Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do

Transcrição

Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores).
Alexandra Quadro Siqueira
Amanda Santana de Almeida
Ariadna da Silva Bandeira
Camila de Jesus Barreto
Darley da Silva Andrade
Elaine Rodrigues Nascimento
Flávio Alves Oliveira
Ilma Almeida da Silva
José Agnaldo Ávila Soares
José Cláudio Rocha
Larissa Vasconcelos dos Santos
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia
Luan Gomes Ribeiro
Luiz Carlos dos Santos
Márcia de Freitas Cordeiro
Mario Lucas Alves dos Santos
Marivaldina Bulcão dos Santos
Marizete Pinheiro de Oliveira
Moab Souza Santos
Neidiana Braga da Silva Souza
Péricles Maia Andrade
Raissa Loara Freire Nogueira
Rafael Antônio André de Souza
Ricardo Correia da Silva
Rosana Santana dos Reis
Tadeu Bello dos Santos
Temistocles Damasceno Silva
Tiago dos Santos Almeida
Valmir Soares Coelho
SABERES MULTIDISCIPLINARES
Vol. 6
Salvador – Bahia
2015
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores)
SABERES MULTIDISCIPLINARES
Vol. 6
Salvador – Bahia
2015
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores).
Alexandra Quadro Siqueira
Amanda Santana de Almeida
Ariadna da Silva Bandeira
Camila de Jesus Barreto
Darley da Silva Andrade
Elaine Rodrigues Nascimento
Flávio Alves Oliveira
Ilma Almeida da Silva
José Agnaldo Ávila Soares
José Cláudio Rocha
Larissa Vasconcelos dos Santos
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia
Luan Gomes Ribeiro
Luiz Carlos dos Santos
Márcia de Freitas Cordeiro
Marizete Pinheiro de Oliveira
Marivaldina Bulcão dos Santos
Neidiana Braga da Silva Souza
Moab Souza Santos
Raissa Loara Freire Nogueira
Péricles Maia Andrade
Ricardo Correia da Silva
Rafael Antônio André de Souza
Tiago dos Santos Almeida
Rosana Santana dos Reis
Tadeu Bello dos Santos
Temistocles Damasceno Silva
Mario Lucas Alves dos Santos
Valmir Soares Coelho
SABERES MULTIDISCIPLINARES
Vol. 6
Salvador – Bahia
2015.
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Capa
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Editoração Eletrônica
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).
Catalogação na Fonte
GOUVEIA, Leandro Carvalho de Almeida. LAGO, Josevaldo da Silva do. (Org.)
G719
Saberes multidisciplinares V.6. Leandro Carvalho de Almeida Gouveia; Josevaldo da Silva do
JM GÁFICA E EDITORA LTDA.
Lago. Salvador: JM Grafica, 2015.
CNPJ: 00.149.796/0001-49
240p.
Rua Vital Rego, 13, Barbalho, Salvador, Bahia, CEP 40301-090
1.Turismo 2. Direito Internacional 3. Esporte 4. Cidadania 5. Diversidade 6. Metodologia de
[email protected]
Ensino 7. Norma Antietisivae-mail:
8. Assentamento
9. Gestão Educacional 10. Lazer I. Leandro
Carvalho de Almeida Gouveia II. Josevaldo da Silva do Lago. III. Título.
CDD: 338.327
ISBN: 978-85-60753-91-8
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Tiragem: exemplares.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................................
06
DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR: UM ESTUDO
SOBRE A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS COMO MECANISMO EXTRAJUDICIAL DE JUSTIÇA
DE TRANSIÇÃO A HISTÓRIA-CASO DA ÁFRICA DO SUL
José Cláudio Rocha ..................................................................................................................................................................
11
ROTAS TURÍSTICAS ACESSÍVEIS EM SÍTIOS HISTÓRICOS: O CASO DO CENTRO HISTÓRICO DE
SALVADOR
Ariadna da Silva Bandeira
Rosana Santana dos Reis
Tadeu Bello dos Santos ...........................................................................................................................................................
33
ESPORTE EM DEBATE: REFLEXÕES ACERCA DOS ASPECTOS CONCEITUAIS QUE ENVOLVEM O
FENÔMENO ESPORTIVO.
Temistocles Damasceno Silva,
Flávio Alves Oliveira,
Ricardo Correia da Silva,
Camila de Jesus Barreto,
Darley da Silva Andrade .........................................................................................................................................................
57
O CONCEITO DE CIDADANIA NA ESCOLA DO SÉCULO XXI: UMA BREVE INICIAÇÃO AO DEBATE DA
DIVERSIDADE.
Luiz Carlos dos Santos ............................................................................................................................................................
68
A RELAÇÃO ENTRE AS METODOLOGIAS DE ENSINO USADAS PELOS PROFESSORES E A
APRENDIZAGEM EFETIVA DOS ALUNOS
Marizete Pinheiro de Oliveira ..................................................................................................................................................
85
A NORMA ANTIELISIVA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE: LIMITES E EFEITOS
José Agnaldo Ávila Soares ......................................................................................................................................................
101
OS ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE AREIA BRANCA EM SERGIPE E SUAS RELAÇÕES
POLÍTICA, ECONÔMICA E SOCIAL
Rafael Antônio André de Souza ..............................................................................................................................................
117
MEGAEVENTOS E TURISMO NO BRASIL
Leandro Carvalho de A. Gouveia .............................................................................................................................................
143
ANÁLISE DOS CONCEITOS QUE PERMEIAM AS POLITICAS PÚBLICAS RELACIONADAS AO
ESPORTE E AO LAZER
Temistocles Damasceno Silva,
Neidiana Braga da Silva Souza,
Luan Gomes Ribeiro,
Tiago dos Santos Almeida,
Mario Lucas Alves dos Santos .................................................................................................................................................
156
DIÁLOGOS, REFLEXÕES E INFLEXÕES: EM BUSCA DE CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS PARA
A GESTÃO EDUCACIONAL
Alexandra Quadro Siqueira
Márcia de Freitas Cordeiro ......................................................................................................................................................
166
ENSAIO SOBRE AS CONCEPÇÕES HISTÓRICAS E SOCIOLÓGICAS DO LAZER CONTEMPORÂNEO
Temistocles Damasceno Silva
Flávio Alves Oliveira
Ilma Almeida da Silva,
Moab Souza Santos
Péricles Maia Andrade
Raissa Loara Freire Nogueira
Elaine Rodrigues Nascimento .................................................................................................................................................
185
AS PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Marivaldina Bulcão dos Santos
Amanda Santana de Almeida
Larissa Vasconcelos dos Sanos
Valmir Soares Coelho ................................................................................................................................. .............................
199
6
APRESENTAÇÃO
O Volume VI da Coletânea Saberes Multidisciplinares apresenta trabalhos de 12
pesquisadores, em diferentes áreas do conhecimento, fruto de pesquisas relevantes para
o mundo acadêmico e toda a sociedade.
José Cláudio Rocha, apresenta o artigo a partir dos estudos e pesquisas que
estão sendo desenvolvidos no estágio pós-doutoral realizado junto ao Núcleo de
Pesquisa EIRENE do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), área de concentração: direito e relações institucionais; linha
de pesquisa: paz e segurança internacional; sob a supervisão da professora doutora
Karine Silva. Esses estudos só estão sendo possíveis graças ao apoio da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) através do Programa Nacional
de Pós-Doutorado (PNPD) no período de agosto de 2014 a junho de 2015.
Agradecemos também a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e ao Departamento
de Ciências Humana e Tecnologias (DCHT), Campus XIX, Camaçari pela compreensão
da importância dessa pesquisa.
Ariadna da Silva Bandeira, Rosana Reis e Tadeu Bello dos Santos apresentam
uma reflexão sobre rotas turísticas acessíveis e suas repercussões. A acessibilidade
abrange tanto as questões físicas quanto as questões sociais e políticas que abarcam o
direito de todas as pessoas, com deficiência motora ou não, alcançarem todos os espaços
e conteúdos com autonomia, dignidade e sem sacrifício. Nesse contexto, a arquitetura
inclusiva garante o acesso à cultura e ao patrimônio em rotas diversas e em especial a
turística, equacionando a compatibilidade da visitação com a sua conservação a fim de
salvaguardar a memória, história e cultura através da utilização do princípio da não
alteração dos aspectos identitários.
Temistocles Damasceno Silva , Flávio Oliveira, Ricardo
Barreto e Darley da
da Silva, Camila
Andrade, abordaram neste trabalho os diversos aspectos
conceituais (do ponto de vista científico histórico e sociológico) que permeiam o
fenômeno esportivo. Enquanto procedimento metodológico esta pesquisa trata-se de
uma revisão de literatura. Sendo assim, percebeu-se o leque conceitual que envolve a
área, dificultando às vezes, um delineamento mais preciso sobre o item em questão.
7
Luiz Carlos dos Santos pontua os passos da educação brasileira, sua base
histórica e sua trajetória como ferramenta integradora do ser humano, salientando a
importância da educação na formação e inserção de novos valores morais dentro da
sociedade. Trabalha com o conceito de cidadania e aporta na escola do século XXI,
discutindo (tentando) a velha e a nova escola e seus métodos pedagógicos para lidar
com as diversidades, com ênfase no contexto de gênero. Para tanto, valeu o autor da
revisão da literatura na área, sendo assim um escrito, característico da tipologia
exploratória, no que concerne ao objetivo pretendido.
Marizete Pinheiro de Oliveira aborda a relação entre as metodologias de ensino
usadas pelos professores e sua influência sobre a aprendizagem efetiva dos alunos. Na
sociedade do conhecimento, a cada dia, as exigências por novas competências têm
aumentado em paralelo e na mesma proporção que o fracasso escolar. Estudos Têm
mostrado que o não aprendizado dos estudantes é causado por vários fatores: um deles
são as práticas pedagógicas dos professores. Neste contexto, compreender a relação
entre as metodologias de ensino utilizadas pelos professores e a aprendizagem efetiva
dos educandos se faz necessário. O presente artigo que se encaminhou através de
revisão bibliográfica, objetivou saber como se dá essa relação. Para tanto, foi realizada
uma discussão acerca das abordagens de ensino; das teorias de aprendizagem; das
metodologias, dificuldade de aprendizagem e aprendizagem efetiva dos educandos.
Com isso, pode se concluir que as metodologias utilizadas pelos professores podem
influenciar na aprendizagem do aluno, favorecendo uma aprendizagem efetiva ou
contribuir para a dificuldade de aprendizado destes.
José Agnaldo Ávila, desenvolve sobre a tendência adotada pela doutrina
brasileira do direito tributário propugna pela reserva absoluta da lei formal na definição
de todos os elementos da tributação e o seu posicionamento da corrente vinculada à
jurisprudência dos conceitos é manifestamente contrário a uma “cláusula geral
antielisão”. O trabalho terá sua abordagem à metodologia descritiva. O objetivo geral é
demonstrar a norma antielisiva e os direitos fundamentais do contribuinte, sustentando a
interpretação do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, não pode
ser construída com base em conceitos jurídicos indeterminados, porque a própria norma
se baseia apenas no conceito de simulação e dissimulação.
Rafael de Souza, discute o desenvolvimento sobre as relações dos
Assentamentos Água Branca e São Paulo com os seus entornos representados pelas
através das relações sociais, econômicas e políticas. Primeiramente serão analisadas as
8
relações a partir do assentamento com seu entorno. Em seguida serão analisadas as
relações mútuas, ou seja, aquelas que envolvam o assentamento com outra localidade e
vice-versa, ou até mesmo as relações mútuas no próprio assentamento. E por último
serão analisadas as relações que se originam das outras localidades em busca de suas
necessidades através dos serviços dos assentamentos. O trabalho terá sua abordagem na
análise dos dados. O objetivo geral é demonstrar que não se pode pensar em
assentamento como isolado do sistema, lutando contra a agricultura moderna. Com este
propósito as condições de vida como assentados dos assentamentos do Município de
Areia Branca melhoraram, mas ainda é pouco e eles têm esperança que um dia será
melhor.
Leandro Gouveia fala do Brasil, atualmente se encontra entre os países que mais
se preocupa e investe na rota dos megaeventos esportivos. Percebe-se que a partir da
realização dos Jogos Pan-Americanos em 2007, a confirmação da Copa do Mundo da
FIFA de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, uma série de discussões começam a surgir
com respeito ao retorno que esses eventos podem trazer para o país. O impacto positivos
na economia e na parte social do turismo gerado pelos grandes eventos esportivos é
importante para um pais e uma cidade. Com isso, surgiu a criação de uma pesquisa em
megaeventos, centrado no seu crescimento no Brasil. É uma pesquisa documental e
bibliográfica. Falando um pouco das politicas, no Brasil e na Bahia.
Temistocles Damasceno Silva, Mario Lucas Alves dos Santos, Tiago Almeida,
Neidiana da Silva Souza, Luan Ribeiro e Moab Santos, discutem os conceitos que
envolvem às políticas públicas no Brasil. Desta forma, podem ser identificadas algumas
possibilidades teóricas e metodológicas de compreensão do Estado e das políticas
públicas que, se utilizadas, possivelmente poderiam resultar num melhor embasamento
científico para os estudos da área. Sendo assim, este estudo se apresenta enquanto um
ensaio acerca dos aspectos conceituais relacionados às politicas pública. Espera-se que
tal investigação possa servir de base para futuras reflexões sobre o fenômeno em
questão.
Alexandra Siqueira e Márcia de Freitas Cordeiro, propõe uma investigação que
toma a ancestralidade filosófica como conceito inspirador e como possibilidade
fundante na cultura afrodescendente no Brasil para gênese de uma Democratização da
Gestão Escolar, que subsidie e institua uma nova Gestão Democrática na Escola Pública
Brasileira. Percebe-se que, através da interlocução nos discursos, a Filosofia pode estar
a serviço de muitos objetivos e interesses. Intenciona-se aqui apresentar as dimensões
9
da Filosofia da Ancestralidade na perspectiva da matriz afrodescendente brasileira para
autorizar-se a filosofar em problemas filosóficos próprios e em língua nativa na
formação oferecida aos gestores-cursistas do curso de Especialização em Gestão
Escolar, tendo-se em vista, tencionar as múltiplas propostas epistêmicas que podem
emergir a partir da cultura escolar local. A opção metodológica escolhida foi a partir da
nossa experiência enquanto partícipes do curso de Especialização em Gestão Escolar
aliados a uma revisão de literatura trabalhados na disciplina Epistemologia e Construção
do Conhecimento do DMMDC, dentre os autores.
Temistocles Damasceno Silva, Flávio Alves Oliveira, Ilma Almeida da Silva,
Péricles Maia Andrade, Elaine Rodrigues Nascimento e Raissa Loara Freire Nogueira,
apresentam uma reflexão acerca das concepções históricas e sociológicas que permeiam
o lazer contemporâneo. Para tal, buscaram materializar uma revisão de literatura, a qual,
evidenciou elementos conceituais que compõem o referido fenômeno, tais como: ócio,
lúdico e recreação. Neste sentido, percebeu-se a diversidade de conceitos relacionados a
temática em questão e ao mesmo tempo verificou-se que, tal fator, corrobora
diretamente para a não compreensão do real sentido e significado do lazer, enquanto
fenômeno sociocultural.
Marivaldina Bulcão dos Santos, Amanda Santana de Almeida, Larissa
Vasconcelos dos Santos e Valmir Soares Coelho, analisam a importância da prática
interdisciplinar como produção de conhecimento nos cursos da Educação Profissional.
Com o objetivo de atender a ementa da disciplina Estudos Interdisciplinares do Curso
de Manutenção e Suporte de Informática foi desenvolvida a 1ª Feira de Ciência e
Tecnologia do CEEP/TIC – Lauro de Freitas, fundamentada na Tecnologia Social.
Trabalhou-se com alunos do 2º e 3º ano que utilizaram o arcabouço teórico de
Fernandes e Maciel (2010) e Dagnino (2010). A metodologia utilizada permitiu que
dividíssemos todas as salas em cinco grupos e cada grupo com um subtema diferente e
os alunos ficassem livres para sistematizar a concepção teórica e compartilhar as
produções técnicas, baseado na tecnologia social, interpassando por todas as disciplinas
da matriz curricular do curso.
10
11
DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS NUMA PERSPECTIVA
INTERDISCIPLINAR:
UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS COMO
MECANISMO EXTRAJUDICIAL DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO A HISTÓRIACASO DA ÁFRICA DO SUL
José Cláudio Rocha 1
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo foi elaborado a partir dos estudos e pesquisas que estão sendo
desenvolvidos no estágio pós-doutoral realizado junto ao Núcleo de Pesquisa EIRENE do
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
área de concentração: direito e relações institucionais; linha de pesquisa: paz e segurança
internacional; sob a supervisão da professora doutora Karine Silva. Esses estudos só estão
sendo possíveis graças ao apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
(FAPESB) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
através do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) no período de agosto de 2014 a
junho de 2015. Agradecemos também a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e ao
Departamento de Ciências Humana e Tecnologias (DCHT), Campus XIX, Camaçari pela
compreensão da importância dessa pesquisa.
Embora o período formal para a conclusão desse estudo seja no final de junho de
2015, quando devemos retornar as atividades na UNEB, nosso encantamento pela
continuidade e pelo “fiat” do processo que ora investigamos, assim como, pelo seu
alinhamento com nossa proposta de pesquisa, nos leva a dar continuidade aos estudos no
programa de origem constituindo mais uma linha de pesquisa em nosso grupo, como deve ser
o propósito de um pós-doutorado.
1.1. A ORIGEM DA PROPOSTA
Voltando um pouco no tempo, a origem dessa proposta está diretamente relacionada
com nossa formação humana, profissional e acadêmica realizada junto aos movimentos
1 Pós-doutorando na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Programa de Pós-Graduação em Direito
(PPGD), Núcleo EIRENE. Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e
CAPES. Professor titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), doutor e mestre em educação pela
UFBA, especialista em administração pública pela UEFS, especialista em Ética, Capital Social e Cidadania pelo
INEAM/OEA, advogado e economista.
12
sociais no Estado da Bahia, bem como no diálogo permanente com a cooperação internacional
feita por Organizações Não-Governamentais (ONGs) e agências multilaterais das Nações
Unidas (ONU). O interesse pelas questões sociais despertou cedo, ainda na educação básica,
participando de grupos culturais e do movimento estudantil. Na universidade, no curso de
Economia nos anos 80 e depois no curso de Direito nos anos 90, ambos da UFBA, foi
possível conhecer a desigualdade existente nas relações sociais de produção dentro de um
sistema capitalista e o imperativo de se colocar as questões sociais e a defesa dos direitos
humanos na ordem do dia, como estratégia para se construir um desenvolvimento sustentável
mais equitativo no planeta (global) e em nossas comunidades (local).
A militância de mais de 15 (quinze) anos na Associação de Advogados de
Trabalhadores Rurais (AATR), entidade de assessoria e educação jurídica popular aos
movimentos e organizações populares sediada no Estado da Bahia2, e junto ao Movimento
Nacional de Direitos Humanos (MNDH)3, foi fundamental na montagem dessa proposta de
pesquisa. O interesse pela Educação em Direitos Humanos (EDH) nasce no início deste
século, no ano de 2003, com a criação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(PNEDH) e do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH), quando o
Brasil, finalmente desperta para essa questão internacional fundamental que é Educar para os
Direitos Humanos. Desde 2007, com a criação do Grupo de Pesquisa em Gestão, Educação e
Direitos Humanos (GEDH) a investigação sobre EDH tem sido nossa linha permanente de
pesquisa4.
Em 2012, a Conferência Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável) retoma com vigor o debate da EDH ampliando sua perspectiva
para a ideia de uma Educação Global ou Planetária gerando novos desafios para o nosso
grupo. A discussão da Educação Global ou Planetária teve início na Cúpula da Terra (Rio 92)
que passou a entender que as Nações e povos devem atentar para uma educação voltada para a
consciência de que partilhamos da mesma humanidade. A Declaração de Maastrich (2002)
define a Educação Global como sendo: “...a educação que abre os olhos e as mentes das
2
Militamos por mais de 15 (quinze) anos na AATR-Ba como advogado e educador popular atuando em
programas e projetos como apoio a comunidades tradicionais, apoio a comunidades remanescentes de
quilombos, direitos humanos, políticas públicas e cidadania, combate ao trabalho escravo, meio ambiente,
juristas leigos (educação jurídica popular) entre outros.
3
No Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) ocupamos as funções de articulador estadual e
conselheiro nacional representando o Regional Nordeste.
4
Vale a pena informar que o GEDH em 2008 recebeu da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a
Ciência e Cultura (OEI), MEC, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), UNDIME e
Fundação SM o I Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), na categoria Pesquisa e
Formação.
13
pessoas para as realidades do mundo globalizado e as desperta para construir um mundo de
maior justiça, equidade e direitos humanos para todos(as)...” (ONU, 2015).
Vale a pena destacar que na Europa, onde essa discussão está mais forte no momento,
a educação global vem sendo discutida na perspectiva da pedagogia libertadora de Paulo
Freire, isto é, a concepção de uma educação libertadora reúne os referenciais da educação
para os direitos humanos, educação para a paz e transformação de conflitos sociais, educação
para a sustentabilidade, educação para a cidadania em uma perspectiva transdisciplinar de
integração de todas essas dimensões. Esse assunto não é novo, diversos teóricos como HICKS
(2007) e ANDREOPOULOS (2007) já discutem a relação entre educação, Direitos Humanos,
prevenção e resolução de conflitos internacionais que apontam para a necessidade de romper
com as fronteiras entre esses dois campos do conhecimento.
1.1.1.
JUSTIÇA,
EDUCAÇÃO
E
DIREITO:
DIÁLOGOS
INTERDISCIPLINARES
O desafio estratégico que nos propomos nesse projeto de pesquisa para o estágio pósdoutoral foi, portanto, estudar o direito numa perspectiva interdisciplinar em diálogo
permanente com a educação para a construção da Justiça, Cidadania e Democracia na esfera
internacional. Se de um lado aceitamos a afirmação de que os Direitos Humanos são um
conteúdo multi, inter e transdisciplinar, de outro sabemos que na maioria das vezes isso não é
levada em conta em seu estudo. Via de regra, os pesquisadores não enxergam essas conexões
pela sua formação disciplinar voltada para a especialização e não para a articulação de
saberes.
Essa conexão entre o direito, a educação e a justiça não é algo novo, cientistas sociais
como Carlos Estêvão da Universidade do Minho Portugal afirmam que de certo modo a
Justiça é outro nome da educação, ainda que, frequentemente, ela apareça no campo educativo
de um modo encoberto, mediada por outros princípios. A realidade é composta de vários
mundos (cívico, mercantil, doméstico, cultural, entre outros) onde coexistem várias lógicas,
várias racionalidades, várias gramáticas de justiça, que contribuem para explicar o seu
funcionamento e a coordenação da sua ação coletiva. Diante disso, os compromissos com a
construção da autonomia, do empoderamento das comunidades, com a organização da
governança democrática, não se pode dissociar a justiça da educação (ESTÊVÃO, 2001).
