trabalhoeeducacao - Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania

Transcrição

trabalhoeeducacao - Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania
CENTRO UNIVERSITÁRIO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ALTO VALE DO
ITAJAÍ
JILBERTO SILVEIRA
O TRABALHO E A EDUCAÇÃO EM PROL DA REINSERÇÃO SOCIAL DA
PESSOA RECLUSA
FLORIANÓPOLIS
JANEIRO 2013
JILBERTO SILVEIRA
O TRABALHO E A EDUCAÇÃO EM PROL DA REINSERÇÃO SOCIAL DA
PESSOA RECLUSA
Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação
Lato Sensu em Gestão Penitenciária do Centro
Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale
do Itajaí.
Orientador: Profª Dr. Marcos Erico Hoffmann
FLORIANÓPOLIS
JANEIRO 2013
JILBERTO SILVEIRA
O TRABALHO E A EDUCAÇÃO EM PROL DA REINSERÇÃO SOCIAL DA
PESSOA RECLUSA
Monografia apresentada ao Curso de PósGraduação Lato Sensu em Gestão Penitenciária do
Centro Universitário para o Alto Vale do Itajaí
como requisito parcial à obtenção do título de
especialista em Gestão Penitenciária a ser avaliada
pela seguinte Banca Examinadora:
_______________________________________
Prof. Dr. Marcos Erico Hoffmann
Professor Orientador
Banca Examinadora:
_______________________________________
Prof. MSc. Ilson Paulo Ramos Blogoslawski
Coordenador da Pós-Graduação
_______________________________________
Florianópolis, 21 de janeiro de 2013.
6
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os que
ousam e acreditam e não temem
trilhar os caminhos para as grandes
realizações.
7
AGRADECIMENTOS
À minha esposa, pela paciência e aos meus pais, por tudo o que fizeram por mim. Aos
colegas agentes penitenciários, pelo apoio dado a este projeto. Aos grandes amigos, por
ajudarem a superar os entraves encontrados durante a realização deste trabalho. Ao meu
orientador, por ter compartilhado seus conhecimentos e experiências e contribuir
significativamente para a conclusão desta pesquisa.
8
RESUMO
A legislação nacional, incluindo a Constituição Federal Brasileira, torna obrigatória a
implementação de medidas de reintegração social de presidiários e de apoio aos
egressos. Neste escopo, destacam-se a educação e o trabalho, além das medidas e
garantias que levem em conta as condições humanas dignas a que todo o cidadão tem
direito. Todavia, são frequentes as situações de medidas esparsas e meramente
paliativas em muitos estabelecimentos penais do País. Quanto à assistência ao egresso,
são raras as casas albergue, exceção feita ao Estado do Paraná, apesar de o mesmo não
conseguir atender a demanda. Este quadro sugere que é frágil o apoio do Estado, por
meio de seus organismos representativos. Por sua vez, a sociedade parece demonstrar
escasso conhecimento acerca do que ocorre nas prisões, suas consequências e suas
possibilidades. A legislação pertinente está longe de ser atendido, o que em grande parte
explica os elevados índices de reincidência. Por outro lado, tem-se mostrado evidente
que as ações voltadas para a reinserção na sociedade por meio do trabalho e da
educação, quando iniciadas no cárcere e alinhadas a um efetivo apoio ao egresso, são
vitais para minimizar os efeitos negativos que o aprisionamento e a falta de perspectivas
acarretam no indivíduo recluso.
Palavras Chaves: Trabalho, Educação, Presidiário, Legislação, Reinserção social.
9
SUMMARY
National legislation, including the Federal Constitution, mandates the implementation of
measures of social reintegration of prisoners and support for graduates. In this scope, we
highlight education and work, beyond the measures and safeguards that take into
account the human condition worthy that every citizen is entitled. However, there are
frequent cases of sparse and merely palliative measures in many prisons in the country
The egress assistance, shelter houses are rare, except for the State of Paraná, although
the same cannot meet demand. This framework suggests that the fragile state support,
through their representative bodies. In turn, society seems to show little knowledge
about what happens in prisons, its consequences and its possibilities. The relevant
legislation is far from being met, which largely explains the high rates of recidivism. On
the other hand, has shown clearly that the actions aimed at reintegration into society
through work and education, when initiated in prison and aligned to support an effective
egress, are vital to minimize the negative effects that imprisonment and lack of
prospects lead in the individual inmate.
Key Words: Work, Education, Luke, Legislation, Social reintegration.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................9
1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PRISÕES ATRAVÉS DO TEMPO ..................13
1.1 O Desenvolvimento Histórico da Pena .....................................................................14
1.2 Das Penas Na Ordem Jurídica no Brasil e no Mundo ..............................................19
1.3 Os Estabelecimentos Penais nos Dias Atuais ...........................................................27
1.4 A Instituição da Pena no Direito Brasileiro ..............................................................28
2 O ATUAL SISTEMA PENAL NO BRASIL .........................................................34
2.1 Uma Visão Geral do Direito Penal no Brasil ...........................................................36
2.2 O Surgimento das Reformas Contemporâneas .........................................................39
2.3 A Lei de Execução Penal com seus Objetivos e Aplicabilidade ..............................41
3 O INSITUTO DA RESSOCIALIZAÇÃO INSERIDO NA LEI DE EXECUÇÃO
PENAL ............................................................................................................................42
4 A REINTEGRAÇÃO SOCIAL COMO META MEIOR ...........................................46
4.1 A Assistência do Egresso e suas Principais Características .....................................50
5 EDUCAÇÃO E TRABALHO PARA EGRESSOS E SEUS FUNDAMENTOS .......54
5.1 Ações Reintegradoras Visando Minimizar a Reincidência ......................................61
5.2 A Reintegração Social e as Atividades Desempenhadas pelo Preso em Penitenciarias
e Presídios .......................................................................................................................64
5.3 As Políticas Públicas de Reinserção Social em Face da Realidade do Sistema
Prisional de Santa Catarina .............................................................................................65
6 O TRABALHO DO RECLUSO COMO DIREITO, DEVER SOCIAL E
CONDIÇÃO DE DIGNIDADE HUMANA ................................................................66
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................70
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................73
11
INTRODUÇÃO
A história do Direito Penal vem acompanhando a evolução do próprio homem,
ou seja, o conceito da penalização existe desde os mais remotos tempos. A finalidade da
prisão, ao longo da história, foi se adaptando às mudanças e aos interesses de cada
sociedade. O condenado tem sido recolhido ao cárcere por diversos motivos, desde a
garantia do cumprimento da pena final que, em casos extremos, podia ser a morte e
servia como intimidação, até os dias de hoje, em que se pretende alcançar a finalidade
de reinserir o presidiário na sociedade, após o cumprimento de sua pena.
Conforme o artigo 32, em seus incisos I, II e III do Código Penal Brasileiro, as
espécies de penas vigentes em nosso País são: Pena Privativa de Liberdade; Penas
Restritivas de Direitos e a Pena de Multa. O trabalho e a educação constituiriam
mecanismos de reinserção social do condenado que, apesar dos obstáculos enfrentados
para sua implementação, consiste num caminho que merece ser considerado. O trabalho
realizado pelo preso no interior do estabelecimento penitenciário pode ser divido em
três categorias: administrativo, industrial e artesanal. O direito ao trabalho é considerado
pela lei como um dever social e condição de dignidade humana, com finalidades
educativa e produtiva.
A humanidade tem utilizado diversas formas de punição para aqueles que
transgridem as regras construídas. Do castigo, retribuição pelo crime cometido, a pena
evoluiu, sob influências das ideias humanitárias, para a finalidade de prevenir o crime,
seja de modo geral ou especial. Nos dias atuais a possibilidade de reinserir o preso na
sociedade passou a ser uma das ações mais discutidas hodiernamente.
A pena privativa de liberdade alastrou-se pelas legislações de quase todo o
mundo, uma vez que abandonava o castigo do corpo do indivíduo, bem como as outras
modalidades de penas cruéis e infamantes. Contemporaneamente, esta espécie de pena
tem sido questionada, uma vez que deixou de atender a finalidade de prevenir o crime e
de contribuir para a reinserção do indivíduo na sociedade, como cidadão.
Os direitos e garantias do condenado elencados na Constituição Federal de 1988
ainda são, em sua maioria, letra morta, uma vez que não se concretizaram eficazmente e
têm se mantido distantes dos reais objetivos estabelecidos com as penas privativas de
liberdade. Neste cenário, vislumbra-se o trabalho do preso como forma de prepará-lo
para o seu retorno à sociedade, com a possibilidade de prover sua própria subsistência,
bem como a de sua família, evitando assim que retorne ao mundo do crime.
12
Diante disso, emerge o interesse em desenvolver a pesquisa intitulada: O
trabalho e a educação em prol da reinserção social da pessoa reclusa.
As questões que sobressaem dizem respeito à dificuldade do cumprimento do
objetivo da pena privativa de liberdade como forma de reinserção social do condenado.
São também verificados problemas crônicos, como a superlotação do sistema carcerário,
maus tratos físicos e verbais, condições deficientes de trabalho, má alimentação, dentre
vários outros. Surge então a pergunta: o trabalho e a educação no cárcere poderiam ser
considerados meios para a concretização do objetivo da reintegrar o condenado na
sociedade?
Com a presente pesquisa pretendemos então examinar, mediante uma apreciação
dedutiva-crítica, a evolução da pena de prisão, seus fundamentos, além do trabalho e da
educação como instrumentos de reinserção do condenado na sociedade. O trabalho foi
desenvolvido com base em pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e na legislação
vigente. Sua estrutura está sistematizada em tópicos que tratam da evolução histórica do
sistema prisional, tendo como princípio a ressocialização do preso, destacando o início
da utilização da mão de obra de presidiários que, à época, sequer havia o objetivo de
prepará-los para o retorno à sociedade, mas sim de simplesmente castigá-los. Com o
advento da pena privativa de liberdade surgiu também o trabalho e a educação como
forma de disciplina e de favorecer a posterior reinserção social. Destacam-se também os
tipos de estabelecimentos penais existentes no Brasil.
No primeiro capitulo abordaremos a Evolução Histórica das prisões na história e
no tempo e, em seguida, discorreremos sobre as espécies de penas existentes na
legislação brasileira, dando ênfase maior na modalidade de privação de liberdade. Este
tipo de pena restringe o direito de ir e vir do condenado, podendo ser classificada como
de reclusão e de detenção e pode ser cumprida em regimes fechado, semiaberto e aberto.
Destacaremos também o trabalho e a educação do preso como um direito, um dever
social e como um ato de dignidade humana, com finalidades educativa, produtiva e
reintegradora. Por fim, será apresentado o trabalho do preso desenvolvido pelas
Penitenciárias e Unidades Prisionais do Estado de Santa Catarina. Serão destacados os
aspectos estruturais, bem como o quadro funcional e as possibilidades de lotação dos
internos do estabelecimento.
13
1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PRISÕES ATRAVÉS DO TEMPO
Priorizamos, inicialmente, uma explanação sobre o conceito da pena. Conforme
Delmanto (2000, p. 1078), “Pena é a imposição da perda ou diminuição de um bem
jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal”.
Dessa forma o autor mencionado aponta a terminologia pena como a formalização de
uma sanção expiatória, onde se for impingida por um ato irregular cometido por um
indivíduo, a mesma se identifica em qualquer localidade em que houver agrupamentos
humanos. Já para Fragoso (1991, p. 585), “Pena é a perda de bens jurídicos imposta
pelo órgão da justiça a quem comete crime. Trata-se de sanção característica do direito
penal, em sua essência retributiva”. Retributiva de forma essencial porque sua operação
causa um mal a quem transgride em virtude de violação de norma jurídica.
Nesse sentido o ilustre Mirabete (2002, p. 453) aponta os conceitos de dois
grandes doutrinadores:
Para Luiz Vicente Cernicchiaro, a pena pode ser encarada sobre três aspectos:
substancialmente consiste na perda ou privação de exercício do direito
relativo a um objeto jurídico; formalmente está vinculado ao principio da
reserva legal, e somente é aplicada pelo Poder Judiciário, respeitando o
principio do contraditório; e teleologicamente mostra-se, concomitantemente,
castigo e defesa social. Para Soler, “a pena é uma sanção aflitiva imposta
pelo Estado, através da ação penal, ao autor de uma infração (penal), como
retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico e
cujo fim é evitar novos delitos”.
Segundo José Frederico Marques (1996, p. 103), pena é “a sanção aflitiva
imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração como retribuição
de seu ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, cujo fim é evitar novos
delitos”. Para Beccaria (2002, p. 139) “uma pena para ser justa precisa ter apenas o grau
de rigor suficiente para afastar os homens da senda do crime”. Afirma-se através dessas
conceituações que pena então é a perda ou privação de exercício do direito relativo a um
objeto jurídico, um castigo e também uma suposta forma de defesa social.
Sendo o objeto jurídico maior de uma pessoa a sua liberdade, enquanto que
transgredida uma norma jurídica pelo ofensor, este se obriga a pagar um castigo se
abstendo de um bem jurídico seu para reparar a ofensa social. As principais diretivas
estão encontradas na Constituição Federal de 1988, a qual trata a pena e os princípios
que o legislador deve seguir, para nortear o seu embasamento jurídico, que são: o
14
princípio da legalidade, da responsabilidade personalíssima, da individualização e da
humanização. O primeiro que é o princípio da Legalidade: consiste na existência prévia
de lei para a imposição da pena, princípio expresso do art. 5º, XXXIX.
Já o Princípio da Responsabilidade Personalíssima: impossibilidade de estenderse a terceiros a imposição da pena. Pelo preceito constitucional, ninguém responderá por
um ilícito penal se não o tiver praticado, tem-se em vista art. 5º, XLV, enquanto que o
Princípio da Individualização: cada espécie de infração penal tem um tratamento
individualizado, e poderá ser adotada esta ou aquela modalidade de sanção conforme a
necessidade, a proporcionalidade e outros fatores a serem verificados, por exemplo, art.
5º, XLVI. E por fim no Princípio da humanização: decorre de diversos dispositivos da
Constituição que estabelecem limites à atuação do Estado, em respeito à vida e à
dignidade da pessoa humana, consoante art. 5º, XLILX.
As garantias que amparam a pena estão, portanto inseridas nos princípios
constitucionais, o que se deve ser levado à barca, bem como se os princípios
constitucionais definitivamente são respeitados. Por exemplo: consideração pela
dignidade humana do infrator, se a punição está elencada dentro dos parâmetros legais
definidos pelo Estado, se ocorre reintegração social eficaz do apenado ou se o instituto
da reincidência do condenado faz parte do processo penal brasileiro, além da não
reificação do condenado e em nossos presídios e penitenciárias.
1.1
O Desenvolvimento Histórico da Pena
Com a sociedade surgem os regramentos de condução social permeados pelo
direito, pois surgem os problemas de convívio em sociedade. Dessa forma adotam-se
princípios diversos na aplicação das penas, mas nos períodos primordiais predominam
os ideais primitivos baseados na vingança do ofendido ou de seu grupo familiar. Nota-se
que a sanção expiatória esteve presente sempre nos agrupamentos humanos como forma
coercitiva em virtude de praticas delituosas que ameaçassem o grupo. Afinal, não seria
correto afirmar que as relações sociais entre os homens no início da civilização tenham
sido fraternais e amistosas. De maneira alguma tal ideia será defendida, pois os relatos
históricos farão sucumbir os pilares de sustentação da aludida assertiva (DELMANTO,
2000, p. 1078).
Em períodos primitivos, não havia a predominância de códigos ou leis escritas.
Dessa forma, episódios naturais eram utilizados para justificar a ira dos deuses e, assim,
15
justificar a criação de proibições e a aplicação de castigos ao transgressor da norma. Nas
sociedades primitivas o direito nada mais era do que um dos aspectos da religião, visto
que todos os fenômenos naturais maléficos aconteciam em virtude da cólera das forças
divinas, de sorte que a reação punitiva também apresentava caráter religioso.
A pena tinha um caráter vingativo e o castigo imposto era a retirada da vida do
transgressor. A vingança de sangue exercida pela vítima ou de seus parentes é dever
sagrado, visando aplacar a ira da divindade. Vê-se, assim, a pena em sua origem como
vingança, um revide à agressão sofrida desproporcionada com a ofensa e aplicada sem a
menor preocupação com a justiça.
Após uma primeira fase de vingança surgem outras onde, segundo Fragoso
(1991, p. 585):
A reação penal torna-se represália por parte da vítima, situando-se na esfera
privada, limitando-a pelo talião e pela composição com a vítima (preço da
paz), para em seguida assumir o Estado o monopólio da justiça punitiva. A
composição a princípio voluntária, depois imposta pelo Estado e finalmente
abolida, passando as penas a serem públicas.
Para impedir que as tribos fossem eliminadas por completo, surge o talião, que
limita a reação à ofensa a um mal idêntico ao praticado (sangue por sangue, olho por
olho, dente por dente), um grande avanço, por reduzir a abrangência da ação punitiva
(MIRABETE, 2003, p. 36). Ocorre aí a utilização do Código de Hamurabi, no Êxodo
(hebreus) e na Lei das XII Tábuas da antiga Roma. Desta feita a dimensão da
organização social faz com que a pena perca a sua caracterização religiosa, onde se
impõe por uma autoridade pública representativa dos interesses da comunidade, onde a
figura do príncipe ou soberano tranveste-se de autoridade pública e divindade religiosa
causando um paradoxo, onde muitas vezes a pena era cruel e severa, onde, por exemplo,
aponta Mirabete (2003, p. 36) que, o soberano na Grécia governava em nome de Zeus, e
era seu intérprete e mandatário.
Ao fim da República romana a vingança privada desaparece e o magistério penal
é exercido pelo Estado, salvo o pater familias que se mantém com restrições. Tribunais
com jurados permanentes fazem o inquérito e julgamento sendo estes tribunais
presididos por um magistrado em substituição aos julgamentos populares pelos
comícios. O processo penal torna-se regra e é praticamente abolida a pena de morte
sendo as penas mais graves de exílio e deportação que deveriam estar expressamente
16
previstas, uma vez que nesta época o direito romano era regido pelo princípio da reserva
legal (FRAGOSO, 1991, p. 585).
Foi durante a época de Augustus (27 d.C) que existe maior liberdade ao Estado
na apreciação dos delitos e a imposição das penas sem a necessidade de uma acusação
formal. A pena de morte volta a ser aplicada para os crimes mais graves e a prisão, o
cárcere em si, não era considerado pena. Segundo Mirabete (2003, p. 37) “Contribuiu o
Direito Romano decisivamente para a evolução do Direito Penal com a criação de
princípios penais como o erro, a culpa, dolo, imputabilidade, coação irresistível,
agravantes, atenuantes, legítima defesa, etc.”.
Já no Direito Germânico não existia a distinção entre caso fortuito, dolo e a culpa
do agente e, o resultado de como o agente feria a vitima era contado para aplicar sua
pena.Quando aos processos dos povos bárbaros vigoravam as ordálias ou juízes de deus
(prova da água fervente, do ferro em brasa, etc.) ou os duelos judiciários com os quais
se decidiam os litígios, pessoalmente ou através de lutadores profissionais
(MIRABETE, 2003, p. 37).
