Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do
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Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores). Alexandra Quadro Siqueira Amanda Santana de Almeida Ariadna da Silva Bandeira Camila de Jesus Barreto Darley da Silva Andrade Elaine Rodrigues Nascimento Flávio Alves Oliveira Ilma Almeida da Silva José Agnaldo Ávila Soares José Cláudio Rocha Larissa Vasconcelos dos Santos Leandro Carvalho de Almeida Gouveia Luan Gomes Ribeiro Luiz Carlos dos Santos Márcia de Freitas Cordeiro Mario Lucas Alves dos Santos Marivaldina Bulcão dos Santos Marizete Pinheiro de Oliveira Moab Souza Santos Neidiana Braga da Silva Souza Péricles Maia Andrade Raissa Loara Freire Nogueira Rafael Antônio André de Souza Ricardo Correia da Silva Rosana Santana dos Reis Tadeu Bello dos Santos Temistocles Damasceno Silva Tiago dos Santos Almeida Valmir Soares Coelho SABERES MULTIDISCIPLINARES Vol. 6 Salvador – Bahia 2015 Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores) SABERES MULTIDISCIPLINARES Vol. 6 Salvador – Bahia 2015 Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores). Alexandra Quadro Siqueira Amanda Santana de Almeida Ariadna da Silva Bandeira Camila de Jesus Barreto Darley da Silva Andrade Elaine Rodrigues Nascimento Flávio Alves Oliveira Ilma Almeida da Silva José Agnaldo Ávila Soares José Cláudio Rocha Larissa Vasconcelos dos Santos Leandro Carvalho de Almeida Gouveia Luan Gomes Ribeiro Luiz Carlos dos Santos Márcia de Freitas Cordeiro Marizete Pinheiro de Oliveira Marivaldina Bulcão dos Santos Neidiana Braga da Silva Souza Moab Souza Santos Raissa Loara Freire Nogueira Péricles Maia Andrade Ricardo Correia da Silva Rafael Antônio André de Souza Tiago dos Santos Almeida Rosana Santana dos Reis Tadeu Bello dos Santos Temistocles Damasceno Silva Mario Lucas Alves dos Santos Valmir Soares Coelho SABERES MULTIDISCIPLINARES Vol. 6 Salvador – Bahia 2015. Todos os direitos autorais deste material são de propriedade dos autores Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. O conteúdo de cada artigo é de inteira responsabilidade do(s) autor (es). Livro aprovado pelo Conselho Editorial da Revista Acadêmico Mundo (ISSN 2318-1494). Revisão de Originais e Revisão de Provas Leandro Carvalho de Almeida Gouveia Capa Josevaldo da Silva do Lago (Revista Acadêmico Mundo) Editoração Eletrônica Josevaldo da Silva do Lago (site. http://www.academicomundo.com.br/revista.html) Impressão e Acabamentos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP). Catalogação na Fonte GOUVEIA, Leandro Carvalho de Almeida. LAGO, Josevaldo da Silva do. (Org.) G719 Saberes multidisciplinares V.6. Leandro Carvalho de Almeida Gouveia; Josevaldo da Silva do JM GÁFICA E EDITORA LTDA. Lago. Salvador: JM Grafica, 2015. CNPJ: 00.149.796/0001-49 240p. Rua Vital Rego, 13, Barbalho, Salvador, Bahia, CEP 40301-090 1.Turismo 2. Direito Internacional 3. Esporte 4. Cidadania 5. Diversidade 6. Metodologia de [email protected] Ensino 7. Norma Antietisivae-mail: 8. Assentamento 9. Gestão Educacional 10. Lazer I. Leandro Carvalho de Almeida Gouveia II. Josevaldo da Silva do Lago. III. Título. CDD: 338.327 ISBN: 978-85-60753-91-8 JM GÁFICA E EDITORA LTDA. CNPJ: 00.149.796/0001-49 Rua Vital Rego, 13, Barbalho, Salvador, Bahia, CEP 40301-090 e-mail: [email protected] Impresso no Brasil em julho de 2015 pela JM Editora CNPJ: 00.149.796/0001-49 e-mail: [email protected] Tiragem: exemplares. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................................ 06 DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR: UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS COMO MECANISMO EXTRAJUDICIAL DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO A HISTÓRIA-CASO DA ÁFRICA DO SUL José Cláudio Rocha .................................................................................................................................................................. 11 ROTAS TURÍSTICAS ACESSÍVEIS EM SÍTIOS HISTÓRICOS: O CASO DO CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR Ariadna da Silva Bandeira Rosana Santana dos Reis Tadeu Bello dos Santos ........................................................................................................................................................... 33 ESPORTE EM DEBATE: REFLEXÕES ACERCA DOS ASPECTOS CONCEITUAIS QUE ENVOLVEM O FENÔMENO ESPORTIVO. Temistocles Damasceno Silva, Flávio Alves Oliveira, Ricardo Correia da Silva, Camila de Jesus Barreto, Darley da Silva Andrade ......................................................................................................................................................... 57 O CONCEITO DE CIDADANIA NA ESCOLA DO SÉCULO XXI: UMA BREVE INICIAÇÃO AO DEBATE DA DIVERSIDADE. Luiz Carlos dos Santos ............................................................................................................................................................ 68 A RELAÇÃO ENTRE AS METODOLOGIAS DE ENSINO USADAS PELOS PROFESSORES E A APRENDIZAGEM EFETIVA DOS ALUNOS Marizete Pinheiro de Oliveira .................................................................................................................................................. 85 A NORMA ANTIELISIVA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE: LIMITES E EFEITOS José Agnaldo Ávila Soares ...................................................................................................................................................... 101 OS ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE AREIA BRANCA EM SERGIPE E SUAS RELAÇÕES POLÍTICA, ECONÔMICA E SOCIAL Rafael Antônio André de Souza .............................................................................................................................................. 117 MEGAEVENTOS E TURISMO NO BRASIL Leandro Carvalho de A. Gouveia ............................................................................................................................................. 143 ANÁLISE DOS CONCEITOS QUE PERMEIAM AS POLITICAS PÚBLICAS RELACIONADAS AO ESPORTE E AO LAZER Temistocles Damasceno Silva, Neidiana Braga da Silva Souza, Luan Gomes Ribeiro, Tiago dos Santos Almeida, Mario Lucas Alves dos Santos ................................................................................................................................................. 156 DIÁLOGOS, REFLEXÕES E INFLEXÕES: EM BUSCA DE CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS PARA A GESTÃO EDUCACIONAL Alexandra Quadro Siqueira Márcia de Freitas Cordeiro ...................................................................................................................................................... 166 ENSAIO SOBRE AS CONCEPÇÕES HISTÓRICAS E SOCIOLÓGICAS DO LAZER CONTEMPORÂNEO Temistocles Damasceno Silva Flávio Alves Oliveira Ilma Almeida da Silva, Moab Souza Santos Péricles Maia Andrade Raissa Loara Freire Nogueira Elaine Rodrigues Nascimento ................................................................................................................................................. 185 AS PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Marivaldina Bulcão dos Santos Amanda Santana de Almeida Larissa Vasconcelos dos Sanos Valmir Soares Coelho ................................................................................................................................. ............................. 199 6 APRESENTAÇÃO O Volume VI da Coletânea Saberes Multidisciplinares apresenta trabalhos de 12 pesquisadores, em diferentes áreas do conhecimento, fruto de pesquisas relevantes para o mundo acadêmico e toda a sociedade. José Cláudio Rocha, apresenta o artigo a partir dos estudos e pesquisas que estão sendo desenvolvidos no estágio pós-doutoral realizado junto ao Núcleo de Pesquisa EIRENE do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), área de concentração: direito e relações institucionais; linha de pesquisa: paz e segurança internacional; sob a supervisão da professora doutora Karine Silva. Esses estudos só estão sendo possíveis graças ao apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) através do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) no período de agosto de 2014 a junho de 2015. Agradecemos também a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e ao Departamento de Ciências Humana e Tecnologias (DCHT), Campus XIX, Camaçari pela compreensão da importância dessa pesquisa. Ariadna da Silva Bandeira, Rosana Reis e Tadeu Bello dos Santos apresentam uma reflexão sobre rotas turísticas acessíveis e suas repercussões. A acessibilidade abrange tanto as questões físicas quanto as questões sociais e políticas que abarcam o direito de todas as pessoas, com deficiência motora ou não, alcançarem todos os espaços e conteúdos com autonomia, dignidade e sem sacrifício. Nesse contexto, a arquitetura inclusiva garante o acesso à cultura e ao patrimônio em rotas diversas e em especial a turística, equacionando a compatibilidade da visitação com a sua conservação a fim de salvaguardar a memória, história e cultura através da utilização do princípio da não alteração dos aspectos identitários. Temistocles Damasceno Silva , Flávio Oliveira, Ricardo Barreto e Darley da da Silva, Camila Andrade, abordaram neste trabalho os diversos aspectos conceituais (do ponto de vista científico histórico e sociológico) que permeiam o fenômeno esportivo. Enquanto procedimento metodológico esta pesquisa trata-se de uma revisão de literatura. Sendo assim, percebeu-se o leque conceitual que envolve a área, dificultando às vezes, um delineamento mais preciso sobre o item em questão. 7 Luiz Carlos dos Santos pontua os passos da educação brasileira, sua base histórica e sua trajetória como ferramenta integradora do ser humano, salientando a importância da educação na formação e inserção de novos valores morais dentro da sociedade. Trabalha com o conceito de cidadania e aporta na escola do século XXI, discutindo (tentando) a velha e a nova escola e seus métodos pedagógicos para lidar com as diversidades, com ênfase no contexto de gênero. Para tanto, valeu o autor da revisão da literatura na área, sendo assim um escrito, característico da tipologia exploratória, no que concerne ao objetivo pretendido. Marizete Pinheiro de Oliveira aborda a relação entre as metodologias de ensino usadas pelos professores e sua influência sobre a aprendizagem efetiva dos alunos. Na sociedade do conhecimento, a cada dia, as exigências por novas competências têm aumentado em paralelo e na mesma proporção que o fracasso escolar. Estudos Têm mostrado que o não aprendizado dos estudantes é causado por vários fatores: um deles são as práticas pedagógicas dos professores. Neste contexto, compreender a relação entre as metodologias de ensino utilizadas pelos professores e a aprendizagem efetiva dos educandos se faz necessário. O presente artigo que se encaminhou através de revisão bibliográfica, objetivou saber como se dá essa relação. Para tanto, foi realizada uma discussão acerca das abordagens de ensino; das teorias de aprendizagem; das metodologias, dificuldade de aprendizagem e aprendizagem efetiva dos educandos. Com isso, pode se concluir que as metodologias utilizadas pelos professores podem influenciar na aprendizagem do aluno, favorecendo uma aprendizagem efetiva ou contribuir para a dificuldade de aprendizado destes. José Agnaldo Ávila, desenvolve sobre a tendência adotada pela doutrina brasileira do direito tributário propugna pela reserva absoluta da lei formal na definição de todos os elementos da tributação e o seu posicionamento da corrente vinculada à jurisprudência dos conceitos é manifestamente contrário a uma “cláusula geral antielisão”. O trabalho terá sua abordagem à metodologia descritiva. O objetivo geral é demonstrar a norma antielisiva e os direitos fundamentais do contribuinte, sustentando a interpretação do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, não pode ser construída com base em conceitos jurídicos indeterminados, porque a própria norma se baseia apenas no conceito de simulação e dissimulação. Rafael de Souza, discute o desenvolvimento sobre as relações dos Assentamentos Água Branca e São Paulo com os seus entornos representados pelas através das relações sociais, econômicas e políticas. Primeiramente serão analisadas as 8 relações a partir do assentamento com seu entorno. Em seguida serão analisadas as relações mútuas, ou seja, aquelas que envolvam o assentamento com outra localidade e vice-versa, ou até mesmo as relações mútuas no próprio assentamento. E por último serão analisadas as relações que se originam das outras localidades em busca de suas necessidades através dos serviços dos assentamentos. O trabalho terá sua abordagem na análise dos dados. O objetivo geral é demonstrar que não se pode pensar em assentamento como isolado do sistema, lutando contra a agricultura moderna. Com este propósito as condições de vida como assentados dos assentamentos do Município de Areia Branca melhoraram, mas ainda é pouco e eles têm esperança que um dia será melhor. Leandro Gouveia fala do Brasil, atualmente se encontra entre os países que mais se preocupa e investe na rota dos megaeventos esportivos. Percebe-se que a partir da realização dos Jogos Pan-Americanos em 2007, a confirmação da Copa do Mundo da FIFA de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, uma série de discussões começam a surgir com respeito ao retorno que esses eventos podem trazer para o país. O impacto positivos na economia e na parte social do turismo gerado pelos grandes eventos esportivos é importante para um pais e uma cidade. Com isso, surgiu a criação de uma pesquisa em megaeventos, centrado no seu crescimento no Brasil. É uma pesquisa documental e bibliográfica. Falando um pouco das politicas, no Brasil e na Bahia. Temistocles Damasceno Silva, Mario Lucas Alves dos Santos, Tiago Almeida, Neidiana da Silva Souza, Luan Ribeiro e Moab Santos, discutem os conceitos que envolvem às políticas públicas no Brasil. Desta forma, podem ser identificadas algumas possibilidades teóricas e metodológicas de compreensão do Estado e das políticas públicas que, se utilizadas, possivelmente poderiam resultar num melhor embasamento científico para os estudos da área. Sendo assim, este estudo se apresenta enquanto um ensaio acerca dos aspectos conceituais relacionados às politicas pública. Espera-se que tal investigação possa servir de base para futuras reflexões sobre o fenômeno em questão. Alexandra Siqueira e Márcia de Freitas Cordeiro, propõe uma investigação que toma a ancestralidade filosófica como conceito inspirador e como possibilidade fundante na cultura afrodescendente no Brasil para gênese de uma Democratização da Gestão Escolar, que subsidie e institua uma nova Gestão Democrática na Escola Pública Brasileira. Percebe-se que, através da interlocução nos discursos, a Filosofia pode estar a serviço de muitos objetivos e interesses. Intenciona-se aqui apresentar as dimensões 9 da Filosofia da Ancestralidade na perspectiva da matriz afrodescendente brasileira para autorizar-se a filosofar em problemas filosóficos próprios e em língua nativa na formação oferecida aos gestores-cursistas do curso de Especialização em Gestão Escolar, tendo-se em vista, tencionar as múltiplas propostas epistêmicas que podem emergir a partir da cultura escolar local. A opção metodológica escolhida foi a partir da nossa experiência enquanto partícipes do curso de Especialização em Gestão Escolar aliados a uma revisão de literatura trabalhados na disciplina Epistemologia e Construção do Conhecimento do DMMDC, dentre os autores. Temistocles Damasceno Silva, Flávio Alves Oliveira, Ilma Almeida da Silva, Péricles Maia Andrade, Elaine Rodrigues Nascimento e Raissa Loara Freire Nogueira, apresentam uma reflexão acerca das concepções históricas e sociológicas que permeiam o lazer contemporâneo. Para tal, buscaram materializar uma revisão de literatura, a qual, evidenciou elementos conceituais que compõem o referido fenômeno, tais como: ócio, lúdico e recreação. Neste sentido, percebeu-se a diversidade de conceitos relacionados a temática em questão e ao mesmo tempo verificou-se que, tal fator, corrobora diretamente para a não compreensão do real sentido e significado do lazer, enquanto fenômeno sociocultural. Marivaldina Bulcão dos Santos, Amanda Santana de Almeida, Larissa Vasconcelos dos Santos e Valmir Soares Coelho, analisam a importância da prática interdisciplinar como produção de conhecimento nos cursos da Educação Profissional. Com o objetivo de atender a ementa da disciplina Estudos Interdisciplinares do Curso de Manutenção e Suporte de Informática foi desenvolvida a 1ª Feira de Ciência e Tecnologia do CEEP/TIC – Lauro de Freitas, fundamentada na Tecnologia Social. Trabalhou-se com alunos do 2º e 3º ano que utilizaram o arcabouço teórico de Fernandes e Maciel (2010) e Dagnino (2010). A metodologia utilizada permitiu que dividíssemos todas as salas em cinco grupos e cada grupo com um subtema diferente e os alunos ficassem livres para sistematizar a concepção teórica e compartilhar as produções técnicas, baseado na tecnologia social, interpassando por todas as disciplinas da matriz curricular do curso. 10 11 DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR: UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS COMO MECANISMO EXTRAJUDICIAL DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO A HISTÓRIACASO DA ÁFRICA DO SUL José Cláudio Rocha 1 1. INTRODUÇÃO O presente artigo foi elaborado a partir dos estudos e pesquisas que estão sendo desenvolvidos no estágio pós-doutoral realizado junto ao Núcleo de Pesquisa EIRENE do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), área de concentração: direito e relações institucionais; linha de pesquisa: paz e segurança internacional; sob a supervisão da professora doutora Karine Silva. Esses estudos só estão sendo possíveis graças ao apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) através do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) no período de agosto de 2014 a junho de 2015. Agradecemos também a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e ao Departamento de Ciências Humana e Tecnologias (DCHT), Campus XIX, Camaçari pela compreensão da importância dessa pesquisa. Embora o período formal para a conclusão desse estudo seja no final de junho de 2015, quando devemos retornar as atividades na UNEB, nosso encantamento pela continuidade e pelo “fiat” do processo que ora investigamos, assim como, pelo seu alinhamento com nossa proposta de pesquisa, nos leva a dar continuidade aos estudos no programa de origem constituindo mais uma linha de pesquisa em nosso grupo, como deve ser o propósito de um pós-doutorado. 1.1. A ORIGEM DA PROPOSTA Voltando um pouco no tempo, a origem dessa proposta está diretamente relacionada com nossa formação humana, profissional e acadêmica realizada junto aos movimentos 1 Pós-doutorando na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD), Núcleo EIRENE. Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e CAPES. Professor titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), doutor e mestre em educação pela UFBA, especialista em administração pública pela UEFS, especialista em Ética, Capital Social e Cidadania pelo INEAM/OEA, advogado e economista. 12 sociais no Estado da Bahia, bem como no diálogo permanente com a cooperação internacional feita por Organizações Não-Governamentais (ONGs) e agências multilaterais das Nações Unidas (ONU). O interesse pelas questões sociais despertou cedo, ainda na educação básica, participando de grupos culturais e do movimento estudantil. Na universidade, no curso de Economia nos anos 80 e depois no curso de Direito nos anos 90, ambos da UFBA, foi possível conhecer a desigualdade existente nas relações sociais de produção dentro de um sistema capitalista e o imperativo de se colocar as questões sociais e a defesa dos direitos humanos na ordem do dia, como estratégia para se construir um desenvolvimento sustentável mais equitativo no planeta (global) e em nossas comunidades (local). A militância de mais de 15 (quinze) anos na Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), entidade de assessoria e educação jurídica popular aos movimentos e organizações populares sediada no Estado da Bahia2, e junto ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)3, foi fundamental na montagem dessa proposta de pesquisa. O interesse pela Educação em Direitos Humanos (EDH) nasce no início deste século, no ano de 2003, com a criação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) e do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH), quando o Brasil, finalmente desperta para essa questão internacional fundamental que é Educar para os Direitos Humanos. Desde 2007, com a criação do Grupo de Pesquisa em Gestão, Educação e Direitos Humanos (GEDH) a investigação sobre EDH tem sido nossa linha permanente de pesquisa4. Em 2012, a Conferência Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável) retoma com vigor o debate da EDH ampliando sua perspectiva para a ideia de uma Educação Global ou Planetária gerando novos desafios para o nosso grupo. A discussão da Educação Global ou Planetária teve início na Cúpula da Terra (Rio 92) que passou a entender que as Nações e povos devem atentar para uma educação voltada para a consciência de que partilhamos da mesma humanidade. A Declaração de Maastrich (2002) define a Educação Global como sendo: “...a educação que abre os olhos e as mentes das 2 Militamos por mais de 15 (quinze) anos na AATR-Ba como advogado e educador popular atuando em programas e projetos como apoio a comunidades tradicionais, apoio a comunidades remanescentes de quilombos, direitos humanos, políticas públicas e cidadania, combate ao trabalho escravo, meio ambiente, juristas leigos (educação jurídica popular) entre outros. 3 No Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) ocupamos as funções de articulador estadual e conselheiro nacional representando o Regional Nordeste. 4 Vale a pena informar que o GEDH em 2008 recebeu da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Ciência e Cultura (OEI), MEC, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), UNDIME e Fundação SM o I Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), na categoria Pesquisa e Formação. 13 pessoas para as realidades do mundo globalizado e as desperta para construir um mundo de maior justiça, equidade e direitos humanos para todos(as)...” (ONU, 2015). Vale a pena destacar que na Europa, onde essa discussão está mais forte no momento, a educação global vem sendo discutida na perspectiva da pedagogia libertadora de Paulo Freire, isto é, a concepção de uma educação libertadora reúne os referenciais da educação para os direitos humanos, educação para a paz e transformação de conflitos sociais, educação para a sustentabilidade, educação para a cidadania em uma perspectiva transdisciplinar de integração de todas essas dimensões. Esse assunto não é novo, diversos teóricos como HICKS (2007) e ANDREOPOULOS (2007) já discutem a relação entre educação, Direitos Humanos, prevenção e resolução de conflitos internacionais que apontam para a necessidade de romper com as fronteiras entre esses dois campos do conhecimento. 1.1.1. JUSTIÇA, EDUCAÇÃO E DIREITO: DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES O desafio estratégico que nos propomos nesse projeto de pesquisa para o estágio pósdoutoral foi, portanto, estudar o direito numa perspectiva interdisciplinar em diálogo permanente com a educação para a construção da Justiça, Cidadania e Democracia na esfera internacional. Se de um lado aceitamos a afirmação de que os Direitos Humanos são um conteúdo multi, inter e transdisciplinar, de outro sabemos que na maioria das vezes isso não é levada em conta em seu estudo. Via de regra, os pesquisadores não enxergam essas conexões pela sua formação disciplinar voltada para a especialização e não para a articulação de saberes. Essa conexão entre o direito, a educação e a justiça não é algo novo, cientistas sociais como Carlos Estêvão da Universidade do Minho Portugal afirmam que de certo modo a Justiça é outro nome da educação, ainda que, frequentemente, ela apareça no campo educativo de um modo encoberto, mediada por outros princípios. A realidade é composta de vários mundos (cívico, mercantil, doméstico, cultural, entre outros) onde coexistem várias lógicas, várias racionalidades, várias gramáticas de justiça, que contribuem para explicar o seu funcionamento e a coordenação da sua ação coletiva. Diante disso, os compromissos com a construção da autonomia, do empoderamento das comunidades, com a organização da governança democrática, não se pode dissociar a justiça da educação (ESTÊVÃO, 2001). Entendemos ser essa perspectiva fundamental para os dias atuais e para a renovação do direito, pois, se a interdisciplinaridade é uma dimensão exigida em qualquer área do 14 conhecimento hoje, ela também tem sido negada ou colocada em segundo plano nas pesquisas jurídicas. Contudo, o direito não pode continuar sendo pensado como um sistema autossustentável e autorreferente, que sobrevive independente de outras disciplinas. A interdisciplinaridade vem com essa proposta de resolver, ou pelo menos, reduzir as disputas pelo poder entre as áreas do conhecimento, isto é, a interdisciplinaridade pode acabar com essas disputas, de quem define ou prevalece em relação à produção do conhecimento. Compartilhamos da ideia de que o desafio da construção da Justiça, da Cidadania, da Democracia, do respeito aos direitos humanos, são questões que não podem ser vistas por uma única ciência, mas por um diálogo interdisciplinar. Nem mesmo o direito pode ser compreendido isoladamente, ainda que o jurista não perceba ou não queira aceitar a necessidade da interdisciplinaridade no estudo de seu objeto de investigação, basta uma rápida visão do esquema de estudo do direito apresentado no quadro 01 “esquema de Estudo do Direito” para compreender a multiplicidade de saberes que envolvem a questão. Quadro 01 – Esquema de Estudo do Direito Dimensão Campo do conhecimento que estuda Valor/Justiça Filosofia, Razão Fato Método histórico Norma Método Dogmático e/ou Sistêmico Ciência Método Científico Tecnologia Desenho institucional Fonte – Quadro elaborado pelo autor. Diante disso, chegamos ao Núcleo EIRENE tendo como proposta investigar a problemática da relação Justiça – Educação – Direito no plano internacional, particularmente, na prevenção e resolução de conflitos internacionais. Depois de algumas discussões chegamos à formulação do seguinte problema: Qual é o papel da educação em direitos humanos em processos de Justiça de Transição? Tomando-se por base o método hipotético-dedutivo, nossa hipótese foi a de que a Educação em Direitos Humanos cumpre um papel essencial em processos de Justiça de Transição e redemocratização dos Estados nacionais, que deve ser inclusive ampliado e estimulado pelas Nações Unidas. Mas está é só nossa percepção inicial, necessário é desenvolver o estudo para comprovar ou refutar nossa hipótese. Não partimos da ideia de que a educação seja um balsamo para todas as mazelas sociais, mas também não desconhecemos a sua força e a sua importância em processos de transição democrática, pois é inegável que a primeira medida contra violações aos direitos humanos é a (in)formação, ou seja, a educação seja ela formal (promovida pelas instituições 15 de ensino do país), não-formal (produzida pelo sistema não oficial composto de organizações da sociedade civil, de trabalhadores e social), e informal (todo tipo de informação e formação, difusa ou não gerada dentro de um sistema) cumpre uma função essencial nos processos de empoderamento e emancipação dos seres humanos. Percebemos isso em nossa prática concreta em nossos mais de vinte e cinco anos de militância, a educação está ao lado da construção dos processos de Justiça Social. Como advogado dos movimentos sociais, percebemos que no processo de assessoria jurídica popular está implícito o processo de educação jurídica popular, isso pode ser visto nos projetos e documentos da AATR em toda a sua existência. Em artigo publicado na Revista CESE Debates no ano de 1998 já refletíamos sobre essa questão: “O envolvimento da AATR com a realidade de exclusão social a que são submetidos os trabalhadores rurais, a conhecida morosidade do sistema judiciário e o habitual predomínio dos setores abastados sobre o aparato do Estado em geral, levou-a consolidar um modelo de assessoria aos setores populares que extrapola ao tradicional acompanhamento de causas na instância judiciária, indo para o papel do agente formador de cidadãos conscientes de seus direitos. Deste modo ao lado do objetivo inicial para o qual foi criada – defesa do livre exercício da advocacia e defesa dos trabalhadores rurais – a AATR agregou os objetivos de difundir o conhecimento dos direitos já consignados em lei e contribuir para a formulação de novos direitos decorrentes das novas situações do desenvolvimento histórico, enfim, atuar na formação dos trabalhadores para que se tornem verdadeiros cidadãos (ROCHA, NUNESMAIA, 1998, p. 134). Como pode ser visto no trecho selecionado, desde essa época, apesar da pouca experiência com pesquisa, como advogado popular já percebíamos a intrínseca relação entre a educação e o direito. Essa questão parece ser concreta, pois no censo realizado pela ABONG em 2002 sobre os trabalhos da ONG no Brasil, 73,4% das instituições brasileiras têm entre suas atividades a formação e educação dos grupos envolvidos. Entendemos que essa relação se reproduz na esfera internacional. Diante disso, é que decidimos estudar o papel da educação em direitos humanos nos processos de Justiça de transição tomando por base a história na África do Sul e de líderes como Nelson Mandela e o Bispo Desmond Tutu, principalmente, em relação as práticas adotadas. METODOLOGIA DA PESQUISA Os fatos históricos e sociais são extremamente complexos e de difícil compreensão pelo cientista social. Para Goldemberg (2011, p.12) a pesquisa científica, principalmente, as de cunho qualitativo, exigem criatividade, disciplina, organização e modéstia, baseando-se no 16 confronto permanente entre o possível e o impossível, entre o conhecimento e a ignorância. Para esta autora: “Nenhuma pesquisa é totalmente controlável com início, meio e fim previsíveis. A pesquisa é um processo em que é impossível prever todas as etapas. O pesquisador está sempre em estado de tensão porque sabe que seu conhecimento é parcial e limitado – o possível para ele.” (GOLDEMBERG, 2011, pg.13). Para tentar compreender os fenômenos em toda a sua complexidade, as abordagens qualitativistas têm optado pela triangulação de métodos de coleta de dados, assim como pelo cruzamento de resultados. É a partir do cruzamento dessas informações que o pesquisador pode procurar compreender a realidade estudada e formular uma nova teoria sobre o assunto. Nesse sentido, nossa escolha foi por um método de investigação que permitisse a combinação de métodos de coleta de informações, por este motivo optamos por realizar um estudo de caso ou “case history” sobre a Justiça de Transição na África do Sul. Robert Yin (2005) define esse método como: “Importante estratégia metodológica para a pesquisa em ciências humanas, pois permite ao investigador um aprofundamento em relação ao fenômeno estudado, revelando nuances difíceis de serem enxergadas a ‘olho nu’”. A essência deste método está, pois, no fato de ser uma estratégia para a pesquisa empírica empregada para a investigação de um fenômeno contemporâneo, em seu contexto real, possibilitando explicação de ligações causais. Optamos pela expressão case history em lugar de estudo de caso ou relatório caso, em razão das dificuldades de tradução dessa expressão para o português, mas também pela singularidade da história que poderia ser objeto de vários estudos de caso “cases studies” e exige uma nomenclatura mais ampla. No case history se leva em conta os processo de interação, o comportamento dos agentes, mais do que a matéria substantiva ou conteúdo doutrinário proveniente do caso, sem desconhecer a importância desse produto cultural. Na história caso será feita uma análise de papéis (role Analysis), ou seja, os indivíduos, no seu comportamento social, intra ou inter grupal, desempenham papéis com se fossem atores de teatros. Ocupam posições, quer na hierarquia formal, quer na expectativas de seus semelhantes. A essas posições, quer na hierarquia formal, quer nas expectativas suas e de seu A redemocratização dos Estados-Nacionais fez surgir um novo paradigma para a administração pública no mundo inteiro e no Brasil em especial fundado na consolidação da cidadania e dos direitos humanos. Este enfoque pretende ser uma nova forma de conceber esse direito de maneira integral, devido a todos e todas, interdependente e complementar, superando a visão tradicional de assimilação exclusivamente dos direitos humanos civis e políticos de primeira geração. 17 A abordagem Baseadas em Direitos ou em inglês Right-Based Approaches (RBA) é uma metodologia recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e utilizada por agências multilaterais e ONGs, para projetos e programas que trabalham com o direito ao desenvolvimento, especialmente, em setores como educação, saúde, governança, água, nutrição, saneamento básico, HIV/AIDS, emprego, relações de trabalho, relações sociais, desenvolvimento econômico sustentável, entre outros. Normalmente as referências a essa metodologia são encontradas na rede mundial de computadores de diversas formas, as mais comuns são: no singular “Abordagem Baseada em Direitos” (Right-Based Approach); no plural “Abordagens Baseadas em Direitos” (Right-Based Approaches); ou com referência aos direitos humanos “Abordagens Baseadas em Direitos Humanos” (Human Right-based Approaches). É comum também a expressão “Abordagem Baseada nos Direito para o Desenvolvimento” ou (Right-Based Approach to Development) (ROCHA,2013). Os usuários dessa metodologia concordam, no entanto, que não existe uma única forma de utilização dessa metodologia, cada grupo, considerando sua situação particular, constrói seu método com base nos princípios e procedimentos comuns da RBA. Nesse aspecto, concordamos que não existe uma única abordagem baseada em direito, mas uma diversidade de formas de abordagens baseadas em direitos que se aplicam as diversas áreas do conhecimento. Em nosso caso, preferimos a expressão “Abordagens Baseadas em Direitos Humanos”. As abordagens baseadas em direitos partem da concepção de que os Direitos Humanos são devidos em todos os regimes e culturas e estão inseridos em normas universais expressas em declarações, tratados e acordos internacionais. São direitos humanos: [...] aqueles direitos considerados indispensáveis a todos os seres humanos, sem quaisquer distinções de sexo, nacionalidade, etnia, cor da pele, faixa etária, classe social, profissão, condição de saúde física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento moral (BENEVIDES, 2004). Os Direitos Humanos são considerados pela RBA como universais, inalienáveis, indivisíveis, imprescritíveis, interdependentes e inter-relacionados e devido a todas as pessoas independente de raça, cor, sexo ou condição social. Como o seu foco, contudo, está nas pessoas e grupos que são mais vulneráveis, excluídas ou discriminadas, o enfoque de gênero, etnia e classe social também está na base dessa metodologia (ROCHA,2013). Essa definição de direitos humanos considera-os como um múltiplo conjunto indivisível, interdependente e inter-relacionado de direitos civis, políticos, econômicos, social, culturais e ambientais. Isto implica que o sistema internacional de direitos humanos garante, 18 por exemplo, direitos como a saúde, educação, moradia, acesso à justiça, segurança pessoal e participação política (ROMANO e ANTUNES, 2002, p.36). A RBA tem como referência a noção de desenvolvimento humano, normativamente orientados pelos princípios de Direitos Humanos presentes nas declarações, pactos, convenções e tratados internacionais, a exemplo da Carta Internacional dos Direitos Humanos que é constituída pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDHESC) e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e seu protocolo facultativo. Outros documentos importantes para a RBA são: a Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento (1986); a Declaração de Direitos Humanos e Programa de Ação de Viena (1993); e da Declaração e Objetivos Internacionais do Milênio da ONU. O conjunto desses documentos internacionalmente aceitos, que protegem os direitos humanos, fornece padrões reconhecidos globalmente do que significa viver com dignidade, mostrando-se também, como sistema jurídico de considerável força e legitimidade social no plano internacional e nacional, desde o fim da segunda guerra mundial. Segundo Romano e Antunes (2002, p.35). “A abordagem com base em direitos para o desenvolvimento é uma estrutura conceitual que assenta em padrões e operacionalização voltadas para a promoção e proteção dos direitos humanos. Ela integra as normas, padrões e princípios do sistema internacional de direitos humanos em planos, políticas e processos de desenvolvimento. As normas e standards são aqueles contidos no rico acervo de tratados e declarações internacionais. Os princípios incluem: igualdade, equidade, prestação de contas, empoderamento e participação.” A RBA é também uma estratégia para efetivar o direito humano ao desenvolvimento (Right-Based Approach to Development). Essa estratégia apaga as distinções entre direitos ao desenvolvimento e direitos humanos e tem como objetivo reduzir a dependência das comunidades de ajuda externa e melhorar a capacidade dos governos de atender as necessidades da população. Como se diz no discurso popular “Não dar o peixe a comunidade, mas educá-la a pescar”. Com essa estratégia afirmamos que na base das abordagens baseadas em direito está não só o trabalho de defesa e promoção dos direitos humanos da população, mas a construção de políticas públicas e ações afirmativas junto ao Estado. Entre as abordagens no campo do desenvolvimento percebe-se, nos últimos anos, que um número cada vez maior de instituições começa a utilizar a perspectiva baseada em direitos (based rights approach). 19 Os direitos humanos, tais como são conhecidos hoje, são o resultado de um processo longo de lutas e acordos sobre princípios e padrões legais e morais. No entanto, um momento fundamental em matéria de afirmação de direitos em nível global é a Conferencia Mundial da ONU realizada em Viena em 1993. Nela se afirmam a indivisibilidade e universalidade dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais dentro do conjunto dos direitos humanos. É também de particular importância o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 2000, que explora esta abordagem apontando que a perspectiva de desenvolvimento humano deve ter como base os direitos que são, antes de tudo, complementares. O Banco Mundial parece estar também avançando nessa linha como estratégia para suas políticas, como indicam alguns de seus documentos mais recentes (setembro de 2000). Várias ONGs européias também estão trabalhando dentro desta perspectiva: na Inglaterra, Oxfam GB, Cafod, Christian Aid e Save the Children; na Alemanha, EED e PPM; na Holanda, Icco, Novib e Cordaid; e também grandes alianças como Oxfam Internacional e Save the Children Alliance (ROMANO e ANTUNES, 2002, p. 35). Essa perspectiva coloca a cidadania e os direitos humanos não só como “o direito a ter direitos” (cidadania negativa), mas “o direito a construir novos direitos” (cidadania positiva). Nesse aspecto, a comunidade deve ser preparada a não só conhecer quais são os seus direitos, mas como eles podem ser exigidos junto ao Estado. Deste modo, a RBA é uma estratégia utilizada por Agências Multilaterais, ONGs, Institutos de Pesquisa e Universidades para efetivar o direito humano ao desenvolvimento sustentável, mas, também, para desenvolver projetos de pesquisa aplicada e extensão em direitos humanos ou que tragam em seu bojo preocupações com a cidadania. Nesse sentido para a metodologia RBA existem dois tipos de público. O primeiro é formado pelos chamados detentores de direitos ou sujeitos coletivos de direito, que são as pessoas que estão nas comunidades, à sociedade civil organizada. O outro público é formado pelos gestores públicos, ou os responsáveis pela obrigação de atender a população (governo/Estado), dentro dos princípios de uma democracia participativa (ROCHA,2013). A RBA visa reforçar a capacidade dos detentores da obrigação (governo/Estado) e capacitar detentores de direitos (sujeitos de direito) a cobrar das autoridades a efetivação desses direitos. Pretende, portanto, qualificar uma comunidade a reivindicar a efetivação de seus direitos por parte do Estado. Preocupa-se com a emancipação individual e coletiva das pessoas, com a autonomia do sujeito, com o empoderamento da comunidade que se quer dotada dos meios para reivindicar seus direitos junto à comunidade. Para tanto, (in) formar a comunidade sobre seus direitos e em que medida eles podem ser exercidos é fundamental. A 20 perspectiva baseada em direitos se assenta nos seguintes elementos segundo Romano e Antunes (2002, p.37): I) Expressam ligação entre os direitos (interdependência, interconexão); II) Exigem prestação de contas por parte do Estado, governos e agentes públicos em sentido amplo (accountability); II) Visa o empoderamento das comunidades reforçando a autonomia individual e coletiva dos sujeitos de direito; IV) Reforça a idéia de participação do indivíduo na vida pública, de proposição de políticas públicas, de ações afirmativas, da construção de espaços públicos de participação; V) Defende a criação pelo Estado de mecanismos administrativos, judiciais, políticos e sociais de participação da comunidade; VI) Defende a equidade, a não discriminação e atenção a grupos vulneráveis. A definição de objetivos de desenvolvimento em termos de direitos específicos, como uma titulação legalmente exigível, é um elemento essencial da perspectiva baseada em direitos, assim como a criação de vínculos normativos e instrumentos que liguem os direitos humanos em nível internacional, regional e nacional (ROMANO e ANTUNES, p.38). Do ponto de vista histórico, as abordagens baseadas em direito surgem pela primeira vez como proposta de trabalho em 1994, na Conferência Internacional sobre populações e desenvolvimento (CIPD), Consenso do Cairo, quando algumas agências da ONU pactuaram integrar princípios de direitos humanos a noção de desenvolvimento sustentável. Antes disso, as agências do sistema ONU trabalhavam com uma metodologia de atendimento a necessidades básicas, onde as carências das pessoas e grupos beneficiados por programas de ajuda eram identificadas na perspectiva de apoio das agências na busca da melhora da prestação de serviços ou de seu cumprimento. No ano de 1997, o então Secretário Geral da ONU Kofi Annan conclamou as agências do sistema ONU a integrar os Direitos Humanos em seu trabalho como uma prioridade transversal para os programas de cooperação para o desenvolvimento e a adotar a RBA como metodologia de trabalho. Em uma abordagem baseada em direitos cada ser humano passa a ser reconhecido como titular de direitos individuais e coletivos, essa metodologia busca assegurar a liberdade, o bem-estar e a dignidade humana de todas as pessoas em toda a parte, considerando os princípios, direitos e obrigações. A RBA parte da ideia de que a sociedade, em especial, os movimentos sociais e as populações vulneráveis (sujeitos coletivos do direito) 21 em sua luta cotidiana buscam serviços básicos e essenciais a sua dignidade. Esses serviços básicos e essenciais são em última análise direitos humanos. O não atendimento a esses serviços básicos essenciais, por sua vez, se constituem em uma violação aos direitos humanos da comunidade (ROCHA, 2013). A RBA é fundada também na concepção de participação cidadã em que os Estados democráticos reconhecem o direito e a necessidade de defender a sociedade contra eventuais excessos da máquina pública estatal, através da divisão e funções entre os poderes e de mecanismos recíprocos de controle em nome da sociedade. Nesse caso, a categoria central deixa de ser a comunidade ou o povo e passa a ser a sociedade civil organizada, tendo sua base na universalização dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, na ampliação da dimensão da cidadania e numa nova compreensão do papel do Estado na contemporaneidade. Deste modo a RBA reforça não só a atuação da sociedade civil, mas o papel do Estado e a capacidade dos detentores de obrigações (em geral os governos) de respeitar, proteger e garantir direitos. Ao considerar a pessoa como “sujeito de direito” o Estado passa a ter deveres para com essa coletividade que precisam ser buscado pela sociedade. A titularidade de direitos introduz um conceito importante que diz respeito ao dever do Estado de prestar contas a sociedade, movendo o foco do desenvolvimento para o desenvolvimento de pessoas e não apenas o desenvolvimento econômico (BOESEN e MARTIN, 2007). Deste ponto de vista, a RBA destaca para o Estado três níveis de obrigações: a) Respeitar os direitos humanos (prestação negativa do Estado que corresponde em abster-se de interferir no gozo de direitos); b) Proteger direitos humanos (prestação positiva do Estado). Corresponde à construção de um sistema de leis (legislação) que impeça a violação de direitos humanos pelo Estado ou por atores não estatais, essa proteção deve ser concedida a todas as pessoas sem discriminação; c) Cumprir com os Direitos Humanos (prestação positiva do Estado). Consiste em cumprir ou criar medidas ativas como políticas públicas que possam alocar recursos e instituir procedimentos para atender e realizar os direitos humanos. Para as abordagens baseadas em direitos os gestores públicos e as instituições podem e devem prestar contas quanto às suas responsabilidades à sociedade como um todo. As “abordagens baseadas em direitos” são diferentes das “abordagens baseadas nas necessidades” ou no “bem-estar”, porque enquanto as primeiras têm como objetivo o empoderamento da sociedade civil, as “abordagens nas necessidades” ou “no bem-estar” 22 criam a dependência da comunidade de atores externos como o Estado (RAND e WATSON, 2005). A RBA percebe a sociedade como “sujeito do desenvolvimento social e humano” de uma nação e não como simples respondente de uma ordem social construída. A utilização de metodologias participativas que tenham como o objetivo favorecer o empoderamento individual e coletivo das pessoas, começando pelo reconhecimento de violações aos direitos humanos, ao invés de se concentrar somente nas necessidades humanas, está na base dessa metodologia. Essa metodologia visa, portanto, de um lado organizar a sociedade para reivindicar seus direitos humanos, civis, políticos, sociais, culturais e ambientais Junto ao Estado e aos governos, e de outro, contribuir na formação de políticas públicas e ações afirmativas que visem atender aos direitos considerados essenciais por aquela coletividade. Enquanto metodologia de pesquisa e extensão que objetiva a emancipação individual e coletiva das pessoas, na RBA são empregados uma variedade de métodos – incluindo a análise política, a advocacy e o desenvolvimento da capacidade tanto de detentores de direitos como dos encarregados – a fim de ajudar a facilitar o processo de promover o poder das pessoas e das comunidades pobres e marginalizadas empowerment. Na base da metodologia está uma discussão ética sobre como todas as pessoas têm direito a um conjunto de direitos; a um padrão material de bem-estar. Reconhece o direito a igualdade, afastando perspectivas assistencialistas, enfatizando os direitos e a responsabilidade dos agentes públicos no atendimento a esses direitos. A RBA trata as pessoas não como simples destinatários de direitos, mas como sujeitos ativos, participativos, protagonistas do desenvolvimento social. O local é sempre o ponto de partida para as abordagens baseadas em direito, uma vez que quem efetivamente está preocupado com o combate a pobreza e as violações de direitos humanos, começa a trabalhar em seu entorno. No entanto, nesse tipo de metodologia não cabe nenhuma amarra, podendo cada grupo adequar a metodologia as suas necessidades. A RBA assume assim uma forma diferente no Brasil, no Haiti, na Noruega dependendo das condições materiais e sociais envolvidas, mesmo considerando a idéia de dignidade humana universal. A RBA deve ser abordada com sinceridade, aderindo a princípios fundamentais de direitos humanos, tendo como foco a realização da justiça social, já que é constituída por normas e princípio que objetivam a defesa e promoção dos direitos humanos em sistemas nacionais e internacionais, bem como de planos, projetos, métodos e atividades que visam a efetivação de um ou mais direitos humanos. 