Entendemos ser essa perspectiva fundamental para os dias atuais e para a renovação
do direito, pois, se a interdisciplinaridade é uma dimensão exigida em qualquer área do
14
conhecimento hoje, ela também tem sido negada ou colocada em segundo plano nas pesquisas
jurídicas. Contudo, o direito não pode continuar sendo pensado como um sistema
autossustentável e autorreferente, que sobrevive independente de outras disciplinas. A
interdisciplinaridade vem com essa proposta de resolver, ou pelo menos, reduzir as disputas
pelo poder entre as áreas do conhecimento, isto é, a interdisciplinaridade pode acabar com
essas disputas, de quem define ou prevalece em relação à produção do conhecimento.
Compartilhamos da ideia de que o desafio da construção da Justiça, da Cidadania, da
Democracia, do respeito aos direitos humanos, são questões que não podem ser vistas por
uma única ciência, mas por um diálogo interdisciplinar. Nem mesmo o direito pode ser
compreendido isoladamente, ainda que o jurista não perceba ou não queira aceitar a
necessidade da interdisciplinaridade no estudo de seu objeto de investigação, basta uma rápida
visão do esquema de estudo do direito apresentado no quadro 01 “esquema de Estudo do
Direito” para compreender a multiplicidade de saberes que envolvem a questão.
Quadro 01 – Esquema de Estudo do Direito
Dimensão
Campo do conhecimento que estuda
Valor/Justiça
Filosofia, Razão
Fato
Método histórico
Norma
Método Dogmático e/ou Sistêmico
Ciência
Método Científico
Tecnologia
Desenho institucional
Fonte – Quadro elaborado pelo autor.
Diante disso, chegamos ao Núcleo EIRENE tendo como proposta investigar a
problemática da relação Justiça – Educação – Direito no plano internacional, particularmente,
na prevenção e resolução de conflitos internacionais. Depois de algumas discussões chegamos
à formulação do seguinte problema: Qual é o papel da educação em direitos humanos em
processos de Justiça de Transição? Tomando-se por base o método hipotético-dedutivo, nossa
hipótese foi a de que a Educação em Direitos Humanos cumpre um papel essencial em
processos de Justiça de Transição e redemocratização dos Estados nacionais, que deve ser
inclusive ampliado e estimulado pelas Nações Unidas. Mas está é só nossa percepção inicial,
necessário é desenvolver o estudo para comprovar ou refutar nossa hipótese.
Não partimos da ideia de que a educação seja um balsamo para todas as mazelas
sociais, mas também não desconhecemos a sua força e a sua importância em processos de
transição democrática, pois é inegável que a primeira medida contra violações aos direitos
humanos é a (in)formação, ou seja, a educação seja ela formal (promovida pelas instituições
15
de ensino do país), não-formal (produzida pelo sistema não oficial composto de organizações
da sociedade civil, de trabalhadores e social), e informal (todo tipo de informação e formação,
difusa ou não gerada dentro de um sistema) cumpre uma função essencial nos processos de
empoderamento e emancipação dos seres humanos.
Percebemos isso em nossa prática concreta em nossos mais de vinte e cinco anos de
militância, a educação está ao lado da construção dos processos de Justiça Social. Como
advogado dos movimentos sociais, percebemos que no processo de assessoria jurídica popular
está implícito o processo de educação jurídica popular, isso pode ser visto nos projetos e
documentos da AATR em toda a sua existência. Em artigo publicado na Revista CESE
Debates no ano de 1998 já refletíamos sobre essa questão:
“O envolvimento da AATR com a realidade de exclusão social a que são submetidos
os trabalhadores rurais, a conhecida morosidade do sistema judiciário e o habitual
predomínio dos setores abastados sobre o aparato do Estado em geral, levou-a
consolidar um modelo de assessoria aos setores populares que extrapola ao
tradicional acompanhamento de causas na instância judiciária, indo para o papel do
agente formador de cidadãos conscientes de seus direitos. Deste modo ao lado do
objetivo inicial para o qual foi criada – defesa do livre exercício da advocacia e
defesa dos trabalhadores rurais – a AATR agregou os objetivos de difundir o
conhecimento dos direitos já consignados em lei e contribuir para a formulação de
novos direitos decorrentes das novas situações do desenvolvimento histórico, enfim,
atuar na formação dos trabalhadores para que se tornem verdadeiros cidadãos
(ROCHA, NUNESMAIA, 1998, p. 134).
Como pode ser visto no trecho selecionado, desde essa época, apesar da pouca
experiência com pesquisa, como advogado popular já percebíamos a intrínseca relação entre a
educação e o direito. Essa questão parece ser concreta, pois no censo realizado pela ABONG
em 2002 sobre os trabalhos da ONG no Brasil, 73,4% das instituições brasileiras têm entre
suas atividades a formação e educação dos grupos envolvidos. Entendemos que essa relação
se reproduz na esfera internacional.
Diante disso, é que decidimos estudar o papel da
educação em direitos humanos nos processos de Justiça de transição tomando por base a
história na África do Sul e de líderes como Nelson Mandela e o Bispo Desmond Tutu,
principalmente, em relação as práticas adotadas.
METODOLOGIA DA PESQUISA
Os fatos históricos e sociais são extremamente complexos e de difícil compreensão
pelo cientista social. Para Goldemberg (2011, p.12) a pesquisa científica, principalmente, as
de cunho qualitativo, exigem criatividade, disciplina, organização e modéstia, baseando-se no
16
confronto permanente entre o possível e o impossível, entre o conhecimento e a ignorância.
Para esta autora: “Nenhuma pesquisa é totalmente controlável com início, meio e fim
previsíveis. A pesquisa é um processo em que é impossível prever todas as etapas. O
pesquisador está sempre em estado de tensão porque sabe que seu conhecimento é parcial e
limitado – o possível para ele.” (GOLDEMBERG, 2011, pg.13).
Para tentar compreender os fenômenos em toda a sua complexidade, as abordagens
qualitativistas têm optado pela triangulação de métodos de coleta de dados, assim como pelo
cruzamento de resultados. É a partir do cruzamento dessas informações que o pesquisador
pode procurar compreender a realidade estudada e formular uma nova teoria sobre o assunto.
Nesse sentido, nossa escolha foi por um método de investigação que permitisse a combinação
de métodos de coleta de informações, por este motivo optamos por realizar um estudo de caso
ou “case history” sobre a Justiça de Transição na África do Sul. Robert Yin (2005) define
esse método como: “Importante estratégia metodológica para a pesquisa em ciências
humanas, pois permite ao investigador um aprofundamento em relação ao fenômeno
estudado, revelando nuances difíceis de serem enxergadas a ‘olho nu’”. A essência deste
método está, pois, no fato de ser uma estratégia para a pesquisa empírica empregada para a
investigação de um fenômeno contemporâneo, em seu contexto real, possibilitando explicação
de ligações causais.
Optamos pela expressão case history em lugar de estudo de caso ou relatório caso, em
razão das dificuldades de tradução dessa expressão para o português, mas também pela
singularidade da história que poderia ser objeto de vários estudos de caso “cases studies” e
exige uma nomenclatura mais ampla. No case history se leva em conta os processo de
interação, o comportamento dos agentes, mais do que a matéria substantiva ou conteúdo
doutrinário proveniente do caso, sem desconhecer a importância desse produto cultural. Na
história caso será feita uma análise de papéis (role Analysis), ou seja, os indivíduos, no seu
comportamento social, intra ou inter grupal, desempenham papéis com se fossem atores de
teatros. Ocupam posições, quer na hierarquia formal, quer na expectativas de seus
semelhantes. A essas posições, quer na hierarquia formal, quer nas expectativas suas e de seu
A redemocratização dos Estados-Nacionais fez surgir um novo paradigma para a
administração pública no mundo inteiro e no Brasil em especial fundado na consolidação da
cidadania e dos direitos humanos. Este enfoque pretende ser uma nova forma de conceber
esse direito de maneira integral, devido a todos e todas, interdependente e complementar,
superando a visão tradicional de assimilação exclusivamente dos direitos humanos civis e
políticos de primeira geração.
17
A abordagem Baseadas em Direitos ou em inglês Right-Based Approaches (RBA) é
uma metodologia recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e utilizada por
agências multilaterais e ONGs, para projetos e programas que trabalham com o direito ao
desenvolvimento, especialmente, em setores como educação, saúde, governança, água,
nutrição, saneamento básico, HIV/AIDS, emprego, relações de trabalho, relações sociais,
desenvolvimento econômico sustentável, entre outros. Normalmente as referências a essa
metodologia são encontradas na rede mundial de computadores de diversas formas, as mais
comuns são: no singular “Abordagem Baseada em Direitos” (Right-Based Approach); no
plural “Abordagens Baseadas em Direitos” (Right-Based Approaches); ou com referência aos
direitos humanos “Abordagens Baseadas em Direitos Humanos” (Human Right-based
Approaches).
É comum também a expressão “Abordagem Baseada nos Direito para o
Desenvolvimento” ou (Right-Based Approach to Development) (ROCHA,2013).
Os usuários dessa metodologia concordam, no entanto, que não existe uma única
forma de utilização dessa metodologia, cada grupo, considerando sua situação particular,
constrói seu método com base nos princípios e procedimentos comuns da RBA. Nesse
aspecto, concordamos que não existe uma única abordagem baseada em direito, mas uma
diversidade de formas de abordagens baseadas em direitos que se aplicam as diversas áreas do
conhecimento. Em nosso caso, preferimos a expressão “Abordagens Baseadas em Direitos
Humanos”. As abordagens baseadas em direitos partem da concepção de que os Direitos
Humanos são devidos em todos os regimes e culturas e estão inseridos em normas universais
expressas em declarações, tratados e acordos internacionais. São direitos humanos: [...]
aqueles direitos considerados indispensáveis a todos os seres humanos, sem quaisquer
distinções de sexo, nacionalidade, etnia, cor da pele, faixa etária, classe social, profissão,
condição de saúde física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento
moral (BENEVIDES, 2004).
Os Direitos Humanos são considerados pela RBA como universais, inalienáveis,
indivisíveis, imprescritíveis, interdependentes e inter-relacionados e devido a todas as pessoas
independente de raça, cor, sexo ou condição social. Como o seu foco, contudo, está nas
pessoas e grupos que são mais vulneráveis, excluídas ou discriminadas, o enfoque de gênero,
etnia e classe social também está na base dessa metodologia (ROCHA,2013).
Essa definição de direitos humanos considera-os como um múltiplo conjunto
indivisível, interdependente e inter-relacionado de direitos civis, políticos, econômicos, social,
culturais e ambientais. Isto implica que o sistema internacional de direitos humanos garante,
18
por exemplo, direitos como a saúde, educação, moradia, acesso à justiça, segurança pessoal e
participação política (ROMANO e ANTUNES, 2002, p.36).
A RBA tem como referência a noção de desenvolvimento humano, normativamente
orientados pelos princípios de Direitos Humanos presentes nas declarações, pactos,
convenções e tratados internacionais, a exemplo da Carta Internacional dos Direitos Humanos
que é constituída pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), pelo Pacto
Internacional sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDHESC) e pelo Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e seu protocolo facultativo. Outros
documentos importantes para a RBA são: a Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento
(1986); a Declaração de Direitos Humanos e Programa de Ação de Viena (1993); e da
Declaração e Objetivos Internacionais do Milênio da ONU.
O conjunto desses documentos internacionalmente aceitos, que protegem os direitos
humanos, fornece padrões reconhecidos globalmente do que significa viver com dignidade,
mostrando-se também, como sistema jurídico de considerável força e legitimidade social no
plano internacional e nacional, desde o fim da segunda guerra mundial. Segundo Romano e
Antunes (2002, p.35).
“A abordagem com base em direitos para o desenvolvimento é uma estrutura
conceitual que assenta em padrões e operacionalização voltadas para a promoção e proteção
dos direitos humanos. Ela integra as normas, padrões e princípios do sistema internacional de
direitos humanos em planos, políticas e processos de desenvolvimento. As normas e standards
são aqueles contidos no rico acervo de tratados e declarações internacionais. Os princípios
incluem: igualdade, equidade, prestação de contas, empoderamento e participação.”
A RBA é também uma estratégia para efetivar o direito humano ao desenvolvimento
(Right-Based Approach to Development). Essa estratégia apaga as distinções entre direitos ao
desenvolvimento e direitos humanos e tem como objetivo reduzir a dependência das
comunidades de ajuda externa e melhorar a capacidade dos governos de atender as
necessidades da população. Como se diz no discurso popular “Não dar o peixe a comunidade,
mas educá-la a pescar”. Com essa estratégia afirmamos que na base das abordagens baseadas
em direito está não só o trabalho de defesa e promoção dos direitos humanos da população,
mas a construção de políticas públicas e ações afirmativas junto ao Estado. Entre as
abordagens no campo do desenvolvimento percebe-se, nos últimos anos, que um número cada
vez maior de instituições começa a utilizar a perspectiva baseada em direitos (based rights
approach).
19
Os direitos humanos, tais como são conhecidos hoje, são o resultado de um processo
longo de lutas e acordos sobre princípios e padrões legais e morais. No entanto, um momento
fundamental em matéria de afirmação de direitos em nível global é a Conferencia Mundial da
ONU realizada em Viena em 1993. Nela se afirmam a indivisibilidade e universalidade dos
direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais dentro do conjunto dos direitos
humanos. É também de particular importância o Relatório de Desenvolvimento Humano das
Nações Unidas de 2000, que explora esta abordagem apontando que a perspectiva de
desenvolvimento humano deve ter como base os direitos que são, antes de tudo,
complementares. O Banco Mundial parece estar também avançando nessa linha como
estratégia para suas políticas, como indicam alguns de seus documentos mais recentes
(setembro de 2000). Várias ONGs européias também estão trabalhando dentro desta
perspectiva: na Inglaterra, Oxfam GB, Cafod, Christian Aid e Save the Children; na
Alemanha, EED e PPM; na Holanda, Icco, Novib e Cordaid; e também grandes alianças como
Oxfam Internacional e Save the Children Alliance (ROMANO e ANTUNES, 2002, p. 35).
Essa perspectiva coloca a cidadania e os direitos humanos não só como “o direito a ter
direitos” (cidadania negativa), mas “o direito a construir novos direitos” (cidadania positiva).
Nesse aspecto, a comunidade deve ser preparada a não só conhecer quais são os seus direitos,
mas como eles podem ser exigidos junto ao Estado. Deste modo, a RBA é uma estratégia
utilizada por Agências Multilaterais, ONGs, Institutos de Pesquisa e Universidades para
efetivar o direito humano ao desenvolvimento sustentável, mas, também, para desenvolver
projetos de pesquisa aplicada e extensão em direitos humanos ou que tragam em seu bojo
preocupações com a cidadania. Nesse sentido para a metodologia RBA existem dois tipos de
público. O primeiro é formado pelos chamados detentores de direitos ou sujeitos coletivos de
direito, que são as pessoas que estão nas comunidades, à sociedade civil organizada. O outro
público é formado pelos gestores públicos, ou os responsáveis pela obrigação de atender a
população (governo/Estado), dentro dos princípios de uma democracia participativa
(ROCHA,2013).
A RBA visa reforçar a capacidade dos detentores da obrigação (governo/Estado) e
capacitar detentores de direitos (sujeitos de direito) a cobrar das autoridades a efetivação
desses direitos. Pretende, portanto, qualificar uma comunidade a reivindicar a efetivação de
seus direitos por parte do Estado. Preocupa-se com a emancipação individual e coletiva das
pessoas, com a autonomia do sujeito, com o empoderamento da comunidade que se quer
dotada dos meios para reivindicar seus direitos junto à comunidade. Para tanto, (in) formar a
comunidade sobre seus direitos e em que medida eles podem ser exercidos é fundamental. A
20
perspectiva baseada em direitos se assenta nos seguintes elementos segundo Romano e
Antunes (2002, p.37):
I) Expressam ligação entre os direitos (interdependência, interconexão);
II) Exigem prestação de contas por parte do Estado, governos e agentes públicos em sentido
amplo (accountability);
II) Visa o empoderamento das comunidades reforçando a autonomia individual e coletiva dos
sujeitos de direito;
IV) Reforça a idéia de participação do indivíduo na vida pública, de proposição de políticas
públicas, de ações afirmativas, da construção de espaços públicos de participação;
V) Defende a criação pelo Estado de mecanismos administrativos, judiciais, políticos e sociais
de participação da comunidade;
VI) Defende a equidade, a não discriminação e atenção a grupos vulneráveis.
A definição de objetivos de desenvolvimento em termos de direitos específicos, como
uma titulação legalmente exigível, é um elemento essencial da perspectiva baseada em
direitos, assim como a criação de vínculos normativos e instrumentos que liguem os direitos
humanos em nível internacional, regional e nacional (ROMANO e ANTUNES, p.38).
Do ponto de vista histórico, as abordagens baseadas em direito surgem pela primeira
vez como proposta de trabalho em 1994, na Conferência Internacional sobre populações e
desenvolvimento (CIPD), Consenso do Cairo, quando algumas agências da ONU pactuaram
integrar princípios de direitos humanos a noção de desenvolvimento sustentável. Antes disso,
as agências do sistema ONU trabalhavam com uma metodologia de atendimento a
necessidades básicas, onde as carências das pessoas e grupos beneficiados por programas de
ajuda eram identificadas na perspectiva de apoio das agências na busca da melhora da
prestação de serviços ou de seu cumprimento.
No ano de 1997, o então Secretário Geral da ONU Kofi Annan conclamou as agências
do sistema ONU a integrar os Direitos Humanos em seu trabalho como uma prioridade
transversal para os programas de cooperação para o desenvolvimento e a adotar a RBA como
metodologia de trabalho. Em uma abordagem baseada em direitos cada ser humano passa a
ser reconhecido como titular de direitos individuais e coletivos, essa metodologia busca
assegurar a liberdade, o bem-estar e a dignidade humana de todas as pessoas em toda a parte,
considerando os princípios, direitos e obrigações. A RBA parte da ideia de que a sociedade,
em especial, os movimentos sociais e as populações vulneráveis (sujeitos coletivos do direito)
21
em sua luta cotidiana buscam serviços básicos e essenciais a sua dignidade. Esses serviços
básicos e essenciais são em última análise direitos humanos. O não atendimento a esses
serviços básicos essenciais, por sua vez, se constituem em uma violação aos direitos humanos
da comunidade (ROCHA, 2013).
A RBA é fundada também na concepção de participação cidadã em que os Estados
democráticos reconhecem o direito e a necessidade de defender a sociedade contra eventuais
excessos da máquina pública estatal, através da divisão e funções entre os poderes e de
mecanismos recíprocos de controle em nome da sociedade. Nesse caso, a categoria central
deixa de ser a comunidade ou o povo e passa a ser a sociedade civil organizada, tendo sua
base na universalização dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, na
ampliação da dimensão da cidadania e numa nova compreensão do papel do Estado na
contemporaneidade. Deste modo a RBA reforça não só a atuação da sociedade civil, mas o
papel do Estado e a capacidade dos detentores de obrigações (em geral os governos) de
respeitar, proteger e garantir direitos. Ao considerar a pessoa como “sujeito de direito” o
Estado passa a ter deveres para com essa coletividade que precisam ser buscado pela
sociedade. A titularidade de direitos introduz um conceito importante que diz respeito ao
dever do Estado de prestar contas a sociedade, movendo o foco do desenvolvimento para o
desenvolvimento de pessoas e não apenas o desenvolvimento econômico (BOESEN e
MARTIN, 2007). Deste ponto de vista, a RBA destaca para o Estado três níveis de
obrigações:
a) Respeitar os direitos humanos (prestação negativa do Estado que corresponde em abster-se
de interferir no gozo de direitos);
b) Proteger direitos humanos (prestação positiva do Estado). Corresponde à construção de um
sistema de leis (legislação) que impeça a violação de direitos humanos pelo Estado ou por
atores não estatais, essa proteção deve ser concedida a todas as pessoas sem discriminação;
c) Cumprir com os Direitos Humanos (prestação positiva do Estado). Consiste em cumprir ou
criar medidas ativas como políticas públicas que possam alocar recursos e instituir
procedimentos para atender e realizar os direitos humanos.
Para as abordagens baseadas em direitos os gestores públicos e as instituições podem e
devem prestar contas quanto às suas responsabilidades à sociedade como um todo. As
“abordagens baseadas em direitos” são diferentes das “abordagens baseadas nas
necessidades” ou no “bem-estar”, porque enquanto as primeiras têm como objetivo o
empoderamento da sociedade civil, as “abordagens nas necessidades” ou “no bem-estar”
22
criam a dependência da comunidade de atores externos como o Estado (RAND e WATSON,
2005).
A RBA percebe a sociedade como “sujeito do desenvolvimento social e humano” de
uma nação e não como simples respondente de uma ordem social construída. A utilização de
metodologias participativas que tenham como o objetivo favorecer o empoderamento
individual e coletivo das pessoas, começando pelo reconhecimento de violações aos direitos
humanos, ao invés de se concentrar somente nas necessidades humanas, está na base dessa
metodologia. Essa metodologia visa, portanto, de um lado organizar a sociedade para
reivindicar seus direitos humanos, civis, políticos, sociais, culturais e ambientais Junto ao
Estado e aos governos, e de outro, contribuir na formação de políticas públicas e ações
afirmativas que visem atender aos direitos considerados essenciais por aquela coletividade.
Enquanto metodologia de pesquisa e extensão que objetiva a emancipação individual e
coletiva das pessoas, na RBA são empregados uma variedade de métodos – incluindo a
análise política, a advocacy e o desenvolvimento da capacidade tanto de detentores de direitos
como dos encarregados – a fim de ajudar a facilitar o processo de promover o poder das
pessoas e das comunidades pobres e marginalizadas empowerment.
Na base da metodologia está uma discussão ética sobre como todas as pessoas têm
direito a um conjunto de direitos; a um padrão material de bem-estar. Reconhece o direito a
igualdade,
afastando
perspectivas
assistencialistas,
enfatizando
os
direitos
e
a
responsabilidade dos agentes públicos no atendimento a esses direitos. A RBA trata as
pessoas não como simples destinatários de direitos, mas como sujeitos ativos, participativos,
protagonistas do desenvolvimento social. O local é sempre o ponto de partida para as
abordagens baseadas em direito, uma vez que quem efetivamente está preocupado com o
combate a pobreza e as violações de direitos humanos, começa a trabalhar em seu entorno. No
entanto, nesse tipo de metodologia não cabe nenhuma amarra, podendo cada grupo adequar a
metodologia as suas necessidades. A RBA assume assim uma forma diferente no Brasil, no
Haiti, na Noruega dependendo das condições materiais e sociais envolvidas, mesmo
considerando a idéia de dignidade humana universal. A RBA deve ser abordada com
sinceridade, aderindo a princípios fundamentais de direitos humanos, tendo como foco a
realização da justiça social, já que é constituída por normas e princípio que objetivam a defesa
e promoção dos direitos humanos em sistemas nacionais e internacionais, bem como de
planos, projetos, métodos e atividades que visam a efetivação de um ou mais direitos
humanos.