Enquanto que no Direito Canônico procurou-se estabelecer o domínio da Igreja
sobre o Estado esta criou várias disposições legislativas para impor seu poder punitivo,
onde, proclamou-se a igualdade entre os homens, acentuando a subjetividade do crime,
o fortalecimento da justiça pública e o fim das ordálias e duelos judiciários bárbaros,
introduzindo penas privativas de liberdade em substituição as penas patrimoniais para
possibilitar o arrependimento do réu, e ainda promoveu-se a mitigação das penas que
passaram a não ter como fim só a expiação, mas também a regeneração do criminoso
pela purgação da culpa, o que levou, paradoxalmente, aos excessos da Inquisição,
através do Concílio de Latrão, em 1215, e possibilitava o procedimento de ofício, sem
necessidade de prévia acusação, pública ou privada.
Nesse sentido aponta Mirabete (2003, p. 38):
No período medieval houve um entrelaçamento entre os direitos romano,
germânico e canônico, com prevalência do romano nos casos omissos.
Destrincha Mirabete os pontos do direito penal medieval doutrinando que as
penas de morte eram comuns e cruéis (fogueira, afogamento, soterramento,
etc.) sendo executadas com o nítido propósito de intimidação. As sanções
eram desiguais, dependendo da condição social e política do réu. O processo
é exercido em defesa do Estado e da religião, mas a justiça ganha contornos
de incerteza, insegurança e terror.
17
Já nos séculos XVII e XVIII a classe social que comandava o capitalismo
chamada de burguesia entrava em conflito com os interesses da nobreza, dando vazão
ao movimento de liberalismo clássico, que serviu como base para o iluminismo visando
dar ao homem um pensamento livre sobre questões tradicionais na época. No campo do
Direito os pensadores contestavam as ideias absolutistas. A base ideológica desse
período era a reforma das leis e das instâncias judiciais a fim de humanizar a aplicação
da Pena (BITENCOURT, 2003, p. 952).
No direito penal, vemos a figura de Cesar Bonesana, o Marquês de Beccaria que
inspirado na concepção do contrato social de Rousseau enxerga um novo direito penal,
propondo um novo fundamento à justiça penal onde seu escopo seria utilitário e político
que deve, porém, ser limitado pela lei moral.
Em sua obra Do delito e das Penas, publicada na segunda metade do século
XVIII, afirma Beccaria (FRAGOSO, 1985, p. 40) que:
O fim da pena é apenas para evitar que o criminoso cause novos males e que
os demais cidadãos o imitem, sendo tirânica toda punição que não se funde
na absoluta necessidade. Defendia a conveniência das leis claras e precisas,
não permitindo sequer o arbítrio do juiz a sua interpretação. Combateu a pena
de morte, a tortura e o processo inquisitório. Opunha-se à justiça medieval
que ainda vigorava em seu tempo bem como ao direito comum romanocanônico da época que aqui se encerra.
Beccaria, com seus pensamentos, deu início ao movimento Humanitário
baseado, sobretudo, no respeito à personalidade humana fundada na piedade e na
compaixão em que o acusado deveria ser submetido ao processo penal e regime
carcerário da época. Imediatamente o Estado teve que repensar a forma da execução
penal, sendo obrigado a atender aos anseios humanitários da sociedade para com a
justiça criminal. Por isso que se afirma que, nesta fase, o povo teve a mais importante
atuação na aplicação da pena, pois foi ele o principal responsável pela sua humanização
(BITENCOURT, 2003, p. 952).
As ideias fundamentais de Beccaria foram expostas por diversos doutrinadores
na primeira metade do século XIX no que se resolveu nomear Escola Clássica em que
foi reforçada a noção retributiva da sanção penal como exigência de justiça bem como,
na postulação de Carrara, o crime visto como violação de direito e não como uma norma
jurídica do direito positivo e a responsabilidade penal subjetiva (FRAGOSO, 1985, p.
43).
18
Foi durante o fim do século XIX, com a concepção naturalista do movimento
positivista que Lombroso instituiu os métodos estatísticos onde surgia o homem
delinquente com base nas anomalias físicas e mentais, porém esse vetor logo foi
descartado.
Os princípios dessa escola baseiam-se no crime como fenômeno natural e social,
estando sujeito às influencias do meio, exigindo o método experimental ou positivo para
explicação de suas causas; responsabilidade penal atrelada a responsabilidade social;
pena como medida exclusiva de defesa social; o criminoso é sempre psicologicamente
anormal, de forma temporária ou permanente, e muitas vezes apresenta defeitos físicos
(FRAGOSO, 1985, p. 47).
A Escola mista e a Escola Moderna Alemã contribuíram para o estudo do direito
penal, em que a premissa partia de que o crime ocorre por casualidade, e na Escola
Moderna Alemã houve a contribuição na instituição das medidas de segurança, o
livramento condicional e sursis.
Nos primórdios da colonização brasileira, entre as tribos indígenas, prevalecia o
direito costumeiro, caracterizado pela vingança privada, a vingança coletiva e a lei de
talião. Nesta fase, muitas vezes a pena não era proporcional à ofensa, pois atingia não só
o ofensor, mas também todo o seu grupo familiar.
Para Bitencourt, (2002, p41):
Pode-se afirmar, sem exagero, que instalou tardiamente um regime
jurídico despótico, sustentado em um neofeudalismo luso-brasileiro, com
pequenos senhores, independentes entre si, e que, distantes do poder da
coroa, possuíam um ilimitado poder de julgar e administrar os seus
interesses. De certa forma, essa fase colonial brasileira reviveu os
períodos mais obscuros, violentos e cruéis da História da Humanidade,
vividos em outros continentes.
Com a proclamação da Independência em 1830, foi sancionado o Código
Criminal do Império, que regulava a individualização da pena e previa também a pena
de morte. Proclamada a República em 11 de outubro de 1890, é editado o Código Penal,
abolindo a pena de morte e instalando o regime penitenciário de caráter correcional. Em
1942 entra em vigor o Código Penal, pelo decreto lei n. 2.848 de 7/12/1990, o qual tem
sua vigência prolongada até os dias atuais.
De acordo com Mirabete, (2005, p.44):
19
A nova lei é o resultado de um influxo liberal de uma mentalidade
humanista em que se procurou criar novas medidas penais para os crimes
de pequena relevância, evitando-se o encarceramento de seus autores por
curto lapso de tempo. Respeita a dignidade do homem que delinquiu,
tratando como ser livre e responsável, enfatizando-se a culpabilidade
como indispensável à responsabilidade penal.
Todavia, a nova lei não foi suficiente para trazer a tão almejada tranquilidade
social. A modernidade favoreceu não apenas as altas tecnologias, mas também as
concentrações urbanas, o não planejado êxodo rural e as mudanças de comportamento,
implicando também em aumento da criminalidade. As instituições públicas brasileiras
não acompanharam essas mudanças, pois a superlotação dos presídios e penitenciárias
parece inibir ainda mais uma das mais almejadas funções da pena, qual seja, a de
contribuir para a reintegração social do apenado.
1.2 Das Penas Na Ordem Jurídica no Brasil e no Mundo
No ordenamento jurídico brasileiro existem várias formas de punir o infrator.
Essas formas são chamadas de penas, classificáveis em restritivas de direitos, privativas
de liberdade e de multa. Pena refere-se à sanção que o Estado impõe contra a prática de
um fato definido pela lei como crime, tendo como base a privação de determinados bens
jurídicos. De acordo com Damásio (1995), pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado,
mediante ação penal ao autor de uma infração, como retribuição de seu ato ilícito,
consistindo na diminuição de um bem jurídico, com o escopo de evitar novos delitos.
Conforme Fragoso (1991, p. 279), a pena pode ser vista da seguinte forma:
Pena é a perda de bens jurídicos impostos pelo órgão da justiça a quem
comete crime. Trata-se da sanção característica do direito penal, em sua
essência retributiva. Sanção penal é em essência retributiva porque opera
acusando um mal ao transgressor
Por sua vez, Capez (2004, p.19) assim conceitua:
A pena é a sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em
execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal,
consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cujas
finalidades são aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a
sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação
dirigida à coletividade.
20
O autor ainda salienta que pena pode também ser concebida como o ato de punir
imposto pelo Estado contra o cidadão que praticou um delito. São características da
pena: legalidade, personalidade, proporcionalidade e inderrogabilidade.
Segundo Mirabete, (2005, p.246):
Devem existir nas penas várias características: legalidade, personalidade,
proporcionalidade e inderrogabilidade. O princípio da legalidade consiste
na existência prévia de lei para imposição da pena (nulia poema sine
lege), previsto no artigo 1º do Código Penal. A característica da
personalidade refere-se à impossibilidade de estender-se a terceiros a
imposição da pena, por isso, determina-se que "nenhuma pena passara da
pessoa do condenado" (art. 5º, XLVI, primeira parte, da CF), proibindose, por exemplo, as penas infamantes.
A aplicação da pena deve seguir o princípio da legalidade, prevista no art. 1º no
Código Penal: não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem a prévia
cominação legal. A constituição Federal Brasileira de 1988, assim dispõe no art. 5º,
inciso XXXIX. “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal,” e no inciso II, que menciona: " ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei".
A pena também deve respeitar a personalidade, ou seja, atingir apenas o autor do
crime. Encontra-se contido no art. 5º, inciso XLV da Constituição Federal:
Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de
reparar o dano e a decretação do perdimento de bens, nos termos da lei,
estendidas aos sucessores e contra ele executadas, até o limite do valor do
patrimônio transferido.
Portanto, a pessoabilidade é uma característica da pena que está ligada aos seus
fins e fundamentos, a pessoabilidade ou personalidade impõe-se pela finalidade de
retribuição da pena, devendo assim, recair a pena sobre quem praticou o mal e somente
sobre ele, não atingindo outros entes estranhos ao fato. A pena não pode ser muito
exagerada, nem muito leve, mas justa, adequada e idônea, em qualidade e quantidade
suficientes para conter a prática da infração e promover a proteção da sociedade.
O Estado é possuidor do direito de punir, detém o ius puniendi, busca o conforto
geral, impõe normas de conduta e prevê sanções àqueles que descumprem suas regras.
As sanções penais aparecem como meio de prevenir e reprimir os atos delinquentes, no
intuito de promover a segurança e a conservação da sociedade. O Código Penal, com a
reforma de 1984, concedeu à pena uma natureza mista, definindo-a como retributiva e
preventiva. Assim dispõe o art. 59, caput do Código Penal:
21
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta
social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime.
Como consequência, a pena tem como destinação a retribuição do mal praticado.
Todavia, a precaução apresenta-se como seu propósito maior, mesmo porque o Direito
Penal manifesta-se como ordenamento dirigido a seu fim último, que é a convivência
em harmonia na sociedade. A Política Criminal, por sua vez, na busca de suas
finalidades, atua tanto por meio da prevenção especial, quanto pela prevenção geral. A
prevenção geral está pautada em que a ameaça de uma pena sirva para intimidar os
potenciais infratores, bem como o sofrimento do indivíduo aprisionado possa ajudar na
dissuasão para a prática de delitos.
Nesse sentido, Bitencourt, (2002, p.77) assim conceitua:
A prevenção geral fundamenta-se em duas ideias básicas: a ideia da
intimidação ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do
homem. Essa teoria valeu-se dessas ideias fundamentais para não cair no
terror e no totalitarismo absoluto. Teve, necessariamente de reconhecer,
por um lado, a capacidade racional absolutamente livre do homem – que é
uma ficção como livre-arbítrio-, e, por outro lado, um Estado
absolutamente racional em seus objetivos, que também é uma ficção.
A prevenção especial está destinada ao transgressor castigado com uma pena. A
pena seria um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do infrator, com o fito
de evitar que, no futuro, pratique novos delitos.
Nessa linha, Bitencourt (2002, p.81) esclarece:
A prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a
retribuição do fato praticado, visando apenas aquele indivíduo que já
delinquiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídicopenais.
É importante destacar o caráter ressocializador atribuído à pena. De acordo com
o que estabelece o Código Penal Brasileiro, por força da Lei n° 7.209, de 11/07/1984,
que deu nova redação à Parte Geral, e da Lei n° 9.714, de 25/11/1998, que modificou o
art. 43, as penas são classificadas em: privativas de liberdade (reclusão e detenção),
restritivas de direitos (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de
22
serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos,
limitação de fim de semana e multa).
A Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XLVI, prevê as penas de privação ou
restrição alternativa, bem como suspensão ou interdição de direitos. Já o inciso XLVII,
do mesmo dispositivo constitucional, proíbe a pena de morte, assim como as de caráter
perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, e as cruéis. A lei prevê também as
medidas de segurança, que constituem forma de sanção penal, mas diferem das penas,
uma vez que estas possuem natureza retributivo-preventiva, enquanto que as medidas de
segurança são tidas como essencialmente preventivas, no sentido de resguardar a
sociedade da ação de infratores supostamente perigosos, e de submetê-los a tratamento
curativo. A lei estabelece que a sanção seja imposta por tempo indeterminado, enquanto
não for detectada a cessação de periculosidade.
Antes de adentrar no cerne da questão proposta: “O trabalho como meio de
reintegração social do preso”, infere-se que a real compreensão dos institutos jurídicos
pressupõe o estudo da história do Direito. Mais especificamente, no caso em tela, do
Direito Penal, mormente no que são pertinentes as diversas espécies de sistemas
prisionais que surgiram ao longo dos tempos e a importância do trabalho prisional para
que o recluso volte para a sociedade com possibilidades de reinserir-se nela e recomeçar
sua vida como cidadão.
Reavendo o passado, podemos citar John Howard apud Bitencourt, (2001, p. 41)
que: “considerava o trabalho obrigatório inclusive penoso, serviria de meio adequado
para a regeneração moral”. Entendia ele que o trabalho seria um meio reabilitador do
condenado. A história do Direito Penal vem acompanhando a evolução do próprio
homem, ou seja, existe desde os mais remotos tempos. A finalidade da prisão, ao longo
da história, acompanhou a evolução e os interesses de cada sociedade. O condenado tem
sido recolhido à prisão por diversos motivos, a começar pela garantia do cumprimento
da pena final que, em casos extremos, poderia ser a morte e servia como intimidação
para os demais. Nos dias atuais, discute-se a intenção de reinserir na sociedade o
indivíduo que cumpriu pena de prisão em algum estabelecimento prisional.
Bitencourt (2001, p.01) afirma que “A prisão é uma exigência amarga, mas
imprescindível. A história da prisão não é a de sua progressiva abolição, mas a de sua
reforma”. Entende-se assim que o sistema prisional vem acompanhando a evolução da
sociedade atendendo suas necessidades, passando pelos períodos da história da
humanidade até chegar aos dias atuais com a pena privativa de liberdade.
23
Na Antiguidade, não existia a pena privacidade de liberdade, mas sim castigos
ou punições que poderiam ir desde a tortura até a morte ou as sanções infamantes.
Durante muito tempo esses locais que seriam mais tarde utilizados como prisões
serviam basicamente de depósito, contenção e custódia do réu, que geralmente
aguardava, em condições subumanas, a celebração de sua execução.
Nessa época surgiram dois tipos de cárceres: a prisão de Estado e a prisão
eclesiástica. A prisão de Estado destinava-se àqueles que se colocavam contra o
governo. Como salienta Bitencourt (2001, p.09): “Na prisão Estada, na Idade Média,
somente podiam ser recolhidos os inimigos do poder, real ou senhorial, que tivessem
cometidos delitos de traição, e os adversários políticos dos governantes”. Destacam-se
ainda, segundo Bitencourt, duas modalidades: a prisão custódia, onde o réu esperava a
execução da verdadeira pena aplicada; e a prisão temporal ou perpétua, onde o réu
poderia receber o perdão real ou passar o resto da vida encarcerado. Com relação à
prisão eclesiástica, tem-se em conta que ela destinava-se aos religiosos insubordinados,
objetivava a penitência e a meditação, como salienta Bitencourt:
A prisão eclesiástica, por sua vez destinava-se aos clérigos rebeldes e
respondia as ideias de caridade, redenção e fraternidade da igreja, dando ao
internamento um sentido de penitência e meditação. A prisão canônica era
mais humana que a do regime secular, baseada em suplícios e mutilações,
porém impossível compará-la com a idade moderna. E foi por iniciativa
eclesiástica que surgiram as prisões subterrâneas, pois os réus que desciam
para essas prisões dificilmente saíam com vida. Mas foi com a igreja que se
começou a ter o direito punitivo procurando a reabilitação. (BITENCOURT,
2001. p. 10).
Essa modalidade prisional exerceu grande influência na evolução da pena
privativa de liberdade até o surgimento da prisão moderna, principalmente no que diz
respeito aos aspectos arquitetônicos e psicológicos. Psicológicos no sentido de que a
ideia da oração e do arrependimento contribuía mais para a reabilitação do que a coação
física.
Os suplícios foram sendo reduzidos e substituídos pela pena de prisão e de
trabalhos forçados. A pena de morte ficou restrita aos casos de homicídio. Portanto,
apesar da existência de penas rigorosas, é possível perceber algum abrandamento,
principalmente com relação à pena de morte, uma vez que a mesma passou a ser
substituída, na maioria dos casos pela de reclusão. De início, essas mudanças atingiram
os clérigos que transgrediam as normas eclesiásticas e, posteriormente, por disposições
legais, também os hereges e outros transgressores da lei.
24
Assim, a prisão surge como o locus de cumprimento da pena privativa de
liberdade, daí o termo penitenciário descrito por Teles (1996, p.54), também
substituindo as penas mais graves anteriormente citadas. Ao reportar-se à pena como
privação de liberdade, Shecaira (1995) diz:
A Idade Média, também chamada idade das trevas, produziu aquela que seria
a maior substituta da pena capital. A Igreja do séc. V, para punir clérigos
faltosos, usava aplicar como penalidade a reclusão em celas ou a internação
em mosteiros. Era o surgimento da privação da liberdade como pena, sem
embargo de ser posteriormente utilizada, [...], com outras finalidades no
decorrer da História. (SHECAIRA, 1995. p. 19).
Foi, portanto, a prisão eclesiástica que germinou a semente que, mais tarde, viria
a transformar-se na pena privativa de liberdade, inserindo-se nos sistemas punitivos dos
tempos modernos. Por sua vez, o trabalho forçado aplicado aos condenados nesse
período não tinha o objetivo de prepará-los para o retorno à sociedade, tinha sim o
objetivo de castigar.
Considerando-se o modelo de prisão eclesiástica, iniciou-se um movimento
de construção de prisões para o recolhimento e a correção de criminosos.
Nesse sentido, Bitencourt, lembra que esses movimentos tiveram como causa
a pobreza que se abateu em toda a Europa nesse período, crescendo
consideravelmente o número de vagabundos e mendigos que
passaram a constituir uma ameaça ao poder do Estado. Não sendo
possível aplicar a pena de morte, tendo em vista o número excessivo de
marginalizados, a pena privativa de liberdade, para o momento, seria a
solução. Lembra ele que foram “[...] sobretudo razões econômicas e de
necessidade de dominação que propiciaram o nascimento da pena privativa
de liberdade”. (BITENCOURT, 2001, p. 31).
A partir daí, a construção de prisões, com a finalidade de transformar o
condenado pelo trabalho e pela disciplina ganhou cada vez mais adeptos. Na Idade
Moderna, a principal finalidade das instituições prisionais era a reforma do preso por
meio do trabalho e da disciplina. A mais antiga arquitetura carcerária construída foi a
Amsterdã Rasphuis, em 1506, para homens, na cidade de Amsterdã na Alemanha. Dava
ênfase ao castigo laboral e ao ensino religioso, destinava-se principalmente a mendigos
e malfeitores com penas leves e longas, e o trabalho era obrigatório. Em 1597 foi criada
a Amsterdã Spinhis, para o encarceramento de mulheres e, em 1600, uma seção especial
para meninas adolescentes.