23 Para Boesen e Martin (2007), As abordagens baseadas em direito reconhecem a pobreza com injustiça e causa da marginalização e discriminação, questões centrais no debate sobre pobreza. Para esta metodologia a pobreza nunca é responsabilidade somente do indivíduo, nem sua solução pode ser puramente pessoal, ela passa por uma ação estatal que investe em políticas públicas e ações afirmativas como forma de combate as injustiças sociais. Por outro lado, para Boesen e Martin não se pode colocar a responsabilidade da pobreza em noções abstratas como globalização, crise econômica, alterações climáticas ou instabilidade política e econômica. A metodologia investe nas reais causas da pobreza e marginalização (2007, P.9). A RBA é vista pela ótica da participação, da reivindicação, da luta pelos direitos. A dinâmica central da RBA é, portanto, como identificar as causas da pobreza, marginalização e discriminação que funcionam como obstáculos ao acesso à justiça e ao direito, motivando os sujeitos coletivamente a reivindicar seus direitos junto às autoridades públicas, permitindo que essas autoridades possam cumprir as suas obrigações. Desta forma, segundo Kierkmann e Matins (p.11), a RBA chama a atenção para uma série de situações que caracterizam a relação entre pobreza e desenvolvimento. A participação do cidadão na gestão do Estado enquanto direito (cidadania ativa) e dever (dever cívico da cidadania) é uma questão fundamental nos dias atuais para a governança do Estado e realização do direito ao desenvolvimento de comunidades e pessoas, principalmente, de populações vulneráveis, incluindo aqueles que ainda não estão em condições de reivindicar seus direitos. O reconhecimento de que a pobreza em si é uma grave violação aos direitos humanos e que esta é responsável pela violação de uma série de outros direitos humanos, bem como que a omissão do Estado em relação a pobreza extrema de parte da sociedade é uma violação ativa dos direitos humanos deste grupo. A pobreza não é vista como um problema complexo, percebida dentro de uma estrutura de poder e desigualdade associada a questões locais, regionais e nacionais e, portanto, uma noção de desenvolvimento sustentável deve abordar causas complexas e fundamentais da pobreza como desigualdade, discriminação, exploração e abuso. A necessidade de superar uma noção de desenvolvimento preocupada simplesmente com o crescimento econômico sem atentar para as causas complexas da pobreza. Como metodologia a RBA implica em um esforço para envolver as pessoas na discussão sobre as suas necessidades, problemas e potencialidades. Nesse cenário, a RBA é utilizada para discutir direitos como água, moradia, saúde, educação, segurança, liberdade para buscar seus objetivos na vida. No entanto, é central a premissa de que os seres humanos 24 são portadores de direitos humanos inalienáveis, imprescritíveis, insubstituíveis e a privação de algumas necessidades é também a violação de um direito. Deste modo, a privação da água na é só a privação de uma necessidade, mas a sonegação de um direito. A RBA a parte da luta não pela satisfação de uma necessidade, mas do exercício de um direito. Nesse sentido, é preciso que se faça a distinção entre direito e necessidade. Os DH vão além da noção física de necessidade para incluir uma perspectiva mais holística de seres humanos em termos de seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A satisfação de um direito sempre corresponderá uma obrigação, normalmente de um agente público. Na RBA não se espera a gratidão das pessoas porque não se trata de assistência a pessoas necessitadas, mas ao apoio a pessoas marginalizadas pelo sistema que são alçadas a condição de reivindicar seus direitos como previsto na legislação nacional e internacional. A figura extraída de Boesen e Martins (pg. 12) ilustrar essas diferenças de abordagens. Tabela 01 – Comparativo abordagem baseada na caridade, na necessidade e nos direitos humanos Fonte: ROCHA, 2013 A RBA reconhece que a pobreza é um fenômeno complexo e multifacetado e que não pode ser resolvida por soluções simples. O combate a pobreza como violação aos direitos humanos deve ser feita a partir de uma abordagem holística do problema, que consiga analisar o problema em toda a sua complexidade. Nesse sentido a RBA é uma importante ferramenta já que permite o trabalho com direitos civis, políticos, sociais e culturais, bem como com as causas econômicas da pobreza. Na metodologia da RBA a pobreza não é apenas gerada pela ausência de recursos, mas pela negação do acesso a esses recursos quando eles estão disponíveis. O acesso a esses recursos é negado, principalmente, aos pobres em razão de quem eles são, de onde vivem, ou simplesmente por negligencia o falta de ação. A discriminação pode ser conseqüência das normas e valores sociais que causam a marginalização de comunidades ou pode ser resultado de discriminação de políticas de 25 Estado. A RBA é baseada no conceito de que as pessoas pobres devem ser protegidas da injustiça social. Segundo Romano e Antunes (2002), para a política atual das Nações Unidas é inaceitável que sejam implementadas políticas, projetos ou atividades que tenham como efeito a violação de direitos ou que os direitos sirvam como base de negociação para o desenvolvimento (trocar direitos trabalhistas por acesso a investimento de capitais transnacionais em zonas francas tem sido uma política bastante freqüente em vários países de América Central). A intervenção desta perspectiva busca aumentar os níveis de prestação de contas, através do exercício de identificação de quais são os direitos existentes e acordados, quem são os titulares desses direitos (entitlements) e os correspondentes responsáveis por realizar e promover o acesso a estes direitos. A orientação adotada por muitos que estão trabalhando no campo dos direitos tem sido a de identificar um amplo leque de relevantes atores que têm responsabilidade na promoção, provisão e proteção dos direitos, elencando neste rol governos, autoridades e organizações locais, companhias privadas e instituições e doadores internacionais (ROMANO e ANTUNES, 2002). Um dos sentidos desta abordagem é a adoção dos atuais standards de direitos humanos como um marco universal para se mensurar a promoção e progresso dos direitos humanos em todas as partes do mundo, assim como para assegurar um patamar para a prestação de contas. Pela Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, os Estados nacionais são os primeiros responsáveis por prover, assegurar e proteger direitos (ROMANO e ANTUNES, 2002). Ante o exposto, podemos concluir que as abordagens baseadas em direito (RBA) podem ser utilizadas tanto por Agências Multilaterais das Nações Unidas, ONGs etc. como por universidades e pesquisadores preocupados em desenvolver projetos de pesquisa e extensão em direitos humanos como já vem acontecendo em alguns casos onde os pesquisadores estão preocupados não só com os resultados de suas pesquisas, mas com a humanização desse processo e com o respeito aos direitos humanos das pessoas que têm o direito de conhecer e decidir sobre o que está sendo realizado. JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO O conceito de Justiça de Transição vem sendo discutido nos últimos tempos em várias partes do mundo. Para a primeira aproximação a esta categoria recorremos à lição de Louis 26 Henkin – professor da Universidade de Columbia – para quem a história dos direitos humanos pode ser dividida na história anterior e posterior a segunda guerra mundial (HENKIN, 1978). Em que pese encontrarmos elementos caracterizadores da Justiça de Transição desde a primeira guerra mundial e, talvez, até antes disso, esse instrumento do direito internacional vai se consolidar na segunda metade do século XX, depois do conflito mundial de 1945, como mecanismos de justiça universal. Para Ruti Teitel (2010) é após a segunda guerra mundial, que a Justiça de Transição começa a ser entendida como extraordinária e internacional, principalmente, na década de 80 quando a política internacional passou a preocupar-se com vigor com a resolução de conflitos e pelo discurso da justiça no mundo do direito e da sociedade. Nesse período (final do Século XX) apresenta-se um estado relativamente estável da justiça transicional, associada com as condições contemporâneas de conflito persistentes. Para tanto, pode-se referir que nos moldes atuais de entendimento acerca da justiça de transição, seu desenvolvimento é fruto dos acontecimentos provenientes do Século XX, marcado por conflitos e guerras (HOBSBAW,2010). Neste período histórico, cria-se um ambiente para o advento da justiça de transição, ante a internacionalização das relações sociais e dos conflitos (VIEIRA, 2011). Segundo o dicionário brasileiro de direitos humanos do Ministério Público Federal (MPU) a Justiça de Transição pode ser conceituada como o conjunto de abordagens e mecanismos (judiciais e extrajudiciais) e estratégias para estudar o legado da violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir que a não repetição de atrocidades (BRASIL,2014). Fundada nos pilares da Justiça, verdade, reparação, reconstrução das instituições públicas e democráticas, a justiça de transição foi estruturada a partir da segunda metade do século XX com a contribuição de organizações multilaterais, Estados, organizações não governamentais e ativistas de direitos humanos, que conseguiram, progressivamente, consagrar uma visão de direitos humanos na esfera pública, sintetizada em documentos internacionais e nacionais de direitos humanos, e que tem servido de resposta à grupos na América Latina e Europa Oriental que clamam por justiça, reparação e direito à verdade. Para Vieira (2011) a ideia de Justiça de Transição diz respeito à área de atividade e pesquisa voltada para a maneira como as sociedades lidam com um legado de violações de direitos humanos, atrocidades em massa ou outras formas de trauma social severo (genocídio e guerra civil p. ex.), visando a construção de um futuro mais democrático e pacífico (p.02). Segundo este autor, o conceito é comumente entendido como uma estrutura para se confrontar 27 abusos do passado e como componente de uma maior transformação política. Isso geralmente envolve uma combinação de estratégias judiciais e nãojudiciais complementares, tais como processar criminosos; estabelecer comissões de verdade e outras formas de investigação a respeito do passado; esforços de reconciliação em sociedades fraturadas; desenvolvimento de programas de reparação para aqueles que foram mais afetados pela violência ou abusos; iniciativas de memória e lembrança em torno das vítimas e a reforma de um amplo espectro de instituições públicas abusivas (como os serviços de segurança, policial ou militar) em uma tentativa de se evitar novas violações aos direitos humanos no futuro (VIEIRA, 2011,p.02). A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (EDH) A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é considerada a norma fundamental do Sistema Internacional de Direitos Humanos que motiva todas as outras normas do sistema. Sua função é declarar os princípios e valores que dão sustentação as ações em direitos humanos, bem como orientar a legislação dos países signatários nesse campo. Ela é, portanto, o marco teórico, jurídico, político e educacional dos direitos humanos e também da Educação em Direitos Humanos. A Declaração Universal trata da Educação em Direitos Humanos desde o seu preâmbulo quando afirma que: “[...] Os Estados-Membros se comprometem a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades (DECLARAÇÃO UNVIERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2014).” Em sua introdução a Declaração estabelece que: “Cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição (DECLARAÇÃO UNVIERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2014).” Nesse sentido, a DUDH resultou em um conjunto de responsabilidades por parte dos Estados-membros em adotar medidas progressivas internacionais e nacionais de efetivação e defesa dos Direitos Humanos, principalmente, através do ensino e da educação. No mesmo prisma, o Congresso Internacional sobre Educação em prol dos Direitos Humanos e da Democracia, realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em março de 1993, 28 instituiu o Plano Mundial de Ação para a EDH que foi referendado na Conferência Mundial de Viena de 1993, visando promover, estimular e orientar compromissos em prol da educação em defesa da paz, da democracia, da tolerância e do respeito à dignidade da pessoa humana (ZENAIDE, 2008). Entre outras políticas, o programa aprovado em Viena consagrou questões como erradicação do analfabetismo, a inclusão de direitos humanos nos currículos de todas as instituições do ensino formal e não-formal, assim como a necessidade de promover à realização de programas e estratégias educativas visando ampliar o máximo a EDH. Tendo como objetivo reiterar a importância de uma EDH a ONU declara em dezembro de 1994 a década da EDH, através da Resolução 49/184, equivalendo ao período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2004. Com isso a ONU reconhece e defende o direito de toda pessoa humana à educação em todos os níveis com o pleno exercício das liberdades fundamentais e o respeito aos direitos humanos (2008). O acesso à educação, dessa forma, é posto como um meio de potencialização dos sujeitos para participarem e tomarem decisões na defesa dos seus direitos. A educação enquanto bem e direito é que vai dinamizar todo um conjunto de compromissos em relação à educação em e para os direitos humanos. O Pacto Internacional dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) corrobora com uma educação voltada para os direitos humanos como uma condição indispensável a um desenvolvimento econômico e social sustentado, justo e solidário, voltado para a construção da cidadania em relação ao indivíduo e da democracia em relação à sociedade. A Declaração e Plano de Ação Integrado sobre Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia ratificada pela Conferência Geral da UNESCO em 1995, afirma o compromisso em dar prioridade a educação de crianças, adolescentes e jovens face às formas de intolerância, racismo e xenofobia (UNESCO, 2014). Nessa linha de raciocínio, a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (CMR) realizada em Durban, África do Sul, em 2001, indicou para os Estados o compromisso com a luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância religiosa, a implementação de programas culturais e educacionais que incluam componentes antidiscriminatórios e anti-racistas, a realização de campanhas públicas de informação, programas de EDH em todos os níveis, produção de material didático e programas de educação pública formal e informal que promovam a diversidade cultural e religiosa e a implementação de políticas de promoção da igualdade de oportunidades (ZENAIDE,2008). 29 Para implementação dos objetivos e metas desta década o Alto Comissariado para os direitos humanos da ONU elaborou o plano de ação internacional que pretende, entre outras coisas, avaliar necessidades e definir estratégias no campo da EDH; criar e reforçar programas de educação em matéria de direitos humanos a nível internacional, regional, nacional e local; coordenar a elaboração de materiais didáticos em matéria de direitos humanos; reforçar o papel dos meios de comunicação social; promover e divulgar a DUDH a nível mundial (ONU, 2014). Ao analisar os maiores problemas mundiais, a ONU estabeleceu 8 (oito) Objetivos do Milênio (8 Jeitos de Mudar o Mundo) na Declaração do Milênio, ratificada no ano 2000. Essa Declaração reúne os planos de todos os Estados-Membros da ONU para melhorar a vida de todos os habitantes do planeta no século XXI. Até 2015 todos os 191 Estados-membros assumiram o compromisso de: erradicar a extrema pobreza e a fome; atingir o ensino básico e fundamental; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento (ODM, 2014). Muitas têm sido as contribuições referentes aos dispositivos, medidas e instrumentos específicos dos direitos humanos aos quais os Objetivos do Milênio podem se alinhar, mas todas possuem como característica comum o fato de suas conexões serem amplas e óbvias. Como a Declaração do Milênio considera o desenvolvimento sob a perspectiva dos direitos humanos, podemos dizer que são relevantes todas as medidas estabelecidas em convenções e tratados internacionais como a DUDH e o PIDESC (ROCHA e ROCHA, 2009). Com relação ao processo de monitoramento, a Resolução ONU 52/127 de 12.12.1997 definiu os órgãos de controle da aplicação dos tratados em matérias de direitos humanos, como órgão de acompanhamento do Plano de Ação para a Década da ONU de ações de educação e informação em matéria de direitos humanos. No Brasil, este monitoramento vem sendo realizado pelo comitê nacional e pelos comitês estaduais (ZENAIDE, 2008). Segundo documentos da UNESCO e da ONU a educação em um mundo globalizado está cada vez mais colocando a ênfase na importância dos valores, atitudes e habilidades de comunicação como um complemento fundamental para o conhecimento cognitivo e habilidades. A comunidade educativa também está prestando cada vez mais atenção para a importância da educação em compreensão e resolução de questões sociais, políticas, culturais e globais. Isto inclui o papel de educação para a paz de apoio, os direitos humanos, a igualdade, a aceitação da diversidade e desenvolvimento sustentável. Educar para os direitos 30 humanos é tomar consciência para uma visão do outro, igual em qualquer parte do mundo. O direito à educação, seja como instrução, seja como formação de valores, é um dos caminhos que a sociedade moderna gerará para que o pequeno lume de razão que ilumina nosso caminho se acenda em cada indivíduo e em todas as pessoas a fim de que todos possam usufruir da liberdade e da igualdade de oportunidades. Tal direito seria uma função do Estado a fim de que o direito individual não disciplinado não viesse a se tornar privilégio de poucos (CURY,2013. P.134). Em síntese, a educação em direitos humanos não é um tema novo, ela vem desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1945 como uma exigência para com os Estados signatários, mas, só a partir da Declaração de Viena, de junho de 1993, com o Programa de ação Mundial (ROCHA, 2009) que a Educação em Direitos Humanos passou a ser sistematicamente discutida pelo Estado, tendo o Brasil criado em 2003 e revisado em 2006 o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), documento programático que orienta a inclusão da Educação em Direitos Humanos em todos os níveis da educação. A Educação é, portanto, tanto um direito humano fundamental como o principal instrumento na formação do cidadão e na constituição de sociedades democráticas. BIBLIOGRAFIA ANDREOPOULOS, George J. e CLAUDE, Richard Pierre. Educação em Direitos Humanos para o Século XXI. EDUSP: São Paulo, 2007. Coleção Direitos Humaos. BENEVIDES, Maria Victória. Educação em Direitos Humanos do que se trata. 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A arquitetura inclusiva garante o acesso à cultura e ao patrimônio em rotas diversas e em especial à turística, mesmo em sítios históricos, equacionando a compatibilidade da visitação com a conservação do patrimônio salvaguardando a memória, história e cultura através da utilização do princípio da não alteração dos aspectos identitários. A rota turística histórica acessível, notadamente, reúne o conjunto de edifícios de valor histórico e por isso, de alto índice de visitação e, seu acesso deve ser livre e seguro para a garantia da igualdade a todos, sem, contudo, ir de encontro aos parâmetros da conservação e restauro do patrimônio, aceitos na atualidade. A rota turística acessível do Centro Histórico de Salvador apresenta as suas necessidades/limitações e adequações para equacionar, por um lado, a necessidade conservacionista e, por outro, a garantia de todos terem acesso aos locais de referência cultural. PALAVRAS-CHAVE: Acessibilidade. Pessoas com deficiência motora. Conservação. Rota turística histórica acessível. Patrimônio. Centro Histórico de Salvador. INTRODUÇÃO 1 Mestrado em Geografia pela Universidade Federal da Bahia, Especialização em Ecoturismo: Interpretação e Educação Ambiental pela Universidade de Lavras; Especialização em Auditoria e Gestão Ambiental pela Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia. Possui graduação em Tecnólogo em Administração Hoteleira pelo Instituto Federal da Bahia e graduação em Turismo pela Faculdade de Turismo da Bahia. Atualmente é professora assistente da Universidade do Estado da Bahia. Tem experiência na área de Turismo, com ênfase em Lazer e Política Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: Política de Turismo, estratégias, Turismo e repercussões socioambientais. [email protected]. 2 Mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia, Especialização em Administração Hoteleira pelo SENAC/Universidade Federal da Bahia. Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal da Bahia, Designer de Interiores pela Universidade Salvador e Bacharel em Turismo pela Faculdade de Turismo da Bahia. Atualmente é professora auxiliar da Universidade do Estado da Bahia. Tem experiência na área de Turismo, Arquitetura e Patrimônio, atuando principalmente em Gestão do Patrimônio, Projetos e Acessibilidade Física. [email protected]. 3 Doutorando em Desenvolvimento Regional e Planejamento Territorial pela Universidade de Barcelona, Especialização em Turismo pelo Centro de Pós-graduação Olga Mettig, Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Católica do Salvador e Bacharel em Turismo pela Faculdade de Turismo da Bahia. Atualmente é professor auxiliar da Universidade do Estado da Bahia. Tem experiência na área de Turismo, com ênfase em Planejamento e Política Pública, Pesquisa e Análise do Mercado Turístico e Gestão da Qualidade dos Serviços Turísticos. [email protected]. 34 Discutir sobre deficiência, pessoa portadora de deficiência e sobre os seus respectivos direitos são questões cada vez mais presentes na sociedade atual, uma vez que se percebem, cada vez mais, as necessidades que acompanham as pessoas e as oportunidades da inclusão destas na rotina diária das cidades urbanizadas ou não. Essa realidade provoca a elaboração de leis e normas que beneficiam a parte da população que possui algum tipo de deficiência física. A Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial (2012, p. 269) divulgaram o primeiro Relatório Mundial sobre Deficiência (World Report on Disability) e estimam que [...] mais de um bilhão de pessoas vivem com algum tipo de deficiência, o que representa cerca de 15% da população mundial (com base nas estimativas de 2010 da população global). Isto representa um número maior que o anteriormente estimado pela Organização Mundial da Saúde, datado de 1970, e que vislumbrava um número em torno de 10%. O Relatório Mundial sobre Deficiência tipifica-a, considerando a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica, entretanto não indica os percentuais de cada tipo. Nesse índice, estão inclusas pessoas com dificuldades menores de funcionalidade e até deficiências que causam grandes impactos na vida das pessoas. No Brasil, o censo 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013) indicou que 45,6 milhões de pessoas, ou seja, 23,9% da população declararam ter pelo menos uma das deficiências investigadas (visual, auditiva, motora e mental/intelectual). Dessas, 13.265.599 (6,95% da população brasileira) possuem deficiência motora, sendo que 734.421 não conseguem nenhum modo de articulação, ou seja, possuem alto índice de limitação, 3.698.929 possuem grande dificuldade e 8.832.249 possuem alguma dificuldade. Na cidade de Salvador, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013) demonstrou que 190.984 residentes (7,1 % do total de residentes) possuem deficiência motora nos diversos níveis. Apesar dos múltiplos estereótipos que existem em relação aos deficientes, urge que se faça, também, alusão a todos aqueles que, por circunstâncias transitórias, a exemplo da gravidez e fraturas corporais, ou permanentes como o envelhecimento, se encontrem em situação que necessita de atenção especial adequada às novas necessidades que apresentam. Em relação aos idosos, observa-se que o envelhecimento da população é um fenômeno mundial. O Relatório sobre a Situação da População Mundial, produzido pelo Fundo de População das Nações Unidas (2011), organismo da Organização das Nações Unidas, responsável por questões populacionais, afirma que a população mundial é de 7 bilhões de 35 habitantes, sendo que existem 893 milhões de pessoas acima de 60 anos em todo o mundo. Estima ainda que na metade do século XXI esse número subirá para 2,4 bilhões. Ainda de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2009), [...] nos últimos anos, o Brasil vem apresentando um novo padrão demográfico que se caracteriza pela redução da taxa de crescimento populacional e por transformações profundas na composição de sua estrutura etária, com um significativo aumento do contingente de idosos. Esses dados mostram que os índices de pessoas com deficiência e de idosos são altos e estão crescendo. Assim, o número de pessoas com deficiência motora está aumentando a cada ano. Além disso, o alto índice de acidentes automobilísticos vem contribuindo para essa elevação também. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (2010), o número de acidentes de trânsito nas rodovias federais do Brasil foi de 141.072 no ano de 2008, subindo para 158.893 em 2009 e alcançando o valor de 182.900 em 2010. Dessa maneira, significa dizer que qualquer um da sociedade pode fazer parte do grupo dos deficientes. (RIBAS, 1985). Os indicadores demográficos apresentados demonstram que o número de pessoas com algum tipo de deficiência é significativo, justificando a necessidade de adequação dos ambientes ao uso seguro, confortável e com comodidade, ainda porque essa população, independente do nível de renda e escolaridade, consome ou deseja consumir cultura e precisa circular em núcleos históricos e visitar os monumentos da localidade, sejam públicos, privados, históricos ou atuais. Dentre os direitos assegurados ao portador de deficiência, o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, [1998]) determina que “Toda pessoa tem o direito de participar livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de todos os benefícios que dele resultem.” O portador de deficiência tem direito ao acesso à cultura que será garantida pela arquitetura inclusiva. Um ambiente acessível preserva as atividades de uma pessoa deficiente ou com mobilidade reduzida. Suas funções podem se desenvolver sem barreiras físicas. O ambiente deve se adequar às necessidades de todo usuário para que seja considerado confortável, caso contrário poderá ser considerado um ambiente agressivo e, muitas vezes, até sem utilidade, o que poderá ocasionar mau uso ou mesmo o abandono das suas funções e, assim, gerar situações de desigualdade social, já que a atenção oferecida, as infraestruturas e os equipamentos existentes não reúnem as condições adequadas e impedem ou dificultam a prática de diversas atividades, a exemplo do turismo. 36 Na sociedade contemporânea, o turismo e o ócio são aspectos fundamentais na vida cotidiana, uma vez que possuem um papel importante na integração social dos indivíduos quando da prática de atividades no tempo livre de cada um. Entretanto um número significativo de pessoas, por diferentes motivos como a deficiência, a idade ou outras razões, ficam impedidos da prática do turismo ou fazem com grandes dificuldades, aviltando o direito de liberdade de escolha que possuem. Quando se fala em turismo acessível, não se refere exclusivamente ao grupo de pessoas que têm algum tipo de deficiência. Alude-se a uma oferta turística que possa ser utilizada por qualquer pessoa, independentemente das habilidades, capacidades ou necessidades que apresentem. A acessibilidade, apesar de ser o meio que possibilita que muitas pessoas possam acessar e utilizar, em diferentes ambientes, produtos e serviços, para o resto dos cidadãos é uma melhora da qualidade de vida. Exemplificando, se em um estabelecimento são colocados cartazes com pictogramas simples que todos possam reconhecer, independente de sua habilidade ou capacidade, e também quando chegam pessoas estrangeiras, estes tornam-se uma ferramenta de orientação muito útil devido ao seu caráter universal. A acessibilidade, sem dúvida, fomenta a qualidade de vida de todos os cidadãos. Visitar cidades históricas e conhecer seu patrimônio cultural é um desejo e um direito do visitante com mobilidade reduzida. A população local também deve ser estimulada a conhecer seu patrimônio e assim valorizá-lo, conscientizando-se da importância da sua preservação e difundindo a necessidade de manutenção do patrimônio cultural. Sítios, conjuntos e edifícios de valor histórico são locais onde o acesso livre e seguro deve ser possibilitado também a pessoas com mobilidade reduzida, garantindo igualdade a todos, sem, contudo, desrespeitar os parâmetros da conservação e do restauro do patrimônio aceitos na atualidade. Muitos locais de valor histórico apresentam dificuldades de acesso e deslocamento para pessoas com mobilidade reduzida, seja permanente ou temporária, principalmente para pessoas com deficiência, notadamente aqueles usuários de cadeiras de rodas. Alguns locais apresentam dificuldades de acesso e deslocamento até para aqueles que não estão incluídos nesses grupos, ou seja, aqueles que a arquitetura considera como o indivíduo-padrão. Estudos antropométricos recentes, como os realizados por Panero e Zelnik (2002) vêm demonstrando a diversidade física entre as pessoas e a necessidade de adequar os espaços às dimensões corporais e aos movimentos desses indivíduos. Mesmo com tais estudos e o atual interesse em questões como desenho universal, arquitetura inclusiva e acessibilidade, a 37 aplicabilidade dos mesmos está muito aquém do desejável e necessário em cidades como Salvador, por exemplo, que possuem uma riqueza histórica significativa e inestimável. Os sítios de valor histórico em cidades como Salvador, em sua maioria, não apresentam ambientes acessíveis, por isso a relevância de estudos que indiquem as possibilidades de intervenções nesses edifícios, aplicando-se os princípios da acessibilidade universal, sem, contudo, desconsiderar os parâmetros de preservação e conservação do patrimônio arquitetônico. Para a devida valorização do patrimônio de uma localidade, é necessário que se compreenda, que se aprecie e, consequentemente, que se proteja esse patrimônio. Para que se compreenda, é imprescindível que se conheça. Para permitir que se conheça, é primordial que se possibilite o acesso. Discussões sobre acessibilidade a bens históricos e culturais têm se intensificado a cada ano. Na cidade de Salvador, encontros e debates vêm sendo realizados com a participação de representantes de órgãos públicos e entidades privadas, além da sociedade civil, com o intuito de desenvolver projetos exequíveis e que proporcionem acessibilidade a todas as pessoas. Exemplo disso foi a realização em Salvador do Encontro Iberoamericano de Acessibilidade ao Patrimônio Cultural e Natural, que ocorreu no mês de abril de 2014, quando se discutiu e se difundiu conceitos e soluções para acessibilidade e mobilidade em áreas de interesse natural e cultural. Assim, o artigo, em questão, tem como objetivo salientar a necessidade da implantação de Rotas Acessíveis em sítios históricos, analisando a Rota Turística Acessível do Centro Histórico de Salvador – BA. A metodologia adotada foi a realização de pesquisas bibliográfica e documental a exemplo do uso das normas de acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. A internet serviu como auxilio para consultas em sites como Organização das Nações Unidas e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dos blogs, foram colhidas fotos e depoimentos de experiências em viagens turísticas realizadas por cadeirantes, devido à escassez de textos acadêmicos com registros fotográficos de cadeirantes utilizando os espaços históricos. O artigo discute a equação entre patrimônio, acessibilidade e turismo acessível, identifica exemplos de rotas turísticas acessíveis em núcleos históricos localizados em cidades de referência cultural e verifica as adequações realizadas com a intenção de permitir a acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida a esses locais, observando-se sua compatibilidade com a preservação do patrimônio. 38 1. BARREIRAS ARQUITETÔNICAS EM EDIFÍCIOS HISTÓRICOS A história da arquitetura mostra que na construção de cidades e edifícios não havia a preocupação com a questão de acessibilidade. Ainda antes do período clássico greco-romano, a Mesopotâmia deixou como herança as escadarias dos seus zigurates e palácios. Já nesse período (5.000 a.C.), as cidades eram construídas com muralhas defensivas, uma vez que a ideia era dificultar o acesso de invasores. Os templos gregos do período clássico destinados a sacerdotes eram construídos em sítios elevados e com degraus ao redor. A arquitetura romana incorporou inúmeros elementos da Grécia, dentre eles seus templos, elevando-os ainda mais com a introdução do pódio e uso de escadarias em sua fachada principal. Os teatros e anfiteatros gregos e romanos também possuem como característica marcante as escadarias e arquibancadas. As cidades da Idade Média foram construídas com suas ruas estreitas e irregulares como cidades-defesa. O Renascimento traz o palácio renascentista, inspirado na arquitetura clássica. Apesar de ter como característica a horizontalidade, eram grandiosos e possuíam pórtico e galerias distribuídas em pavimentos, ligados por escadarias. O Barroco, representado por cidades, igrejas e palácios, possui as escadarias como elemento indispensável à monumentalidade e teatralidade. As escadas desse período são elementos arquitetônicos característicos, bem elaboradas, com patamares, balaustradas e curvas. Cidades coloniais brasileiras e ibero-americanas são ricas na herança barroca. Estes exemplos que compõem a arquitetura urbanística representam o processo histórico e refletem as características e as necessidades culturais das sociedades da época, incorporadas em suas escadarias, muralhas, ruas estreitas e irregulares – pequeno era o número de pessoas em circulação, o meio de locomoção exigia pouco espaço, as distâncias percorridas eram menores, o uso do solo era diferenciado e, além disso, a preocupação com a adoração, com invasores, a demonstração de poder no distanciamento do povo e efeitos teatrais no espaço são mais relevantes do que pensar no deficiente motor. Ele era marginalizado e visto como ser inferior, muitas vezes abandonado à própria sorte. Justamente, esses ambientes, como ruínas, edifícios e sítios históricos, mesmo não sendo locais destinados ao acesso do povo no passado, hoje são consagrados enquanto patrimônio arquitetônico histórico e cultural e, por isso, visitados por viajantes, turistas e pessoas do mundo inteiro. São destinos turísticos muito procurados em toda a Europa e com atrativos de grande fruidez. 39 Desde a Grécia antiga, as cidades e as edificações possuíam características urbanísticas e arquitetônicas condizentes com suas necessidades. Hoje, ao considerar as atuais necessidades de locomoção, maior número de pessoas em circulação, distâncias maiores, o meio de locomoção requer muito espaço, o uso de solo é especifico e novas preocupações são ponderadas, principalmente, a de inclusão, esses exemplos já são avaliados como barreiras a acessibilidade. Além disso, com os interesses em uso e circulação em sítios históricos, por exemplo, evidenciam os limites e as impossibilidades do acesso de todas as pessoas que desejam conhecer, frequentar ou até mesmo trabalhar nesses locais. Na atualidade, percebe-se um evidente conflito entre as normas e as indicações de preservação do patrimônio com as orientações que facilitam o acesso aos locais, ou seja, o conflito envolve os elementos e as referências históricas que devem ser respeitadas na sua autenticidade, com as possíveis alterações físicas que devem permitir acessibilidade, garantindo a manutenção da autenticidade e a inclusão. Encontrar soluções exige conhecimento e criatividade, além de respeito e valorização do passado, da evolução histórica e das questões urbanas da localidade. 2. PATRIMÔNIO E ACESSIBILIDADE: EQUAÇÃO POSSÍVEL EM ROTAS TURÍSTICAS ATRAVÉS DA ARQUITETURA INCLUSIVA A palavra patrimônio tem vários significados, entretanto é comum atribuí-lo ao conjunto de bens que pessoa ou entidade possuam. Em um território o patrimônio é o conjunto de bens que estão dentro de seus limites, por exemplo, patrimônio nacional de um país. Considerar as duas grandes divisões do patrimônio (natural e cultural), o cultural, no Brasil, vem sendo ampliado. Barreto (2000) registra que ele foi sinônimo de obras monumentais, de arte consagrada, propriedades de grande luxo associadas às classes dominantes da política e da sociedade civil. Simão (2001) complementa, informando ser uma política recente, elitizada, contraditória e preservacionista, qualificando-o como bem – por isso, restrita. A noção de patrimônio cultural é muito mais ampla, hoje, envolvendo tangíveis e os intangíveis. Barreto (2000) adverte que o patrimônio cultural está cada vez mais ameaçado tanto pela destruição natural quanto por fatores econômicos e sociais. A política preservacionista, aplicada ao patrimônio arquitetônico, tende a não deixar tocar os bens 40 tombados, o que implica muitas vezes deixar os edifícios fechados, condenando-os à destruição lenta do abandono. A outra política é a conservacionista, integrando-o ao dinamismo cultural, o que vislumbra a viabilidade financeira, privatização, alienação e que destrói o sentido de patrimônio. Polêmicas a parte, a revitalização e a “transformação” dos bens em lugares turísticos acabam por valorizar a história, quando se apoiam na memória coletiva e respeitam os parâmetros da conservação e de restauro do patrimônio aceitos na atualidade nas situações de alteração de reboco; pintura ou solicitação de alteração de cor de fachada; reforma de cobertura; restauração de esquadrias internas e externas; reforma interna; reforços estruturais; demolições, sejam de parte de uma edificação ou da edificação completa, por exemplo. Portanto, a implantação de acessibilidade universal em espaços de valor histórico, considerados patrimônio cultural, é um obstáculo a superar. Em cidades brasileiras, muitos locais históricos, podendo-se considerar a maior parte desses, apresentam dificuldades de acesso e utilização, não apenas para pessoas com deficiência, mas também para aqueles que possuem mobilidade reduzida. As soluções para essas questões devem ser compatíveis com a conservação dos bens culturais, ou seja, as intervenções para a adequação não podem afetar os elementos que caracterizam o valor histórico da edificação, podendo ser reversíveis em todos os casos. (CAMBIAGUI, 2007). A NBR 9050, norma que estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade, em relação aos bens tombados, determina: 1) Todos os projetos de adaptação para acessibilidade de bens tombados devem obedecer às condições descritas nesta Norma, porém atendendo aos critérios específicos a serem aprovados pelos órgãos do patrimônio histórico e cultural competentes. 2) Nos casos de áreas ou elementos onde não seja possível promover a adaptação do imóvel para torná-lo acessível ou visitável, deve-se garantir o acesso por meio de informação visual, auditiva ou tátil das áreas ou dos elementos cuja adaptação seja impraticável. 3) No caso de sítios considerados inacessíveis ou com visitação restrita, devem ser oferecidos mapas, maquetes, peças de acervo originais ou suas cópias, sempre proporcionando a possibilidade de serem tocados para compreensão tátil. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2004, p. 79). 41 A mesma NBR propõe a implantação de rotas acessíveis, ou seja, trajetos contínuos, desobstruídos e sinalizados, que conectam os ambientes externos ou internos de espaços e edificações. Esse trajeto deve ser implantado de maneira que possa ser utilizado de forma autônoma e segura por todas as pessoas, inclusive aquelas com deficiência. O conceito de rota acessível “é muito importante, pois pode viabilizar o acesso em cidades históricas. Significa a possibilidade de se adotar pelo menos um caminho contínuo e acessível de locomoção no espaço urbano e fruição do patrimônio.” (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2014, p. 44). A rota acessível consiste no percurso livre de qualquer obstáculo de um ponto a outro (origem e destino) e compreende uma continuidade e abrangência de medidas de acessibilidade. É considerada externa, quando incorpora estacionamentos, calçadas rebaixadas, faixas de travessia de pedestres, rampas, etc., ou interna, quando incorpora corredores, pisos, rampas, escadas, elevadores, etc. A rota acessível é fator preponderante para a classificação de espaços inclusivos. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, [2003 ou 2004]). Uma rota turística acessível pode ser implantada tanto em espaços naturais quanto construídos. No espaço urbano, a implantação de rotas acessíveis em sítios históricos é fator indispensável ao atendimento das necessidades da população local e dos visitantes dos mais diversos perfis. 2.1 A ROTA TURÍSTICA HISTÓRICA ACESSÍVEL NO ÂMBITO INTERNACIONAL Desde o final do século XX, percebe-se que as cidades vêm tomando uma maior consciência no sentido de adaptar as suas ruas, monumentos e museus para o turismo acessível, ou seja, estruturam-se para que possam ser utilizados por todos os tipos de pessoas. Até recentemente, o comum era encontrar edifícios que não poderiam receber deficientes, uma vez que o único acesso se dava através de escadas. Por isso, cada vez mais destinos turísticos consolidados procuram modificar seus principais atrativos para que qualquer visitante possa usufruí-los de forma integral, sem barreiras. Além disso, cada vez mais monumentos e museus buscam adaptar os seus sinais de informação em Braille para que os cegos desfrutem de uma visita completa. Na realidade, os principais monumentos e museus dos destinos turísticos mais populares do mundo já se 42 encontram adaptados por rampas ou elevadores para visitantes em cadeiras de rodas. No entanto, existem edifícios que são tão antigos que não podem ser alterados como um todo e nem todas as áreas estão livres de barreiras arquitetônicas. Exemplos de adequação e aplicação dos conceitos e técnicas de acessibilidade universal já existem em alguns dos principais destinos turísticos da Europa como Reino Unido, França, Espanha e Itália. No caso de Londres, a capital do Reino Unido, adaptaram-se os principais pontos de interesse da cidade para as pessoas com deficiência. Tanto a Torre de Londres como o London Eye podem ser visitados em uma cadeira de rodas perfeitamente. O mesmo acontece com os dois principais museus de Londres, o National Gallery e o Museu Britânico que estão livres de barreiras arquitetônicas. (WUKING, [2015?]) Foto 1: London Eye – turismo acessível - Londres Fonte: Wuking, [2015?] O símbolo da capital da França, a Torre Eiffel, possui um elevador que percorre os diferentes pisos do monumento. Assim, o acesso para os visitantes em cadeiras de rodas não só é permitido como também oferece uma taxa reduzida. Outro importante atrativo do patrimônio de Paris é o Museu do Louvre, o mais visitado no mundo e um dos espaços culturais totalmente preparadas para o livre acesso de pessoas em cadeiras de rodas. Além do mais, o museu tem um serviço de empréstimo de cadeira se o visitante não tem o sua própria. A capital da Espanha, Madri, também foi modificada, eliminando-se possíveis barreiras arquitetônicas para facilitar o acesso ideal para as pessoas com deficiência e adaptaram as informações em alguns museus e monumentos em linguagem Braille. Alguns monumentos que foram adaptados são a Catedral de Santa Maria, a Real de Almudena, o Palácio Real de Madri, a Praça de Touros de Las Ventas, o Real Jardim Botânico, o Templo de Debod, o Museu Nacional do Prado, entre outros. 43 Na Itália, as rotas turísticas acessíveis e as intervenções realizadas em edificações são muito comuns na região do centro antigo da cidade de Milão, por exemplo, como a instalação de rampas nas calçadas e nos acessos aos edifícios, permitindo que o usuário de cadeira de rodas realize diversos percursos por ruas, praças e visite o interior das edificações. San Gimignano é uma comuna italiana da região da Toscana, situada na paisagem rural do vale Elsa, que possui arquitetura medieval. Entretanto tem elevador para o centro histórico, restaurantes e lojas acessíveis e calçamento fácil para circular com cadeira de rodas, conforme foto 2, a seguir. Foto 2: Elevador para o centro histórico de San Gimignano Fonte: A cadeira voadora, 2013 Florença, que é considerada um museu a céu aberto na Itália, principalmente do ponto de vista da estética urbana, concentra a herança arquitetônica e artística do Renascimento em toda a parte das ruas e, principalmente, nas praças – obras de Dante Alighieri, Maquiavel, Michelangelo, Botticelli e Leonardo da Vinci. A cidade possui ruas e calçadas com piso regular e rebaixamento do meio-fio para acesso de cadeirantes conforme a Foto 3. 44 Foto 3: Calçada – Florença – Itália Fonte: Reis, 2014 Possui quatro itinerários turísticos denominados Viver Florença que são acessíveis, podendo ser utilizados por pedestres com deficiência visual e por pessoas cadeirantes: 1. Nesse roteiro é possível admirar as maravilhas de Florença atravessando as Vias Calzaiuoli e Via Calimala para chegar, ao final dessas ruas, à Piazza della Signoria, com seu lindo terraço. Ali perto está a Piazzale degl’Uffizi, que por sua vez está muito próxima à Ponte Vecchio e Palazzo Pitti. Caminhando pela Via Tornabuoni e atravessando a Via Porta Rossa, chega-se à Piazza della Repubblica. 2. O segundo roteiro começa na Piazza della Repubblica, passando pela Via del Giglio até chegar na Santa Maria Novella. Uma vez na Via del Giglio poderá admirar a famosa Capela da Família Médici ou andar em direção ao Mercado Central; por fim, a partir do Canto dè Nelli é possível ir até a Piazza della Repubblica. 3. Partindo da Piazza della Repubblica em direção à Piazza S. Giovanni, esse roteiro permite chegar até a Piazza della Signoria e depois à Piazza della Repubblica, Piazza San Marco, Piazza Santissima Annunziata e também Piazza del Duomo, uma das praças mais bonitas da Itália e da Europa. Daqui é possível ir andando até a Catedral de Santa Maria das Flores ou retornar à Piazza della Repubblica. 4. O último roteiro oferece a possibilidade de ver uma das praças mais lindas da cidade, a Piazza Santa Croce, da qual se vai até a Piazza della Signoria e depois à Piazza della Repubblica. (VIVERE FIRENZE, [2015?]) 45 Mapa 1 Rota turística Acessível 1 Fonte: Vivere Firenze, [2015?] Mapa 3 Rota turística Acessível 3 Fonte: Vivere Firenze, [2015?] Mapa 1 Rota turística Acessível 2 Fonte: Vivere Firenze, [2015?] Mapa 4 Rota turística Acessível 4 Fonte: Vivere Firenze, [2015?] 46 Roteiros turísticos acessíveis para todos é a proposta que a Itália está fazendo através de investimentos, não só nas adaptações de atrações e pontos turísticos, como também em rampas em locais estratégicos e elevadores para o transporte de cadeirantes, gestantes e pessoas com necessidades especiais. A maior parte dos trens da Rede Ferroviária Italiana RFI está equipada com áreas para cadeiras de rodas, travas de segurança e banheiros acessíveis. Nos aeroportos, os serviços especializados são ofertados para orientar todas as pessoas com deficiência. Alguns pesquisadores já vêm desenvolvendo estudos e apontando exemplos de rotas acessíveis implantadas em cidades históricas. Ribeiro, Martins e Monteiro (2012) destacam exemplos de locais de preservação histórica e cultural que se adequaram à acessibilidade física. Intervenções realizadas trazem melhoria do entorno urbano e qualidade de vida a todas as pessoas. No Brasil, estas adequações estão ganhando mais espaço na sociedade. 2.2 UMA ROTA HISTÓRICA TURÍSTICA ACESSÍVEL NACIONAL: PIRENÓPOLIS – GO As intervenções para acessibilidade em sitos históricos nacionais são ainda incipientes e possuem caráter específico para uma área apoiada em projeto com algo especial. Podem-se destacar algumas ações visando à acessibilidade física realizadas em cidades do país a exemplo de Recife-PE, Olinda-PE, Pirenópolis- GO, Salvador-BA, dentre outras. A cidade de Pirenópolis, por exemplo, possui um importante conjunto arquitetônico, urbanístico, paisagístico e histórico. Uma cidade quase intacta com igrejas, casarões coloniais e museus do século XVIII – é monumento integrante do Patrimônio Cultural Brasileiro. Em 2000, foi realizado o projeto intitulado “Pirenópolis sem barreiras, patrimônio para todos” com o objetivo de promover adequações na estrutura urbana da cidade para garantir o acesso irrestrito independente, seguro e confortável ao perímetro de preservação histórica (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2014). Dentre as intervenções projetadas, definiram-se quatro rotas acessíveis, incluindo o denominado Roteiro Histórico (Mapa 5). Os principais locais de visitação são a Igreja Matriz, a Igreja do Bonfim, a Igreja do Carmo, o Teatro de Pirenópolis, Museus das Cavalhadas, Museu da Família Pompeu, Casa de Câmara e Cadeia, Rua Direita, Rua do Bonfim, Rua Aurora, Rua do Rosário e Ponte sobre o Rio das Almas. 47 Mapa 5: Roteiro Histórico Pirenópolis – GO Fonte: Google Mapas, 2015 As principais intervenções realizadas foram o alargamento e a eliminação de degraus nas calçadas, construção de passarela de pedestres na travessia de ruas, além de rampas de acesso a edifícios públicos e substituição de pavimentação de ruas. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2014, p. 46), “A especificação dos materiais procurou não alterar as características existentes e foi mantida a pedra de Pirenópolis, já utilizada na pavimentação de calçadas e ruas e encontrada com facilidade na região.” Foto 4: Travessia em pedra (passarela de pedestres). Rua do Rosário esquina com a Rua Nova Foto 5: Calçada rebaixada Pirenópolis - GO Fonte: Cavalcanti apud Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2014, p. 47 48 Conforme Ubierna (2008), entre os principais requisitos de acessibilidade para o espaço urbano estão: acessibilidade a qualquer pessoa; equilíbrio estético-funcional; facilitação de acesso aos edifícios; desenho de acordo com o caráter histórico do espaço urbano. 3. A ROTA TURÍSTICA ACESSÍVEL DO CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR O Centro Histórico de Salvador – CHS – foi tombado em nível nacional em 1959 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN–, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Em 1985, confirmando sua relevância como bem cultural de valor internacional, é inscrito na lista da UNESCO como Patrimônio da Humanidade. A área considerada pelo Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, em sentido norte-sul, acompanha a encosta chamada “falha de Salvador”, desde o Sodré até o Largo de Santo Antônio além do Carmo. A leste, em sua maior parte, limita-se pela Baixa dos Sapateiros e, no seu extremo oeste, termina na escarpa, na já citada “falha de Salvador”. Mapa 6: Mapa de delimitação da poligonal do Centro Histórico de Salvador Fonte: Companhia de Desenvolvimento do Estado da Bahia, [2014?] Segundo Tirapeli (2000), o Centro Histórico de Salvador preserva a trama urbana original do século XVI, com acréscimos que foram sendo organizados durante os séculos 49 seguintes. O conjunto arquitetônico é constituído por edifícios do século XVII, XVIII, XIX e XX, onde se destacam monumentos da arquitetura religiosa, civil e militar, representando o maior conjunto arquitetônico colonial da América Latina. No século XX, devido ao seu abandono, passou por um gravíssimo processo de degradação física e econômico-social. A partir de 1967, sofreu algumas intervenções em imóveis isolados e em 1992 foi iniciado o Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador. Este programa, gerenciado na época pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, teve como objetivos: Dotar o Centro Histórico de Salvador, através da ativação do ciclo econômico, de condições efetivas para a manutenção dos bens e valores culturais de forma contínua e eficaz; promover a recuperação física da área do Centro Histórico de Salvador, redefinindo sua função em relação à cidade e à região metropolitana; criar condições de desenvolvimento do potencial produtivo e da organização social da área. (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL DA BAHIA, 1995, p. 18). Nas duas últimas décadas, as obras foram realizadas em etapas, sendo que a sétima etapa encontra-se ainda em execução pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do estado da Bahia – CONDER, que substituiu o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia – IPAC na execução das obras de recuperação do patrimônio. A partir de 2008, a região do Centro Histórico e entorno foi objeto de estudos, elaboração e execução do Plano de Reabilitação do Centro Antigo de Salvador, promovido pela CONDER em parceria com o IPAC e o IPHAN, através de programas como o Monumento do Ministério da Cultura e o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC – Cidades Históricas. No ano de 2011, o Governo do Estado da Bahia e a Prefeitura Municipal de Salvador celebraram um Termo de Responsabilidade com o objetivo de realizar obras emergenciais para a revitalização do Centro Histórico de Salvador. Dentre as ações previstas, estava a recuperação de pavimentação e calçada. Assim, a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do estado da Bahia – SJCDH – elaborou um projeto onde se previa a inclusão da obrigatoriedade da construção de calçadas acessíveis. A criação da rota acessível foi, então, estabelecida entre as responsabilidades assumidas no documento e, assim, iniciou-se o processo de elaboração do projeto piloto de acessibilidade. 50 Mapa 7: Rota acessível do CHS Fonte: BAHIA, 2013. O Projeto Piloto de Acessibilidade para o Centro Histórico de Salvador teve como objetivo a construção da primeira rota acessível implantada na Bahia, além de servir como modelo a ser replicado por toda a cidade. Constitui-se de um caminho que parte do Cruzeiro de São Francisco, desenvolvendo-se da Rua Gregório de Matos até o Largo do Pelourinho, retornando pelas ruas Alfredo de Brito até o Terreiro de Jesus, fechando o círculo acessível. Acima de tudo, rompe com a ideia de que acessibilidade e patrimônio são incompatíveis. (BAHIA, 2013). [...] ainda que não seja possível garantir o acesso a todas as edificações existentes na rota, este projeto assegura o acesso àquelas de maior relevância para o interesse coletivo, tais como as instituições públicas, o Museu da Cidade, a Fundação Casa de Jorge Amado e o Solar Ferrão. (BAHIA, 2013, p. 32). Em outubro de 2011, o IPHAN aprova o projeto e autoriza a execução da obra por meio do parecer nº 0388/11. Considera a proposta viável “[...] dado que a interferência no traçado do logradouro é pequena, quando comparado ao benefício trazido pelo projeto.” (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2011 apud BAHIA, 2013, p. 38). Observa ainda que as soluções adotadas buscam uma harmonização com o conjunto protegido pelo IPHAN. No ano de 2012, foi realizada a execução da rota acessível com o alargamento das calçadas em uma das laterais das ruas, mantendo-se o meio-fio existente e aumentando as calçadas para 1,50 m de largura. Nos pontos de cruzamento da rota com as ruas transversais, foram instaladas travessias com faixas executadas em concreto ciclópico revestido com pedras 51 conhecidas como cabeças-de-nego, mesmo material utilizado no calçamento das ruas. (BAHIA, 2013). Foto 6: Rota Acessível do CHS – Cruzamento da Rua das Laranjeiras com a Rua Gregório de Matos Fonte: Reis, 2014 Foto 7: Rota Acessível do CHS – cruzamento da Rua das Laranjeiras com a Rua Gregório de Matos Fonte: Reis, 2014 Foto 8: Rota Acessível do CHS – Largo do Cruzeiro de São Francisco Fonte: Reis, 2014 A passarela existente no Largo do Cruzeiro de São Francisco, apesar de se tratar de um piso mais regular, encontrava-se com as juntas bastante desgastadas, necessitando de requalificação. Para dar maior regularidade a esse piso, foi realizado o rejunte das pedras, possibilitando o acesso à Igreja de São Francisco e ao conjunto arquitetônico existente nesse trecho do Centro Histórico. Conforme salienta o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2014, p. 48) “esse projeto certamente contribuirá para a continuidade das propostas que visam proporcionar acessibilidade no Centro Histórico de Salvador, que hoje apresenta sérios problemas de mobilidade e acessibilidade urbana.” A Rota Turística Acessível do Centro histórico de Salvador ainda não contempla muitas ruas de interesse e não resolveu o problema de acessibilidade a edificações importantes da localidade, mas já representa um passo primordial para que o modelo seja replicado em toda a região do Centro Antigo de Salvador que envolve uma área mais ampla que o sítio 52 tombado, mas que possui relevante representação do ponto de vista histórico, cultural e turístico. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O reconhecimento das barreiras arquitetônicas e urbanísticas existentes nas cidades históricas brasileiras é de fundamental importância para a elaboração de Planos de Acessibilidade. Essas barreiras são resultantes das condições, práticas e legislação existentes nos diversos períodos da evolução histórica e urbana das cidades. O respeito aos processos culturais e o reconhecimento da superposição de períodos históricos é primordial quando se pretende promover a adequação dos espaços urbanos e edificações históricas às necessidades de acessibilidade. Cidades como Salvador e outras tantas de interesse histórico possuem questões de acessibilidade pouco ou mal resolvidas. A dificuldade é grande, principalmente porque os obstáculos físicos resultantes da implantação e da evolução dessas cidades são de complexa adequação para acessibilidade. Calçadas estreitas, topografia com declives acentuados, becos, ruas estreitas e muitas vezes sinuosas, ruas com revestimento de pedra irregular e desniveladas e escadarias são exemplos desses obstáculos a transpor. A rota acessível do Centro Histórico de Salvador, mesmo representando apenas um projeto-piloto e, portanto, passo decisivo para a adequação de sítios históricos brasileiros a essa necessidade premente, ainda não possibilita a plena acessibilidade aos espaços, edificações e ambientes. O acesso de visitantes até alcançar a rota acessível ainda é difícil, possuindo muitas barreiras arquitetônicas, principalmente nos percursos para quem utiliza os serviços de transporte público ou até mesmo para o visitante que viajando em cruzeiro marítimo desembarca em Salvador. Esse visitante desembarca na região do Comércio, bairro localizado no Centro Antigo de Salvador e, portanto, bairro vizinho ao Centro Histórico (mapa 6). Não há rota acessível nesse trecho da cidade, o que dificulta e, em alguns casos, impossibilita a visita ao Centro Histórico. Assim, é urgente a ampliação da Rota Acessível do Centro Histórico de Salvador, possibilitando uma maior abrangência do percurso, contemplando bairros que compõem o Centro Antigo e estendendo-se também para outras regiões da cidade. Em face da existência de um grupo de pessoas que possuem algum tipo de deficiência ou necessidades especiais, deve-se, nesse contexto, investigar o perfil do referido grupo com a 53 finalidade de satisfazer suas necessidades e expectativas, estabelecendo parâmetros de qualidade quando do consumo de bens e serviços e da prática de atividades como o turismo, haja vista possuir capacidades, habilidades ou destrezas diferentes de um cidadão comum e, consequentemente, não poder usufruí-los em condições de igualdade. É um direito básico das pessoas com deficiência a garantia da inexistência de discriminação por razões de idade, deficiência ou características funcionais. A prática de rotas turísticas acessíveis favorece a participação social e econômica em igualdade de oportunidades. O ócio e o turismo atualmente são eixos fundamentais para a integração social das pessoas. Para as empresas, as rotas turísticas acessíveis são uma oportunidade de negócio, visto que aumenta o fluxo do mercado e potencializa o fenômeno do multicliente, ou seja, cada viagem que realiza uma pessoa com deficiência implica em no mínimo um acompanhante, minimizando os impactos da sazonalidade, melhorando a imagem das empresas e do destino turístico, além da geração de benefícios sociais. Apesar de apresentar-se como um desafio, a implantação de Rotas Turísticas Acessíveis em Sítios Históricos, é imprescindível para o cumprimento da legislação vigente e para a garantia do direito de acesso de todas as pessoas à cultura e ao patrimônio. A adequação dos espaços às necessidades contemporâneas de acessibilidade é um processo necessário e urgente. A legislação vigente deverá ser atendida em equilíbrio com as exigências de preservação do patrimônio. Por serem temas complexos, acessibilidade urbana e patrimônio histórico devem ter um tratamento cuidadoso. Cada situação deverá ser estudada em profundidade, com vistas a encontrar soluções com criatividade e eficácia. Isso exige um amplo conhecimento do contexto histórico do local, suas características materiais, estéticas, funcionais, arquitetônicas e urbanísticas. Assim, soluções pertinentes, criativas e com respeito à história e cultura locais poderão proporcionar o acesso ao patrimônio e à riqueza cultural. Dessa maneira, pode-se manter a vida ativa e a valorização de espaços importantes para a memória de um povo e de sua riqueza histórica. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Norma NBR 9050, Acessibilidade a Edificações, Mobiliário, Espaços e Equipamentos Urbanos. Rio de Janeiro, 2004. 54 BAHIA. Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Projeto piloto de acessibilidade Centro Histórico de Salvador. Bahia, 2013 ______. Rota acessível do CHS. Projeto piloto de acessibilidade Centro Histórico de Salvador. Bahia, 2013. BARRETO, Margarita. Turismo e legado cultural: as possibilidades do planejamento. Campinas, SP: Papirus, 2000. A CADEIRA VOADORA. Elevador para o centro histórico de San Gimignano. Giro pela Itália: Cidades Toscanas, 2013. Disponível em: <http://cadeiravoadora.blogspot.com.br/2013/08/giro-pela-italia-cidades-toscanas.html>. Acesso em: 03 de maio de 2015. 1 fotografia CAMBIAGHI, Silvana Serafino. Desenho Universal: métodos e técnicas para arquitetos e urbanistas. São Paulo: Editora Senac, 2007. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO ESTADO DA BAHIA. Diretoria do Centro Antigo de Salvador. Delimitação da poligonal do Centro Histórico de Salvador. Ocupação Urbana e Ambiente Construído: Localização e poligonais de delimitação, 1983 e 1984. [2014?]. Disponível em: <http://www.centroantigo.ba.gov.br/arquivos-3/mapas/>. 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Calçada – Florença – Itália. 2014. 1 fotografia. ______. Calçada rebaixada – Pirenópolis - GO. 2011. 1 fotografia ______. Rota Acessível do CHS – cruzamento da Rua das Laranjeiras com a Rua Gregório de Matos. Descendente. 2014. 2 fotografias. ______. Rota Acessível do CHS – Largo do Cruzeiro de São Francisco. 2014. 1 fotografia. RIBAS, João Batista Cintra. O que são pessoas deficientes. São Paulo: Nova Cultura: Brasiliense, 1985. RIBEIRO, Gabriela; MARTINS, Laura; MONTEIRO, Circe. O desafio da acessibilidade física diante da sacralização do Patrimônio Histórico e Cultural. Cadernos Proarq, nº 19, UFRJ, 2012. SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Preservação do patrimônio cultural em cidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. TIRAPELI, P. Patrimônios da humanidade no Brasil. São Paulo: Metalivros, 2000. UBIERNA, José Antonio Juncà. Accesibilidad y patrimônio cultural. A La búsqueda de un equilíbrio compatible. Boletin del Real Patronato sobre Discapacidad. Espanha, 2008. 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Disponível em <http://wwwext.comune.fi.it/viverefirenze/itinerari.html>. Acesso em 02 de maio de 2015. ______. Percorsi Turistici con informazioni integrative per utenti disabili. [2015?] Disponível em <http://wwwext.comune.fi.it/viverefirenze/itinerari.html>. Acesso em 02 de maio de 2015. WUKING. Turismo adaptado a personas com discapacidad. [2015?] Disponível em <http://www.wuking.com/turismo-accesible/html>. Acesso em 02 de maio de 2015. ______. London Eye. Turismo accessível - Londres. [2015?]. Disponível em <http://www.wuking.com/turismo-accesible/html>. Acesso em 02 de maio de 2015. 1 fotografia. 57 ESPORTE EM DEBATE: REFLEXÕES ACERCA DOS ASPECTOS CONCEITUAIS QUE ENVOLVEM O FENÔMENO ESPORTIVO. Temistocles Damasceno Silva 1 Flávio Alves Oliveira 2 Ricardo Correia da Silva 3 Camila de Jesus Barreto³ Darley da Silva Andrade³ RESUMO O esporte se apresenta de maneira significativa em diversas culturas existentes pelo mundo. Logo, o referido fenômeno tem sido utilizado enquanto objeto de estudo por diversas áreas do conhecimento. Neste contexto, o presente estudo busca apresentar os diversos aspectos conceituais (do ponto de vista científico histórico e sociológico) que permeiam tal fenômeno. Enquanto procedimento metodológico esta pesquisa trata-se de uma revisão de literatura. Sendo assim, percebeu-se o leque conceitual que envolve a área, dificultando às vezes, um delineamento mais preciso sobre o item em questão. PALAVRAS-CHAVE: Esporte; Esporte tradicional; Esporte moderno. ABSTRACT The sport features significantly in all existing cultures around the world. Soon, that phenomenon has been used as an object of study in various areas of knowledge. In this context, this study aims to present the various conceptual aspects (the historical and sociological scientific point of view) that underlie this phenomenon. While methodological approach this research it is a literature review. Thus, he realized the 1 Docente do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Atualmente, cursa mestrado em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador – Unifacs e faz parte da Associação Latino-americana de Gerência Desportiva - ALGEDE. Além disso, coordena o centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL. 2 Especialista em Educação Física e Esportes (UESB). Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Enfermagem e Saúde (UESB). Colaborador do centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL 3 Discentes do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –UESB. Membros do centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL 58 conceptual range that surrounds the area, making it difficult sometimes a more precise delineation of the item in question. KEYWORDS: Sport; Traditional sport; Modern sport. REFLEXÕES ACERCA DOS ASPECTOS CONCEITUAIS QUE ENVOLVEM O FENÔMENO ESPORTIVO O esporte se apresenta enquanto um fenômeno social, o qual pode proporcionar uma rica discussão, haja vista que, tal elemento envolve uma diversidade de questionamentos em diferentes momentos, ao longo da sua trajetória. Nesta lógica, a palavra Sport é originária do francês antigo disport e foi utilizada pela primeira vez na Grã-Bretanha no século XV, mas somente nos séculos XVIII e XIX veio a ser utilizada no contexto atual (MELO e FORTES, 2010). Contudo, muitos são os embates teóricos que circundam o que hoje denominamos de esporte, sendo necessário percorrer as vertentes históricas que permeiam tal temática, buscando compreender o que os diversos autores discutem e pesquisam sobre o assunto. Estas mudanças na conformação do conceito do termo esporte são apontadas por Melo (2010, p. 51), o qual revela que: Os povos da Antiguidade tinham um conjunto de práticas corporais, com algum grau de institucionalização (ainda que bem distinto das práticas modernas), por eles não denominadas de esporte [...] em determinado momento se sistematiza uma palavra sport, que passou a expressar um determinado conceito. A palavra se manteve, os conceitos foram se alterando, até que se conformou o que chamamos de esporte moderno. Os conceitos seguiram se modificando, surgiram mesmo neologismos (ou adendos como esportes de quadra, esportes náuticos, esportes de natureza, esportes radicais). Em consoante, Eric Hobsbawn (1984) revela que a gênese do esporte se deu no século XIX, na Inglaterra, a partir da tradição inventada, objetivando a manutenção da segregação entre classes. Assim, “as modalidades esportivas demostravam a qual classe social pertencia os seus praticantes, como por exemplo, o boxe e o ciclismo para a classe operária, o tênis para a classe média e o golfe para a classe burguesa” (MEZZADRI, 2011, p.47). Logo, Martins e Altmann (2007) apontam que para elucidação da expressão esporte, se faz necessário refletir sobre a denominação esporte moderno, esporte tradicional ou antigo. [...] apesar da continuidade do vocabulário e da semelhança de gestos, há mais diferenças do que semelhanças entre os esportes modernos e os esportes tradicionais ou antigos. A uma concepção universalista e continuísta, que reconhece a existência do esporte em todas as culturas antigas e contemporâneas, os autores opõem a constatação de uma descontinuidade (2007, p.01) Desta forma os autores Norbert Elias e Eric Dunning (1992) defendem que o esporte moderno apresenta características que o distingue do esporte antigo, sendo necessário estudá-lo em suas especificidades. Para isso, os autores situam três rupturas: 1a ruptura: colocar todos os esportes modernos em uma genealogia de longa duração que encontram ancestrais mais ou menos diretos. 2a ruptura: supor que todas as sociedades dedicaram parte das suas atividades de lazer à prática esportiva. 3a ruptura: explicar as razões das condutas por disposições psicológicas universais (ELIAS & DUNING, 1992 apud MARTINS; ALTMANN, 2007, p. 02). A dissociação entre o esporte tradicional e o esporte moderno se dá através de uma contínua automatização do campo esportivo frente aos demais campos sociais. Evidenciando-se esta ruptura com a consolidação de tempo e espaços específicos, próprios às práticas esportivas, contrapondo jogos tradicionais que improvisavam espaços e tempo retirados de suas ocupações cotidianas (MARTINS; ALTMANN, 2007). Assim, os autores defendem que há a formação de novas modalidades esportivas, apontado que os esportes antigos são remodelados, ou seja, recebe novas incorporações frutos de mudanças sociais. Nesta lógica, pode-se listar três características primordiais que marcam a desvinculação do esporte tradicional do moderno: Autonomização do jogo e do espetáculo do jogo em relação aos confrontos de guerra e aos rituais;Secularização- desvinculação de rituais religiosos; Não tendo função ritual, nem finalidade festiva; por conseguinte, em tais práticas postula-se anular, e não reproduzir, as diferenças que atravessam organizam o mundo social (MARTINS; ALTMANN, 2007, p.02). Nesta lógica, evidencia-se o entendimento de esporte como um dos instrumentos civilizador, ajudando no processo de construção das regras sociais, além da possibilidade da busca da emoção, controle da violência e autocontrole dos indivíduos (ELIAS; DUNNING 1992). Para Pierre Bourdieu o surgimento do esporte moderno estaria vinculado as escolas públicas inglesas do século XIX, dentro do que o autor chama de campo esportivo, o qual seria constituído por constantes disputas e interações entre os agentes e as instituições. Logo, compreende-se que o campo esportivo: [...] é um lugar de disputa do poder, disputas que se encontram nas esferas do amadorismo contra o profissionalismo; do esporte participação contra o esporte espetáculo; do conhecimento cientifico do esporte contra o senso comum; dos projetos sociais de esporte contra o esporte de rendimento; ofertas do poder público para o esporte contra a demanda social; a prática esportiva para a qualidade de vida/saúde e o esporte espetáculo; e as entidades esportivas (BOURDIEU, 1983, p. 07). Ao mesmo tempo, visualizam-se dois princípios relacionados à gênese de tal fenômeno, sendo eles: continuidade e descontinuidade (STIGGER, 2005). No que diz 60 respeito aos defensores da tese da continuidade, tais pensadores acreditam que os jogos populares e festas religiosas evoluíram ao longo dos anos através de diversos contextos sociais e originaram o que atualmente é conhecido como esporte moderno. Logo, o fato dos jogos terem sofrido alterações, principalmente no que diz respeito à padronização mundial, não significa que o modelo em vigência não tenha sido originado dos mesmos. Em contrapartida, na descontinuidade, acredita-se que o esporte moderno, teoricamente “inventado” no século XIX na Inglaterra, tenha sido fruto das transformações sociais, processo de industrialização e desenvolvimento tecnológico, tendo como características particulares: a secularização, a igualdade de chances, a especialização, a racionalização, a burocracia a quantificação e o recorde (STIGGER, 2005). Embora as teses não comunguem do mesmo entendimento, é necessário ressaltar a colaboração de ambas, para a melhor compreensão deste fenômeno, presente nas diferentes culturas e que se apresenta nos variados campos profissionais de investigação (MELO e FORTES, 2010). Logo, existem diversos estudos que procuram contextualizar a origem desta temática. Nesta perspectiva, pode-se citar Tubino (1999), o qual afirma que: Existem duas interpretações distintas quanto à origem do esporte: a primeira vincula o surgimento do esporte a fins educacionais desde os tempos primitivos, e a segunda, entende o esporte como um fenômeno biológico, e não histórico. Embora discordem nos fundamentos, porém, as duas teorias apresentam um ponto em comum, que acabou se tornando o aspecto essencial do fenômeno esporte: JL competição. Assim, para que haja esporte, é preciso haver competição (p.13). A partir de tal entendimento, pode-se observar que a primeira teoria trazida apontada pelo o autor, estaria relacionada às ações educacionais voltadas à sobrevivência humana, onde os primitivos necessitavam realizar atividades físicas como: caminhar, correr, saltar, nadar, no intuito de conseguir alimentos e defender-se de predadores (TUBINO, 1999). Em relação à segunda teoria apontada pelo autor, remete a algo voltado para uma formação mais especifica, onde já se tem uma concepção higienista que procura observar fatores ligados a manutenção da saúde do homem. Somando-se a isso, surgiram métodos de medida para separar o mais forte do mais fraco e o ganhador do perdedor, partindo daí, nasce o que se conhece como espírito de competição (Bourdieu, 1983). O advento da competição potencializa as práticas das atividades físicas e direcionam o caminhar para o que se tem hoje compreendido como esporte de rendimento. Desta forma, passa-se a recrutar um maior contingente de pessoas, sejam estes participantes ativos das práticas ou como simples expectadores. Logo, com o grande crescimento do esporte no mundo e a abrangência da democracia como regime politico, surge à necessidade da criação de leis que possibilitassem a todos o acesso ao esporte. Nesta lógica, Tubino (1999) evidencia que: (...) o esporte ampliou o seu conceito quando finalmente, em 1978, a Unesco publicou a Carta Internacional de Educação Física e Esporte, que, no seu primeiro artigo, estabelecia que a atividade física ou prática esportiva era um direito de todos, assim como a educação e a saúde. Esse documento atualmente serve como referência em todos os países do mundo, e já provocou modificações profundas no papel do Estado diante do esporte, possibilitando até a inclusão do tema nos textos constitucionais, como aconteceu no Brasil, na Constituição de 1988 (p. 25 e 26). Vale ressaltar, que nos anos de 1960 dentro do movimento que ficou conhecido como Nova Esquerda, o “esporte” era “inquestionável”, devido ao espírito olímpico relacionado ao mesmo (VAZ, 2003). Sendo assim, dois críticos do esporte que se destacavam na época foram Rigauer (1969) e Brohm (1976). Tais autores citavam o esporte como sendo tão somente ferramenta utilizada pelo estado para educar a população à submissão (VAZ, 2005). Ainda no sentido ideológico, Brohm (1989) destaca o papel alienador do esporte, que muitas vezes suprime a atenção da população dos problemas de ordem governamental, os quais deveriam ser reivindicados pela população, mas são adiados pela paixão exacerbada por algumas modalidades esportivas. Sobre isso, Rigauer (1969 apud VAZ, 2005) sinaliza que: O esporte não é um sistema à parte, mas de diversas formas interligado com o desenvolvimento social, cuja origem está na sociedade burguesa e capitalista. Embora constitua um espaço específico de ação social, o esporte permanece em interdependência com a totalidade do processo social, que o impregna com suas marcas fundamentais: disciplina, autoridade, competição, rendimento, racionalidade instrumental, organização administrativa, burocratização, apenas para citar alguns elementos. Na sociedade industrial, formas específicas de trabalho e produção tornaram-se tão dominantes como modelo, que até o chamado tempo livre influenciaram normativamente (p.08). Desta forma, o esporte também pode ser compreendido como uma ferramenta de controle social, o qual possibilita o alívio das tensões entre massas populares. Logo, o Estado se apropria do esporte visando diversos fatores como educação social, melhoria da saúde, integração nacional e como forma de reduzir o índice de violência e tráfico no país. (BRACHT, 2005). Nessa perspectiva, tal fenômeno encontra-se inserido na cultura e nos costumes de um povo, com funções para além das práticas esportivas, ou seja, possui um contexto sociológico, onde objetiva-se desenvolver uma consciência coletiva que favoreça uma harmonia entre o individuo e a estrutura social já estabelecida (ELIAS, 1995). Ainda no 62 entendimento sobre a temática em debate, Starepravo e Nunes (2015, p. 2) afirmam que: “tanto a industrialização como a desportivização, tenham sido sintomáticas de uma transformação mais profunda das sociedades européias, que exigia de seus membros uma maior regularidade e diferenciação de comportamento”. Apesar de todas as críticas, as diferentes modalidades esportivas conquistaram adeptos de todos os credos, classes e etnias, criando verdadeiros ícones e heróis para a população, o que por consequência foi apropriado também pelo capitalismo, que encontrou no esporte, potencial para a mercadorização. Neste sentido, Vaz (2005) revela outro fato importante: A mercadorização do esporte significa, evidentemente, que não apenas ao rendimento do atleta agrega-se valor tornando-o comercializável, mas também que um sem-número de produtos esportivos entram na esfera da circulação no âmbito da indústria do tempo livre (p.11). Ademais, o esporte passou a ter cada vez mais visibilidade no momento da história onde o capitalismo é potencializado e ramificado pelo mundo. Em consoante, o mesmo torna-se uma importante ferramenta lucrativa para a elite burguesa, que sempre obteve certa influência acerca das práticas esportivas, as quais, muitas vezes têm um objetivo especifico, ou seja, acabam em determinado instante servindo como forma de recuperação da força de trabalho, em outros, favorecem o surgimento de indústrias, clubes, marcas ou espetáculos esportivos extremamente lucrativos. Vale lembrar ainda que a criação da imprensa através dos instrumentos de comunicação como jornais, revistas, rádio e a televisão proporcionaram um grande crescimento e influenciaram bastante na formatação do cenário esportivo que temos hoje. Numa visão sociológica é possível dizer que o capital financeiro influencia o esporte praticado em determinado espaço geográfico, pois tem a capacidade de criar modalidades ou apropriar-se das práticas corporais locais, as quais, representam uma cultural especifica de um povo, implementando regras, transformando-as em algo competitivo, vendável, utilizando de ferramentas midiáticas para dar visibilidade e obter um grande número de praticantes e espectadores (TUBINO, 1999). Como exemplo, faz-se referência à modalidade do voleibol que passou historicamente por constantes modificações em suas regras, como a abolição da vantagem, o surgimento do libero, o número de pontos dentro de um “set” ou mesmo o contato dos jogadores e da bola com a rede para torna-lo vendável. (MARCHI JR, 2005). Outro exemplo é o surgimento do MMA (artes marciais mistas), que nasce com o nome de “vale tudo”, tendo em sua gênese uma certa rejeição social, por ser algo muito violento. Entretanto, a partir de um determinado momento histórico, percebe-se que o capitalismo se apropria de tal prática e o transforma em um dos esporte de grande popularidade mundial. Portanto, analisar o esporte através da indústria cultural, permite uma reflexão sobre o modo como à mesma apropriou-se de tudo que está ligado ao mesmo, a fim de conquistar, consequentemente, consumidores para suas mercadorias e marcas, tendo em vista, que o esporte, em suas diferentes modalidades, alcança “clientes” das diversas classes sociais, com uma linguagem, por vezes popular e instantânea. Em adição, Mezzaroba (2009, p.03) afirma que: A indústria cultural não se caracteriza como algo físico, uma indústria com estrutura física própria, mas é uma expressão irônica daquilo que é produzido culturalmente e ofertado como mercadoria para as pessoas. A indústria cultural seria a capacidade de produzir o produto e ao mesmo tempo criar sua necessidade de uso, ou seja, a indústria cultural seria um conceito e também um processo. Não se trata de produzir uma mercadoria qualquer, mas uma mercadoria com determinado valor simbólico, produzida em grande escala (serialização), com baixo custo e de forma padronizada (estandardizada). Neste sentido, Adorno (1995a, p. 127) aponta a relevância de analisar a relação da indústria cultural com o esporte: (...) seria preciso estudar também a função do esporte, que ainda não foi devidamente reconhecida por uma psicologia social crítica. O esporte é ambíguo: por um lado, ele pode ter um efeito contrário à barbárie e ao sadismo, por intermédio do fairplay, do cavalheirismo e do respeito pelo mais fraco. Por outro, em algumas de suas modalidades e procedimentos, ele pode promover a agressão, a brutalidade e o sadismo, principalmente no caso de espectadores, que pessoalmente não estão submetidos ao esforço e à disciplina do esporte; são aqueles que costumam gritar nos campos esportivos. Diante disso, observa-se que o esporte possui três campos de atuação com composições e objetivos distintos, sendo eles: o esporte escolar, o qual tem um direcionamento mais pedagógico voltado para a formação do individuo; o esporte de lazer, sendo este, mais voltado a ações de populares de maneira lúdicas, onde as pessoas utilizam o seu tempo disponível para realizar práticas esportivas, sejam elas coletivas como futebol, vôlei, basquete, futsal ou atividades individuais como caminhar, correr, nadar; o esporte de rendimento, onde, apenas os melhores tem vez, é ele que vem dar origem ao atleta profissional, o qual com o advento dos meios de comunicação de massa movimentam um grande capital financeiro e proporciona a realização de grandes espetáculos esportivos como as olimpíadas (TUBINO, 1999). Entretanto, existem outros 64 caminhos para se trabalhar o esporte, como o trazido por Castellani Filho (1999, p. 42), o qual afirma que: (...) o aprender a jogar essa ou aquela modalidade esportiva, a dançar ou a movimentar-se ginastica-mente de modo não associado à busca do rendimento físico-esportivo, mas sim percebendo a técnica como conhecimento historicamente produzido e o movimento humano ali presente, necessário de ser apreendido para além de sua condição de ato motor; o aprender das regras esportivas percebendo-as enquanto construções socioculturais modificáveis a partir do desenvolvimento científicotecnológíco; o qualificar-se para implementar procedimentos organizacionais de suas próprias competições esportivas, tudo isso, enfim, comporia unidades programáticas a serem desenvolvidas. Neste sentido, ao conceituar esporte se faz necessário um olhar macro, considerando diversos fatores que devem ser atentados na elucidação desse fenômeno. O autor também amplia as categorias de esportes citadas por Tubino, as dividindo em seis possíveis manifestações: Escolar, Lazer, Saúde / qualidade de vida, Reabilitação, Rendimento/performance e Profissional (MACRCHIN JR, 2008 apud MEZZADRI, 2011). Esse entendimento abre um leque de possibilidades para compreender o esporte, considerando os vários locais onde este se manifesta. Outra visão relacionada ao fenômeno em questão é apresentada por MASCARENHAS e FLAUSINO (2012), na qual os autores adjetivam o esporte enquanto um direito social, como uma forma deste fenômeno não servir somente a burguesia, mas também ao proletariado. Este é carregado de adjetivações que qualificam e instrumentalizam tais fenômenos, os quais são: “esporte tira a criança da rua”; “esporte é ferramenta da paz contra a violência”; “esporte é ferramenta contra as drogas”; “o esporte e o lazer promovem qualidade de vida”; “o esporte promove inclusão social” e “esporte é saúde”. (FLAUSINO; MASCARENHAS, 2012, p. 4) Em consoante, Coutinho (2000) e Gasparetto Jr. (2012) compreendem como direitos sociais, aquelas ações que têm por finalidade permitir ao cidadão uma participação na riqueza natural, espiritual e cultural, garantindo uma mínima qualidade de vida. Logo, com o surgimento da democracia, nasce uma crescente discussão acerca do esporte, ampliando assim, as pesquisas para além da perspectiva ideologia ou de rendimento. Dentre as novas discussões, encontra-se o esporte voltado ao lazer, onde este passa a ser direito de todos, a partir da constituição federal brasileira de 1988, o que traz a obrigatoriedade da criação de politicas publicas criadas pelo estado, as quais devem formular projetos que favoreçam o surgimento de espaços públicos, voltados às práticas de esportes de forma mais lúdica, ou seja, onde as pessoas possam ter em seu tempo disponível a possibilidade de optar pela atividade esportiva. Em consoante, Mezzadri (2012) o esporte pode ser considerado um fenômeno sociocultural de grande inserção na sociedade, sendo compreendido atualmente como um direito social, alcançado através de muitos embates e transformações sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos argumentos apresentados evidencia-se que, o esporte está longe de ser algo estático, ou seja, sendo ele um fenômeno sociocultural sempre sofrera constantes mudanças dentro do contexto histórico da sociedade. Nesta lógica, o mesmo, possui diferentes entendimentos e significados dentro da realidade que está inserido, podendo servi a uma diversidade de objetivos. Nesta lógica, interessa recordar que as práticas esportivas podem ser compreendidas dentro de três campos distintos, ou seja, como esporte de rendimento, esporte escolar e esporte de lazer, observando que cada campo possibilita uma diferente reflexão. Nessa perspectiva, fica clara a necessidade de manutenção e ampliação dos estudos sobre o esporte, haja vista que, tal fenômeno se apresenta como um conteúdo de grande diversidade que desperta bastante interesse e envolvimento da população mundial. Deste modo, é possível afirmar, que não se pode pesquisar o esporte isoladamente, como algo à parte da sociedade, já que o mesmo tornou-se indissociável e de grande influência. Nem tampouco, criar um estereótipo alienador sobre o mesmo, já que suas contribuições vão para além das problemáticas levantadas, principalmente quando se compreende sua gênese e sua relação com o homem nos diferentes momentos da história, seja ele contínuo ou descontínuo. Vale ressaltar, que embora no esporte moderno exista uma padronização compreendida em todo mundo, no que se refere às regras e burocracia, o mesmo revela muito da cultura de seus atletas e povo, que carregam para as competições que abrangem pessoas de diferentes localidades, muito do que foi sistematizado durante sua vida, além de despertar no público em geral, uma paixão inexplicável, capaz de aproximar pessoas de níveis sociais distintos, torcendo e vibrando pelo mesmo propósito. Com os avanços sociais, o esporte passou a ser um direito legalmente amparado, entretanto observa-se no cotidiano que faltam ações que garantam uma verdadeira 66 legitimação, precisando assim, evoluir no sentido de garantir o acesso a essa prática corporal que se constitui como um dos maiores fenômenos dos últimos séculos. REFERÊNCIAS BRACHT, Valter. Sociologia Crítica do Esporte – uma introdução.3.ed. Ijuí:Ed.Unijui, 2005. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1988. BOURDIEU, P. Como é possível ser esportivo. Questões de sociologia, p. 136-153, 1983. CASTELLANI FILHO, L. Política educacional e educação física. Autores Associados, 1999. ELIAS, N.; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: Memória e Sociedade, 1995. MARCHI JR, W. Jogo, Esporte e Sociedade: Considerações preliminares para uma análise correlacional. Anais do IX Simpósio Internacional Processo Civilizador – Tecnologia e Civilização, Ponta Grossa, Paraná, 2005. MARTINS, C. e ALTMANN, H. Características do Esporte Moderno segundo Elias e Dunning. In: X Simpósio Internacional Processo Civilizador, abril, 2007. MELO, V. A. Por uma história do conceito esporte: diálogos com Reinhart Koselleck. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 32, n. 1, p.41-58, set. 2010. MELO, V.; FORTES, R. Historia do Esporte: panoramas e perspectivas. Fronteiras, v. 12, p. 11-35, 2010. MELO, M. P. Esporte e Juventude Pobre: políticas públicas de lazer na Vila Olímpica da Maré. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. MEZZAROBA, C. Esporte e lazer na perspectiva da indústria cultural: aproximações preliminares. Esporte e Sociedade. Ano 4, n.11, Mar.2009/Jul, p.1-11, 2009. STAREPRAVO, F. A.; MEZZADRI, F. M. Conselhos municipais de esporte e lazer e outras formas de participação direta no estado do Paraná. Coleção Pesquisa em Educação Física, v. 5, p. 120-125, 2007 STAREPRAVO, F. A. Políticas Públicas de Esporte e Lazer No Brasil: Aproximações, Intersecções, Rupturas e Distanciamentos Entre os Subcampos Político/Burocrático E Científico/Acadêmico. Tese (Doutorado em Educação Física). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. STIGGER, M. P. Educação Física, esporte e diversidade. Campinas: Autores Associados, 2005. TUBINO, M. J. G. Estudos brasileiros sobre o esporte: ênfase no esporte-educação. Maringá: Eduem, 2010. TUBINO, M. J. G. O que é esporte. São Paulo: Brasiliense, 1999. (Coleção primeiros passos; 276). VAZ, A. F. Teoria crítica do esporte: origens, polêmicas, atualidade. Esporte e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 1-23, 2005. 68 O CONCEITO DE CIDADANIA NA ESCOLA DO SÉCULO XXI: UMA BREVE INICIAÇÃO AO DEBATE DA DIVERSIDADE Luiz Carlos dos Santos 1 RESUMO Este texto pontua os passos da educação brasileira, sua base histórica e sua trajetória como ferramenta integradora do ser humano, salientando a importância da educação na formação e inserção de novos valores morais dentro da sociedade. Trabalha-se com o conceito de cidadania e aporta-se na escola do século XXI, discutindo (tentando) a velha e a nova escola e seus métodos pedagógicos para lidar com as diversidades, com ênfase no contexto de gênero. Para tanto, valeu-se da revisão da literatura na área, sendo assim um escrito, característico da tipologia exploratória, no que concerne ao objetivo pretendido. Palavras-chave: Educação brasileira. A escola no século XXI. Cidadania. Direitos Fundamentais. Diversidade/Gênero. ABSTRACT This text points out the steps of Brazilian education, its historical base and its history as an integrating tool of the human being, stressing the importance of education in training and integration of new moral values in society. It works with the concept of citizenship and contributes to the school of the twenty-first century, discussing (trying) the old and the new school and its teaching methods to deal with diversity, with an emphasis on gender context. Therefore, thanks to the literature review in the area, thus a writing characteristic of the exploratory type, with regard to the intended purpose. Keywords: Brazilian education. The school in the XXI century. Citizenship. Fundamental Rights. Diversity / Gender. INTRODUÇÃO 1 Doutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS). Mestre em Educação - Université du Québec à Montréal. Especialista em Administração Tributária (UCSal). Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis (UFBA). Licenciado em Administração (UNEB) e Tecnólogo em Administração Hoteleira (IFBA). Site: www.lcsantos.pro.br - E-mail: [email protected]. 69 Pensar no capital humano enquanto bem que deve ser trabalhado é o mesmo que prepará-lo para a vida com ferramentas duradoras, singulares e intransferíveis, as quais somente são adquiridas por intermédio do conhecimento. A relevância da educação na formação e na inserção de novos valores morais na sociedade passa, necessariamente, pelo conceito de cidadania, no ambiente escolar do século XXI, discutindo-se a velha e a nova escola, seus métodos pedagógicos para lidar com as diversidades, nas novas estruturas sociais que se apresentam na perspectiva do contexto de gênero, destacando-se o papel da escola, no interior desta inovadora organização societal contemporânea. Acredita-se que trazer à baila a temática em epígrafe seria uma maneira de democratizar a questão, pois o debate sobre o enfrentamento das recentes leituras de gênero dentro desta nova era é um papel acadêmico, como também, é sua responsabilidade acompanhar a forma como este assunto está sendo introduzido na escola, no sentido de promover a pessoa humana, coloca-la em primeiro lugar, respeitando sua diversidade e criando acesso à cidadania. Corrobora-se Gentil e Gonçalves (2013, p. 367) quando asseveram “Só é possível construir um sujeito cidadão se a escola for, também, uma escola cidadã”. SINOPSE EVOLUTIVA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Entende-se que conhecer a história é conhecer a si mesmo e a todos os movimentos que de uma forma ou de outra conspiram para que a humanidade estivesse onde está e fosse o que é. De acordo com Cruanhes (2000, p. 22), “A história é reveladora e nos permite compreender os processos dentro dos quais, os homens, entendidos como agentes, produzem suas circunstâncias”. Nessa dimensão, pode-se então começar a entender, sob a ótica da história, que uma das ramificações da gênese dos problemas sociais brasileiros está na história da educação brasileira. É sabido que não é de agora que a educação apresenta-se assimétrica na sociedade. Desde o descobrimento do Brasil, e com a chegada dos portugueses, já no ano de 1500, o processo educacional foi instituído de maneira dura e sob o imperativo dos colonizadores. Com o fulcro da exploração do pau-brasil, dentre outras mercadorias, a imposição da língua portuguesa, da religião católica e da cultura branca, todas ditas superiores, marcou profundamente o processo educacional brasileiro. Esse início, 70 segundo Cruanhes (2000), foi marcado por inúmeras lutas entre colonizador e índios e se estenderam até 1549. Com a chegada dos padres jesuítas, pode-se dizer que foi criado um sistema educacional excludente, no Brasil, que não educa equitativamente a todos, com os mesmos saberes. Graças a Deus, a legislação brasileira, hoje, sobre o processo educacional, demanda irromper com esse distanciamento do indivíduo e de sua condição de cidadão. Conforme Ribeiro (2007), o intervalo de tempo que vai de 1549 até o ano de 1808 apresenta a consolidação do modelo agrário – exportador dependente, em torno do qual se constituíram os princípios educativos. Até então formadas de fazendas, sobrados e mocambos, a sociedade brasileira, que se constituía, passou a ter ares e formato de cidade, dentro da perspectiva europeia, com ruas e praças e começa então a apresentar a necessidade de escolas e professores que transmitissem a fé e os costumes europeus, que educassem uns para mandar e outros para obedecer (CRUANCHES, 2000) e foram os jesuítas, com filosofia e teologia, discípulos de Trento, que receberam do Rei de Portugal a concessão de Colégios no Brasil. Quanto aos negros, e principalmente às crianças negras, tanto os sacerdotes quanto os senhores consideravam desnecessário educa-las e até mesmo evangeliza-las (WEREBE, 1994). Ocorreu, contudo, que outras ordens, a exemplo dos beneditinos, carmelitas, franciscanos, dominicanos se estabeleceram, instalando novos colégios e novos conventos, difundindo seus conhecimentos, em casas-grandes e pelos sobrados, dando origem, desse modo, às escolas particulares não oficiais, visto que estas não faziam parte da rede de concessão real do ensino à Companhia de Jesus. Parafraseando Ribeiro (2007, p. 23), a prática da educação desse ´período tinha seu início pelo “ensino do português e o ensino da doutrina cristã como consequência”, bem como “a escola de ler e escrever”. A partir desse ponto a educação tornava-se opcional, com o ensino do canto “orfeônico” e de música instrumental, não tendo, de modo explícito, a intenção de fazer com que o ensino profissional atendesse exclusivamente a população branca. Ressalte-se que, segundo Cruanhes (2000), uma pequena parcela privilegiada aprendia latim, gramática portuguesa, retórica e filosofia, enquanto que a grande maioria do povo, índios e escravos, se aculturava na prática do trabalho e na troca de saberes populares, ficando a educação feminina limitada às boas maneiras e às prendas 71 domésticas, o que era condizente com os papéis reservados às mulheres dos colonizadores: o de serem esposas e mães. Registre-se que com o período pombalino iniciado, em 1759, quando aproveitando o ambiente hostil aos jesuítas em toda a Europa, por sua influência política nas Cortes, através dos confessionários e dos sermões, o Primeiro Ministro português, Marques de Pombal os expulsa de Portugal e de todas as suas colônias. A saídas dos jesuítas de terras portuguesas incrementa ainda mais a debilidade do cenário educacional, uma vez que poucos eram filhos de fazendeiros ou mineiros em situação financeira opulenta que buscavam educação na Metrópole. Na visão de Werebe (1994, 9. 26), aas ordens que permaneceram na colônia ofereciam um ensino pouco eficaz. O ano de 1772 deu-se início ao período das aulas Régias, praticadas como parte da política do Marquês de Pombal. Uma vez conseguida a licença do Reino, o novo professor deveria achar um local apropriado, podendo ser desde a sacristia de uma igreja até uma sala em sua própria residência, matricular os alunos e começar a lecionar. Esse novo professor receberia um salário mensal da Câmara oriundo de um imposto, criado especificamente para esse chamado “Subsídio Literário”, que era cobrado dos açougues e destilarias de cachaça, da colônia, e que de acordo com Cruanhes (2000), servia apenas para minorar a situação dos recursos destinados à educação. No ano de 1822, com a Proclamação da Independência do Brasil, D. Pedro assume como primeiro imperador brasileiro. Dois anos após, em 1824 foi outorgada a primeira constituição, com a implantação das províncias, sucessoras das capitanias hereditárias, reduzindo, dessa maneira, o poder das Câmaras Municipais e criando as bases de Federação e da unidade nacional do território brasileiro. Nesse momento instala-se um impasse no sistema educacional com a crescente demanda de alunos para os cursos primários e secundários e a falta de recursos humanos e financeiros para a abertura e manutenção de escolas, aguçada pelo retorno da Corte à Portugal e por um movimento de repatriamento tanto do ouro, riqueza brasileira e base da economia Portuguesa, bem como de professores. Assente-se que no meio da supramencionada crise, foram organizadas as escolas particulares, bancadas por fazendeiros e comerciantes, percursores dos empresários do ensino, oferecendo educação, não mais gratuita, mas paga, no Rio de Janeiro e em outras cidades maiores, contando inclusive com um diferencial – a presença de professores estrangeiros. 72 Frise-se que a educação passava por uma grande mudança estrutural, todavia, alguns aspectos permaneciam intocáveis, por exemplo, a educação feminina continuava relegada a segundo plano. As mulheres, de famílias ricas, recebiam uma educação limitada à alfabetização e ao cultivo de certas prendas. Apenas na segunda metade do século XIX, conforme Werebe (1994) ocorreram algumas mudanças: em 1820 havia apenas 20 escolas femininas em todo país e, em 1873, somente na província de São Paulo contavam-se 170. No que concerne à população indígena, das regiões suburbanas, que estudavam em mais de 200 escolas de primeiras letras de missões ou de filiais dos colégios secundários, a expulsão da ordem dos jesuítas figurou como uma tragédia em termos de aprendizado e até mesmo na condição de homem livre. Os negros permaneciam excluídos da educação e as crianças brancas, de ascendência portuguesa, tinha primazia sobre as nativas, ampliando o quadro de privilégio da cidadania por parte da minoria abastada. Os ideais democráticos foram fortalecidos com os ventos oriundos da Revolução Industrial e da Revolução Francesa e, no ano de 1827, institui-se no Brasil, a Lei do Ensino Elementar, que tinha como pressuposto a garantia do ensino público em todas as vilas do país e defendia assim a distribuição da escola por todo o território e em seus diferentes níveis. Segundo Ribeiro (2007), o modelo pedagógico, nesse período, era anti-jesuístico, já que o Ratio Studiorum havia se tornado o símbolo do atraso. Entretanto, como afirma Cruanhes (2000, 43), “[...] se houve novidades racionalistas, científicas e iluministas nas propostas e discussões pedagógicas, na prática, conservavase muito do decorar, do castigar e do premiar que constituíram o substrato curricular da educação brasileira”. Do império, pode-se asseverar que o evento educacional de maior vulto ocorreu em 1834, quando por um ato adicional à constituição, a responsabilidade de oferecer escolas primárias e secundárias públicas, até então a cargo do governo central do Império, passou a ser responsabilidade das províncias. (CRANHES, 2000). Enfatize-se que com a expansão das matrículas no nível primário, fez emergir a urgência da criação de escolas para a formação de professores. A maior expansão das escolas primárias e secundárias públicas, bem como as de formação professores, ocorreu em São Paulo, devido ao alto grau de urbanização que a população apresentava (GENTIL; GONÇALVES, 2013, p. 372.) 73 Convém assinalar que não se pode deixar de mencionar a expansão de escolas comunitárias, principalmente as confessionais primárias e secundárias, sobretudo nas maiores cidades do interior do país. Esse período, por conseguinte, pelo surgimento de centenas de comunidades religiosas que supriam as demandas de continuidade da escolarização não oferecida pelos governos. Ao longo do período da Primeira República, que se estendeu de 18889 a 1930, a legislação dizia que a escola estatal deveria ser pública e gratuita, ficando seus custos a cargo do Estado. Nesse momento então, ela deixou de ser elitista e tornou-se seletiva, saiu do estado religioso e assumiu um caráter laico, revelando grandes disputas entre os defensores da escola pública e os sectários da escola particular comunitária e confessional. A partir da Proclamação da República, o intuito para a educação era que construísse um currículo científico e laicizado, deixando transparecer assim, a presença de modismos pedagógicos importados, nomeadamente franceses e ingleses. Porém, o que mais singularizou esse momento foi a presença do denominado otimismo pedagógico, que conferia à escola a função de principal agente de mudança social, segundo Xavier (1992). Convém enfatizar que a organização do ensino primário e a implantação das Escolas Normais ou Institutos de Educação para formação de professores obrigavam as autoridades a uma definição curricular, a uma produção de textos didáticos que visava costurar uma prática de construção pedagógica da cidadania, como sublinha Cruanhes (2000). O núcleo da educação básica dos sete aos dezoito anos não se afastou muito do modelo jesuíticos, centrado nas humanidades da civilização ocidental, enriquecido com as modernidades das ciências naturais e da educação física e subtraído, a partir de 1891, como já foi exposto, o ensino da religião católica, que foi banida das escolas pela Constituição Republicana. Assistiu-se, na década de 1920, à grande efervescência das discussões educacionais, da Escola Nova e do Manifesto dos Pioneiros, que anunciava a chegada abrupta de novos tempos na sociedade e na educação. Entretanto, após a Revolução desencadeada por Getúlio Vargas, no início dos anos 30, o Brasil passou por um período, quando da criação do Ministério da Educação (MEC), marcado pela construção e organização do Sistema Nacional de Educação Federativo, momento de criação e expansão da universidade pública e universalização do ensino primário público. De acordo com Gentil e Gonçalves (2013), em virtude das transformações ocorridas, sob a influência do anarcosindicalismo e dos socialistas que lutavam contra a introdução das 74 primeiras indústrias de base, começava a ocorrer grande explosão da oferta de escolas públicas estaduais e municipais, além do surgimento das escolas de educação infantil e das campanhas de alfabetização de adultos e crianças do sistema de educação profissional patronal mediante a criação do SENAI e do SENAC. O fato que cabe levar em consideração foi a mudança em massa de populações rurais para os já crescidos centros urbanos, compelida pela industrialização do país, junto ao crescimento demográfico levando à uma substancial demanda de matrículas nas escolas públicas, que por sua vez proliferaram turnos, sobrecarregando salas de aula e compeliram a construção de prédios cada vez mais desguarnecidos para o ensino. Além do grande número de salas de aula, o ensino noturno foi institucionalizado com a finalidade de atender à população trabalhadora, contudo, ainda assim, os problemas educacionais persistiam. Assinale-se que a maior transformação do período que precedeu a ditadura militar ocorreu de fato com alunos e com a comunidade externa à escola. A democratização do ingresso foi concomitantemente uma pressão e um acontecimento. Cruanhes (2000) assevera que o ingresso nas salas de aula extrapolou as bemcomportadas crianças das elites e classe média para a população tipicamente brasileira, pobre, mestiça, com dificuldades financeiras até mesmo para adquirir o material escolar básico para o aprendizado das primeiras letras. Esse novo cenário, de acordo com o citado autor, pressionou o Estado a estabelecer políticas públicas de ação social nas escolas, que iam desde a oferta da merenda escolar até o atendimento à saúde. Em decorrência desse quadro, a perda do prestígio das escolas públicas, bem assim as exigências de aprendizagem e, possivelmente, a hegemonia quantitativa das classes populares baniram as elites e classe média dos bancos escolares dessas escolas. Esses grupos expulsos viram-se obrigados a frequentar colégios de ensino particular, que se de um lado se apresentavam onerosos em contra partida ofereciam um ensino de boa qualidade, utilizados como meio, quase certo, de ingresso no ensino superior, em especial nos cursos que ofereciam um melhor status nas universidades públicas federais e estaduais. Corroborando Gentil e Gonçalves (2013), assim a educação entra no período da ditadura militar brasileira e encontra a universalização do ensino de primeiro grau, tendo um caráter obrigatório e gratuito. A lenta ampliação da educação infantil e do ensino médio público, além da progressiva descaracterização das escolas normais, bem 75 como a desqualificação das licenciaturas e o arrefecimento dos movimentos de alfabetização são marcadores desse período. Ah! Outros marcadores despontam no horizonte da educação e caracterizam o período supra, como por exemplo, o fracasso na proposta de profissionalização do ensino médio e a criação de nichos de oferta do ensino particular, sobretudo nos níveis de pré-escolas, ensino médio e pré-vestibulares que apresentavam cursos com valores não elevados, no âmbito do terceiro grau e do supletivo. No entendimento de Cruanhes (2000), com o intuito de otimizar o tempo dos alunos e reduzir a presença destes em sala de aula, foram oferecidos cursos privados de terceiro grau, de qualidade imprecisa. Estes cursos proliferaram no sudeste brasileiro e trouxeram consequências danosas para a educação, ao lançar no mercado da escola pública professores sem a devida qualificação. E da propagação do conhecimento dos direitos e deveres constitucionais para todos, independentemente das fronteiras de raça, sexo, idade, origem, posição econômica ou social que a busca por justiça e democracia vai se concretizando. Registre-se, nessa perspectiva, que a educação verdadeira e democrática não somente guarnece o conhecimento da esfera sociocultural e seu acesso, bem como possibilita acabar com a disjunção e a segregação entre as pessoas. Na contemporaneidade, como afirma Cruanhes (2000), o conceito de cidadania encontra-se presente em todos os ambientes da sociedade - é assunto de debates não somente nas escolas, mas nas organizações empresariais, nas instituições públicas, nas entidades do terceiro setor, inclusive igrejas, revelando-se nos mais variados processos reivindicatórios - de luta por saneamento básico até o fim da discriminação sexual, racial, econômica e social. É o que parece enquanto âncora constitucional vigente em seus arts. 6º, 205 e 206º. O LOCUS ESCOLAR NO SÉCULO VIGENTE Para Gentil e Gonçalves (2013), a educação deve ser entendida como processo e, como tal, passível de transformação, logo é inegável que a educação brasileira, ao longo de sua existência, tem experimentado mudanças institucionais e conceituais que transformaram. Ainda hoje, a escola - locus primordial onde a vida se processa – ainda tem se relevado, em certos aspectos, fechada, enclausurada em si mesmo como 76 estratégia de defender princípios de uma cultura rançosa de modelos arcaicos oriunda de uma classe dominante, como denuncia Espírito Santo (2011). Nessa dimensão, Marcondes (1998, p. 26-27) não extrapola a medida do bom senso, muito mesmo sugere uma falsa realidade, quando vincula a imagem da escola ao de um mosteiro medieval, traçando um paralelo entre mundos tão desirmanados, num primeiro instante, mas que compartilham muito mais elementos, numa simples análise mais profunda, quando diz: “o mundo do mosteiro medieval é um mundo fechado, protegido, autocontido”, e mesmo quando do prossegue assegurando que “o mosteiro é também uma fortaleza” e que suas muralhas e portões “serviam como defesa contra ataques e assédios de invasões e inimigos e, ao mesmo tempo preservam a vida [...] dos perigos, ameaças e perturbações do mundo externo”. Dessa maneira, na percepção do citado autor, a escola comunga com o mosteiro o mesmo espaço quando se coloca como “ilha de estabilidade em mundo em conflito, como centro de ser”, e por isso mesmo o mundo do mosteiro, assim como o da escola “é um mundo fechado, voltado para seu interior, um espaço restrito, de regras rígidas”. Todavia, movimentos dos diversos caráteres, no seio da sociedade, têm feito emegir uma temática que vem arvorar-nos perspectivas para a educação e essas perspectivas encontram eco nas palavras de Kilpatrick (2011, p. 80(, quando este assevera que “quer gostemos disso ou não, a filosofia da mudança é a única capaz de lidar com o nosso mundo e nos fornecer uma orientação “, dessa forma a escola assume definitivamente seu papel como parte complementar e essencial do movimento social no cerne da mudança de paradigma. Coadunam-se Gentil e Gonçalves (2013, p. 378) com o entendimento de Kilptrich (2011), na medida em que aqueles entendem que o deslocamento conceitual que a escola sofre fissura a instituição de ensino gera uma nova concepção de escola, a escola nova. Nesse momento então passam a coexistir dois tipos de escola, a velha e a nova. A velha, detentora de intransponíveis muralhas e pesados portões, subalterniza os alunos e submete a processos de aquisição de conhecimento por declaração formulada, a partir de soluções imediatas para problemas sociais do passado, além de proferir um discurso que busca o aspecto da idoneidade e da igualdade/irmandade. Gentil e Gonçalves (2013), entendem que a escola velha foge ao seu motivo primeiro, a educação e construção de uma consciência cidadã nos alunos, 77 relegando esse processo a um nível tendencioso e corrompido socialmente, transformando-se num espaço paradoxal de tal sorte que: A educação escolar embora devesse educar para a cidadania e para a igualdade tende a reproduzir valores e costumes dominantes da sociedade, na qual se expressam as discriminações, dentre elas as de gênero. A escola é, portanto, espaço de um importante dilema ou paradoxo – de um lado reproduz a diferença, porém marcada pela desigualdade, de outro lado deveria valorizar a diferença, por meio do respeito à diferença. (ANTONELLI; BRABO, 2007, p. 34). Diametralmente oposta à velha escola, a instituição insurgida da inquietude e da efervescência que a sociedade, ou parte dela, experimenta, traz como pilar central a democracia e injeta mais vida, mais experiência real, mais humanidade e mais prática de autocontrole em seus currículos em sua gerência, assim, a nova escola “[...] tenta se tornar mais democrática em sua administração, a fim de desenvolver seus alunos, mas também de proporcionar oportunidades para a prática do autocontrole e de outras virtudes sociais” (KILPATRICK, 2011, p. 99). Ressalte-se que a mudança que leva a escola de um patamar para outro, que permite uma democratização, não apenas do saber, mas da cidadania está sob a égide de um processo moroso que tem princípios tanto para o processo educacional, quanto para os sujeitos de dele se valem. Longe de ter um caráter pejorativo, reincidente no discurso dominante para subalternizar as ideologias não hegemônicas, e construir um discurso que represente o dominado, essa transgressão lança luz na “busca um novo paradigma em educação” que “passa pela constatação de um universo em permanente mutação, que não se coaduna com a rigidez do uso do espaço” (ESPÍRITO SANTO, 2011, p. 31). A mencionada transgressão vem somar esforços na busca de uma educação mais democrática, mais ampla, mais humana. É esse caráter transgressor que colocará em foco uma nova forma de educar, um novo posicionamento da escola frente a questões como etnia, classe e gênero. A escola transgressora agora assume um papel cidadão e começa a buscar equidade e a defender os direitos fundamentais do sujeito, para que dizimando os bolsões de poder, a igualdade na diferença seja respeitada e assim perpetue os valores da nova escola, da nova educação. 