23
Para Boesen e Martin (2007), As abordagens baseadas em direito reconhecem a
pobreza com injustiça e causa da marginalização e discriminação, questões centrais no debate
sobre pobreza. Para esta metodologia a pobreza nunca é responsabilidade somente do
indivíduo, nem sua solução pode ser puramente pessoal, ela passa por uma ação estatal que
investe em políticas públicas e ações afirmativas como forma de combate as injustiças sociais.
Por outro lado, para Boesen e Martin não se pode colocar a responsabilidade da pobreza em
noções abstratas como globalização, crise econômica, alterações climáticas ou instabilidade
política e econômica. A metodologia investe nas reais causas da pobreza e marginalização
(2007, P.9).
A RBA é vista pela ótica da participação, da reivindicação, da luta pelos direitos. A
dinâmica central da RBA é, portanto, como identificar as causas da pobreza, marginalização e
discriminação que funcionam como obstáculos ao acesso à justiça e ao direito, motivando os
sujeitos coletivamente a reivindicar seus direitos junto às autoridades públicas, permitindo
que essas autoridades possam cumprir as suas obrigações. Desta forma, segundo Kierkmann e
Matins (p.11), a RBA chama a atenção para uma série de situações que caracterizam a relação
entre pobreza e desenvolvimento.
A participação do cidadão na gestão do Estado enquanto direito (cidadania ativa) e
dever (dever cívico da cidadania) é uma questão fundamental nos dias atuais para a
governança do Estado e realização do direito ao desenvolvimento de comunidades e pessoas,
principalmente, de populações vulneráveis, incluindo aqueles que ainda não estão em
condições de reivindicar seus direitos. O reconhecimento de que a pobreza em si é uma grave
violação aos direitos humanos e que esta é responsável pela violação de uma série de outros
direitos humanos, bem como que a omissão do Estado em relação a pobreza extrema de parte
da sociedade é uma violação ativa dos direitos humanos deste grupo. A pobreza não é vista
como um problema complexo, percebida dentro de uma estrutura de poder e desigualdade
associada a questões locais, regionais e nacionais e, portanto, uma noção de desenvolvimento
sustentável deve abordar causas complexas e fundamentais da pobreza como desigualdade,
discriminação, exploração e abuso. A necessidade de superar uma noção de desenvolvimento
preocupada simplesmente com o crescimento econômico sem atentar para as causas
complexas da pobreza.
Como metodologia a RBA implica em um esforço para envolver as pessoas na
discussão sobre as suas necessidades, problemas e potencialidades. Nesse cenário, a RBA é
utilizada para discutir direitos como água, moradia, saúde, educação, segurança, liberdade
para buscar seus objetivos na vida. No entanto, é central a premissa de que os seres humanos
24
são portadores de direitos humanos inalienáveis, imprescritíveis, insubstituíveis e a privação
de algumas necessidades é também a violação de um direito. Deste modo, a privação da água
na é só a privação de uma necessidade, mas a sonegação de um direito.
A RBA a parte da luta não pela satisfação de uma necessidade, mas do exercício de
um direito. Nesse sentido, é preciso que se faça a distinção entre direito e necessidade. Os
DH vão além da noção física de necessidade para incluir uma perspectiva mais holística de
seres humanos em termos de seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A
satisfação de um direito sempre corresponderá uma obrigação, normalmente de um agente
público. Na RBA não se espera a gratidão das pessoas porque não se trata de assistência a
pessoas necessitadas, mas ao apoio a pessoas marginalizadas pelo sistema que são alçadas a
condição de reivindicar seus direitos como previsto na legislação nacional e internacional. A
figura extraída de Boesen e Martins (pg. 12) ilustrar essas diferenças de abordagens.
Tabela 01 – Comparativo abordagem baseada na caridade, na necessidade e nos direitos humanos
Fonte: ROCHA, 2013
A RBA reconhece que a pobreza é um fenômeno complexo e multifacetado e que não
pode ser resolvida por soluções simples. O combate a pobreza como violação aos direitos
humanos deve ser feita a partir de uma abordagem holística do problema, que consiga analisar
o problema em toda a sua complexidade. Nesse sentido a RBA é uma importante ferramenta
já que permite o trabalho com direitos civis, políticos, sociais e culturais, bem como com as
causas econômicas da pobreza.
Na metodologia da RBA a pobreza não é apenas gerada
pela ausência de recursos, mas pela negação do acesso a esses recursos quando eles estão
disponíveis. O acesso a esses recursos é negado, principalmente, aos pobres em razão de
quem eles são, de onde vivem, ou simplesmente por negligencia o falta de ação. A
discriminação pode ser conseqüência das normas e valores sociais que causam a
marginalização de comunidades ou pode ser resultado de discriminação de políticas de
25
Estado. A RBA é baseada no conceito de que as pessoas pobres devem ser protegidas da
injustiça social.
Segundo Romano e Antunes (2002), para a política atual das Nações Unidas é
inaceitável que sejam implementadas políticas, projetos ou atividades que tenham como efeito
a violação de direitos ou que os direitos sirvam como base de negociação para o
desenvolvimento (trocar direitos trabalhistas por acesso a investimento de capitais
transnacionais em zonas francas tem sido uma política bastante freqüente em vários países de
América Central).
A intervenção desta perspectiva busca aumentar os níveis de prestação de contas,
através do exercício de identificação de quais são os direitos existentes e acordados, quem são
os titulares desses direitos (entitlements) e os correspondentes responsáveis por realizar e
promover o acesso a estes direitos. A orientação adotada por muitos que estão trabalhando no
campo dos direitos tem sido a de identificar um amplo leque de relevantes atores que têm
responsabilidade na promoção, provisão e proteção dos direitos, elencando neste rol governos,
autoridades e organizações locais, companhias privadas e instituições e doadores
internacionais (ROMANO e ANTUNES, 2002).
Um dos sentidos desta abordagem é a adoção dos atuais standards de direitos humanos
como um marco universal para se mensurar a promoção e progresso dos direitos humanos em
todas as partes do mundo, assim como para assegurar um patamar para a prestação de contas.
Pela Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, os Estados nacionais são os
primeiros responsáveis por prover, assegurar e proteger direitos (ROMANO e ANTUNES,
2002).
Ante o exposto, podemos concluir que as abordagens baseadas em direito (RBA)
podem ser utilizadas tanto por Agências Multilaterais das Nações Unidas, ONGs etc. como
por universidades e pesquisadores preocupados em desenvolver projetos de pesquisa e
extensão em direitos humanos como já vem acontecendo em alguns casos onde os
pesquisadores estão preocupados não só com os resultados de suas pesquisas, mas com a
humanização desse processo e com o respeito aos direitos humanos das pessoas que têm o
direito de conhecer e decidir sobre o que está sendo realizado.
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO
O conceito de Justiça de Transição vem sendo discutido nos últimos tempos em várias
partes do mundo. Para a primeira aproximação a esta categoria recorremos à lição de Louis
26
Henkin – professor da Universidade de Columbia – para quem a história dos direitos humanos
pode ser dividida na história anterior e posterior a segunda guerra mundial (HENKIN, 1978).
Em que pese encontrarmos elementos caracterizadores da Justiça de Transição desde a
primeira guerra mundial e, talvez, até antes disso, esse instrumento do direito internacional
vai se consolidar na segunda metade do século XX, depois do conflito mundial de 1945, como
mecanismos de justiça universal. Para Ruti Teitel (2010) é após a segunda guerra mundial,
que a Justiça de Transição começa a ser entendida como extraordinária e internacional,
principalmente, na década de 80 quando a política internacional passou a preocupar-se com
vigor com a resolução de conflitos e pelo discurso da justiça no mundo do direito e da
sociedade.
Nesse período (final do Século XX) apresenta-se um estado relativamente estável da
justiça transicional, associada com as condições contemporâneas de conflito persistentes. Para
tanto, pode-se referir que nos moldes atuais de entendimento acerca da justiça de transição,
seu desenvolvimento é fruto dos acontecimentos provenientes do Século XX, marcado por
conflitos e guerras (HOBSBAW,2010). Neste período histórico, cria-se um ambiente para o
advento da justiça de transição, ante a internacionalização das relações sociais e dos conflitos
(VIEIRA, 2011). Segundo o dicionário brasileiro de direitos humanos do Ministério Público
Federal (MPU) a Justiça de Transição pode ser conceituada como o conjunto de abordagens e
mecanismos (judiciais e extrajudiciais) e estratégias para estudar o legado da violência em
massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à
memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir que a
não repetição de atrocidades (BRASIL,2014).
Fundada nos pilares da Justiça, verdade, reparação, reconstrução das instituições
públicas e democráticas, a justiça de transição foi estruturada a partir da segunda metade do
século XX com a contribuição de organizações multilaterais, Estados, organizações não
governamentais e ativistas de direitos humanos, que conseguiram, progressivamente,
consagrar uma visão de direitos humanos na esfera pública, sintetizada em documentos
internacionais e nacionais de direitos humanos, e que tem servido de resposta à grupos na
América Latina e Europa Oriental que clamam por justiça, reparação e direito à verdade.
Para Vieira (2011) a ideia de Justiça de Transição diz respeito à área de atividade e
pesquisa voltada para a maneira como as sociedades lidam com um legado de violações de
direitos humanos, atrocidades em massa ou outras formas de trauma social severo (genocídio
e guerra civil p. ex.), visando a construção de um futuro mais democrático e pacífico (p.02).
Segundo este autor, o conceito é comumente entendido como uma estrutura para se confrontar
27
abusos do passado e como componente de uma maior transformação política. Isso geralmente
envolve uma combinação de estratégias judiciais e nãojudiciais complementares, tais como
processar criminosos; estabelecer comissões de verdade e outras formas de investigação a
respeito do passado; esforços de reconciliação em sociedades fraturadas; desenvolvimento de
programas de reparação para aqueles que foram mais afetados pela violência ou abusos;
iniciativas de memória e lembrança em torno das vítimas e a reforma de um amplo espectro
de instituições públicas abusivas (como os serviços de segurança, policial ou militar) em uma
tentativa de se evitar novas violações aos direitos humanos no futuro (VIEIRA, 2011,p.02).
A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (EDH)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é considerada a norma
fundamental do Sistema Internacional de Direitos Humanos que motiva todas as outras
normas do sistema. Sua função é declarar os princípios e valores que dão sustentação as ações
em direitos humanos, bem como orientar a legislação dos países signatários nesse campo. Ela
é, portanto, o marco teórico, jurídico, político e educacional dos direitos humanos e também
da Educação em Direitos Humanos. A Declaração Universal trata da Educação em Direitos
Humanos desde o seu preâmbulo quando afirma que: “[...] Os Estados-Membros se
comprometem a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos
direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades
(DECLARAÇÃO UNVIERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2014).” Em sua introdução a
Declaração estabelece que:
“Cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se
esforce através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades,
e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o
seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos
próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição
(DECLARAÇÃO UNVIERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2014).”
Nesse sentido, a DUDH resultou em um conjunto de responsabilidades por parte dos
Estados-membros em adotar medidas progressivas internacionais e nacionais de efetivação e
defesa dos Direitos Humanos, principalmente, através do ensino e da educação. No mesmo
prisma, o Congresso Internacional sobre Educação em prol dos Direitos Humanos e da
Democracia, realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em março de 1993,
28
instituiu o Plano Mundial de Ação para a EDH que foi referendado na Conferência Mundial
de Viena de 1993, visando promover, estimular e orientar compromissos em prol da educação
em defesa da paz, da democracia, da tolerância e do respeito à dignidade da pessoa humana
(ZENAIDE, 2008).
Entre outras políticas, o programa aprovado em Viena consagrou questões como
erradicação do analfabetismo, a inclusão de direitos humanos nos currículos de todas as
instituições do ensino formal e não-formal, assim como a necessidade de promover à
realização de programas e estratégias educativas visando ampliar o máximo a EDH. Tendo
como objetivo reiterar a importância de uma EDH a ONU declara em dezembro de 1994 a
década da EDH, através da Resolução 49/184, equivalendo ao período de 01 de janeiro a 31
de dezembro de 2004. Com isso a ONU reconhece e defende o direito de toda pessoa humana
à educação em todos os níveis com o pleno exercício das liberdades fundamentais e o respeito
aos direitos humanos (2008).
O acesso à educação, dessa forma, é posto como um meio de potencialização dos
sujeitos para participarem e tomarem decisões na defesa dos seus direitos. A educação
enquanto bem e direito é que vai dinamizar todo um conjunto de compromissos em relação à
educação em e para os direitos humanos. O Pacto Internacional dos Direitos Humanos
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) corrobora com uma educação voltada para os
direitos humanos como uma condição indispensável a um desenvolvimento econômico e
social sustentado, justo e solidário, voltado para a construção da cidadania em relação ao
indivíduo e da democracia em relação à sociedade. A Declaração e Plano de Ação Integrado
sobre Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia ratificada pela Conferência
Geral da UNESCO em 1995, afirma o compromisso em dar prioridade a educação de
crianças, adolescentes e jovens face às formas de intolerância, racismo e xenofobia
(UNESCO, 2014).
Nessa linha de raciocínio, a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação
Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (CMR) realizada em Durban, África
do Sul, em 2001, indicou para os Estados o compromisso com a luta contra o racismo, a
discriminação racial, a xenofobia e a intolerância religiosa, a implementação de programas
culturais e educacionais que incluam componentes antidiscriminatórios e anti-racistas, a
realização de campanhas públicas de informação, programas de EDH em todos os níveis,
produção de material didático e programas de educação pública formal e informal que
promovam a diversidade cultural e religiosa e a implementação de políticas de promoção da
igualdade de oportunidades (ZENAIDE,2008).
29
Para implementação dos objetivos e metas desta década o Alto Comissariado para os
direitos humanos da ONU elaborou o plano de ação internacional que pretende, entre outras
coisas, avaliar necessidades e definir estratégias no campo da EDH; criar e reforçar programas
de educação em matéria de direitos humanos a nível internacional, regional, nacional e local;
coordenar a elaboração de materiais didáticos em matéria de direitos humanos; reforçar o
papel dos meios de comunicação social; promover e divulgar a DUDH a nível mundial (ONU,
2014).
Ao analisar os maiores problemas mundiais, a ONU estabeleceu 8 (oito) Objetivos do
Milênio (8 Jeitos de Mudar o Mundo) na Declaração do Milênio, ratificada no ano 2000. Essa
Declaração reúne os planos de todos os Estados-Membros da ONU para melhorar a vida de
todos os habitantes do planeta no século XXI. Até 2015 todos os 191 Estados-membros
assumiram o compromisso de: erradicar a extrema pobreza e a fome; atingir o ensino básico e
fundamental; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a
mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malária e outras
doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma parceria mundial para o
desenvolvimento (ODM, 2014).
Muitas têm sido as contribuições referentes aos dispositivos, medidas e instrumentos
específicos dos direitos humanos aos quais os Objetivos do Milênio podem se alinhar, mas
todas possuem como característica comum o fato de suas conexões serem amplas e óbvias.
Como a Declaração do Milênio considera o desenvolvimento sob a perspectiva dos direitos
humanos, podemos dizer que são relevantes todas as medidas estabelecidas em convenções e
tratados internacionais como a DUDH e o PIDESC (ROCHA e ROCHA, 2009).
Com relação ao processo de monitoramento, a Resolução ONU 52/127 de 12.12.1997
definiu os órgãos de controle da aplicação dos tratados em matérias de direitos humanos,
como órgão de acompanhamento do Plano de Ação para a Década da ONU de ações de
educação e informação em matéria de direitos humanos. No Brasil, este monitoramento vem
sendo realizado pelo comitê nacional e pelos comitês estaduais (ZENAIDE, 2008).
Segundo documentos da UNESCO e da ONU a educação em um mundo globalizado
está cada vez mais colocando a ênfase na importância dos valores, atitudes e habilidades de
comunicação como um complemento fundamental para o conhecimento cognitivo e
habilidades. A comunidade educativa também está prestando cada vez mais atenção para a
importância da educação em compreensão e resolução de questões sociais, políticas, culturais
e globais. Isto inclui o papel de educação para a paz de apoio, os direitos humanos, a
igualdade, a aceitação da diversidade e desenvolvimento sustentável. Educar para os direitos
30
humanos é tomar consciência para uma visão do outro, igual em qualquer parte do mundo. O
direito à educação, seja como instrução, seja como formação de valores, é um dos caminhos
que a sociedade moderna gerará para que o pequeno lume de razão que ilumina nosso
caminho se acenda em cada indivíduo e em todas as pessoas a fim de que todos possam
usufruir da liberdade e da igualdade de oportunidades. Tal direito seria uma função do Estado
a fim de que o direito individual não disciplinado não viesse a se tornar privilégio de poucos
(CURY,2013. P.134).
Em síntese, a educação em direitos humanos não é um tema novo, ela vem desde a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1945 como uma exigência para com os
Estados signatários, mas, só a partir da Declaração de Viena, de junho de 1993, com o
Programa de ação Mundial (ROCHA, 2009) que a Educação em Direitos Humanos passou a
ser sistematicamente discutida pelo Estado, tendo o Brasil criado em 2003 e revisado em 2006
o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), documento programático que
orienta a inclusão da Educação em Direitos Humanos em todos os níveis da educação. A
Educação é, portanto, tanto um direito humano fundamental como o principal instrumento na
formação do cidadão e na constituição de sociedades democráticas.
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33
ROTAS TURÍSTICAS ACESSÍVEIS EM SÍTIOS HISTÓRICOS: O CASO DO
CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR
Ariadna da Silva Bandeira 1
Rosana Santana dos Reis 2
Tadeu Bello dos Santos 3
RESUMO
A acessibilidade abrange questões físicas que vão desde a arquitetura inclusiva até as questões
sociais e políticas que abarcam o direito de todas as pessoas, com deficiência motora ou não,
alcançarem todos os espaços e conteúdos com autonomia, dignidade e sem sacrifício. A
arquitetura inclusiva garante o acesso à cultura e ao patrimônio em rotas diversas e em
especial à turística, mesmo em sítios históricos, equacionando a compatibilidade da visitação
com a conservação do patrimônio salvaguardando a memória, história e cultura através da
utilização do princípio da não alteração dos aspectos identitários. A rota turística histórica
acessível, notadamente, reúne o conjunto de edifícios de valor histórico e por isso, de alto
índice de visitação e, seu acesso deve ser livre e seguro para a garantia da igualdade a todos,
sem, contudo, ir de encontro aos parâmetros da conservação e restauro do patrimônio, aceitos
na atualidade. A rota turística acessível do Centro Histórico de Salvador apresenta as suas
necessidades/limitações e adequações para equacionar, por um lado, a necessidade
conservacionista e, por outro, a garantia de todos terem acesso aos locais de referência
cultural.
PALAVRAS-CHAVE: Acessibilidade. Pessoas com deficiência motora. Conservação. Rota
turística histórica acessível. Patrimônio. Centro Histórico de Salvador.
INTRODUÇÃO
1
Mestrado em Geografia pela Universidade Federal da Bahia, Especialização em Ecoturismo: Interpretação e
Educação Ambiental pela Universidade de Lavras; Especialização em Auditoria e Gestão Ambiental pela
Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia. Possui graduação em Tecnólogo em Administração
Hoteleira pelo Instituto Federal da Bahia e graduação em Turismo pela Faculdade de Turismo da Bahia.
Atualmente é professora assistente da Universidade do Estado da Bahia. Tem experiência na área de Turismo,
com ênfase em Lazer e Política Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: Política de Turismo,
estratégias, Turismo e repercussões socioambientais. [email protected].
2
Mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia, Especialização em Administração
Hoteleira pelo SENAC/Universidade Federal da Bahia. Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal da
Bahia, Designer de Interiores pela Universidade Salvador e Bacharel em Turismo pela Faculdade de Turismo da
Bahia. Atualmente é professora auxiliar da Universidade do Estado da Bahia. Tem experiência na área de
Turismo, Arquitetura e Patrimônio, atuando principalmente em Gestão do Patrimônio, Projetos e Acessibilidade
Física. [email protected].
3
Doutorando em Desenvolvimento Regional e Planejamento Territorial pela Universidade de Barcelona,
Especialização em Turismo pelo Centro de Pós-graduação Olga Mettig, Bacharel em Ciências Econômicas pela
Universidade Católica do Salvador e Bacharel em Turismo pela Faculdade de Turismo da Bahia. Atualmente é
professor auxiliar da Universidade do Estado da Bahia. Tem experiência na área de Turismo, com ênfase em
Planejamento e Política Pública, Pesquisa e Análise do Mercado Turístico e Gestão da Qualidade dos Serviços
Turísticos. [email protected].
34
Discutir sobre deficiência, pessoa portadora de deficiência e sobre os seus respectivos
direitos são questões cada vez mais presentes na sociedade atual, uma vez que se percebem,
cada vez mais, as necessidades que acompanham as pessoas e as oportunidades da inclusão
destas na rotina diária das cidades urbanizadas ou não.
Essa realidade provoca a elaboração de leis e normas que beneficiam a parte da
população que possui algum tipo de deficiência física. A Organização Mundial de Saúde e o
Banco Mundial (2012, p. 269) divulgaram o primeiro Relatório Mundial sobre Deficiência
(World Report on Disability) e estimam que
[...] mais de um bilhão de pessoas vivem com algum tipo de deficiência, o que
representa cerca de 15% da população mundial (com base nas estimativas de 2010
da população global). Isto representa um número maior que o anteriormente
estimado pela Organização Mundial da Saúde, datado de 1970, e que vislumbrava
um número em torno de 10%.
O Relatório Mundial sobre Deficiência tipifica-a, considerando a ausência ou a
disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica, entretanto não indica os
percentuais de cada tipo. Nesse índice, estão inclusas pessoas com dificuldades menores de
funcionalidade e até deficiências que causam grandes impactos na vida das pessoas.
No Brasil, o censo 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2013) indicou que 45,6 milhões de pessoas, ou seja, 23,9% da população
declararam ter pelo menos uma das deficiências investigadas (visual, auditiva, motora e
mental/intelectual). Dessas, 13.265.599 (6,95% da população brasileira) possuem deficiência
motora, sendo que 734.421 não conseguem nenhum modo de articulação, ou seja, possuem
alto índice de limitação, 3.698.929 possuem grande dificuldade e 8.832.249 possuem alguma
dificuldade. Na cidade de Salvador, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013)
demonstrou que 190.984 residentes (7,1 % do total de residentes) possuem deficiência motora
nos diversos níveis.
