àquele benefício15. A divergência entre os dois Tribunais encerrou-se pela via legislativa, com a edição da Lei n. 9.839/1999, que acrescentou o art. 90-A à Lei 9.099/1995, estabelecendo que: “Art. 1o A Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo: "Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”. Mesma solução deveria ser dada à nova divergência agora suscitada sobre a aplicação ou não da Lei 11.343/2006 e o princípio da insignificância; não devendo tal lei ser aplicada no âmbito militar, para que seja mantida a sua especialidade, e sim, o art. 290 do CPM ser reformado para se adequar às modernas exigências políticocriminais que não mais admitem a equiparação entre o usuário e traficante 16. 14 ROTH, Ronaldo João. Justiça militar e as peculiaridades do juiz militar na atuação jurisdicional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 65. 15 Idem. 16 É de se ver que desde 1976, com a Lei 6.368/1976, a antiga Lei de Tóxicos, é feita a distinção entre usuário e traficante, que revogou o antigo art. 281 do Código Penal que, assim como faz o art. 290 do Código Penal Militar, os equiparava. Encontra-se o art. 290 do CPM, no mínimo desde então, desatualizado por injustificável omissão do legislador. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN 3 ORIENTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR O entendimento do STM para a aplicação do princípio da insignificância é o de que não podem ser observados critérios meramente patrimoniais para o reconhecimento desta excludente de tipicidade no âmbito da caserna, pois outros valores, imensuravelmente maiores, são ofendidos com a conduta criminosa do militar das Forças Armadas17 Assim, deve ser levado em conta o prejuízo para as instituições militares e a violação da hierarquia e disciplina. Em relação aos crimes patrimoniais há no STM decisões no sentido de não se aplicar o critério do §1º, do art. 240 do CPM, eis que reconhece haver vedação constitucional de vinculação do valor da res furtiva ao salário mínimo, conforme art. 7º, IV, da CF: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE VINCULAÇÃO DO VALOR DA RES AO SALÁRIO MÍNIMO (ART. 7º, INC. IV). Na avaliação do dano patrimonial suportado pelo ofendido, não deve ser feita qualquer referência ao salário mínimo, até porque a irrelevância de um determinado valor para uma pessoa pode não sêlo para outra. Afasta-se a bagatela nos crimes patrimoniais para preservar os princípios da hierarquia e da disciplina, predominantes nas instituições militares. Ausência de ambigüidade, obscuridade, contradição ou omissão no acórdão18. No mesmo Tribunal, no entanto, há decisões mais recentes no sentido de aplicação do critério do art. 240, §1º, do CPM, ainda que vinculado ao salário mínimo, o que aparenta ser um retrocesso ante a sistemática da Constituição Federal de 1988: Não são insignificantes os prejuízos individuais sofridos quando comparados aos valores do salário mínimo e do soldo percebido por um Recruta da Marinha à época dos fatos. Nos crimes contra o patrimônio, o parâmetro utilizado para demonstrar a pouca lesividade é previsto no art. 240, § 1º, in fine, do 17 STM. HC n. 2007.01.034426-8 UF: SP, Rel. Min. Rayder Alencar da Silveira. Julgamento: 19/12/2007. Disponível em <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2007/180/01.0344268/01.0344268.pdf>. Acesso em: 20/07/2009. 18 STM. Embargos de Declaração n. 2005.01.049521-4 UF: PE, Rel. Min. Marcus Herndl, Julgamento: 16/08/2005. Disponível em <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2005/440/01.0495214/01.0495214.pdf>. Acesso em: 20/07/2009. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN CPM, além da equivalência entre o patrimônio furtado e o da vítima.19 Em relação ao art. 290 do CPM, é pacífico o entendimento do STM no sentido de que, no caso de posse e/ou uso de substância entorpecente em lugar sujeito à Administração Militar, a circunstância de ser pequena a quantidade apreendida não descaracteriza o delito20, por este tipo penal tutelar bens que avançam muito além da preservação da saúde pública e da do próprio usuário de drogas, alcançando, assim, a segurança e a pronta operacionalidade das forças militares e a estabilidade das relações entre as pessoas que as integram, bens estes ineludivelmente imbricados com a hierarquia e a disciplina21. Há um singular entendimento no STM de que o princípio da insignificância não se aplica aos crimes culposos, haja vista que, segundo seus julgados, nestes delitos o que se pune não é o resultado lesivo e, sim, a conduta anterior do agente 22; relaciona-se, pois, o princípio da insignificância ao desvalor do resultado – representado pela lesão ao bem jurídico - o que o torna compatível apenas com os crimes dolosos. Entende, por fim, a corte castrense que a análise sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância deve ocorrer na fase de julgamento do processo se a denúncia estiver revestida das formalidades legais23. 