78 DIREITOS FUNDAMENTAIS, CIDADANIA E EDUCAÇÃO Para Gentil e Gonçalves (2013), a realidade brasileira apresenta, atualmente, uma sociedade desintegrada, assimétrica e preconceituosa porque, mesmo com o lastro constitucional, a maioria dos membros da sociedade não tem acesso à educação, devido às barreiras demarcadas pela pobreza e pela miséria estrutural do país. Tem-se, na verdade, uma escola que afirma ser livre e emancipadora, mas que, se alia as lógicas da performance, na mais pura subordinação às pragmáticas necessidades do mercado de trabalho (PACHECO, 2011, p. 41). Acrescentando-se a isso as que têm acesso à educação a encontram precária e de má qualidade. Entende-se que garantir o direito à educação de boa qualidade que fomente em cada cidadão brasileiro o sentimento de cidadania acredita-se ser necessário que se promova nos currículos do ensino médio e fundamental uma reforma para que ao mesmo tempo em que os alunos sejam alfabetizados, estes possam obter os conhecimentos básicos sobre os seus direitos e deveres como cidadãos, em suma, esses alunos precisam ser educados à luz dos direitos humanos. No entendimento de Silveira et al. (2007, p. 5) “Socializar em Direitos Humanos implica em implantar processos que possam difundir, se não para absolutamente todas (esse é horizonte desejável), mas para o maior número possível de pessoas [...]”. Já Libânio (1996, p. 16), assevera que a própria palavra cidadão, em seu sentido etimológico, “deriva da noção de cidade, daquele que habita a cidade”. Gentil e Gonçalves (2013, p. 382), afirma que o conceito de cidadania de Aristóteles encontra no pensamento de John Locke o seu primeiro contraponto. Locke relacionava a cidadania à existência dos direitos naturais, na medida em que, os indivíduos, enquanto seres humanos possuíam direitos naturais e para conservá-los deveriam contratar em si a criação de um Estado, pois seus direitos estariam sempre sob ameaça de violação enquanto os homens vivessem em estado de natureza - estado no qual o homem se encontra na plena liberdade. Para Rousseau (1981, p. 27), a concepção de cidadania arrazoa-se uma preocupação em não separar igualdade da liberdade, ou seja, “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda força comum às pessoas e bens de cada associado e pela qual, unindo-se a todos, só obedece, todavia a si próprio e permanece tão livre quanto antes”. 79 Falar de cidadania, não se pode deixar de lado o que Kant legou, de acordo com Weffort (1990, p. 62), são características dos cidadãos: a autonomia (capacidade de conduzir-se segundo seu próprio arbítrio), a igualdade (perante a lei não se diferenciam entre si quanto ao nascimento e a fortuna) e a independência (capacidade de sustentar-se a si próprio). Depreende-se que a concepção de cidadania para Kant tem como alicerce os direitos inatos à liberdade e à igualdade. De igual modo, ao se discutir cidadania, não se pode deixar de mencionar Marx, influente pensador que pela primeira vez na história lança luz sobre cidadania plena. O pensamento de Marx contribuiu de forma expressiva para o conceito de cidadania, no momento em que critica o uso dos direitos pela burguesia para dominar os outros indivíduos. Conforme Covre (1991, p. 33), “As ideias de Marx sinalizam a cidadania como parte inerente ao que ele nomeia de emancipação política, e a política, em sua opinião, é substância primária da opressão”. Portanto, e com o condão da Declaração dos Direitos do Homem, cidadania é um direito social do cidadão ao acesso à educação, com liberdade de ensino, com direito dos pais de escolher o gênero de educação a ser dado aos seus filhos. Caminhando juntas, educação e cidadania são indissociáveis, pois quanto mais educado for o indivíduo, mais capaz de lutar e exigir seus direitos e de cumprir seus deveres. Nesse sentido, Gentil e Gonçalves (2013) afirmam: “O conhecimento intelectual é um dos pressupostos na formação do cidadão, mas a formação da cidadania extrapola o domínio do saber intelectual: práticas pedagógicas destituídas de sentido e de valor levam a um saber fragmentado e alienante” (p. 385). O CURRÍCULO ESCOLAR A partir desses fragmentos de ensinamentos, a escola é o espaço que a a família encontrou como lastro na educação de seus filhos, todavia, essa âncora acabou por tornar-se a artéria vital no processo agregador de conhecimentos das crianças que desde cedo são inseridas nesse curso, para que mais tarde possam ingressar, bem preparadas, na vida adulta. Dessa maneira, a escola encontra-se esquadrinhada por duas finalidades com asseveram Magalhães e Ruiz (2011, p. 133): [...] estigma e currículo oculto [...]. De um lado, trata-se de uma instituição cuja pretensão é ensinar as novas gerações o conhecimento socialmente construído e acumulado pela humanidade. Por outro lado, a 80 este objetivo, sempre explícito, soma-se outro: a função da escola como espaço ideológico, onde há reprodução social e cultural. Gentil e Gonçalves (2013, p. 386), ao contextuarem os dois objetivos supramencionados, afirmam que o conceito de currículo deriva de tais objetivos “um conjunto de conteúdos e/ou matérias de um curso escolar que tem por finalidade balizar a vida escolar dos alunos integrantes de determinada instituição de ensino [...] não se encerra na proposta pedagógica em si, mas associa-se, outrossim, à forma como os professores compreendem e lidam com a deficiência e com as diferenças de seus alunos”. A educação, dessa forma, compromete-se com o desenvolvimento absoluto da pessoa e consequentemente atrela esse desenvolvimento às quatro premissas apontadas pela UNESCO como eixos estruturantes da educação na sociedade contemporânea: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver; e, aprender a ser. Contudo, translada-se o que (LIONÇO; DINIZ, 2009, p. 49) afirmam “A escola, instituição social, que deveria estar em consonância com a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), de 1988, que explicita “[...] a universalidade dos direitos sociais, sem discriminação de qualquer espécie, apresentando a diversidade como valor social”. Não o faz, e dessa maneira transforma o currículo escolar num instrumento tendencioso e de dominação. Não é difícil perceber então que a escola emprega forças de uma homogeneização dos alunos, desrespeitando suas identidades”. E O GÊNERO NO CURRÍCULO ESCOLAR? De acordo com Dinis (2008, p. 479), a gênese do debate sobre diversidade sexual e de gênero no espaço acadêmico tem seu marco zero nos meados da década de 1970 e deve-se historicamente, “a pressão dos grupos feministas e dos grupos gays e lésbicos que denunciaram a exclusão de suas representações de mundo nos programas curriculares das instituições escolares”. Para Gentil e Gonçalves (2013), é inegável que o tema gênero figure dentro das escolas e em seus currículos hoje, contudo, a inserção deste conteúdo ainda é materializada de forma heteronormativa e indireta. A temática foi incorporada aos temas transversais, a exemplo da educação ambiental. Muito embora pontue questões nos espaços da promoção da saúde sexual e da prevenção de DSTs/AIDS, bem como 81 gravidez indesejada, os Parâmetros Curriculares Nacionais não explicita o ensino de sexualidades marginais. Denis (2011, p. 47) ensina como são tratados pelos profissionais da educação, suprimindo-os, de todas as formas possíveis, de dentro do processo ensinoaprendizagem: [...] essa ignorância sobreo tema, assim como a presunção assumida por professores de que a escola só deva discutir assuntos universais, sendo somente a norma da heterossexualidade concebida como natural e universal, exclui a sexualidade de estudantes LGBTTs e faz com que a diversidade sexual e de gênero seja um tema excluído do currículo, mesmo das aulas de Educação sexual. O fato é que, a forma como certos professores educadores tratam o assunto levam a sedimentação do silêncio em torno da problemática e faz com que aquele que, de alguma forma, esteja sob o espaço da dominação eleja o discurso do dominante no intuito de justificar sua própria dominação como diria Bourdieu (2010). Entende-se que refletir sobre as questões de gênero é sempre muito delicado, neste sentido é que a escola tem que se posicionar; colocar para dentro dos muros institucionais o argumento em tela. UMA EDUCAÇÃO PARA E PELA CIDADANIA: ESCOLA CIDADÃ É imprescindível compreender o conceito de cidadania, a partir de um contexto histórico, no caso da educação para e pela cidadania, como afirma Gadotti (2008, p. 66), A educação para e pela cidadania deve ser entendida hoje, no Brasil, a partir de um movimento educacional concreto, acompanhado por uma particular corrente de pensamento pedagógico. Esse pensamento e essa prática, sem deixar de apresentar suas contradições, caracterizam-se pela democratização da educação democrática em termos de acesso e permanência, pela participação na gestão e escolha democrática dos dirigentes educacionais e pela democratização do próprio Estado. Para Paulo Freire (1997, p. 45), “a escola cidadã é aquela que se assume como centro de direitos e de deveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania [...] é uma escola de comunidade, de companheirismo. É uma escola de produção comum do saber e da liberdade”. Pelas leituras empreendidas para a elaboração deste escrito, entende-se que a escola cidadã está sustentada por um pressuposto mais amplo: o da maior autonomia das 82 escolas na definição do seu projeto político pedagógico. A autonomia para a vida, onde cada indivíduo possa sair das dependências da escola e possam buscar sua condição plena de cidadão. A escola cidadã tem o compromisso de formar para a vida pública e privada cidadãos que entendem o valor da diferença, esteja ela em campos com a etnia, a língua, classe ou de gênero e que se auto respeitem, mas também respeitem no outro o direito de ser e existir. CONCLUSÃO Seguindo o fio condutor deste escrito (concatenando-se as ideias), acredita-se que por intermédio da educação sistematizada pode-se alcançar um alto grau de acessos, sejam de bens materiais ou morais e, dessa maneira, então, adquirir a cidadania. Cidadania entendida nestes fragmentos como algo de plena liberdade em fazer opção. As escolhas contemplam as condições de acesso ao espaço político, social, de orientação sexual, econômica, de moradia, de saúde, enfim, um indivíduo que tenha liberdade da fome, liberdade do cativeiro social, liberdade para participar conscientemente de eleições, liberdade para combater o analfabetismo, o preconceito, o desconhecimento: a cidadania como valor moral que abarca aceitação do diferente, da diversidade em toda e qualquer estrutura sem rejeição. Não pode ser diferente! Um indivíduo que não pode optar não habita o espaço ocupado por um cidadão. Empregar a educação como forma de promoção humana seria o único caminho dentro do campo do possível, a fim de atingir a cidadania e, consequentemente, o respeito dos seres humanos por humanos. REFERÊNCIAS ANTONELLI, Tânia Suely; BRABO, Marcelino (orgs.). Gênero e Educação: Lutas do passado, conquistas do presente e perspectivas futuras. São Paulo: Ícone, 2007. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Bauru: Edipro, tradução Edson Bini. 2. ed., 2007. BOURDIEUX, Pierre. A dominação masculina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. 83 BRASIL, Ministério da Educação (MEC), Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e diversidade, UNESCO. Rogério Diniz Junqueira (org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, 2009. ________. Ministério da Educação (MEC). Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. 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São Paulo: Ática, 1997. 85 A RELAÇÃO ENTRE AS METODOLOGIAS DE ENSINO USADAS PELOS PROFESSORES E A APRENDIZAGEM EFETIVA DOS ALUNOS Marizete Pinheiro de Oliveira 1 RESUMO Na sociedade do conhecimento, a cada dia, as exigências por novas competências têm aumentado em paralelo e na mesma proporção que o fracasso escolar. Estudos Têm mostrado que o não aprendizado dos estudantes é causado por vários fatores: um deles são as práticas pedagógicas dos professores. Neste contexto, compreender a relação entre as metodologias de ensino utilizadas pelos professores e a aprendizagem efetiva dos educandos se faz necessário. O presente artigo que se encaminhou através de revisão bibliográfica, objetivou saber como se dá essa relação. Para tanto, foi realizada uma discussão acerca das abordagens de ensino; das teorias de aprendizagem; das metodologias, dificuldade de aprendizagem e aprendizagem efetiva dos educandos. Com isso, pode se concluir que as metodologias utilizadas pelos professores podem influenciar na aprendizagem do aluno, favorecendo uma aprendizagem efetiva ou contribuir para a dificuldade de aprendizado destes. Palavras-chave: Ensino e aprendizagem. Metodologias de ensino. Aprendizagem efetiva. 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho visa contribuir com debate contextualizado das metodologias de ensino como um meio de alcance da aprendizagem efetiva dos estudantes, com ênfase especial as abordagens de ensino e as teorias de aprendizagem. Inicialmente, busca-se uma breve atualização dos princípios das abordagens de ensino que norteiam o processo de ensino-aprendizagem e, na sequência, problematizase a relação das metodologias utilizadas pelos professores com a dificuldade de aprendizagem e aprendizagem efetiva dos estudantes. Na linha de pensamento de argumentação de Mizukami (1986), a educação tem um papel importante no desenvolvimento e conhecimento à medida que provoca situações de desequilíbrio para os aprendizes, os desequilíbrios devem ser adequados ao 1 Especialista em Orientação Educacional (ESAB); Licenciada em Ciências Naturais (UFBA); Professora e Orientadora Educacional. [email protected] 86 nível de desenvolvimento em que estes se encontram para que seja possível a construção progressiva das noções e operações intelectual e afetiva. Neste sentido, as metodologias utilizadas pelos professores podem influenciar na aquisição do aprendizado. 2. ABORDAGENS DE ENSINO Ao falar em educação este termo nos reporta a várias correntes de pensamentos que nos conduzem ás tendências de ensino existentes em cada contexto social e histórico. Cada uma das tendências assume uma abordagem de ensino-aprendizagem que está pautada no ideal de mundo, de sociedade, de homem, de escola e de educação. É a partir desses ideais que a escola busca a melhor estratégia para atingir o processo de ensino-aprendizagem. O processo de ensino e a aprendizagem têm sido estudados por diferentes vertentes. Mizukami (1986) em seus estudos considera algumas correntes teóricas: tradicional, comportamentalista, humanista, sociocultural e cognitivista. Essas correntes procuram compreender o fenômeno educativo através de diferentes enfoques, muitos dos quais estão relacionados ao seu momento histórico e a sociedade no qual está inserida. Considerando os estudos da autora, será feita uma breve comparação/descrição das abordagens apontando as ideias de escola, aluno, professor e ensino-aprendizagem de cada uma delas. 2.1 ABORDAGEM TRADICIONAL A abordagem tradicional, ainda, é a mais utilizada na maioria das escolas. A escola tradicional é um lugar ideal para a realização da escola organizada com funções claramente definidas. As normas são rígidas. Esta escola tem como principal função preparar o indivíduo para a sociedade. Dentro desta abordagem o aluno é um ser passivo que deve assimilar os conteúdos transmitidos pelo professor. Ele deve ter domínio do conteúdo cultural 87 universal transmitido pela escola, o educador é o ser pensante e o aluno é visto como um objeto no qual será depositado o saber do professo. O professor é transmissor dos conteúdos aos alunos e, na relação professor-aluno este é o detentor das ações. Paulo Freire chama esta educação de bancária, também conhecida como educação burguesa. Esta educação tem por finalidade manter a divisão entre os que sabem e os que não sabem, entre oprimidos e opressores. O ensino e a aprendizagem devem obedecer a uma sequência lógica dos conteúdos. Estes conteúdos são baseados em documentos legais selecionados a partir da cultura universal acumulada. Nos processos de ensino as aulas expositivas com exercícios de fixação e leituras-cópias predominam. 2.2 ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA Nessa abordagem a escola é considerada como uma agência educacional, um modelo empresarial aplicado à escola, a qual está dividida em duas funções: planejamento e execução. O aluno é o elemento para o qual o material é preparado. Ele é eficiente e produtivo. O professor é quem seleciona, organiza e aplica um conjunto de meios que garantam a eficiência e a eficácia do ensino. No ensino e aprendizagem os objetivos educacionais são categorizados e operacionalizados a partir de classificações gerais (educacionais) e específicas (instrucionais). Os comportamentos desejados serão instalados e mantidos nos alunos por condicionantes e reforçadores. 2.3 ABORDAGEM HUMANISTA Para os teóricos desta abordagem a escola é proclamada para todos. Ela é democrática devendo oferecer condições ao desenvolvimento e autonomia do aluno. As normas disciplinares, aqui, perdem a rigidez. O aluno é ativo, é o centro do processo de ensino e aprendizagem, é criativo e participativo. É àquele que aprendeu a aprender. O professor é o facilitador da aprendizagem. 88 A aprendizagem e o ensino obedecem ao desenvolvimento psicológico do aluno. Os conteúdos programáticos são selecionados a partir dos interesses dos alunos. 2.4 ABORDAGEM SOCIOCULTURAL Dentro da expectativa desta abordagem, a escola deve organizar e estar funcionando bem para proporcionar meios para que a educação se processe em múltiplos aspectos. O aluno é uma pessoa concreta, objetivo que determina e é determinado pelo meio social, político, econômico e individual, individual porque ele constrói sua própria história. Este aluno deve ser capaz de operar, conscientemente, mudanças da realidade. O professor é o educador que direciona e conduz o processo de ensino e aprendizagem. A relação entre este e os alunos deve ser horizontal, ambos se posicionando como sujeito do conhecimento. Os objetivos do ensino e da aprendizagem são definidos a partir das necessidades concretas do contexto histórico-social no qual os sujeitos se encontram. O ensino tem o dever de direcionar os indivíduos a uma consciência crítica, deste modo, o diálogo e a discussão são fundamentais para a aprendizagem. 2.5 ABORDAGEM COGNITIVISTA O processo de informação ou teoria cognitiva aborda o estudo da mente e da inteligência em termos de representações mentais e dos processos centrais do sujeito, estes, sedo dificilmente observáveis. Dentro desta teoria o conhecimento é a integração e processamento de informações. O aluno é essencialmente ativo, àquele que observa, experimenta, compara, relaciona, analisa, justapõe, compõe, encaixa, levanta hipótese e argumenta. O professor cria situações desafiadoras e desequilibradoras promovendo reciprocidade e cooperação, por meio de orientações. Os teóricos desta abordagem se opõem aos da comportamentalista, para eles o ensino e a aprendizagem devem desenvolver a inteligência considerando o sujeito 89 inserido numa situação social. A inteligência é construída a partir da troca do organismo com o meio, por meio das ações do indivíduo. A aprendizagem é baseada no erro, na pesquisa, na investigação, na solução de problemas facilitando o aprender a pensar. Uma breve análise das abordagens de ensino a partir dos estudos de Mizukami (1986) conclui-se que elas são de fundamental importância no processo de ensino aprendizado, uma vez que, são elas que dão norte os processos executados. Hoje, percebe-se que elas coexistem nos espaços escolares, mas àquela que se enquadra aos princípios de ensino-aprendizagem, que a sociedade atual exige é a cognitivista. Por isso, este trabalho dar uma ênfase maior a esta abordagem. A abordagem cognitivista estuda cientificamente a aprendizagem, considerando as formas como os indivíduos portam-se diante dos estímulos ambientais, organizam dados, sentem e resolvem problemas, adquirem conceitos empregando símbolos verbais. Nessa abordagem de ensino as relações construtivistas interacionistas têm predomínio e seus principais representantes é o norte-americano Jerome Bruner e o suíço Jean Piaget. Na epistemologia genética, o conhecimento é considerado como uma construção continua. A formação de novas estruturas que não existiam antes no individuo, caracteriza a passagem de um estado de desenvolvimento para o seguinte. O conhecimento é ativo, o individuo conhece um objeto e passa agir sobre ele através de transformações que acontece em sua estrutura cognitiva. A partir de ações transformadoras ele conhece e assimila as estruturas de transformações que são elaboradas pela inteligência quando sua ação é prolongada. Para Mizukami (1986), é necessário considerar que a aprendizagem pode parar na primeira etapa do conhecimento (fase exógena). O verdadeiro conhecimento implica no aspecto endógeno, pois pressupõe uma abstração. Essa abstração, para Piaget (1970), pode ser reflexiva ou empirista. A educação tem um papel importante no desenvolvimento e conhecimento à medida que provoca situações de desequilíbrio para os aprendizes, os desequilíbrios devem ser adequados ao nível de desenvolvimento em que estes se encontram para que seja possível a construção progressiva das noções e operações intelectual e afetiva. Neste sentido, as metodologias utilizadas pelos professores podem influenciar na aquisição do aprendizado. É como diz Mizukami (1986, p. 71): O objetivo da educação não constituirá na transmissão de verdades, informações, demonstrações, modelos etc., e sim em que o aluno aprenda por si próprio, a conquistar essas verdades, mesmo que tenha de realizar todos os tateios pressupostos por qualquer atividade real. 90 Para a autora, o ensino deve estar vinculado a uma abordagem critica e provocativa da participação do aluno. Para isso a escola deve dar oportunidade ao aprendiz de buscar o conhecimento através da investigação individual, por tentativas e erros ele aprenderá. Isso tem implicação na própria capacidade de aprender de cada individuo. O processo de ensino deve procurar desenvolver a capacidade intelectual do aprendiz dando prioridade as suas atividades. O material de ensino deve ser organizado de forma que produza um efeito global na formação dos educando. Por isso, o ensino deverá assumir diversas formas no processo de desenvolvimento, porque a aprendizagem dos estudantes depende do esquema presente em seu estado atual com o relacionamento com o meio. Toda aprendizagem implica em assimilar o objeto de estudo a esquemas previamente formados. Segundo Moreira (1985), o ensino deve ser planejado levando em conta o que se sabe sobre o desenvolvimento intelectual do aprendiz. Diante disso, é importante que o professor, antes de expor um conteúdo novo, faça um teste de sondagem com os aprendizes e a partir daí apresentá-los de forma estruturada numa sequencia lógica, e no grau de aprofundamento coerente com o nível de desenvolvimento intelectual destes evitando que eles tenham um bloqueio no processo de aprendizado. Bruner (1969) salienta que o ambiente ou conteúdo de ensino têm que ser percebido pelo aprendiz em termos de problemas, relações e lacunas que ele deve preencher, a fim de que a aprendizagem seja considerada significante e relevante. O ambiente para que o aprendiz possa ter uma aprendizagem por descoberta deve ser inserido por novas alternativas que resultem na percepção de relação de similaridade entre ideias apresentadas e aquelas previamente conhecidas pelo aprendiz. Os conteúdos de ensino, por sua vez, devem ser apresentados de uma forma que os estudantes tenham oportunidade de vê-los mais de uma vez, em diferentes níveis de profundidade e em diferentes modos de representação (BRUNER, 1969). 3. TEORIA DE APRENDIZAGEM Para entender os pontos centrais da natureza da aprendizagem é importante reportar-se ao seu desenvolvimento histórico, filosófico e psicológico. Várias correntes de pensamento se desenvolveram e se definiram para explicar os modelos educacionais. 91 Dentre estes modelos estão: a corrente empirista, o inatismo, ou nativismo, as associacionistas, os teóricos de campos e os teóricos do processamento da informação ou psicologia cognitivista, o construtivismo e o sócio-construtivismo. O presente trabalho, diante do exposto no tópico anterior, aborda o modelo de aprendizagem idealizado pelos pensados cognitivistas. Para eles, o ensino deve ser adaptado à natureza própria de cada aprendiz, ele só aprende quando o ensino se faz por experimentação, observação e reflexão. O conhecimento deve integrar e processar as informações adquiridas do produto do ambiente desses indivíduos e dos fatores que lhes são externos porque ele aprende por meio de tentativas e erro, é através da pesquisa que ele vai selecionando as informações e formando esquemas que servirão de subsunçor para um novo aprendizado (MOREIRA, 1982). A base de sua aprendizagem é o modo da percepção de suas relações com as informações recebidas. Seu aprendizado dá-se inicio a partir de suas próprias iniciativas, se o individuo não se interessa pelo conhecimento nenhuma informação terá significado para a sua vida, deste modo, não haverá aprendizagem. Caso isso ocorra, caberá ao professor criar situações-problemas que permitam a busca de soluções, pelos aprendizes, fazendo com que a aprendizagem tenha significado em suas ações (DAVIS E OLIVEIRA, 1990). As teorias de aprendizagens cognitivas representam os pressupostos abordados acima. Elas tratam do modo como às pessoas percebem, aprendem, recordam e pensam sobre a informação. Piaget (1970) é feliz ao dizer que aprendizagem é aumento do conhecimento e só há aprendizagem quando o esquema de assimilação sofre acomodação, ou seja: uma reestruturação da estrutura cognitiva, esquemas de assimilação existentes, do indivíduo, o que resulta em novos esquemas de assimilação mental. Pois, o processo de aprendizagem não está relacionado apenas a fatores externos, deve existir algum fator interno que permita que novos conhecimentos sejam assimilados pelo indivíduo. Já Jerome Bruner (1969), parte do conceito de que aprendizagem é modificação do comportamento resultante da experiência. Estruturas cognitivas são padrões de ação física e mental subjacentes a atos específicos de inteligência e correspondem a estágios do desenvolvimento infantil. Concordo com o autor quando ele diz que a aprendizagem é modificação do comportamento resultante da experiência. A experiência que um 92 indivíduo adquire leva-o a aprendizagem e essa aprendizagem é resultado da assimilação dos conhecimentos existentes na estrutura cognitiva. E, se há uma modificação de comportamento é porque houve aprendizagem. Segundo Piaget (1970) existe quatro estágios de desenvolvimento: sensorialmotor, pré-operações, operações concretas e operações formais. No estágio sensorialmotor, a inteligência assume a forma de ações motoras. A inteligência no período préoperação é de natureza intuitiva. A estrutura cognitiva durante o estágio de operações concretas é lógica, mas depende de referências concretas. No estágio final de operações formais pensar envolve abstrações (PIAGET, 1970). Por isso, os conteúdos e as técnicas de ensino utilizadas pelos professores no processo de transmissão/assimilação dos conhecimentos devem está de acordo com o estágio cognitivo dos educandos. O autor diz que as estruturas cognitivas mudam através dos processos de adaptação, assimilação e acomodação. A assimilação envolve a interpretação de eventos em termos de estruturas cognitivas existentes, enquanto que a acomodação se refere à mudança da estrutura cognitiva para compreender o meio. O desenvolvimento cognitivo consiste de um esforço constante para se adaptar ao meio em termos de assimilação e acomodação. Embora os estágios de desenvolvimento cognitivo identificados por Piaget estejam associados a faixas de idade, eles variam para cada indivíduo. Além disso, cada estágio tem diversas formas estruturais detalhadas. “Basta observar que o período operacional concreto tem mais de quarenta estruturas distintas, cobrindo classificação e relações, relações espaciais, tempo, movimento, oportunidade, número, conservação e medida” (VAZ e RAPOUSO, 2002). O desenvolvimento cognitivo tem como facilitador das atividades situações que envolvam os aprendizes e que requeiram adaptação destes. Os materiais de aprendizado e atividades devem envolver um nível apropriado de operações motoras ou mentais para uma criança de uma dada idade. É preciso evitar o pedido para que os aprendizes realizem tarefas que estejam além de suas capacidades cognitivas atuais, isso pode gerar dificuldade de aprendizado. Bruner (1969) afirma que o aprendizado é um processo ativo, no qual o aprendiz constrói novas ideias ou conceitos, baseado em seus conhecimentos prévios e os que estão sendo estudados, baseado em sua estrutura mental inata. Também concordo neste ponto, pois, todo individuo nasce com uma estrutura cognitiva e é através dela que o aprendiz filtra e transforma a nova informação, infere hipóteses e toma decisões. 93 Segundo Moreira (1982), a estrutura cognitiva - esquemas e modelos mentais fornece significado e organização para as novas experiências, permitindo ao aprendiz enriquecer seu conhecimento além do conceito estudado, através do relacionamento das novas informações com seus conhecimentos prévios. O papel do professor é o de incentivador dos alunos no sentido de que os princípios do conteúdo a ser aprendido sejam entendidos por estes. O professor e o aluno devem manter um diálogo ativo, através do qual o professor traduz a informação a ser aprendida em um formato adequado à compreensão do aluno. Com isso, o currículo deve ser organizado de forma que o aluno construa seu conhecimento continuamente sobre o que já existe. O educando deverá descobrir aquilo que já existe em sua estrutura cognitiva e o professor não deve ser apenas um passador de informação. Por sua vez, o orientador educacional existe na escola a fim de dar suporte aos professores e em todo desenvolvimento integral do educando e sua aprendizagem. 4. METODOLOGIAS, DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDIZAGEM EFETIVA A educação escolar reflete o contexto social e econômico no qual a escola está inserida. Quando ela seleciona os conteúdos a serem ensinados ela transmiti, além de conhecimentos intelectuais, valores morais, normas de conduta, a maneira de pensar e as ações que estão presentes no fazer pedagógico. Deste modo, a escolha da metodologia e das técnicas de ensino é crucial no processo de aprendizado dos sujeitos educandos. Segundo Borges (2011) a metodologia compreende o estudo dos métodos e o conjunto dos procedimentos de investigação das diferentes ciências, quanto aos seus fundamentos e validade, distinguindo-se das técnicas que são a aplicação específica dos métodos. Por meio dos métodos e técnicas de ensino espera-se um ensino que produza uma transformação no aprendiz. Esses procedimentos “são as técnicas, recursos ou meios de ensino que são os complementos da metodologia, colocados à disposição do professor para o enriquecimento do processo de ensino” (BORGES, 2011, p. 15). O processo de ensino 94 pode ser definido como uma sequência de atividades do professor e dos alunos em busca da assimilação ativa de conhecimentos e o do desenvolvimento de habilidades por meio dos quais os alunos desenvolvem e melhoram sua capacidade cognitiva levando-o ao crescimento intelectual e pessoal. Vasconcellos (2008, p. 89) salienta que [...] a educação escolar é um sistemático e intencional processo de interação com a realidade, através do relacionamento humano baseado no trabalho com conhecimento e na organização da coletividade, cuja finalidade é colaborar na formação do educando na sua totalidade - consciência, caráter e cidadania -, tendo como mediação fundamental o conhecimento que possibilite o compreender, o usufruir ou transformar a realidade. Para o autor, o processo é intencional e se dá pela relação do docente com as metodologias que devem servir como o fio condutor no processo de ensinoaprendizado. Pois os estímulos vindos de fora “aliados ao senso da descoberta e do compreender que vem de dentro, é penetrante, por se basear na modificação do comportamento, atitudes e personalidades do aluno” (BORGES, 2008, p. 82) essas mudanças é o que chamamos de aprendizagem efetiva. Por isso, o processo educativo deve ser ativo. É como diz Borges: [...] O processo didático de transmissão/assimilação de conhecimentos e habilidades tem como culminância o desenvolvimento das capacidades cognoscitivas dos alunos, de modo que assimilem, ativa e independentemente, os conhecimentos sistematizados (BORGES, 2011, p. 10). Como salienta a autora, o resultado dos processos de transmissão dos conhecimentos, que é conduzido pelas técnicas de ensino, mediadas pelas metodologias, tem como consequência as mudanças na estrutura cognitiva dos educandos. Por isso, os processos didáticos precisam ser explicitados no projeto de ensino-aprendizagem do professor que deve estar atrelado a uma concepção de educação, que por sua vez deve estar relacionada às concepções de conhecimento, abordagem de ensino e teoria de aprendizagem. Para Vasconcellos (2008, p. 99): Todo processo de educação escolar, por ser intencional, e sistemático, implica a elaboração e realização (incluindo a avaliação) de um programa de experiências pedagógicas a serem vivenciadas em sala de aula e na escola. É através de seu projeto de ensino-aprendizagem que o professor estrutura o processo de ensino que será desenvolvido de acordo com seus princípios metodológicos que devem garantir a funcionalidade da aprendizagem. Essa funcionalidade não é apenas uma construção de conhecimentos úteis e pertinentes, mas também o 95 desenvolvimento de habilidades e estratégias de planejamento e regulação da própria atividade de aprendizagem dos alunos. Segundo Piaget (1970), uma maneira adequada de ampliar e/ou modificar as estruturas do aluno consiste em provocar discordâncias ou conflitos cognitivos que representem desequilíbrios a partir dos quais, mediante atividades, o aluno consiga reequilibrar-se, superando a discordância e reconstruindo o conhecimento. Para isso, é necessário que o processo de ensino-aprendizagem esteja articulado à realidade do educando e à essência significativa da área do saber. Portanto, a transmissão de conhecimentos pelos professores, sendo ativa, levará o educado a um crescimento intelectual e emocional, visto que ele irá organizar e reorganizar suas estruturas cognitivas. Quando não ocorre organização das estruturas cognitivas é porque não houve aprendizado. Às vezes, as estratégias de ensino não funcionam e os educandos não são estimulados, isso pode gerar dificuldade de aprendizagem pelos alunos. Borges (2011) argumenta que: As dificuldades ou impasses que o aluno encontra, no enfrentamento da matéria de estudo, expressam a contradição entre as tarefas colocadas pelo professor (conteúdos, problemas, exercícios etc.) e seu nível de conhecimentos, de desenvolvimento mental, bem como suas atitudes frente ao estudo. O fator predominante, pois, na dinâmica do processo de ensino é a relação contraditória entre as exigências do processo didático e o trabalho ativo e mental dos alunos (BORGES 2011, p. 75). Para a autora não basta apenas transmitir o conteúdo, o professor precisa colocálos de modo que se convertam em problemas e desafios para o aluno, suscitando e mobilizando a sua atividade. Além disso, o professor deve saber qual o nível intelectual do aprendiz para evitar contradições em sua mente, uma vez que esta contradição, quando não desenvolve o aprendizado, pode gerar dificuldade de aprendizado. A dificuldade de aprendizagem é uma síndrome biopsicossocial a ser compreendida em pelo menos três constituintes básicas: a criança, a família e a escola (MARTURANO et al., 1993 apud BORGES e FURTADO, 2007). Essa dificuldade no aprendizado, aqui, acontece quando a aprendizagem não se desenvolve como o esperado pelos professores, pais, orientador e pelo próprio aluno. Borges (2011) diz que aprendizagem escolar é influenciada por fatores afetivos e sociais, tais como os que suscitam a motivação para o estudo, os que afetam as relações professor-aluno, os que interferem nas disposições emocionais dos alunos para enfrentar as tarefas escolares, os que contribuem ou dificultam a formação de atitudes positivas 96 dos alunos frente às suas capacidades e frente aos problemas e situações da realidade e do processo de ensino e aprendizagem. Assim, compreende-se que os transtornos ou dificuldades de aprendizado no campo cognitivo podem ser condicionados pelo professor, pela relação professor aluno, pela relação entre alunos e pelos métodos didáticos que distorcem o processo de construção do aprendizado. Sobre isso, Borges e Furtado (2007) traz a seguinte contribuição: Sabemos que cada pessoa aprende por um canal perceptivo preferencial e de forma diferenciada. Quando não existe motivação para o que se apresenta como ensino desperte o canal perceptivo e preferencial, a compreensão ou a aprendizagem não se completa (BORGES e FURTADO, 2007 p. 03). Do argumento das autoras infere-se que o professor tem que criar situações que propiciam condições que possa provocar desequilíbrios nas estruturas cognitivas dos educando; construir os dispositivos de partida que possibilitem a apresentação de problemas úteis ao aluno e organizar contraexemplos que levem o aluno a reflexão. Do ponto de vista de Mizukami (1986), o ensino deve ser baseado no ensaio e no erro, na pesquisa, na investigação e na solução de problemas por parte do aluno. Por isso, o ensino deve consistir em processos e não em produtos da aprendizagem. Moreira (1982, p. 9), diz que “quando o conhecimento não é adquirido dessa forma fica arbitrariamente distribuído na estrutura cognitiva sem ligar-se a conceitos subsunçores específicos”. Deste modo, não acontece uma aprendizagem significativa, pois, mesmo com a aprendizagem mecânica os estudantes não demonstram ter nenhum conceito subsunçor (a aprendizagem mecânica faz com que o individuo armazene informações, que mesmo sendo pouco elaboradas podem servir de subsunçores). Para (VERGNOUD, 1994 apud MOREIRA1998), é através de situações e problemas a resolver que novos conceitos adquirem significado para o aprendiz. Deste modo, cabe ao professor promover situações-problemas para os aprendizes e identificar os processos que eles usam na resolução desses problemas, tornando-os explícitos por meio de várias situações. Assim, acontecerá uma aprendizagem significativa. O professor deve assumir o papel de mediador, investigador, pesquisador e orientador. É necessária sua convivência com o aluno para observar os seus comportamentos, provendo diálogo com eles, perguntando e, sendo interrogado; realizar com os alunos suas próprias experiências na sua aprendizagem e desenvolvimento. É necessário, então, que se considere o “aprender a aprender” (MIZUKAMI, 1986, p. 77). 97 Isto amenizará ou impedirá as dificuldades de aprendizado geradas por metodologias não adequadas ao desenvolvimento cognitivo dos alunos. É imprescindível que os professores compreendam a importância das metodologias e suas implicações para organizar o trabalho educativo de modo mais positivo. Uma vez que, o processo de ensino e aprendizagem tem grande influência na aquisição do aprendizado pelos educandos. Afinal, é muito importante o que se aprende na vida escolar, mas como se aprende e se esta aprendizagem trará acréscimos em muitas áreas da vida do educando, é essencial (FURTADO, 2008). Como já foi dito, as técnicas de ensino são fundamentais no processo de ensino aprendizado, mas o uso constante das mesmas técnicas, utilizadas de forma incoerente para predizer leis e/ou teorias interpretadas de forma não adequada pelo professor, pode levar o estudante a desenvolver dificuldade de aprendizado (SILVA, 2001). No futuro essa dificuldade poderá torna-se um obstáculo epistemológico para o aprendizado desses aprendizes (GOMES e OLIVEIRA, 2007). Considerando estes argumentos, para melhor conduzir o processo de ensino e da aprendizagem, Borges (2011), traz alguns indicativos. Para ela o professor deve ter: Conhecimento das funções didáticas ou etapas do processo de ensino; conhecimento dos princípios gerais da aprendizagem e saber compatibilizálos com conteúdos e métodos próprios da disciplina; Domínio de métodos do ensino, procedimentos, técnicas e recursos auxiliares; Habilidade de expressar ideias com clareza, falar de modo acessível à compreensão dos alunos partindo de sua linguagem corrente; Habilidade de tornar os conteúdos de ensino significativos, reais, referindo-os aos conhecimentos e experiências que trazem para a aula; Saber formar perguntas e problemas que exijam dos alunos pensarem por si mesmo e tirarem conclusão própria;Conhecimento das possibilidades intelectuais dos alunos, seu nível de desenvolvimento, suas condições prévias para o estudo de matéria nova, experiências da vida que trazem; Provimento de métodos de estudo e hábitos de trabalho intelectual independente: ensinar o manejo de livro didático, o uso adequado de cadernos, lápis, régua etc.; Ensinar procedimentos para aplicar conhecimentos em tarefas práticas; Adoção de uma linha de conduta no relacionamento com os alunos que expresse confiabilidade, coerência, segurança, traços que devem aliar-se à firmeza de atitudes dentro dos limites da prudência e respeito;Manifestar interesse sincero pelos alunos nos seus progressos e na superação das suas dificuldades; Estimular o interesse pelo estudo, mostrar a importância da escola para a melhoria das condições de vida, para a participação democrática na vida profissional, política e cultural. (BORGES, 2011, p. 96/97). Segundo a autora, o professor que domina todos estes quesitos terá uma maior probabilidade de levar os educando á uma aprendizagem efetiva. Pois, o professor além de ter o dom para o magistério precisa ter domínio das técnicas, embasamento teórico sobre ensino e aprendizado, além de dominar os conteúdos de sua área específica de 98 formação. O professor não deve apenas ensinar, ele precisa ajudar o aluno aprender. Portanto, “o melhor método de ensino é àquele que atende as exigências psicológicas do aprender” (BORGES, 2011, p. 25). O trabalho do professor é colocar pessoas cada vez mais preparadas na sociedade. Não somente para que haja progresso social, “mas para que as pessoas preparadas nas escolas tenham verdadeiramente uma ação positiva primeiramente para si, depois para o contexto social na qual estão inseridas” (FURTADO, 2009, p. 59). Por isso, eles devem se preocupar com o processo de transmissão/assimilação dos conhecimentos buscando novas técnicas que auxiliem no desenvolvimento da aprendizagem não permitindo que os educandos desenvolvam dificuldades de aprendizado. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo, questões como o uso de metodologias de ensino como um meio de alcance da aprendizagem efetiva dos estudantes foram discutidas. A discussão evidenciou que o ensino essencialmente tradicional não tem espaço na sociedade atual e que o processo de ensino/aprendizado deve ser mediado por metodologias que favoreçam a interação dos estudantes com conhecimento. Para tanto a instrumentalização dos professores será fundamental neste processo. Pois, a instrumentalização destes permitirá à inovação de novas práticas pedagógicas que os levará a aquisição de novos instrumentos indispensáveis para a construção do conhecimento e para o processo de ensino/aprendizagem. Isso provocará mudanças nas relações professor – alunos. Que, consequentemente, repercutirá na forma de tomar decisões didáticas e metodológicas que irão orientar a atividade do aluno no ambiente de aprendizado eficaz. Dessa forma, a aprendizagem efetiva dos estudantes poderá ser potencializada e as dificuldades superadas. REFERÊNCIAS 99 BORGES, Marizinha Coqueiro. Princípios e métodos da Orientação Educacional. Módulo, 1ª ed. ES: Copyright © 2009 ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil LTDA. BORGES, Marizinha Coqueiro. Didática e Metodologia do ensino superior. Módulo, 2ª ed. ES: Copyright © 2011 ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil LTDA. BORGES, Marizinha Coqueiro. FURTADO, Ana Maria Ribeiro. Dificuldade de Aprendizagem. Módulo. ES: Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil LTDA. BRUNER, Jerome S. Uma nova teoria de aprendizagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Bloch, 1969, 191 p. FURTADO, Ana Maria Ribeiro. Intervenção Psicopedagógica Aplicada à orientação Educacional. Módulo. ES: 1ª ed. 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Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. SILVA, Tomas Tadeu. Documento de Identidade: uma introdução às teorias de currículo. Belo Horizonte: Autentica, 2001. VAZ, Francine Ferreira; RAPOUSO, Renato. Introdução a Ciência Cognitiva. In: http://www.nce.ufrj.br/ginape/publicacoes. Acesso em 20 de set. 2014. 100 VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento: Projeto de EnsinoAprendizagem e Projeto Político-Pedagógico. 14ª. Ed. – São Paulo: Libertad, 2005. – (Cadernos Pedagógicos da Libertad; v.1. 101 A NORMA ANTIELISIVA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE: LIMITES E EFEITOS José Agnaldo Ávila Soares 1 RESUMO Este trabalho se desenvolve sobre a tendência adotada pela doutrina brasileira do direito tributário propugna pela reserva absoluta da lei formal na definição de todos os elementos da tributação e o seu posicionamento da corrente vinculada à jurisprudência dos conceitos é manifestamente contrário a uma “cláusula geral antielisão”. O trabalho terá sua abordagem à metodologia descritiva. O objetivo geral é demonstrar a norma antielisiva e os direitos fundamentais do contribuiente, sustentando a interpretação do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, não pode ser construída com base em conceitos jurídicos indeterminados, porque a própria norma se baseia apenas no conceito de simulação e dissimulação. Palavras-chaves: Direitos fundamentais. Elisão fiscal. Planejamento tributário. RESUMEN Este trabajo se desarrolla en la tendencia adoptada por la doctrina de la ley tributaria aboga por el secreto absoluto de la ley formal en la definición de todos los elementos de la fiscalidad y o posicionamiento de la cadena vinculada a la jurisprudencia de conceptos el manifiestamente contrario a una “ antielisão cláusula general “. La Su trabajo se acercará a la metodología descriptiva . el objetivo general es demostrar la antielisiva norma y los derechos fundamentales de contribuiente , el apoyo a la interpretación del párrafo único del artículo 116 del Código Fiscal de la Nación , no puede ser construido sobre conceptos jurídicos indeterminados , porque la propia norma se basa únicamente en el concepto de simulación y disimulación. Palabras clave: Derechos fundamentales . Evasión de impuestos. Planificación fiscal . INTRODUÇÃO 1 Administrador e Técnico em Contabilidade da Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Controladoria com Marketing e atualmente atua como chefe da Divisão de Comércio Exterior na UFS. 102 A interpretação da "clausula antielisiva" instituída no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, retoma a polêmica conflituosa entre a possibilidade de incidências tributárias recaírem sobre o chamado "fato econômico revelador da capacidade contributiva" e da possibilidade de interpretação analógica, através da questão se há ou não ausência de lacunas no direito tributário. 