Apesar dos múltiplos estereótipos que existem em relação aos deficientes, urge que se
faça, também, alusão a todos aqueles que, por circunstâncias transitórias, a exemplo da
gravidez e fraturas corporais, ou permanentes como o envelhecimento, se encontrem em
situação que necessita de atenção especial adequada às novas necessidades que apresentam.
Em relação aos idosos, observa-se que o envelhecimento da população é um fenômeno
mundial. O Relatório sobre a Situação da População Mundial, produzido pelo Fundo de
População das Nações Unidas (2011), organismo da Organização das Nações Unidas,
responsável por questões populacionais, afirma que a população mundial é de 7 bilhões de
35
habitantes, sendo que existem 893 milhões de pessoas acima de 60 anos em todo o mundo.
Estima ainda que na metade do século XXI esse número subirá para 2,4 bilhões. Ainda de
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2009),
[...] nos últimos anos, o Brasil vem apresentando um novo padrão demográfico que
se caracteriza pela redução da taxa de crescimento populacional e por
transformações profundas na composição de sua estrutura etária, com um
significativo aumento do contingente de idosos.
Esses dados mostram que os índices de pessoas com deficiência e de idosos são altos e
estão crescendo. Assim, o número de pessoas com deficiência motora está aumentando a cada
ano. Além disso, o alto índice de acidentes automobilísticos vem contribuindo para essa
elevação também. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (2010),
o número de acidentes de trânsito nas rodovias federais do Brasil foi de 141.072 no ano de
2008, subindo para 158.893 em 2009 e alcançando o valor de 182.900 em 2010.
Dessa maneira, significa dizer que qualquer um da sociedade pode fazer parte do
grupo dos deficientes. (RIBAS, 1985). Os indicadores demográficos apresentados
demonstram que o número de pessoas com algum tipo de deficiência é significativo,
justificando a necessidade de adequação dos ambientes ao uso seguro, confortável e com
comodidade, ainda porque essa população, independente do nível de renda e escolaridade,
consome ou deseja consumir cultura e precisa circular em núcleos históricos e visitar os
monumentos da localidade, sejam públicos, privados, históricos ou atuais.
Dentre os direitos assegurados ao portador de deficiência, o artigo 27 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, [1998])
determina que “Toda pessoa tem o direito de participar livremente na vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de todos os benefícios
que dele resultem.” O portador de deficiência tem direito ao acesso à cultura que será
garantida pela arquitetura inclusiva.
Um ambiente acessível preserva as atividades de uma pessoa deficiente ou com
mobilidade reduzida. Suas funções podem se desenvolver sem barreiras físicas. O ambiente
deve se adequar às necessidades de todo usuário para que seja considerado confortável, caso
contrário poderá ser considerado um ambiente agressivo e, muitas vezes, até sem utilidade, o
que poderá ocasionar mau uso ou mesmo o abandono das suas funções e, assim, gerar
situações de desigualdade social, já que a atenção oferecida, as infraestruturas e os
equipamentos existentes não reúnem as condições adequadas e impedem ou dificultam a
prática de diversas atividades, a exemplo do turismo.
36
Na sociedade contemporânea, o turismo e o ócio são aspectos fundamentais na vida
cotidiana, uma vez que possuem um papel importante na integração social dos indivíduos
quando da prática de atividades no tempo livre de cada um. Entretanto um número
significativo de pessoas, por diferentes motivos como a deficiência, a idade ou outras razões,
ficam impedidos da prática do turismo ou fazem com grandes dificuldades, aviltando o direito
de liberdade de escolha que possuem.
Quando se fala em turismo acessível, não se refere exclusivamente ao grupo de
pessoas que têm algum tipo de deficiência. Alude-se a uma oferta turística que possa ser
utilizada por qualquer pessoa, independentemente das habilidades, capacidades ou
necessidades que apresentem. A acessibilidade, apesar de ser o meio que possibilita que
muitas pessoas possam acessar e utilizar, em diferentes ambientes, produtos e serviços, para o
resto dos cidadãos é uma melhora da qualidade de vida. Exemplificando, se em um
estabelecimento são colocados cartazes com pictogramas simples que todos possam
reconhecer, independente de sua habilidade ou capacidade, e também quando chegam pessoas
estrangeiras, estes tornam-se uma ferramenta de orientação muito útil devido ao seu caráter
universal. A acessibilidade, sem dúvida, fomenta a qualidade de vida de todos os cidadãos.
Visitar cidades históricas e conhecer seu patrimônio cultural é um desejo e um direito
do visitante com mobilidade reduzida. A população local também deve ser estimulada a
conhecer seu patrimônio e assim valorizá-lo, conscientizando-se da importância da sua
preservação e difundindo a necessidade de manutenção do patrimônio cultural.
Sítios, conjuntos e edifícios de valor histórico são locais onde o acesso livre e seguro
deve ser possibilitado também a pessoas com mobilidade reduzida, garantindo igualdade a
todos, sem, contudo, desrespeitar os parâmetros da conservação e do restauro do patrimônio
aceitos na atualidade. Muitos locais de valor histórico apresentam dificuldades de acesso e
deslocamento para pessoas com mobilidade reduzida, seja permanente ou temporária,
principalmente para pessoas com deficiência, notadamente aqueles usuários de cadeiras de
rodas. Alguns locais apresentam dificuldades de acesso e deslocamento até para aqueles que
não estão incluídos nesses grupos, ou seja, aqueles que a arquitetura considera como o
indivíduo-padrão.
Estudos antropométricos recentes, como os realizados por Panero e Zelnik (2002) vêm
demonstrando a diversidade física entre as pessoas e a necessidade de adequar os espaços às
dimensões corporais e aos movimentos desses indivíduos. Mesmo com tais estudos e o atual
interesse em questões como desenho universal, arquitetura inclusiva e acessibilidade, a
37
aplicabilidade dos mesmos está muito aquém do desejável e necessário em cidades como
Salvador, por exemplo, que possuem uma riqueza histórica significativa e inestimável.
Os sítios de valor histórico em cidades como Salvador, em sua maioria, não
apresentam ambientes acessíveis, por isso a relevância de estudos que indiquem as
possibilidades de intervenções nesses edifícios, aplicando-se os princípios da acessibilidade
universal, sem, contudo, desconsiderar os parâmetros de preservação e conservação do
patrimônio arquitetônico.
Para a devida valorização do patrimônio de uma localidade, é necessário que se
compreenda, que se aprecie e, consequentemente, que se proteja esse patrimônio. Para que se
compreenda, é imprescindível que se conheça. Para permitir que se conheça, é primordial que
se possibilite o acesso.
Discussões sobre acessibilidade a bens históricos e culturais têm se intensificado a
cada ano. Na cidade de Salvador, encontros e debates vêm sendo realizados com a
participação de representantes de órgãos públicos e entidades privadas, além da sociedade
civil, com o intuito de desenvolver projetos exequíveis e que proporcionem acessibilidade a
todas as pessoas. Exemplo disso foi a realização em Salvador do Encontro Iberoamericano de
Acessibilidade ao Patrimônio Cultural e Natural, que ocorreu no mês de abril de 2014, quando
se discutiu e se difundiu conceitos e soluções para acessibilidade e mobilidade em áreas de
interesse natural e cultural.
Assim, o artigo, em questão, tem como objetivo salientar a necessidade da
implantação de Rotas Acessíveis em sítios históricos, analisando a Rota Turística Acessível
do Centro Histórico de Salvador – BA.
A metodologia adotada foi a realização de pesquisas bibliográfica e documental a
exemplo do uso das normas de acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e
equipamentos urbanos. A internet serviu como auxilio para consultas em sites como
Organização das Nações Unidas e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dos blogs,
foram colhidas fotos e depoimentos de experiências em viagens turísticas realizadas por
cadeirantes, devido à escassez de textos acadêmicos com registros fotográficos de cadeirantes
utilizando os espaços históricos.
O artigo discute a equação entre patrimônio, acessibilidade e turismo acessível,
identifica exemplos de rotas turísticas acessíveis em núcleos históricos localizados em cidades
de referência cultural e verifica as adequações realizadas com a intenção de permitir a
acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida a esses locais, observando-se sua
compatibilidade com a preservação do patrimônio.
38
1. BARREIRAS ARQUITETÔNICAS EM EDIFÍCIOS HISTÓRICOS
A história da arquitetura mostra que na construção de cidades e edifícios não havia a
preocupação com a questão de acessibilidade. Ainda antes do período clássico greco-romano,
a Mesopotâmia deixou como herança as escadarias dos seus zigurates e palácios. Já nesse
período (5.000 a.C.), as cidades eram construídas com muralhas defensivas, uma vez que a
ideia era dificultar o acesso de invasores.
Os templos gregos do período clássico destinados a sacerdotes eram construídos em
sítios elevados e com degraus ao redor. A arquitetura romana incorporou inúmeros elementos
da Grécia, dentre eles seus templos, elevando-os ainda mais com a introdução do pódio e uso
de escadarias em sua fachada principal. Os teatros e anfiteatros gregos e romanos também
possuem como característica marcante as escadarias e arquibancadas.
As cidades da Idade Média foram construídas com suas ruas estreitas e irregulares
como cidades-defesa. O Renascimento traz o palácio renascentista, inspirado na arquitetura
clássica. Apesar de ter como característica a horizontalidade, eram grandiosos e possuíam
pórtico e galerias distribuídas em pavimentos, ligados por escadarias.
O Barroco, representado por cidades, igrejas e palácios, possui as escadarias como
elemento indispensável à monumentalidade e teatralidade. As escadas desse período são
elementos arquitetônicos característicos, bem elaboradas, com patamares, balaustradas e
curvas. Cidades coloniais brasileiras e ibero-americanas são ricas na herança barroca.
Estes exemplos que compõem a arquitetura urbanística representam o processo
histórico e refletem as características e as necessidades culturais das sociedades da época,
incorporadas em suas escadarias, muralhas, ruas estreitas e irregulares – pequeno era o
número de pessoas em circulação, o meio de locomoção exigia pouco espaço, as distâncias
percorridas eram menores, o uso do solo era diferenciado e, além disso, a preocupação com a
adoração, com invasores, a demonstração de poder no distanciamento do povo e efeitos
teatrais no espaço são mais relevantes do que pensar no deficiente motor. Ele era
marginalizado e visto como ser inferior, muitas vezes abandonado à própria sorte.
Justamente, esses ambientes, como ruínas, edifícios e sítios históricos, mesmo não
sendo locais destinados ao acesso do povo no passado, hoje são consagrados enquanto
patrimônio arquitetônico histórico e cultural e, por isso, visitados por viajantes, turistas e
pessoas do mundo inteiro. São destinos turísticos muito procurados em toda a Europa e com
atrativos de grande fruidez.
39
Desde a Grécia antiga, as cidades e as edificações possuíam características
urbanísticas e arquitetônicas condizentes com suas necessidades. Hoje, ao considerar as atuais
necessidades de locomoção, maior número de pessoas em circulação, distâncias maiores, o
meio de locomoção requer muito espaço, o uso de solo é especifico e novas preocupações são
ponderadas, principalmente, a de inclusão, esses exemplos já são avaliados como barreiras a
acessibilidade. Além disso, com os interesses em uso e circulação em sítios históricos, por
exemplo, evidenciam os limites e as impossibilidades do acesso de todas as pessoas que
desejam conhecer, frequentar ou até mesmo trabalhar nesses locais.
Na atualidade, percebe-se um evidente conflito entre as normas e as indicações de
preservação do patrimônio com as orientações que facilitam o acesso aos locais, ou seja, o
conflito envolve os elementos e as referências históricas que devem ser respeitadas na sua
autenticidade, com as possíveis alterações físicas que devem permitir acessibilidade,
garantindo a manutenção da autenticidade e a inclusão. Encontrar soluções exige
conhecimento e criatividade, além de respeito e valorização do passado, da evolução histórica
e das questões urbanas da localidade.
2. PATRIMÔNIO E ACESSIBILIDADE: EQUAÇÃO POSSÍVEL EM ROTAS
TURÍSTICAS ATRAVÉS DA ARQUITETURA INCLUSIVA
A palavra patrimônio tem vários significados, entretanto é comum atribuí-lo ao
conjunto de bens que pessoa ou entidade possuam. Em um território o patrimônio é o
conjunto de bens que estão dentro de seus limites, por exemplo, patrimônio nacional de um
país.
Considerar as duas grandes divisões do patrimônio (natural e cultural), o cultural, no
Brasil, vem sendo ampliado. Barreto (2000) registra que ele foi sinônimo de obras
monumentais, de arte consagrada, propriedades de grande luxo associadas às classes
dominantes da política e da sociedade civil. Simão (2001) complementa, informando ser uma
política recente, elitizada, contraditória e preservacionista, qualificando-o como bem – por
isso, restrita.
A noção de patrimônio cultural é muito mais ampla, hoje, envolvendo tangíveis e os
intangíveis. Barreto (2000) adverte que o patrimônio cultural está cada vez mais ameaçado
tanto pela destruição natural quanto por fatores econômicos e sociais. A política
preservacionista, aplicada ao patrimônio arquitetônico, tende a não deixar tocar os bens
40
tombados, o que implica muitas vezes deixar os edifícios fechados, condenando-os à
destruição lenta do abandono. A outra política é a conservacionista, integrando-o ao
dinamismo cultural, o que vislumbra a viabilidade financeira, privatização, alienação e que
destrói o sentido de patrimônio.
Polêmicas a parte, a revitalização e a “transformação” dos bens em lugares turísticos
acabam por valorizar a história, quando se apoiam na memória coletiva e respeitam os
parâmetros da conservação e de restauro do patrimônio aceitos na atualidade nas situações de
alteração de reboco; pintura ou solicitação de alteração de cor de fachada; reforma de
cobertura; restauração de esquadrias internas e externas; reforma interna; reforços estruturais;
demolições, sejam de parte de uma edificação ou da edificação completa, por exemplo.
Portanto, a implantação de acessibilidade universal em espaços de valor histórico,
considerados patrimônio cultural, é um obstáculo a superar. Em cidades brasileiras, muitos
locais históricos, podendo-se considerar a maior parte desses, apresentam dificuldades de
acesso e utilização, não apenas para pessoas com deficiência, mas também para aqueles que
possuem mobilidade reduzida.
As soluções para essas questões devem ser compatíveis com a conservação dos bens
culturais, ou seja, as intervenções para a adequação não podem afetar os elementos que
caracterizam o valor histórico da edificação, podendo ser reversíveis em todos os casos.
(CAMBIAGUI, 2007).
A NBR 9050, norma que estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem
observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário,
espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade, em relação aos bens
tombados, determina:
1) Todos os projetos de adaptação para acessibilidade de bens tombados devem
obedecer às condições descritas nesta Norma, porém atendendo aos critérios
específicos a serem aprovados pelos órgãos do patrimônio histórico e cultural
competentes.
2) Nos casos de áreas ou elementos onde não seja possível promover a adaptação
do imóvel para torná-lo acessível ou visitável, deve-se garantir o acesso por
meio de informação visual, auditiva ou tátil das áreas ou dos elementos cuja
adaptação seja impraticável.
3) No caso de sítios considerados inacessíveis ou com visitação restrita, devem ser
oferecidos mapas, maquetes, peças de acervo originais ou suas cópias, sempre
proporcionando a possibilidade de serem tocados para compreensão tátil.
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2004, p. 79).
41
A mesma NBR propõe a implantação de rotas acessíveis, ou seja, trajetos contínuos,
desobstruídos e sinalizados, que conectam os ambientes externos ou internos de espaços e
edificações. Esse trajeto deve ser implantado de maneira que possa ser utilizado de forma
autônoma e segura por todas as pessoas, inclusive aquelas com deficiência.
O conceito de rota acessível
“é muito importante, pois pode viabilizar o acesso em cidades históricas. Significa a
possibilidade de se adotar pelo menos um caminho contínuo e acessível de
locomoção no espaço urbano e fruição do patrimônio.” (INSTITUTO DO
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2014, p. 44).
A rota acessível consiste no percurso livre de qualquer obstáculo de um ponto a outro
(origem e destino) e compreende uma continuidade e abrangência de medidas de
acessibilidade. É considerada externa, quando incorpora estacionamentos, calçadas
rebaixadas, faixas de travessia de pedestres, rampas, etc., ou interna, quando incorpora
corredores, pisos, rampas, escadas, elevadores, etc. A rota acessível é fator preponderante
para a classificação de espaços inclusivos. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE
JANEIRO, [2003 ou 2004]).
Uma rota turística acessível pode ser implantada tanto em espaços naturais quanto
construídos. No espaço urbano, a implantação de rotas acessíveis em sítios históricos é fator
indispensável ao atendimento das necessidades da população local e dos visitantes dos mais
diversos perfis.
2.1 A ROTA TURÍSTICA HISTÓRICA ACESSÍVEL NO ÂMBITO
INTERNACIONAL
Desde o final do século XX, percebe-se que as cidades vêm tomando uma maior
consciência no sentido de adaptar as suas ruas, monumentos e museus para o turismo
acessível, ou seja, estruturam-se para que possam ser utilizados por todos os tipos de pessoas.
Até recentemente, o comum era encontrar edifícios que não poderiam receber deficientes,
uma vez que o único acesso se dava através de escadas.
Por isso, cada vez mais destinos turísticos consolidados procuram modificar seus
principais atrativos para que qualquer visitante possa usufruí-los de forma integral, sem
barreiras. Além disso, cada vez mais monumentos e museus buscam adaptar os seus sinais de
informação em Braille para que os cegos desfrutem de uma visita completa. Na realidade, os
principais monumentos e museus dos destinos turísticos mais populares do mundo já se
42
encontram adaptados por rampas ou elevadores para visitantes em cadeiras de rodas. No
entanto, existem edifícios que são tão antigos que não podem ser alterados como um todo e
nem todas as áreas estão livres de barreiras arquitetônicas.
Exemplos de adequação e aplicação dos conceitos e técnicas de acessibilidade
universal já existem em alguns dos principais destinos turísticos da Europa como Reino
Unido, França, Espanha e Itália.
No caso de Londres, a capital do Reino Unido, adaptaram-se os principais pontos de
interesse da cidade para as pessoas com deficiência. Tanto a Torre de Londres como o London
Eye podem ser visitados em uma cadeira de rodas perfeitamente. O mesmo acontece com os
dois principais museus de Londres, o National Gallery e o Museu Britânico que estão livres
de barreiras arquitetônicas. (WUKING, [2015?])
Foto 1: London Eye – turismo acessível - Londres
Fonte: Wuking, [2015?]
O símbolo da capital da França, a Torre Eiffel, possui um elevador que percorre os
diferentes pisos do monumento. Assim, o acesso para os visitantes em cadeiras de rodas não
só é permitido como também oferece uma taxa reduzida. Outro importante atrativo do
patrimônio de Paris é o Museu do Louvre, o mais visitado no mundo e um dos espaços
culturais totalmente preparadas para o livre acesso de pessoas em cadeiras de rodas. Além do
mais, o museu tem um serviço de empréstimo de cadeira se o visitante não tem o sua própria.
A capital da Espanha, Madri, também foi modificada, eliminando-se possíveis
barreiras arquitetônicas para facilitar o acesso ideal para as pessoas com deficiência e
adaptaram as informações em alguns museus e monumentos em linguagem Braille. Alguns
monumentos que foram adaptados são a Catedral de Santa Maria, a Real de Almudena, o
Palácio Real de Madri, a Praça de Touros de Las Ventas, o Real Jardim Botânico, o Templo
de Debod, o Museu Nacional do Prado, entre outros.
43
Na Itália, as rotas turísticas acessíveis e as intervenções realizadas em edificações são
muito comuns na região do centro antigo da cidade de Milão, por exemplo, como a instalação
de rampas nas calçadas e nos acessos aos edifícios, permitindo que o usuário de cadeira de
rodas realize diversos percursos por ruas, praças e visite o interior das edificações.
San Gimignano é uma comuna italiana da região da Toscana, situada na paisagem
rural do vale Elsa, que possui arquitetura medieval. Entretanto tem elevador para o centro
histórico, restaurantes e lojas acessíveis e calçamento fácil para circular com cadeira de rodas,
conforme foto 2, a seguir.
Foto 2: Elevador para o centro histórico de San Gimignano
Fonte: A cadeira voadora, 2013
Florença, que é considerada um museu a céu aberto na Itália, principalmente do ponto
de vista da estética urbana, concentra a herança arquitetônica e artística do Renascimento em
toda a parte das ruas e, principalmente, nas praças – obras de Dante Alighieri, Maquiavel,
Michelangelo, Botticelli e Leonardo da Vinci. A cidade possui ruas e calçadas com piso
regular e rebaixamento do meio-fio para acesso de cadeirantes conforme a Foto 3.
44
Foto 3: Calçada – Florença – Itália
Fonte: Reis, 2014
Possui quatro itinerários turísticos denominados Viver Florença que são acessíveis,
podendo ser utilizados por pedestres com deficiência visual e por pessoas cadeirantes:
1. Nesse roteiro é possível admirar as maravilhas de Florença atravessando as Vias
Calzaiuoli e Via Calimala para chegar, ao final dessas ruas, à Piazza della Signoria,
com seu lindo terraço. Ali perto está a Piazzale degl’Uffizi, que por sua vez está
muito próxima à Ponte Vecchio e Palazzo Pitti. Caminhando pela Via Tornabuoni e
atravessando a Via Porta Rossa, chega-se à Piazza della Repubblica.
2. O segundo roteiro começa na Piazza della Repubblica, passando pela Via del
Giglio até chegar na Santa Maria Novella. Uma vez na Via del Giglio poderá
admirar a famosa Capela da Família Médici ou andar em direção ao Mercado
Central; por fim, a partir do Canto dè Nelli é possível ir até a Piazza della
Repubblica.
3. Partindo da Piazza della Repubblica em direção à Piazza S. Giovanni, esse roteiro
permite chegar até a Piazza della Signoria e depois à Piazza della Repubblica, Piazza
San Marco, Piazza Santissima Annunziata e também Piazza del Duomo, uma das
praças mais bonitas da Itália e da Europa. Daqui é possível ir andando até a Catedral
de Santa Maria das Flores ou retornar à Piazza della Repubblica.
4. O último roteiro oferece a possibilidade de ver uma das praças mais lindas da
cidade, a Piazza Santa Croce, da qual se vai até a Piazza della Signoria e depois à
Piazza della Repubblica. (VIVERE FIRENZE, [2015?])
45
Mapa 1 Rota turística Acessível 1
Fonte: Vivere Firenze, [2015?]
Mapa 3 Rota turística Acessível 3
Fonte: Vivere Firenze, [2015?]
Mapa 1 Rota turística Acessível 2
Fonte: Vivere Firenze, [2015?]