As prisões de Amsterdã contavam com um programa de reforma e a elas foi
atribuído êxito. Foram imitadas em muitos países europeus, pois chamavam atenção.
25
Dois séculos se passaram até que prisões fossem consideradas um lugar de possível
correção e mudança e não de simples custódia do detento à espera de julgamento.
Na busca de resultados mais eficazes com a aplicação da pena, surgiram vários
sistemas prisionais conforme a época e a ideologia vigente. Dentre eles destacam-se: o
Sistema Pensilvânico, o Sistema Auburniano e o Sistema Progressivo. No Estado da
Filadélfia, nos Estados Unidos da América, foi experimentado um sistema que se tornou
conhecido como Pensilvânico Filadélfico, em que o preso cumpria sua sentença de
modo celular ou de confinamento solitário (solitary confinement). Consistia num regime
de isolamento, em cela individual, sem mobília, de tamanho reduzido, sem atividades
laborais e sem visitas, onde o preso era incentivado unicamente a ler à bíblia. As
condições rigorosíssimas em que viviam asseguravam um ambiente de ordem e
disciplina, quase que inteiramente isento de fugas.
Bitencourt (2001, p. 68) assim descreve:
Das boas intenções que impulsionaram os homens idealizadores do sistema
celular restou somente um feito irrefutável: o confinamento solitário
converteu-se em excelente instrumento de dominação e controle e, por essa
razão, ainda é utilizado nas prisões modernas. Dentro desse inevitável
paradoxo desenvolvem-se muitos dos sistemas penitenciários modernos.
Tendo em vista as limitações e falhas desse sistema e a busca por superação,
foi criado o sistema que ficou conhecido como Auburniano. Teve início em 1818, no
estado de New York, nos Estados Unidos, com a construção da Penitenciária de
Auburn. Os reclusos eram mantidos em isolamento noturno, mas foi nessa época que se
criou o trabalho dos presos, sendo primeiramente em suas celas e, posteriormente, em
lugares próprios e em comum com os outros internos. Outra característica desse sistema
consiste no absoluto silêncio entre os condenados, mesmo quando em grupos.
O Sistema Auburniano difere do Pensilvânico, que tinha por base motivações
místicas e religiosas. O trabalho era tido como agente de transformação e
reabilitação do condenado. Este pensamento recebe críticas de Bitencourt (2001, p.
76), para quem “o trabalho não seria uma forma de tratamento, mas um instrumento
adequado para transformar o delinquente em elemento útil à fábrica e ao sistema
capitalista. O que interessa é que o recluso se submeta e seja útil ao regime políticoeconômico”.
Apesar das críticas recebidas, principalmente no que se refere ao
“economicismo”, o Sistema Auburniano parece ter servido de embasamento para a
26
implementação dos Sistemas Progressivos, ainda hoje aplicados em diversos países.
No Século XIX surgiu, na Inglaterra, o Sistema Progressivo, no qual era levado em
conta o comportamento e o desempenho do preso, especialmente no que se refere à
conduta e ao trabalho. Estes sistemas estabeleciam uma escala progressiva no
tratamento do condenado. O tempo da condenação seria distribuído em períodos, cujo
rigor decrescia à medida que passava para o estágio seguinte. Os privilégios a serem
usufruídos eram ampliados, de acordo com a conduta e o aproveitamento demonstrado
no sistema. Outro fator importante é a possibilidade de reincorporação do condenado à
sociedade antes mesmo do término da condenação.
Dentre outros sistemas similares, cabe destacar o Sistema Inglês Progressivo ou
Mark System, na Austrália, o Sistema Progressivo Irlandês na Irlanda e o Sistema de
Montesinos, na Espanha. O Sistema Inglês Progressivo ou Mark System consistia,
segundo Bitencourt (2001, p. 84), “em medir a duração da pena por uma soma de
trabalho e de boa conduta imposta ao condenado”.
Estabelecia três períodos no cumprimento da pena: o primeiro período era o de
prova, consistia em isolamento celular absoluto, os presos acorrentados faziam serviços
no interior da prisão, inclusive os de limpeza; o segundo período iniciava com a
permissão do trabalho em comum, em silêncio e, aos poucos, outros privilégios
poderiam ser agregados, como o de escolher as oficinas aonde iriam trabalhar; o terceiro
período abria a possibilidade de visita à família, realização de trabalhos externos e
obtenção de livramento condicional.
O Sistema Progressivo Irlandês originou-se do aperfeiçoamento do sistema
anterior, trabalho efetivado por Walter Crofton, diretor das prisões na Irlanda. A
diferença estava na inclusão de uma fase intermediária entre a prisão e a liberdade
condicional, que prepararia o condenado para seu retorno à sociedade. Essa fase
facilitar-lhe-ia o contato com o mundo exterior, abrangia transferência para prisões
agrícolas, semiabertas, com permissão de diálogo e trabalho no campo.
O Sistema Progressivo Irlandês era dividido em quatro períodos. O primeiro era
de recolhimento celular contínuo, o preso ficava recolhido nos períodos diurno e
noturno, sem comunicação, alimentação reduzida e sem qualquer beneficio; o segundo
era de isolamento noturno, com trabalho e ensino em comum durante o dia; o terceiro
era de semiliberdade, em que o condenado trabalha fora da penitenciária e recolhe-se à
noite; e o quarto era o de livramento condicional.
27
Destaca-se ainda o Sistema Montesinos, criado por Manuel Montesinos e Molina
que, em 1835 foi nomeado Governador do Presídio de Valência. Tendo em conta o
pensamento de Bitencourt (2001, p. 91) “Montesinos tinha a firme convicção de que a
prisão deveria buscar a recuperação do recluso. A função do presídio era devolver à
sociedade homens honrados e cidadãos trabalhadores”.
Montesinos participa da ideia, que ainda se mantém sólida, de que o trabalho
é o melhor instrumento para conseguir o propósito reabilitador da pena. O
trabalho tem a propriedade de Diminuir a repugnância que tinha o antigo
mal-estar dos presidiários, e inspirar-lhes, sobretudo, o amor pelo trabalho,
que fosse capaz de conter ou de extinguir a poderosa influência de seus vícios
e maus hábitos. (BITENCOURT, 2001. p. 92)
Por derradeiro, vale lembrar que o Direito Penal sofreu influência de vários fatos
e movimentos que passaram a lhe conferir uma roupagem mais humanitária. Podem ser
aí incluídos o Renascimento, o Iluminismo e a Revolução Francesa, que foram os
pioneiros a perseguirem esse caminho. Além desses movimentos, há também a
influência de vários pensadores, como Cesare Beccaria, John Howard e Rousseau, os
quais introduziram ideias mais humanas com relação à pena de prisão.
Cumpre destacar ainda outro expoente das ideias reformadoras do sistema
punitivo, que foi Jeremy Bentham. Baseava-se no princípio utilitarista, segundo o qual o
“homem sempre busca o prazer e foge da dor”. (BITENCOURT, 2001, p. 45). Sua
maior contribuição foi à ideia do panóptico, figura arquitetônica cujo efeito mais
importante, segundo Foucault (1987, p. 166) seria: “Induzir no detento um estado
consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do
poder. Serve de maneira bastante perfeita à função de criar e manter uma relação de
poder, independentemente de quem o exerça”.
1.3 Os Estabelecimentos Penais nos Dias Atuais
Entende-se como estabelecimento penal todo aquele utilizado pela Justiça com a
finalidade de alojar pessoas presas, podendo ser provisórios, condenados, ou ainda
aqueles que estejam submetidos à medida de segurança. No Brasil, os artigos 82 a 104
da Lei de Execuções Penais (LEP) Lei n. 7.210/84 tratam dos diferentes tipos de
estabelecimentos Penais, quais sejam:
28
Cadeias Públicas: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas
em caráter provisório.
Estabelecimentos para Idosos: estabelecimentos penais próprios, ou seções ou módulos
autônomos, incorporados ou anexos a estabelecimentos para adultos, destinados a
abrigar pessoas presas que tenham no mínimo 60 anos de idade ao ingressarem ou os
que completem essa idade durante o tempo de privação de liberdade.
Penitenciárias: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas
com condenação à pena privativa de liberdade de reclusão em regime fechado.
Apresenta maior segurança com o objetivo de impedir fuga.
Penitenciárias de Segurança Máxima Especial: estabelecimentos penais destinados a
abrigar pessoas condenadas à pena privativa de liberdade de reclusão em regime
fechado, que cujo crime ou comportamento exija maior segurança e vigilância.
Penitenciárias Femininas: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de presas
mulheres, com condenação a pena privativa de liberdade em regime fechado.
Deverá ser dotada de seção para gestante com berçário onde as condenadas
possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentar por um período de até seis meses.
Deverá ter ainda seção para parturiente, além de creches com a finalidade de assistir o
menor desamparado cuja responsável esteja presa.
Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares: estabelecimentos penais destinados a
abrigar pessoas presas que cumprem pena em regime semiaberto.
Casas do Albergado: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que
cumprem pena privativa de liberdade em regime aberto, ou pena de limitação de fins de
semana.
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: estabelecimentos penais destinados a
abrigar pessoas submetidas à medida de segurança.
1.4 A Instituição da Pena no Direito Brasileiro
Inicialmente, demonstrou-se que em toda a história da humanidade sempre
houve preocupação em castigar ou punir aqueles que transgridem os ditames impostos
pela sociedade. E assim evoluíram os castigos corporais para a pena privativa de
liberdade, cumprida em estabelecimentos prisionais. Estes também foram se adaptando
e sofrendo transformações, conforme as necessidades, limitações e o arranjo
sociopolítico e ideológico de cada época.
29
Segundo, Delmanto, (1998, p. 67) “Pena é a imposição da perda ou diminuição
de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, a quem praticou
ilícito penal. Ela tem finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora”.
Capez conceitua a pena como sendo a:
Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma
sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na
restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a
retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e
prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade
(CAPEZ. 2002 p. 336).
Almeida (2002, p. 57), salienta que “a pena tem caráter intimidativo e inibitório,
pois visa a desencorajar e a desestimular o infrator e todas as pessoas que tenham em
potencial a vocação para delinquir (animus deliquendi)”. Assim, verifica-se que pena é a
denominação dada a toda sanção imposta por lei para punir ou castigar quem praticar
algum tipo de infração. A pena imposta é de interesse público, por isso que é de
competência do Estado. Entretanto, questões controvertidas surgiram no decorrer da
história da pena com relação aos seus objetivos. Calorosas discussões em torno do tema
ainda centralizam a atenção de estudiosos e dão margem a contínuos questionamentos.
Todavia, tendo por pressupostos os elementos cognitivos constantes no capítulo
anterior, importa, no presente capítulo, apresentar as espécies de pena vigentes na
legislação penal brasileira, bem como os fins a ela atribuídos e o direito ao trabalho
como forma de atendimento a esses fins.
Conforme o artigo 32, em seus incisos I, II e III do Código Penal Brasileiro, as
espécies de penas vigentes em nosso país são: Pena Privativa de Liberdade; Penas
Restritivas de Direitos e a Pena de Multa. A Constituição Federal brasileira de 1988,
elenca no art. 5º, inciso XLVI as seguintes espécies de penas: privação ou restrição de
liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou
interdição de direitos.
Pena Privativa de Liberdade: É a espécie de pena que priva a liberdade individual do
individuo o seu direito de ir e vir. Será cumprida em estabelecimentos penais, sendo a
reclusão e a detenção espécies de pena privativa de liberdade cujo cumprimento poderá
ser em regime fechado, semiaberto ou aberto no caso de reclusão e regime semiaberto
ou aberto no caso de detenção.
Penas Restritivas de Direitos: São substitutivas das penas privativa de liberdade quando
o condenado preencher os requisitos do art. 44 do Código Penal, ou seja: pena não
30
superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa, ou qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.
Na realidade, são sanções mais brandas a fim de evitar a aplicação de pena de
prisão para crimes de menor gravidade, tendo em vista os intensos problemas que são
hoje detectados no sistema prisional brasileiro. Conforme o Artigo 43, incisos I ao VI
do Código Penal, as penas restritivas de direito podem ser: prestação pecuniária;
prestação de outra natureza; perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade
ou entidades públicas; interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
Pena de Multa: consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada
na sentença, sendo calculada em dias-multa. Será de no mínimo 10 dias e no máximo
360 dias-multa. O valor a ser cobrada por dia-multa não pode ser inferior a um
trigésimo do salário mínimo vigente na data em que foi cometido o delito e nem
superior a cinco vezes a esse salário. Ressalta-se o art. 60 do Código Penal que
possibilita a elevação da pena de multa até o triplo sendo o máximo da pena aplicada
ineficaz ao considera-se a situação econômica do condenado.
O sistema do dia-multa deverá observar, para sua aplicação, a situação financeira
do condenado, além de sua culpabilidade. A pena privativa de liberdade é aquela que
restringe o direito de liberdade individual do agente que sofreu uma condenação pelo
delito cometido. O cumprimento da pena não pode ser superior a 30 anos e, caso ocorra
condenação superior a este limite, deve ser procedida a unificação da pena. As espécies
de pena privativa de liberdade são: reclusão e detenção. Reclusão é a modalidade de
pena em que o condenado poderá cumpri-la em qualquer um dos três regimes, ou seja,
regime fechado, semiaberto ou aberto. Detenção, quando o regime inicial é o semiaberto
ou aberto, conforme elenca o art. 33 do Código Penal Brasileiro.
Os fundamentos da pena encontram-se ligados às mudanças que ocorreram nas
concepções de Estado, de sociedade e de Direito ao longo da História. Em dado
momento da história da pena ela apresentou características retributivas.
A pena como retribuição tem suas raízes no Estado absolutista que, entre suas
características mais significativas, apresentava uma identidade entre soberano e Estado,
e entre Estado e religião, além de propagar que o poder soberano era concedido
diretamente por Deus. Vale ressaltar que o fundamento religioso defendia que a pena
seria apenas um castigo pelo ato cometido. No regime do Estado absolutista, aplicava-se
uma pena a quem ousasse ficar contra o soberano e, desse modo, estaria também contra
o próprio Deus.
31
Após o surgimento do Estado burguês, o Estado passou a ser uma expressão
soberana do povo, e a pena passou a ser aplicada como retribuição a uma perturbação da
ordem jurídica adotada pelos homens de forma consensual e legitimada pelas leis.
Ou seja, a retribuição nada mais é que a troca da pena divina por uma pena
imposta pela justiça. Pode-se dizer que, no momento que a ordem jurídica é perturbada,
a pena viria como retribuição a essa perturbação, a fim de restaurar a ordem jurídica.
A função preventiva da pena pode ser dividida em duas partes conforme aponta
Baratta (1999): prevenção geral e prevenção especial. A prevenção geral subdivide-se
em positiva e negativa. A prevenção geral positiva teria o papel de normalizar as
relações sociais, garantindo a ordem através da estabilização das expectativas da
sociedade. De sua parte, a prevenção geral negativa, por meio do poder intimidante que
caracteriza o Direito Penal, funcionaria como inibidora de futuras ações criminosas,
pela certeza da punição. Bettiol apresenta o seguinte conceito de prevenção geral:
A doutrina da prevenção geral parte da consideração que o fim único é afastar
os delitos da sociedade, em razão do que através da ameaça, deve-se
considerar presente na aplicação e na execução da pena a ideia que a
generalidade dos cidadãos é colocada psicológica de não cair no delito. A
sociedade defende-se de melhor modo contra o crime quando, através da
ameaça da pena em geral e sua aplicação ou execução em particular, suscita
nos cidadãos inibições capazes de frustrar aquelas forças psicológicas que
podem existir no ânimo dos cidadãos como determinante do crime
(BETTIOL, 2000, p 654).
A prevenção especial, segundo Bitencourt, busca coibir a prática delitiva, mas de
modo diferente da prevenção geral, dirigindo-se ao delinquente com o intuito de que ele
não mais cometa crimes. Conforme preceitua Mir Puig, apud Bitencourt, prevenção
especial:
Independentemente do interesse que possa despertar cada uma dessas
correntes, foi o pensamento de Von Liszt que deu origem, na atualidade, a
comentários de alguns penalistas sobre um ‘retorno a Von Liszt', para o qual
"a aplicação da pena obedece uma ideia de ressocialização e reeducação do
delinquente, à intimidação daqueles que não necessitam ressocializar-se e
também para neutralizar os incorrigíveis. Essa tese pode ser sintetizada em
três palavras: intimidação, correção e inocuização (BITENCOURT, 2002, p.
80).
Ou seja, o infrator ocasional era intimidado, aquele que transgredisse as leis era
reprimido e era promovida a inocuização daquele que resistisse ou se negasse a mudar
32
suas práticas. Hoje, no Brasil, a inocuização fere os princípios dos direitos do homem,
sendo proibida a aplicação de penas cruéis pela Constituição Federal de 1988.
Contemporaneamente, as penas privativas de liberdade no Brasil apresentam três
espécies de regimes: o fechado; o semiaberto e o aberto. O regime fechado é cumprido
em estabelecimentos de maior segurança, ou seja, em penitenciárias. No que se refere ao
trabalho, o art. 28 da Lei de Execução Penal (LEP) estabelece: “o trabalho do
condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade
educativa e produtiva”. No regime fechado o interno é obrigado a trabalhar, na medida
de suas aptidões e capacidade. Conforme o art. 36 da LEP, o trabalho externo será
admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas
realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde
que tomadas às cautelas contra a fuga e em favor da disciplina. Neste tipo de regime o
apenado tem direito ao estudo, mas somente ao ensino fundamental.
O Regime semiaberto se cumpre em albergues, colônias agrícolas ou industriais,
e quando o preso for condenado a uma pena superior a quatro anos e inferior a oito
anos. Neste regime o condenado trabalha durante o dia e fica detido durante a noite,
podendo prestar serviços externos, tanto para o serviço público quanto para o privado,
sendo devidamente acompanhado por um agente penitenciário.
Conforme os preceitos da LEP, a pena em Regime aberto é cumprida em casa do
albergado, onde o preso fica livre durante o dia para trabalhar ou estudar, retornando a
casa do albergado para pernoite e nos finais de semana e feriados. Neste regime o
apenado poderá cursar ensino profissionalizante e ensino superior. Em cidades que não
possuem casa do albergado, o condenado poderá ficar em casa, mas terá de ir
diariamente assinar um livro no estabelecimento penal local.
As transferências de um regime mais rigoroso para um regime mais brando
ocorrem quando o condenado preenche determinados requisitos definidos em lei. Mais
precisamente, no art. 112 da Lei de Execução Penal: a pena privativa de liberdade será
executada de forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser
determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 da pena no regime
anterior e apresentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do
estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
No que se refere aos crimes classificados como hediondos, a chamada Lei dos
crimes hediondos prevê que a progressão de regime será possível quando houver o
cumprimento de 2/5 da pena, se o condenado for primário, e de 3/5 da pena, quando for
33
reincidente. Além disso, o condenado que cometer falta disciplinar classificada como
grave perderá o direito a progressão, regredindo ao regime mais rigoroso.