2 O parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, introduzido pela Lei Complementar n. 104, de 10.01.2001, preceitua que: Art. 116. Parágrafo único: "A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária." O principal ponto de conflito é como identificar os limites da própria elisão, fato que provocado muitas duvidas e questionamentos sobre a sua extensão e alcance. No Brasil, a tendência adotada pela doutrina do direito tributário propugna pela reserva absoluta da lei formal na definição de todos os elementos da tributação, baseando-se nos princípios da legalidade tributária estrita e da tipicidade fechada, vedando o uso da analogia. Assim, a corrente majoritária defende a ideia de que na hipótese de ato ou negócio jurídico realizado não se encontrar explicitamente previsto na norma tributária não ocorre a incidência do fato gerador e, portanto, não se constitui em ilegalidade. Ainda que o ato ou negócio jurídico realizado tenha efeitos similares ao fato tipificado na lei, ele não produz efeitos fiscais. Nesse sentido, o posicionamento da corrente vinculada à jurisprudência dos conceitos, é manifestamente contrário a uma "cláusula geral antielisão" e, a partir de uma leitura baseada na segurança jurídica e no princípio da legalidade, afirmam que a Lei Complementar n. 104, de 10.01.2001, autorizou tão somente uma "cláusula antisimulação", restringindo as hipóteses de desconsideração apenas para os casos de atos simulados. Desse modo, sustentam que a interpretação do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, não pode ser construída com base em conceitos jurídicos 2 Cf. PONTES, Helenilson Cunha. Op. Cit., p. 379 e Cf. PEREIRA, César A. Guimarães. A elisão tributária e a lei complementar nº 104/2001. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano 1, v. I, nº. 8, novembro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.Acesso em: 18 de dezembro de 2002. p. 6. 103 indeterminados, porque a própria norma se baseia apenas no conceito de simulação e dissimulação. 3 Alberto Xavier preleciona que a Lei Complementar n. 104, de 10.01.2001, limitou-se a autorizar a lei ordinária a estabelecer os procedimentos para desconsiderar os atos jurídicos "dissimulados", isto implica que ela apenas prevê, para as hipóteses de simulação, a possibilidade de a autoridade fazendária desconsiderar tais atos. Portanto, não são passíveis de desconsideração os atos não tipificados, ainda que sob o fundamento de "abuso de forma" ou "falta de propósito negocial". Desse modo, o referido autor assevera que: "O princípio da legalidade da tributação traduz-se num princípio da tipicidade, segundo o qual os fatos tributáveis constituem um nemerus clausus constante de uma enumeração taxativa, para além da qual existe um espaço de liberdade e propriedade insuscetível de ser preenchido por analogia. E daí que o art. 108, § 1º, do CTN determine que o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. (...) Se não podem sequer ser objeto de medida restritiva por emenda constitucional, muito menos o podem por lei complementar, e por isso a LC 104/2001 manteve-se dentro dos lindes constitucionais ao restringir as hipóteses de desconsideração aos casos de atos simulados, contendo uma cláusula anti-simulação, e não uma cláusula antielisão." 4 Por fim, o aludido autor acrescenta que: "Não pode perder-se de vista, do ponto de vista político, que a doutrina da cláusula geral antielisiva ou do abuso de forma foi inspirada e mereceu o aplauso das ditaduras nazifascistas. (...) Ora, é nestes modelos ideológicos repudiados pela historia e incompatíveis com o Estado de Direito que se pretende instaurar uma ditadura fiscal que permite ao Fisco tributar ao seu capricho e arbítrio atos juridicamente lícitos e verdadeiros, submetendo o cidadão ao vexame de um poder inquisitorial que lhe permite ser indagado porque fez uma venda e não uma permuta, porque fez um deposito e não um empréstimo, porque fez um aumento de capital e não uma compra e venda, porque fez uma cisão e não uma dissolução, porque emitiu uma debênture e não uma parte beneficiária, e assim por diante." 5 3 Neste sentido, Victor Uckmar preleciona que: “El operador tiene necesidad de certeza especialmente en el campo fiscal donde las diferencias de interpretación pueden llegar a tener efectos desvastantes.” UCKMAR, Victor. Los efectos em Itália del estatuto del contribuyente. In: CONGRESSO.... Op. Cit., p. 795. 4 XAVIER, Alberto. Op. Cit.,p. 40, (grifos originais) e cf. MENDONÇA, Oscar. Da lei contra a elisão fiscal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano 1, v. I, nº. 1, abril, 2001, Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.Acesso em: 18 de dezembro de 2002, p. 2 e PEREIRA, César A. Guimarães. Op. Cit., p. 11-12. 5 XAVIER, Alberto. Op. Cit., p. 41, (grifos originais) 104 Manifestando-se pela inconstitucionalidade da "clausula antielisiva" Sacha Calmon assim afirmou: "nem mesmo a lei pode permitir ao Estado-Administração achar FATO GERADOR por "interpretação analógica". O fato gerador deve estar exaustivamente previsto em lei (TIPICIDADE). O exclusivismo da lei obsta a interpretação econômica a que visa a "norma geral anti-elisiva". Esta, por não poder mesmo ser geral, há de ser específica ("norma anti-elisiva" específica, espécie por espécie) e legislada, jamais intuída pela Administração." 6 Por outro lado, há uma outra corrente, que trabalha com o princípio da capacidade contributiva vinculado à solidariedade e aos demais valores preconizados no artigo 3º da Constituição Federal. Neste caso, entende que se pode superar o limite objetivo da legalidade, e por isso, afirmam que a cláusula antielisiva não fere o princípio da legalidade. 7 Nessa leitura, Ricardo Lobo Torres defende que as disposições normativas do parágrafo único do artigo 116 do CTN, são compatíveis com os princípios constitucionais, e esclarece: “não fere o princípio da legalidade (art. 150, I da CF) norma antielisão que permite ao agente desconsiderar forma legal adotada, sob a alegação de abuso. Os princípios da legalidade, tipicidade e reserva da lei formal são clausulas pétreas da Constituição Federal, embora não o sejam a “estrita” legalidade, a tipicidade “fechada” e a reserva “absoluta” da lei formal, conceitos doutrinários e, não raro, ideológicos. 8 Douglas Yamashita vai além e afirma: “o conflito entre princípio da capacidade contributiva com o princípio da legalidade é meramente aparente. A norma antielisão, que dá eficácia ao princípio da capacidade contributiva, princípio-matriz de todos os impostos, também torna ineficaz a própria lei. De que vale o princípio da legalidade se a lei é ineficaz quanto à sua finalidade?" 9 6 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 30. (grifos originais) 7 Cf. ICHIARA, Yoshiaki. Op. Cit., p. 503, cf. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário... In: CONGRESSO.... Op. Cit., p. 624. 8 9 TORRES, Ricardo Lobo. Direitos fundamentais... Op. Cit., p. 185. Além disso, é importante acrescentar que Douglas Yamashita entende que a norma antielisão analógica não confere poderes à autoridade fiscal para invadir "vazios jurídicos", mas apenas preencher "lacunas legais", isto é, 'incompletudes' legais impróprias à finalidade da lei. Deste modo, na sua opinião, "a ausência de uma norma antielisiva perpetua o imposto sobre a ignorância. É um imposto odioso por sua regressividade, pois quanto mais pobre o contribuinte menos recursos ele tem para se instruir sobre a forma jurídica abusivamente elisiva e mais imposto ela paga." YAMASHITA, Douglas, Op. Cit., p. 747. (grifos originais) 105 Há, ainda, aqueles que defendem a instituição de norma antielisiva, desde que esta seja permitida por emenda à Constituição Federal. 10 Como visto, é muito difícil delimitar objetivamente a elisão fiscal isolada do caso concreto. O comportamento antielisivo por parte do Fisco e restritivo dos direitos fundamentais dos contribuintes não poderá ser realizado sem que haja a efetiva comprovação da fraude fiscal. O planejamento tributário é direito do contribuinte, entretanto ele tem que ser feito dentro dos limites permitidos pela lei, cabendo ao contribuinte buscar orientação para existência de possibilidade na legislação de opção pela forma menos onerosa de tributação. Assim, infere-se com Alberto Xavier que a Medida Provisória 66/2002 que teve como objetivo implementar o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, extrapolou os limites da LC 104/2001. Nessa leitura, o referido autor, conclui que: "Terminamos este artigo com um apelo a todos os juristas para que unam os seus esforços no sentido de que as disposições dos artigos 13 a 19 da MEDPREV 66/2002, de inspiração totalitária e autocrática, e incompatíveis com a medula de um Estado de Direito, sejam erradicados pelo Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário da ordem jurídica brasileira, onde em má hora se tentaram infiltrar pela via espúria e abusiva de medida provisória afrontosamente inconstitucional quanto à forma e quanto ao fundo." 11 Inegavelmente, há uma tendência no direito internacional tributário, de proibir as crescentes práticas e estratagemas utilizados com a finalidade exclusiva de obter vantagens e economia tributárias. A legislação tributária dos mais diversos países contém cláusulas antielisivas com vistas a coibir tais abusos, tanto no âmbito dos investimentos internos quanto no âmbito do investimento transnacional. Dentre as medidas adotadas pelos países, há a busca pela proibição dos “paraísos fiscais”, além da substituição de paradigma da territorialidade pelo princípio da universalidade da renda. Em um mundo globalizado, as atividades econômicas, financeiras e comerciais foram intensificadas e, com a abertura dos mercados, tem havido uma crescente 10 Cf. SARAIVA FILHO, Oswaldo O. de Pontes. Direitos fundamentais do contribuinte. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Op. Cit., p. 521. 11 XAVIER, Alberto. Op. Cit., p. 42. 106 incidência de planos e artifícios direcionados para a obtenção lícita (planejamento tributário) e ilícita (fraude fiscal) de vantagens fiscais, também denominadas de poupanças tributárias. Em relação à cláusula antielisiva, a polêmica é grande e a maioria dos países adotam cláusulas gerais antielisão, que possibilitam o uso da analogia, prática esta, repelida pela doutrina brasileira. Entretanto, a Itália, França e Bélgica têm adotado cláusulas mais específicas. De acordo com Franco Gallo, 12 a Itália adota uma regra antielisiva ampla, isto é, ela prevê dois tipos de comportamento elisivo: fraude a lei tributária – caracterizado pela utilização de atos, fatos, ou negócios jurídicos, direitos de agir, obrigações ou deveres previstos pelo ordenamento tributário com o fim de obter vantagens tributárias, tais como redução de imposto ou reembolso, que de outro modo seriam devidas; "teoria do ato anormal de gestão" (abuso de direito) – na qual o relevante não é a operação em si, mas todos os atos, fatos ou negócios e também as coligações existentes entre eles, realizados com a finalidade exclusiva de obter economia de imposto, e nesta hipótese, o legislador ampliou a competência da Administração Fazendária para desconsiderá-los. Configurando a falta de "uma válida razão econômica" que o justifique. A França (art. 64 da LTF), a Espanha (art. 24 da LGT) e a Alemanha (§ 42 do CTA) adotaram cláusula geral antielisiva, proibindo a fraude à lei, o abuso da forma jurídica, vinculada à teoria do abuso de direito. Assim, nos casos em que a elisão fiscal tenha sido realizada tão somente com a finalidade de evitar a incidência do tributo, a autoridade administrativa ou judiciária pode, sob a alegação de ausência de "razão negocial" (finalidade extrafiscal) desconsiderar o ato ou negócio jurídico. Ricardo Lobo Torres mostra o caráter contraditório e conflituoso de tais questões, ao criticar os países que adotaram as "cláusulas gerais antielisivas", Alemanha, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, por entender que estas cláusulas são abertas e ambíguas, permitindo o uso da analogia. Em sua opinião, estas normas gerais devem ser complementadas por cláusulas específicas que possibilite maior efetividade e consistência no combate à elisão. 12 GALLO, Franco e MELIS, Giuseppe. L'elusione fiscali internazionali nei processi di integrazione tra stati: l'esperienza della comunità europea. In: CONGRESSO.... Op. Cit., p. 178. 107 Assim, entende que estabelecer claramente os limites entre licitude e ilicitude da elisão através de normas antielisivas especifica é um ideal inalcançável. Entretanto, aduz que: “O emprego de presunções absolutas e das ficções seria outro meio para o fechamento das clausulas anti-elisivas, mas conduzem também à insatisfação da doutrina, posto que contrastam com os ideais de justiça fiscal, máxime com o princípio da capacidade contributiva. O direito internacional tributário talvez seja o ramo que melhor se tenha aproximado do fechamento dos conceitos através de cláusulas especiais. Na temática do treaty shopping, por exemplo o requisito adicional do beneficiário começa a ser desenhado.” 13 Outras opções antielisivas utilizadas no Direito comparado e que merecem ser citadas, encontra-se no artigo 2º da Lei n. 11.683 da Argentina, que permite a desconsideração da pessoa jurídica, e a doutrina do "propósito mercantil" acatada pelos Estados Unidos e pela Inglaterra. Como visto, há uma tendência por parte dos países em proibir as práticas elisivas, através da instituição em seus códigos tributários e nas leis fiscais de "cláusulas antielisão", seja através do combate ao abuso do direito, como através da teoria do "propósito mercantil" e da legislação dos preços de transferências. Isso ocorre porque os países têm consciência que o uso do planejamento tributário está cada vez mais difundido e eles não querem diminuir o volume de arrecadação. O planejamento fiscal, enquanto instrumento eficaz na otimização do resultado da empresa, faz parte de uma enorme variedade de procedimentos que visam conter custos e despesas com o pagamento de tributos em geral, por meios lícitos, previstos na legislação, sem configurar ato lesivo aos cofres públicos ou fraude. Considerando-se que através de um planejamento estratégico é possível antever os resultados das ações através de estudo de casos hipotéticos no qual se examina os aspectos positivos e negativos, com vistas a escolher a melhor solução, compete ao administrador escolher através de várias hipóteses qual a situação que implique em uma menor saída de recursos financeiros do seu caixa, adotando um planejamento tributário tempestivo e ético. Nesse sentido, o controller parece assumir um papel fundamental, pois é ele quem dispõe na empresas de informações gerais necessárias para o estudo do caso em toda a sua amplitude. 13 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Direitos fundamentais.... Op. Cit., p. 184. 108 Com vistas a melhor elucidar a importância do planejamento tributário e em face de suas três características – já anteriormente consignada: (a) ato ou omissão anterior ao fato gerador; (b) ato ou omissão lícito, que não fere a lei; (c) ato ou omissão não simulado; –, passamos a examinar hipóteses tratadas pela doutrina e parecer em sumulas das Câmaras do Conselho de Contribuintes da Receita Federal: O IIMPOSTO DE RENDA E A INCORPORAÇÃO INVERTIDA DE EMPRESAS 14 a) Situação inicial: Empresa “A” apresenta prejuízo fiscal significativo. Empresa “B” é lucrativa. Ambas possuem atividades semelhantes, e seus sócios decidem unilas. 15 b) Procedimento usual: A empresa lucrativa incorpora a empresa deficitária, mantendo seu nome, CGC, sede. c) Exame da situação-problema sob o aspecto do planejamento tributário: O Decreto-Lei 2.341/87 determina, no seu artigo 33, que a pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida. Portanto, se a empresa que apresenta prejuízo fiscal (no caso, a companhia “A”) for incorporada pela lucrativa, perde-se a possibilidade de aproveitamento do prejuízo com resultados positivos futuros da incorporadora. Como proceder? Assim, a solução para que haja possibilidade de compensar prejuízos é: a Empresa “A” (deficitária) incorpora a firma “B” (lucrativa). Após, a incorporação, a organização “A”, mudará sua denominação e sede social, assumindo por completo a atividade de “B”. Desse modo, a lucratividade de “B”, inerente à atividade assumida por “A” sofrerá menor impacto pelo imposto de renda, enquanto persistir o prejuízo fiscal da incorporadora (o mesmo é válido para a base de cálculo negativa da contribuição social sobre o lucro). d) Estudo do Caso: 14 15 Hipótese prevista por José Eduardo Longo, in Op. Cit., p. NEVES, Silvério e VICECONTI, Paulo E. V. Contabilidade avançada e análise das demonstrações financeiras. 10. ed. revista e atualizada. São Paulo: Frase Editora, 2001, p.325. 109 O ato ou omissão é anterior ao fato gerador? O ato ou omissão é lícito, e não fere a lei? É caso de simulação? A operação societária de incorporação corresponde à união de duas empresas onde a primeira assume os direitos e obrigações da segunda, mantendo-se a personalidade jurídica da primeira. 16 O fato de a empresa deficitária incorporar a lucrativa não descaracteriza o instituto jurídico da incorporação, porque o ato é lícito e válido. O que existe é apenas uma diferença do ponto de vista fiscal, pois a legislação tributária prevê que eventual saldo de prejuízo fiscal a compensar da empresa incorporada não poderá ser aproveitado pela incorporadora. Não se proíbe a incorporação da lucrativa pela deficitária; portanto, a conduta do planejamento é permitida e qualificada como caso de elisão fiscal. Não se configura hipótese de simulação, pois nos acórdãos abaixo relatados, a Câmara Superior de Recursos Fiscais, proferiu as seguintes decisões: "Simulação na Incorporação – para que se possa materializar é indispensável que o ato praticado não pudesse ser realizado, por vedação legal ou por qualquer outra razão. Se não existia impedimento para a realização da incorporação tal como realizada e o ato praticado não é de natureza diversa daquele que de fato aparenta, isto é se de fato e de direito não ocorreu ato diverso da incorporação, não há como classificar a operação de simulada. Os objetivos visados com a prática do ato não interferem na qualificação do ato praticado, portanto, se o ato praticado era lícito, as eventuais consequências contrárias ao fisco devem ser qualificadas, como casos de elisão fiscal e não de evasão ilícita." (Ac. CSRF/01-01.874/94). SEPARAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇO Situação inicial: Empresa A vende mercadorias, e, em razão do seguimento de mercado, também presta serviços relativos a essa atividade. Procedimento usual: A empresa vende a mercadoria e inclui no preço o serviço prestado para o mesmo cliente. A consequência é que incide ICMS sobre a soma dos valores da mercadoria e do serviço. 16 A Lei 6.404/76 define a incorporação como: “Art. 227 – A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.” 110 Planejamento: No caso de efetiva separação entre a mercadoria e o serviço, separam-se realmente as duas atividades. Se necessário constitui-se nova empresa para o fim específico de prestação de serviço. Assim, a operação de venda de mercadoria sofre a incidência de ICMS 17. A prestação do serviço sofre incidência de ISS 18, geralmente com alíquota menor que o ICMS. Dessa forma reduz-se o impacto fiscal sobre o valor atribuído ao serviço. Comentários: Note-se que a mercadoria pode ser vendida sem a prestação do serviço. A empresa não se encontra impedida de dividir a sua atividade, inclusive com outra empresa, de modo que uma apenas vende a mercadoria, enquanto que a outra somente presta serviço (para os clientes da empresa comercial e para outros também). É o caso de uma empresa que vende móveis modulados (armários de cozinha, etc.), cuja montagem pode ser executada pelo próprio cliente ou por pessoa que lhe preste serviço. Ou uma empresa que venda artigos de decoração que, a pedido de cliente, também presta serviço de projetos de decoração. Com isso, emite duas notas fiscais: uma nota fiscal correspondente a venda de mercadoria e outra pela prestação do serviço. De fato, as atividades podem ser exercidas separadamente, gerando reflexos fiscais diferentes. LOCAÇÃO DE SEDE DE EMPRESA Situação inicial: Empresa lucrativa é sujeita à apuração do Imposto sobre a Renda – IR pelo regime de lucro real, e é proprietária do imóvel onde se encontra estabelecida. Procedimento usual: A empresa lança despesa de depreciação da construção. Sua tributação sobre o lucro é de até 33% (IR: 15% e adicional de 10%; Contribuição Social sobre o Lucro – CSL: 8%). 19 17 RIBEIRO, Osni Moura. Contabilidade comercial: fácil. 11. ed. Reformulada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1996, p.80. 18 RIBEIRO, Osni Moura. Op. Cit. p.90. 19 RIBEIRO, Osni Moura. Op. Cit. p.259. 111 Planejamento: Transferir a propriedade do estabelecimento 20 para outra pessoa jurídica, desde que tributada pelo lucro presumido, para receber aluguel da empresa operacional. O aluguel, a valor de mercado, representa despesa par a empresa operacional com redução de 33% do valor, a título de IR e CSL; e representa receita para a empresa patrimonial, a qual pagará tributos da ordem de 8,41% a 11,61% do valor da receita (dependendo do adicional, e já consideradas as contribuições PIS e COFINS). Assim há redução fiscal (IR e CSL) em torno de 25% do valor correspondente ao aluguel. Comentários: A organização de grupo de empresa ou de patrimônio é preocupação costumeira. Por isso, existem conglomerados nas mais diferentes estruturas. No caso, as empresas têm objetos sociais distintos, uma explora a indústria, enquanto outra, o patrimônio. Portanto, não há simulação nem ilegalidade. DISTRIBUIÇÃO DE MERCADORIA POR OUTRO ESTADO Situação inicial: Indústria fabrica produto, tributado pelo ICMS 21, destinado em sua grande parte para clientes localizados no mesmo Estado em que se encontra estabelecida. Procedimento usual: A indústria vende seus produtos diretamente a seus clientes (comerciantes) c com ICMS destacado à alíquota de 18% . Planejamento: A empresa abre filial comercial em outro Estado, para distribuir seus produtos para todo o território nacional, inclusive para o mesmo Estado do qual advém seu estoque. 20 Segundo KAPLAN, Robert S. e NORTON, David P.:...“Um estudo do Brrokings Institute, de 1982, mostrou que o valor contábil dos ativos tangíveis representava 62% do valor de mercado das organizações industriais. Dez anos mais tarde, o índice caiu para 38%. E estudos recentes estimaram que, em fins do século XX, o valor contábil dos ativos tangíveis correspondiam a apenas 10 a 15% do valor de mercado das empresas. Sem dúvida as oportunidades para a criação de valor estão migrando da gestão de ativos tangíveis par a gestão de estratégias baseadas no conhecimento, que exploram os ativos intangíveis da organização: relacionamento com os clientes, produtos e serviços inovadores, tecnologia da informação e bancos de dados, além de capacidades, habilidades e motivação dos empregados.p.12.” 21 FRANCO, Hilário. Contabilidade industrial. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1991.p.128. 112 Com isso, o estabelecimento industrial remete para o estabelecimento comercial (em outro Estado) seus produtos com alíquota de ICMS de 12%; o estabelecimento comercial vende mercadoria aos clientes (comerciantes) com ICMS de 12%. Ambas operações são interestaduais e gozam de incidência de ICMS com alíquota de 12%. A consequência é que a indústria recolhe ICMS inferior (12% em vez de 18%), e o estabelecimento comercial nada recolhe, porque recebeu a mercadoria com crédito de ICMS a 12% e vendeu a mercadoria com débito de ICMS a 12% também. A diferença dos 12% para os 18% será apurada na venda pelo cliente ao consumidor final, porque seu crédito será de 12% e seu débito de 18%. Comentários: no caso, o planejamento tributário objetiva o retardamento do recolhimento do imposto; ao final da cadeia, o Estado recebe o imposto integral, calculado com valor de venda e como alíquota interna. O custo da estrutura é justificado pelo fato de que geralmente a indústria vende com prazo longo, mas adianta o valor do ICMS ao Estado (a hipótese de incidência é a saída, e não o pagamento). No tocante à conduta em si, a mesma é permitida, e existe previsão legal para sua tributação (transferência entre estabelecimentos e venda interestadual). REDUÇÃO DE CAPITAL SEGUIDA DE VENDA DO ATIVO Situação inicial: Imóvel que será alienado e que se encontra na empresa por valor contábil inferior ao de mercado. Procedimento usual: A empresa vende-o e paga IR e CSL, no valor equivalente a até 33% sobre o ganho de capital. Planejamento: A empresa devolve ao sócio pessoa física o imóvel como pagamento de parte de suas quotas ou ações, pelo valor contábil, nos termos da Lei 9.249/95, art. 22. Após, a pessoa física (sócio), que mantém o mesmo custo antes de registrado na empresa, vende o imóvel e é tributada com alíquota de 15% sobre o ganho de capital. Desse modo, é possível reduzir o curto fiscal até 18% (de 33% na empresa contra 15% na pessoa física). 113 Comentários: A redução de capital está prevista na legislação societária e na tributária, e a sua prática, antes da venda do imóvel, confere legitimidade ao planejamento tributário. Não há que se falar em ilegalidade nem em simulação. As partes – pessoa jurídica e pessoa física – querem a devolução do imóvel ao sócio, e é exatamente esse o ato jurídico. O destino dado ao imóvel, após a redução de capital, não interessa para a natureza jurídica e licitude do ato jurídico. O planejamento tributário acontece com a preocupação da pessoa em evitar, reduzir ou retardar a carga fiscal. Além de ser lícito, o procedimento denominado planejamento tributário deve ocorrer antes de praticado o fato tributário que se quer evitar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Numa era conhecida como "era da informação" na qual há uma grande mudança paradigmática decorrente das transformações tecnológicas, políticas, econômicas, sociais e culturais, o ambiente empresarial encontra-se em constante mutação. Em decorrência destes fatores, as empresas necessitam permanentemente de se adaptarem, estabelecendo planos estratégicos que possibilitem a sua permanência no mercado, atendendo às expectativas de seus clientes e de seus acionistas. Desse modo, os gestores devem envidar esforços para assegurar a competitividade das organizações e, consequentemente, eles precisam de informações que venham auxilia-los no processo de tomada de decisão. Neste mister, o processo de gestão empresarial possui cinco funções: planejamento, organização, controle, comunicação e motivação. Ele é fundamental para a permanente melhoria da competitividade e a Controladoria tem a importante função de auxiliar o gestor através do sistema do gerenciamento de informação. Entretanto, a função do Controller dentro de uma organização é ampla, e para melhor compreender as novas abordagens teóricas do gerenciamento de custos e preços, torna-se necessário, examinar sob a perspectiva de gestão dos custos, o referencial teórico e as ferramentas disponíveis para que se possa montar uma estratégia competitiva eficiente e eficaz. 114 REFERÊNCIAS AGUIAR, Arinélia Oliveira de; LEMOS, José Silvério e SILVEIRA, Rogério Zanon da. 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Com este propósito as condições de vida como assentados dos assentamentos do município de Areia Branca melhoraram, mas ainda é pouco e eles têm esperança que um dia será melhor. Palavras-chaves: Assentamentos rurais, Políticas Públicas, Relações com o entorno. RESUMEN En este trabajo se profundiza en la relación de los asentamientos y White Water Sao Paulo con su entorno representan por medio de la vida social, económica y política. En primer lugar se analizará la relación de la liquidación con el entorno. A continuación se analizarán las relaciones mutuas, es decir, los que implican el acuerdo con otra ubicación y viceversa, o incluso sus relaciones mutuas en el propio asentamiento. Y por último, las relaciones que se originan en otros lugares en busca de sus necesidades a través de los servicios de los asentamientos serán revisados. El trabajo tendrá su enfoque al análisis de datos. El objetivo general es demostrar que uno no puede pensar en asentamientos como un sistema aislado, la lucha contra la agricultura moderna. Para ello, las condiciones de vida como los colonos de los asentamientos municipales White Sand mejorado, pero sigue siendo poco y tienen la esperanza de que algún día será mejor. Palabras clave: asentamientos rurales, políticas públicas, relaciones con el entorno. 1 Contador e Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Aluno especial do Doutorado PPDRU da Unifacs. 118 INTRODUÇÃO A estrutura fundiária do Estado de Sergipe, altamente concentrada, gerou conflitos e tensões sociais no campo. O governo do Estado de Sergipe para amenizar esses conflitos inseriu-se num projeto de âmbito nacional, com recursos do POLONORDESTE, que a partir de 1985 desenvolveu um programa de reorganização e reestruturação fundiária, tentando evitar as tensões no campo. Mas somente em 1986, o município de Areia Branca entrou no programa de reestruturação fundiária quando da desapropriação de parte da Fazenda São Paulo onde foi implantado o assentamento São Paulo. Já o assentamento Água Branca foi implantado em 1984 numa conjuntura de tensões e greves bem organizadas dos trabalhadores da zona canavieira no Nordeste. Mas para amenizar as tensões e desmobilizar as greves, o governo do Estado de Sergipe através do PROCANOR desapropriou parte da Fazenda Água Branca, que deu origem ao assentamento do mesmo nome. Os assentamentos Água Branca e São Paulo são analisados com o seu entorno através das relações sociais, econômicas e políticas. Primeiramente serão analisadas as relações a partir do assentamento com seu entorno. Em seguida serão analisadas as relações mútuas, ou seja, aquelas que envolvam o assentamento com outra localidade e vice-versa, ou até mesmo as relações mútuas no próprio assentamento. E por último serão analisadas as relações que se originam das outras localidades em busca de suas necessidades através dos serviços dos assentamentos. O ASSENTAMENTO ÁGUA BRANCA O projeto de Assentamento Rural Água Branca foi criado pelo PROCANOR em 1984. Localiza-se no município de Areia Branca, Estado de Sergipe, cerca de 05 Km do povoado Pedrinhas e a 17 Km da sede do município. A área total do assentamento Água Branca é de 73 hectares, dividido em 27 lotes de 2,5 hectares cada. Consiste em terras obtidas mediante iniciativa estadual sob a responsabilidade do extinto PROCANOR que teve a participação financeira do PRONESE, INCRA, BNB, Banco do Brasil, Prefeitura Municipal e Governo do Estado. Atualmente, o assentamento existe de fato, mas não 119 oficialmente, pois após a extinção do PROCANOR, ele não está cadastrado em nenhum órgão competente, além de não existir a planta baixa. CARACTERÍSTICAS O assentamento Água Branca foi originário da Fazenda Água Branca, pertencente ao Sr. José Dora, que antes da desapropriação era ocupada com 90% de mata e 10% pela pecuária tradicional. Apenas parte da fazenda foi desapropriada, ou seja, 73 hectares. Porém, não se tem conhecimento de ocorrência de conflitos ou tensões sociais durante o processo de desapropriação da área e implantação do assentamento. Não houve processo de mobilização, apenas a obrigatoriedade das 27 famílias de permanecerem na área, de forma pacífica, para poder ser beneficiado com o lote através de sorteio. Entretanto, até o encerramento da pesquisa, os assentados ainda não possuem a escritura definitiva dos lotes. O assentamento Água Branca localiza-se próximo a grandes propriedades que cultivam as culturas da cana-de-açúcar, laranja e da atividade da pecuária. Ou seja, o que predomina no entorno são os latifúndios, sendo contrastante com a presença de pequenos estabelecimentos agrícolas que praticam agricultura de subsistência e não possuem os privilégios e os incentivos governamentais comuns tanto para a monocultura da cana-de-açúcar como para a laranja e a pecuária. O assentamento Água Branca não possui estruturas de armazenamento, demonstrando que a comercialização não é controlada pelo assentamento, sendo dependente de atravessadores ou pelas vendas diretas pelos próprios assentados. Não existe no assentamento, iniciativa de organização da produção e comercialização pelos assentados. Não há experiência de trabalho de forma coletiva e sim o individual, verificando uma falta de visão e capacitação dos assentados. O assentamento possui no seu total, 14 casas. As casas do assentamento são simples, com menos de 04 cômodos. Do total, 04 são de alvenaria e 10 construídas de ripas encontradas na própria mata na época quando da implantação do assentamento. Das 27 famílias cadastradas apenas 07 moram no assentamento e o restante no povoado Pedrinhas. Sendo do total de casas existente, 10 estão escoradas para não caírem, servindo apenas para os assentados guardarem as ferramentas durante o dia e 120 retornarem ao Povoado Pedrinhas. Assim, dos 07 assentados que moram no assentamento, 04 possuem casas de alvenarias e 03 moram nas casas de taipa. Das 14 casas do assentamento, apenas 07 têm energia elétrica, mesmo assim devido á eletrificação rural implantada somente em 1997 pelo PRONESE, ou seja, 13 anos após a implantação do assentamento. Quanto a utilização dessa energia elétrica deveria ser utilizada, também, para o sistema de irrigação, escola, posto de saúde, galpões, entre outras benfeitorias. O assentamento atualmente é composto por 27 famílias e apenas 05 são oriundos do projeto original. Os demais assentados residem no povoado Pedrinhas onde já tinham suas casas antes da criação do assentamento e se deslocam para o assentamento para realizarem suas tarefas diárias. Segundo os entrevistados, “se a morada fosse boa, nós queríamos morar no assentamento”, não precisando assim fazer o trajeto diário de 10 Km. A pesquisa realizada nesse assentamento consistiu em entrevistas de 15 assentados e de acordo com os entrevistados, 14 são originários do município de Areia Branca, e apenas 01 do município de Riachuelo. Antes de vir para o município de Areia Branca, dos 15 entrevistados, 13 residiram no município de Areia Branca, 01 no município de Riachuelo e 01 no município de Propriá. Ainda de acordo com os 15 entrevistados, todos residem atualmente no município de Areia Branca desde a década de 1960. Tiveram como local de moradia, antes de vir para o assentamento, o meio rural dos respectivos municípios de origem. Declararam ainda que não possuíam terras antes de vir para o assentamento e desempenhavam atividade na agricultura de subsistência como a mandioca, milho e feijão. Os assentados compartilham com um único boi e carroça (os que têm) que serve de veículo para o transporte próprio e deslocamento para armazenamento da produção em suas residências no povoado Pedrinhas. As estradas internas do assentamento se apresentam em boas condições, não comprometendo o deslocamento das famílias e da produção. As 07 famílias que moram no assentamento possuem um total de 24 filhos em idade de trabalho, mas apenas 02 moram no assentamento e ajudam nas tarefas diárias. Os demais são assalariados na zona rural e nas cidades de Areia Branca, Itabaiana e Aracaju. 121 Segundo depoimentos dos entrevistados, do total dos 27 assentados cadastrados, 20 têm como atividade complementar, o corte da cana-de-açúcar na época da colheita. Evidenciando dessa forma, a mão-de-obra assalariada, pois o que se espera é que os assentados sobrevivam da sua própria produção e não de serem assalariados. Pois segundo os entrevistados, eles recebem por dia de trabalho no canavial a quantia de R$ 5,00 (cinco reais) e sem refeições por parte do empregador. Quanto ao nível de instrução dos assentados, dos 15 entrevistados, apenas 02 possuem o ensino fundamental incompleto (1a. a 4a. série) e 13 são analfabetos. Com relação à escolaridade dos membros das famílias, segundo as entrevistas, particularmente os filhos dos assentados, com média de 03 por família e com idade entre 20 e 40 anos, são alfabetizados. Segundo os depoimentos dos moradores do assentamento, a explicação para o analfabetismo é que como no próprio assentamento não possui escola, eles se queixam das dificuldades com relação à distância, pois são obrigados a se deslocarem para o povoado Pedrinhas. Esse povoado dispõe de uma escola que oferece apenas o ensino fundamental (1a. a 4a. série), necessitando de procurarem a sede municipal para concluírem o restante da escolaridade. Entretanto, nenhum projeto de cunho educacional para a erradicação do analfabetismo no assentamento jamais foi concedido. Observa-se que o nível de escolaridade dos assentados é um fator que limita o desenvolvimento do assentamento Água Branca, principalmente em relação ao uso de novas tecnologias. Pois os assentados, segundo os técnicos da EMDAGRO, eles se recusam às inovações por não terem conhecimentos, não aceitando as novidades tecnológicas. Outro fator, além da escolaridade, para o não acesso às inovações é a descapitalização das famílias. As dificuldades com a falta de infraestrutura como a qualidade da moradia, ausência de escola e de posto de saúde, explica a não permanência dos seus filhos no assentamento. Pois segundo os 15 entrevistados, devidos as dificuldades mencionadas, todos desejam que seus filhos sigam outras profissões que não às de agricultores ou assentados. O assentamento possui na área coletiva, apenas a sede da associação, fundada oficialmente em 1993 por todos os 27 assentados, mas atualmente 16 participam ativamente. A associação serve tanto como local de reuniões, onde discutem seus problemas, como também para abrigar uma casa-de-farinha elétrica para beneficiamento da mandioca produzida no assentamento. Evitando deslocamento da produção de 122 mandioca do assentamento para o Povoado Pedrinhas que detém uma casa-de-farinha apenas manual. A associação através de um representante escolhido em assembleia detém importante função em reuniões do CONDEM em que reivindicam as melhorias para o assentamento como as estradas externas, manutenção da casa-de-farinha elétrica, entre outras. Cabe ressaltar que o deslocamento dos assentados não é só para as questões de moradia e educação, mas também para os serviços de saúde, pois esses são encontrados no povoado Pedrinhas ou na sede municipal de Areia Branca. O acesso aos serviços de saúde está vinculado mais aos centros de saúde do município, pois não existe a presença de médicos e medicamentos no próprio assentamento. Com relação à comunicação com outros povoados ou mesmo com a sede do município, essa só é possível através de telefone público, mesmo assim localizado no povoado Pedrinhas, pois o assentamento não dispõe sequer de um telefone público, verificando o isolamento do assentamento Água Branca no que se refere à comunicação. No tocante a atividade agrícola do assentamento, ela é baseada nos cultivos de produtos como a mandioca, milho, feijão, inhame, batata e amendoim. Já a lavoura permanente é representada pelas fruteiras como a jaca e a manga. A produção nos lotes do assentamento, segundo os 15 entrevistados, está na dependência da mão-de-obra familiar, com a utilização de animais de tração. Não há produção por grupo e sim uma produção individual, tradicionalmente familiar, em que se realiza sob o domínio e responsabilidade exclusiva do titular e raramente com alguns membros da família. Ainda de acordo com os entrevistados, todas as famílias do assentamento atuam nessa modalidade, que é predominante e constante desde a época da criação do assentamento, integrando assim, o assentamento no contexto da agricultura familiar. Quanto à renda familiar, ela é baixa, variando de 0,5 a 01 salário mínimo ao mês. A qualidade do solo contribui para a baixa renda, pois segundo os técnicos da EMDAGRO, os solos são pobres ou perderam parte de sua fertilidade natural, apesar da orientação no sentido de corrigir a acidez do solo, exigindo dos assentados um maior desprendimento de esforço de trabalho, cada vez mais em busca de uma maior produtividade. O fator financeiro é outro elemento determinante da baixa renda, pois os assentados precisam investir (para obterem rendas) em insumos, equipamentos e 123 máquinas, além da mudança de mentalidade para cultivar outras culturas que não seja as comuns produzidas na região. O preparo do solo, plantio e os tratos culturais são realizados de forma manual com a utilização de tração animal. O uso de insumos modernos como fertilizantes e adubos químicos são inexpressivos, apesar das recomendações da assistência técnica estadual da EMDAGRO e da Secretaria Municipal da Agricultura, mas o fator financeiro é decisivo e limitante. Quanto aos equipamentos agrícolas disponíveis no assentamento, este é um fator limitante à produção, visto serem ferramentas e equipamentos simples, porém essenciais como enxadas, machados, cavadeiras. Não há evidências de arado, grade, motor elétrico e muito menos de trator e caminhão. Utilizam como meios de transporte algumas bicicletas e carroças. Quanto aos financiamentos houve em 1996, para aquisição de cercas, carroças e gado, através do BNB com mediação da associação. Mas a situação financeira agravouse e eles não conseguiram saldar suas dívidas, tornando-se inadimplentes com a instituição financeira. Porém, no final do ano de 2002, houve uma renegociação da dívida com redução de 70% do montante e o restante renovado em 15 anos. AS RELAÇÕES SOCIAIS A relação social do assentamento é representada pelos elementos sociais (posto de saúde, escola, telefone público, casa-de-farinha, associação, entre outros) que os assentamentos têm com o entorno próximo (povoado Pedrinhas) ou no próprio assentamento ou com localidades mais distantes como as sedes municipais de Areia Branca, Itabaiana e Aracaju. Observou-se que as relações sociais do assentamento elas são mais intensas com o seu entorno mais próximo, no caso da sede do município de Areia Branca e com o povoado Pedrinhas do que no próprio assentamento. A relação social entre o assentamento e o povoado Pedrinhas é de média intensidade, devido à falta de infraestrutura básica do próprio assentamento como moradias apropriadas (com água encanada, esgoto, etc.), escola, posto de saúde, telefone público entre outros. Todos esses itens mencionados são ofertados ao assentamento no povoado Pedrinhas. Estes povoados por sua vez mantêm relações 124 sociais mútuas com o assentamento, de fraca intensidade, através das moradias, pois 20 assentados moram nesse povoado e vão para o assentamento que após as tarefas diárias retornam para o povoado Pedrinhas. O assentamento deveria oferecer o seu único serviço (casa-de-farinha elétrica) para beneficiamento do seu entorno. Mas à distância entre o assentamento e o povoado mais próximo (Pedrinhas) dificulta o deslocamento da produção de mandioca para o beneficiamento da farinha, preferindo os pequenos agricultores desse utilizarem a casade-farinha manual. No próprio assentamento, ou seja, as relações mútuas são de fraca intensidade. Só ocorrem quando se reúnem na casa-de-farinha para o beneficiamento da farinha ou quando há reunião na associação uma vez por mês. O assentamento Água Branca mantém relações sociais com as sedes municipais de Areia Branca e Itabaiana, além da sede municipal de Aracaju. Com a sede municipal de Areia Branca, as relações são de forte intensidade. Essas relações são representadas pela procura dos assentados aos serviços mais especializados que não são encontrados no assentamento nem no povoado Pedrinhas, a exemplo da continuidade escolar, centro-de-saúde, hospital, posto telefônico, transporte coletivo. A Instituições financeiras, além da participação nas reuniões do CONDEM e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Areia Branca, da assistência técnica da Secretaria Municipal da Agricultura e da assistência da Prefeitura municipal na manutenção da casa-de-farinha elétrica e da estrada externa que dá acesso ao assentamento, são outros exemplos da relação social com a sede municipal de Areia Branca. Já a sede municipal de Areia Branca tem relação social mútua com o assentamento, de fraca intensidade, representada apenas pelo item moradia, pois existe um assentado que tem residência na sede municipal de Areia Branca. Com a sede municipal de Itabaiana, as relações são de média intensidade, só ocorrendo através do Banco do Nordeste do Brasil para efetuarem os pagamentos dos seus débitos e se atualizarem com as informações a respeito de outros financiamentos. Outra relação é com a EMDAGRO pela assistência técnica e ainda pela utilização do Hospital regional de Itabaiana. Já o assentamento com a capital sergipana, as relações são de baixa intensidade, são representadas pelo INCRA que trata das questões da terra e do hospital de Aracaju. 125 Ou seja, os assentados procuram a capital na busca de serviços especializados não encontrados nas adjacências como melhores hospitais. Em análise das relações sociais, o assentamento Água Branca não possui relações de forte intensidade no próprio assentamento pela falta de infraestrutura básica. Por este motivo relaciona-se com o seu entorno com mais intensidade para suprir suas necessidades sociais como moradias, saúde, educação, entre outros. A infraestrutura básica do assentamento Água Branca foi um fator limitante para o seu desenvolvimento. As estradas externas que serve para o escoamento da produção são precárias, o acesso à energia elétrica é uma realidade, porém pouco explorada. As condições das moradias não são boas, sendo diretamente relacionada ao não beneficiamento do crédito de habitação e a maioria dos assentados não investiram em moradias e poucos que residem no assentamento, moram em casa de alvenaria e os demais moram em casas de taipa. O assentamento, por sua vez, não oferece serviços para o seu entorno. Ou seja, as relações sociais a partir do assentamento são de fraca intensidade e elas servem apenas para suprir as necessidades dos assentados, não beneficiando o seu entorno, demonstrando que o assentamento, no aspecto social, até o momento não deu certo. AS RELAÇÕES ECONÔMICAS Quanto à relação econômica do assentamento Água Branca, se inicia com a venda dos produtos, através dos assentados, diretamente nas feiras livres ou via intermediários para obter os recursos necessários para aquisição dos bens de consumo, não produzidos no assentamento. No próprio assentamento existem relações econômicas, de média intensidade, representada através da venda de produtos agrícolas, das frutas e da farinha produzida entre os assentados que adquire para revenda em feiras livres. A produção no assentamento propicia a geração de produtos característicos da agricultura familiar como a mandioca, milho, feijão, inhame, batata e amendoim, principalmente a farinha que é destinada ao abastecimento nos mercados locais como Areia Branca e Itabaiana e até em mercados fora da região como as feiras dos bairros Augusto Franco e Orlando Dantas, localizados na capital sergipana. A produção do leite é destinada para o consumo interno do assentamento. 