19 STM. Recurso Criminal n. 2008.01.007583-1 UF: DF, Rel. Min. Rayder Alencar da Silveira. Julgamento: 25/02/2009. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2008/320/01.0075831/01.0075831.pdf>. Acesso em: 18/10/2009. 20 Este, conforme já discutido no item anterior, é o principal ponto de divergência entre o STM e o STF que recentemente veio a acolher o princípio da insignificância e a aplicação da Lei 11.343/2006 no âmbito militar. 21 STM.Embargos 2003.01.049230-9 UF: SP, Rel. Max Hoertel, Julgamento: 04/11/2003. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2003/160/01.0492309/01.0492309.pdf>. Acesso em: 18/10/2009. 22 STM. Apelação 1991.01.046348-8 UF: PE, Rel. Cherubim Rosa Filho, Julgamento: 31/10/1991 e Apelação 1991.01.046569-3 UF: RJ, Rel. Paulo Cesar Cataldo, Julgamento: 02/04/1992. Disponíveis em: <http://www.stm.gov.br/cgi-bin/nph-brs?s1=&s2=1991.01.0463488&s3=&s4=&s5=&s6=&s7=&s8=&s9=&s10=&s11=&s12=&s13=&s14=&s15=&s16=&l=20&d=JURI&p=1& u=jurisprudencia.htm&r=1&f=G§1=NOVAJURI> e <http://www.stm.gov.br/cgi-bin/nphbrs?s1=&s2=1991.01.0465693&s3=&s4=&s5=&s6=&s7=&s8=&s9=&s10=&s11=&s12=&s13=&s14=&s15=&s16=&l=20&d=JURI&p=1& u=jurisprudencia.htm&r=1&f=G§1=NOVAJURI >. Acesso em: 18/10/2009. 23 STM. Recurso Criminal 2008.01.007496-7 UF: RS, Rel. Min. Francisco José da Silva Fernandes, Julgamento: 26/02/2008. Disponível em: <http://www.stm.gov.br/pesquisa/acordao/2008/320/01.0074967/01.0074967.pdf>. Acesso em: 18/10/2009. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN CONCLUSÕES Pelo que foi até o momento pesquisado, pôde-se verificar que o Código Penal Militar de 1969, vanguardista para a época, dentre outras inovações, trouxe a previsão expressa, em alguns de seus dispositivos, sobre a aplicação do princípio da insignificância, o que ainda hoje inexiste na legislação penal comum, permitindo que o juiz ao se deparar com um crime de bagatela desclassifique-o para infração disciplinar, mantendo a repressão do fato no âmbito administrativo ao mesmo tempo em que afasta a sensação de insegurança jurídica ao não deixar o militar infrator impune. Em que pese a aplicação do princípio estar positivada, espancando qualquer dúvida sobre sua aplicabilidade no âmbito dos crimes militares, os parâmetros legais para sua aplicação mostram-se insuficientes e até em dissonância com a atual sistemática constitucional, no que ficou a cargo da doutrina e, principalmente, da jurisprudência, embora de forma ainda não totalmente incontroversa, fixar seus critérios à luz dos princípios penais limitadores e dos específicos da atividade militar ao defrontar-se com o caso concreto. Desta forma, embora o Direito Penal Militar, por sua natureza, deva ser mais rígido, não pode se afastar das criações jurídicas perfiladas pelo direito comum, razão pela qual a aplicação do princípio da insignificância se mostra plenamente compatível com aquele direito especializado e vem amplamente sido reconhecida pelos Tribunais. Devem, entretanto, observar os Tribunais e os aplicadores do Direito maior cautela quando da sua aplicação no âmbito castrense para que não sejam violados os princípios vigentes na caserna e nem seja prejudicada a operacionalidade das Forças Armadas com a sua aplicação. A previsão expressa em alguns tipos para a aplicação do princípio deve ser vista não como uma limitação à sua aplicação, o que é incompatível com a interpretação do Direito Penal em um Estado Democrático de Direito e do alcance da insignificância como princípio, que por esta condição transcende à norma, mas como um norte para a aplicação nos demais dispositivos. Como princípio que é deve ter sua aplicação ampliada no direito penal independente de norma específica que o preveja, pois a ela transcende. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 A Interpretação jurisprudencial do princípio da insignificância nos crimes militares – Diego Franco Pereira/FACINAN REFERÊNCIAS ASSIS, Jorge Cesar de. Curso de direito disciplinar militar. Curitiba: Juruá, 2007. __________________. Direito militar, aspectos penais, processuais penais e administrativos. Curitiba: Juruá, 2001. BADARÓ, Ramagem. Comentários ao código penal militar de 1969. São Paulo: Juriscrédi, 1972. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1997. CHAVES JÚNIOR, Edgard de Brito. Direito penal e processo penal militar. Rio de Janeiro: Forense, 1986. COSTA, Álvaro Mayrink da. Crime Militar. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978. FIGUEIREDO, Ricardo Vergueiro. A pequena quantidade de entorpecente, o princípio da insignificância e o artigo 290 do código penal militar. Revista Direito Militar, AMAJME, n. 44, p. 17-18, nov./dez. 2003. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. 4. ed. 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