34
2
O ATUAL SISTEMA PENAL NO BRASIL
O Sistema Penal atual é novo no direito penal, embora a aplicação das penas
exija que ocorra a detenção e o encarceramento por períodos determinados em lei
conforme os períodos mais antigos da história como aponta Fragoso (1985, p. 298):
Um texto de Ulpiano contido no Digesto (48.8.19) esclarecia que o cárcere
deveria ser usado para detenção, não para punição. Essa passagem parece
indicar a tendência para o uso abusivo do cárcere como pena. O
encarceramento fazia-se em poços, em masmorras, em mosteiros e castelos,
como etapas preliminares de penas corporais, notadamente a de morte, ou
como fruto do arbítrio dos príncipes.
Porém, na antiguidade o infrator ficava isolado até que ocorresse a pena capital,
na idade média é possível verificar os indícios da forma mais característica desse tipo de
prisão, alguns historiadores apontam os monastérios na Idade Média, onde, “como
punição imposta aos monges, fazendo com que se recolhessem às suas celas para se
dedicarem, em silêncio, à meditação e se arrependerem da falta cometida,
reconciliando-se assim com Deus”. (PIMENTEL, 1983, p. 34).
Em que pese essa ideia, o crescimento das cidades nessa época fez surgirem
casas de trabalho e casas de correção para mendigos e vagabundos. Partindo deste
princípio, um castelo abandonado em Bridewell, Inglaterra, inspirou a construção da
primeira prisão destinada ao recolhimento de desocupados e desordeiros, a House of
Correction, construída entre 1550 e 1552, difundindo-se de modo marcante no século
XVIII.
O escopo dessas casas de correção era fazer com que seus internos trabalhassem
de forma obrigatória para o seu sustento e evitar com que outros se dedicassem a
vagabundagem e à vadiagem (FRAGOSO, 1985, p. 298).
No período que abrange o século XVIII a pena de prisão tornou-se uma forma de
controle do indivíduo, onde o criminoso encarcerado passa a ser disciplinado na busca
de sua correção. Já no fim desse século XVIII, em função das deficiências apresentadas
pelas prisões da época, John Howard divulgou suas idéias no livro The state of prision
in England and Wales, em 1776. Em 1764, Beccaria com uma nova filosofia penal
publicava sua obra prima, Dos delitos e das penas.
Foi então que, em 1818, Jeremias Bentham edita a Teoria das penas e
recompensas. Essas três obras tiveram decisiva influência na revolução do tratamento
penal nas prisões, propiciando que Estados norte-americanos desenvolvessem métodos
35
de cumprimento de penas privativas de liberdade diferentes durante o final do século
XVIII
e início do século XIX. No estado da Filadélfia desenvolveu um regime baseado na
segregação e no silêncio. O chamado sistema pensilvânico, ou celular, previa a total
abstenção de álcool, oração e isolamento celular, que poderia durar todo o cumprimento
da pena para os autores de crimes mais graves. Aos demais, estes podiam trabalhar em
comum durante o dia, em silêncio (FRAGOSO, 1985, p. 299).
Ocorre que a possibilidade de reinserção social seria praticamente impossível
mantendo o condenado em total isolamento, esse sistema dito pensilvânico consistente
de silencio e isolamento dificilmente contribuiria com o retorno ao convívio social , ao
contrário causava loucuras, doenças mentais suicídios e mortes.
Dessa desumana imposição do silêncio, originou-se uma prática ainda hoje é
utilizada, que é o costume dos presos se comunicarem com as mãos, nas prisões onde a
disciplina é mais rígida, caso das prisões de segurança máxima (PIMENTEL, 1983, p.
138).
A prisão então passa a ser sistematizada para a vigilância e controle total sobre o
preso, nesse período Jeremy Bentham publicou em 1791 sua ideia de construção de um
sistema prisional chamado Panóptico, que fomentaria instituições de educação,
assistência e trabalho em um só ambiente, com a intenção de espalhar o sistema
Panóptico que compreendia uma estrutura como o Hospício, o Hospital, a Fábrica e a
Escola.
Na lição de Oliveira (2002, p. 52), “o panóptico era um tipo de Prisão celular,
caracterizada pela forma radial, em que uma só pessoa podia exercer em qualquer
momento, de um posto de observação, a vigilância dos interiores das celas”. Sendo uma
construção circular, com raios convergentes para um ponto central, um único vigilante
poderia realizar o trabalho de observação.
Esse modelo introduzido possibilitava a locação de vários indivíduos em um
mesmo ambiente, com um pequeno número de vigilantes, com poder de controle
embasada na vigília dos detentos o tempo todo, mesmo, às vezes não o sendo.
Conclui Bittencourt (2003, p. 952) sobre o modelo Panóptico sendo:
Uma construção que respondia a uma condição da própria sociedade
moderna, ou seja, ele assegurava a ordenação, a normalização e a
normatização dos diversos campos de atuação dos sujeitos. Foi a partir de um
processo crescente de desenvolvimento de estratégias de esquadrinhamentos
e objetivações que o panoptismo respondeu a uma necessidade imperiosa da
modernidade: a inclusão, pela fixação, do maior número de sujeitos.
36
Na Inglaterra surge o sistema progressivo inglês, no século XIX, com a
introdução do capitão Alexandre Maconochie e Sir Walter Crofton. Onde valorizava o
comportamento do apenado e sua boa conduta no trabalho, onde a sua situação
embasada nessa premissa ia melhorando gradativamente. A essência deste regime
consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em
cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar em face de sua conduta, culminando
com o retorno à vida social antes mesmo do término do cumprimento da Pena como
forma de premiar sua conduta adequada, fruto de sua reforma moral (BITENCOURT,
2003, p. 952).
Fragoso (1985, p. 303) apresenta sabiamente os estágios de cumprimento de
pena no sistema irlandês:
Esse sistema começava com um estágio de nove meses de isolamento celular.
Um segundo estágio era de obras públicas, no qual se aplicava um critério de
marcas ou de pontos, pelo qual o condenado progredia através de cinco
classes, podendo acelerar a passagem de uma a outra pelo bom
comportamento e dedicação ao trabalho. Um terceiro estágio era uma espécie
de teste para a liberação. Nele o preso trabalhava sem supervisão e sem
vigilância, sem emprego de medidas disciplinares, mas podendo voltar a
etapas anteriores. Finalmente um quarto estágio era do livramento
condicional (ticket of leave), que poderia ser revogado se não houvesse bom
comportamento.
O sistema mencionado caracterizou-se como um regime progressista,
rapidamente difundido, originador do livramento condicional, que mais tarde foi
adotado em diversos países, com específicas alterações locais, ou seja de acordo com a
adequação de cada pais.
2.1Uma Visão Geral do Direito Penal no Brasil
Durante o periodo do descobrimento perduravam as ordenações Afonsinas e,
logo em seguida, as Manuelinas. No direito penal brasileiro, os índios é que foram os
precursores. A pena resumia-se na entrega do agente que cometeu o delito à própria
vítima ou a seus parentes, para sofrer a aplicação de castigos corporais e morte
(BORGES, 2001, p. 23). Era uma forma arcaica de penalização, baseada nos costumes
de cada tribo. Neste direito costumeiro indígena, tínhamos em diferentes estágios a
vingança privada, a vingança coletiva e o talião (MIRABETE, 2002, p. 42).
37
O sistema de capitanias adotado na epóca do descobrimento não permitia a
aplicação do direitopois havia ausência de poderes públicos juridicos e de repressão, no
início do século XVII surgem as Ordenações Filipinas, onde era comum a pena de
morte com requintes de crueldade, como aponta Mirabete (2002, p. (42) as Ordenações
Filipinas refletiam o direito penal dos tempos medievais.
Estatuto penal cruel que continha formas desumanas de aplicação das sanções,
como a pena de morte, tortura, mutilação do corpo, confisco, e multa. Analisava-se além
da gravidade da pena a qualidade de quem o cometeu. Aos pobres eram dados castigos
cruéis e humilhantes, enquanto aos mais abastados, aplicavam-se penas de multa.
Aponta Fragoso (1985, p. 60) que:
As ordenações representavam bem o estado de justiça penal que vigorava ao
surgir o movimento humanitário, à época do Iluminismo. Permaneceram no
Brasil, mesmo após a independência, até o advento de nosso primeiro código
penal, em 1830.
Com a proclamação da Independência em 1824, promulgada assim Constituição
tornou-se essencial um novo código penal, quando em 1830 o Brasil obtém o seu
primeiro Código Penal autônomo o chamado Código Criminal do Império de 1830, era
possuidor de influências iluministas e influências legislativas do código francês e o
Código napolitano, de 1810 e 1819, embora as influências européias predominassem,o
Código Criminal do Império de 1830 inovau com a exclusão da pena de morte por
crime político, a imprescritibilidade das penas, a consideração do agravamento da pena
diante do ajuste prévio de duas ou mais pessoas para a prática criminosa, previsão de
atenuante no caso da menoridade, a introdução dos dias-multa na constrição patrimonial
do delinquente, entre outras.
A pena privativa de liberdade instituída pelo Código Criminal do Império,
previa o surgimento da pena de prisão com trabalho, onde o condenado era obrigado a
trabalhar dentro do próprio presídio.
Foi então que em 1850, no Rio de Janeiro, surgiram as Casas de Correção com o
objetivo de adaptar as prisões e previsões do Código Criminal do Império. Eram
modernas instituições prisionais para a época, porém, as duas casas possuíam
calabouços que serviam para açoitamento de escravos, abrigos para presos correcionais,
não-sentenciados, índios, menores, desordeiros e vadios (SALLA, 1999, p. 399).
38
Dos poucos pontos negativos apresentados pelo Código Criminal do Império
estão o da não previsão dos crimes culposos, adotada por lei em 1887, e a pena de açoite
para os escravos, abolida somente em 1886 (FRAGOSO, 1985, p. 61).
Nosso Código Criminal do Império de 1830 influenciou a legislação espanhola
que serviu, mais tarde, de modelo para muitos Código penais na América
Latina.Chegamos à República, e com a abolição da escravatura dois anos antes, em
1888, várias disposições foram afetadas, fazendo-se necessário a construção de novo
arcabouço penal. Entretanto, feito aos atropelos e antes da primeira Constituição
republicana, este Código Penal de 1890 foi remendado por diversas leis que,
futuramente, foram reunidas na Consolidação das Leis Penais, em 1932. Em que pese
todos os abalos e críticas à nova legislação, esta trouxe a importante inovação da
abolição da pena de morte (BORGES, 2001, p. 30).
Então em 1940 surge o Código Penal, reunindo ideias modernas da doutrina bem
como as melhores indicações das Consolidações das Leis Penais de 1932.
Nas palavras de Mirabete (2002, p. 43):
Teve o Código origem em projeto de Alcântara Machado, submetido ao
trabalho de uma comissão revisora composta por Nelson Hungria, Viera
Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira. É uma legislação eclética, em que
se aceitam os postulados das escolas clássica e positiva, apoveitando-se, em
geral, o que de melhor havia nas legislações modernas de orientação liberal,
em especial os códigos italiano e suiço. Seus princípios básicos, conforme
assinala Heitor Costa Júnior, são: a adoção do dualismo culpabilidade-culpa e
periculosidade-medida de segurança; a consideração a respeito da
personalidade do criminoso; a aceitação excepcional da responsabilidade
objetiva.
Também são incorporados ao Código Penal de 1940 a pluralidade das penas
privativas de liberdade (detenção e reclusão), o sistema progressivo para o cumprimento
das penas privativas de liberdade, a suspensão condicional da pena e o livramento
condicional. Não há no Código pena de morte nem prisão perpétua e o máximo da pena
privativa de liberdade é de 30 anos (FRAGOSO, 1985, p. 66).
O Código Penal de 19410 ainda serve como fonte de legislação penal, mesmo
com suas modificações com a Lei n. 6.416 de 25 de maio de 1977 onde surgem novas
disposições sobre a pena e sua execução.
Em 1961 Nelson Hungria elaborou o anteprojeto de Código Penal Promulgado
pelo Decreto-Lei n. 1.004 em 1969 para vigorar a partir 1º de janeiro de 1970, seu
perído de vacância foi sucessivamente prorrogado por divergências político-
39
insitucionais da Junta Militar que governava em nosso país à época. Após quase dez
anos de vacância, o Código Penal de 1969 foi finalmente revogado pela Lei n. 6.578 de
1978.
2.2
O Surgimento das Reformas Contemporâneas
Em 1984 passa a vigorar a nova parte geral do Código Penal brasileiro. Obra
legislativa que ganhou o seguinte comentário do mestre Mirabete (2002, p. 44):
A nova lei é resultado de um influxo liberal e de uma mentalidade humanista
em que se procurou criar novas medidas penais para os crimes de pequena
relevância, evitando-se assim o encarceramento de seus autores por curto
lapso de tempo. Respeita-se a dignidade do homem que delinquiu, tratado
como ser livre e responsável, enfatizando-se a culpabilidade como
indispensável à responsabilidade penal.
Por meio da Lei 7.209, de 11 de julho de 1984, adotaram-se ideias básicas onde
se desenvolveria todo o esquema proposto das reações criminais. A comissão elaborada
em 1980 entendia que a Pena de morte é inadmissível num Estado social e democrático
de Direito, e fora mantida a Pena de Prisão, ensejando a Pena privativa de liberdade nas
formas de reclusão, para os ilícitos graves, e detenção, para os ilícitos menos graves.
Fragoso (1985, p. 68) ainda aponta a:
Extinção das Penas acessórias, passando a cominar Penas restritivas de
direitos, distribuídas em prestação de serviços à comunidade, interdição
temporária de direitos e limitação de fim de semana, assim também como a
revisão das medidas de segurança, estabelecendo-se que as mesmas não
poderiam mais ser dirigidas contra autores imputáveis.
Dentre as vitorias alcançadas pela nova legislação esta a possibilidade de
cumprir pena fora do cárcere na casa do albergado, evitando assim a convivência com
presos de alta periculosidade em ambientes prisionais. Ocorre, porém que a casa do
albergado nunca comportou todos os indivíduos, ocasionando que os indivíduos
permanecessem trancafiados no regime semiaberto.
Em que pese essas críticas, houveram outras quanto a nova lei penal, aponta
Mirabete (2002, p. 44) que essas críticas estavam consubstanciada na:
Insegurança resultante do progressivo aumento de violência urbana e
criminalidade em geral que não encontrou resposta na nova lei que, neste
passo, apenas possibilitou ao juiz a aplicação de penas mais elevadas nos
crimes continuados praticados com violência e ameaça. Parece-nos criticável
40
também o repúdio ao critério da periculosidade e à ausência da distinção
entre criminosos perigosos e não perigosos como tema básico para a
aplicação e execução das penas e das medidas de segurança (a lei não se
refere praticamente à periculosidade do agente). Essa omissão, que só não
ocorre com o criminoso reincidente, pode dificultar ainda mais a repressão
penal como forma de defesa social.
Com a falta de lugares adequados para cumprimento do regime aberto e o
aumento da criminalidade surge a lei Lei n. 8.072/1990 chamada de Lei dos Crimes
Hediondos em virtude do clamor público face a expantosa elevação de crimes violentos,
principalmente nos grandes centros, visando regulamentar o inciso XLIII do artigo 5º da
Carta Magna estabelecendo também para os crimes de tráfego de entorpecentes e
terrorismo, a impossibilidade de anistia, graça e indulto, fiança e liberdade provisória e
a proibição de livramento condicional ou o aumento do prazo de cumprimento da pena
para sua obtenção nos crimes nela enumerados, de natureza grave, especialmente
praticados com violência ou grave ameaça.
Com o fracasso da implantação do regime aberto de pena, como as casas de
albergados, foi aprovada a Lei 9.714/98, alterando o sistema de penas de nosso
ordenamento jurídico, ampliando o rol e das circunstâncias para aplicação de penas
alternativas. Objetivava resolver a questão da superlotação carcerária, aplicando a pena
como retributiva e sócio educativa. Houve alteração nos artigos 44, 45 e 46 e
acrescentou-se regras aos artigos 43, 47, 55 e 77 do Código Penal, constando nesses
dispositivos que a pena privativa de liberdade não seja superior a quatro anos ao crime
doloso não cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Ao crime culposo,
independente da pena imposta, ampliou o rol das penas restritivas de direito, onde
incluiu a prestação pecuniária, a perda de bens e valores, a prestação de serviços à
comunidade, interdição temporária de direitos de limitação de fim de semana,
mantendo-se a autonomia e a substituição destas em relação às penas privativas de
liberdade, por regra devendo possuir a mesma duração da pena substituída.
Em seguida, a instituição dos Juizados Criminais Especiais pela Lei 9.099 de
1995 possibilitou a transação penal suspendendo o processo, com significativa redução
do número de processos nas varas criminais, observa-se que todas essas medidas foram
tomadas a pretexto de buscar a reinserção do apenado na sociedade e com menos custo
para o Estado.
41
2.3
A Lei de Execução Penal com seus Objetivos e Aplicabilidade
Parte-se do princípio de que a reintegração social do condenado é a partida para a
prevenção de novas práticas delituosas. Tem-se em vista que, uma vez cumpridas as
disposições criminais expostas na sentença condenatória, o apenado, dentro do regime
que lhe foi imposto, passa a ter, em tese, a garantia estatal de ter para si, dentro deste
sistema, todas as condições possíveis para sua reintegração.
Em 29 de junho de 1983, a Lei de Execução Penal é aprovada pelo nº 7.210,
promulgada a 11 de julho de 1984 e publicada no dia 13 seguinte, para vigorar
concomitantemente com a Lei de reforma da Parte Geral do Código Penal, o que
ocorreu em 13 de Janeiro de 1985. Sua aplicação se dá com o inicio da execução penal
conforme seu artigo 1º “A execução da pena tem por objetivo efetivar as disposições de
sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração
social do condenado e do internado”.
Objetivou-se assim a integração social do condenado e do interno, visando a
reinclusão social como escopo principal da execução penal, em que a meta principal da
execução penal esbarra na incompatibilidade entre uma ação pedagógica reintegradora e
o castigo que necessariamente deriva da privação da liberdade.
Fragoso (1985, p. 300) aponta as falhas do sistema carcerário como meio de
reintegração do indivíduo:
Países desenvolvidos inverteram grandes somas em seus programas
correcionais, construindo prisões que supunham ser capazes de ressocializar
ou de emendar o condenado, sem qualquer êxito. As taxas de reincidência se
mantêm, qualquer que seja a prisão. Demonstrou-se o efeito devastador do
confinamento sobre a personalidade humana e a contradição insolúvel entre
as funções de custódia e de reabilitação. (...) Como instituição total, a prisão
necessariamente deforma a personalidade, ajustando-se à subcultura
prisional. A reunião coercitiva de pessoas do mesmo sexo num ambiente
fechado, autoritário, opressivo e violento, corrompe e avilta. (...)
Nos tempos atuais a prisão ainda é constituída de uma realidade violenta,
permeada por um sistema de justiça desigual e opressivo. Aponta Fragoso (1985, p.
301) que “o sistema será mais eficiente se evitar, tanto quanto possível, mandar os
condenados para a prisão, nos crimes pouco graves, e se, nos crimes mais graves, evitar
o encarceramento demasiadamente longo”.