126 Outro produto de destaque é a produção de fruteiras como a manga e a jaca com vendas nos mercados locais de Aracaju, Itabaiana e Areia Branca, sendo a jaca comercializadas também em São Paulo através de intermediário (caminhoneiro) que compra, por exemplo, uma jaca a R$ 0,50 a unidade e revende na capital paulista a R$ 10,00 cada. Segundo depoimento dos 15 entrevistados, os assentados que moram no povoado Pedrinhas, todos possuem bens de consumo como televisores, geladeiras, fogões e outros. Adquiriram além destes bens citados, materiais de construções, móveis, vestuários e alimentos no comércio local de Areia Branca. Os assentados, segundo a pesquisa, adquiriram os produtos acima mencionados, com Nota Fiscal, evidenciando (se recolhido o imposto por parte do estabelecimento) uma maior arrecadação do ICMS para o Estado. Consequentemente, maior a participação da transferência do referido imposto para os cofres do município de Areia Branca, contribuindo, se bem utilizados, em aplicação em benefícios para a população local em forma de saúde, educação, infraestrutura, saneamento básico, entre outros. No tocante a relação econômica, observa-se que a principal relação do assentamento é com a sede municipal de Areia Branca pela venda na feira livre da produção agrícola, frutas e também da farinha produzida no assentamento, caracterizando uma relação de média intensidade. Já a relação da sede municipal com o assentamento, de forte intensidade, se dá através da aquisição dos bens de consumo, vestuários, dos móveis e eletrodomésticos, materiais de construção e insumos agrícolas pelos assentados. Outra relação com o entrono do assentamento (de fraca intensidade) observada é com o povoado Pedrinhas através da aquisição dos produtos de bens de consumo como óleo, arroz, entre outros, nos estabelecimentos localizados nesse povoado. Com a sede municipal de Itabaiana e Aracaju as relações são as mesmas mencionadas com a sede municipal de Areia Branca, ou seja, as típicas de venda pelos assentados em feiras livres dos produtos das vendas agrícolas, farinha e frutas. Observa-se que as relações do assentamento com as sedes municipais de Areia Branca, Aracaju e Itabaiana são de média intensidade. Mas o destaque é a venda de jaca e manga para a capital de São Paulo. Mas apesar de extrapolar os limites do Estado de Sergipe, a relação econômica com a capital paulista é apenas sazonal, pois depende do intermediário, não se configurando uma relação econômica permanente como é o caso das vendas da Jaca e Manga em feiras 127 livres de Aracaju, Itabaiana e Areia Branca. A relação econômica com a capital paulista é de fraca intensidade. Em análise da relação econômica do assentamento Água Branca com o seu entorno (sedes de Areia Branca, Itabaiana e Aracaju) ela é de média intensidade. A exceção fica com a sede municipal de Areia Branca através das vendas de frutas pela aquisição dos produtos não produzidos no comércio local. Assim, os assentados contabilizam uma baixa renda (em média, menos de 01 salário mínimo por mês). Essa baixa renda explica a pobreza que é refletida nas condições de vida, pois os assentados não conseguem sequer pagar suas dívidas com o banco. AS RELAÇÕES POLÍTICAS Foi visto que no aspecto social, devido à falta de infraestrutura básica, o assentamento tem fragilidade no aspecto social. Esse isolamento não se verifica somente no social mais também no aspecto político, pois o assentamento Água Branca não possui a presença política do MST e nem possui nenhum vínculo com outros movimentos sociais mais amplos como a Comissão Pastoral da Terra e a CONTAG. Quanto ao apoio dos governos federal, estadual e municipal no assentamento Água Branca, ela se resume na participação da assistência técnica através da EMDAGRO, bem como no programa de eletrificação rural através do PRONESE. O INCRA também participa pela questão fundiária do assentamento. Já o apoio municipal, se resume na Secretaria da Agricultura do Município de Areia Branca, mesmo assim com poucos recursos financeiros, gerenciando apenas os recursos do PRONAF que o município recebia. Ressalta-se que a Prefeitura de Areia Branca até a conclusão da pesquisa, apresentava problemas de prestação de contas perante o Tribunal de Contas do Estado referente ao PRONAF dos anos de 2001 e 2002. Com relação ao ano de 2003 os recursos do PRONAF já não constam mais no orçamento do município como transferência. Cabe ressaltar a atuação da prefeitura de Areia Branca nas manutenções da casade-farinha elétrica e da estrada externa, não asfaltada, nos períodos chuvosos, bem como também a atuação da Secretaria da Agricultura Municipal de Areia Branca que presta assistência técnica ao assentamento, se bem que de forma ainda limitada pelos recursos financeiros disponíveis. O oferecimento de serviços como transporte e posto 128 telefônico ou organização do espaço público interno para o assentamento como área de lazer, praças públicas e manutenção de estradas internas, é inexistente. O assentamento nunca elegeu um vereador. No tocante a participação dos assentados sobre as decisões importantes do assentamento se faz através de reuniões com a presença de todos os assentados e não há participação de nenhum partido político ou de outra associação, de sindicatos e outros movimentos. Os assentados, segundo todos os entrevistados, não pretendem se candidatar para Vereador, Prefeito, membro de movimentos populares, Sindicato e muito menos para ser líder da associação, pois não houve registro de nenhuma candidatura a qualquer cargo eletivo, demonstrando que a abrangência política do assentamento Água Branca se limita apenas ao município de Areia Branca através da participação dos assentados como eleitores. As relações políticas a exemplo das relações sociais e econômicas (com exceção da sede municipal de Areia Branca) elas são de fraca intensidade, pois o assentamento não possui integração com os movimentos sociais e está perdendo a oportunidade, pela não presença dos mediadores como a ação da Igreja, do MST, do Sindicato que atuam numa rede de relações que ultrapassam a nível municipal, estadual e nacional, permitindo que uma questão local possa ser tratada como algo mais amplo, que envolva interesses mais globais, eliminando a possibilidade de analisar os assentados estritamente sob a ótica do particularismo. A relação política dentro do assentamento se resume apenas na atuação através da associação, mesmo assim de forma restrita devido a não participação de todos os assentados. A associação além da atuação restrita enfrenta também problema de gestão interna, ocasionado pela desunião entre os assentados e consequentemente uma fraca intensidade das relações políticas com o poder público local. Observa-se que o assentamento mantém relações políticas, de forte intensidade, com a sede municipal de Areia Branca através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Areia Branca; pela requisição na Prefeitura local (ás vezes com mediação de vereador) dos serviços como a melhorias das estradas externas (em épocas chuvosas); reuniões no Conselho de Desenvolvimento Municipal (CONDEM) na sede municipal de Areia Branca; relações com políticas públicas através do PRONAF e PRONESE, além das instituições financeiras com mediação da associação. Com o povoado Pedrinhas existe relação política mútua, através dos assentados que residem nesse povoado e que pertencem ao mesmo tempo na associação de 129 moradores do povoado, havendo uma integração nas duas localidades. Há ainda relações mútuas com o próprio assentamento através da associação em que se reúnem para decidirem as questões fundamentais do assentamento. Com o entorno mais distante como Aracaju e Itabaiana, apenas mantém relação com os órgãos públicos como o INCRA, PRONESE e EMDAGRO (este último na cidade de Itabaiana), caracterizando uma relação de fraca intensidade. O ASSENTAMENTO SÃO PAULO O assentamento São Paulo é originário da fazenda do mesmo nome, que antes da desapropriação era ocupada pela pecuária tradicional, de propriedade do Sr. Carlos de Menezes Faro, em que, das 5 mil tarefas originais, foram adquiridas cerca de 2 mil tarefas em 22 de março de 1984, com recursos do Programa do POLONORDESTE. Tal fato só foi possível graças ao convênio SUDENE/COOPEGRESTE (Cooperativa Mista de Colonização do Agreste Ltda.), tendo como órgão responsável à extinta Fundação de Assuntos Fundiários de Sergipe (FUNDASE), contando ainda com a participação do Projeto Nordeste (PRONESE) através do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP), durante o processo de assentamento. A implantação do assentamento foi adquirida numa área da parte alta da Fazenda São Paulo, composta de terras de Massapê e Podzólicos, propícios às culturas da mandioca, além do feijão, milho e das fruteiras como a laranja e o maracujá. O assentamento foi implantado através do Projeto de Assentamento Estadual de Reforma Agrária (PERA) em 1986. Atualmente é administrada pela COHIDRO com 52 famílias assentadas tendo como principais culturas implantadas a mandioca, a laranja, o feijão, o milho, a banana e o maracujá. O assentamento São Paulo, localizado cerca de 01 Km do perímetro urbano da cidade de Areia Branca, tem como acesso o caminho da Fazenda São Paulo e no seu entorno a presença do latifúndio representado pelo canavial e pela atividade da pecuária. O assentamento possui uma área total de 559,48 hectares, sendo 416 hectares distribuídos nos 104 lotes, sendo 52 urbanos e 52 rural que são constituídas de tamanhos diferentes. Enquanto os lotes urbanos possuem uns cerca de 01 hectares, os rurais apresentam área de 07 hectares cada. Há ainda a Reserva Florestal com 124,64 hectares, uma Reserva Técnica de 06 hectares e estradas com 12,44 hectares. Além disto, existe 130 uma área de serviço com 0,40 hectares ocupada pelo Centro Comunitário, Casa de Farinha e um Apiário. CARACTERÍSTICAS Como no assentamento Água Branca, não houve ocorrência de conflitos ou tensões para a desapropriação e implantação do assentamento apenas o sorteio dos lotes para as famílias. Entretanto, houve um acordo entre a FUNDASE e a COOPEGRESTE no sentido de ter a presença dos trabalhadores do município de Areia Branca entre as 52 famílias. No total foram assentadas 52 famílias em 1986 quando receberam o Título de Licença de Ocupação e até o encerramento da pesquisa não receberam o título definitivo dos lotes. Eram 70% constituídas de associados da COOPEGRESTE, originárias principalmente de Malhador, Itabaiana e outros municípios fora da COOPEGRESTE como: Porto da Folha, Frei Paulo, Carira, Simão Dias. Os demais 30% correspondem a agricultores sem terra de Areia Branca, e trabalhadores da Fazenda São Paulo que ficaram desempregados com a venda da fazenda. Quanto à origem dos assentados, diferentemente do assentamento Água Branca em que 93,33% dos entrevistados tiveram como local de nascimento o município de Areia Branca, o assentamento São Paulo é heterogêneo sendo originários dos municípios circunvizinhos principalmente de Malhador, Areia Branca, Itabaiana e Frei Paulo. A pesquisa nesse assentamento foi elaborada com 20 assentados. Segundo os entrevistados, todo já trabalhava na agricultura antes de vir para o assentamento, desenvolvendo atividade agrícola no meio rural dos seus municípios. Ainda segundo os entrevistados, os assentados trabalham atualmente somente no próprio assentamento, mas depoimento do líder da associação, existe 15 assentados que trabalha como assalariado no entorno do assentamento, mais precisamente na pecuária e na lavoura da cana-de-açúcar. A implantação da infraestrutura e equipamentos coletivos foi imprescindível para o desenvolvimento socioeconômico dos assentados, sem os quais não se justificaria a própria existência do assentamento. Foi exatamente o que fizeram os assentados após terem a posse dos seus lotes. Eles reivindicaram a implantação das benfeitorias 131 necessária a sua permanência no assentamento, instrumentos básicos para a sua sobrevivência no lote. Com isso, fundaram em 1989 a Associação Comunitária do assentamento São Paulo, com finalidade de reunir os associados para discutirem os planos de ação e traçarem as metas a serem aplicados para resolver os problemas que se apresentarem. O objetivo é encontrar estratégias capazes de dinamizar a produção, através de ofícios encaminhados aos setores competentes no sentido de obterem financiamento que permitiam o bom andamento do assentamento e seus assentados. O Centro Comunitário funciona nos horários em que não tem reunião como Escola, para os filhos dos assentados. Os alunos do Centro Comunitário são filhos dos membros da Associação Comunitária. Mas a primeira benfeitoria social adquirida pelos assentados foi o financiamento para reforma das casas, via Banco do Estado de Sergipe (BANESE). Mas nem todos aceitaram o financiamento e esperaram os resultados do seu trabalho no assentamento, pois temiam falta de condições de saldar no futuro suas dívidas, precisando desfazer do seu patrimônio, no caso a casa de moradia. A associação através do convênio PAPP/APCR (Apoio as Pequenas Comunidades Rurais), conseguiu mais um benefício, desta forma para a construção da casa-de-farinha elétrica, tendo em vista que a principal cultura é a mandioca, reduzindo desta forma, os custos de processamento da mandioca, economizando o tempo e trabalho e aumentando a renda familiar. Esta benfeitoria, segundo o Levantamento Anual de Aplicação do PRONESE foi a maior aplicação no assentamento. Os usuários da casa-de-farinha elétrica (os assentados ou agricultores do entorno), encontraram um benefício com a presença do assentamento, ou seja, os agricultores utilizam a casa-de-farinha elétrica deixando 15% (já os associados deixam 10%) do que foi produzido para a associação a ser investido na própria Casa de Farinha. Tanto a associação como a casa-de-farinha possuem Conta Bancária no BANESE do município de Areia Branca e a prestação de contas é realizada mensalmente, durante as reuniões da associação. Para aumentar a renda, além da venda da farinha, o Apiário é outra alternativa encontrada pelos assentados. Construída via convênio firmado com o PRONESE e recursos do APCR. O Apiário foi resultante da ideia proposta por um Apiarista residente no assentamento que ensinou inicialmente para um grupo de 10 famílias assentadas, criando uma nova fonte de renda com a comercialização do mel. O mel é 132 utilizado também como fonte de proteína, representa uma alternativa de complemento alimentar para as famílias do assentamento. Atualmente devido ao desinteresse, por motivo das fracas vendas, apenas 04 famílias continuam com a atividade. O assentamento São Paulo se beneficia pela sua proximidade com a sede do município, pois os assentados podem se deslocar com mais facilidade para vender seus produtos, adquirir no comércio local dos bens de consumo não produzidos no assentamento além da continuidade aos estudos e também ao acesso aos serviços de saúde na sede municipal. Na questão educacional, o assentamento possui uma escola que funciona no Centro Comunitário, oferecendo o ensino fundamental incompleto (1a. a 4a. série), beneficiando os assentados e seus filhos. A pesquisa confirma que apesar do assentamento possuir uma escola, o analfabetismo ainda tem um índice de 30%. Segundo os entrevistados, eles veem a Educação como um fator de suma importância, mas a necessidade diária faz com que os pais sacrifiquem a educação dos filhos, para que possam auxiliar integralmente nas tarefas agrícolas e assim atender as prioridades emergenciais. Porém no assentamento, a dificuldade na área educacional é reforçada pela própria falta de infraestrutura, em que o prédio em que funciona a escola, é oficialmente a sede da Associação Comunitária, e nos dias de reunião às aulas são suspensas. A preocupação com a educação tem levado os assentados a ingressarem os filhos mais cedo na escola. Assim segundo os entrevistados, os seus filhos, 76 no total, 55 estudam no assentamento e destes 50 continuam os estudos na sede municipal de Aracaju, demonstrando a preocupação com o futuro dos seus filhos e com a reprodução no assentamento. No entanto, dos 76 filhos dos 20 entrevistados, somente 34 moram no assentamento e ajudam nas tarefas diárias na lavoura. Apenas 02 entrevistados manifestaram a vontade de seus filhos serem assentados quando crescerem, mas o restante prefere que seus filhos sigam outras profissões, devido às dificuldades encontradas, principalmente no tamanho do lote que são insuficientes para repartir com os filhos. A produção do assentamento está dividida nos lotes urbanos e rurais. Nos lotes urbanos além da moradia, são destinados à lavoura e currais que serve de confinamento do rebanho bovino no período noturno, pois a localização dos currais fica geralmente próxima a residência dos assentados familiares. A presença de currais nos lotes urbanos 133 é uma medida necessária, pois os lotes rurais não estão aptos a manter o rebanho, principalmente no período noturno, pois não há segurança. Os cultivos praticados nos lotes urbanos são feitos livremente. Cultivam a mandioca consorciada a outras culturas como o feijão, o milho e a banana. A macaxeira consorcia-se com a banana, o amendoim e verdura. A banana por sua vez combina-se com o maracujá e o amendoim, a fava com o milho. Já a laranja faz consórcio com o amendoim e o maracujá nos primeiros anos de plantio. A mandioca é o principal cultivo existente nos lotes urbanos. Além desta cultura, cultivam o inhame, o milho, o feijão, a banana, a laranja, a macaxeira, o amendoim, a batata-doce, o maracujá, as verduras e a fava. Quanto ao uso dos lotes rurais estão voltados para a produção, devido a sua extensão (07 hectares cada), representando 87,5% da área total do assentamento, sendo responsável pela manutenção das famílias assentadas. Devido às características físicas dos lotes rurais (terreno pedregoso), há um comprometimento da produção da mandioca e da banana que são as principais culturas. As dificuldades citadas são com relação a qualidade do solo, pois segundo os entrevistados cerca de 80% dos lotes rurais, a pedra é encontrada. Outro aspecto a ser considerado refere-se à presença das ondulações que aparecem em 70% dos lotes, sendo considerados um desafio a ser enfrentados. A disponibilidade da água é outro elemento apontado. Ela faz presente em apenas 30% dos lotes rurais, originadas do subafluente do rio Jacarecica que nasce junto a reserva florestal. Apesar de reduzida, a água da reserva é também utilizada para lavar roupa, trabalho executado pelas mulheres. No assentamento a COHIDRO implantou reservatório coletivo de água para atender os 52 lotes urbanos. Devido à água escassa, os assentados cavam tanque para garantir a ser abastecimento. Essa realidade poderia ser alterada se os assentados dispusessem de recurso financeiro, ou se estivessem seus lotes integrados ao programa de irrigação, o que garantiria o cultivo de produtos mais rentáveis. As limitações de solo e água levam os assentados a buscarem alternativas, através da plantação de pastagem, a criação de animais, principalmente o rebanho bovino, elementos que lhes garantem a sua reprodução social e consequentemente a sua permanência no lote. 134 RELAÇÕES SOCIAIS Diferentemente do assentamento Água Branca, o assentamento São Paulo tem relação social no próprio assentamento, de forte intensidade, representado pelo trabalho em grupo para beneficiamento da mandioca na casa-de-farinha elétrica. O lazer é outra relação social encontrada no assentamento através de um bar que contém o tradicional jogo de sinuca servindo para o divertimento e a sociabilização. Outra relação encontrada é a própria associação do assentamento, servindo para reuniões que são discutidas os problemas do assentamento uma vez por mês. O poço artesiano da COHIDRO do assentamento é outro local de encontro dos assentados em busca da água e servindo também para as trocas de das informações diárias. Outra relação também observada é o próprio trabalho coletivo no lote rural em que os assentados são solidários nas tarefas diárias do campo, além da escola do assentamento. No tocante as relações do assentamento com o povoado mais próximo, no caso Manilha, elas são de fraca intensidade. A relação ocorre no item lazer, pois existe um balneário nesse povoado que é frequentado pelos assentados nos fins-de-semana. Outro item encontrado e frequentado pelos assentados no povoado Manilha é o posto de saúde. Existem relações mútuas, de fraca intensidade, entre as duas localidades, ou seja, entre o assentamento e o povoado Manilha que se verifica pelas moradias, pois existe a presença de moradores do assentamento nesse povoado. Havendo dessa forma, uma interligação entre as duas comunidades. Já o povoado Manilha se relaciona com o assentamento através dos agricultores de mandioca que procura a casa-de-farinha elétrica do assentamento para beneficiamento da farinha. Já com a sede municipal de Areia Branca, os assentados se relacionam com forte intensidade. A relação se dá através da procura dos itens como centro de saúde, escola, posto telefônico, reuniões no CONDEM e no Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, lazer, transporte coletivo e a instituição financeira (BANESE), além dos serviços ofertados pela prefeitura através da Secretaria da Agricultura Municipal e da manutenção da casa-de-farinha elétrica do assentamento. Existem ainda as relações mútuas, entre os assentados e a sede municipal de Areia Branca, porém de fraca intensidade, que se dá somente pela presença de moradores do assentamento com a sede municipal de Areia Branca. 135 Com o entorno mais distante como Aracaju e Itabaiana, as relações do assentamento com essas cidades, são de forte e média intensidades respectivamente. No caso de Itabaiana, ocorre apenas pela EMDAGRO, BNB e do hospital regional de Itabaiana. Já com a cidade de Aracaju, as relações são de forte intensidade e existem pela busca de melhores serviços como escolas, lazer e dos órgãos como COHIDRO, IBAMA e Instituições Financeira. No tocante as relações mútuas com essas cidades, elas não existem. RELAÇÕES ECONÔMICAS As relações econômicas ocorrem (como no assentamento Água Branca) através das vendas dos produtos agrícolas e das aquisições dos produtos não produzidos no assentamento. Quanto às vendas dos principais produtos do assentamento como a mandioca, o inhame, milho, feijão, banana, são vendidos nas feiras de Areia Branca, Itabaiana e Aracaju. Já o leite é comercializado somente em Areia Branca devido à pouca quantidade comercializada, ficando o restante para ao consumo interno. O beneficiamento da mandioca é feito na casa-de-farinha elétrica do assentamento e a venda da farinha é efetuada nas feiras de Itabaiana, Areia Branca e Aracaju. A farinha também é vendida na própria casa-de-farinha aos assentados ou ainda através dos próprios assentados que adquire a farinha e revende aos moradores circunvizinhos, com preços inferiores aos praticados no mercado, no sentido de angariar recursos. Já a produção do mel do Apiário, segundo o líder da associação, foi de 400 litros ao ano e foram vendidos na capital sergipana. Observa-se na Figura 05 que as relações econômicas do assentamento com seu entorno, especificamente com o povoado Manilha, ela é de forte intensidade, ocorrendo pela venda dos produtos agrícolas, da farinha, frutas, leite e mel. O contrário, ou seja, a relação do povoado Manilha com o assentamento é de fraca intensidade, representado pela venda dos bens de consumo alimentos não produzidos no assentamento nos pequenos estabelecimentos comerciais do povoado. Quanto às relações econômicas no próprio assentamento, elas são classificadas de média intensidade. Elas ocorrem entre os próprios assentados através das vendas de 136 produtos agrícolas como a mandioca, amendoim, feijão, entre outros. Esses produtos são adquiridos para revendas em feiras livres em Areia Branca, Itabaiana e Aracaju. Também são comercializados entre os assentados, além dos produtos agrícolas, a farinha produzida, as frutas e o mel produzido no assentamento. Quanto as relações com os demais entornos como as sedes de Areia Branca, Itabaiana e Aracaju, as relações econômicas são de forte intensidade. Com a sede de Areia Branca são comercializados pelos próprios assentados, os produtos agrícolas, a farinha, as frutas, o leite e o mel. Por sua vez, os assentados adquirem na sede municipal os bens de consumo, os vestuários, os móveis e eletrodomésticos, os materiais de construção e os insumos agrícolas, caracterizando uma relação de forte intensidade. Já com as cidades de Aracaju e Itabaiana, as relações econômicas encontradas são idênticas nas duas cidades: vendas dos produtos agrícolas, vendas de farinha, leite, mel, e frutas. E os assentados adquirem no comércio local das cidades mencionadas apenas os bens de consumo e os vestuários, caracterizando também de fraca intensidade. Na relação econômica do assentamento São Paulo existe a reciprocidade esperada entre o assentamento e o seu entorno. Trata-se da relação entre a sede municipal de Areia Branca e o assentamento em que as relações são de fortes intensidades, pois o assentamento oferece seus produtos produzidos e com as vendas adquirem os produtos no comercio local. Observa-se ainda com as demais localidades não existe a reciprocidade encontrada entre o assentamento e a sede municipal de Areai Branca. Como exemplo podemos citar as relações com as sedes municipais de Aracaju e Itabaiana, explicada pela distância entre o assentamento e essas sedes, mas principalmente pelos itens ofertados na sede de Areia Branca que supri as necessidades dos assentados. Outra observação é a relação entre o assentamento e o povoado Manilha em que há relação idêntica por parte do assentamento, de forte intensidade, encontrada com a sede de Areia Branca. Porém esse povoado ainda não oferece aos assentados os itens necessários para as suas necessidades, ou seja, poderia haver uma maior dinâmica desse povoado com a presença do assentamento, o que não ocorre. 137 RELAÇÕES POLÍTICAS É a partir de discussão com lideranças locais, ai incluindo do assentamento São Paulo, objetivando uma administração participativa, que a Prefeitura busca conhecer os problemas inerentes a cada localidade e daí procurarem traçar caminhos capazes de beneficiar a população do município. Cabe ressaltar a eleição de 02 vereadores pertencente ao assentamento, sendo um da atual legislatura. Porém segundo o líder da associação, esses vereadores no tocante a sua atuação, não contribuiu para as melhorias do assentamento, inclusive apesar de ter a posse de um lote no assentamento, eles não residem no assentamento. Na questão da relação política, o assentamento tem um representante eleito em assembleia para participar e reivindicar através das atividades desenvolvidas pela administração municipal no sentido de gerar o crescimento na perspectiva de uma melhor qualidade de vida, como exemplo na participação do então criado pela administração municipal, o CONDEM, visando definir uma metodologia de trabalho no sentido de operacionalizar a administração. Existe relação política mútua do assentamento com o seu entorno mais próximo, no caso o povoado Manilha. Porém de fraca intensidade. A relação se dá apenas com a interligação da associação dos moradores do povoado Manilha por um assentado que residem tanto no assentamento como também no povoado. Com a sede municipal de Areia Branca, ao contrário do povoado Manilha, as relações são de forte intensidade pela participação dos assentados com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Areia Branca, pela procura na Prefeitura de serviços como a manutenção das estradas externas e da casa-de-farinha elétrica, reuniões do CONDEM, participação na política pública pelo PRONAF nas relações com as instituições financeiras com o BANESE. Já as relações com as sedes municipais de Aracaju e Itabaiana, elas são de fraca intensidade, só sendo possível através da procura nos órgãos em Aracaju como o IBAMA, COHIDRO e PRONESE. Em Itabaiana a procura se dá pela EMDAGRO e pelo Banco do Nordeste do Brasil. E por último, as relações no próprio assentamento, de média intensidade, mesmo assim devido à presença política do vereador que é assentado do assentamento, da associação e do centro comunitário. 138 CONSIDERAÇÕES FINAIS A intervenção do Estado com a desapropriação de terra, propiciando o desmembramento das fazendas Água Branca e São Paulo, deu lugar à pequena produção, concretizada através dos assentamentos rurais do município de Areia Branca. Fato esse que tornou a terra, o elemento mais importante para a sobrevivência desses assentados. Porém, o Estado não contribuiu nas questões fundamentais para os assentamentos do município de Areia Branca, tais como, o armazenamento da produção, políticas de preços, organização e comercialização da produção, entre outros. A forma com que os assentados obtiveram a posse da terra demonstrou não ser diferenciada entre os dois assentamentos. Os assentados do assentamento São Paulo com maior nível de desenvolvimento reivindicaram as melhorias através da associação, o mesmo não ocorreu com o assentamento Água Branca. Demonstrando, assim, que a associação é ainda, um canal, uma estratégia de luta: é uma saída para os assentados dos assentamentos rurais do município de Areia Branca não perderem o seu meio de produção. A infraestrutura básica dos assentamentos pesquisados foi um fator importante para a diferenciação encontrada em termo de desenvolvimento. Nesse sentido, o mais prejudicado foi o assentamento Água Branca que não houve o mínimo de condições para a reprodução dos assentados. Elementos como moradias, escola e saúde contribuíram para o não sucesso desse assentamento. Já o assentamento São Paulo, obteve (talvez pela sua localização privilegiada) obteve investimentos por parte do Estado contribuindo para o seu desenvolvimento e consequentemente para o seu entorno. A produção dos assentamentos baseia-se em produtos de subsistência e com isso tenderá a ter limites na ampliação de renda, a não ser que as organizações internas dos assentamentos possibilitem a produção de produtos não comuns produzidos na região, ou ainda, que os assentados se articulem, propiciando a formação de agroindústrias. Assim a produção dos assentamentos Água Branca e São Paulo, trouxe apenas para os assentados, a esperança de um dia viver com dignidade e para vencer a outra grande luta: a de não migrar e, se preciso for, resistir contra tudo e contra todos para permanecer no seu território. 139 Os assentados, por sua vez, veem utilizando-se de sua produção (roça) para competir no mercado através da venda direta dos seus produtos nas feiras livres dos centros urbanos regionais ou através dos atravessadores. Esta prática vem sendo uma da alternativa praticada pelos assentados na busca da renda para sua sobrevivência. As relações sociais dos assentamentos estudados são diferenciadas. A partir do assentamento Água Branca as relações sociais limitam-se no próprio município de Areia Branca, não conseguindo se expandir sequer para os municípios vizinhos, pois as condições do assentamento não permitem a expansão dessas relações. Enfim, o assentamento Água Branca está mais voltado para fornecer seus serviços, através dos assentados, aos grandes proprietários do seu entorno, que têm neles a mão-de-obra barata na época da colheita da cana-de-açúcar. Já o assentamento São Paulo, as relações sociais são mais intensas no próprio assentamento, o que permitiria uma expansão dessas relações ao seu entorno, o que não ocorre. Pois apesar do assentamento ter elementos sociais como centro comunitário, escola e associação, ele não contribui socialmente para o seu entorno, ficando esses elementos sociais citados restritos aos assentados. A exceção fica pela utilização perante os pequenos produtores de mandioca que utiliza a casa-de-farinha elétrica do assentamento, havendo dessa forma uma socialização com esses produtores e o assentamento. Quanto a relação econômica dos assentamentos ela depende das vendas dos produtos agrícolas para gerar rendas e adquirirem os produtos de consumo no comércio local. No assentamento Água Branca, o destaque das relações econômicas está nas vendas dos produtos em feiras locais como na sede municipal de Areia Branca, na feira do município vizinho de Itabaiana e até em Aracaju, e na aquisição de bens de consumo como vestuários, eletrodoméstico, alimentos adquiridos na sede do município de Areia Branca e Aracaju. As vendas das frutas contribuem para que as relações econômicas ultrapassassem os limites do Estado de Sergipe. No assentamento São Paulo as relações econômicas são mais dinâmicas, tanto no próprio assentamento como nas localidades próximas como o povoado Manilha e nas sedes municipais de Areia Branca, Itabaiana e Aracaju. A diferenciação com relação ao assentamento Água Branca está numa maior diversificação da produção e com isso conseguem obter melhores rendas e adquirirem mais os bens de consumo no comércio local, contribuindo para o desenvolvimento do seu entorno e para o município de Areia Branca. 140 As relações políticas dos assentamentos estudados elas são a que manos influenciaram o seu entorno. Os motivos vão desde os altos índices de analfabetismo encontrado, principalmente no assentamento Água Branca, pela não presença dos movimentos sociais como o MST no assentamento e até pelo próprio desinteresse dos assentados de não participarem das políticas do município a não ser como eleitores. O assentamento São Paulo se destaca pela eleição de dois assentados como vereadores, mas não trouxeram os resultados esperados para as melhorias do assentamento São Paulo. A pesquisa evidencia que não se pode pensar em assentamento como isolado do sistema, lutando contra a agricultura moderna. Porém as condições de vida como assentados dos assentamentos do município de Areia Branca melhoraram, mas ainda é pouco e eles têm esperança que um dia será melhor. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. Funções e medidas da realidade no Desenvolvimento Contemporâneo. Texto para discussão N. 702 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Rio de Janeiro: IPEA, 2000. BRUM, Argemiro J. Reforma Agrária e política agrícola. Ijuí: Unijuí Editora, 1988. 65p. (coleção Ciências Sociais; 6). CARVALHO, Horácio M. Formas de associativismo vivenciadas pelos trabalhadores rurais nas áreas oficiais de reforma agrária no Brasil. 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Percebe-se que a partir da realização dos Jogos PanAmericanos em 2007, a confirmação da Copa do Mundo da FIFA de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, uma série de discussões começam a surgir com respeito ao retorno que esses eventos podem trazer para o país. O impacto positivos na economia e na parte social do turismo gerado pelos grandes eventos esportivos é importante para um pais e uma cidade. Com isso, surgiu a criação de uma pesquisa em megaeventos, centrado no seu crescimento no Brasil. É uma pesquisa documental e bibliográfica. Falando um pouco das politicas, no Brasil e na Bahia. ABSTRACT Brazil currently is among the countries most concerned and invests on the route of the mega sports events. We can see that from the day of the Pan American Games in 2007, the confirmation of the FIFA World Cup in 2014 and Olympic Games 2016, a series of discussions begin to arise with respect to the return that these events can bring to the country. The positive impact on the economy and social part of the tourism generated by major sporting events is important for a country and a city. With that came the creation of a research in mega events, centered on growth in Brazil. It's a documentary and bibliographic research. Talking about the policies in Brazil and Bahia. 1 Doutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador (UNIFACS); mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social pela Fundação Visconde de Cairu; licenciado em Geografia pela Faculdade de Ciências Educacionais; especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Faculdades Integradas Olga Mettig; bacharel em Turismo pela Fundação Visconde de Cairu; tem experiência na área de Turismo, Desenvolvimento Regional e Urbano, Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social, Geografia com ênfase em Turismo, atuando principalmente nas seguintes áreas: Turismo, Desenvolvimento Regional e Urbano, Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social. [email protected] 144 INTRODUÇÃO É importante abordamos alguns conceitos de eventos. Existem muitas definições, mas a que nos parece mais próxima do profissional organizador de eventos é que os eventos seriam acontecimentos ou mesmo eventualidades que podem acontecer (Ayora, 2004). A classificação desses eventos é de uma importância relevante para decidir qual atitude tomar ao executá-lo, pois cada tipo de evento requer uma medida de diferente maneira. Todo o evento nada mais é do que uma forma de reunião, que se caracteriza como o embrião de todos os tipos de eventos. Trata-se de um acontecimento previamente planejado e sistematizado, com objetivos claramente definidos (Poit, 2006). Toda reunião assemelha-se um pouco do tema evento, pois requer ser planejada, ter convite, infra-estrutura e relatório para poder acontecer e atingir os objetivos. Partindo desse pressuposto torna-se possível avançar para o que vem a ser eventos esportivos, que nada mais é que um encontro dessas mesmas pessoas em torno de um desporto qualquer, seja ele vôlei, futebol, natação etc. Portanto, o evento esportivo consiste na realização de modalidades esportivas, cada qual subdividida em categorias, onde estão em jogo títulos com a presença de um público torcedor. Segundo Brighenti et al. (2005) os eventos esportivos também trazem consigo uma especificidade na sua tipologia, subdividida entre: • Tamanho (grandes, médios e pequenos); • Características espaciais (indoor ou outdoor); • Duração (período em dias); • Características esportivas (uma modalidade ou várias modalidades esportivas); • Renome e fama (Jogos Panamericanos, Jogos Olímpicos e Copa do Mundo de Futebol). MEGAEVENTOS E TURISMO O Brasil começou a experimentar os seus grandes eventos na área esportiva na década de 1960, nos Jogos Pan-Americanos de 1963, na cidade de São Paulo. Na década de 1970, houve no Brasil a divulgação de grandes eventos esportivos para a 145 população, como provas de travessias, corridas, competições de bicicletas, entre outras. Houve também uma campanha, “Esporte para Todos” promovida pelo Ministério da Educação (MEC), que envolveu ao todo 9 mil participantes, atingindo pessoas de todas as regiões do Brasil (DA COSTA; MIRAGAYA, 2002). Nesse momento consolidaramse os grandes eventos na área de esporte, que estava em franca expansão, gerando grande movimentação também em torno do turismo. É valido considerar a importância crescente de eventos para o setor turístico, o que é bastante positivo, visto que “[...] o turismo pode trazer diversos benefícios à comunidade, melhorando a qualidade de vida da população e incrementando o setor econômico. Os eventos devem ser uma das formas de atrair o turista”. (ÁLVARES, 2003, p. 119). O turismo de eventos é um segmento que vem crescendo muito nos últimos anos por ter uma característica de utilizar os recursos e serviços de uma região, gerar empregos diretos e indiretos, divulgar a localidade receptora e contribuir para o desenvolvimento do turismo em âmbito regional. Esses impactos são conhecidos como efeitos multiplicadores do turismo, pois a atividade possui a capacidade de gerar impactos em todos os setores da economia. O turismo de eventos, como evidencia Hoeller (1999), é praticado por motivações diversas, articulando-se com variados segmentos turísticos, e é uma das atividades econômicas que mais crescem no país. Trata-se do mesmo princípio para o turismo de megaeventos, cuja diferença, é a magnitude do evento. Os grandes eventos, ou megaeventos, geralmente estão associados a atividades esportivas ou culturais e a sua realização, como já discutido, se dá em torno de polêmicas discussões sobre a sua importância para o desenvolvimento da localidade hospedeira. Ishiy (1998), ao abordar os megaeventos esportivos, salienta os impactos que estes exercem na economia, na sociedade e no ambiente dos locais que os sediam. E afirma que, quanto maior for a importância da competição em termos de público, mais os impactos serão acentuados. Baseando-se em outros autores, Ishiy (1998) elenca os principais impactos positivos e negativos também relacionados com o turismo de eventos: • aumento no ingresso de divisas, provenientes dos gastos efetuados pelos fluxos de turistas, venda de bilhetes, financiamentos governamentais, privados ou do exterior, patrocinadores e (mais freqüente em eventos de grande porte) venda de direitos de transmissão para emissoras de rádio e televisão; 146 • melhoria dos equipamentos turísticos (ex: os meios de hospedagem) e da infraestrutura de apoio (sistemas de transporte e comunicação, redes de água e de esgoto, etc.) e de lazer (estádios, ginásios, centros de treinamento, parques, etc.); • surgimento ou incremento de mão-de-obra melhor qualificada; • intercâmbio cultural: possibilidade de contato dos residentes com visitantes de outras partes do país ou com estrangeiros; • divulgação de uma imagem positiva do local que sediou o evento, no caso do seu sucesso. [...] • os benefícios econômicos são limitados quando as empresas que atuam no setor turístico local têm suas sedes em outros países; • aumento no custo de vida local, em virtude do fluxo de visitantes maior do que o habitual e da exploração do turista; • a introdução de hábitos, costumes e vícios estranhos aos moradores locais, podendo provocar conflitos com os turistas, variando desde o ressentimento e a desconfiança até o ódio e a xenofobia; • eventuais danos causados ao patrimônio material (monumentos históricos, prédios públicos, residências particulares, etc.) e natural (praias, rios, áreas verdes), provocados tanto pelos visitantes ou turistas quanto pelos proprietários de equipamentos turísticos; • grande parte dos empregos criados no local durante a fase pré-evento é temporária e tende a "desaparecer" após sua realização; • divulgação de uma imagem negativa da cidade ou país-sede, no caso da ocorrência de algum fator que prejudique a organização do evento (ex: atentados terroristas, deficiências na infra-estrutura de apoio, desastres naturais, etc.). (GUNN, 1988; REJOWSKI, 1996 apud ISHIY, 1998, p. 5051) Verifica-se que organizar ou sediar eventos tem sido uma forma dos países promoverem sua imagem e gerarem receitas e lucros. Nesse sentido, a captação de eventos, principalmente dos megaeventos, é uma estratégia que vem sendo utilizada por considerá-los parte de um setor que oferece um importante retorno econômico e social para a cidade que os sediam. Para atenuar os impactos negativos faz-se necessário um planejamento eficiente e uma parceria transparente entre os diversos segmentos sociais envolvidos na sua realização. Os grandes eventos na área de esporte têm aspectos que os colocam como megaeventos: são necessários grandes investimentos; devem haver reformas e construções; melhorias na mobilidade urbana; geram aumento na chegada de novos turistas; parceria com as televisões; divulgação dentro e fora do país (RUBIO, 2005; TADINI, 2007; VILLANO; TERRA, 2008; GETZ, 2007). Os megaeventos apresentam estrutura muito complexa e não é fácil organizá-los e fazê-los acontecer. É necessário um detalhado planejamento e cuidado com a organização antes, durante e depois de um evento com o porte de uma Copa do Mundo, por exemplo. Deve-se acompanhar todas as situações, estágios, observar a evolução do anteprojeto, projeto e sua realização, visto que atraem muitos investimentos, e erros são 147 inaceitáveis. Todavia, infelizmente, os números indicam que um percentual irrisório de empresas entregam as obras dentro dos prazos estipulados: De acordo com a pesquisa de gestão de projetos feita pela PwC Global, intitulada Boosting Business Performance through Programme and Project Management, apenas 2,5% das companhias entregam seus projetos dentro do prazo, dos custos, do escopo e com os benefícios esperados para o negócio, sendo as principais causas disso relacionadas a aspectos gerenciais (Fonte?). Antes do megaevento é muito importante para fazer um diagnóstico e prognóstico de como os diversos fatores irão se articular. Nesse período deverá ser possível saber quanto se vai gastar, investir, quem vai participar, os lugares, as arenas, as melhorias, mobilidade urbana, entre outros fatores. Depois se fará um projeto bem detalhado de todas as etapas, assim como angariar dinheiro, parceiros, quando começam e terminam as obras. É, na verdade, a primeira etapa de várias que virão (MATIAS, 2008). No caso de Salvador, verifica-se que foi montada uma grande estrutura organizacional, tendo o governo do Estado da Bahia como agente público responsável. Santos (2013, p. 1) destaca como se configurou esta organização pré-evento: No caso de Salvador, o governo do Estado da Bahia é o principal agente público responsável pela realização dos projetos para o megaevento, no atendimento à Matriz de Responsabilidades, tendo à frente a Secretaria Estadual para Assuntos da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 (SECOPA). Em setembro de 2011, foi aprovado o Plano Diretor da Copa 2014 na Bahia, associado ao Plano Plurianual 2012-2015 (PPA/BA), documentos que trazem o detalhamento do conjunto de ações previstas. (BAHIA, 2011a e 2011b). A Prefeitura de Salvador, representada pelo Escritório Municipal da Copa do Mundo da FIFA (ECOPA), integra o Comitê Organizador Local da Copa do Mundo da FIFA, com a responsabilidade de coordenação de ações dos diversos órgãos municipais, ligadas basicamente à manutenção da cidade, tornando-a mais estruturada para o cotidiano e para o evento. Com o início da nova gestão municipal em 2013, projetos de requalificação de espaços importantes da cidade, que não estavam previstos para o evento em Salvador, foram elaborados e estão em execução [...]. Como se pode observar, diversos órgãos estavam envolvidos com a organização do evento, que foi bastante complexa devido às diversas demandas, principalmente um acontecimento do porte da Copa das Confederações e Copa do Mundo. O desafio se acentua com a mudança de governo e consequente mudança de alguns projetos, de acordo com a concepção do governo atual. Depois que acontece o megaevento, tem início a análise do que aconteceu, os valores, problemas, o que deu certo e o que não deu certo. Deverão ocorrer várias reuniões com todos os envolvidos, expondo o que foi alcançado, mostrando a todos o 148 resultado final (MATIAS, 2008). Depois do megaevento verifica-se qual foi o seu legado. Para Rubio (2009, p. 78) o legado foi o que ficou das instalações, da inclusão social, da imagem da cidade para o mundo. Como sinaliza Dias (2003): Um evento bem planejado e organizado com objetivo de atrair um público específico constitui um importante atrativo; desse modo, a relação dos eventos realizados e programados deve ser feita baseada na sua existência, independentemente o fato de ser, no momento, atraente ou não. Um evento realizado pode apresentar uma demanda potencial que só não aconteceu por não existir um planejamento e organização adequados e que o maximize, atraindo uma quantidade maior de visitantes. (DIAS, 2003, p. 209) Uma das principais preocupações, no que tange aos megaeventos, é a infraestrutura turística necessária para recebê-los, incluindo todos os aspectos relacionados ao turismo, desde os subsistemas ecológico, econômico, social e cultural, da superestrutura, da infraestrutura, do mercado, da oferta, da demanda, produção, distribuição e consumo (BENI, 2003) que devem trabalhar em uníssono; ou seja, deve haver um projeto unificado de ações na direção do megaevento. Tudo isso, em termos de organização, deve ser bastante planejado para evitar situações de conflitos e emergências desnecessárias. Por outro lado, um megaevento pode se configurar em uma oportunidade única para mostrar a identidade da localidade que o está sediando, ajudando a fortalecer a imagem e divulgar a cultura. Parte-se do pressuposto que as pessoas, ao se deslocarem para o local que sediará determinado megaevento, não estão focadas somente no mesmo e buscarão conhecer o que aquela cidade oferece em termos de cultura e entretenimento. Nesta conjuntura é que entra o papel do turismo como “[...] uma atividade que gera benefícios para a economia de uma região, onde se desenvolva estruturada e organizadamente” (SILVA, 2007, p. 195). Como considera Silva (2007), o turismo tem um relevante potencial de agregação de valor. Deste modo, pode desempenhar um papel de atividade articuladora, integradora e geradora de encadeamentos produtivos, favorecendo a promoção do desenvolvimento de base local e regional. A organização e planejamento devem ter um olhar amplo. É importante analisar como está o mercado, a expectativa para a vinda das pessoas, dos participantes, dos familiares; enfim, tudo o que envolve o megaevento deve ser analisado, desde a estrutura de gastos do setor público, a infraestrutura física, dentre outros. Também não se pode deixar de considerar o trabalho informal quando se trata de turismo, visto que a atividade é automaticamente uma grande geradora de empregos 149 informais e de empresas sazonais. Conforme Giddens (1996), a categoria informal se torna uma nova característica da sociedade moderna, já não devendo ser considerada como “sobra” da modernidade: o setor informal constituiu (na década de 1990) entre 60 e 80% do emprego urbano nos países periféricos, transformando-se, assim, na regra e não na exceção. Sem dúvida, parcelas consideráveis de setores médios da sociedade também têm incorporado a estratégia da informalidade como meio de trabalho, mas também é inquestionável a associação entre pobreza e informalidade nos países periféricos. O trabalho informal na Bahia é histórico e consequência da desigualdade social do Brasil. Mas o agravamento contemporâneo de ambos decorre também do modelo de crescimento econômico perverso, que acirra desigualdades econômicas e faz com que o país figure no rol dos países mais desiguais do mundo. Vários brasileiros permanecem à margem das estruturas de trabalho e emprego, sem perspectivas de inserção formal, lutando pela sobrevivência nas brechas do sistema, sem deter os instrumentos mínimos que o mercado contemporâneo exige, resistindo como pode. (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2005). Isto permite constatar que o estado não tem sido eficaz na inclusão educacional que poderia formar adequadamente mão-de-obra qualificada, nem na garantia da inserção da população no mercado de trabalho, demandador crescente de qualificação mais específica para operar o sistema industrial mecanizado ou o aparato tecnológico utilizado no comércio. Fica evidente que neste círculo vicioso – a baixa escolaridade e a qualificação ineficiente decorrentes de uma situação social de pobreza e desigualdade – implicam no agravamento do desemprego. Este, por sua vez, também tem sido um dos fatores de aumento das desigualdades sociais, ampliado, nas últimas décadas, pelas novas exigências tecnológicas do mercado, sustentado na capacidade intelectual em detrimento da capacidade física, excluindo, a priori, um grande contingente de mão-deobra que não dispõe da formação intelectual mínima. Como refletem Loiola e Miguez (1996): Com efeito, as atividades informais ainda primam pelo caráter errático da renda que originam, pela relativa mobilidade entre as distintas atividades e pela precariedade das condições de vida e trabalho dos agentes que lhe dão corpo (LOIOLA; MIGUEZ, 1996, p. 27). 150 Percebe-se a falta de uma política pública eficaz que propicie às pessoas que trabalham nesta situação informal, mais segurança e ganhos correspondentes a um valor justo pelo seu trabalho, como no caso dos cordeiros nos blocos do carnaval de Salvador, apenas para citar um outro caso bastante reconhecido de megaevento que é realizado na capital baiana todos os anos. A educação e qualificação profissional devem ser prioridades. No entanto, enquanto não se investe nesta área, ao menos a valorização do trabalho do cidadão e sua dignidade humana devem ser respeitados. Além das péssimas condições de trabalho e de reprodução social que são enfrentadas por muitos trabalhadores informais das classes mais pobres – que precisam encarar, na sua vida cotidiana, graves situações de risco e de vulnerabilidade – outras faces perversas podem ser observadas, tais como a incorporação do trabalho de todo o núcleo familiar para que se alcance um patamar viável de renda, requerendo tanto o trabalho feminino quanto o infanto-juvenil. Pode-se ver aqui que outro círculo vicioso se instala, decorrente do afastamento precoce de crianças e adolescentes da escola devido ao ingresso prematuro no trabalho, ampliando a perspectiva futura de manutenção dos membros da família na mesma situação de pobreza ou de miséria em que se encontram. (LOIOLA; MIGUEZ, 1996). Conforme abordagem de Risério (2004), o carnaval baiano tornou-se, assim, uma festa de forte cunho empresarial que mistura, em vários sentidos, suas dimensões simbólicas culturais às esferas material e econômica, movimentando a economia formal e também os micro negócios e o trabalho informal. No início do século XXI, é evidente a consolidação do processo de expansão e de privatização da festa, decorrente de fatos e acontecimentos culturais e mercadológicos das últimas décadas do século anterior. Risério (2004, p. 585) afirma mesmo que a festa passa a ser, na cidade da Bahia, o único meio de sobrevivência de muita gente, e que “enquanto há festa há trabalho”. O carnaval se constitui como um grande momento de atrair pessoas e turistas para o Estado da Bahia e para a cidade de Salvador. Amplamente divulgado pela mídia, atrai um crescente contingente de pessoas que, estando às margens da estrutura formal da economia, percebem-no como oportunidade de obtenção de algum ganho. Porém, cabe mencionar que, da mesma forma em que se observam aspectos positivos neste megaevento, há contrapontos negativos, como a exclusão das pessoas que não podem pagar os valores exorbitantes cobrados pelos camarotes e blocos, visto que as grandes empresas carnavalescas e a mídia ocupam todo circuito e o povo fica espremido nos poucos espaços disponíveis. 151 Há críticas que consideram os megaeventos como “vilões” que sugam recursos que poderiam ser investidos em serviços públicos, visto que os investimentos necessários para a realização dos megaeventos esportivos “movimentam centenas de milhões de dólares dos cofres públicos e outra soma vultosa de investimentos do setor privado – tudo para atender os ‘modernos padrões europeus’ constantes na vasta gama de exigências da FIFA e do COI.” [...]. (AQUINO; FERRARI, 2013, p. 100). Alguns profissionais enxergam-no como um grande projeto de desenvolvimento que, se bem exploradas as oportunidades, pode colocar o país ou cidade no mercado mundial do turismo. É claro que, para que o sucesso seja mais facilmente atingido, deve envolver pesquisa, planejamento, organização, coordenação e controle, visando atingir objetivos propostos com medidas concretas, combatendo os abusos, e promovendo canais que integrem a população no processo. Pode-se verificar que a relação dos megaeventos com o turismo pode ser positiva, visto que toda a infraestrutura, legado e imagem positiva criada para atender ao evento, beneficiaria todos os segmentos turísticos que trabalham com uma perspectiva mais ampla de atuação e, consequentemente, em busca do retorno financeiro para o destino. Para maximizar os resultados positivos os comitês organizadores desses eventos devem planejar, organizar, controlar, avaliar e realizar o evento com responsabilidade e visão de futuro. Devem atuar como articuladores e coordenadores das ações, mediando e resolvendo as situações de conflito e possíveis problemas que venham ocorrer, visto que toda ação bem articulada e planejada com ações responsáveis poderá estimular e beneficiar o desenvolvimento do turismo a longo prazo. CONSIDERAÇÕES FINAIS É com bastante otimismo que espero que esse estudo fortaleça ainda mais o campo de estudo a respeito desses megaeventos, até porque os dois maiores eventos esportivos, um já aconteceu e o outro esta se aproximando cada vez mais de nossas vidas, que são a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e as Olimpíadas 2016, todos aqui no Brasil. Então, estudos como esses apenas dão um norteamento para que mais e mais profissionais e estudantes venham somar seus conhecimentos e opiniões acerca de tal. Mais do que tudo nos orgulhamos de ter realizado esse artigo sobre impactos sociais de 152 megaeventos esportivos. Esperamos, mais do que tudo, que tais mudanças só venham engrandecer o Brasil, para que as futuras gerações possam usufruir dos legados deixados por nossa geração, a geração do hoje, do amanhã e do sempre. É sabido que nosso estado encontrará dificuldades para a finalização das obras, pois devido à falta de planejamento, a execução de todas as propostas da Copa de 2014 para o Estado já se encontram atrasadas. Para tal é que precisamos nos empenhar para o bom desenvolvimento das tarefas, a fim de colocá-las em dia para não ficarmos muito aquém dos demais Estados brasileiros, e principalmente da população baiana, que anseia demais a chegada de tal megaevento. REFERÊNCIAS ALVARES, Daniela Fantoni. LOURENÇO, Júlia Maria Brandão Barbosa. Inovações com incidência direta na atividade turística: uma análise dos destinos de Ouro PretoMG e Salvador-BA. Revista de Cultura e Turismo, ano 05 - nº 01/Especial Jan/2011. ÁLVARES, Daniela Fantoni. Setor de Eventos na Hotelaria. 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São Paulo: SENAC, 2004. 