Mapa 4 Rota turística Acessível 4
Fonte: Vivere Firenze, [2015?]
46
Roteiros turísticos acessíveis para todos é a proposta que a Itália está fazendo através
de investimentos, não só nas adaptações de atrações e pontos turísticos, como também em
rampas em locais estratégicos e elevadores para o transporte de cadeirantes, gestantes e
pessoas com necessidades especiais. A maior parte dos trens da Rede Ferroviária Italiana RFI está equipada com áreas para cadeiras de rodas, travas de segurança e banheiros
acessíveis. Nos aeroportos, os serviços especializados são ofertados para orientar todas as
pessoas com deficiência.
Alguns pesquisadores já vêm desenvolvendo estudos e apontando exemplos de rotas
acessíveis implantadas em cidades históricas. Ribeiro, Martins e Monteiro (2012) destacam
exemplos de locais de preservação histórica e cultural que se adequaram à acessibilidade
física. Intervenções realizadas trazem melhoria do entorno urbano e qualidade de vida a todas
as pessoas. No Brasil, estas adequações estão ganhando mais espaço na sociedade.
2.2 UMA ROTA HISTÓRICA TURÍSTICA ACESSÍVEL NACIONAL:
PIRENÓPOLIS – GO
As intervenções para acessibilidade em sitos históricos nacionais são ainda incipientes
e possuem caráter específico para uma área apoiada em projeto com algo especial. Podem-se
destacar algumas ações visando à acessibilidade física realizadas em cidades do país a
exemplo de Recife-PE, Olinda-PE, Pirenópolis- GO, Salvador-BA, dentre outras.
A cidade de Pirenópolis, por exemplo, possui um importante conjunto arquitetônico,
urbanístico, paisagístico e histórico. Uma cidade quase intacta com igrejas, casarões coloniais
e museus do século XVIII – é monumento integrante do Patrimônio Cultural Brasileiro. Em
2000, foi realizado o projeto intitulado “Pirenópolis sem barreiras, patrimônio para todos”
com o objetivo de promover adequações na estrutura urbana da cidade para garantir o acesso
irrestrito independente, seguro e confortável ao perímetro de preservação histórica
(INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2014).
Dentre as intervenções projetadas, definiram-se quatro rotas acessíveis, incluindo o
denominado Roteiro Histórico (Mapa 5). Os principais locais de visitação são a Igreja Matriz,
a Igreja do Bonfim, a Igreja do Carmo, o Teatro de Pirenópolis, Museus das Cavalhadas,
Museu da Família Pompeu, Casa de Câmara e Cadeia, Rua Direita, Rua do Bonfim, Rua
Aurora, Rua do Rosário e Ponte sobre o Rio das Almas.
47
Mapa 5: Roteiro Histórico Pirenópolis – GO
Fonte: Google Mapas, 2015
As principais intervenções realizadas foram o alargamento e a eliminação de degraus
nas calçadas, construção de passarela de pedestres na travessia de ruas, além de rampas de
acesso a edifícios públicos e substituição de pavimentação de ruas. Segundo o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2014, p. 46), “A especificação dos materiais
procurou não alterar as características existentes e foi mantida a pedra de Pirenópolis, já
utilizada na pavimentação de calçadas e ruas e encontrada com facilidade na região.”
Foto 4: Travessia em pedra (passarela de pedestres).
Rua do Rosário esquina com a Rua Nova
Foto 5: Calçada rebaixada
Pirenópolis - GO
Fonte: Cavalcanti apud Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, 2014, p. 47
48
Conforme Ubierna (2008), entre os principais requisitos de acessibilidade para o
espaço urbano estão: acessibilidade a qualquer pessoa; equilíbrio estético-funcional;
facilitação de acesso aos edifícios; desenho de acordo com o caráter histórico do espaço
urbano.
3. A ROTA TURÍSTICA ACESSÍVEL DO CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR
O Centro Histórico de Salvador – CHS – foi tombado em nível nacional em 1959 pelo
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN–, atual Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Em 1985, confirmando sua relevância
como bem cultural de valor internacional, é inscrito na lista da UNESCO como Patrimônio da
Humanidade. A área considerada pelo Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, em
sentido norte-sul, acompanha a encosta chamada “falha de Salvador”, desde o Sodré até o
Largo de Santo Antônio além do Carmo. A leste, em sua maior parte, limita-se pela Baixa dos
Sapateiros e, no seu extremo oeste, termina na escarpa, na já citada “falha de Salvador”.
Mapa 6: Mapa de delimitação da poligonal do Centro Histórico de Salvador
Fonte: Companhia de Desenvolvimento do Estado da Bahia, [2014?]
Segundo Tirapeli (2000), o Centro Histórico de Salvador preserva a trama urbana
original do século XVI, com acréscimos que foram sendo organizados durante os séculos
49
seguintes. O conjunto arquitetônico é constituído por edifícios do século XVII, XVIII, XIX e
XX, onde se destacam monumentos da arquitetura religiosa, civil e militar, representando o
maior conjunto arquitetônico colonial da América Latina.
No século XX, devido ao seu abandono, passou por um gravíssimo processo de
degradação física e econômico-social. A partir de 1967, sofreu algumas intervenções em
imóveis isolados e em 1992 foi iniciado o Programa de Recuperação do Centro Histórico de
Salvador. Este programa, gerenciado na época pelo Instituto do Patrimônio Artístico e
Cultural da Bahia, teve como objetivos:
Dotar o Centro Histórico de Salvador, através da ativação do ciclo econômico, de
condições efetivas para a manutenção dos bens e valores culturais de forma contínua
e eficaz; promover a recuperação física da área do Centro Histórico de Salvador,
redefinindo sua função em relação à cidade e à região metropolitana; criar condições
de desenvolvimento do potencial produtivo e da organização social da área.
(INSTITUTO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL DA BAHIA, 1995,
p. 18).
Nas duas últimas décadas, as obras foram realizadas em etapas, sendo que a sétima
etapa encontra-se ainda em execução pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do estado
da Bahia – CONDER, que substituiu o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia –
IPAC na execução das obras de recuperação do patrimônio. A partir de 2008, a região do
Centro Histórico e entorno foi objeto de estudos, elaboração e execução do Plano de
Reabilitação do Centro Antigo de Salvador, promovido pela CONDER em parceria com o
IPAC e o IPHAN, através de programas como o Monumento do Ministério da Cultura e o
Programa de Aceleração do Crescimento – PAC – Cidades Históricas.
No ano de 2011, o Governo do Estado da Bahia e a Prefeitura Municipal de Salvador
celebraram um Termo de Responsabilidade com o objetivo de realizar obras emergenciais
para a revitalização do Centro Histórico de Salvador. Dentre as ações previstas, estava a
recuperação de pavimentação e calçada. Assim, a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos
Humanos do estado da Bahia – SJCDH – elaborou um projeto onde se previa a inclusão da
obrigatoriedade da construção de calçadas acessíveis. A criação da rota acessível foi, então,
estabelecida entre as responsabilidades assumidas no documento e, assim, iniciou-se o
processo de elaboração do projeto piloto de acessibilidade.
50
Mapa 7: Rota acessível do CHS
Fonte: BAHIA, 2013.
O Projeto Piloto de Acessibilidade para o Centro Histórico de Salvador teve como
objetivo a construção da primeira rota acessível implantada na Bahia, além de servir como
modelo a ser replicado por toda a cidade. Constitui-se de um caminho que parte do Cruzeiro
de São Francisco, desenvolvendo-se da Rua Gregório de Matos até o Largo do Pelourinho,
retornando pelas ruas Alfredo de Brito até o Terreiro de Jesus, fechando o círculo acessível.
Acima de tudo, rompe com a ideia de que acessibilidade e patrimônio são incompatíveis.
(BAHIA, 2013).
[...] ainda que não seja possível garantir o acesso a todas as edificações existentes na
rota, este projeto assegura o acesso àquelas de maior relevância para o interesse
coletivo, tais como as instituições públicas, o Museu da Cidade, a Fundação Casa de
Jorge Amado e o Solar Ferrão. (BAHIA, 2013, p. 32).
Em outubro de 2011, o IPHAN aprova o projeto e autoriza a execução da obra por
meio do parecer nº 0388/11. Considera a proposta viável “[...] dado que a interferência no
traçado do logradouro é pequena, quando comparado ao benefício trazido pelo projeto.”
(INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2011 apud
BAHIA, 2013, p. 38). Observa ainda que as soluções adotadas buscam uma harmonização
com o conjunto protegido pelo IPHAN.
No ano de 2012, foi realizada a execução da rota acessível com o alargamento das
calçadas em uma das laterais das ruas, mantendo-se o meio-fio existente e aumentando as
calçadas para 1,50 m de largura. Nos pontos de cruzamento da rota com as ruas transversais,
foram instaladas travessias com faixas executadas em concreto ciclópico revestido com pedras
51
conhecidas como cabeças-de-nego, mesmo material utilizado no calçamento das ruas.
(BAHIA, 2013).
Foto 6: Rota Acessível do
CHS – Cruzamento da Rua
das Laranjeiras com a Rua
Gregório de Matos
Fonte: Reis, 2014
Foto 7: Rota Acessível do CHS –
cruzamento da Rua das Laranjeiras com a
Rua Gregório de Matos
Fonte: Reis, 2014
Foto 8: Rota Acessível do CHS –
Largo do Cruzeiro de São
Francisco
Fonte: Reis, 2014
A passarela existente no Largo do Cruzeiro de São Francisco, apesar de se tratar de um
piso mais regular, encontrava-se com as juntas bastante desgastadas, necessitando de
requalificação. Para dar maior regularidade a esse piso, foi realizado o rejunte das pedras,
possibilitando o acesso à Igreja de São Francisco e ao conjunto arquitetônico existente nesse
trecho do Centro Histórico.
Conforme salienta o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2014, p.
48) “esse projeto certamente contribuirá para a continuidade das propostas que visam
proporcionar acessibilidade no Centro Histórico de Salvador, que hoje apresenta sérios
problemas de mobilidade e acessibilidade urbana.”
A Rota Turística Acessível do Centro histórico de Salvador ainda não contempla
muitas ruas de interesse e não resolveu o problema de acessibilidade a edificações importantes
da localidade, mas já representa um passo primordial para que o modelo seja replicado em
toda a região do Centro Antigo de Salvador que envolve uma área mais ampla que o sítio
52
tombado, mas que possui relevante representação do ponto de vista histórico, cultural e
turístico.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O reconhecimento das barreiras arquitetônicas e urbanísticas existentes nas cidades
históricas brasileiras é de fundamental importância para a elaboração de Planos de
Acessibilidade. Essas barreiras são resultantes das condições, práticas e legislação existentes
nos diversos períodos da evolução histórica e urbana das cidades. O respeito aos processos
culturais e o reconhecimento da superposição de períodos históricos é primordial quando se
pretende promover a adequação dos espaços urbanos e edificações históricas às necessidades
de acessibilidade.
Cidades como Salvador e outras tantas de interesse histórico possuem questões de
acessibilidade pouco ou mal resolvidas. A dificuldade é grande, principalmente porque os
obstáculos físicos resultantes da implantação e da evolução dessas cidades são de complexa
adequação para acessibilidade. Calçadas estreitas, topografia com declives acentuados, becos,
ruas estreitas e muitas vezes sinuosas, ruas com revestimento de pedra irregular e
desniveladas e escadarias são exemplos desses obstáculos a transpor.
A rota acessível do Centro Histórico de Salvador, mesmo representando apenas um
projeto-piloto e, portanto, passo decisivo para a adequação de sítios históricos brasileiros a
essa necessidade premente, ainda não possibilita a plena acessibilidade aos espaços,
edificações e ambientes. O acesso de visitantes até alcançar a rota acessível ainda é difícil,
possuindo muitas barreiras arquitetônicas, principalmente nos percursos para quem utiliza os
serviços de transporte público ou até mesmo para o visitante que viajando em cruzeiro
marítimo desembarca em Salvador. Esse visitante desembarca na região do Comércio, bairro
localizado no Centro Antigo de Salvador e, portanto, bairro vizinho ao Centro Histórico
(mapa 6). Não há rota acessível nesse trecho da cidade, o que dificulta e, em alguns casos,
impossibilita a visita ao Centro Histórico. Assim, é urgente a ampliação da Rota Acessível do
Centro Histórico de Salvador, possibilitando uma maior abrangência do percurso,
contemplando bairros que compõem o Centro Antigo e estendendo-se também para outras
regiões da cidade.
Em face da existência de um grupo de pessoas que possuem algum tipo de deficiência
ou necessidades especiais, deve-se, nesse contexto, investigar o perfil do referido grupo com a
53
finalidade de satisfazer suas necessidades e expectativas, estabelecendo parâmetros de
qualidade quando do consumo de bens e serviços e da prática de atividades como o turismo,
haja vista possuir capacidades, habilidades ou destrezas diferentes de um cidadão comum e,
consequentemente, não poder usufruí-los em condições de igualdade.
É um direito básico das pessoas com deficiência a garantia da inexistência de
discriminação por razões de idade, deficiência ou características funcionais. A prática de rotas
turísticas acessíveis favorece a participação social e econômica em igualdade de
oportunidades. O ócio e o turismo atualmente são eixos fundamentais para a integração social
das pessoas.
Para as empresas, as rotas turísticas acessíveis são uma oportunidade de negócio, visto
que aumenta o fluxo do mercado e potencializa o fenômeno do multicliente, ou seja, cada
viagem que realiza uma pessoa com deficiência implica em no mínimo um acompanhante,
minimizando os impactos da sazonalidade, melhorando a imagem das empresas e do destino
turístico, além da geração de benefícios sociais.
Apesar de apresentar-se como um desafio, a implantação de Rotas Turísticas
Acessíveis em Sítios Históricos, é imprescindível para o cumprimento da legislação vigente e
para a garantia do direito de acesso de todas as pessoas à cultura e ao patrimônio. A
adequação dos espaços às necessidades contemporâneas de acessibilidade é um processo
necessário e urgente. A legislação vigente deverá ser atendida em equilíbrio com as
exigências de preservação do patrimônio. Por serem temas complexos, acessibilidade urbana e
patrimônio histórico devem ter um tratamento cuidadoso. Cada situação deverá ser estudada
em profundidade, com vistas a encontrar soluções com criatividade e eficácia. Isso exige um
amplo conhecimento do contexto histórico do local, suas características materiais, estéticas,
funcionais, arquitetônicas e urbanísticas. Assim, soluções pertinentes, criativas e com respeito
à história e cultura locais poderão proporcionar o acesso ao patrimônio e à riqueza cultural.
Dessa maneira, pode-se manter a vida ativa e a valorização de espaços importantes para a
memória de um povo e de sua riqueza histórica.
REFERÊNCIAS
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Acessibilidade a Edificações, Mobiliário, Espaços e Equipamentos Urbanos. Rio de Janeiro,
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57
ESPORTE EM DEBATE: REFLEXÕES ACERCA DOS ASPECTOS
CONCEITUAIS QUE ENVOLVEM O FENÔMENO ESPORTIVO.
Temistocles Damasceno Silva 1
Flávio Alves Oliveira 2
Ricardo Correia da Silva 3
Camila de Jesus Barreto³
Darley da Silva Andrade³
RESUMO
O esporte se apresenta de maneira significativa em diversas culturas existentes pelo
mundo. Logo, o referido fenômeno tem sido utilizado enquanto objeto de estudo por
diversas áreas do conhecimento. Neste contexto, o presente estudo busca apresentar os
diversos aspectos conceituais (do ponto de vista científico histórico e sociológico) que
permeiam tal fenômeno. Enquanto procedimento metodológico esta pesquisa trata-se de
uma revisão de literatura. Sendo assim, percebeu-se o leque conceitual que envolve a
área, dificultando às vezes, um delineamento mais preciso sobre o item em questão.
PALAVRAS-CHAVE: Esporte; Esporte tradicional; Esporte moderno.
ABSTRACT
The sport features significantly in all existing cultures around the world. Soon, that
phenomenon has been used as an object of study in various areas of knowledge. In this
context, this study aims to present the various conceptual aspects (the historical and
sociological scientific point of view) that underlie this phenomenon. While
methodological approach this research it is a literature review. Thus, he realized the
1
Docente do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB.
Atualmente, cursa mestrado em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador –
Unifacs e faz parte da Associação Latino-americana de Gerência Desportiva - ALGEDE. Além disso,
coordena o centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL.
2
Especialista em Educação Física e Esportes (UESB). Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Enfermagem e Saúde (UESB). Colaborador do centro de estudos em gestão do esporte e lazer –
CEGEL
3
Discentes do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –UESB.
Membros do centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL
58
conceptual range that surrounds the area, making it difficult sometimes a more precise
delineation of the item in question.
KEYWORDS: Sport; Traditional sport; Modern sport.
REFLEXÕES ACERCA DOS ASPECTOS CONCEITUAIS QUE ENVOLVEM O
FENÔMENO ESPORTIVO
O esporte se apresenta enquanto um fenômeno social, o qual pode proporcionar
uma rica discussão, haja vista que, tal elemento envolve uma diversidade de
questionamentos em diferentes momentos, ao longo da sua trajetória. Nesta lógica, a
palavra Sport é originária do francês antigo disport e foi utilizada pela primeira vez na
Grã-Bretanha no século XV, mas somente nos séculos XVIII e XIX veio a ser utilizada
no contexto atual (MELO e FORTES, 2010). Contudo, muitos são os embates teóricos
que circundam o que hoje denominamos de esporte, sendo necessário percorrer as
vertentes históricas que permeiam tal temática, buscando compreender o que os diversos
autores discutem e pesquisam sobre o assunto. Estas mudanças na conformação do
conceito do termo esporte são apontadas por Melo (2010, p. 51), o qual revela que:
Os povos da Antiguidade tinham um conjunto de práticas corporais, com
algum grau de institucionalização (ainda que bem distinto das práticas
modernas), por eles não denominadas de esporte [...] em determinado
momento se sistematiza uma palavra sport, que passou a expressar um
determinado conceito. A palavra se manteve, os conceitos foram se alterando,
até que se conformou o que chamamos de esporte moderno. Os conceitos
seguiram se modificando, surgiram mesmo neologismos (ou adendos como
esportes de quadra, esportes náuticos, esportes de natureza, esportes radicais).
Em consoante, Eric Hobsbawn (1984) revela que a gênese do esporte se deu no
século XIX, na Inglaterra, a partir da tradição inventada, objetivando a manutenção da
segregação entre classes. Assim, “as modalidades esportivas demostravam a qual classe
social pertencia os seus praticantes, como por exemplo, o boxe e o ciclismo para a
classe operária, o tênis para a classe média e o golfe para a classe burguesa”
(MEZZADRI, 2011, p.47). Logo, Martins e Altmann (2007) apontam que para
elucidação da expressão esporte, se faz necessário refletir sobre a denominação esporte
moderno, esporte tradicional ou antigo.
[...] apesar da continuidade do vocabulário e da semelhança de gestos, há
mais diferenças do que semelhanças entre os esportes modernos e os esportes
tradicionais ou antigos. A uma concepção universalista e continuísta, que
reconhece a existência do esporte em todas as culturas antigas e
contemporâneas, os autores opõem a constatação de uma descontinuidade
(2007, p.01)
Desta forma os autores Norbert Elias e Eric Dunning (1992) defendem que o
esporte moderno apresenta características que o distingue do esporte antigo, sendo
necessário estudá-lo em suas especificidades. Para isso, os autores situam três rupturas:
1a ruptura: colocar todos os esportes modernos em uma genealogia de longa
duração que encontram ancestrais mais ou menos diretos. 2a ruptura: supor
que todas as sociedades dedicaram parte das suas atividades de lazer à prática
esportiva. 3a ruptura: explicar as razões das condutas por disposições
psicológicas universais (ELIAS & DUNING, 1992 apud MARTINS;
ALTMANN, 2007, p. 02).
A dissociação entre o esporte tradicional e o esporte moderno se dá através de
uma contínua automatização do campo esportivo frente aos demais campos sociais.
Evidenciando-se esta ruptura com a consolidação de tempo e espaços específicos,
próprios às práticas esportivas, contrapondo jogos tradicionais que improvisavam
espaços e tempo retirados de suas ocupações cotidianas (MARTINS; ALTMANN,
2007). Assim, os autores defendem que há a formação de novas modalidades esportivas,
apontado que os esportes antigos são remodelados, ou seja, recebe novas incorporações
frutos de mudanças sociais. Nesta lógica, pode-se listar três características primordiais
que marcam a desvinculação do esporte tradicional do moderno:
Autonomização do jogo e do espetáculo do jogo em relação aos confrontos
de guerra e aos rituais;Secularização- desvinculação de rituais religiosos; Não
tendo função ritual, nem finalidade festiva; por conseguinte, em tais práticas
postula-se anular, e não reproduzir, as diferenças que atravessam organizam o
mundo social (MARTINS; ALTMANN, 2007, p.02).
Nesta lógica, evidencia-se o entendimento de esporte como um dos instrumentos
civilizador, ajudando no processo de construção das regras sociais, além da
possibilidade da busca da emoção, controle da violência e autocontrole dos indivíduos
(ELIAS; DUNNING 1992). Para Pierre Bourdieu o surgimento do esporte moderno
estaria vinculado as escolas públicas inglesas do século XIX, dentro do que o autor
chama de campo esportivo, o qual seria constituído por constantes disputas e interações
entre os agentes e as instituições. Logo, compreende-se que o campo esportivo:
[...] é um lugar de disputa do poder, disputas que se encontram nas esferas do
amadorismo contra o profissionalismo; do esporte participação contra o
esporte espetáculo; do conhecimento cientifico do esporte contra o senso
comum; dos projetos sociais de esporte contra o esporte de rendimento;
ofertas do poder público para o esporte contra a demanda social; a prática
esportiva para a qualidade de vida/saúde e o esporte espetáculo; e as
entidades esportivas (BOURDIEU, 1983, p. 07).
Ao mesmo tempo, visualizam-se dois princípios relacionados à gênese de tal
fenômeno, sendo eles: continuidade e descontinuidade (STIGGER, 2005). No que diz
60
respeito aos defensores da tese da continuidade, tais pensadores acreditam que os jogos
populares e festas religiosas evoluíram ao longo dos anos através de diversos contextos
sociais e originaram o que atualmente é conhecido como esporte moderno. Logo, o fato
dos jogos terem sofrido alterações, principalmente no que diz respeito à padronização
mundial, não significa que o modelo em vigência não tenha sido originado dos mesmos.
Em contrapartida, na descontinuidade, acredita-se que o esporte moderno, teoricamente
“inventado” no século XIX na Inglaterra, tenha sido fruto das transformações sociais,
processo de industrialização e desenvolvimento tecnológico, tendo como características
particulares: a secularização, a igualdade de chances, a especialização, a racionalização,
a burocracia a quantificação e o recorde (STIGGER, 2005).