42
3 O INSITUTO DA RESSOCIALIZAÇÃO INSERIDO NA LEI DE EXECUÇÃO
PENAL
A Lei nº 7210 de 11 de julho de 1984, Lei da Execução Penal, reúne em seus
204 artigos desde a sua justificativa de institucionalização, passando pelo tratamento
dispensado ao preso até os procedimentos judiciais, o trabalho com o criminoso político
e as prisões civil e administrativa, Enfim, prevê as condições para bem lidar com o
preso, enquanto cumpre a pena a ele estipulada, tendo como objetivo dispor sobre as
sentenças ou decisões criminais, ao mesmo tempo propiciando condições para uma (re)
inserção do preso na sociedade. (DEQUES, 2003)
Em seu art. 3º a Lei de Execução Penal trata da não descriminação a ninguém,
incluindo nisso o preso. A não discriminação prevê igualdade de direitos para sexo,
raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Já no Capítulo II da Lei, que trata
da Assistência, tem como objetivo fazer do preso “uma pessoa com a intenção e a
capacidade de viver respeitando a lei penal, procurando, na medida do possível,
desenvolver no reeducando uma atitude de apreço por si mesmo e de responsabilidade
individual e social com respeito à sua família, ao próximo e à sociedade em geral”. Em
suma, obter os valores necessários para uma boa convivência social que regem as
normas legais e segui-las de forma que possa conviver dignamente na sociedade.
O dispositivo é considerado um grande avanço em termos de legislação, pois
dispõe desde a assistência ao preso como um dever do Estado, como estende essa
assistência às áreas material, de saúde, jurídica, educacional, social e religiosa,
conforme seu art.11 é possível observar nos seus artigos subsequentes da Lei de
Execução Penal, onde se esclarece sobre a prestação de assistência: material, contida
nos arts. 12 e 13, sobre a assistência a saúde que todo preso tem direito trata o art. 14;
sobre a assistência jurídica versam os artigos 15 e 16 e instituindo, no artigo 17 e
subsequentes, sobre a assistência educacional, nela incluindo a formação profissional do
preso:
Art. 11 - A assistência será: I - material; Il - à saúde; III - jurídica; IV educacional; V - social; VI – religiosa (BRASIL, 1986).
Art. 12 - A assistência material ao preso e ao internado consistirá no
fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Art. 13 - O estabelecimento disporá de instalações e serviços que
atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais
43
destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela
Administração (BRASIL, 1986).
Art. 14 - A assistência à saúde do preso e do internado, de caráter
preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e
odontológico. § 1º - (Vetado). § 2º - Quando o estabelecimento penal não
estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será
prestada em outro local, mediante autorização da direção do
estabelecimento (BRASIL, 1986).
Art. 15 - A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados
sem recursos financeiros para constituir advogado.
Art. 16 - As unidades da Federação deverão ter serviços de assistência
jurídica nos estabelecimentos penais (BRASIL, 1986).
Art. 17 - A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a
formação profissional do preso e do internado.
Essa assistência refere-se às condições materiais, à saúde, às jurídicas, à
educacional, à social e à religiosa; no trabalho penitenciário que não deve ser doloroso,
nem mortificante, deverá ser um complemento do processo de reinserção social para
prover a readaptação do preso, prepará-lo para uma profissão, inculcar-lhe hábitos de
trabalho e evitar a ociosidade. E em seguida em outro capítulo há referências sobre
deveres, direitos e disciplina dos internos, estão previstos entre a previdência social, o
descanso e a recreação, a proteção contra o sensacionalismo, igualdade de tratamento;
na disciplina estão previstas o poder disciplinar e as penas restritivas de direito, faltas
disciplinares, sansões, recompensas, isolamento e detratação; também se conhece na Lei
o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o Juízo de Execução que trata
das saídas e das medidas de segurança; o Ministério Público; do Conselho
Penitenciário; do Patronato, da Penitenciária. Tais disposições têm embutidas, em si, um
caráter pedagógico, deixando claro não só o respeito aos direitos humanos dos detentos,
como a preocupação com uma eventual formação que o leve, em uma situação futura,
ao exercício de uma cidadania plena. Nessa mesma perspectiva, o capítulo III trata do
trabalho dos detentos, instituindo o seguinte:
Art. 28 - O trabalho do condenado, como um dever social e condição de
dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. § 1.º - Aplicam-se à
organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e
à higiene. O sistema penitenciário em todo mundo mostra-se em todas as
esferas e tempos complexo e com dificuldades para cumprir seu papel que,
não se limita a proteger a sociedade de pessoas julgadas criminosas,
privando-os por tempo determinado da liberdade, mas, também tem a função
de proporcionar ao preso condições de aprendizagem e ressocialização,
objetivando assim o fim principal do sistema penitenciário recuperar o
detento, para este após o cumprimento da pena, quando do seu reingresso na
sociedade, saiba, além de respeitar a lei e se autossustentar, adquirir a
capacidade de fazê-lo (BRASIL, 1986).
Conforme Leão Júnior (2001, p.1):
44
A sanção penal é em essência retribuitiva porque opera causando um mal ao
transgressor em virtude de haver violado a norma jurídica. Mas o magistério
punitivo do estado não se funda na retribuição, no castigo, porquanto a pena
deve ter por escopo a ressocialização do condenado, para reincorporá-lo na
sociedade, e não lhe infligir sofrimento. Os tratadistas se inclinam a afirmar
que a pena deve ser tanto uma medida de defesa da sociedade com deve ter
um fim humanístico de correção dos criminosos.
Em termos de legislação brasileira, a própria Constituição Federal de 1988
estabelece que, a execução da pena, além de se constituir numa atividade administrativa,
adquiriu status de garantia constitucional, como se depreende do art. 5º XXXIX, XLVI,
XLVII, XLVIII e XLIV, tornando o sentenciado sujeito de relação processual, detentor
de obrigações, deveres e ônus, e também, titular de direitos, faculdades e poderes”
(RJDTACRIM 32/422).
Seguindo este mesmo fundamento, a ONU (1985) estabeleceu no documento
“Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros” que a pena de prisão ou de
qualquer medida privativa de liberdade tem como fim e também justificação, a proteção
da sociedade contra o crime, sendo que este somente poderá ser alcançado, caso sejam
proporcionadas ao preso, durante o processo de cumprimento da pena, condições para
sua ressocialização e, após seu regresso à sociedade e “para” o alcance desse objetivo
devem ser utilizados meios, em particular, recorrendo-se “(...) à assistência religiosa (...)
à orientação e à formação profissionais, aos métodos de assistência social individual, ao
assessoramento relativo ao emprego, ao desenvolvimento físico e à educação de caráter
moral, em conformidade com as necessidades individuais de cada preso” (Regra, 66).
Tais meios e condutas são devidamente seguidas pela lei de Execução Penal
Brasileira (LEP, nº 7.210, de 11 de julho de 1984) (MARCÃO, 2004). Segundo Kuehne
(2001, p.123) explica que a Lei de Execução Penal, em seu artigo 80, prevê a criação
em cada comarca, de pelo menos um Conselho da Comunidade. Este Conselho é
incumbido de fiscalizar os estabelecimentos prisionais, conversar com os presos,
encaminhar mensalmente relatórios ao juiz da Vara de Execuções Penais e ao Conselho
Penitenciário, e, ainda, procurar obter recursos que possam dar maior assistência ao
encarcerado, atuando em conjunto com a direção dos estabelecimentos penais.
Nesse sentido:
É imprescindível a participação da comunidade desde que essa seja a
principal, a primordial vítima da criminalidade, cabendo a esta sugerir e
decidir sobre o melhor tratamento destinado aos presos, através de reuniões,
discussões e diálogos, enfim programas e atividades que atendam às
necessidades em clima de reciprocidade, atentando para os princípios morais
45
e éticos, sem preconceitos ou discriminações. Além disso, a comunidade
deverá ser responsável pela fiscalização da Lei, sempre cobrando as reais
condições de tratamento previstas para o condenado. (DEQUE, 2003, p.03)
Com relação às penas, o Código Penal em seu capitulo V evidencia o sistema
adotado, que é a progressividade da execução da pena, sendo essa forma observada de
acordo com critérios objetivos e subjetivos, fazendo com que o condenado inicie o
cumprimento de sua pena em determinado regramento carcerário, progredindo, do mais
rigoroso ao mais brando (pelos regimes fechado, semiaberto e aberto). Deste modo, o
condenado que ingressa numa penitenciária para o início do cumprimento de sua pena, o
faz no regime fechado, ou na colônia agrícola ou industrial, no regime semiaberto, para
ao final passar ao regime aberto, transferindo-se para a casa do albergado.
O mecanismo básico, segundo o Código Penal, para a progressão
encaminhando o condenado ou condenada a um regime menos severo, reside em ter
cumprido um sexto da pena (requisito objetivo) quando primário. E quando gozando de
bom comportamento (elemento subjetivo), após avaliação da comissão técnica de
classificação. Em se tratando de progressão da pena, a Lei nº 8.072/90 estabelece que o
cometimento de crime hediondo ou equiparado não poderá ser beneficiado por liberdade
provisória e deverá cumprir pena em regime integralmente fechado. Não obstante, há
várias decisões que concedem liberdade provisória quando ausentes os requisitos da
prisão preventiva e concedem progressão de regime quando não tenha a sentença
estabelecido de forma explícita ou implícita que o regime é integralmente fechado.
Mezzomo (2005, p.135) explica, entretanto, o estabelecimento de um regime
integralmente fechado não implica em tratar-se o apenado como um objeto. Regime não
tem nada a ver com tratamento do preso. Não há incompatibilidade alguma. O apenado
não perde a condição de titular de direitos, sem dúvida, e principalmente, não perde a
condição de ser humano, como tal devendo ser tratado. Mas impedir-se a progressão de
regime não significa dar-lhe outra condição que não esta. A Constituição Federal em
momento algum estabeleceu a progressão como regra. Esta foi estabelecida por lei
ordinária e pode ser proibida por lei ordinária sem qualquer espécie de ofensa à
legalidade ou à Constituição.
46
4 A REINTEGRAÇÃO SOCIAL COMO META MAIOR
De acordo com Foucault (1987, p. 133), além de possibilitar a aplicação de
“castigos” em períodos determinados, através do estabelecimento de equivalências
quantitativas “delito-duração” a prisão também se fundamenta pela função de
transformar os indivíduos. Santo (2005, p.67), fundamentado em Foucault, explica que,
até o principio do Século XIX, a prisão era utilizada unicamente como um local de
contenção de pessoas – detenção. Não havia proposta de requalificar os presos. Esta
proposta veio a surgir somente quando se desenvolveram dentro das prisões os
programas de tratamento para requalificar os presos, mediante medidas educativas.
Antes disso, não havia qualquer forma de trabalho, ensino religioso ou laico.
Pensava-se que somente a detenção proporcionaria transformação aos
indivíduos enclausurados. A ideia era que estes refizessem suas existências dentro da
prisão para depois serem levados de volta à sociedade. Entretanto, percebeu-se o
fracasso desse objetivo. Os índices de criminalidade e reincidência dos crimes não
diminuíram e os presos em sua maioria não se transformavam. A prisão mostrou-se em
sua realidade e em seus efeitos visíveis denunciadas como “grande fracasso da justiça
penal” (FOUCAULT, 1987).
A reinserção aparece como meio para minimizar os graves problemas que a
prisão, sem qualquer forma de requalificação trouxe como consequência. Reeducar
Como explica a reeducar envolve conceitos fundamentais como família, amor,
dignidade, respeito, regras de convívio social, trabalho, educação, cidadania. O autor
ainda enfatiza a necessidade de trabalhar o ato antissocial e as consequências desse ato,
os transtornos legais, as perdas pessoais e o estigma social (GADOTTI 1999).
A ideologia da ressocialização foi, originariamente, um movimento de reação a
uma criminalidade de massas operárias pela falta de trabalho e o empobrecimento da
população. Foi uma forma encontrada para minimizar as graves injustiças sociais contra
pessoas mais pobres ou excluídas. Observa-se assim que um dos motivos que
originaram a ressocialização não foram aspectos internos do sistema prisional, mas dos
graves problemas da própria sociedade. É a ética evidenciada a partir de movimentos
sociais e do trabalho de estudiosos que não se conformam com o tratamento
diferenciado de acordo com a classe social, o credo, as etnias e etc. (FOUCAULT
1987).
47
A ideia de ressocialização implantada no sistema penal surgiu ainda no século
XIX, com bases empíricas, especialmente quando se iniciou um processo de concepção
humana das relações sociais e da própria cultura jurídica. A crença na racionalidade da
observação impôs-se não só nas ciências, mas na totalidade da vida pública e cotidiana e
iniciou-se a crença na inconstância do mundo e o seu domínio através da intervenção
técnica. Esta crença favoreceu intensamente os fins penais preventivos; serviu-lhes de
base a certeza de que se podiam influenciar os fenômenos da conduta desviante, do
crime e da criminalidade –em longo prazo– através de intervenções empiricamente
apropriadas. Nesse sentido:
O que ocorreu é que a corrente iluminista passou a defender ideias mais
humanistas em todas as áreas e o sistema jurídico não ficou de fora.
Pensadores iluministas como Montesquieu, Voltaire, Rousseau e
D’Alembert que prepararam o advento do humanismo e o início da radical
transformação liberal e humanista do Direito Penal (LINS e SILVA, 2001.
p.14).
Outro fator que explica a ideia de reinserção de apenados é relacionado com o
problema de legitimação do Estado moderno, responsável pelo poder punitivo, ou seja,
todo o sistema jurídico é parte do Estado. Dessa forma, já que ele é responsável pelas
punições aos cidadãos que infringem a lei, também deve prover estes de condições de
recuperar-se de tal erro e ingressar novamente na sociedade de forma digna
(HASSEMER 1982).
Dessa forma o Estado moderno que se quer estruturar democrática e
positivamente deve se orientar pelas consequências, que deverá comprovar que as
intervenções incriminadoras produzem consequências favoráveis, que elas também se
importam com os interesses mais relevantes dos afetados. Para uma justificação desta
espécie é sobremaneira apropriada a ideia de ressocialização, afinal ela toma ao Estado
sancionador o ódio do carcereiro e comunica-lhe a função de médico. A solução “cura
em vez de penas”, não é só uma exigência particular da humanidade, ela é também um
meio de fuga de uma crise de legitimação estatal, que leva à certeza de que a execução
penal é o que o autor de um fato punível deveria esperar como racional.
Conforme Linz e Silva (2001, p.14), os pensadores iluministas fundamentaram
uma nova ideologia: o pensamento moderno, que repercutiria até mesmo na aplicação
da justiça: à arbitrariedade se contrapôs a razão, à determinação caprichosa dos delitos e
das penas se pôs a fixação legal das condutas delitivas e das penas. Os povos clamavam
48
pelo fim de tanto barbarismo disfarçado, onde os excessos praticados pelo Estado e
pelas pessoas com poder passaram a ser criticados inicialmente por pensadores e, em
seguida pela população.
As penas injustas e diferenciadas também foram alvo das mais duras críticas e,
assim, iniciou-se um processo de democratização do Estado e de humanização dos
poderes e da própria justiça. No meio desse contexto, surge a ideia de que a pena
imposta por um crime ou delito cometido, não poderia restringir-se a privação de
liberdade apenas, mas sim deveria levar em conta os aspectos humanos, sociais e
emocionais do apenado, sugerindo assim, que este poderia em seu tempo de
permanência na prisão executar atividades que pudessem melhora-lo como ser humano,
como profissional e como ser social e dessa forma, ao reingressar na sociedade ter
menor possibilidade de incorrer novamente nos erros ou crimes cometidos.
A ressocialização enfim, tem como objetivo a humanização da passagem do
detento na instituição carcerária, implicando sua essência teórica, numa orientação
humanista, passando a focalizar a pessoa que delinqüiu como o centro da reflexão
científica. Damásio de Jesus (apud Silva, 2003) entende o modelo ressocializador como
sistema reabilitador, que indica a ideia de prevenção especial à pena privativa de
liberdade, devendo consistir em medida que vise ressocializar a pessoa em conflito com
a lei. Nesse sistema, a prisão não é um instrumento de vingança, mas sim um meio de
reinserção mais humanitária do indivíduo na sociedade.
Esse modelo tem como característica a reinserção social da pessoa que
cometeu a infração; onde a posição da vítima é secundária; admite progressão na
execução da pena de acordo com o comportamento do condenado, iniciando-se no
regime mais rigoroso até chegar ao regime mais ameno, sendo os regimes fechado;
semiaberto; e, aberto, não necessariamente, o sentenciado inicia-se no regime fechado.
O modelo ressocializador destaca-se por seu realismo, pois não lhe importam os fins
ideais da pena, muito menos o delinquente abstrato, senão o impacto real do castigo, tal
como é cumprido no condenado concreto do nosso tempo; não lhe importa a pena
nominal que contemplam os códigos, senão a que realmente se executa nas
penitenciárias hoje. Importa sim, o sujeito histórico, concreto, em suas condições
particulares de ser e de existir.
A progressão da pena, portanto, nada mais é do que o sujeito, a partir de um
bom comportamento ter seus dias de reclusão diminuídos. Ou seja, é uma compensação
pelo comportamento e a ressocialização também visa esse aspecto. O indivíduo que
49
estuda e trabalha pode ter reduzidos seus dias de pena de acordo com uma tabela préfixada em lei. O que parece estar evidente no modelo ressocializador das penas é ideia
da natureza social do problema criminal. Aspecto este evidente já que o crime ocorre na
sociedade e a afeta diretamente, sendo o Estado responsável não somente por punir, mas
por encontrar meios de evitar, prevenir e corrigir tais atos, responsabilidade esta
dividida também pela sociedade em geral e seus grupos, que colaboram na criação das
regras sociais e das leis e, portanto, responsável também por seus efeitos.
Considerando que a sociedade nem sempre dá aos indivíduos as mesmas
oportunidades educacionais, profissionais e de relações e em muitas ocasiões prima por
grupos os privilégios é também um pouco responsável pelos desvios de conduta que
originam os crimes. Assim, deve buscar não somente as soluções políticas, sociais,
legais e humanitárias para impedir o avanço da violência e do crime, como, quando eles
ocorrem buscar meios para que o indivíduo apenado retorne a sociedade com
oportunidades para não reincidir.
Nesse sentido, salienta o eminente autor:
O modelo ressocializador propugna, portanto, pela neutralização, na medida
do possível, dos efeitos nocivos inerentes ao castigo, por meio de uma
melhora substancial ao seu regime de cumprimento e de execução e,
sobretudo, sugere uma intervenção positiva no condenado que, longe de
estigmatizá-lo com uma marca indelével, o habilite para integrar-se e
participar da sociedade, de forma digna e ativa, sem traumas, limitações ou
condicionamentos especiais (MOLINA, 1994, p.383).
Em uma sociedade que somente pode desenvolver-se com regras, a pena é
necessária, porém, esta precisa ser efetiva de uma forma que possibilite o indivíduo
apenado a recompor-se, e voltar ao convívio social de forma integra e integral. No
Estado Social o castigo deve ser útil para a pessoa que cometeu o crime, o mais humano
em termos de tratamento, não podendo tapar os olhos para os efeitos nocivos da pena,
caminhando contra o efeito dissuasório preventivo (repressivo), que prefere ignorar os
reais efeitos da pena. E, é nesse contexto, que a ressocialização se mostra como um
caminho válido e positivo para minimizar os efeitos negativos da pena e reintegrar o
apenado ao convívio social.