156 ANÁLISE DOS CONCEITOS QUE PERMEIAM AS POLITICAS PÚBLICAS RELACIONADAS AO ESPORTE E AO LAZER Temistocles Damasceno Silva 1 Mario Lucas Alves dos Santos 2 Tiago dos Santos Almeida² Neidiana Braga da Silva Souza 3 Luan Gomes Ribeiro³ Moab Souza Santos³ RESUMO Os estudos referentes às políticas públicas no Brasil ainda são embrionários e existem vários olhares acerca da temática, mas em sua maioria são dados empíricos e contraditórios sem um embasamento teórico metodológico pertinente. Desta forma, podem ser identificadas algumas possibilidades teóricas e metodológicas de compreensão do Estado e das políticas públicas que, se utilizadas, possivelmente poderiam resultar num melhor embasamento científico para os estudos da área. Sendo assim, este estudo se apresenta enquanto um ensaio acerca dos aspectos conceituais relacionados às politicas pública. Espera-se que tal investigação possa servir de base para futuras reflexões sobre o fenômeno em questão. PALAVRAS-CHAVE: Politica; Esporte; Lazer. ABSTRACT Studies relating to public policies in Brazil are still embryonic and there are several views about the subject, but are mostly empirical and contradictory data without a relevant methodological theoretical foundation. In this way, which can be identified some theoretical and methodological possibilities of understanding the state and public policies, if used, could possibly result in a better scientific basis for studies of the area. Thus, this study is presented as an essay about the conceptual aspects related to public policies. It is hoped that this research will provide the basis for future reflections on the phenomenon in question. KEYWORDS: Policy; sport; Leisure. 1 Docente do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Atualmente, cursa mestrado em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador – UNIFACS e faz parte da Associação Latino-americana de Gerência Desportiva - ALGEDE. Além disso, coordena o centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL. 2 Licenciados em educação física pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Atualmente são membros do centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL. Além disso, atuam na rede secundária de ensino do estado da Bahia. 3 Discentes do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Membros do centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL 157 ASPECTOS CONCEITUAIS RELACIONADOS ÀS POLITICAS PÚBLICAS Ao longo da história o termo “política” apresentou diversos sentidos e significados não contemplados em uma simples definição, gerando assim, uma necessidade reflexiva acerca do desenvolvimento etimológico do referido termo. Neste contexto, Terra & Motta (2011) afirmam que o termo em questão, já era utilizado no quarto século antes de Cristo, sendo amplamente difundido pelo filósofo Aristóteles em sua obra intitulada Política. Os gregos davam o nome de polis à cidade, isto é, ao lugar onde as pessoas viviam juntas. E Aristóteles diz que o homem é um animal político, porque nenhum ser humana vive sozinho e todos precisam da companhia de outro [...]. Assim sendo, “Política” se refere à vida na polis, ou seja, à vida em comum, às regras de organização dessa vida, aos objetivos da comunidade e às decisões sobre todos esses pontos (TERRA; MOTTA, 2011, p.33). Sendo assim, para os gregos o termo política emerge do adjetivo de polis (politkós), que representa toda atividade ou ação desenvolvida pelo homem em sociedade. Todavia, na Pérsia e no Egito a atividade política resumia-se a ação do governo que geria o povo rumo a um objetivo (MAAR, 1982). Logo, pode-se notar que a visão dos gregos sobre a ideia do que é politica se configura de maneira mais abrangente, revelando que todas as atividades políticas se confundiam com a vida social. Em consoante, para Bobbio et al (2000) o termo política pode ser entendido como forma de atividade ou de práxis humana que está estreitamente ligado ao ato de poder. Nesta lógica, o referido autor afirma que tal termo é: Derivado do adjetivo originado de polis (politkós), que significa tudo o que se refere à cidade, e, consequentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social, o termo política se expandiu graças à influência da grande obra de Aristóteles, intitulada Política (BOBBIO, 2000 apud GALINDO 2010, P.03). Em contrapartida, Frey (1999) aponta que é possível analisar o termo “política” subdividindo-o em três campos: polity, politics e policy. Conforme o autor, a expressão polity está vinculada a denominação das instituições políticas inseridas no contexto em questão. Já o termo politics serve para elucidar os processos políticos implementados e, por fim, o termo policy auxilia no estabelecimento dos conteúdos de determinada política. Em consoante, Amaral (2009, p. 22) configura esta divisão da seguinte forma: “polity é a esfera da política; politics é a atividade política; e policy/policies é a ação pública implementada”. Segundo Mezzadri (2011), apesar de serem termos distintos tendem a se articular entre si, formando os constituintes da policy analysis, que objetiva responder as diversas variáveis desta área de estudo. Concomitantemente deve-se compreender: 158 [...] que as três dimensões (polity, politics e policy) apresentam suas disputas de poder no campo político. As disputas e interação entre os agentes e as instituições no interior deste campo sempre deixarão sua marcas nos programas e projetos desenvolvidos pelos governantes (MEZZADRI, 2011. p.92). Segundo Mezzadri (2011) existe uma diferença do termo “política” utilizado no Brasil, ele afirma que: O termo “política” no Brasil consiste em uma terminologia abrangente, constituído pelas instituições (partidos políticos e órgãos governamentais), pelos agentes (políticos e gestores) e pelo desenvolvimento das ações (programa e projetos), ou seja, engloba todas as dimensões possíveis do ato de governar (p.91). Desta maneira, torna-se necessário considerar que dentro da divisão destes termos, existem disputas pelo poder no campo político. Para Rosa (2011, p.32), o campo se caracteriza: “como espaço de disputas em torno de um determinado objeto, no qual competem entre si diferentes agentes, representando as estruturas que compõem este espaço”. Logo, o autor reforça tal pensamento, afirmando que o campo político se apresenta enquanto um espaço de lutas, o qual pressupõe uma análise mais profunda das atividades inerentes a tal ação. Nesta perspectiva, conforme Rosa (2011), o agente que detém o maior conhecimento acerca deste campo consegue exercer sua influência e interesse político sobre os demais. a participação e o poder de decisão frente a análise dos produtos presentes neste espaço, como os programas, projetos, ações e políticas de governo ficam restritas apenas aqueles que dispõe de um habitus político que o permita a interagir sistematicamente neste processo de conflito e consenso posto nas lutas internas ao campo [...] as estruturas burocráticas que compõem o campo político permeiam significativamente as ações que ocorrem em outros espaços sociais, estabelecendo uma relação direta com os campos econômicos e midiáticos por deterem o monopólio da regulamentação frente às leis que regem estes campos (p.33-34). Sendo assim, pensar em políticas públicas é refletir sobre as diversas necessidades da sociedade, sempre buscando sinalizar ações que contemplem e garantam os direitos sociais, estabelecendo assim um compromisso público que busca atender diversas situações em diversas áreas (SOUZA, 2006). Nesta perspectiva, para compreender as políticas públicas é preciso analisar tal fenômeno de maneira abrangente, buscando compreender o significado do próprio termo “política pública” e do espaço (campo) para qual esta política é feita (a sociedade). Logo, para Souza (2006, p. 24): “não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública”. No que diz respeito a esta temática, tal fenômeno emerge ao cenário de discussão em decorrência de vários fatores, tais como: 159 Restrição de gastos implantada por alguns países do mundo, em especial aqueles em desenvolvimento [...] outro aspecto que merece atenção é a necessidade de países, em especial os da América latina, com democracia ainda em formação, consolidarem políticas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e promover o desenvolvimento social de grande parte de sua população (TERRA, et al, 2011, p.54) Todavia, segundo Menicucci (2006 apud STAREPRAVO ET AL, 2011, p. 233): o conceito de políticas públicas é aqui entendido como uma estratégia de intervenção e regulação do Estado (e daqueles que o administram), que objetiva alcançar determinados resultados ou produzir certos efeitos no que diz respeito a um problema ou a um setor da sociedade. Ao mesmo tempo, Starepravo et al (2011) relata ainda que: “a política pública muitas vezes é apenas a parte mais visível de todo um processo desenvolvido num espaço social específico, que comporta disputas, relações, alianças, decisões estratégicas e também não planejadas”. Em contrapartida, Vialich (2012) define o termo Política Pública como: O conjunto de ações promovidas por um governo que tem como meta produzir efeitos específicos e das exigências intelectuais do campo político, é preciso que o agente inserido neste campo detenha o conhecimento acerca das teorias, conceitos, história, linguagem e oratória para que possa debater diante das demandas exigidas nesta área (p.35). Logo, Vialich (2012) aponta que as políticas públicas são determinadas ações desenvolvidas por governos, sendo na maioria das vezes, advindas das necessidades sociais, de possíveis conquistas sociais, pela carência de grupos coletivos ou por opções partidárias. Nesta perspectiva, a fim de entender todo o campo que envolve as políticas públicas, faz-se necessário elucidar as dimensões da policy arena e policy cycle. Para Mezzadri (2011), a primeira contempla os conteúdos, os agentes e as instituições. Assim, a policy arena: [...] refere-se aos processos de conflitos e consenso dentro das diversas áreas da política. As áreas da política podem ser apontadas de acordo com o seu caráter e caracterizada quanto á forma, aos efeitos de implementação aplicados aos conteúdos das políticas e ao modo da resolução de conflitos políticos (FREY, 2000 apud MEZZADRI, 2011, p.92). Nesse cenário reina os interesses políticos, juntamente com os conflitos, fruto dos apoios ou rejeição frente às ações pensadas e/ou executadas por um grupo. Logo, Mezzadri (2011, p. 92) revela: “como elemento estruturante inseridos na policy arena, encontram-se algumas especificidades que integram a elaboração das políticas públicas, como a sua natureza, seus impactos e sua abrangência”. Desta forma, uma política pública pode ser vista e entendida de várias maneiras dependendo da sua natureza, impactos, grau de intervenção ou relacionado à abrangência de 160 seus benefícios (MEZZADRI, 2011; VIALICH, 2012). Quanto à categoria natureza, Mezzadri (2011) configura tal elemento como: estrutural e conjuntural. Logo, a natureza estrutural visa estabelecer as ações básicas que mantém o ordenamento e desenvolvimento da sociedade, sendo que o principal objetivo é intervir diretamente na sociedade, interferindo na renda e no trabalho por exemplo. No segundo ponto, as ações se apresentam de forma paliativa, ou seja, é pensada e executada por tempo estabelecido, buscando solucionar determinadas situações temporárias, emergenciais, com prazo pré-determinado (MEZZADRI, 2011; VIALICH, 2012). Em relação ao impacto das políticas públicas, Mezzadri (2011) indica quatro possibilidades onde ocorreram conflitos em decorrência dos interesses individuais ou de um grupo, sendo necessária uma articulação a fim de implantar ou executar uma ação. A primeira possibilidade seria a política distributiva, que tem como principais características o grande número de beneficiários e baixo grau de conflitos, já que os possíveis opositores são incluídos na distribuição de serviços e benefícios, ressalta-se também que os recursos alocados para custear estas ações não originam de outros grupos. Em contrapartida, as políticas redistributivas são marcadas pelo conflito, pois, os recursos alocados para o fomento dessas ações se originam de outros grupos, ou seja, há uma redistribuição de recursos. No que diz respeito a política regulatória, tal ação se configura através de decretos e documentos, ou seja, os efeitos dos custos e benefícios não são previamente estabelecidos, assim como também, podem ou não ser distribuído de forma igualitária (MEZZADRI, 2011). Pode-se apontar como política regulatória as ações do governo ao reduzir o IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados). Já “os processos de conflitos, de consenso e coalizão podem se modificar conforme a configuração especifica das políticas” (MEZZADRI, 2011, p.93). Ademais, as políticas constitutivas estabelecem os parâmetros legais à estrutura dos processos e conflitos, concernente aos embates das políticas distributivas, redistributivas e regulatórias (FREY, 2000 apud MEZZADRI, 2011). Quanto à abrangência em relação aos seus benefícios, podem se caracterizar da seguinte forma: a) políticas públicas universais; e b) políticas públicas fragmentadas ou focalizadas. Neste contexto, as universais são elaboradas para atender a toda sociedade, independente do segmento social, por exemplo, o SUS. As fragmentadas ou focalizadas são estabelecidas para um determinado grupo social com necessidade momentânea (MEZZADRI, 2011; VIALICH, 2012). Sendo assim, para Mezzadri (2011): 161 As políticas públicas universais configuram suas estruturas para toda à sociedade, devendo ser realizada para todos os segmentos sociais. Os exemplos mais visíveis são a educação pública brasileira com o [...] FUNDEB, e a saúde pública com o Sistema Único de Saúde – SUS. Já as políticas públicas focalizadas são construídas para atender as demandas de um determinado grupo social ou situações de desequilíbrio momentâneo (p.93). Desta forma, tais elementos irão configurar o policy cycle, o qual estabelece as fases da politica pública, desde o processo de definição das demandas sociais até a avaliação das mesmas (MEZZADRI, 2011). Vale ressaltar que tal ciclo, conforme Souza (2006, p.93) é constituído das seguintes fases: “percepção e definição do problema, elaboração de programas e decisão (planejamento), implementação de políticas, a avaliação de políticas e correções das ações”. Logo, este ciclo é indissociável e visa garantir a efetivação de uma política pública, na qual, esta dinâmica deve ser seguida a fim de garantir êxito na implantação de ações ou programas. Além disso, o entendimento de cada fase é de fundamental importância para que essas políticas ao serem praticadas, atendam às demandas sociais e melhorem as condições da sociedade (MEZZADRI, 2011). Nesta perspectiva, a elobaração de uma política pública estará vinculada a articulação e coesão dos agentes e instituições no policy cycle. Além disso, outro aspecto a ser levado em consideração é a análise dos fatos ocorridos dentro do ciclo, almejando assim, o desenvolvimento de ações futuras (DUEBEL, 2006). No bojo da materialização do policy cicle, Souza (2006) revela que, esse tema passou a ser visto e estudado como área de conhecimento e disciplina acadêmica nos Estados Unidos da América (EUA), tendo como alvo de suas análises a produção do governo, contrapondo o foco da tradição europeia que balizavam suas discussões, no Estado e em suas instituições. Assim, na Europa, a área de política pública vai surgir como um desdobramento dos trabalhos baseados em teoria explicativas sobre o papel do Estado e de uma das mais importantes instituições do Estado – o governo – produtor, por excelência, de política publicas. Nos EUA, ao contrário, a área surge no mundo acadêmico sem estabelecer relações com as bases teóricas sobre o papel do Estado, passando direto para a ênfase nos estados sobre a ação dos governos (p.3). Ao solidificar a fase de elaboração das políticas públicas, inicia-se então o processo de implementação de tais políticas. Para Vialich (2012, 35), a implementação: “representa o ato de se colocar em prática objetivos e estratégias para resolver um problema público ou para promover ações previamente definidas”. Logo, o caminho para uma implementação depende das interações e disputas dentro de uma gestão pública, da maneira como a sociedade participa dessa implementação e do interesse de outras instituições envolvidas na área (MEZZADRI, 2011). Percebe-se então a importância das instituições nas relações de poder, que segundo Waschkuhn (1994): 162 Servem não apenas para a satisfação de necessidades humanas e para a estruturação de interações sociais, mas ao mesmo tempo ‘determinam posições de poder, eliminam possibilidades de ação, abrem chances sociais de liberdade e erguem barreiras para a liberdade individual (p. 188). O grande “X” da questão das políticas públicas é o fato da maioria da população (massa consumidora) ficar de fora das decisões. Logo, Mezzadri (2011) revela que: “a maioria dos agentes acaba ficando à margem do processo de decisão política, tendo que se contentar com o que lhe são disponibilizados pelas instituições produtoras”. Esta questão poderia ser diferente se a gestão da política fosse voltada para melhoria da sociedade, onde Amaral (2009) acredita: Num modelo de gestão em que se preconize mais participação da população, a relação entre Estado e sociedade civil está aberta a um constante aperfeiçoamento, partindo de bases que podem desenvolver processos de autonomia, de enfrentamento da realidade em voga e que acrescentem indicadores à construção da cidadania (p.51). Partindo desse pressuposto, Amaral (2009) vincula os conceitos de gestão a duas categorias: A “política Antipopular e a política participativa”. Na primeira o acesso por parte dos trabalhadores é seriamente prejudicado, limitando-se ao plano teórico. Contrapondo à forma de gestão da segunda, que busca priorizar a participação popular, tanto no planejamento, execução e avaliação das ações promovidas. Assim, a sociedade e Estado encontram-se sempre em canal aberto a discussões sobre novas demandas, respeitando sempre suas autonomias. A autora ainda defende um modelo participativo de gestão cujos eixos seriam: a articulação, a ampliação de abrangência, a diversificação e a descentralização (não aquela que promove à perda da identidade política e que designa responsabilidades a sociedade sem lhes promover condições estruturais e orçamentárias, aqui estou me referindo à descentralização de poder), sendo que a participação da população é central para a sua definição” (p.51). Nesta lógica, tais eixos são de fundamental importância para a materialização do esporte e do lazer enquanto direito social. Para isso, a autora evidencia que: É necessário identificar aquelas práticas sociais, historicamente propostas como políticas públicas, que acentuaram as desigualdades e serviram para a manutenção do status quo, promovendo uma releitura das mesmas, a fim de ofertá-las sob uma nova concepção e introduzir outras tantas, já esquecidas ou escamoteadas pelo crescente processo de aculturação que as sociedades modernas atravessaram” (AMARAL, 2009, p.53). Contudo, percebe-se que não há uma intenção por parte dos grandes agendes (dominantes) de abrir um espaço de discussão com os pequenos agentes (dominados) na 163 tentativa de uma mudança de sociedade ou de uma melhoria na condição de vida dos “dominados”. Pelo contrário, eles pretendem sempre estar no comando da situação e das decisões políticas, como afirma Mezzadri (2011): Isso faz com que o campo político se apresente enquanto um dos espaços sociais mais restritivos e inacessíveis à entrada de novos agentes. As posições são conservadas e a produção concentrada, fazendo com que o interesse da sociedade seja reduzido e interpretado a partir dos interesses dos agentes políticos (p. 96). Assim, acredita-se que a solidificação de uma gestão pública significativa que venha beneficiar a sociedade de maneira igualitária, se dará através da abertura de espaços, onde os diversos agentes possam participar das discussões e decisões políticas que envolvem os fenômenos em questão. Logo, Terra & Motta (2011) afirmam que é de fundamental importância a participação da comunidade na tomada de decisão, além disso, não há ninguém melhor que o próprio cidadão com a capacidade de elucidar os problemas da sua comunidade. Neste sentido, os conselhos municipais se configuram como um importante instrumento de arguição e planejamento de ações dentro da análise da participação da comunidade. Sendo assim, a criação deste órgão, possibilita a consolidação da gestão participativa, haja vista que, a participação do cidadão e o controle dos mesmos sobre as ações políticas fortalecem a democracia e qualificam a representatividade da sociedade (TERRA, 2011). Neste contexto, Mezzadri (2006) aponta que, o conselho tem por responsabilidade fiscalizar, propor projetos e utilizar a democracia direta, podendo ser ele consultivo ou deliberativo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, percebe-se a prevalência de políticas públicas brasileiras autoritárias, ou seja, verticalizadas, sendo elaboradas de forma setoriais, não havendo assim, o estabelecimento de diálogo entre órgãos governamentais de forma horizontal e, tão pouco, de forma a abranger outras esferas de governo. Desta maneira, acredita-se na maioir maior integração de setores governamentais bem como de agentes da sociedade civil, no intuito de elaborar ações que resolvam efetivamente os problemas objetivados, oportunizando uma melhor qualidade de vida para população. 164 REFERÊNCIAS AMARAL, S.C.F. Lazer e políticas públicas – um olhar sobre a periferia. In: MONTEIRO, M.B; DIAS, C.A. G. Lazer e periferia: um olhar a partir das margens. São Gonçalo/RJ: Instituto Usina Social, 2009. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: UnB, 2000. FREY, K. Análise de políticas públicas: algumas reflexões conceituais e suas implicações para a situação brasileira. Cadernos de Pesquisa, nº18, setembro 1999. MENICUCCI, T. Políticas Públicas de lazer: questões analíticas e desafios políticos. ISAYAMA, H. F.; LINHALES, Meily Assbú.(Orgs.). Sobre lazer e política: maneiras de ver, maneiras de fazer. Belo Horizonte: Editora, UFMG, 2006. p. 136 –163. MEZZADRI, F.M. Políticas públicas para o esporte e lazer: teorias e conceitos. In. Esporte, lazer e políticas públicas na região dos lagos. MOTTA, A.; TERRA, R. (org), Rio de Janeiro, iVentura, 2011. ROSA, R.L. da. A política nacional do esporte e sua relação entre o global e o local. Dissertação de Mestrado, Departamento de Educação Física (setor de Ciências Biológicas), UFPR, Curitiba, 2011. SOUZA, C. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, p. 20-45, jul.- dez. 2006. STAREPRAVO, F.A.; SOUZA, J. de; MARCHI JUNIOR, W. Políticas públicas de esporte e lazer no Brasil: uma proposta teórico-metodológica de análise. Movimento, Porto Alegre, v. 17, p. 233-251, 2011. STAREPRAVO, F.A. Políticas públicas de esporte e lazer no Brasil: aproximações, intersecções, rupturas e distanciamentos entre os subcampos político/burocrático e científico/acadêmico. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. TERRA, R.; MOTTA, A. (Orgs). Esporte, lazer e políticas públicas na Região dos Lagos. Rio de Janeiro: iVentura, 2011. 165 VIALICH, A. L. O programa mais educação em São José dos Pinhais: possibilidades para o esporte? Dissertação de Mestrado, Departamento de Educação Física (setor de Ciências Biológicas), UFPR, Curitiba, 2012. 166 DIÁLOGOS, REFLEXÕES E INFLEXÕES: EM BUSCA DE CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS PARA A GESTÃO EDUCACIONAL Alexandra Quadro Siqueira 1 Márcia de Freitas Cordeiro 2 RESUMO Este artigo propõe uma investigação que toma a ancestralidade filosófica como conceito inspirador e como possibilidade fundante na cultura afrodescendente no Brasil para gênese de uma Democratização da Gestão Escolar, que subsidie e institua uma nova Gestão Democrática na Escola Pública Brasileira. Percebe-se que, através da interlocução nos discursos, a Filosofia pôde estar a serviço de muitos objetivos e interesses. Intenciona-se aqui apresentar as dimensões da Filosofia da Ancestralidade na perspectiva da matriz afrodescendente brasileira para autorizar-se a filosofar em problemas filosóficos próprios e em língua nativa na formação oferecida aos gestores-cursistas do curso de Especialização em Gestão Escolar, tendo-se em vista, tencionar as múltiplas propostas epistêmicas que podem emergir a partir da cultura escolar local. A opção metodológica escolhida foi a partir da nossa experiência enquanto partícipes do curso de Especialização em Gestão Escolar aliados a uma revisão de literatura trabalhados na disciplina Epistemologia e Construção do Conhecimento do DMMDC, dentre os autores, elegemos como principais: Deleuze / Guatarri, Foucault e Eduardo Oliveira. Assim, por ora, não almejamos, e nem podemos, formular respostas acabadas, mas, apenas refletir as possibilidades e o momento. Palavras-chaves: epistemologia; epistéme posta, imposta e justaposta; ancestralidade; ressignificação. PRA INÍCIO DE CONVERSA O presente artigo3 tem como tema a discussão acerca da epistemologia relacionada com a gestão escolar, particularmente de alunos e alunas da 2ª edição (2010/2011) do curso de 1 Mestra em Educação (UFBA); Especialista em Auditoria Fiscal (UNEB); Bacharel em Ciências Econômicas (FACCEBA); Coordenadora Didático-Pedagógica do curso Multimeios Didáticos do Profuncionário (IFBA); Professora Substituta de Organização, Normas e Qualidade (IFBA); Professora de Economia (UNIESP) e Professora de Filosofia (SOLEDADE). [email protected] 2 Doutoranda do DMMDC (UFBA); Mestra em Educação e Contemporaneidade (UNEB); Especialista em Educação, Tecnologia da Comunicação e Informação pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB); Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Pedagoga pela Faculdade Batista Brasileira (FBB). 3 Artigo apresentado, na sua 1ª versão, à disciplina EDCA85 – Epistemologia e Construção do Conhecimento, ministrada pelos Professores Dr. Eduardo David Oliveira, Dr. Alfredo Matta e Dra. Francisca de Paula, no Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento - DMMDC, na Faculdade de Educação – FACED, da Universidade Federal da Bahia – UFBA. 167 Especialização em Gestão Escolar (Lato Sensu) estruturado na modalidade à distância (EaD), do Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica, na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – UFBA, todos diretores e vice-diretores, gestores de escolas públicas das redes estadual e municipal do estado da Bahia. O curso em questão foi escolhido por ser objeto de pesquisa de doutorado em desenvolvimento de uma das autoras, o que impulsiona toda reflexão focada nos aspectos que podem contribuir para um melhor aproveitamento dos estudos durante o cumprimento dos créditos, e por ambas autoras fazerem parte da equipe de desenvolvimento, desempenhando algumas funções (coordenação pedagógica e docência). Entretanto, isto não determinou as inquietações para que a epistemologia fosse aqui pensada como objeto de reflexão. Para as autoras, muito além das contribuições que a participação na disciplina possibilitava em torno de suas discussões que ali ocorriam, os espaços de discussão, contradição, reflexão e, sobretudo, inquietação, a epistemologia foi questionada com o foco nos conceitos e preconceitos apresentados, por vezes postos e impostos, a partir de um discurso empoderado. Nesse contexto, o que se deseja nesta reflexão é apenas correlacionar epistemologias, para que os possíveis desdobramentos permitam uma maior compreensão sobre como a epistemologia do gestor escolar se constrói, para que esta não esteja à margem da realidade destes participantes da pesquisa supracitada, sujeitos com voz ativa e autoral. ENTREOLHARES CONCEITUAIS Para que o lugar de onde se fala nesta reflexão esteja explícito, no sentido do recorte imposto pelas regras estabelecidas no tempo-espaço, é preciso dizer qual a compreensão do que sejam a própria epistemologia e alguns conceitos, elementos importantes que, relacionados com a epistemologia do gestor, tragam possibilidades de outros dizeres. Dizeres estes que, ao se revelarem como pontos de vista, demonstram que o ponto de vista é à vista de um único ponto, não negando assim, as multirreferencialidades existentes e as polilógicas das realidades que nos circundam. De modo ainda preliminar, cabe conceituar a epistemologia, de forma a pontuar a compreensão que ela tem aqui, sem destacar, nesse momento, a relação que esta tem com a discussão a epistemologia do gestor ou falar desta própria epistemologia. Sendo assim, 168 entendemos que há uma compreensão, que poderia se dizer linear, em que este termo é “[...] conhecimento racional cravejado pela dinâmica civilizatória grega. [...] um ramo da filosofia ocidental que se ocupa da questão do conhecimento (uma Teoria do Conhecimento)” (Oliveira, 2011). 4Se compreendida nestes termos, se chegaria ao entendimento da epistemologia como um discurso, que no caso do ocidente, com matriz pré-definida em que os sujeitos desses discursos aparecem como nem ator, nem coautor, como uma epistéme que se situa fora do âmbito da singularidade do sujeito e de sua subjetividade, o que não é legítimo na própria epistemologia. Ao contrário, no âmbito epistemológico, cada sujeito marca a sua epistemologia a partir da sua subjetividade, seu ser-sendo,sua expressividade diante do mundo, com certo grau de autonomia e autoria, e diga-se de passagem, também, uma certa euforia do estar-nomundo, posto que, se faz nas relações sociais e nos laços que articulam, dentro de uma cultura, cuja diferença, apresenta-se como categoria fundante, uma vez que é algo formado e formador da realidade em que nada é hegemônico, principalmente, o(s) discurso(s). Nesse contexto, a epistemologia é compreendida, então, como um espaço aberto ao sujeito, a sua originalidade, em que sua criação possibilita formas diversas de conhecer e ser em um processo plural, dinâmico, constituído de múltiplas facetas das realidades que vão se atualizando nos processos, sejam eles de caráter histórico, social-econômico, educacional ou ontológico-ôntico. Enegrecer 5 que lugar se fala da epistemologia, há dois conceitos fundamentais para que a epistemologia do gestor, foco deste trabalho, seja melhor trabalhada. Assim, inicialmente, o conceito de rizoma, no sentido deleuziano do termo, que, a partir de uma interpretação do mesmo, apresenta, por meio de uma crítica metafórica, a epistemologia com uma árvore, que fixa um ponto através de sua raiz, de onde tudo brota, tudo nasce, tudo “vem”, como uma epistemologia hierarquizante, que se pretende hegemônica. O rizoma, ao contrário, não apresenta uma epistemologia, mas se for pensada uma a partir dele, esta seria não linear, aberta, dinâmica e plural, porque advém das subjetividades e singularidades humanas, através das opções que cada sujeito faz, provocadas pelas experiências vividas, que para cada um tem significados e sentidos únicos, desmantelando 4 Texto extraído do Ambiente Virtual de Aprendizagem da referida disciplina referida na nota de rodapé nº 3, cujo link é http://www.moodle.ufba.br/mod/resource/view.php?id=95127&subdir=/Eduardo_Oliveira 5 Termo cunhado, em substitutivo, da palavra: esclarecer. Aqui, enegrecer assume o sentido de tornar-se destacado, explícito e relevante, desta forma, estamos desconstruindo que, tudo que advém do termo negro traduz algo negativo ou pejorativo. 169 com o caráter da identidade epistemológica, que marca ainda as discussões em torno da própria epistemologia. Sendo assim, se a epistemologia “[...] tem um vínculo com a ética” (Ibid., 2011), esta ética seria, então, uma ética por e pelo humano, portanto, mais humanizada e humanizante, pois quem dá o seu fundamento fundante é o próprio ser humano humanizado. Logo, o que está em jogo com o rizoma é o pensamento criativo e transformativo do sujeito, por meio do seu caráter nascente e inerente de ser autônomo, que tendo sido reconhecido e recuperado este êthos, trará como possibilidade a subversão de epistemologias, pensamentos, ideias, enfim, discursos instituídos, e, assim, uma possibilidade de infinitos acontecimentos na imprevisibilidade e no acaso do mundo. Nessa perspectiva, não se pode falar de início ou de fim, nem de início e fim, ou ainda, início-fim, como em uma árvore é possível identificar. O rizoma, por outro lado, [...] não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, interser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e... e... e...” Há nessa conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Para onde vai você? De onde você vem? São questões inúteis. Fazer a tábula raza, partir ou repartir de zero, busca um começo, ou um fundamento, implicam uma falsa concepção da viagem e do movimento [...] (DELEUZE; GUATTARI, 2009, p. 37). Numa síntese precisa e diante do exposto, o rizoma é compreendido como acontecimento, que, para o propósito aqui, traduz a possibilidade do gestor (re)pensar epistemologias para a ressignificação de suas práticas e de seu lugar. O outro conceito, que também o sentido a esta reflexão, é o de discurso, entendido como aquilo que constrói o sujeito e não o contrário, fazendo com que exista sempre um discurso que fala do sujeito e, desse modo, permanece, enquanto discurso e não como aquele que fala – o sujeito. Nesse sentido, discurso é, ou melhor, nunca é um ato de quem fala, como algo individualizado, que significa a forma como o sujeito constrói o mundo e que se dá a partir do discurso, retirando assim a primazia da vontade que tenha o sujeito de construir o seu discurso. Nas palavras de Foucault, “[...] o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um léxico e uma experiência [...] revela, afinal de contas, uma tarefa inteiramente diferente, que consiste em não mais tratar os discursos como conjuntos de signos [...], mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam (Foucault, 2007, p. 54-55). Nesse aspecto, o discurso, que se expõe e impõe, que simula ou “protege”, seja na epistemologia posta ou imposta, e serão tratadas a seguir, produz sentido que não reside em si, mas que é tributário de uma relação de poder excludente, que se faz velada, mas que se revela 170 ao olhar crítico de um leitor/ouvinte do discurso. Assim, trazer o discurso quase que como uma categoria analítica, será caminho traçado na tentativa de compreender que há discursos por onde a(s) epistemologia(s)se veste(m), mascarando o imposto, a única voz, ou se protegendo do desvelamento ocasionado pelo acontecimento, momento único, desvelador. A EPISTÉME IMPOSTA A gestão democrática na escola, a partir do Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica, é o que apresenta-se aqui como a epistéme que se impõe diante dos sujeitos, gestores supracitados, e da própria escola das redes. O discurso que subjaz esta epistéme apresenta a gestão, que deve se efetivar na escola, como gestão democrática, que é necessária e urgente, e que é também pautada em leis, planos e na própria constituição 6, que são outros discursos, que, segundo Foucault, é comum em toda sociedade. [...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (2010, p. 8-9). Cravada sobre um curso disciplinar (ver Figura 1 abaixo), dentro de uma política de governo, a epistéme se impõe, através dessa estrutura, para o gestor e gestora escolar, o que seja a gestão democrática, seus princípios e procedimentos, com a pretensão de se valer de um discurso verdadeiro, que tem em si um saber, que deve ser valorizado e “partilhado” com os gestores. 6 Para ilustrar temos alguns exemplos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/96), Artigo 214 da Constituição Federal e Plano Nacional de Educação – PNE (art. 9º). 171 FIGURA 1 – AVA de um dos polos (Polo 4 – Santo Antônio de Jesus) do curso. Fonte: http://moodle3.mec.gov.br/ufba/course/view.php?id=39 Como uma “vontade de verdade”, a gestão democrática (ainda que construída à margem de um caminho democrático) não é construída pela escola ou com a escola, mas por especialistas, que são de fora do espaço para o qual ela foi pensada. Portanto, ela traz consigo uma autoridade pré-estabelecida e respondendo a um discurso impositivo. Pra com esta “vontade” deve-se ter um olhar cuidadoso, pois, como ainda esclarece Foucault, [...] essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclusão, apoia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da edição, das bibliotecas, como as sociedades de sábios outrora, os laboratórios hoje. Mas, ela é também reconduzida, mais profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído (Ibid., p. 17). O que se percebe, diante do exposto, é que a epistéme imposta aparece como um discurso autoritário, que se estabelece (ou quer se estabelecer?) na escola, pela via da separação, através de um dizer “de fora de”, que não é o que se diz como o “de dentro de”, ainda que tenha sido pensado e construído a partir de uma compreensão de gestão democrática voltada para a escola, o espaço de dentro, acarretando, assim, dissonâncias e também, e ainda bem, possibilidades de subversão da ordem, do estabelecido, do já posto. 172 A EPISTÉME POSTA O que se apresenta como epistéme posta é exatamente o que se mostra, também através do discurso, materializado pela via escrita, como a epistemologia do gestor. Este discurso está exposto em um Fórum Temático, que trata da Gestão Democrática (ver Figura 2na página seguinte), dentro do AVA do próprio curso e da disciplina Políticas e Gestão da Educação - PGE. Neste fórum, os sujeitos gestores, a partir de textos e questões provocativas para embasar a discussão, dizem (e não dizem) qual a sua construção sobre a democrática gestão escolar. FIGURA 2 – As questões iniciais propostas pela professora para iniciar a discussão no fórum.Fonte: http://moodle3.mec.gov.br/ufba/mod/forum/discuss.php?d=2926 É evidente que estes discursos não comportam, sobretudo, nos momentos iniciais do fórum, a totalidade do discurso, mas parte do que ele seja, pois o sujeito gestor se posiciona de formas e em momentos diferentes. Apesar da imposição de uma compreensão sobre a gestão democrática escolar, a epistéme posta termina por se revelar, como uma contradição, pois por conta da condição de existência da própria disciplina, necessária na participação dos gestores no curso, há a “[...] possibilidade de formular, e de formular indefinidamente, proposições novas” (Ibid., p. 30). 173 Nesse contexto, o gestor mostra uma compreensão de gestão democrática, como algo presente recentemente, enquanto proposta, no atual contexto histórico-social; apresenta a gestão como algo desconhecido e distante de sua prática (ver a Figura 3 na página seguinte). FIGURA 3 – Comentário de uma cursista se dirigindo aos colegas no referido fórum. Fonte: http://moodle3.mec.gov.br/ufba/mod/forum/discuss.php?d=2926 Isto diz que o gestor posiciona-se, mesmo que seja para revelar que não pratica a gestão democrática na escola, a partir do que foi discutido sobre esta gestão. Há uma epistéme posta, porque implica um posicionamento diferenciado do esperado pela epistéme imposta, indicando que o gestor desconhece o que seja a gestão proposta, nomeando esta de teoria, e a vivida por ele, de prática. O saber que o gestor traz em seu cotidiano ganha, dessa forma, reconhecimento e valor, com indício da percepção da diferença entre a proposta e a realidade vivida por esses sujeitos (ver Figura 4 na página seguinte). 174 FIGURA 4 – Comentário de uma cursista se dirigindo aos colegas no referido fórum. Fonte: http://moodle3.mec.gov.br/ufba/mod/forum/discuss.php?d=2926 Não significa dizer que o gestor reconhece a epistéme imposta, com suas implicações e consequências para a sua realidade vivida. Significa apenas que este sujeito percebe que há uma diferença, que emerge e repensa sua própria prática, ressignificar conceitos e abrir espaços para que sua subjetividade, sua marca, fale por si. Isto acontece quando, ao final da participação no curso (defesa de TCC - monografia), em que em muitos casos, o sujeito gestor apresenta um discurso que não afirma a presença da gestão democrática na escola, mas que ele, sujeito autor de sua prática, lê, interpreta e pensa seu lugar, rememorando a sua própria epistéme e recolocando ela em seu contexto. A EPISTÉME JUSTAPOSTA Neste momento desta reflexão, pensa-se como é possível diálogos e contribuições possíveis entre os entreolhares conceituais e a epistéme do gestor, uma vez que entende-se que existe uma relação de proximidade e vizinhança entre ambos. Acredita-se nisso porque se compreende que um processo educativo (o curso supracitado, por exemplo) sempre é rizoma no sentido de não se ter o controle dos sentidos e significados que podem vir a surgir, pois permite “[...] acesso a qualquer tipo de discurso, [...] e no que permite e no que impede, [...] é 175 uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo” (Ibid., p. 43-44). Um dos diálogos em que a subversão ao instituído abre a possibilidade de ressignificação dos signos na gestão democrática na escola é a interlocução com a filosofia da ancestralidade. Desse modo, a partir do tópico abaixo, o diálogo mais estreito se inicia como a inquietação motivadora a toda a reflexão que permeia. POR UMA INTERLOCUÇÃO FILOSÓFICA DA ANCESTRALIDADE Pensar sobre o fazer filosófico (techné) instituído nas universidades e nas escolas do Ensino Médio no Brasil tende-se a impor acerca de uma única lógica, uma única matriz: a ocidental. O discurso posto através da matriz curricular reifica a invisibilidade dos sujeitos negados ao longo da história brasileira: o outro – a mulher, o negro, o índio, a viúva (hoje, a desquitada, a separada), o homossexual, o pobre. A lógica ocidental européia se impõe como condição sine qua non a partir da base epistemológica grega, e de lá para cá, vem tendo também como referências as matrizes alemãs e francesas. Tal atitude implica em uma omissão e negação da relevância das outras epistemologias filosóficas que não tiveram nem a oportunidade de aqui serem conhecidas, discutidas, filosofadas e disseminadas. Hoje ainda, filosofar no Brasil implica em regurgitar, prioritariamente, os filósofos gregos, alemães ou franceses. Isto nos faz refletir: como filosofar nossos problemas filosóficos em língua grega, francesa ou alemã? E como aprendemos a filosofar mediante o que outrem ensinou? Existe filosofia fora dessa História da Filosofia? Isto nos leva a crer que, por sua natureza intrínseca, o homem, através do empoderamento do discurso, pode ser induzido e conduzido a uma postura de alienação. Assim, para muitos, inclusive, na academia profissional filosófica, muito mais fácil é permanecer na inércia concordando com tal condição alienante, é aceitar o que está (im)posto ou acreditar que não segue alguma ideologia! Doce ilusão! Será que é negando a existência das ideologias que conseguiremos combatê-las?! Pois, mesmo aqueles que, ‘inocentemente’, recusa qualquer ideologia, ali, naquele dado instante, estará fazendo ideologia ideologicamente! Portanto, sabemos que, ao elegermos por um campo epistêmico do conhecimento, estamos por fazer escolhas, por traçar caminhos pelos quais pretendemos adotar, por fazer uma opção ideológica!. 176 Eis o que precisamos ter em mente é o que estamos, de fato, querendo: combater a existência das ideologias, negando-as de forma imaculada e incoerente ou abrindo possibilidades de escolha, de forma transparente e consciente, sob qual ideologia pretendemos caminhar? Neste sentido, aqui, não aspiramos retirar o enfoque de uma matriz e inserir outra, porque ainda assim, estaríamos sendo reducionistas e ditadores; propondo isto, estaríamos, em outras palavras, impondo apenas uma lógica, uma única matriz. Cunharíamos uma armadilha para nós mesmos, pois poderíamos dizer que, estaríamos assim “cortando o rizoma pelas raízes”! No entanto, ao percebermos que o fazer filosófico-político pode estar a serviço de muitos objetivos e interesses; então, a partir das lacunas existentes e do momento que vivemos com a transição política de gestão educacional nas escolas brasileiras desde a aprovação da Lei no 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL, 1996), que garantiu, entre outras conquistas, diretrizes para o estabelecimento de uma gestão democrática na escola, a educação brasileira ganha o direito de, efetivamente, refletir a necessidade e a participação consciente dos gestores, professores, pais, alunos e funcionários com relação às decisões a serem tomadas no cotidiano escolar; buscando, desta forma, um compromisso coletivo com resultados educacionais mais significativos. Mas, vale aqui, por ora refletir, em prol de quê ou de quem se dão estes ditos “resultados educacionais mais significativos”? Do conhecimento? Do estudante? Ou da mensuração de índices, de dados quantitativos e de ranks de exames nacionais e regionais para manutenção de um ensino forjado sob uma falsa defesa “educação para todos”?. Com essa proposta legal da gestão democrática, a relação de gestores e demais funcionários põe-se ser compreendida, sob forma de lei, como ação de submissão e passa a ser vista como ação coletiva, respaldada na possibilidade de diálogo, reflexão e de tomada de decisão pertencente ao todo, mesmo que pensados em partes: gestores, professores, pais, alunos e funcionários. Nesse aspecto, conforme Kuenzer (2006), um dos principais nomes atuais que discorrem sobre esta temática, afirma que, nas entrelinhas, a gestão democrática é entendida como processo de aprendizado e de luta política que não se circunscreve aos limites da prática educativa, mas vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua relativa autonomia, conseqüentemente, do repensar das estruturas de poder autoritário que permeiam as relações sociais e, no seio dessas, as práticas educativas. Ou seja, notamos aqui um paradoxo: é possível impor uma gestão democrática? Como a gestão democrática é um processo de 177 aprendizado e luta política se ela foi posta sob forma de lei e não construído no seio da escola? Desde 2009, com a primeira eleição para gestores no estado da Bahia que, na prática, observamos que o processo não se deu de forma processual. Diversos problemas ocorreram desde as eleições e vem ocorrendo para implantação dessa tal gestão democrática. O fato foi que, os partícipes da comunidade escolar não foram envolvidos num devir de dentro para fora, um movimento interno em que, aos poucos, fosse se (des)velando entre a legitimação em busca da legalização e, não no movimento contrário, que foi da legalização à legitimação. Como buscar referendar legitimamente o que foi imposto num movimento temporal “antihorário”? Se ela foi instituída antes de ser instituinte? Assim, pelo reconhecimento que vivemos de forma paradoxal e de que a escola brasileira, em meio a este paradoxo, de fato, encontra-se em uma crise paradigmática proveitosa para se repensar sua modelagem formativa dos gestores, seria a atividade filosófica um meio capaz de contribuir na reconfiguração da formação desejada? Aprender a pensar, desde a gestão escolar, é um dos imperativos da educação brasileira em nossos dias? Mas, de qual filosofia estamos tratando para tal empreitada em prol de romper tais desafios? Segundo o filósofo Eduardo David de Oliveira (2007, p. 234), ao parafraseá-lo, a Filosofia da Ancestralidade é uma filosofia do acontecimento, sem metafísica, mas com transcendência, cuja nascente é a cultura. Por ora, propomos a cultura escolar brasileira. Onde as formas culturais contêm e emanam energias. Energias são forças. Força é a potência das atitudes. Sendo assim, buscaremos emanar energias entre todos os atores envolvidos no processo para alavancar tal proposta que só será limitada pela forma: forma e força que não se dissociam, mas se complementam e completam. Sabendo assim que, a energia se dissipa no espaço e este espaço não é vazio, mas é visto como conceito mediado por signos. Ele é reconhecido como signo e coisa ao mesmo tempo. A força também é signo. E a forma é o invólucro do próprio signo. Por isto, recomendamos que é na escola, neste espaço não vazio, mediado por signos, por coisas, que esta força alavancadora, poderá se dar forma, formando-se! Deste modo, ainda para Oliveira (Ibid., p. 245): Ancestralidade é como um tecido produzido no tear africano: na trama do tear está o horizonte do espaço; na urdidura do tecido está a verticalidade do tempo. Entrelaçando-se os fios do tempo e do espaço cria-se o tecido do mundo que articula a trama e a urdidura da existência. A ancestralidade é um tempo difuso e um espaço diluído. Evanescente, contêm dobras, Labirintos e desdobram no seu interior e os corredores se abrem para o grande vão da memória. A memória é precisamente os fios que compõem a estampa da existência. 178 Neste prisma, aqui, o mito mantém a memória, o poder, o mistério e o encantamento, porque ao mesmo tempo em que revela, também esconde e, ao mesmo tempo em que oculta, manifesta. Encanta tanto pela beleza desvelada, como pela beleza velada. Em todo caso, a ética vem travestida de estética, seja na palavra, no vestuário, na obra de arte, na música, na dança! Assim como a capoeira de angola, que é um jogo que não é jogo, é uma dança que não é dança e é uma luta que não é luta. A vida, aqui é vista, como uma obra de arte e seus segredos são transmitidos através dos mitos. As suas narrativas transmitem conhecimentos e criam a própria realidade que se quer conhecer, dando sentido a própria existência. É uma conseqüência do próprio viver, em que o vivente é o sentido mesmo da vivência! Figura 5 – Capoeira de Angola Fonte: http://www.hhsitios.com.br/ai-capoeira.htm A ancestralidade filosófica nos remete a importância e o compromisso do resgate da nossa tradição, dos nossos antepassados, a valorização da nossa cultura, como berço para uma epistemologia aberta e, sobretudo, fundante em cada contexto sócio-cultural, em cada espaçotempo dado de forma singular. Precisamos repensar a nossa origem para compreender nosso destino! A nossa descendência africana e indígena foram subjugadas e negadas ao longo da história da formação do povo brasileiro e a Filosofia Brasileira, ainda hoje, tende a privilegiar 179 a matriz ocidental. Contudo, precisamos nos desfazer das amarras que fomos e ainda estamos presos. Ao parafrasear as palavras de Oliveira (2007), confirmamos o que já acreditávamos e vivemos na pele: o corpo de fato sente! O olhar encantado re-cria o mundo, porque vê com os olhos de encanto. Cada olhar constrói seu mundo! A Tradição Africana é encantamento, mistério, magia. Subverte o pensar lógico da razão existente na filosofia ocidental de matiz eurocêntrica. A Filosofia da Ancestralidade nasce na experiência. A experiência são os sentidos, a técnica do mistério, do encantamento: a essência do todo. Não há limites senão os definidos pelo microcosmo do indivíduo (do aluno, do gestor, do educador, do funcionário, do pai, do representante da comunidade de entorno) e suas singularidades, em uma conflituosa harmonia com o macrocosmo (a escola, os órgãos do sistema educacional brasileiro). Figura 6 – Culto aos Nkissis Divindades dos povos bantu Fonte: http://rerida.blogspot.com/p/mascaras-africanas.html A Cosmovisão Africana é um vazio criativo, não tem forma, mas pode dar a forma. Cultura é máscara que é mais que a identidade. É interatividade, mistério, integração. A divindade e a relatividade fazem parte da escolha do encantamento, é como uma profusão do diverso, do múltiplo, sem fronteiras, como o corpo da mulher forte: Yansã, representando aqui, neste estudo ensaístico, como fonte de criação, numa dicotomia entre fragilidade e fortaleza! A magia e o mistério do mito africano precedem a Filosofia da Ancestralidade, assim como o mito grego precedeu a Filosofia Grega. Antes, correlacionava-se ao mito, ao 180 sobrenatural; agora, ao mito, ao mistério, ao encantamento, a criação de mundos. É um retorno (eterno), ou melhor, o eterno (retorno) daquele que nunca foi, porém nunca poderá ser de todo conhecido! ENTRELUGARES: O INSTITUÍDO E O INSTITUINTE - RESSIGNIFICANDO OS SIGNOS OU CRIANDO SIGNOS COM SIGNIFICADOS OUTROS? De acordo Oliveira (Ibid., p. 147), ao optar por ver ao invés de olhar, deste modo, ele desloca o conceito da visão, do ato simplesmente de ver, situando-o na encruzilhada entre a ciência e a poesia, buscando assim um entrelugar do que foi instituído para tornar-se instituinte, ao ressignificar o que estava posto, para o que vai se tornar justaposto. Assim, nesta justaposição, o que é mesmo ver? Será olhar? Conhecer? Perceber? Ou será se “atinar a algo”? Ao caminhar pela ciência, ele faz este percurso junto com Maturana (2002) apud Oliveira (2007), ao notar que ver é a “relação entre o que é mundo e como ele é percebido”. E, através do “acoplamento estrutural, condiciona a existência à percepção da existência” (p. 151). Após este caminho, ele traça uma trajetória invertida, ao dar passagem para o poeta Fernando Pessoa (1983) apud Oliveira (2007), para sair do sentimento de vertigem para mistério e encantamento. Para Oliveira (Ibid., p. 153): “[...] há um mundo real, mas a ilusão impede a visão da realidade. ‘Tudo é símbolo e analogia’, que, no entanto, comportam-se como ‘sombras de vida e pensamento’. Tudo é fluídico e nada fica. Nem a ‘maré vasta’ nem a ‘maré ansiosa’, mas há uma ‘maré que está onde é real o mundo que há’, da qual a maré que vemos é apenas um ‘eco’. Como chegar ao mundo que há se ‘tudo o que temos é esquecimento’? [...] Talvez tenhamos que ‘ver’ de outro modo e, de algum modo, perguntar por ‘outro modo que ser’. Ao buscar outro modo de ser, é imprescindível a necessidade de refletirmos as polilógicas, poli-éticas e poli-estéticas que configuram as possibilidades do pensar multiversal para além do horizonte determinado pelas práticas para uma gestão democrática. Sob esse conflito paradoxal questiona-se: quais as possibilidades que o princípio arquétipo originário através da filosofia da ancestralidade em sua nascente pode conduzir para o pensar acerca da gestão democrática nas escolas brasileiras? Necessita-se, afinal, de um novo começo, ou melhor, re-começo para a gestão escolar democrática ou de um novo conceito de democracia para a gestão escolar, ou de um novo conceito de gestão escolar para a democracia ou de todas as alternativas sugeridas? Tal estudo 181 toma a ancestralidade filosófica como categoria inspiradora ao denotar na Filosofia da Ancestralidade, princípio e destino, começo e fim, como uma possibilidade fundante para uma nova Gestão Democrática através do reconhecimento relacionado à ancestralidade, ao resgate das necessidades e dos anseios no seio da nossa escola brasileira e, tomando este como princípio presente, atual, do filosofar criador como atividade aprendente radical a fim de criar novos mecanismos para a uma gestão mais participativa, ainda que não atinja uma gestão democrática, e, sobretudo, para sua efetivação, ou seja, que isto se dê na escola no seu plano de imanência, que ao transpor do lugar meramente da práxis para o lugar da poiésis, busquemos assim, uma encruzilhada nos termos “praiésis” 7. Estes caminhos outros trilhados são constituídos por uma série de percalços intrincados destinados a des-orientar quem os percorre. Acreditamos que, dessa maneira, seja uma alegoria do conhecimento, numa outra abordagem epistêmica, de si, em si, para si, do mundo e para o mundo. Assim, o que representaria, de fato, na nossa práxis acadêmica, a figura de Pallas Atenas como mentora, orientadora? Ou a figura de Exu, divindade do candomblé brasileiro? Exu é o princípio de individuação que, está em tudo e a tudo empresta identidade. É, concomitante, o mesmo que dissolve o construído; aquele que quebra a regra para manter a regra; aquele que transita pelas margens para dar corpo ao que estrutura o centro; é aquele que inova a tradição para assegurá-la. Exu é assim o princípio dinâmico da cosmovisão africana presente na cultura yoruba. Dessa maneira, ele mantém um equilíbrio dinâmico baseado no desequilíbrio das estruturas desse mesmo sistema filosófico-ético. Exu, aquele que viola todos os códigos é o mantenedor, por excelência, do código. É assim, que o paradigma Exu se expressa na forma de uma filosofia do paradoxo (Ibid., 2007, p. 130). Nesse aspecto, não é possível concebermos apenas uma lógica, um único percurso, uma única viagem, uma única matriz, um único referencial, como nos é imposto, mas várias... Vale então, perceber que o sentido de rizoma e discurso assume assim uma subversão, uma inflexão ao desviar os caminhos, achamos atalhos e desdobramo-nos com perspectivas outras do que vem sendo imposto pela dita gestão democrática sob uma falsa bandeira de democracia. Enfim, são vários os percursos, os becos, as vielas, as avenidas, as encruzilhadas e, porque não afirmar, são vários os dispositivos metodológicos disponíveis para os diversos contextos culturais escolares no diversos brasis que temos no nosso Brasil. 