Embora as teses não comunguem do mesmo entendimento, é necessário ressaltar
a colaboração de ambas, para a melhor compreensão deste fenômeno, presente nas
diferentes culturas e que se apresenta nos variados campos profissionais de investigação
(MELO e FORTES, 2010).
Logo, existem diversos estudos que procuram
contextualizar a origem desta temática. Nesta perspectiva, pode-se citar Tubino (1999),
o qual afirma que:
Existem duas interpretações distintas quanto à origem do esporte: a primeira
vincula o surgimento do esporte a fins educacionais desde os tempos
primitivos, e a segunda, entende o esporte como um fenômeno biológico, e
não histórico. Embora discordem nos fundamentos, porém, as duas teorias
apresentam um ponto em comum, que acabou se tornando o aspecto essencial
do fenômeno esporte: JL competição. Assim, para que haja esporte, é preciso
haver competição (p.13).
A partir de tal entendimento, pode-se observar que a primeira teoria trazida
apontada pelo o autor, estaria relacionada às ações educacionais voltadas à
sobrevivência humana, onde os primitivos necessitavam realizar atividades físicas
como: caminhar, correr, saltar, nadar, no intuito de conseguir alimentos e defender-se de
predadores (TUBINO, 1999). Em relação à segunda teoria apontada pelo autor, remete a
algo voltado para uma formação mais especifica, onde já se tem uma concepção
higienista que procura observar fatores ligados a manutenção da saúde do homem.
Somando-se a isso, surgiram métodos de medida para separar o mais forte do
mais fraco e o ganhador do perdedor, partindo daí, nasce o que se conhece como
espírito de competição (Bourdieu, 1983). O advento da competição potencializa as
práticas das atividades físicas e direcionam o caminhar para o que se tem hoje
compreendido como esporte de rendimento. Desta forma, passa-se a recrutar um maior
contingente de pessoas, sejam estes participantes ativos das práticas ou como simples
expectadores. Logo, com o grande crescimento do esporte no mundo e a abrangência da
democracia como regime politico, surge à necessidade da criação de leis que
possibilitassem a todos o acesso ao esporte. Nesta lógica, Tubino (1999) evidencia que:
(...) o esporte ampliou o seu conceito quando finalmente, em 1978, a Unesco
publicou a Carta Internacional de Educação Física e Esporte, que, no seu
primeiro artigo, estabelecia que a atividade física ou prática esportiva era um
direito de todos, assim como a educação e a saúde. Esse documento
atualmente serve como referência em todos os países do mundo, e já
provocou modificações profundas no papel do Estado diante do esporte,
possibilitando até a inclusão do tema nos textos constitucionais, como
aconteceu no Brasil, na Constituição de 1988 (p. 25 e 26).
Vale ressaltar, que nos anos de 1960 dentro do movimento que ficou conhecido
como Nova Esquerda, o “esporte” era “inquestionável”, devido ao espírito olímpico
relacionado ao mesmo (VAZ, 2003). Sendo assim, dois críticos do esporte que se
destacavam na época foram Rigauer (1969) e Brohm (1976). Tais autores citavam o
esporte como sendo tão somente ferramenta utilizada pelo estado para educar a
população à submissão (VAZ, 2005). Ainda no sentido ideológico, Brohm (1989)
destaca o papel alienador do esporte, que muitas vezes suprime a atenção da população
dos problemas de ordem governamental, os quais deveriam ser reivindicados pela
população, mas são adiados pela paixão exacerbada por algumas modalidades
esportivas. Sobre isso, Rigauer (1969 apud VAZ, 2005) sinaliza que:
O esporte não é um sistema à parte, mas de diversas formas interligado com o
desenvolvimento social, cuja origem está na sociedade burguesa e capitalista.
Embora constitua um espaço específico de ação social, o esporte permanece
em interdependência com a totalidade do processo social, que o impregna
com suas marcas fundamentais: disciplina, autoridade, competição,
rendimento, racionalidade instrumental, organização administrativa,
burocratização, apenas para citar alguns elementos. Na sociedade industrial,
formas específicas de trabalho e produção tornaram-se tão dominantes como
modelo, que até o chamado tempo livre influenciaram normativamente
(p.08).
Desta forma, o esporte também pode ser compreendido como uma ferramenta de
controle social, o qual possibilita o alívio das tensões entre massas populares. Logo, o
Estado se apropria do esporte visando diversos fatores como educação social, melhoria
da saúde, integração nacional e como forma de reduzir o índice de violência e tráfico no
país. (BRACHT, 2005).
Nessa perspectiva, tal fenômeno encontra-se inserido na cultura e nos costumes
de um povo, com funções para além das práticas esportivas, ou seja, possui um contexto
sociológico, onde objetiva-se desenvolver uma consciência coletiva que favoreça uma
harmonia entre o individuo e a estrutura social já estabelecida (ELIAS, 1995). Ainda no
62
entendimento sobre a temática em debate, Starepravo e Nunes (2015, p. 2) afirmam que:
“tanto a industrialização como a desportivização, tenham sido sintomáticas de uma
transformação mais profunda das sociedades européias, que exigia de seus membros
uma maior regularidade e diferenciação de comportamento”.
Apesar de todas as críticas, as diferentes modalidades esportivas conquistaram
adeptos de todos os credos, classes e etnias, criando verdadeiros ícones e heróis para a
população, o que por consequência foi apropriado também pelo capitalismo, que
encontrou no esporte, potencial para a mercadorização. Neste sentido, Vaz (2005) revela
outro fato importante:
A mercadorização do esporte significa, evidentemente, que não apenas ao
rendimento do atleta agrega-se valor tornando-o comercializável, mas
também que um sem-número de produtos esportivos entram na esfera da
circulação no âmbito da indústria do tempo livre (p.11).
Ademais, o esporte passou a ter cada vez mais visibilidade no momento da
história onde o capitalismo é potencializado e ramificado pelo mundo. Em consoante, o
mesmo torna-se uma importante ferramenta lucrativa para a elite burguesa, que sempre
obteve certa influência acerca das práticas esportivas, as quais, muitas vezes têm um
objetivo especifico, ou seja, acabam em determinado instante servindo como forma de
recuperação da força de trabalho, em outros, favorecem o surgimento de indústrias,
clubes, marcas ou espetáculos esportivos extremamente lucrativos. Vale lembrar ainda
que a criação da imprensa através dos instrumentos de comunicação como jornais,
revistas, rádio e a televisão proporcionaram um grande crescimento e influenciaram
bastante na formatação do cenário esportivo que temos hoje. Numa visão sociológica é
possível dizer que o capital financeiro influencia o esporte praticado em determinado
espaço geográfico, pois tem a capacidade de criar modalidades ou apropriar-se das
práticas corporais locais, as quais, representam uma cultural especifica de um povo,
implementando regras, transformando-as em algo competitivo, vendável, utilizando de
ferramentas midiáticas para dar visibilidade e obter um grande número de praticantes e
espectadores (TUBINO, 1999).
Como exemplo, faz-se referência à modalidade do voleibol que passou
historicamente por constantes modificações em suas regras, como a abolição da
vantagem, o surgimento do libero, o número de pontos dentro de um “set” ou mesmo o
contato dos jogadores e da bola com a rede para torna-lo vendável. (MARCHI JR,
2005). Outro exemplo é o surgimento do MMA (artes marciais mistas), que nasce com
o nome de “vale tudo”, tendo em sua gênese uma certa rejeição social, por ser algo
muito violento. Entretanto, a partir de um determinado momento histórico, percebe-se
que o capitalismo se apropria de tal prática e o transforma em um dos esporte de grande
popularidade mundial.
Portanto, analisar o esporte através da indústria cultural, permite uma reflexão
sobre o modo como à mesma apropriou-se de tudo que está ligado ao mesmo, a fim de
conquistar, consequentemente, consumidores para suas mercadorias e marcas, tendo em
vista, que o esporte, em suas diferentes modalidades, alcança “clientes” das diversas
classes sociais, com uma linguagem, por vezes popular e instantânea. Em adição,
Mezzaroba (2009, p.03) afirma que:
A indústria cultural não se caracteriza como algo físico, uma indústria com
estrutura física própria, mas é uma expressão irônica daquilo que é produzido
culturalmente e ofertado como mercadoria para as pessoas. A indústria
cultural seria a capacidade de produzir o produto e ao mesmo tempo criar sua
necessidade de uso, ou seja, a indústria cultural seria um conceito e também
um processo. Não se trata de produzir uma mercadoria qualquer, mas uma
mercadoria com determinado valor simbólico, produzida em grande escala
(serialização), com baixo custo e de forma padronizada (estandardizada).
Neste sentido, Adorno (1995a, p. 127) aponta a relevância de analisar a relação
da indústria cultural com o esporte:
(...) seria preciso estudar também a função do esporte, que ainda não foi
devidamente reconhecida por uma psicologia social crítica. O esporte é
ambíguo: por um lado, ele pode ter um efeito contrário à barbárie e ao
sadismo, por intermédio do fairplay, do cavalheirismo e do respeito pelo
mais fraco. Por outro, em algumas de suas modalidades e procedimentos, ele
pode promover a agressão, a brutalidade e o sadismo, principalmente no caso
de espectadores, que pessoalmente não estão submetidos ao esforço e à
disciplina do esporte; são aqueles que costumam gritar nos campos
esportivos.
Diante disso, observa-se que o esporte possui três campos de atuação com
composições e objetivos distintos, sendo eles: o esporte escolar, o qual tem um
direcionamento mais pedagógico voltado para a formação do individuo; o esporte de
lazer, sendo este, mais voltado a ações de populares de maneira lúdicas, onde as pessoas
utilizam o seu tempo disponível para realizar práticas esportivas, sejam elas coletivas
como futebol, vôlei, basquete, futsal ou atividades individuais como caminhar, correr,
nadar; o esporte de rendimento, onde, apenas os melhores tem vez, é ele que vem dar
origem ao atleta profissional, o qual com o advento dos meios de comunicação de massa
movimentam um grande capital financeiro e proporciona a realização de grandes
espetáculos esportivos como as olimpíadas (TUBINO, 1999). Entretanto, existem outros
64
caminhos para se trabalhar o esporte, como o trazido por Castellani Filho (1999, p. 42),
o qual afirma que:
(...) o aprender a jogar essa ou aquela modalidade esportiva, a dançar ou a
movimentar-se ginastica-mente de modo não associado à busca do
rendimento físico-esportivo, mas sim percebendo a técnica como
conhecimento historicamente produzido e o movimento humano ali presente,
necessário de ser apreendido para além de sua condição de ato motor; o
aprender das regras esportivas percebendo-as enquanto construções
socioculturais modificáveis a partir do desenvolvimento científicotecnológíco; o qualificar-se para implementar procedimentos organizacionais
de suas próprias competições esportivas, tudo isso, enfim, comporia unidades
programáticas a serem desenvolvidas.
Neste sentido, ao conceituar esporte se faz necessário um olhar macro,
considerando diversos fatores que devem ser atentados na elucidação desse fenômeno.
O autor também amplia as categorias de esportes citadas por Tubino, as dividindo em
seis possíveis manifestações: Escolar, Lazer, Saúde / qualidade de vida, Reabilitação,
Rendimento/performance e Profissional (MACRCHIN JR, 2008 apud MEZZADRI,
2011). Esse entendimento abre um leque de possibilidades para compreender o esporte,
considerando os vários locais onde este se manifesta.
Outra visão relacionada ao fenômeno em questão é apresentada por
MASCARENHAS e FLAUSINO (2012), na qual os autores adjetivam o esporte
enquanto um direito social, como uma forma deste fenômeno não servir somente a
burguesia, mas também ao proletariado.
Este é carregado de adjetivações que qualificam e instrumentalizam tais
fenômenos, os quais são: “esporte tira a criança da rua”; “esporte é
ferramenta da paz contra a violência”; “esporte é ferramenta contra as
drogas”; “o esporte e o lazer promovem qualidade de vida”; “o esporte
promove inclusão social” e “esporte é saúde”.
(FLAUSINO;
MASCARENHAS, 2012, p. 4)
Em consoante, Coutinho (2000) e Gasparetto Jr. (2012) compreendem como
direitos sociais, aquelas ações que têm por finalidade permitir ao cidadão uma
participação na riqueza natural, espiritual e cultural, garantindo uma mínima qualidade
de vida. Logo, com o surgimento da democracia, nasce uma crescente discussão acerca
do esporte, ampliando assim, as pesquisas para além da perspectiva ideologia ou de
rendimento. Dentre as novas discussões, encontra-se o esporte voltado ao lazer, onde
este passa a ser direito de todos, a partir da constituição federal brasileira de 1988, o que
traz a obrigatoriedade da criação de politicas publicas criadas pelo estado, as quais
devem formular projetos que favoreçam o surgimento de espaços públicos, voltados às
práticas de esportes de forma mais lúdica, ou seja, onde as pessoas possam ter em seu
tempo disponível a possibilidade de optar pela atividade esportiva. Em consoante,
Mezzadri (2012) o esporte pode ser considerado um fenômeno sociocultural de grande
inserção na sociedade, sendo compreendido atualmente como um direito social,
alcançado através de muitos embates e transformações sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos argumentos apresentados evidencia-se que, o esporte está longe de
ser algo estático, ou seja, sendo ele um fenômeno sociocultural sempre sofrera
constantes mudanças dentro do contexto histórico da sociedade. Nesta lógica, o mesmo,
possui diferentes entendimentos e significados dentro da realidade que está inserido,
podendo servi a uma diversidade de objetivos. Nesta lógica, interessa recordar que as
práticas esportivas podem ser compreendidas dentro de três campos distintos, ou seja,
como esporte de rendimento, esporte escolar e esporte de lazer, observando que cada
campo possibilita uma diferente reflexão. Nessa perspectiva, fica clara a necessidade de
manutenção e ampliação dos estudos sobre o esporte, haja vista que, tal fenômeno se
apresenta como um conteúdo de grande diversidade que desperta bastante interesse e
envolvimento da população mundial.
Deste modo, é possível afirmar, que não se pode pesquisar o esporte
isoladamente, como algo à parte da sociedade, já que o mesmo tornou-se indissociável e
de grande influência. Nem tampouco, criar um estereótipo alienador sobre o mesmo, já
que suas contribuições vão para além das problemáticas levantadas, principalmente
quando se compreende sua gênese e sua relação com o homem nos diferentes momentos
da história, seja ele contínuo ou descontínuo. Vale ressaltar, que embora no esporte
moderno exista uma padronização compreendida em todo mundo, no que se refere às
regras e burocracia, o mesmo revela muito da cultura de seus atletas e povo, que
carregam para as competições que abrangem pessoas de diferentes localidades, muito do
que foi sistematizado durante sua vida, além de despertar no público em geral, uma
paixão inexplicável, capaz de aproximar pessoas de níveis sociais distintos, torcendo e
vibrando pelo mesmo propósito.
Com os avanços sociais, o esporte passou a ser um direito legalmente amparado,
entretanto observa-se no cotidiano que faltam ações que garantam uma verdadeira
66
legitimação, precisando assim, evoluir no sentido de garantir o acesso a essa prática
corporal que se constitui como um dos maiores fenômenos dos últimos séculos.
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68
O CONCEITO DE CIDADANIA NA ESCOLA DO SÉCULO XXI:
UMA BREVE INICIAÇÃO AO DEBATE DA DIVERSIDADE
Luiz Carlos dos Santos 1
RESUMO
Este texto pontua os passos da educação brasileira, sua base histórica e sua trajetória
como ferramenta integradora do ser humano, salientando a importância da educação na
formação e inserção de novos valores morais dentro da sociedade. Trabalha-se com o
conceito de cidadania e aporta-se na escola do século XXI, discutindo (tentando) a velha
e a nova escola e seus métodos pedagógicos para lidar com as diversidades, com ênfase
no contexto de gênero. Para tanto, valeu-se da revisão da literatura na área, sendo assim
um escrito, característico da tipologia exploratória, no que concerne ao objetivo
pretendido.
Palavras-chave: Educação brasileira. A escola no século XXI. Cidadania. Direitos
Fundamentais. Diversidade/Gênero.
ABSTRACT
This text points out the steps of Brazilian education, its historical base and its history as
an integrating tool of the human being, stressing the importance of education in
training and integration of new moral values in society. It works with the concept of
citizenship and contributes to the school of the twenty-first century, discussing (trying)
the old and the new school and its teaching methods to deal with diversity, with an
emphasis on gender context. Therefore, thanks to the literature review in the area, thus
a writing characteristic of the exploratory type, with regard to the intended purpose.
Keywords: Brazilian education. The school in the XXI century. Citizenship.
Fundamental Rights. Diversity / Gender.
INTRODUÇÃO
1
Doutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS). Mestre em Educação - Université du
Québec à Montréal. Especialista em Administração Tributária (UCSal). Bacharel em Direito e em
Ciências Contábeis (UFBA). Licenciado em Administração (UNEB) e Tecnólogo em Administração
Hoteleira (IFBA). Site: www.lcsantos.pro.br - E-mail: [email protected].
69
Pensar no capital humano enquanto bem que deve ser trabalhado é o mesmo que
prepará-lo para a vida com ferramentas duradoras, singulares e intransferíveis, as quais
somente são adquiridas por intermédio do conhecimento.
A relevância da educação na formação e na inserção de novos valores morais na
sociedade passa, necessariamente, pelo conceito de cidadania, no ambiente escolar do
século XXI, discutindo-se a velha e a nova escola, seus métodos pedagógicos para lidar
com as diversidades, nas novas estruturas sociais que se apresentam na perspectiva do
contexto de gênero, destacando-se o papel da escola, no interior desta inovadora
organização societal contemporânea.
Acredita-se que trazer à baila a temática em epígrafe seria uma maneira de
democratizar a questão, pois o debate sobre o enfrentamento das recentes leituras de
gênero dentro desta nova era é um papel acadêmico, como também, é sua
responsabilidade acompanhar a forma como este assunto está sendo introduzido na
escola, no sentido de promover a pessoa humana, coloca-la em primeiro lugar,
respeitando sua diversidade e criando acesso à cidadania. Corrobora-se Gentil e
Gonçalves (2013, p. 367) quando asseveram “Só é possível construir um sujeito cidadão
se a escola for, também, uma escola cidadã”.
SINOPSE EVOLUTIVA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Entende-se que conhecer a história é conhecer a si mesmo e a todos os
movimentos que de uma forma ou de outra conspiram para que a humanidade estivesse
onde está e fosse o que é. De acordo com Cruanhes (2000, p. 22), “A história é
reveladora e nos permite compreender os processos dentro dos quais, os homens,
entendidos como agentes, produzem suas circunstâncias”. Nessa dimensão, pode-se
então começar a entender, sob a ótica da história, que uma das ramificações da gênese
dos problemas sociais brasileiros está na história da educação brasileira.
É sabido que não é de agora que a educação apresenta-se assimétrica na
sociedade. Desde o descobrimento do Brasil, e com a chegada dos portugueses, já no
ano de 1500, o processo educacional foi instituído de maneira dura e sob o imperativo
dos colonizadores. Com o fulcro da exploração do pau-brasil, dentre outras mercadorias,
a imposição da língua portuguesa, da religião católica e da cultura branca, todas ditas
superiores, marcou profundamente o processo educacional brasileiro. Esse início,
70
segundo Cruanhes (2000), foi marcado por inúmeras lutas entre colonizador e índios e
se estenderam até 1549. Com a chegada dos padres jesuítas, pode-se dizer que foi criado
um sistema educacional excludente, no Brasil, que não educa equitativamente a todos,
com os mesmos saberes. Graças a Deus, a legislação brasileira, hoje, sobre o processo
educacional, demanda irromper com esse distanciamento do indivíduo e de sua
condição de cidadão.
Conforme Ribeiro (2007), o intervalo de tempo que vai de 1549 até o ano
de 1808 apresenta a consolidação do modelo agrário – exportador dependente, em torno
do qual se constituíram os princípios educativos.
Até então formadas de fazendas, sobrados e mocambos, a sociedade
brasileira, que se constituía, passou a ter ares e formato de cidade, dentro da perspectiva
europeia, com ruas e praças e começa então a apresentar a necessidade de escolas e
professores que transmitissem a fé e os costumes europeus, que educassem uns para
mandar e outros para obedecer (CRUANCHES, 2000) e foram os jesuítas, com filosofia
e teologia, discípulos de Trento, que receberam do Rei de Portugal a concessão de
Colégios no Brasil.
Quanto aos negros, e principalmente às crianças negras, tanto os sacerdotes
quanto os senhores consideravam desnecessário educa-las e até mesmo evangeliza-las
(WEREBE, 1994). Ocorreu, contudo, que outras ordens, a exemplo dos beneditinos,
carmelitas, franciscanos, dominicanos se estabeleceram, instalando novos colégios e
novos conventos, difundindo seus conhecimentos, em casas-grandes e pelos sobrados,
dando origem, desse modo, às escolas particulares não oficiais, visto que estas não
faziam parte da rede de concessão real do ensino à Companhia de Jesus.
Parafraseando Ribeiro (2007, p. 23), a prática da educação desse ´período tinha
seu início pelo “ensino do português e o ensino da doutrina cristã como consequência”,
bem como “a escola de ler e escrever”. A partir desse ponto a educação tornava-se
opcional, com o ensino do canto “orfeônico” e de música instrumental, não tendo, de
modo explícito, a intenção de fazer com que o ensino profissional atendesse
exclusivamente a população branca.
Ressalte-se que, segundo Cruanhes (2000), uma pequena parcela privilegiada
aprendia latim, gramática portuguesa, retórica e filosofia, enquanto que a grande
maioria do povo, índios e escravos, se aculturava na prática do trabalho e na troca de
saberes populares, ficando a educação feminina limitada às boas maneiras e às prendas
71
domésticas, o que era condizente com os papéis reservados às mulheres dos
colonizadores: o de serem esposas e mães.
Registre-se que com o período pombalino iniciado, em 1759, quando
aproveitando o ambiente hostil aos jesuítas em toda a Europa, por sua influência política
nas Cortes, através dos confessionários e dos sermões, o Primeiro Ministro português,
Marques de Pombal os expulsa de Portugal e de todas as suas colônias.
A saídas dos jesuítas de terras portuguesas incrementa ainda mais a debilidade
do cenário educacional, uma vez que poucos eram filhos de fazendeiros ou mineiros em
situação financeira opulenta que buscavam educação na Metrópole. Na visão de Werebe
(1994, 9. 26), aas ordens que permaneceram na colônia ofereciam um ensino pouco
eficaz.
O ano de 1772 deu-se início ao período das aulas Régias, praticadas como parte
da política do Marquês de Pombal. Uma vez conseguida a licença do Reino, o novo
professor deveria achar um local apropriado, podendo ser desde a sacristia de uma igreja
até uma sala em sua própria residência, matricular os alunos e começar a lecionar. Esse
novo professor receberia um salário mensal da Câmara oriundo de um imposto, criado
especificamente para esse chamado “Subsídio Literário”, que era cobrado dos açougues
e destilarias de cachaça, da colônia, e que de acordo com Cruanhes (2000), servia
apenas para minorar a situação dos recursos destinados à educação.