Como explica com primor Falconi (1998, p. 163):
A reinserção passa (...) pelo aprimoramento sociocultural do condenado,
enquanto naquela condição. Ali, deverá receber tratamento para as eventuais
doenças psicossomáticas, treinamento profissional e condicionamentos
50
elementares à vida em uma sociedade aberta. Quando libertado, deverá ter à
sua disposição ampla e eficaz infraestrutura para que materialmente se realize
tudo aquilo que formalmente lhe foi transmitido. Para tanto nunca é demais
repetir, torna-se imperiosa a criação material desses órgãos já previstos, mas
não devidamente implantados, quando não é o caso de sequer iniciado o
programa de implantação, como é o caso dos patronatos.
Os estudos em defesa da ressocialização e reinserção social efetivados nos
presídios, portanto, são inúmeros, porém, a realidade ainda está longe que conseguir
programar medidas eficazes nesse sentido.
4.1 A Assistência do Egresso e suas Principais Características
Considera-se egresso, nos termos do art. 26 da Lei de Execução Penal: “I - o
liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento; II- o
liberado condicional, durante o período de prova” (BRASIL, 1986). Portanto, o egresso
do sistema prisional é todo aquele que cumpriu sua pena e está ou em estado de
condicional, parcialmente liberado de sua dívida para com o Estado e a sociedade, bem
como aquele liberado definitivamente, isto que cumpriu sua pena total. Esse é
considerado egresso pelo período de um ano a cantar da data da saída.
Já o preso, evidentemente, é aquele que se encontra recolhido em
estabelecimento prisional, cautelarmente ou em razão de sentença penal condenatória
com trânsito em julgado. Portanto, preso provisório ou definitivo. O trabalho de
ressocialização envolve tanto o apenado e é nesse contexto que inicia quanto o egresso e
envolve entre as diversas questões sociológicas, filosóficas, e jurídicas, a questão da
assistência social e reinserção social.
Consoante dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal, "a assistência ao preso e
ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à
convivência em sociedade". E arremata o parágrafo único: "a assistência estende-se ao
egresso”. O objetivo da assistência, como está expresso, é prevenir o crime e orientar o
retorno à convivência em sociedade. Portanto, a assistência não se restringe somente ao
egresso, mas inicia-se na prisão através de ações ressocializadoras.
A assistência aos condenados e aos internados é exigência básica para se
conceber a pena e a medida de segurança como processo de diálogo entre os
destinatários e a comunidade. A assistência ao egresso consiste em orientação e apoio
para reintegrá-lo à vida em liberdade e na concessão, se necessária, de alojamento e
alimentação em estabelecimento adequado, por dois meses, prorrogável por uma única
51
vez mediante comprovação idônea de esforço na obtenção de emprego (MARCÃO,
2001).
A assistência ao egresso, portanto, é medida de extrema necessidade, na forma
de moradia temporária, de empregabilidade, de regularização de sua documentação
civil, trabalhista, eleitoral e militar e de gradual adaptação às condições da vida em
liberdade. A maioria dos Estados brasileiros, porém não dispõem de serviços ou lugares
que sirvam de referências para os egressos e os auxiliem na obtenção dessas e outras
necessidades.
Sobre este posicionamento Silva (2001, p. 45), se pronuncia afirmando que:
Inexplicavelmente não temos uma única casa de albergado na maior metrópole
do país. O serviço público de atendimento a egressos não consegue atender
mais do que 5% da demanda, deixando milhares de pessoas e suas famílias ao
desamparo e a mercê da própria sorte. As iniciativas das empresas nesse
campo podem ser fundamentais para alterar esse cenário.
Cabe, destarte, ao Estado, no período determinado em lei dar assistência ao
egresso, de forma que o mesmo possa reingressar na sociedade de forma a ter as
mínimas condições de sobrevivência digna e isso implica necessariamente em um
trabalho de ressocialização que deve se iniciar intramuros, envolvendo educação,
trabalho, assistência de saúde e psicológica. A assistência ao apenado e ao egresso é
uma das funções de ressocialização e é parte do contexto de inclusão ou reinserção
social. A reinserção social objetiva criar a possibilidade de facultamento dos meios
necessários e adequados para que, assim, o preso tenha condições de voltar ao convívio
social. (RODRIGUES 1982)
Importante esclarecer em que consiste cada uma das espécies de assistência em
obediência aos princípios e regras internacionais sobre os direitos da pessoa presa,
especialmente as que defluem das regras mínimas da ONU (item 41 da Exposição de
Motivos da LEP). “A assistência a ser prestada, conforme elenca o art. 11 da Lei de
Execução Penal, será: I - material; II - à saúde; III - jurídica; IV - educacional; V social; VI – religiosa”.
A abordagem deste estudo tratará efetivamente dos aspectos relativos à
assistência educacional e, dirigindo-se também as questões de trabalho e
profissionalização.
Os meios para promover a assistência ao egresso e a reinserção social não
diferem dos da sociedade externa à prisão. Assim, enfoca-se o trabalho como um fator
52
determinante de segurança, de estabilidade, de estruturação individual e social; fator
determinante de inclusão / exclusão (inserção e de reinserção), especialmente quando se
leva em conta a exclusão social externa, ou seja, quando a própria sociedade exclui em
termos de oportunidades de trabalho, de educação, de renda, etc. (SILVA 2003).
Dessa forma, quando se pensa em prisão, pena e ressocialização, deve-se levar
em conta a complexidade da sociedade e o modelo de exclusão e discriminador que a
própria sociedade possui o que explica, em parte, os graves problemas criminas e de
delinquência que existem hoje e que sobrecarregam o sistema judiciário e prisional. O
sistema prisional pode inserir em seu contexto, aspectos que a própria sociedade e o
Estado não têm cumprido: de oportunizar todas as condições de vida dignas.
Como explica Mezzomo (2005, p.127) falar-se em ressocialização e
reinserção social é uma perspectiva profundamente paradoxal em relação a um direito
penal humanitário e do fato. Fala-se do apenado como se ele estivesse fora da
sociedade, como se seus valores devessem ser mudados. Ora, em um Estado
Democrático cada um pode ter os valores, certos ou errados, que quiser cultivar.
Ninguém, nem mesmo o Estado pode obrigar quem quer que seja a ter determinado
valor como correto.
O que o Estado pode isso sim, é exigir determinado comportamento,
comissivo ou omissivo, em vista da prejudicialidade em relação a outras pessoas ou
mesmo ao próprio Estado. A pretendida ressocialização, portanto, se mal aplicada pode
implementar uma violência psíquica contra o apenado, tomando-o verdadeiramente
violento. O indivíduo não tem o dever de pensar de determinada forma, ele tem o dever
de comportar-se de determinada forma sob pena de sanção. Ele não pode ser obrigado a
reinserir-se em um status quo. Em síntese, a pena não pode ter uma função educativa,
pelo simples fato de que uma medida de força do Estado não pode ser utilizada para
compelir o indivíduo a pensar desta ou daquela forma. Isso é arbitrariedade.
Conforme Rodrigues, 1982, p. 29:
O Direito Penal assume a função de proteção da sociedade, sem, entretanto,
modificar ou alterá-la, clarificando, assim, a concepção de ressocialização
que pressupõe repassar ao preso o mínimo ético indispensável à conveniência
em sociedade. O crime, nessa perspectiva, é tido como um déficit de
socialização. Então, a prisão deve ser o espaço onde haja um programa de
ressocialização que visa integrar o indivíduo no mundo dos seus concidadãos,
sobretudo nas coletividades sociais básicas como, por exemplo, a família, a
escola ou o trabalho, proporcionando o auxílio necessário que o faça
ultrapassar a situação de defasa mento social em que se encontra.
53
Portanto, a reinserção social visa, antes de tudo, dar uma oportunidade ao
preso de realizar o que a sociedade não lhe concedeu, como estudo e profissão, mas isso
não pode ser imposto e sim oportunizado ao detento.
54
5 EDUCAÇÃO E TRABALHO PARA EGRESSOS E SEUS FUNDAMENTOS
A educação no sistema penitenciário é iniciada a partir da década de 1950.
Foucault (1987, p. 224) diz: “A educação do detento é, por parte do poder público, ao
mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação
para com o detento”. O Art. 6º da Constituição Federal de 1988 preconiza que “São
direitos sociais: a educação, a saúde e o trabalho [...]”. Já no artigo 205, consigna por
sua vez, que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho”.
Esse artigo da Constituição indica claramente que todos possuem inclusive os
presos, direito à educação, mesmo a educação formal. O Estado tem o dever de criar
mecanismos para que essa condição seja atendida e com qualidade.
Mirabete (2002, p. 73) é enfático quanto a este aspecto:
A assistência educacional deve ser uma das prestações básicas mais
importantes não só para o homem livre, mas também àquele que está
preso, constituindo-se, neste caso, em um elemento do tratamento
penitenciário como meio para a reinserção social.
Isso também está claro na Resolução 1990/20 do Conselho Econômico e Social
das Nações Unidas, que trata da educação nas prisões, recomendando que todos os
presos devem ter acesso à educação, inclusive a programas de alfabetização, educação
fundamental, formação profissional, atividades criativas, religiosas e culturais, educação
física e desportos, educação superior e bibliotecas. A mesma Resolução enfatiza, ainda,
que "a educação nas prisões deve visar ao desenvolvimento da pessoa como um todo,
tendo em mente a história social, econômica e cultural do preso”. A Seção V da Lei de
Execução Penal trata da Assistência Educacional e informa que esta deve abranger a
instrução escolar e também a formação profissional, a obrigatoriedade do ensino de
primeiro grau e como elas podem ser realizadas.
Nesse sentido:
Assim, os sentenciados presos sem instrução de primeiro grau têm o direito,
como qualquer pessoa, de recebê-la do Estado. É mister que, nos
estabelecimentos penais, haja escola ou um dos substitutivos da escola (na
configuração tradicional) que atualmente existem, [...] pelas escolas públicas
55
ou particulares que ofereçam cursos especializados [...]. (MIRABETE, 2002,
p. 74).
O ensino profissionalizante não possui o caráter da obrigatoriedade, como no
caso do ensino fundamental, mas deve ser igualmente estimulado nos ambientes
prisionais e sua importância não deve ser relegada a segundo plano. (SILVA e
INOCÊNCIO, 2005).
Onde conforme o autor:
A habilitação profissional é uma das exigências da função das funções
utilitárias da pena, pois facilita a reinserção do condenado no convívio
familiar, comunitário e social, a fim de que não volte a delinquir. Assim, se
houver continuadamente grande número de sentenciados em condições de
receber o ensino técnico de habilitação profissional, o estabelecimento penal
deverá manter o funcionamento da escola destinada a essa formação.
(MIRABETE, 2002, p. 75).
É dever do Estado inserir e estimular o apenado ao ensino fundamental, mas
também viabilizar a possibilidade de ensino profissionalizante. Quando se observa o
contexto do sistema prisional e do preso em si, é possível perceber que são indivíduos
com poucas possibilidades de escolher uma profissão e com poucas habilidades em
geral. Por outro lado, é importante pensar no apenado como alguém que possui família,
necessidades básicas e que pode desejar conseguir atender essas necessidades por seu
próprio esforço. Mesmo estando preso, deve ser ofertadas condições para que possa
exercer uma função remunerada, a fim de prover seu sustento e o dos seus, assim como
aprender novas atividades e aperfeiçoar as que já conhecem.
Nesse sentido:
Os presos se configuram como trabalhadores que se encontram, em sua grande
maioria, ociosos, trabalhadores necessitados de políticas que supram suas
necessidades básicas, bem como, de suas famílias, e que precisam nesse
período de vida, - de extrema fragilidade existencial - ter, na penitenciária, um
espaço de redescoberta de seu potencial enquanto ser humano, um espaço de
educação pelo trabalho. (MIRABETE, 2002, p. 99)
O trabalho é um dos fatores importantes da autoestima, da confiança em si
mesmo e das possibilidades de desenvolvimento intelectual, moral e social. Por outro
lado, ele influencia diretamente nos relacionamentos e permite a própria evolução
humana e a da sociedade. (HERZEBERG , 1975).
Como afirma Souza et al (apud PINTO, 2002, p. 26):
56
O trabalho prisional deve atender ao princípio do interesse social, acima dos
resultados econômicos. Isto porque, a maior contribuição da atividade laboral
sistemática reflete no comportamento do detento, seja porque provoca
redução dos níveis de estresse da população carcerária, melhorando o
ambiente do presídio, seja porque evita a ociosidade e, sobretudo, por se
constituir em promissora perspectiva de absorção pelo mercado de trabalho,
quando do retomo desse segmento, ao convívio familiar e social.
O trabalho é importante para a manutenção individual, pois é necessário ao
abastecimento material e ao desenvolvimento social, além de um forte estimulante da
remição da pena. Dentro dos limites de segurança e saúde, possibilita a satisfação das
necessidades básicas e, segundo o autor, associa aspectos como necessidades
fisiológicas, cognitivas, de motivação e de desenvolvimento. O trabalho surge como
um elemento ainda maior, pois constitui um mecanismo por meio do qual se poderá
manter ou ampliar a capacidade produtiva do detento, restabelecer seu amor-próprio,
paralelamente possibilitando sua preparação para o acesso ao mercado de trabalho.
(MACGREGOR, 1973)
O trabalho em estabelecimentos prisionais é de necessidade primordial. No
Brasil, até 1995, cerca de 55% dos presos não trabalhavam. O trabalho é visto como
fator determinante de segurança, de estabilidade, de estruturação individual e social:
fator determinante de inclusão/exclusão (inserção e de reinserção). O trabalho mostra-se
um facilitador da reinserção do preso na sociedade. (VASCONCELOS 2001).
Assim, o trabalho realizado com e pelo preso pode ser resumido em dois
aspectos: o ocupacional e o humano. O aspecto ocupacional refere-se ao trabalho
propriamente dito, isto é, à atividade que planeja e executa o trabalho, colhendo seus
resultados. Geralmente, seu progresso e resultado podem ser quantitativamente
reconhecidos. O outro aspecto é o ser humano. Esse se refere á atividade voltada para o
homem, visando manter a confiança entre o preso e o administrador do presídio e dos
presos entre si. A Human Rights Watch (HRW, 2002, apud PINTO, 2002) considera
que, de acordo com a Lei de Execução Penal, todos os presos condenados devem
trabalhar. No entanto, deve-se observar que as obrigações legais com relação ao
trabalho prisional são recíprocas: da mesma forma que os detentos têm o direito de
trabalhar, as autoridades carcerárias devem lhes as oportunidades de trabalho.
Portanto, o trabalho é uma oportunidade que deve ser dada ao preso e não uma
imposição. Esse processo obviamente não é fácil, dado que muitos dos apenados têm
problemas emocionais, falta de instrução, dificuldades de relacionamento e não
compreendem a importância do trabalho em suas vidas. Por isso, a função reintegradora
57
envolve outras dimensões como a educação, o trabalho psicossocial e a busca de novo
sentido a sua vida.
Desse modo, conforme preconizam os autores:
Deve-se ressaltar que o reduzido número de detentos empregados é
resultado da escassez de oportunidades de trabalho, e não de falta de
interesse da parte dos detentos. Para começar, de acordo com a LEP o
trabalho deveria ser obrigatório, e não opcional. Mas ainda mais
convincente, na prática, é o incentivo criado pela própria lei para a
redução de sentenças. De acordo com esse dispositivo legal, para cada
três dias de trabalho, um dia deve ser debitado da sentença do detento.
Ansiosos para sair da prisão o mais rápido possível, quase todos os
detentos estão dispostos a trabalhar, mesmo sem receber. Na verdade, os
detentos reclamaram muitas vezes da falta de oportunidades de trabalho.
A escassez de trabalho nas carceragens das delegacias é uma das muitas
razões pelas quais os detentos se revoltam para serem transferidos para as
prisões (HRW, 2002, apud PINTO, 2002, p. 20).
Os fundamentos que justificam a implementação de projetos para o trabalho de
detentos, portanto, são: a ocupação do tempo ocioso na prisão; o ensino de atividades
profissionais; o seu sustento e de seus familiares; a melhora da autoestima e,
especialmente a sua preparação para quando voltar ao convívio social.
Hoffmann (1992, p.78) destaca os seguintes aspectos do trabalho do detento:
a) Incentivo às atividades ocupacionais que visem à empregabilidade
quando da saída do Sistema Penitenciário; b) Implementação de técnicas
de escoamento da produção e comercialização do trabalho no ambiente
prisional, em relação aos produtos resultantes de atividades industriais,
agroindustriais, agrícolas, manuais e artesanais, por meio de parcerias
com Entidades Especializadas; c) Favorecimento a uma cultura de
associativismo e cooperativismo junto aos egressos do Sistema
Penitenciário, através de parcerias com instituições e Organizações Não
governamentais; d) Incentivo a projetos de geração de renda para os
detentos, egressos e familiares, com aplicação de métodos de
empreendedorismo, como: capacitação gerencial apoio a microcrédito e
assessoramento técnico ao segmento; e) Estímulo a trabalhos que
valorizem a aptidão, a habilidade, as condições físicas e mentais, a
profissão anterior dos detentos, bem como, as oportunidades oferecidas
pelo mercado; f) Segurança da percepção de uma remuneração adequada
ao trabalho interno e externo realizado pelo detento; g) Garantia de
mecanismos de proteção às questões de segurança e saúde no trabalho
dentro das unidades prisionais; h) Estímulo à vinculação do trabalhador
preso ao sistema previdenciário, por meio da contribuição como
autônomo.
Programar sistemas de gestão empreendedora no sistema carcerário, a fim de
proporcionar ao preso condições de sobrevivência segura e digna, constitui função do
Estado e tem sido efetivamente pouco praticada. Quando do cumprimento da pena e sua
58
reintegração na sociedade, outros problemas surgem: quem vai garantir-lhe um
emprego? Como a sociedade irá recebê-lo? Que condição terá para que sua efetiva
reintegração social ocorra?
O trabalho intramuros, por mais eficiente que seja, nem sempre garante essas
condições. Em alguns poucos casos o ex-presidiário sai do presídio já com emprego
garantido. Mesmo assim, em muitas situações, especialmente quando o período da pena
foi muito longo, sua reintegração social é muito difícil, principalmente quando a própria
família não o aceita de volta. É então necessário o estabelecimento de políticas e ações
que promovam intermediação para a reintegração, que é também uma função do Estado
e que não é cumprida.
A assistência ao egresso, portanto, é medida de extrema necessidade, na forma
de moradia temporária, de empregabilidade, de regularização de sua documentação
civil, trabalhista, eleitoral e militar e de gradual adaptação às condições da vida em
liberdade. A maioria dos Estados brasileiros, porém, não dispõem de serviços ou lugares
que sirvam de referências para os egressos e os auxiliem na obtenção dessas e outras
necessidades essenciais a uma vida digna.
Sobre este posicionamento Silva (apud SILVA e INOCÊNCIO, 2005, p. 29),
se pronuncia afirmando que:
Inexplicavelmente não temos uma única casa de albergado na maior
metrópole do país. O serviço público de atendimento a egressos não consegue
atender mais do que 5% da demanda, deixando milhares de pessoas e suas
famílias ao desamparo e a mercê da própria sorte. As iniciativas das empresas
nesse campo podem ser fundamentais para alterar esse cenário.