7 Junção dos termos práxis + poiésis = praiésis, cujo significado cunhamos aqui como um fazer inventivo-criativo-efetivo. 182 SEM PENSAR NO FIM DE PAPO: UMA (IN)CONCLUSÃO ABERTA A OUTRAS PROVOCAÇÕES Por ora, não negamos aqui a necessidade de definir um caminho, uma epistemologia, um método, pois é indispensável ter uma epistemologia e um método, um percurso, não no sentido de um modelo pronto, mas um método aberto respaldado em uma epistemologia fundante e com fundamentos próprios, autônomos, criativos, com passos definidos que se define na própria caminhada. Caminhos decididos sim, escolhidos, pensados, optados, mas não uma via de mão única, não com uma única opção, pois passaria a ser imposição; contudo, definidos, submetidos a várias opções e, principalmente, por vários sujeitos. É mister aqui um diálogo constante entre o(a) gestor-cursista e os atores/autores sociais da comunidade escolar, acrescidos de questões que ofereçam uma investigação rigorosa (fecunda, coerente e coesa com cada realidade) e uma praiésis bem definida a partir desta inquirição. Esta proposta epistemológica-metodológica-política-ética baseada na Filosofia da Ancestralidade abraça uma postura de um autorizar-se, de um imaginar, de um inventar, de um criar novos dispositivos de pesquisa para embasar tal investigação rigorosa, a fim de propor e dispor novas possibilidades do fazer conhecimento pois, se de um lado nos deparamos, nos confrontamos com todas as incertezas da realidade dentro e fora dos muros da escola (as incongruências, os paradoxos, as ambivalências, as ambiguidades, as opacidades, as impurezas, as transgressões, as traições...), do outro lado, nos vemos pressionados por um sistema organizacional de educação quase que perfeito, sob um discurso que jaz como uma verdade imutável, inquestionável, inabalável e, o pior, nos compreendemos impossibilitados diante da incapacidade que temos nesta “briga de braço”. Então, como gerir uma escola na concepção democrática, se e somente se: o Ministério de Educação (MEC), representante oficial e órgão máximo do sistema educacional brasileiro, aos nossos olhos, sob um poder esquizofrênico, delimita o ensino como a educação e põe a gestão democrática de maneira anti-democrática? Como legitimar o processo de gestão democrática na escola se tal processo foi imposto sob forma de lei? A lógica foi invertida no processo de gestão democrática nas escolas públicas brasileiras, então, será que o instituído tornar-se-á instituinte? Como transpor tal inversão do real na cultura escolar brasileira? 183 O próprio filósofo Eduardo de Oliveira (2007, p. 63) nos dá indício para responder algumas questões ao recomendar que, sendo o cogito apenas uma fotografia do real, a interação é muito mais que pensamento e este é a própria memória como uma forma de ordenamento da cultura, como devir, como movimento, e é muito mais que uma estrutura lógica, vai além do mero ordenamento lógico. Pois, a cultura é um mosaico de percepções e sensações, entre sentidos outros e significados outros. Destarte, não podemos delimitar a filosofia e a epistemologia numa totalidade, totalidade representa tudo e este é conceito no aspecto que abordamos aqui, é uma palavra que meramente existe como um simulacro, para de fato nos lembrar do nada!! Vale ressalvar que, àquele que foi considerado um dos maiores insensatos da humanidade, quiçá, tenha sido, um dos mais sensatos! Já cantava Raul Seixas: controlando minha maluquês misturada com minha lucidez, vou ficar maluco beleza! É preciso inverter a lógica deste sistema educacional, é preciso democratizar a gestão a partir do “chão da escola”, dos atores/autores do processo escolar ao provocar a ação praiética, ao propor criações e dispor re-criações em prol de subsidiar uma abertura do fazer ciência partindo do fazer filosófico da ancestralidade (techné) através da epistemologiametodológica-política-ética a fim de atingir esse novo fazer ciência (início – fim – início / origem – destino – origem). No universo do curso de Especialização em Gestão Escolar, o escopo determinado pelas suas diretrizes para construir conhecimento foi ultrapassado às expectativas, pois foi muito além dos objetivos do projeto pedagógico político, ao reconhecer por parte da equipe envolvida na UFBA a necessidade de uma admissão, desde materiais disponibilizados online na midiateca, como também, orientações presenciais. Uma das autoras 8 pode perceber de bem perto a movimentação que este curso proporcionou em uma escola pública estadual. Durante um ano, sendo professora de filosofia, sob o regime REDA, ela atuou como partícipe do processo do Conselho Escolar desta instituição, que apenas, após o início do curso que os gestores-cursistas (direção e vice) reformularam o Projeto Político Pedagógico da escola junto à comunidade; como também, criaram o Conselho Escolar. As transformações foram necessárias e fundamentais para uma ressignificação dos conceitos de participação, colaboração e autonomia, e atuação dos sujeitos-atores-autores. Embora, urge a necessidade da busca de sentidos outros para democratização da gestão escolar conforme o corpo dos contextos sócio-culturais de cada escola. 8 Alexandra Quadro Siqueira. 184 REFERÊNCIAS DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Introdução: rizoma. In: ______. Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. Tradução de Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. 1. ed.,sexta reimpressão. São Paulo: Editora 34, 2009. p.11-37. DOURADO, Luiz Fernandes; MORAES, Karine Nunes de; OLIVEIRA, João Ferreira de. Texto 01 - gestão escolar democrática: definições, princípios e mecanismos de implementação. Disponível em: <http://moodle3.mec.gov.br/ufba/mod/forum/discuss.php?d=2926>. Acesso em: 15 mai. 2010. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. 374 p. Título original: L’Archéologie Du Savoir. ______. A ordem do discurso – aula inaugural no Collége de France, pronunciado em 2 de dezembro de 1970.Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 20. ed.São Paulo: Edições Loyola, 2010. 79 p. Título original: L’ordre Du discours. Leçon inauguraleau Collége de France prononcéele 2 décembre 1970. FRANÇA, Júnia Lessa; VASCONCELLOS. Ana Cristina de. Manual para normalização de publicações técnico-científicas. Colaboração: Ana Cristina de Vasconcellos, Maria Helena de Andrade Magalhães, Stella Maris Borges. 8. ed. BeloHorizonte: Ed. UFMG, 2007. 255 p. KUENZER, Acácia. As mudanças no mundo do trabalho e a educação: novos desafios para a gestão. In: FERREIRA, Naura. Gestão democrática da educação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. OLIVEIRA, Eduardo David. Epistemologia da ancestralidade. Disponível em: <http://www.moodle.ufba.br/mod/resource/view.php?id=95127&subdir=/Eduardo_Oliveira>. Acesso em: 06 jun. 2010. ______. Filosofia da ancestralidade: mito e corpo na educação brasileira. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007. 185 ENSAIO SOBRE AS CONCEPÇÕES HISTÓRICAS DO LAZER CONTEMPORÂNEO Temistocles Damasceno Silva 1 Flávio Alves Oliveira 2 Ilma Almeida da Silva 3 Péricles Maia Andrade³ Elaine Rodrigues Nascimento³ Raissa Loara Freire Nogueira³ RESUMO O presente trabalho se apresenta enquanto uma reflexão acerca das concepções históricas e sociológicas que permeiam o lazer contemporâneo. Para tal, buscou-se materializar uma revisão de literatura, a qual, evidenciou elementos conceituais que compõem o referido fenômeno, tais como: ócio, lúdico e recreação. Neste sentido, percebeu-se a diversidade de conceitos relacionados a temática em questão e ao mesmo tempo verificou-se que, tal fator, corrobora diretamente para a não compreensão do real sentido e significado do lazer, enquanto fenômeno sociocultural. PALAVRAS-CHAVE: Ócio; Lúdico; Recreação; Lazer. ABSTRACT This work is presented as a reflection on the historical and sociological concepts that permeate contemporary leisure. To this end, it sought to materialize a literature review, which showed conceptual elements that make up the said phenomenon such as: leisure, fun and recreation. In this sense, we realized the diversity of concepts related to teaching in this area and at the same time it was found that such factor supports directly to the lack of understanding of the real meaning and significance of leisure, while sociocultural phenomenon. KEYWORDS: Leisure; Playful; Recreation; Leisure. 1 Docente do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Atualmente, cursa mestrado em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador – Unifacs e faz parte da Associação Latino-americana de Gerência Desportiva - ALGEDE. Além disso, coordena o centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL. 2 Especialista em Educação Física e Esportes (UESB). Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Enfermagem e Saúde (UESB). Colaborador do centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL 3 Discentes do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –UESB. Membros do centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL 186 INTRODUÇÃO O lazer vem gradativamente ganhando espaço nas discussões acadêmico-cientificas, não são raros, estudos que abordem está temática, nas mais diversas áreas do conhecimento, como a “Educação Física, Sociologia, Economia, Turismo, Antropologia, Arquitetura, Engenharia Civil, Psicologia e Educação na tentativa de compreender sua estruturação, aplicabilidade e funcionalidade social” (PICCOLO, 2009, p.10). Ao mesmo tempo, o autor revela que: As tentativas de explicação sobre a difusão do fenômeno lazer nas sociedades contemporâneas também atingem um vasto campo explicativo, cujas justificativas vão desde a interpretação do lazer como uma prática atrelada a égide do capital e suas múltiplas formas de comércio, até a valorização do bem-estar social e da saúde coletiva dos indivíduos (PICCOLO, 2009, p.11). Dessa forma, conceituar corretamente o termo lazer, não é uma tarefa tão fácil, sua emersão é acompanhada por múltiplos entendimentos e contextos. E ao analisar sua constituição ao longo da história é possível identificar duas correntes. Que segundo (GOMES, 2004 apud REIS; CAVICHIOLLI, 2008) são antagônicas e determinam as opiniões quanto ao surgimento do lazer. A primeira, acredita que o lazer sempre existiu, desde as sociedades mais antigas. Já a segunda, considera o lazer como um fenômeno contemporâneo, com origem marcada na modernização das sociedades urbano-industriais. Contudo, apesar da existência de duas correntes que arriscam explicar o surgimento do lazer, optamos nesse capítulo, em discorrer sobre a conceptualização do tema à luz da segunda. Ressalta-se, no entanto, que a escolha por esta corrente, advém por meio dos achados na literatura brasileira sobre a temática, que é influenciada pelas teorias dos sociólogos Jofre Dumazedier e Nelson Marcellino. Estes autores, acreditam que o surgimento do lazer está associado à modernidade, uma vez que, acompanhou as “transformações decorrentes do processo da revolução industrial, destacadamente àquelas que levaram à rígida e nítida delimitação da jornada de trabalho” (REIS; CAVICHIOLLI, 2008, p.2). Para Brasileiro (2013, p.98): O desenvolvimento da técnica e as mudanças na estrutura da sociedade feudal introduziram outros modos de produção. O trabalho gradativamente já não acontece no campo. As fábricas começam a ser o centro por excelência do trabalho e a dinâmica do cotidiano dos indivíduos se vê alterada, tanto espacial como temporalmente. A Reforma também traz consigo um novo significado para o que até então se aproximava ao lazer. 187 Logo, o período que sucedeu a Revolução Industrial, foi marcado por uma tensa transformação nas atividades laborais, com significativas mudanças, tanto na estruturação social quanto na fabricação dos produtos (AQUINO; MARTINS, 2007). A partir desse momento, as preocupações com o lucro e a produtividade receberam respaldo no desenvolvimento de uma mentalidade, voltada para o enriquecimento e acumulação de bens. Nesse período, destaca-se os investimentos da Inglaterra para o progresso do seu sistema fabril, atrelado aos numerosos aspectos que favoreciam o controle do vasto mercado consumidor. Desse modo, com a ampliação do mercado e o aumento na demanda de produção, logo ficaria evidente a inovação na forma de produção, e por consequência, a proliferação de máquinas que substituiriam o trabalho braçal era inevitável, uma vez que, os artesãos não conseguiriam produzir em longa escala, e em um curto espaço de tempo. Essa transformação no modo de produção, caracterizou-se como uma ferramenta escravocrata, onde crianças, idosos e mulheres realizavam jornadas de trabalho extenuantes. Conforme afirma Ré (2014, p.28), “os trabalhadores das fábricas eram submetidos a péssimas condições de trabalho, em condição análoga a de escravos, em jornadas extenuantes, que podiam chegar a 16 horas diárias”. Destaca-se aqui, o ponto de vista de Gomes (2003) quanto as atividades que integram o lazer. Para esta autora, “o campo das atividades lúdicas constitui as raízes do lazer, estabelecendo interfaces com as diversas dimensões da vida em sociedade” (2003, p.4, grifo da autora). Dessa forma, o presente capítulo tem por objetivo identificar e descrever a partir da literatura, os conceitos dos termos lúdico, ócio e recreação e lazer. Uma vez que, estes, são complexos e oscilam ao longo da história da sociedade, o que torna o lazer uma variável cultural. REFLETINDO SOBRE LÚDICO, ÓCIO, RECREAÇÃO E LAZER A terminologia lazer é recente, comparada com outras manifestações culturais que acompanham a evolução da humanidade, como o lúdico, que constantemente era confundido com a diversão, o prazer e a recreação. Logo, Malacrida e Machado (2008), afirmam que o lúdico enquanto componente do lazer, sempre esteve atrelado à época histórica que o 188 constituía, podendo “acontecer em qualquer momento da existência humana, seja em questões relacionadas à família, religião, política e principalmente, trabalho” (MALACRIDA; MACHADO, 2008, p. 81). Em contrapartida, Huizinga (1971 apud MARINHO; PIMENTEL, 2010), explica que o fato do lúdico anteceder a civilização humana, se dar, pelo motivo do homem não ser o único animal que brinca. Logo, “o jogo é mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica” (HUIZINGA, 1996, p. 5). Para Marinho e Pimentel (2010) contrapõem Huizinga (1995), ao afirmarem que este autor, apresenta uma visão pretenciosa da atividade lúdica, visto que, esta atividade é dinâmica e não evoca consequências na vida real, além do descanso e da diversão. Já Luckesi (1998) afirma que a atividade lúdica é dicotômica, pois pode ser ou não divertida, o que vai defini-la como uma ou outra, é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem a vivencia em seus atos. Ou seja, para ele, a ludicidade dependerá exclusivamente da intensidade que o indivíduo dispõe na brincadeira e como consequência, a obtenção da plenitude da experiência. Para Luckesi (1998), brincar ou jogar (agir ludicamente), exige do ser humano a entrega total do corpo e da mente, visto que, as próprias atividades lúdicas conduzem para esse estado de consciência. Entretanto, Marinho e Pimentel (2010) ressalvam que o termo lúdico, assim como o termo lazer, não é comum em outros idiomas, o lúdico especificamente, ainda não é admitido como um fenômeno próprio. Para os autores, por mais que o termo lúdico se naturalize no meio acadêmico, ainda assim, não foi revelada a dificuldade que os pesquisadores têm em conceituá-lo. “Parte dessa dificuldade está na própria dinâmica desse objeto que sendo linguagem humana, pode manifestar-se de diversas formas e ocorrer em todos os momentos da vida” (GOMES, 2004 apud MARINHO; PIMENTEL, 2010, p. 14). Com relação ao lúdico e o lazer, Caillois (1990), afirma que o jogo é uma atividade que pressupõe tempo livre. Já Marcellino (2008), adverte que o lúdico possui um conceito mais abrangente que o lazer, visto que suas possibilidades de ocorrências são maiores. Para Marcellino (2008), a ideia de exclusividade do lúdico e do tempo livre só se sustenta quando ignora a rede de obrigações e coerções nos demais momentos da vida. Nesse sentido, nota-se que o autor apresenta uma grande defesa acerca da ampliação do debate sobre conceitos que envolvem o lúdico como elemento da cultura e o lazer como espaço para sua manifestação. Bruhns (1993, apud MARINHO; PIMENTEL, 2010, p.15) aponta que “o lúdico não ocorre 189 exclusivamente no lazer, este se manifesta em diversas tradições, podendo ser detectado, direta ou residualmente, em diferentes facetas da realidade”. Para Bramante (1998), o atributo de eixo central dado a ludicidade pelos pesquisadores que teorizam sobre o significado do lazer, se dá pela importância desse conteúdo na “vocação inerente do ser humano que brinca e que joga, na sua mais pura essência antropológica” (BRAMANTE, 1998, p.4). Marinho e Pimentel (2010) concluem que o lazer é carregado de dimensões positivas, como o prazer e a criatividade, e estes, condicionados ao eixo da ludicidade. Assim, o lúdico e o lazer teriam papéis positivamente construtivos na vida individual e social. Logo, “o lúdico é um componente vital para se compreender o lazer em nossa sociedade, mas está presente também em outras dimensões...” (MARINHO; PIMENTEL, 2010 p. 18). No quesito ócio, Aquino e Martins (2007, p.488) revelam que, a palavra é derivada do “latim otium, e significa o fruto das horas vagas, do descanso e da tranquilidade, possuindo também sentido de ocupação suave e prazerosa”. Na Grécia Antiga, o ócio era visto como um tempo em que filósofos e políticos utilizavam para pensar, manifestar melhoria de espírito e ampliar o intelecto. O ócio é tão antigo quanto o trabalho, porém, somente após a Revolução Industrial, com o surgimento do chamado tempo livre, que foi uma conquista da classe operária frente à exploração do capital, é que foi evidenciado, ocorrendo a nítida separação entre tempo-espaço de trabalho e lazer, enquanto tempo para atividades que se voltam para a reposição física e mental. (AQUINO; MARTINS, 2007, p.485) Durante determinado momento histórico, o ócio era confundido com a preguiça, o que para Igreja daquela época, era considerado um pecado. Em contrassenso, já na Idade Média, o ócio passou a ter conotações religiosas, por meio de práticas de orações controladas e disciplinadas pela igreja (GOMES, 2008 apud PIMENTEL, 2010). Assim, com o aumento na produção das mercadorias houve a necessidade da criação de um tempo para que estes fossem consumidos, dessa forma, surge o tempo do não trabalho, do ócio, o tempo livre, que alguns pesquisadores denominaram de tempo desobrigado, isto é, o tempo livre das obrigações do trabalho, como por exemplo, afirma Martins (2010, p. 244) “trata-se [...] de participação voluntária ou capacidade criadoras, quando livre das obrigações profissionais, familiares ou sociais, sendo, portanto uma atividade de livre escolha, libertadora, desinteressada e sem fins lucrativos”. Para Martins (2008, p.10), os estudos que discutem o ócio caracterizam-se como um “...modelo aberto com aproximações epistemológicas e metodológicas múltiplas, baseadas em 190 contínuas e diversas análises, métodos e recursos de várias disciplinas que compartilham seu objetivo de conhecimento”. Entretanto, Aquino e Martins (2007) afirmam que “o ócio faz parte da reflexão específica das ciências sociais que se caracterizam por disciplinas não consensuais. Assim, uma das características dos estudos de ócio é a carência de consensos generalizados em suas abordagens básicas” (ibidem, p.493). No que se refere a recreação, percebe-se que, nesse atual contexto da vida moderna, marcado por novas configurações nas relações de trabalho, as pessoas passaram a utilizar o tempo livre para dentre outras coisas, realizar atividades recreativas. Assim como a ludicidade, a recreação apresenta-se como um conteúdo do lazer, visto que, se utiliza do tempo livre das pessoas para ser realizada, podendo ser classificada como atividades planejadas com elementos já existentes, seguindo as compreensões de quem a aplica. Logo, a recreação tem como principal característica a satisfação pessoal do indivíduo que a pratica, aproximando-o da sua realidade, fazendo com que este, consiga refletir sobre si mesmo, requerendo quase sempre, disponibilidade de energia psicológica, biológica, disposição individual e também grupal, de forma voluntária, sem regras e exigências. Para Bartholo (2001, p. 91) a recreação é “uma atividade que se processa a partir do enfoque simultâneo da sensibilidade, da consciência e da cultura em sua ludicidade e criatividade”. Já Kishimoto (1997), define a recreação como uma “atividade física ou mental a que o indivíduo é naturalmente impelido para satisfazer as necessidades físicas, psíquicas, ou sociais, de cujas realizações lhe advém prazer, e que é aprovada pela sociedade”. Desta forma, Mian (2003) define que a recreação é como uma satisfação e alegria naquilo que se faz. “Retrata uma atividade que é livre e espontânea e na qual o interesse se mantém por si só, sem nenhuma coação interna ou externa de forma obrigatória ou opressora” (MIAN, 2003). Segundo Ferreira (2003), a palavra recreação deriva do latim recreare, e tem como significado "criar novamente" no sentido positivo, ascendente e dinâmico. As primeiras sistematizações das atividades recreativas, são datadas do ano 1774, tendo como país de origem a Alemanha, precisamente, a partir da criação da Fundação Philantropinum pelo professor J. B. Basedow. “Na Fundação havia cinco horas de matérias teóricas, duas horas de trabalhos manuais, e três de recreação, incluindo a esgrima, equitação, as lutas, a caça, pesca, excursões e danças” (ARRUDA; MOURA, 2007, p.15). Esse movimento influenciou outras tendências pelo mundo, assim no ano de 1885 foram criadas em Boston nos Estados Unidos da América (EUA), caixas de areia para as crianças se recrearem nos Jardins de Infância. Contudo, com o passar dos anos “o espaço tornou-se pequeno visto que os irmãos mais velhos vinham também se recrearem nos jardins, 191 criavam-se então os Playgrounds em prédios escolares, chamados também de pátios de recreio” (ARRUDA; MOURA, 2007, p.16). A criança brinca para conhecer-se a si própria e aos outros em sua relação recíproca; para aprender normas sociais de comportamento; hábitos determinados pela cultura; para conhecer os objetos em seu contexto; para trabalhar com o imaginário; para conhecer os eventos e fenômenos que frequentemente ocorrem a sua volta (CARVALHO; FIORONI; ALMEIDA, 2006, p.23). Já no Brasil, a recreação começou a ganhar popularidade a partir das atribuições dadas pela educação física, principalmente a partir da criação da Superintendência de Educação Física Recreação e Jogos em 1933. No ano de 1962, foi a vez da sua inserção no currículo mínimo para a formação de graduandos em educação física, sendo comtemplada como uma disciplina formal. E por fim, no ano de 1971, por meio do decreto nº 69.450, a Educação Física “desportiva recreativa” tornou-se obrigatória em todos os graus e níveis de ensino no Brasil (GOMES, 2008). No que diz respeito aos conceitos que permeiam o lazer, o trabalho, desde a Revolução Industrial, sempre foi um dos principais fatores associados ao este fenômeno, este por sua vez, mesmo que compreendido dicotomicamente, está acoplado a aspectos sociais, econômicos, políticos, religiosos, científicos e históricos que fazem parte desse contexto. E não diferente daquela época, o trabalho ainda é visto como abjeto na maior parte do tempo, impedindo assim, o homem de se divertir, descansar, contemplar e refletir. O trabalho com certeza constitui uma das atuações necessárias para o desenvolvimento humano. No entanto, o desequilíbrio está não só no trabalho, mas na limitação das atuações humanas na sua estrutura. E a compreensão de lazer desenvolve-se nesse contexto, e mesmo que a dicotomia entre ambos fosse vencida, o lazer ainda ocuparia lugar secundário na vida das pessoas e para a pesquisa científica. (BRUHNS, 1997, p. 92) Nessa conjuntura, o trabalho passa a ser analisado de forma singular, isto é, deixa de ser algo complexo, com uma rede de intenções voltadas ao trabalhador, e passa a se resumir apenas em reproduzir a força de trabalho, a repetição, e a mecanização. “No mundo do trabalho, [...] o lazer apareceu como atividade inútil para os trabalhadores já que a rotina fabril não combina com o descompromisso do prazer” (FERNANDES; HÚNGARO; ATHAYDE, 2011). Neste sentido, Dumazedier (2008) afirma que o lazer se estabelece como um importante fator social, contudo, condicionado ao tipo de trabalho, que será decisivo sobre ele, ou seja, tanto o trabalho quanto o lazer formam um todo. “O trabalho só será humano se permitir [...] o lazer humano. Porém o lazer que não passar de uma simples evasão do 192 trabalho, de uma fundamental falta de interesse pelos problemas [...] do trabalho só será uma falsa solução...” (DUMAZEDIER, 2008, p.110). Pode-se considerar até o presente momento, que com o crescimento desenfreado das fábricas, proporcionado por um novo sistema econômico: o capitalismo, e a busca incessante por mais tecnologia, os trabalhadores tornaram-se escravos das máquinas, na verdade nesse período de pós-revolução industrial, mudou-se apenas as nomenclaturas dos episódios, o que antes eram longas jornadas de trabalho, agora eram denominadas de horas extras, e até o tempo de não trabalho, que foi conquistado com muita luta pelos sindicatos, já não apresentava o devido valor. Mas, ao longo do século XX, a qualidade de vida engendrada pela produção social levou a que todos os segmentos sociais reivindicassem também tempo e condições para a fruição dos bens culturais. Eis que tais reivindicações oscilam hoje entre o direito do cidadão e o serviço ao consumidor de lazeres. (FERNANDES, HÚNGARO E ATHAYDE, 2011). Ressalta-se até aqui, que a gestação do lazer enquanto fenômeno social, ou seja, como um campo de estudo, “como uma esfera própria e concreta, dá-se, paradoxalmente, a partir da Revolução Industrial, com os avanços tecnológicos que acentuam a divisão do trabalho [...] do homem do seu processo e do seu produto” (MARCELLINO, 1995, p.14). Em relação ao entendimento do lazer, durante muito tempo o descanso e a diversão foram os principais aspectos associados ao tema, contudo, não são apenas essas as características que fazem parte do contexto do lazer. A discussão sobre o lazer perpassa os mais diversos aspectos sociais, abordando dessa forma as necessidades da população, fazendo com que o lazer enquanto fenômeno social ganhe espaço e relevância no âmbito acadêmico, político, social e humano, ou seja, o lazer como fenômeno social, traz uma perspectiva voltada para a democratização. Contudo, apesar do lazer trazer uma perspectiva de democratização, e abranger características voltadas para todos os campos sociais da vida humana, o senso comum ainda persiste em conceitua-lo como lugar, momento, ação, etc. Para Marcelino (1996ª, p. 07): “O uso indiscriminado [...] da palavra, englobando conceitos diferentes [...], fundamenta a necessidade de tentar precisá-lo, [...] de orientar discussões que contribuam para o seu entendimento...”. Neste contexto, o uso pela população do termo Lazer nas mais diversas situações cotidianas, banaliza o real significado da palavra, ou seja, o senso comum sobre a temática apareceu e, paralelamente, estudos e pesquisas que descrevam corretamente seu significado se tornam necessárias. As pessoas talvez tenham compreendido o lazer, porém não o definem abrangendo as características que esse termo expressa. No campo intelectual as 193 fundamentações e as discussões são de caráter político, educacional, histórico, social, cultural, pessoal etc, assim as vertentes que fazem parte do contexto dão subsídio para reflexões sobre o todo, diferente da compreensão que a população tem acesso. Exprimindo conceitos de filósofos e cientistas da área social, a palavra “lazer” faz parte do vocabulário técnico e científico a muito tempo. A novidade fica por conta do seu uso no nível corrente ou comum, onde as palavras são dotadas de significados imediatos. Está ligada, assim, à relação do homem com a realidade experimentada (MARCELLINO, 1995, pág.20). Diante de tantas distorções apresentadas para o significado do lazer, é conveniente conceituar e abranger tais definições a luz de alguns estudiosos da área, compreendendo dessa forma, a diversificação de significados para tratar o lazer, dentre os mais conhecidos está a que traz o sociólogo francês Joffre Dumazedier, (2008, p.34) numa perspectiva ampla da palavra, englobando diversas vertentes as quais o lazer está relacionado: O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. Outro conceito sobre o lazer é sugerido por Requixa, (1977, p. 28), onde o lazer é entendido “como uma ocupação não obrigatória, de livre escolha do indivíduo que a vive, e cujos valores propiciam condições de recuperação psicossomática e de desenvolvimento pessoal e social”. Nessa perspectiva, o caráter pessoal e o bem-estar seriam requisitos básicos para avaliarem se determinado momento/atitude é lazer. O lazer não é algo que está estático, ou seja, está em movimento na sociedade e seu atual significado e crescente importância na sociedade contemporânea possuem referências históricas. [...] O lazer é um fenômeno tipicamente moderno, resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassado por relações de hegemonia. (MASCARENHAS, 2003 apud FERNANDES, HÚNGARO & ATHAYDE, 2011). Marcassa (2003, apud FERNANDES, HÚNGARO E ATHAYDE, 2011), corrobora com Mascarenhas (2003) quando afirma que o lazer é determinado pela construção histórica que se opera na sociedade e, portanto, as atividades que passam a fazer parte dele são vivenciadas e desfrutadas pelos homens em conjunto, segundo as condições econômicas, culturais e sociais criadas. Outra concepção interessante do lazer é abordada por Oliveira (2004), segundo está autora, existe um claro domínio mesmo que pequeno, entre o conhecimento e as 194 possibilidades de se praticar o lazer, através de mudanças de atitudes e valores frente aos grandes problemas sociais. “Assim, apesar das crescentes discussões e sua enorme utilização, o [...] lazer ainda permanece restrito aos níveis de entendimento que contém [...] a visão conservadora que não questiona a lógica capitalista e neoliberal de pensar o mundo” (OLIVEIRA, 2004, p.21). Com relação aos fatores de interesse dos conteúdos culturais do lazer, Dumazedier (1980) elenca cinco áreas principais, são elas: físico-esportivos, manuais, artísticos, intelectuais e sociais. Além dessas, Camargo (1998) acrescenta os interesses turísticos, e Schwartz (2003) sugere a inserção do conteúdo virtual do lazer, justificando-o como um avanço da evolução tecnológica. Contudo, nas situações cotidianas, os principais fatores que vão dar suporte para entender se determinada ação, atitude, momento, é lazer ou não, são o tempo e a atitude. Uma vez que, não é apenas o conceito que vai estabelecer o que o lazer representa, mas os aspectos que o caracterizam como tal. Por exemplo, diante do conceito sugerido por Dumazedier, quando se refere à família, fica subentendido que a família seria uma obrigação, como se o lazer só existisse enquanto se está longe dela. Está em um momento desobrigado com a família pode ser rotulado como um compromisso ou pode ser classificado como semilazer, pois, dependendo do contexto, o momento pode ser entendido como um momento de obrigação e dedicação à família ou lazer quando a satisfação prevalecer. “Tudo ocorre como se o círculo das obrigações primárias interferisse com o círculo das obrigações do lazer, para produzir, na intersecção, o semilazer. O semilazer é uma atividade mista em que o lazer é misturado a uma obrigação institucional” (DUMAZEDIER, 1999, pág.95). Portanto, diante do exemplo referido sobre a família, pode-se perceber que as obrigações fazem parte do contexto (fazer compras no supermercado, levar e buscar os filhos na escola, entre outros), e quando, livre das obrigações institucionais, o compromisso de estar com a família existe, porém não como obrigação, mas como podemos chamar de semilazer (ir ao estádio de futebol, ao cinema, viajar, entre outros). Assim, a liberação do tempo profissional é acompanhada por um duplo modelo de destinação do tempo no que concerne às obrigações domésticas, conjugais e familiais. No primeiro, uma parte deste tempo liberado é dedicado de fato a um aumento do tempo devotado às obrigações institucionais para com a criança, o cônjuge, o lar. No outro, ao contrário, uma parte das obrigações institucionais de ontem converte-se no lazer de hoje, dentro do grupo familial ou fora dele (DUMAZEDIER, 1999, p.45). Retomando a discussão sobre o tempo e a atitude, Marcellino (1996a, p. 8) traz uma significativa contribuição, quando afirma que “o lazer considerado como atitude será 195 caracterizado pelo tipo de relação verificada entre o sujeito e a experiência vivida, basicamente a satisfação provocada pela atividade”. Assim, a escolha individual é que determina a atitude pela atividade ou ação que será realizada no tempo desobrigado. Diante disso, a satisfação e o prazer influenciam na concretização da atividade significativamente, pois esta será desenvolvida de acordo com as necessidades que o indivíduo deseja, e que, intrinsecamente vai lhe oportunizar um determinado desenvolvimento de acordo com a experiência vivida. Ressalta-se, no entanto que o lazer mesmo sendo desfrutado, sempre com as mesmas atividades/opções, e se tornando algo rotineiro, continuará caracterizado como lazer, pois sua característica não deixa de existir como tal. É evidente que se a atividade de lazer torna-se também uma rotina, ela perderá a capacidade de provocar excitação. Este é um processo vivido de ganhos e perdas, é um processo onde balanceamos nossas opções no cotidiano, não é apenas sublimatório ou compensador. (BRUHNS, 1997, p. 43) Esses ganhos podem ser notados quando o lazer tem um significado enriquecedor, ou seja, de vivenciar as opções escolhidas, e perdas no sentido de deixar suas próprias escolhas monótonas, rotineiras, devido a não inovação das opções, porém o lazer não pode ser visto unicamente como uma fuga do cotidiano estressante ou cansativo, mas como uma necessidade do homem enquanto ser que faz cultura. Nessa perspectiva, o lazer deve ser entendido como um momento essencial e indispensável para o ser humano, principalmente diante dos problemas sociais e dificuldades que surgem como consequência do crescimento das cidades. Assim, o homem nas suas diversificas potencialidades, sejam psicológicas, fisiológicas, sociológicas, pessoais, culturais, históricas, entre outras, trazem uma dimensão que abrange suas necessidades de tempo disponível para si mesmo. Quanto ao tempo, é compreensível que o homem dispõe de um tempo obrigado (o qual se dedica às atividades profissionais, escolares e demais comprometimentos) e um tempo disponível (desobrigado das atividades cotidianas). Assim, em referência ao tempo, Marcellino (1995) não enfatiza tanto esse elemento como o faz quanto à atitude: Sendo assim, a circunstância de tempo não faz sentido, uma vez que em qualquer tempo e desenvolvendo todo tipo de atividade a situação pode se constituir em lazer, desde que propicie determinados efeitos, variáveis de acordo com os teóricos, mas fundamentalmente relacionados à satisfação provocada pela experiência em si. (p.24) Segundo o autor, o tempo obrigado, bem como o tempo disponível não se fazem como elementos presentes para a concepção do lazer, porém a atitude de realizar qualquer atividade 196 é propiciada como lazer, e aí está à incoerência no que diz respeito ao tempo ocupado, direcionado ao trabalho e demais obrigações. A atividade que o indivíduo escolhe não quer diz necessariamente que o lazer está acontecendo, pois não tem como afirmar que no tempo obrigado, por exemplo, o indivíduo vai se divertir ou descansar sem se preocupar com a obrigação. Imagine um funcionário em seu expediente, com sua determinada função a desempenhar, e simplesmente sai do ambiente de trabalho antes de cumprir sua carga horária ou então, mesmo no local de trabalho, deixa de lado seu serviço para se divertir, distrair, descansar ou desenvolver qualquer atividade que lhe seja prazerosa. Diante desse exemplo, é óbvio que a atitude foi tomada, porém o tempo não está desobrigado, e aí a discussão parte para outra dimensão, que é o das consequências que este indivíduo vá assumir seus valores quanto ao compromisso com o trabalho e com relação ao lazer, fica claro que o tempo não é apropriado para realizar outras atividades que fogem das suas obrigações, mas mesmo assim o indivíduo a partir de suas atitudes o faz. CONSIDERAÇÕES FINAIS Enfim, apesar de inúmeros estudos e discussões nesse contexto, o termo Lazer ainda não é compreendido coerentemente com o que representa devido aos meios de comunicação que distorcem o seu valor e significado, assim como a disseminação do conteúdo a ser restrito. Dessa forma, a partir das abordagens discutidas nesse capítulo, conclui-se que a evolução da sociedade no decorrer da história, possibilita diversas discussão sobres os termos lazer, recreação, ócio e lúdico. Todavia, o texto teve por intuito descrever a melhor compreensão sobre tais temáticas e desvinculá-las do senso comum, baseando-se em estudos de autores referendados da área. Com isso, a intenção é proporcionar ao leitor uma visão crítica sobre tais discussões que foram abordadas, possibilitando a reflexão sobre as teorias do lazer que vivenciamos em nosso cotidiano, mas que, por falta de conhecimento adequado, muitas vezes não nos apropriamos do seu real significado. REFERÊNCIAS 197 AQUINO, C. A. 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Com o objetivo de atender a ementa da disiciplina Estudos Interdisciplinares do Curso de Manutenção e Suporte de Informática foi desenvolvida a 1ª Feira de Ciência e Tecnológia do CEEP/TIC – Lauro de Freitas, fundamentada na Tecnologia Social. Trabalhou-se com alunos do 2º e 3º ano que utilizaram o arcabouço teórico de Fernandes e Maciel (2010) e Dagnino (2010). A metodologia utilizada permitiu que dividissemos todas as salas em cinco grupos e cada grupo com um subtema e os alunos ficassem livres para sistematizar a concepção teórica e compartilhasse as produções técnicas, baseado na tecnologia social, interpassando por todas as disicplinas da matriz curricular. Concluise, que as atividades interdisciplinares induz o aluno a construir o conhecimento coletivo sob a orientação de um professor. Afinal de contas, a Educação Profissional tem a missão de formar cidadãos criticos e sociáveis. PALAVRAS-CHAVE: Educação Profissional. Pratica Interdisciplinar. 1. INTRODUÇÃO A educação profissional como espaço de construção de conhecimento nos conduz a um paradigma da aprendizagem, que exige a formação de profissionais capacitados a dar respostas às demandas requeridas no mundo do trabalho. Segundo o site da Secretária de Educação (2014) a Rede de Educação Profissional criada em 2007 inicialmente com 15 cursos, em 2013 já apresenta 89 1 Mestre em Ciência da informação, Bibliotecária da Universidade do Estado da Bahia e Professora de Arquitetura de Computadores do Centro Estadual de Educação Profissional em Tecnologia da Informação da Comunicação de Lauro de Freitas. (CEEP/TIC) 2 Aluna do 4º ano do Curso de Manutenção e Suporte em Computadores do (CEEP/TIC ) 3 Aluna do 3º ano do Curso de Manutenção e Suporte em Computadores do( CEEP/TIC ) 4 Aluno Aluna do 3º ano do Curso de Manutenção e Suporte em Computadores do (CEEP/TIC ) 200 Centros de Educação Profissional com 80 cursos nos devastos eixos tecnológicos, atendendo 119 municípios em todos os 27 Territórios de Identidade. Diante desse levantamento, observa-se que a comunidade de Lauro de Freitas possui uma grande variedade de empresas e organizações da àrea tecnológica que necessitam de profissionais habilitados. Por isso, o CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (CEEP/TIC), se propõe a qualifica através de seus cursos, profissionais para exercerem a profissão de Técnico em Manutenção e Suporte em Informática tanto em Instituições públicas, privadas, quanto no terceiro setor que demandem este tipo de trabalho ou na restauração autônoma de serviços. Nesse sentido, a educação profissional e tecnológica deve apresentar a intencionalidade estratégica do desenvolvimento, recusando, reduzindo ou adaptando a formação escolar e para a escola a necessidade dos empregadores, das forças vivas, do mercado de trabalho, sempre imprecisamente esclarecidas. Partindo do principio que a escola é um centro de cidadania, ela deve proporcionar uma séria de alternativas que induza o percurso profissional de qualidade desse aluno. Diante disso, a educação profissional deve promover o acesso dos estudantes ao conhecimento científico, às artes, à cultura e ao trabalho. Assim, a pratica interdiciplinar deve apresentar essas possibilidades. 2. A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR COMO PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO Partindo do pressuposto que a interdisciplinaridade desenvolve no estudante a competência de estabelecer relações entre as partes e o todo, ou seja, a concepção unidirecional e fragmentada do conhecimento. Busca-se na aprendizagem a reconstrução social e política, com o compromisso de induzir o aluno a aprender através do conhecimento e da prática. Nesse sentido, a prática interdisciplinar é integradora, que apresenta uma situação-problema e logo adiante torna-se uma experiência, ou seja, um desencadeamento de ação para inferir na realidade. Assim, a pratica interdisciplinar torna-se socializadora do conhecimento, disseminadora das informações e culturas, não só transmitindo, mas reconstruindo (FAZENDA, 2008, p.10). 201 Pensando nisso e atendendo a ementa da disciplina Estudos Interdisciplinares do curso de Manutenção e Suporte de Informatica do CEEP/TIC – Lauro de Freitas elaborou-se a 1ª. Feira de Ciência e Tecnologia sob o tema: “Tecnologias Sociais: experiência e contribuição para o desenvolvimento social e sustentavel”. Fundamentado no livro sob o mesmo título das organizadoras Rosa Maria Castilhos Fernandes e Ana Maria Lucia Soares (2010). A Feira teve como elaboradores alunos do CEEP/TIC do 2º e 3º ano do referido curso, sendo realizada no dia 22 e 23 de outubro de 2014, apresentou-se sob cinco subtemas, entre eles, Mundo + Limpo: uma tecnologia social em construção; Tramando Justiça Social e Sustentabilidade; Educação em Saúde; Costurando a Cidadania e o Centro de Recondicionamento de Computadores: a inserção de jovens na tecnologia social. Esses subtemas foi interrelacionados com outras disiciplinas como língua portuguesa na elaboração dos relatórios e nas apresentações como a literatura de Cordel e na elaboração do roteiro da peça “tudo que voce não pode fazer com um computador” apresentado pelo 3º ano. Os alunos buscaram na computação gráfica a produção dos folders, na disciplina de arte a idéia para fazer a decoração da sala e na disciplina arquitetura de computadores os conhecimentos de hardware e software para montar as apresentações propriamente dita. A metodologia utilizada permitiu que dividissemos todas as salas em cinco grupos e cada grupo com um tema fundamentado na obra publicada pela Rede de Tecnologia Social do Rio Grande do Sul. Nas aulas da disciplina Estudos Interdiciplinares os grupos tiveram oportunidades de se reunirem, discutirem e compartilharem as experiencias a respeito dos seus respectivos temas. Foram lidos vários textos além da bibliografia citada, os alunos tiveram acesso ao livro de Renato Dagnino (2010), o que abriu mais um leque de informações sobre a tecnologia social. 3. A CULMINÂNCIA DO TRABALHO Como o nosso espaço é restrito, os alunos do 2º ano dividiram a sala de aula em cinco ambientes, onde cada equipe pudesse disseminar o seu produto final. As equipes chegaram cedo, e em duas horas eles já tinham suas “barracas” montadas e a decoração 202 da sala concluida, um dos critérios da avaliação. Em cada sala desenvolveu os subtemas norteados com o seu significado: Mundo + Limpo: uma tecnologia social em construção, que teve o objetivo de demonstrar a tecnologia social voltada à geração de renda e à preservação do meio ambiente através da reciclagem de materiais aliada ao saber popular e técnico. Tramando Justiça Social e Sustentabilidade: demonstra o empreendedorismo de economia solidária na distribuição de renda, não desprezando a preservação do meio ambiente. Educação em Saúde: dissemina uma tecnologia de produto simples, de baixo custo, para necessidades de saúde vitais, como: piolhos, doenças dermatológiacas, diáreias e outros, através do saber popular com o objetivo de auxiliar nos cuidados com a saúde e aumentar a autoestima da população local. Costurando a Cidadania: propicia melhores condições para uma inserção econômica autossustentável enraizando a solidariedade e a desalienação. Centro de Recondicionamento de Computadores: a inserção de jovens na tecnologia social, que tem como objetivo capacitar jovens da comunidade a transformar sucata tecnológica em computadores operacionalizáveis ou, quando isso não for possível, em utensílios originais e criativos. Sendo assim, os alunos sistematizaran a concepção teórica e compartilharam a experiencia vivida em construir um espaço de socialização e dialogo, entre os saberes populares e o teórico. E a disciplina Estudos Interdisciplinares conclui seu objetivo na produção do conhecimento, fundamentada no carater dialético da realidade social. CONCLUSÃO: É notória a importância das atividades interdiciplinares no curso de Educação Profissional, porque o aluno desperta a atitude de busca, de sintonia com o conhecimento e quebra barreiras dos limites entre as disciplinas. As atividades interdisciplinares garantem maior interação entre os alunos e na experiência do convivio em grupo. Observa-se que essa metodologia, como forma de promover a união escolar em torno de um objetivo comum que é a formação de um individuo social, possibilita diferentes olhares em um mesmo tema. Como afirma Fazenda (2008, p.7) 203 [...] É compreender, entender as partes de ligação entre as diferentes àreas de conhecimento, unido-se para transpor algo inovador, abrir sabedorias, resgatar possibilidades e ultrapassar o pensar fragmentado. É a busca constante de investigação, na tentativa de superação do saber. Vale ressaltar, que nas atividades interdisciplinares o aluno não constrói sozinho o conhecimento, e sim em conjunto com os outros colegas. Sem contar que a orientação do professor é essencial para colocar em prática os principios fundamentamentais do sucesso da interdisciplinaridade, que são a humildade, espera, respeito, coerência e desapego. (FAZENDA, 2008, p.9-10) Afinal de contas, a Educação Profissional tem a missão de formar cidadãos criticos e sociáveis. A atividade desenvolvida nessa disicplina deixa evidente a presença da interdisciplinaridade na produção técnica dos alunos e desperta a importância da tecnologia social fundamentada por Fernandes e Maciel (2010, p.9) que é tema imprescíndivel da ementa da matriz curricular do curso. [...] tratada a concepção de TS significa reconhecer a diversidade de fatores que estão implicados na construção e no desenvolvimento de uma TS; transformação social, participação direta da população, inclusão social, melhoria de condições de vida, sustentabilidade, socio-ambiental e econômica[...] Vale enfatizar que na fala pós-feira dos alunos é reforçado a importância desse tipo de metodologia. [...] “Essa é a chance que temos de mostrar nosso potencial e nossas criatividades como aluno, essa é a chance que temos de superação, de ser mais responsável diante dos nossos compromissos...” (Mayara, 16 anos – 3º ano) [...] “podemos ressaltar dois importantes beneficios em nosso projeto, a reciclagem utilizando papelão e a economia, ou seja, gastamos menos reciclando do que comprando material novo”. (João Vitor, 15 anos – 2º ano) [...] “sabemos que a tecnologia social é a ferramenta para construir pontes e ligações sem fronteiras de acessibilidade e informação”. REFERÊNCIAS BAHIA. SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO. Educação Profissional. Disponível em:< http://escolas.educacao.ba.gov.br/educacaoprofissional/centrosunidades/eixostecnologic oscursosofertados> Acesso em: 15.11.2014 204 DAGNINO, Renato (Org). Tecnologia social ferramenta para construir outra sociedade. Campinas: Komedi, 2010. 298p. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (org.). O que é interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez, 2008. 119p. FERNANDES, Rosa Maria Castilhos; MACIEL, Ana Lúcia Soares (Org.) Tecnologias sociais: experiências e contribuições para o desenvolvimento social e sustentável. Porto Alegre: Fundação Irmão José Otão, 2010. 42p. FRIGOTTO, Gaudêncio. A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas ciências sociais. In: Ideação: Revista do Centro de Educação e Letras. V.10, n.1, p.41-62, 2008.