No ano de 1822, com a Proclamação da Independência do Brasil, D. Pedro
assume como primeiro imperador brasileiro. Dois anos após, em 1824 foi outorgada a
primeira constituição, com a implantação das províncias, sucessoras das capitanias
hereditárias, reduzindo, dessa maneira, o poder das Câmaras Municipais e criando as
bases de Federação e da unidade nacional do território brasileiro. Nesse momento
instala-se um impasse no sistema educacional com a crescente demanda de alunos para
os cursos primários e secundários e a falta de recursos humanos e financeiros para a
abertura e manutenção de escolas, aguçada pelo retorno da Corte à Portugal e por um
movimento de repatriamento tanto do ouro, riqueza brasileira e base da economia
Portuguesa, bem como de professores.
Assente-se que no meio da supramencionada crise, foram organizadas as escolas
particulares, bancadas por fazendeiros e comerciantes, percursores dos empresários do
ensino, oferecendo educação, não mais gratuita, mas paga, no Rio de Janeiro e em
outras cidades maiores, contando inclusive com um diferencial – a presença de
professores estrangeiros.
72
Frise-se que a educação passava por uma grande mudança estrutural, todavia,
alguns aspectos permaneciam intocáveis, por exemplo, a educação feminina continuava
relegada a segundo plano. As mulheres, de famílias ricas, recebiam uma educação
limitada à alfabetização e ao cultivo de certas prendas. Apenas na segunda metade do
século XIX, conforme Werebe (1994) ocorreram algumas mudanças: em 1820 havia
apenas 20 escolas femininas em todo país e, em 1873, somente na província de São
Paulo contavam-se 170.
No que concerne à população indígena, das regiões suburbanas, que estudavam
em mais de 200 escolas de primeiras letras de missões ou de filiais dos colégios
secundários, a expulsão da ordem dos jesuítas figurou como uma tragédia em termos de
aprendizado e até mesmo na condição de homem livre. Os negros permaneciam
excluídos da educação e as crianças brancas, de ascendência portuguesa, tinha primazia
sobre as nativas, ampliando o quadro de privilégio da cidadania por parte da minoria
abastada.
Os ideais democráticos foram fortalecidos com os ventos oriundos da Revolução
Industrial e da Revolução Francesa e, no ano de 1827, institui-se no Brasil, a Lei do
Ensino Elementar, que tinha como pressuposto a garantia do ensino público em todas as
vilas do país e defendia assim a distribuição da escola por todo o território e em seus
diferentes níveis. Segundo Ribeiro (2007), o modelo pedagógico, nesse período, era
anti-jesuístico, já que o Ratio Studiorum havia se tornado o símbolo do atraso.
Entretanto, como afirma Cruanhes (2000, 43), “[...] se houve novidades racionalistas,
científicas e iluministas nas propostas e discussões pedagógicas, na prática, conservavase muito do decorar, do castigar e do premiar que constituíram o substrato curricular da
educação brasileira”.
Do império, pode-se asseverar que o evento educacional de maior vulto ocorreu
em 1834, quando por um ato adicional à constituição, a responsabilidade de oferecer
escolas primárias e secundárias públicas, até então a cargo do governo central do
Império, passou a ser responsabilidade das províncias. (CRANHES, 2000).
Enfatize-se que com a expansão das matrículas no nível primário, fez emergir a
urgência da criação de escolas para a formação de professores. A maior expansão das
escolas primárias e secundárias públicas, bem como as de formação professores,
ocorreu em São Paulo, devido ao alto grau de urbanização que a população apresentava
(GENTIL; GONÇALVES, 2013, p. 372.)
73
Convém assinalar que não se pode deixar de mencionar a expansão de escolas
comunitárias, principalmente as confessionais primárias e secundárias, sobretudo nas
maiores cidades do interior do país. Esse período, por conseguinte, pelo surgimento de
centenas de comunidades religiosas que supriam as demandas de continuidade da
escolarização não oferecida pelos governos.
Ao longo do período da Primeira República, que se estendeu de 18889 a 1930, a
legislação dizia que a escola estatal deveria ser pública e gratuita, ficando seus custos a
cargo do Estado. Nesse momento então, ela deixou de ser elitista e tornou-se seletiva,
saiu do estado religioso e assumiu um caráter laico, revelando grandes disputas entre os
defensores da escola pública e os sectários da escola particular comunitária e
confessional. A partir da Proclamação da República, o intuito para a educação era que
construísse um currículo científico e laicizado, deixando transparecer assim, a presença
de modismos pedagógicos importados, nomeadamente franceses e ingleses. Porém, o
que mais singularizou esse momento foi a presença do denominado otimismo
pedagógico, que conferia à escola a função de principal agente de mudança social,
segundo Xavier (1992).
Convém enfatizar que a organização do ensino primário e a implantação das
Escolas Normais ou Institutos de Educação para formação de professores obrigavam as
autoridades a uma definição curricular, a uma produção de textos didáticos que visava
costurar uma prática de construção pedagógica da cidadania, como sublinha Cruanhes
(2000). O núcleo da educação básica dos sete aos dezoito anos não se afastou muito do
modelo jesuíticos, centrado nas humanidades da civilização ocidental, enriquecido com
as modernidades das ciências naturais e da educação física e subtraído, a partir de 1891,
como já foi exposto, o ensino da religião católica, que foi banida das escolas pela
Constituição Republicana.
Assistiu-se, na década de 1920, à grande efervescência das discussões
educacionais, da Escola Nova e do Manifesto dos Pioneiros, que anunciava a chegada
abrupta de novos tempos na sociedade e na educação. Entretanto, após a Revolução
desencadeada por Getúlio Vargas, no início dos anos 30, o Brasil passou por um
período, quando da criação do Ministério da Educação (MEC), marcado pela construção
e organização do Sistema Nacional de Educação Federativo, momento de criação e
expansão da universidade pública e universalização do ensino primário público. De
acordo com Gentil e Gonçalves (2013), em virtude das transformações ocorridas, sob a
influência do anarcosindicalismo e dos socialistas que lutavam contra a introdução das
74
primeiras indústrias de base, começava a ocorrer grande explosão da oferta de escolas
públicas estaduais e municipais, além do surgimento das escolas de educação infantil e
das campanhas de alfabetização de adultos e crianças do sistema de educação
profissional patronal mediante a criação do SENAI e do SENAC.
O fato que cabe levar em consideração foi a mudança em massa de populações
rurais para os já crescidos centros urbanos, compelida pela industrialização do país,
junto ao crescimento demográfico levando à uma substancial demanda de matrículas
nas escolas públicas, que por sua vez proliferaram turnos, sobrecarregando salas de aula
e compeliram a construção de prédios cada vez mais desguarnecidos para o ensino.
Além do grande número de salas de aula, o ensino noturno foi institucionalizado com a
finalidade de atender à população trabalhadora, contudo, ainda assim, os problemas
educacionais persistiam.
Assinale-se que a maior transformação do período que precedeu a ditadura
militar ocorreu de fato com alunos e com a comunidade externa à escola. A
democratização do ingresso foi concomitantemente uma pressão e um acontecimento.
Cruanhes (2000) assevera que o ingresso nas salas de aula extrapolou as bemcomportadas crianças das elites e classe média para a população tipicamente brasileira,
pobre, mestiça, com dificuldades financeiras até mesmo para adquirir o material escolar
básico para o aprendizado das primeiras letras. Esse novo cenário, de acordo com o
citado autor, pressionou o Estado a estabelecer políticas públicas de ação social nas
escolas, que iam desde a oferta da merenda escolar até o atendimento à saúde. Em
decorrência desse quadro, a perda do prestígio das escolas públicas, bem assim as
exigências de aprendizagem e, possivelmente, a hegemonia quantitativa das classes
populares baniram as elites e classe média dos bancos escolares dessas escolas. Esses
grupos expulsos viram-se obrigados a frequentar colégios de ensino particular, que se de
um lado se apresentavam onerosos em contra partida ofereciam um ensino de boa
qualidade, utilizados como meio, quase certo, de ingresso no ensino superior, em
especial nos cursos que ofereciam um melhor status nas universidades públicas federais
e estaduais.
Corroborando Gentil e Gonçalves (2013), assim a educação entra no período da
ditadura militar brasileira e encontra a universalização do ensino de primeiro grau,
tendo um caráter obrigatório e gratuito. A lenta ampliação da educação infantil e do
ensino médio público, além da progressiva descaracterização das escolas normais, bem
75
como a desqualificação das licenciaturas e o arrefecimento dos movimentos de
alfabetização são marcadores desse período.
Ah! Outros marcadores despontam no horizonte da educação e caracterizam o
período supra, como por exemplo, o fracasso na proposta de profissionalização do
ensino médio e a criação de nichos de oferta do ensino particular, sobretudo nos níveis
de pré-escolas, ensino médio e pré-vestibulares que apresentavam cursos com valores
não elevados, no âmbito do terceiro grau e do supletivo.
No entendimento de Cruanhes (2000), com o intuito de otimizar o tempo dos
alunos e reduzir a presença destes em sala de aula, foram oferecidos cursos privados de
terceiro grau, de qualidade imprecisa. Estes cursos proliferaram no sudeste brasileiro e
trouxeram consequências danosas para a educação, ao lançar no mercado da escola
pública professores sem a devida qualificação. E da propagação do conhecimento dos
direitos e deveres constitucionais para todos, independentemente das fronteiras de raça,
sexo, idade, origem, posição econômica ou social que a busca por justiça e democracia
vai se concretizando.
Registre-se, nessa perspectiva, que a educação verdadeira e democrática não
somente guarnece o conhecimento da esfera sociocultural e seu acesso, bem como
possibilita acabar com a disjunção e a segregação entre as pessoas. Na
contemporaneidade, como afirma Cruanhes (2000), o conceito de cidadania encontra-se
presente em todos os ambientes da sociedade - é assunto de debates não somente nas
escolas, mas nas organizações empresariais, nas instituições públicas, nas entidades do
terceiro
setor,
inclusive igrejas,
revelando-se nos
mais
variados
processos
reivindicatórios - de luta por saneamento básico até o fim da discriminação sexual,
racial, econômica e social. É o que parece enquanto âncora constitucional vigente em
seus arts. 6º, 205 e 206º.
O LOCUS ESCOLAR NO SÉCULO VIGENTE
Para Gentil e Gonçalves (2013), a educação deve ser entendida como processo e,
como tal, passível de transformação, logo é inegável que a educação brasileira, ao longo
de sua existência, tem experimentado mudanças institucionais e conceituais que
transformaram. Ainda hoje, a escola - locus primordial onde a vida se processa – ainda
tem se relevado, em certos aspectos, fechada, enclausurada em si mesmo como
76
estratégia de defender princípios de uma cultura rançosa de modelos arcaicos oriunda de
uma classe dominante, como denuncia Espírito Santo (2011).
Nessa dimensão, Marcondes (1998, p. 26-27) não extrapola a medida do bom
senso, muito mesmo sugere uma falsa realidade, quando vincula a imagem da escola ao
de um mosteiro medieval, traçando um paralelo entre mundos tão desirmanados, num
primeiro instante, mas que compartilham muito mais elementos, numa simples análise
mais profunda, quando diz: “o mundo do mosteiro medieval é um mundo fechado,
protegido, autocontido”, e mesmo quando do prossegue assegurando que “o mosteiro é
também uma fortaleza” e que suas muralhas e portões “serviam como defesa contra
ataques e assédios de invasões e inimigos e, ao mesmo tempo preservam a vida [...] dos
perigos, ameaças e perturbações do mundo externo”.
Dessa maneira, na percepção do citado autor, a escola comunga com o
mosteiro o mesmo espaço quando se coloca como “ilha de estabilidade em mundo em
conflito, como centro de ser”, e por isso mesmo o mundo do mosteiro, assim como o da
escola “é um mundo fechado, voltado para seu interior, um espaço restrito, de regras
rígidas”.
Todavia, movimentos dos diversos caráteres, no seio da sociedade, têm
feito emegir uma temática que vem arvorar-nos perspectivas para a educação e essas
perspectivas encontram eco nas palavras de Kilpatrick (2011, p. 80(, quando este
assevera que “quer gostemos disso ou não, a filosofia da mudança é a única capaz de
lidar com o nosso mundo e nos fornecer uma orientação “, dessa forma a escola assume
definitivamente seu papel como parte complementar e essencial do movimento social no
cerne da mudança de paradigma.
Coadunam-se Gentil e Gonçalves (2013, p. 378) com o entendimento de
Kilptrich (2011), na medida em que aqueles entendem que o deslocamento conceitual
que a escola sofre fissura a instituição de ensino gera uma nova concepção de escola, a
escola nova. Nesse momento então passam a coexistir dois tipos de escola, a velha e a
nova. A velha, detentora de intransponíveis muralhas e pesados portões, subalterniza os
alunos e submete a processos de aquisição de conhecimento por declaração formulada, a
partir de soluções imediatas para problemas sociais do passado, além de proferir um
discurso que busca o aspecto da idoneidade e da igualdade/irmandade.
Gentil e Gonçalves (2013), entendem que a escola velha foge ao seu
motivo primeiro, a educação e construção de uma consciência cidadã nos alunos,
77
relegando esse processo a um nível tendencioso e corrompido socialmente,
transformando-se num espaço paradoxal de tal sorte que:
A educação escolar embora devesse educar para a cidadania e para a
igualdade tende a reproduzir valores e costumes dominantes da sociedade, na
qual se expressam as discriminações, dentre elas as de gênero. A escola é,
portanto, espaço de um importante dilema ou paradoxo – de um lado
reproduz a diferença, porém marcada pela desigualdade, de outro lado
deveria valorizar a diferença, por meio do respeito à diferença.
(ANTONELLI; BRABO, 2007, p. 34).
Diametralmente oposta à velha escola, a instituição insurgida da inquietude e da
efervescência que a sociedade, ou parte dela, experimenta, traz como pilar central a
democracia e injeta mais vida, mais experiência real, mais humanidade e mais prática de
autocontrole em seus currículos em sua gerência, assim, a nova escola “[...] tenta se
tornar mais democrática em sua administração, a fim de desenvolver seus alunos, mas
também de proporcionar oportunidades para a prática do autocontrole e de outras
virtudes sociais” (KILPATRICK, 2011, p. 99).
Ressalte-se que a mudança que leva a escola de um patamar para outro, que
permite uma democratização, não apenas do saber, mas da cidadania está sob a égide de
um processo moroso que tem princípios tanto para o processo educacional, quanto para
os sujeitos de dele se valem.
Longe de ter um caráter pejorativo, reincidente no discurso dominante para
subalternizar as ideologias não hegemônicas, e construir um discurso que represente o
dominado, essa transgressão lança luz na “busca um novo paradigma em educação” que
“passa pela constatação de um universo em permanente mutação, que não se coaduna
com a rigidez do uso do espaço” (ESPÍRITO SANTO, 2011, p. 31).
A mencionada transgressão vem somar esforços na busca de uma educação mais
democrática, mais ampla, mais humana. É esse caráter transgressor que colocará em
foco uma nova forma de educar, um novo posicionamento da escola frente a questões
como etnia, classe e gênero. A escola transgressora agora assume um papel cidadão e
começa a buscar equidade e a defender os direitos fundamentais do sujeito, para que
dizimando os bolsões de poder, a igualdade na diferença seja respeitada e assim
perpetue os valores da nova escola, da nova educação.
78
DIREITOS FUNDAMENTAIS, CIDADANIA E EDUCAÇÃO
Para Gentil e Gonçalves (2013), a realidade brasileira apresenta, atualmente,
uma sociedade desintegrada, assimétrica e preconceituosa porque, mesmo com o lastro
constitucional, a maioria dos membros da sociedade não tem acesso à educação, devido
às barreiras demarcadas pela pobreza e pela miséria estrutural do país. Tem-se, na
verdade, uma escola que afirma ser livre e emancipadora, mas que, se alia as lógicas da
performance, na mais pura subordinação às pragmáticas necessidades do mercado de
trabalho (PACHECO, 2011, p. 41).
Acrescentando-se a isso as que têm acesso à educação a encontram precária e de
má qualidade. Entende-se que garantir o direito à educação de boa qualidade que
fomente em cada cidadão brasileiro o sentimento de cidadania acredita-se ser necessário
que se promova nos currículos do ensino médio e fundamental uma reforma para que ao
mesmo tempo em que os alunos sejam alfabetizados, estes possam obter os
conhecimentos básicos sobre os seus direitos e deveres como cidadãos, em suma, esses
alunos precisam ser educados à luz dos direitos humanos.
No entendimento de Silveira et al. (2007, p. 5) “Socializar em Direitos Humanos
implica em implantar processos que possam difundir, se não para absolutamente todas
(esse é horizonte desejável), mas para o maior número possível de pessoas [...]”. Já
Libânio (1996, p. 16), assevera que a própria palavra cidadão, em seu sentido
etimológico, “deriva da noção de cidade, daquele que habita a cidade”. Gentil e
Gonçalves (2013, p. 382), afirma que o conceito de cidadania de Aristóteles encontra no
pensamento de John Locke o seu primeiro contraponto. Locke relacionava a cidadania à
existência dos direitos naturais, na medida em que, os indivíduos, enquanto seres
humanos possuíam direitos naturais e para conservá-los deveriam contratar em si a
criação de um Estado, pois seus direitos estariam sempre sob ameaça de violação
enquanto os homens vivessem em estado de natureza - estado no qual o homem se
encontra na plena liberdade.
Para Rousseau (1981, p. 27), a concepção de cidadania arrazoa-se uma
preocupação em não separar igualdade da liberdade, ou seja, “encontrar uma forma de
associação que defenda e proteja com toda força comum às pessoas e bens de cada
associado e pela qual, unindo-se a todos, só obedece, todavia a si próprio e permanece
tão livre quanto antes”.
79
Falar de cidadania, não se pode deixar de lado o que Kant legou, de acordo com
Weffort (1990, p. 62), são características dos cidadãos: a autonomia (capacidade de
conduzir-se segundo seu próprio arbítrio), a igualdade (perante a lei não se diferenciam
entre si quanto ao nascimento e a fortuna) e a independência (capacidade de sustentar-se
a si próprio). Depreende-se que a concepção de cidadania para Kant tem como alicerce
os direitos inatos à liberdade e à igualdade.
De igual modo, ao se discutir cidadania, não se pode deixar de mencionar Marx,
influente pensador que pela primeira vez na história lança luz sobre cidadania plena. O
pensamento de Marx contribuiu de forma expressiva para o conceito de cidadania, no
momento em que critica o uso dos direitos pela burguesia para dominar os outros
indivíduos. Conforme Covre (1991, p. 33), “As ideias de Marx sinalizam a cidadania
como parte inerente ao que ele nomeia de emancipação política, e a política, em sua
opinião, é substância primária da opressão”.
Portanto, e com o condão da Declaração dos Direitos do Homem, cidadania é
um direito social do cidadão ao acesso à educação, com liberdade de ensino, com direito
dos pais de escolher o gênero de educação a ser dado aos seus filhos. Caminhando
juntas, educação e cidadania são indissociáveis, pois quanto mais educado for o
indivíduo, mais capaz de lutar e exigir seus direitos e de cumprir seus deveres. Nesse
sentido, Gentil e Gonçalves (2013) afirmam: “O conhecimento intelectual é um dos
pressupostos na formação do cidadão, mas a formação da cidadania extrapola o domínio
do saber intelectual: práticas pedagógicas destituídas de sentido e de valor levam a um
saber fragmentado e alienante” (p. 385).
O CURRÍCULO ESCOLAR
A partir desses fragmentos de ensinamentos, a escola é o espaço que a a família
encontrou como lastro na educação de seus filhos, todavia, essa âncora acabou por
tornar-se a artéria vital no processo agregador de conhecimentos das crianças que desde
cedo são inseridas nesse curso, para que mais tarde possam ingressar, bem preparadas,
na vida adulta. Dessa maneira, a escola encontra-se esquadrinhada por duas finalidades
com asseveram Magalhães e Ruiz (2011, p. 133): [...] estigma e currículo oculto [...]. De
um lado, trata-se de uma instituição cuja pretensão é ensinar as novas gerações o
conhecimento socialmente construído e acumulado pela humanidade. Por outro lado, a
80
este objetivo, sempre explícito, soma-se outro: a função da escola como espaço
ideológico, onde há reprodução social e cultural.
Gentil e Gonçalves (2013, p. 386), ao contextuarem os dois objetivos
supramencionados, afirmam que o conceito de currículo deriva de tais objetivos “um
conjunto de conteúdos e/ou matérias de um curso escolar que tem por finalidade balizar
a vida escolar dos alunos integrantes de determinada instituição de ensino [...] não se
encerra na proposta pedagógica em si, mas associa-se, outrossim, à forma como os
professores compreendem e lidam com a deficiência e com as diferenças de seus
alunos”.
A educação, dessa forma, compromete-se com o desenvolvimento absoluto da
pessoa e consequentemente atrela esse desenvolvimento às quatro premissas apontadas
pela UNESCO como eixos estruturantes da educação na sociedade contemporânea:
aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver; e, aprender a ser.
Contudo, translada-se o que (LIONÇO; DINIZ, 2009, p. 49) afirmam “A escola,
instituição social, que deveria estar em consonância com a Constituição da República
Federativa do Brasil (CRFB), de 1988, que explicita “[...] a universalidade dos direitos
sociais, sem discriminação de qualquer espécie, apresentando a diversidade como valor
social”. Não o faz, e dessa maneira transforma o currículo escolar num instrumento
tendencioso e de dominação. Não é difícil perceber então que a escola emprega forças
de uma homogeneização dos alunos, desrespeitando suas identidades”.
E O GÊNERO NO CURRÍCULO ESCOLAR?
De acordo com Dinis (2008, p. 479), a gênese do debate sobre diversidade
sexual e de gênero no espaço acadêmico tem seu marco zero nos meados da década de
1970 e deve-se historicamente, “a pressão dos grupos feministas e dos grupos gays e
lésbicos que denunciaram a exclusão de suas representações de mundo nos programas
curriculares das instituições escolares”.
Para Gentil e Gonçalves (2013), é inegável que o tema gênero figure dentro das
escolas e em seus currículos hoje, contudo, a inserção deste conteúdo ainda é
materializada de forma heteronormativa e indireta. A temática foi incorporada aos temas
transversais, a exemplo da educação ambiental. Muito embora pontue questões nos
espaços da promoção da saúde sexual e da prevenção de DSTs/AIDS, bem como
81
gravidez indesejada, os Parâmetros Curriculares Nacionais não explicita o ensino de
sexualidades marginais.