A sociedade civil organizada tem timidamente procurado cuidar da defesa e
promoção de direitos (OAB, ONGs, universidades e entidades de direitos humanos) e
da “reabilitação” do preso (igrejas). Já as empresas, por convite de dirigentes
penitenciários ou por iniciativa própria, descobriram a possibilidade de utilizar a mão de
obra do preso, servindo-se da infraestrutura dos estabelecimentos prisionais,
apresentando motivações simplistas: perspectiva de utilização de mão de obra constante
e barata ou a intenção de realizar a filantropia. (SILVA e INOCÊNCIO 2005).
A utilização da mão de obra de presos é legal, necessária e algumas ações
podem ser desenvolvidas pela empresa que utiliza ou pretende utilizar essa mão de obra,
se o objetivo for o de exercer sua responsabilidade social. Os primeiros passos passam
por pagamento justo e digno e por ações educativas.
59
Para isso, a empresa deve, segundo Silva (2001, p.21):
[...] remunerar o preso-trabalhador por produção, e não apenas por salário
fixo; fornecer uniformes e equipamentos de segurança e de proteção;
fornecer transporte e alimentação; prestar assistência aos filhos e à família
do preso-trabalhador; inserir o preso-trabalhador na cultura do trabalho;
incluir o preso-trabalhador ou sua família em planos de assistência
médica; proporcionar oportunidades de capacitação e de aperfeiçoamento
profissional; subsidiar treinamentos que visem o aprimoramento técnicoprofissisonal; assegurar emprego após a obtenção da liberdade.
Por sua vez, Silva (2001, p. 18) recomenda:
Pode-se incluir no rol da defesa de direitos toda e qualquer ação
empresarial que vise assegurar ao preso direito não atingido pela sentença
de condenação. Investimentos em educação, profissionalização, trabalho,
saúde, artes, cultura e esportes visam elevar o grau de capacitação da
pessoa para enfrentar a vida, caracterizando-se como uma promoção de
direitos.
Ainda que algumas ações da sociedade civil tenham mostrado um claro
direcionamento para incentivar as medidas de ressocialização, a sociedade em geral
ainda é muito discriminadora e tem sido motivadora de muitos casos de reincidência.
Raramente aceita o egresso, mesmo após este ter cumprido sua pena, excluindo-o e não
lhe dando oportunidades de levar uma vida digna. Isso denota a complexidade do
problema e indica a real necessidade de uma reinserção de valores e conceitos da
própria sociedade.
Como defende Pinto (2002, p. 14):
Desse contexto, vem o entendimento de que existem aspectos sociais
prévios, decorrentes de situações associadas a fatores como educação,
economia e outros, que, uma vez levando aos primeiros procedimentos
delituosos, desenvolvem um movimento de retroalimentação dos
procedimentos originais, tornando difícil o processo de reintegração do
indivíduo à sociedade, agora pela ação discriminatória.
O último censo do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), feito em
1995, revelou que 85% dos presos são reincidentes. Alega-se que os números não são
precisos, por falhas na metodologia de pesquisa. O que se subtende, porém, é que de
cada dez presos nas cadeias brasileiras, entre cinco e sete já teriam passado pelas mãos
do Estado, que perdeu a chance de procurar afastá-lo do crime. Alega-se ainda, que a
maioria da população carcerária é formada por pequenos assaltantes ou traficantes sem
poder na hierarquia da vida delituosa. Ao entrar pela primeira vez numa prisão, selam
60
seu destino. Mesmo depois de cumprir pena e “acertar” as contas com a Justiça e, por
extensão, com a sociedade, dificilmente voltam a conseguir emprego e retornam à
prisão (DO RIO, 2002).
No entanto, o que se observa, é que essa “reeducação” que pretende o Estado,
não existe na prática. Ao contrário, o sistema mostra-se ineficaz, produzindo ainda mais
o crime e tratando o preso com indiferença. Tal situação se prolifera com a conivência
do Estado, permitindo a perpetuação de uma cultura arcaica.
De acordo com Frei Betto (apud KOTSCHO, 2003, p.41):
O sistema penitenciário, tal como ele existe na sociedade capitalista,
principalmente aqui no Brasil, é extremamente cruel, não só porque confina
fisicamente o homem, sem que esse homem possa compreender o problema
da liberdade, senão em relação à sua locomoção física, mas ele destrói a
subjetividade do homem, no sentido de não lhe oferecer nenhuma
possibilidade de racionalização da situação em que se encontra.
Na prática, portanto, como entende Leal (apud PINTO, 2002), no Brasil existe
um claro descompasso entre o que diz a norma jurídica e a realidade das prisões, no que
concerne à aplicação dos Direitos Humanos. No entanto, a Lei de Execução Penal e a
própria Constituição evidenciam e enfatizam os Direitos básicos ao respeito e à sua
dignidade, estabelecendo direitos como: cumprimento da pena em estabelecimentos
distintos conforme o tipo de crime, idade e sexo do apenado, garantia da integridade
física e indenização por erro judiciário, dentre outros aspectos.
Embora o Legislador Ordinário, ao editar a Lei 7.210/84, Lei de Execução
Penal, o tenha feito com bastante sapiência, o Poder Executivo não se aparelhou para
executar devidamente os comandos insculpidos nos seus 204 artigos. Diga-se, se fossem
bem executados, certamente poderiam ter impedido que o sistema penitenciário
apresentasse o caos que hoje ostenta.
Como exemplifica o eminente desembargador:
É público e notório que o sistema carcerário brasileiro ainda não se
ajustou à programação visada pela Lei de Execução Penal. Não há,
reconhecidamente, presídio adequado ao idealismo programático da Lei
de Execução Penal. É verdade que, em face da carência absoluta dos
presídios, notadamente no Brasil, os apenados recolhidos sempre
reclamam mal-estar nas acomodações, constrangimento ilegal,
impossibilidade de readaptação à vida social. Por outro lado, é de se sentir
que, certamente, maior seria a reposição à convivência da sociedade de
apenado não recuperado provadamente, sem condições de com ela
61
coexistir (HC 14.467-T). Pleno – j. 7-8-1996-Rel. Des. Amaury Moura
(RT736/685).
É necessário não somente condenar e prender quem comete um delito. É
essencial dar condições de reabilitação e de reinserção social. Porém, na prática, a falta
de recursos físicos e humanos, a não capacitação dos colaboradores das prisões, a não
elaboração de projetos de reinserção social, a ausência de políticas públicas coerentes e,
em um âmbito mais geral, o caos social, a discriminação, as políticas econômicas
excludentes, o desemprego que geram mais violência e um excessivo número de presos,
parecem impedir ações reintegradoras.
O tema, portanto, é complexo e não cabem medidas paliativas. Exige o
envolvimento do Estado e da sociedade na busca de efetivar ações coerentes de
ressocialização e efetivamente eficazes. É assim cumprida a legislação vigente. De
acordo com Silva (2003, p.132), é notório que nas prisões brasileiras pouco há de
eficácia e isto ocorre em razão do baixo número de profissionais capacitados para traçar
o perfil do preso e para indicar para ele o tratamento penal de acordo com o seu perfil,
por meio de subjetividade, observando os motivos e as circunstâncias que o levaram a
cometer o delito.
Um dos aspectos fundamentais, quando se pretende reinserir socialmente o
preso, é a preparação dos colaboradores. É essencial, para minimizar essa distorção, a
obrigatoriedade de criação em todos os estabelecimentos prisionais um quadro de
técnicos, como almejou o legislador ao lapidar a Lei de Execução Penal. Esse quadro
deve ser composto por profissionais do ramo de direito, psicologia, serviço social, e
medicina. Enfim, profissionais com treinamento direcionado para atuação dentro do
sistema penitenciário. Busca-se, com essa medida, valorizar o sujeito recluso, ao tempo
em que se implanta uma política de prevenção dentro dos presídios. Ganha assim o
Estado, a sociedade e o próprio infrator, pois este terá mais possibilidade de reabilitação
e, consequentemente, diminuir a probabilidade reincidir.
5.1 Ações Reintegradoras Visando Minimizar a Reincidência
Conforme afirma Pinto (2002, p.74), observa-se que o trabalho, a educação e o
treinamento profissional dos detentos desempenham um papel significativo na estratégia
de reabilitação dessa Lei. Aprendendo um ofício ou profissão e adquirindo bons hábitos
de trabalho, um detento pode aumentar muito suas chances de se integrar com sucesso à
62
sociedade após ser solto. Não obstante, apenas uma minoria entre os detentos brasileiros
tem a oportunidade de trabalhar. As oportunidades de educação e treinamento são
poucas e muitas vezes oferecem poucas chances de uma ação construtiva para suas
energias.
De acordo com Silva (2001, p. 17), algumas iniciativas e investimentos nesta
área podem permitir a inversão do atual papel das prisões, a saber:
Aperfeiçoar os mecanismos de gestão penitenciária; aperfeiçoar a formação
do pessoal penitenciário; maior eficiência da legislação penal e da Justiça
criminal; maior eficácia para a pena de privação da liberdade; aperfeiçoar os
mecanismos de informações e estatísticas criminais; dotar a prisão dos meios
necessários para o cumprimento de sua missão; proporcionar tratamento
terapêutico à pessoa presa; criar meios para a autossustentabilidade do preso
e de sua família; intervenção nos fatores que dificultam a reinserção social do
presidiário; intervenção nos fatores que alimentam a reincidência criminal;
criar mecanismos que viabilizem, gradualmente, a substituição da pena de
privação da liberdade pelas chamadas penas alternativas.
Argumenta Macgregor (1973, p.58), o modelo de cumprimento progressivo da
pena possibilita que sejam implementados projetos relativos à profissionalização do
preso, mediante um processo de formação contínua, que vai desde a aplicação de testes
de habilidade profissional, passando pelo recrutamento, seleção, treinamento e
empregabilidade. Todas essas fases, segundo a autora, devem estar de acordo com a
progressão da pena de forma que, ao ter cumprido sua pena tenha descoberto sua
vocação, ou suas habilidades, tenha apreendido o valor do trabalho para a vida e para
sua ressocialização, bem como possa reingressar na sociedade com autoestima e
conhecimento necessário para buscar um trabalho que o possibilite seus sustento e/ou de
seus familiares.
Nesse sentido:
O trabalho prisional deve atender ao princípio do interesse social, acima dos
resultados econômicos. Isto porque, a maior contribuição da atividade laboral
sistemática reflete no comportamento do detento, seja porque provoca
redução dos níveis de estresse da população carcerária, melhorando o
ambiente do presídio, seja porque evita a ociosidade e, sobretudo, por se
constituir em promissora perspectiva de absorção pelo mercado de trabalho,
quando do retomo desse segmento, ao convívio familiar e social. (SOUZA et
al., 2002, p. 2).
Por outro lado, as parcerias com empresas para que os apenados possam
trabalhar e ter possibilidades reais de, ao sair da detenção manter-se empregados, é
fundamental. A utilização de mão de obra de presos é legal e tem se mostrado eficiente,
desde que, seja permitido um salário justo, de acordo com suas funções. Além da
educação formal, ao preso também lhe é dado o direito legal de trabalhar, aspecto
63
também deficitário no sistema prisional brasileiro. Ainda que em regiões bem
segmentadas, alguns modelos de parceria entre presídios e empresas privadas têm
mostrado que o trabalho, devidamente remunerado do detento o estimula e auxilia de
forma direta na sua ressocialização e não reincidência, além do benefício da redução da
pena que motiva o preso a não voltar ao crime, como também diminui os gastos do
estado e a quantidade de presos amontoados nos presídios.
Como bem explica Barros et al. (2000,p.89):
Ao encontro das disposições da Lei de Execução Penal, iniciativas vêm sendo
empreendidas em diversos institutos prisionais do País, como é o caso do
“Programa de Trabalho” desenvolvido pela Fundação de Amparo ao
Trabalhador Preso do DF – FUNAP, desenvolvido entre 1989 e 1998, cujo
objetivo era “qualificar a pessoa presa para o trabalho intramuros e
extramuros, ao mesmo tempo preparando-a para a (re) inserção no mercado
de trabalho e fortalecendo os vínculos familiares”.
A Human Rights Watch (HRW, 2002 apud PINTO, 2002) considera que nos
institutos prisionais cujas oficinas são controladas pela FUNAP, os presos trabalham em
serviços de costura e carpintaria. De maneira geral, porém, o tipo de trabalho oferecido
aos detentos varia, na maioria das prisões, entre manutenção, limpeza e reparos, ao
emprego em companhias particulares, as quais contratam detentos para produzir itens
como pastas, caixas e cadernos.
Portanto, aliada ao trabalho ou não, a questão da educação é outro aspecto
fundamental na reinserção do preso na sociedade e nas possibilidades de não
reincidência do egresso. Silva e Inocêncio (2005, P.95) entendem que a educação e o
trabalho para os detentos não podem ser vistos como uma concessão ou benemerência.
Não se trata, portanto, de exercício de filantropia por parte de alguns ou concessões do
Estado, pois são direitos previstos em lei, carecendo tão somente de exigir a sua
implementação ou observância.
Na questão da educação aos detentos, vê-se hoje que, pelo formato da educação
de jovens e adultos, é possível inserir o detento neste programa tanto por meio da
inserção de professores no interior das prisões, como pela possibilidade de o detento
dirigir-se a um Centro de Educação para Adultos para cumprir o currículo. De outra
forma, cabe, quando o preso cumprir sua pena, que continue seus estudos, caso não o
tenha concluído durante o cumprimento da pena.
64
O coexistir, a valorização do ser humano, pode ser percebida com
precisão no presídio quando não foram vistos cadeados nas celas, ou
melhor, nos cubículos, quando o ir e vir dos reeducandos nos espaços
abertos para tomar sol é constante, quando os agentes prisionais e o
diretor conversam tocando carinhosamente no ombro dos reeducandos;
quando com alegria é comunicado a uma reeducanda que o ‘Alvará de
Soltura’ tinha sido deferido e que a mesma estava em liberdade e todos,
espontaneamente festejaram. Constatamos que o ser humano quando
valorizado, respeitado e partícipe de uma proposta organizada e coerente
de valorização, aprende partilhar, viver em comunidade vivem em
comunhão, sem a ‘marca’ da exclusão (CAMPESTRINI, 2002, p. 16).
Falconi (1998, p.64) explica que os trabalhos de reeducação do detento
precisam passar por reciclagens no quadro funcional do presídio, devendo haver
sincronização entre o trabalho sociocultural agregado aos labores próprios dos
programas de ressocialização, até que se atinja a reinserção social – trabalho de equipe.
O trabalho e a educação, aqui tratados com maior ênfase, são, portanto, apenas parte do
processo de reintegração que envolve diversos aspectos que permitem as condições
mínimas de dignidade ao cidadão apenado. Vale lembrar que muitos dos crimes
cometidos estão diretamente relacionados à exclusão social, à discriminação e à falta de
perspectivas econômicas e de acesso à educação, à profissionalização, ao saneamento
básico e à saúde.
5.2
A Reintegração Social e as Atividades Desempenhadas pelo Preso em
Penitenciarias e Presídios
Observa-se que nas unidades prisionais que grande parte dos presos pratica
algum tipo de religião e participa dos cultos que ocorrem no interior do estabelecimento.
Muitas vezes, para que aconteçam, são utilizados os espaços normalmente destinados às
práticas esportivas. O ensino fundamental ainda é precário, cerca de 52% (cinquenta e
dois porcento) dos presos não possuem o 1º Grau completo.
No que tange às atividades profissionalizantes, estas são direcionadas aos presos
do regime semiaberto, existem diversos tipos de fábricas nos presídios, como as de
brinquedos, confecção de colchões e embalamento de produtos derivados de plásticos.
Ocorre que estas atividades não atendem à demanda necessária para os demais regimes,
além de não possibilitarem a remição de pena aos interessados no benefício.
Via de regra, não há uma separação dos internos, nem quanto aos tipos de
delitos, tampouco concernente à idade, grau de instrução ou ambiente de origem. A
maioria dos apenados ficam confinados em suas galerias ou setores, com total ausência
65
ações voltadas para trabalho, educação e outras atividades que possam contribuir para o
seu retorno à sociedade.
Observa-se que os problema estruturais dão margem aos problemas de ordem
pessoal, afetando a reincerssão do apenado. Muitas vezes os rótulos e pré-conceitos
marcam profundamente os indivíduos que ocupam as prisões e aqueles que dela são
libertados, o que não contribui para sua reintegração ao meio social.
5.3
As Políticas Públicas de Reinserção Social em Face da Realidade do Sistema
Prisional de Santa Catarina
O Sistema carcerário Catarinense não chega a ser um modelo daquilo que é
previsto pela Lei de Execução Penal. Tal como ocorre em outras organizações prisionais
brasileiras, é carente de espaço físico adequado, de materiais e equipamentos, além de
pessoal suficientemente preparado, tanto em número quanto em qualificação para as
atividades no ambiente prisional. Mormente, nas lides voltadas para a reintegração
social dos apenados.
As capacidades de absorção de programas educacionais para os internos visando
o desenvolvimento de profissões não suprime as demandas impostas pelo índice de
reclusos. Essa realidade parece demonstrar que a Lei de Execução Penal não encontra
espelho na realidade carcerária. Por outro lado, existe um movimento contínuo para a
abertura de novas vagas nas prisões, mantendo-se estáticas as políticas que possam
incrementar as ações que favoreçam o reingresso do apenado no meio social. Esse
quadro leva a considerar que a pena não atende seu fim preventivo e reintegrador, mas
mostra sua natureza retributiva em relação ao condenado.
66
6 O TRABALHO DO RECLUSO COMO DIREITO, DEVER SOCIAL E
CONDIÇÃO DE DIGNIDADE HUMANA
O modelo de Estado brasileiro atual é o Estado Democrático de Direito, cujo
preâmbulo da Constituição Federal de 1988 assim prescreve: Nós representantes do
povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
Constituição da República Federativa do Brasil.
Destarte, o Estado e a sociedade assumiram junto um compromisso no sentido
de assegurar os direitos de todos os cidadãos sem discriminação. Logo, os direitos do
preso estão incluídos. A forma de execução da pena privativa de liberdade é regulada
pela Lei de Execução Penal, Lei 7.210/84, cuja sigla é LEP. Foi editada em 1984, com a
finalidade de regulamentar o cumprimento ou execução da pena privativa de liberdade.
A referida lei traça as normas a serem seguidas para o cumprimento da pena e também
elenca o rol de direitos e deveres do condenado.
Em vista disso, faz-se necessário repensar a pena privativa de liberdade,
buscando reavivar antigos e atuais anseios, quais sejam de buscar no trabalho novas
perspectivas e expectativas de vida fora dos muros da prisão.
A Lei de Execução Penal brasileira Lei n. 7210 de 11/07/1984 preconiza:
Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade
humana, terá finalidade educativa e produtiva.
Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho
na medida de suas aptidões e capacidade.
Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação,
a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as
oportunidades oferecidas pelo mercado.
Apesar da lei claramente estabelecer a obrigatoriedade do trabalho aos presos
apenas pequena parte deles consegue usufruir de tal oportunidade, devido à escassez de
vagas. Conforme o que se depreende, o trabalho seria um dos mecanismos de reinserção
social do condenado. Apesar dos obstáculos enfrentados para sua implementação, é um
caminho que merece ser considerado. O trabalho realizado pelo preso no interior do
67
estabelecimento penitenciário pode ser dividido em três categorias: administrativo,
industrial e artesanal. Pode também ser incluído o terceirizado, qual seja, o trabalho
prestado para empresas externas privadas ou públicas.
O trabalho é direito e dever dos presos, será sempre remunerado, mas não está
sujeito ao regime da Consolidação das Leis Trabalhistas. A lei determina a remição de
um dia da pena por três dias trabalhados, sendo mais um estímulo, quando ocorre, para
a reinserção social do preso.
Em grande parte do Estado de Santa Catarina, os estabelecimentos penitenciários
contam com funcionários efetivos, como o agente penitenciário, com ocupantes de
cargos comissionados, com contratados que exercem a função de vigilante, além de
estagiários de diversos cursos, principalmente os de Direito, Administração, Assistência
social e Agropecuária.
Alguns modelos implantados com sistemas de fábricas ou penitenciárias
agrícolas destacam-se dentro do Sistema Prisional de Santa Catarina. O trabalho
desenvolvido pelos detentos dentro da instituição pode ser voltado para a sua
valorização. Constitui também um retorno em benefício da comunidade e do Poder
Público. Dentre os principais benefícios para a comunidade, podemos apontar o retorno
econômico. Com produção própria, o custo de manutenção da unidade pode ser
reduzido significativamente. Por meio da venda, produtos produzidos nas hortas e
granjas rendem valores que são incorporados ao Fundo Rotativo da Penitenciárias e
utilizados para a aquisição de equipamentos e a reposição do plantel de aves, suínos e
bovinos da unidade.
As estruturas funcionais dos estabelecimentos Penitenciários de forma geral
compreendem:
Direção: Gerência de Execuções Penais.
Gerência de Saúde, Ensino e Promoção Social
Gerência de Apoio Operacional
Gerência de Revisões Criminais
Gerência de Atividade Laboral.
A Gerência de Execuções Penais: é subordinada diretamente à Direção e a ela compete
planejar, organizar, coordenar e controlar as atividades do Serviço Penal, quais sejam,
manter atualizado o prontuário dos sentenciados, individualizando os benefícios
(progressões de regime, do fechado para o semiaberto, do semiaberto para o aberto,
68
comutações de penas, livramento condicional, extinção das penas, indulto, remição,
saída temporária) que poderão pleitear durante o curso da execução da pena.
A Gerência de Saúde, Ensino e Promoção Social: é responsável pela Assistência Social,
individual e familiar a sentenciados, bem como pelo atendimento médico e hospitalar.
São controladas as visitas aos sentenciados feitas por familiares e amigos. Providencia o
auxílio reclusão, controla os encontros íntimos, promove o acompanhamento de cursos
profissionalizantes e os oferecidos por entidades externas à prisão.
No setor de Saúde (enfermagem) é prestada assistência aos sentenciados, são
providenciados atendimentos de primeiros socorros, consultas médicas, atendimentos
odontológicos, internação hospitalar, exames laboratoriais, fisioterapia, exame
radiológico, distribuição de preservativos (sentenciados), distribuição de medicamentos,
encaminhamento para próteses e óculos.
No que se refere à educação, em algumas Penitenciarias é oferecido aos detentos
o ensino fundamental de 1º a 4º e 5º a 8º, e alfabetização com o programa Brasil
alfabetizado. A educação é uma parceria com o CEJA (Centro de Educação de Jovens e
Adultos) que disponibilizam os professores para as atividades educacionais.
A Gerência de Apoio Operacional: Planeja, programa, organiza, executa e controla as
atividades relacionadas com o planejamento e orçamento e finanças; articula-se com os
sistemas de Recursos Humanos, mantém atualizado o cadastro dos funcionários,
promove o controle das fichas funcionais, horário, frequência, escala de férias; emite
empenho; promove a execução de serviços diversificados, como: abastecimento de
veículos, controle e fornecimento de alimentação para os Presídios e desenvolve outras
atividades relacionadas com a área de Apoio Operacional.
A Gerência de Revisões Criminais: É ocupada por Advogado, que promove as Revisões
Criminais e defesas de custas.
A Supervisão de Segurança: Ocupada por um agente Penitenciário, tendo como
auxiliares 4 (quatro) supervisores de turmas, que com os agentes prisionais cuidam e
controlam a segurança interna da Penitenciária de uma forma geral.
O Setor de Pecúlio: Setor responsável pela folha de pagamento dos sentenciados. Todos
os recursos financeiros que o detento recebe são contabilizados neste setor que também
coordena as compras que os sentenciados realizam rotineiramente.
Todo o trabalho desenvolvido em penitenciárias é realizado por sentenciados
que atuam nas diversas áreas oferecidas pela instituição. O condenado que trabalha tem
o direito à remição de pena, à razão de um dia a cada três trabalhados. Ou seja, será
69
descontado da pena a cumprir, os dias remidos que o apenado obteve trabalhando.
Todos os reclusos recebem pelos serviços prestados junto ao estabelecimento penal. A
ideia é que o trabalho não sirva apenas para obter dinheiro, mas também como meio de
ocupação, valorização e aprendizado.
Muitas unidades prisionais atuam na produção de grampos de varal, que são
transportados para as celas dos detentos de regime fechado para montagem, retornando
à fábrica para o processo de plastificação e empacotamento. Sendo que este tipo de
atividades estão inseridas as unidades prisionais de Videira no setor de grampos,
juntamente com a Penitenciaria de São Cristovão, que também se destaca no trabalho
agrícola, onde na lavoura, os apenados desenvolvem trabalhos relacionados ao preparo
da terra, sendo utilizados produtos orgânicos e maquinário adequado para o plantio de
milho e outros alimentos conforme a época do ano. Na horta são produzidos hortaliças
e temperos dos mais variados tipos. Serviços como ampliação e reformas são efetuados
por profissionais com habilidades nos serviços de serralheiro. As ampliações e os
trabalhos de manutenção relacionados à construção civil contam com uma equipe de
presidiários que são pedreiros, encanadores, eletricistas, carpinteiros e pintores. Todos
os detentos que trabalham em atividades de regime semiaberto utilizam uniformes,
sendo que os serviços gerais efetuados pelos detentos estão relacionados à limpeza,
corte de grama, roçadas, recolhimento de lixo, ajardinamento, aterros, drenagem,
calçamento e organização dos espaços físicos da unidade prisional. A manutenção
destes serviços se faz necessária visando à organização dos espaços e à sua higiene.
No que se refere à alimentação, os trabalhos nas penitenciarias e unidades
prisionais do Estado envolvem a preparação de café da manhã, almoço, além de janta
com sopas e café. Muitas unidades possuem padaria para a produção de pães, a serem
distribuídos aos apenados juntamente com o café. A alimentação conta com o
acompanhamento de nutricionistas da Secretaria de Justiça e Cidadania.
Os serviços mais simples e rotineiros, conhecidos como “regalias”, são
realizados por presidiários que contam com maior confiança dos funcionários. Dentre as
atividades, estão: a condução de materiais e alguns documentos, distribuição de
alimentos e correspondências, além dos trabalhos de limpeza e conservação.
No que concerne aos ganhos pecuniários, parte é destinada à compra de
produtos de limpeza, alguns alimentos e objetos simples para uso no dia a dia do
encarcerado (envelopes, canetas, pilhas, etc.). Uma outra parte é guardada em poupança
e muitos também enviam dinheiro para auxiliar sua família.
70
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de toda a história das prisões, não há relatos confiáveis sobre
efetivo sucesso e eficácia do cárcere como meio de favorecer a reinserção social dos que
estiveram confinados entre suas paredes e muros. Por outro lado, é sabido que a prisão
é conhecida como o “mal necessário”, apesar de todos os revezes acumulados para a
segurança pública. Diante de resultados tão desalentadores, o que fazer? A resposta
parece estar no que vem sendo conhecido como redução de danos.
Cada unidade prisional precisa organizar seus grupos de trabalhadores a fim
de planejar e implementar políticas de ação que possam contribuir para o efetivo retorno
do interno na sociedade. Afinal, os apenados não ficam a vida toda reclusos nas prisões.
Neste sentido, as políticas inexoravelmente passarão pela educação, trabalho, preparo
profissional, além de tratamento digno que contemple os aspectos de saúde, respeito,
harmonia e valorização de uma cultura de paz.
Para atingir os objetivos aqui discutidos, podem ser fundamentais as
alternativas de parcerias com outras organizações externas. É para lá que irão os
egressos assim que deixarem as prisões. Para tanto, podem ser destacadas as empresas
privadas e mistas. Muitas delas podem contar com a mão de obra dos internos, com
grandes vantagens relacionadas á economia de encargos sociais. Num segundo
momento, podem contratar os egressos, muitos deles já devidamente observados e
avaliados enquanto internos dos estabelecimentos.
Outro tipo de parceria pode ser efetuado com instituições educacionais.
Equipes mistas de estudo, pesquisa e discussão podem ser formadas, priorizando a
multidisciplinaridade. Igualmente, estagiários podem ser contratados, com ganhos
importantes para todas as partes envolvidas.
São também recomendáveis avaliações constantes desses projetos, com o fim
de melhorá-los, modernizá-los e ampliá-los, tornando-os parte da realidade dos
presídios. Ao Estado cabe fazer cumprir a lei, auxiliar financeiramente os projetos e
favorecer a organização e a implementação dos mesmos. Desse modo, o trabalho de
reintegração torna-se possível, com resultados positivos, evidenciado assim que o
trabalho de ressocialização não somente é possível, como traz resultados positivos em
várias áreas. Pode ser efetivamente aplicado em todo o sistema penitenciário, desde que
organizado de forma planejada e coerente, de acordo com as possibilidades de cada
apenado.
71
É inegável que as políticas sociais básicas nas áreas de educação, saúde e
habitação auxiliam e promovem efeitos preventivos em relação à criminalidade e à
violência. Além disso, são importantes as políticas de segurança pública relacionadas ao
controle, principalmente se levarmos em conta a realidade que vivemos. Dentre elas, o
controle do porte de armas, policiamento ostensivo e tantas outras, sem esquecer das
políticas criminais voltadas para os ambientes prisionais, espalhados por todo o país,
envolvendo mais de meio milhão de prisioneiros.
Convém não esquecer que a sociedade vem mostrando resistências para aceitar
o ex-detento e tratá-lo sem discriminação. Surge então um novo contexto a envolver o
ex-presidiário. A rotulação a ele atribuída, bem como os preconceitos inibem a sua
reinserção, inclusive no âmbito do trabalho.
Faz-se necessário, portanto, incluir a
sociedade externa e suas organizações nos processos de reintegração do ex-detento. A
ausência desta continuidade, que deve iniciar já no cotidiano prisional, pode jogar por
terra qualquer projeto iniciado, por mais rico e substancioso que seja.
Na história do sistema prisional, em seus primeiros registros, não constava a
pena privativa de liberdade. Os presos recebiam castigos e punições e eram largados em
calabouços e torres de castelos, não no sentido de privação de liberdade, mas sim de
permanência até o julgamento final. Sob a influência das ideias humanitárias surge a
pena privativa de liberdade que, com o avanço dos anos, passou a ser cumprida em
ambientes conhecidos como prisões, estabelecimentos estes que existem até os dias
atuais.
As penas vigentes na legislação brasileira são as restritivas de direito, de multa
e de privação de liberdade, que podem ser divididas em detenção e reclusão, sendo
cumpridas em regimes fechado, semiaberto e aberto. Os estabelecimentos prisionais
contemporâneos encontram-se em situação degradante, impossibilitando o cumprimento
das finalidades da pena privativa de liberdade, que seriam não só a retribuição pelo
crime cometido, mas a prevenção geral e especial. Prioritariamente, a reinserção social
do preso na sociedade.
O trabalho nas penitenciárias apresenta-se como um direito, um dever social e
como princípio da dignidade humana, elencado inclusive na Lei de Execução Penal.
Com o trabalho, o preso evita a ociosidade e encontra um meio de subsistência para o
período de seu aprimoramento e, eventualmente, para quando estiver em liberdade.
Além do trabalho e da educação, algumas penitenciárias e unidades prisionais
preocupam-se com o preso no sentido de lhe oportunizar atendimentos médico,
72
odontológico e social, além de acompanhamento psicológico. A função do setor penal
consiste em controlar o prontuário dos condenados, para que todos os direitos e deveres
elencados na Lei de Execução Penal sejam cumpridos. Diante do que foi constatado
com relação às oportunidades de trabalho oferecidas ao preso nos estabelecimentos
prisionais, observa-se que não é algo impossível de ser concretizado. O trabalho é um
direito do preso e uma obrigação do Estado, mostrando-se extremamente necessário
para minimizar o caos enfrentado hoje no sistema prisional. Existindo planejamento,
vontade política, interesse das autoridades envolvidas e participação da sociedade, a lei
pode ser aplicadas e asseguradas as tão decantadas ações de reintegração social dos
apenados.
Com o atendimento aos ditames da lei e o desenvolvimento de atitudes de
respeito à dignidade do presidiário, muito se estará contribuindo para a efetiva
reinserção do preso na sociedade. Muito há para refletir, pesquisar e realizar, a fim de
que a pena privativa de liberdade cumpra com a finalidade tão sonhada por Beccaria e
outros pensadores que dedicaram sua vida buscando apontar soluções para os problemas
atinentes ao sistema prisional. Pensar e agir em função da reintegração social do preso
não se refere a um ato humanitário. Mais que isso, é cuidar dos interesses da própria
sociedade. É dela que ele veio e é para ela que ele irá após o seu período de
confinamento.
73
REFERÊNCIAS
ALVES, José Deques. DO TRATAMENTO PENAL À REINSERÇÃO SOCIAL
DO CRIMINOSO. 2003. Coritiba, Paraná.
BARATTA, Alessandro. Resocialización o control social – por um concepto crítico
de reintegración social del condenado. In: ARAUJO JUNIOR, João Marcello (org.).
Sistema penal para o terceiro milênio (atos do Colóquio Marc Ancel). 2. ed. Rio de
Janeiro: Revan, 1999.
BARROS, Ângelo R. R. et al. O desafio da FUNAP numa experiência de
possibilidades. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
v. 1, n. 14, 2000, p. 15.
BECCARIA, Cesare Bonesana.(2002). Dos Delitos e das penas. Bauru, SP: EDIPRO,
127 p.
BETTIOL, Guiseppe. Direito Penal. São Paulo: Red Livros, 2000.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. parte geral. v. 1. 8. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003. 952 p.
_______, Cezar Roberto. (2002). Falência da pena de prisão. Causas e alternativas.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.
_______, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2001.
BORGES, Fátima Aparecida de Souza. Liberdade Provisória. Belo Horizonte: Del
Rey, 2001.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Porto Alegre: Síntese, 2003. 1466 p.
_____, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. 35. ed. São Paulo:Saraiva, 2005. p. 422.
_____. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Dispõe sobre a execução Penal e dá outras
providências. Publicada no Diário Oficial da União de 12.07.84. p. 17.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. vol. 1. São Paulo: Saraiva,
2004.
74
______, Fernando. Curso de direito penal. v 1: parte geral. 5 ed. São Paulo: Saraiva,
2007.
DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 6. ed. atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000.
DO RIO, C.S.C. A pena perpétua. Revista Época. Sociedade. ed. 222: 19/ago/2002.
FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? São Paulo: Ícone, 1998.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. (1991). Lições de Direito Penal. 2. ed. rev. Rio de
Janeiro: Forense, 470 p.
_______, Heleno Cláudio. (1985). Lições de Direito Penal. 2. ed. rev. Rio de Janeiro:
Forense, 470 p.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 22 ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Editora Ática, 1999.
HASSEMER, Winfried. Ressocialização e estado de direito. Publicações. Depen, 1982.
HERZBERG, Frederick. Novamente: Como se Faz para Motivar Funcionários?
Biblioteca Harvard de Administração de Empresas. 13, v. 1, 1975.
HOFFMANN, M.E. A organização frente a seus objetivos para a reabilitação dos
sentenciados. Florianópolis, 1992, 171 p. Dissertação (Mestrado em Administração)
Universidade federal de Santa Catarina.
JESUS, Damásio E.de. Código Penal Anotado. 17. ed. amp. e atual. São Paulo: Saraiva
1995.
KUEHNE, M. Lei de Execução Penal anotada. - Parte Geral, 2. ed., Curitiba: Juruá,
200.
KOTSCHO, Roberto. Paulo Freire, Frei Betto: essa escola chamada vida. 14.ed. São
Paulo: Ática, 2003.
KUEHNE, M. Lei de Execução Penal anotada. - Parte Geral, 2. ed., Curitiba: Juruá,
200.
75
LINS e SILVA, Eduardo. A história da pena é a história de sua abolição. REVISTA
CONSULEX – ANO V Nº 104 – 15 de maio/2001. Brasília – DF.
MARCÃO, Renato. Crise na execução penal (II): da assistência material e à saúde.
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 204, 26 jan. 2005.
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva 1996. p.
103.
_______, Renato Flávio. Lei de execução penal anotada. São Paulo: Saraiva 2001.
MEZZOMO, Marcelo Colombelli. O juiz, a norma, o valor e o Direito Penal. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 686, 22 maio 2005.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários a Lei 7.210 de 11-7-84. 10.
ed. São Paulo: Atlas, 2002.
_______, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. -22.ed.-São Paulo: Atlas, 2005.
_______, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n° 7.210, de 11-07-1984.
11. ed. rev. e atualizada, São Paulo: Atlas, 2004. p. 874.
______, Manual de direito penal: parte geral – arts. 1º a 120 do CP. 18. ed. rev. e
atualizada, São Paulo: Atlas, 2003. p. 36-37-41-43-44-244-245-246-453.
______, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. -22.ed.-São Paulo: Atlas, 2005.
MCGREGOR, D. Motivação e Liderança. São Paulo: Brasiliense, 1973.
MOLINA, Antonio García-Pablos. Criminología: una introducción
fundamentos teóricos para juristas. 2. ed., Valencia: Tirant lo Blanch, 1994.
a
sus
OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão. Revista Prática
Jurídica, ano I, nº 1, p. 52, 30 abril 2002.
PENAL, Lei de Execução. Lei Nº. 7.210 de 1984: Vade Mecum. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008.
PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1983.
PINTO, A.C.S. A importância do trabalho do contexto da reinserção social do
preso.
2002.
Disponível
em:
<
76
http://www.mj.gov.br/Depen/publicacoes/monografiaalderiza.pdf>.
13/12/2012.
Acesso
em:
RODRIGUES, Anabela Miranda. Reinserção Social: Uma Definição do Conceito. In:
Revista do Direito Penal e Criminologia, Vol 34, Rio de Janeiro: Forense,
junho/dezembro, 1982.
SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo: Annablume,
1999.
SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Pena e constituição:
aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1995.
SILVA, Roberto da. O que as empresas podem fazer pela reabilitação do preso. 4.
reid. São Paulo: Instituto Ethos, 2001.
SILVA, Jorge Alberto Barros da, INOCÊNCIO, Zenira dos Santos. Educação e
trabalho nos espaços prisionais: a educação como possibilidade de inserção no
mercado de trabalho. Brasília: UB, 2005.
SOUZA, Ceila M et al. O trabalho no sistema penitenciário. Brasília, 2002, mimeo.
CAMPESTRINI, B.B. Aprender e ensinar nos espaços prisionais: uma alternativa
para a Educação a Distância, incluir jovens e adultos no processo de escolarização.
Dissertação de Mestrado, Florianópolis: USFC, 2002.
TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral I. São Paulo: LED, 1996.
VASCONCELOS, Patrícia Cordeiro de. Trabalho Penitenciário no limiar do século
XXI: prática de inclusão ou exclusão social? Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal de Pernambuco. Recife, 2001.
77

Documentos relacionados