Denis (2011, p. 47) ensina como são tratados pelos profissionais da educação,
suprimindo-os, de todas as formas possíveis, de dentro do processo ensinoaprendizagem:
[...] essa ignorância sobreo tema, assim como a presunção assumida por
professores de que a escola só deva discutir assuntos universais, sendo
somente a norma da heterossexualidade concebida como natural e universal,
exclui a sexualidade de estudantes LGBTTs e faz com que a diversidade
sexual e de gênero seja um tema excluído do currículo, mesmo das aulas de
Educação sexual.
O fato é que, a forma como certos professores educadores tratam o assunto
levam a sedimentação do silêncio em torno da problemática e faz com que aquele que,
de alguma forma, esteja sob o espaço da dominação eleja o discurso do dominante no
intuito de justificar sua própria dominação como diria Bourdieu (2010).
Entende-se que refletir sobre as questões de gênero é sempre muito delicado,
neste sentido é que a escola tem que se posicionar; colocar para dentro dos muros
institucionais o argumento em tela.
UMA EDUCAÇÃO PARA E PELA CIDADANIA: ESCOLA CIDADÃ
É imprescindível compreender o conceito de cidadania, a partir de um contexto
histórico, no caso da educação para e pela cidadania, como afirma Gadotti (2008, p. 66),
A educação para e pela cidadania deve ser entendida hoje, no Brasil, a partir
de um movimento educacional concreto, acompanhado por uma particular
corrente de pensamento pedagógico. Esse pensamento e essa prática, sem
deixar de apresentar suas contradições, caracterizam-se pela democratização
da educação democrática em termos de acesso e permanência, pela
participação na gestão e escolha democrática dos dirigentes educacionais e
pela democratização do próprio Estado.
Para Paulo Freire (1997, p. 45), “a escola cidadã é aquela que se assume como
centro de direitos e de deveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania [...] é
uma escola de comunidade, de companheirismo. É uma escola de produção comum do
saber e da liberdade”.
Pelas leituras empreendidas para a elaboração deste escrito, entende-se que a
escola cidadã está sustentada por um pressuposto mais amplo: o da maior autonomia das
82
escolas na definição do seu projeto político pedagógico. A autonomia para a vida, onde
cada indivíduo possa sair das dependências da escola e possam buscar sua condição
plena de cidadão. A escola cidadã tem o compromisso de formar para a vida pública e
privada cidadãos que entendem o valor da diferença, esteja ela em campos com a etnia,
a língua, classe ou de gênero e que se auto respeitem, mas também respeitem no outro o
direito de ser e existir.
CONCLUSÃO
Seguindo o fio condutor deste escrito (concatenando-se as ideias), acredita-se
que por intermédio da educação sistematizada pode-se alcançar um alto grau de acessos,
sejam de bens materiais ou morais e, dessa maneira, então, adquirir a cidadania.
Cidadania entendida nestes fragmentos como algo de plena liberdade em fazer opção.
As escolhas contemplam as condições de acesso ao espaço político, social, de
orientação sexual, econômica, de moradia, de saúde, enfim, um indivíduo que tenha
liberdade da fome, liberdade do cativeiro social, liberdade para participar
conscientemente de eleições, liberdade para combater o analfabetismo, o preconceito, o
desconhecimento: a cidadania como valor moral que abarca aceitação do diferente, da
diversidade em toda e qualquer estrutura sem rejeição.
Não pode ser diferente! Um indivíduo que não pode optar não habita o espaço
ocupado por um cidadão. Empregar a educação como forma de promoção humana seria
o único caminho dentro do campo do possível, a fim de atingir a cidadania e,
consequentemente, o respeito dos seres humanos por humanos.
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WEREBE, Maria José Garcia. 30 anos depois – grandezas e misérias do ensino no
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85
A RELAÇÃO ENTRE AS METODOLOGIAS DE ENSINO USADAS
PELOS PROFESSORES E A APRENDIZAGEM EFETIVA DOS
ALUNOS
Marizete Pinheiro de Oliveira 1
RESUMO
Na sociedade do conhecimento, a cada dia, as exigências por novas competências têm
aumentado em paralelo e na mesma proporção que o fracasso escolar. Estudos Têm
mostrado que o não aprendizado dos estudantes é causado por vários fatores: um deles
são as práticas pedagógicas dos professores. Neste contexto, compreender a relação
entre as metodologias de ensino utilizadas pelos professores e a aprendizagem efetiva
dos educandos se faz necessário. O presente artigo que se encaminhou através de
revisão bibliográfica, objetivou saber como se dá essa relação. Para tanto, foi realizada
uma discussão acerca das abordagens de ensino; das teorias de aprendizagem; das
metodologias, dificuldade de aprendizagem e aprendizagem efetiva dos educandos.
Com isso, pode se concluir que as metodologias utilizadas pelos professores podem
influenciar na aprendizagem do aluno, favorecendo uma aprendizagem efetiva ou
contribuir para a dificuldade de aprendizado destes.
Palavras-chave: Ensino e aprendizagem. Metodologias de ensino. Aprendizagem
efetiva.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa contribuir com debate contextualizado das
metodologias de ensino como um meio de alcance da aprendizagem efetiva dos
estudantes, com ênfase especial as abordagens de ensino e as teorias de aprendizagem.
Inicialmente, busca-se uma breve atualização dos princípios das abordagens de
ensino que norteiam o processo de ensino-aprendizagem e, na sequência, problematizase a relação das metodologias utilizadas pelos professores com a dificuldade de
aprendizagem e aprendizagem efetiva dos estudantes.
Na linha de pensamento de argumentação de Mizukami (1986), a educação tem
um papel importante no desenvolvimento e conhecimento à medida que provoca
situações de desequilíbrio para os aprendizes, os desequilíbrios devem ser adequados ao
1
Especialista em Orientação Educacional (ESAB); Licenciada em Ciências Naturais (UFBA); Professora
e Orientadora Educacional. [email protected]
86
nível de desenvolvimento em que estes se encontram para que seja possível a
construção progressiva das noções e operações intelectual e afetiva. Neste sentido, as
metodologias utilizadas pelos professores podem influenciar na aquisição do
aprendizado.
2. ABORDAGENS DE ENSINO
Ao falar em educação este termo nos reporta a várias correntes de pensamentos
que nos conduzem ás tendências de ensino existentes em cada contexto social e
histórico. Cada uma das tendências assume uma abordagem de ensino-aprendizagem
que está pautada no ideal de mundo, de sociedade, de homem, de escola e de educação.
É a partir desses ideais que a escola busca a melhor estratégia para atingir o processo de
ensino-aprendizagem.
O processo de ensino e a aprendizagem têm sido estudados por diferentes
vertentes. Mizukami (1986) em seus estudos considera algumas correntes teóricas:
tradicional, comportamentalista, humanista, sociocultural e cognitivista. Essas correntes
procuram compreender o fenômeno educativo através de diferentes enfoques, muitos
dos quais estão relacionados ao seu momento histórico e a sociedade no qual está
inserida.
Considerando os estudos da autora, será feita uma breve comparação/descrição
das abordagens apontando as ideias de escola, aluno, professor e ensino-aprendizagem
de cada uma delas.
2.1 ABORDAGEM TRADICIONAL
A abordagem tradicional, ainda, é a mais utilizada na maioria das escolas. A
escola tradicional é um lugar ideal para a realização da escola organizada com funções
claramente definidas. As normas são rígidas. Esta escola tem como principal função
preparar o indivíduo para a sociedade.
Dentro desta abordagem o aluno é um ser passivo que deve assimilar os
conteúdos transmitidos pelo professor. Ele deve ter domínio do conteúdo cultural
87
universal transmitido pela escola, o educador é o ser pensante e o aluno é visto como
um objeto no qual será depositado o saber do professo.
O professor é transmissor dos conteúdos aos alunos e, na relação professor-aluno
este é o detentor das ações. Paulo Freire chama esta educação de bancária, também
conhecida como educação burguesa. Esta educação tem por finalidade manter a divisão
entre os que sabem e os que não sabem, entre oprimidos e opressores.
O ensino e a aprendizagem devem obedecer a uma sequência lógica dos
conteúdos. Estes conteúdos são baseados em documentos legais selecionados a partir da
cultura universal acumulada. Nos processos de ensino as aulas expositivas com
exercícios de fixação e leituras-cópias predominam.
2.2 ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA
Nessa abordagem a escola é considerada como uma agência educacional, um
modelo empresarial aplicado à escola, a qual está dividida em duas funções:
planejamento e execução. O aluno é o elemento para o qual o material é preparado. Ele
é eficiente e produtivo. O professor é quem seleciona, organiza e aplica um conjunto de
meios que garantam a eficiência e a eficácia do ensino.
No ensino e aprendizagem os objetivos educacionais são categorizados e
operacionalizados a partir de classificações gerais (educacionais) e específicas
(instrucionais). Os comportamentos desejados serão instalados e mantidos nos alunos
por condicionantes e reforçadores.
2.3 ABORDAGEM HUMANISTA
Para os teóricos desta abordagem a escola é proclamada para todos. Ela é
democrática devendo oferecer condições ao desenvolvimento e autonomia do aluno. As
normas disciplinares, aqui, perdem a rigidez. O aluno é ativo, é o centro do processo de
ensino e aprendizagem, é criativo e participativo. É àquele que aprendeu a aprender. O
professor é o facilitador da aprendizagem.
88
A aprendizagem e o ensino obedecem ao desenvolvimento psicológico do aluno.
Os conteúdos programáticos são selecionados a partir dos interesses dos alunos.
2.4 ABORDAGEM SOCIOCULTURAL
Dentro da expectativa desta abordagem, a escola deve organizar e estar
funcionando bem para proporcionar meios para que a educação se processe em
múltiplos aspectos. O aluno é uma pessoa concreta, objetivo que determina e é
determinado pelo meio social, político, econômico e individual, individual porque ele
constrói sua própria história. Este aluno deve ser capaz de operar, conscientemente,
mudanças da realidade.
O professor é o educador que direciona e conduz o processo de ensino e
aprendizagem. A relação entre este e os alunos deve ser horizontal, ambos se
posicionando como sujeito do conhecimento.
Os objetivos do ensino e da aprendizagem são definidos a partir das
necessidades concretas do contexto histórico-social no qual os sujeitos se encontram. O
ensino tem o dever de direcionar os indivíduos a uma consciência crítica, deste modo, o
diálogo e a discussão são fundamentais para a aprendizagem.
2.5 ABORDAGEM COGNITIVISTA
O processo de informação ou teoria cognitiva aborda o estudo da mente e da
inteligência em termos de representações mentais e dos processos centrais do sujeito,
estes, sedo dificilmente observáveis. Dentro desta teoria o conhecimento é a integração
e processamento de informações.
O aluno é essencialmente ativo, àquele que observa, experimenta, compara,
relaciona, analisa, justapõe, compõe, encaixa, levanta hipótese e argumenta. O professor
cria situações desafiadoras e desequilibradoras promovendo reciprocidade e cooperação,
por meio de orientações.
Os teóricos desta abordagem se opõem aos da comportamentalista, para eles o
ensino e a aprendizagem devem desenvolver a inteligência considerando o sujeito
89
inserido numa situação social. A inteligência é construída a partir da troca do organismo
com o meio, por meio das ações do indivíduo. A aprendizagem é baseada no erro, na
pesquisa, na investigação, na solução de problemas facilitando o aprender a pensar.
Uma breve análise das abordagens de ensino a partir dos estudos de Mizukami
(1986) conclui-se que elas são de fundamental importância no processo de ensino
aprendizado, uma vez que, são elas que dão norte os processos executados. Hoje,
percebe-se que elas coexistem nos espaços escolares, mas àquela que se enquadra aos
princípios de ensino-aprendizagem, que a sociedade atual exige é a cognitivista. Por
isso, este trabalho dar uma ênfase maior a esta abordagem.
A abordagem cognitivista estuda cientificamente a aprendizagem, considerando
as formas como os indivíduos portam-se diante dos estímulos ambientais, organizam
dados, sentem e resolvem problemas, adquirem conceitos empregando símbolos
verbais. Nessa abordagem de ensino as relações construtivistas interacionistas têm
predomínio e seus principais representantes é o norte-americano Jerome Bruner e o
suíço Jean Piaget.
Na epistemologia genética, o conhecimento é considerado como uma construção
continua. A formação de novas estruturas que não existiam antes no individuo,
caracteriza a passagem de um estado de desenvolvimento para o seguinte. O
conhecimento é ativo, o individuo conhece um objeto e passa agir sobre ele através de
transformações que acontece em sua estrutura cognitiva. A partir de ações
transformadoras ele conhece e assimila as estruturas de transformações que são
elaboradas pela inteligência quando sua ação é prolongada.
Para Mizukami (1986), é necessário considerar que a aprendizagem pode parar
na primeira etapa do conhecimento (fase exógena). O verdadeiro conhecimento implica
no aspecto endógeno, pois pressupõe uma abstração. Essa abstração, para Piaget (1970),
pode ser reflexiva ou empirista.
A educação tem um papel importante no desenvolvimento e conhecimento à
medida que provoca situações de desequilíbrio para os aprendizes, os desequilíbrios
devem ser adequados ao nível de desenvolvimento em que estes se encontram para que
seja possível a construção progressiva das noções e operações intelectual e afetiva.
Neste sentido, as metodologias utilizadas pelos professores podem influenciar na
aquisição do aprendizado. É como diz Mizukami (1986, p. 71):
O objetivo da educação não constituirá na transmissão de verdades,
informações, demonstrações, modelos etc., e sim em que o aluno aprenda por
si próprio, a conquistar essas verdades, mesmo que tenha de realizar todos os
tateios pressupostos por qualquer atividade real.
90
Para a autora, o ensino deve estar vinculado a uma abordagem critica e
provocativa da participação do aluno. Para isso a escola deve dar oportunidade ao
aprendiz de buscar o conhecimento através da investigação individual, por tentativas e
erros ele aprenderá. Isso tem implicação na própria capacidade de aprender de cada
individuo.
O processo de ensino deve procurar desenvolver a capacidade intelectual do
aprendiz dando prioridade as suas atividades. O material de ensino deve ser organizado
de forma que produza um efeito global na formação dos educando. Por isso, o ensino
deverá assumir diversas formas no processo de desenvolvimento, porque a
aprendizagem dos estudantes depende do esquema presente em seu estado atual com o
relacionamento com o meio. Toda aprendizagem implica em assimilar o objeto de
estudo a esquemas previamente formados.
Segundo Moreira (1985), o ensino deve ser planejado levando em conta o que se
sabe sobre o desenvolvimento intelectual do aprendiz. Diante disso, é importante que o
professor, antes de expor um conteúdo novo, faça um teste de sondagem com os
aprendizes e a partir daí apresentá-los de forma estruturada numa sequencia lógica, e no
grau de aprofundamento coerente com o nível de desenvolvimento intelectual destes
evitando que eles tenham um bloqueio no processo de aprendizado.
Bruner (1969) salienta que o ambiente ou conteúdo de ensino têm que ser
percebido pelo aprendiz em termos de problemas, relações e lacunas que ele deve
preencher, a fim de que a aprendizagem seja considerada significante e relevante.
O ambiente para que o aprendiz possa ter uma aprendizagem por descoberta
deve ser inserido por novas alternativas que resultem na percepção de relação de
similaridade entre ideias apresentadas e aquelas previamente conhecidas pelo aprendiz.
Os conteúdos de ensino, por sua vez, devem ser apresentados de uma forma que os
estudantes tenham oportunidade de vê-los mais de uma vez, em diferentes níveis de
profundidade e em diferentes modos de representação (BRUNER, 1969).
3. TEORIA DE APRENDIZAGEM
Para entender os pontos centrais da natureza da aprendizagem é importante
reportar-se ao seu desenvolvimento histórico, filosófico e psicológico. Várias correntes
de pensamento se desenvolveram e se definiram para explicar os modelos educacionais.
91
Dentre estes modelos estão: a corrente empirista, o inatismo, ou nativismo, as
associacionistas, os teóricos de campos e os teóricos do processamento da informação
ou psicologia cognitivista, o construtivismo e o sócio-construtivismo. O presente
trabalho, diante do exposto no tópico anterior, aborda o modelo de aprendizagem
idealizado pelos pensados cognitivistas.
Para eles, o ensino deve ser adaptado à natureza própria de cada aprendiz, ele só
aprende quando o ensino se faz por experimentação, observação e reflexão. O
conhecimento deve integrar e processar as informações adquiridas do produto do
ambiente desses indivíduos e dos fatores que lhes são externos porque ele aprende por
meio de tentativas e erro, é através da pesquisa que ele vai selecionando as informações
e formando esquemas que servirão de subsunçor para um novo aprendizado
(MOREIRA, 1982).
A base de sua aprendizagem é o modo da percepção de suas relações com as
informações recebidas. Seu aprendizado dá-se inicio a partir de suas próprias iniciativas,
se o individuo não se interessa pelo conhecimento nenhuma informação terá significado
para a sua vida, deste modo, não haverá aprendizagem. Caso isso ocorra, caberá ao
professor criar situações-problemas que permitam a busca de soluções, pelos
aprendizes, fazendo com que a aprendizagem tenha significado em suas ações (DAVIS
E OLIVEIRA, 1990).
As teorias de aprendizagens cognitivas representam os pressupostos abordados
acima. Elas tratam do modo como às pessoas percebem, aprendem, recordam e pensam
sobre a informação.
Piaget (1970) é feliz ao dizer que aprendizagem é aumento do conhecimento e só
há aprendizagem quando o esquema de assimilação sofre acomodação, ou seja: uma
reestruturação da estrutura cognitiva, esquemas de assimilação existentes, do indivíduo,
o que resulta em novos esquemas de assimilação mental. Pois, o processo de
aprendizagem não está relacionado apenas a fatores externos, deve existir algum fator
interno que permita que novos conhecimentos sejam assimilados pelo indivíduo.
Já Jerome Bruner (1969), parte do conceito de que aprendizagem é modificação
do comportamento resultante da experiência. Estruturas cognitivas são padrões de ação
física e mental subjacentes a atos específicos de inteligência e correspondem a estágios
do desenvolvimento infantil. Concordo com o autor quando ele diz que a aprendizagem
é modificação do comportamento resultante da experiência. A experiência que um
92
indivíduo adquire leva-o a aprendizagem e essa aprendizagem é resultado da
assimilação dos conhecimentos existentes na estrutura cognitiva. E, se há uma
modificação de comportamento é porque houve aprendizagem.
Segundo Piaget (1970) existe quatro estágios de desenvolvimento: sensorialmotor, pré-operações, operações concretas e operações formais. No estágio sensorialmotor, a inteligência assume a forma de ações motoras. A inteligência no período préoperação é de natureza intuitiva. A estrutura cognitiva durante o estágio de operações
concretas é lógica, mas depende de referências concretas. No estágio final de operações
formais pensar envolve abstrações (PIAGET, 1970). Por isso, os conteúdos e as técnicas
de ensino utilizadas pelos professores no processo de transmissão/assimilação dos
conhecimentos devem está de acordo com o estágio cognitivo dos educandos.
O autor diz que as estruturas cognitivas mudam através dos processos de
adaptação, assimilação e acomodação. A assimilação envolve a interpretação de eventos
em termos de estruturas cognitivas existentes, enquanto que a acomodação se refere à
mudança da estrutura cognitiva para compreender o meio. O desenvolvimento cognitivo
consiste de um esforço constante para se adaptar ao meio em termos de assimilação e
acomodação.
Embora os estágios de desenvolvimento cognitivo identificados por Piaget
estejam associados a faixas de idade, eles variam para cada indivíduo. Além disso, cada
estágio tem diversas formas estruturais detalhadas. “Basta observar que o período
operacional concreto tem mais de quarenta estruturas distintas, cobrindo classificação e
relações, relações espaciais, tempo, movimento, oportunidade, número, conservação e
medida” (VAZ e RAPOUSO, 2002).
O desenvolvimento cognitivo tem como facilitador das atividades situações que
envolvam os aprendizes e que requeiram adaptação destes. Os materiais de aprendizado
e atividades devem envolver um nível apropriado de operações motoras ou mentais para
uma criança de uma dada idade. É preciso evitar o pedido para que os aprendizes
realizem tarefas que estejam além de suas capacidades cognitivas atuais, isso pode gerar
dificuldade de aprendizado.
Bruner (1969) afirma que o aprendizado é um processo ativo, no qual o aprendiz
constrói novas ideias ou conceitos, baseado em seus conhecimentos prévios e os que
estão sendo estudados, baseado em sua estrutura mental inata. Também concordo neste
ponto, pois, todo individuo nasce com uma estrutura cognitiva e é através dela que o
aprendiz filtra e transforma a nova informação, infere hipóteses e toma decisões.
93
Segundo Moreira (1982), a estrutura cognitiva - esquemas e modelos mentais fornece significado e organização para as novas experiências, permitindo ao aprendiz
enriquecer seu conhecimento além do conceito estudado, através do relacionamento das
novas informações com seus conhecimentos prévios.
O papel do professor é o de incentivador dos alunos no sentido de que os
princípios do conteúdo a ser aprendido sejam entendidos por estes. O professor e o
aluno devem manter um diálogo ativo, através do qual o professor traduz a informação a
ser aprendida em um formato adequado à compreensão do aluno.
Com isso, o currículo deve ser organizado de forma que o aluno construa seu
conhecimento continuamente sobre o que já existe. O educando deverá descobrir aquilo
que já existe em sua estrutura cognitiva e o professor não deve ser apenas um passador
de informação. Por sua vez, o orientador educacional existe na escola a fim de dar
suporte aos professores e em todo desenvolvimento integral do educando e sua
aprendizagem.
4. METODOLOGIAS, DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E
APRENDIZAGEM EFETIVA
A educação escolar reflete o contexto social e econômico no qual a escola está
inserida. Quando ela seleciona os conteúdos a serem ensinados ela transmiti, além de
conhecimentos intelectuais, valores morais, normas de conduta, a maneira de pensar e
as ações que estão presentes no fazer pedagógico. Deste modo, a escolha da
metodologia e das técnicas de ensino é crucial no processo de aprendizado dos sujeitos
educandos.
Segundo Borges (2011) a metodologia compreende o estudo dos métodos e o
conjunto dos procedimentos de investigação das diferentes ciências, quanto aos seus
fundamentos e validade, distinguindo-se das técnicas que são a aplicação específica dos
métodos. Por meio dos métodos e técnicas de ensino espera-se um ensino que produza
uma transformação no aprendiz.
Esses procedimentos “são as técnicas, recursos ou meios de ensino que são os
complementos da metodologia, colocados à disposição do professor para o
enriquecimento do processo de ensino” (BORGES, 2011, p. 15). O processo de ensino
94
pode ser definido como uma sequência de atividades do professor e dos alunos em
busca da assimilação ativa de conhecimentos e o do desenvolvimento de habilidades por
meio dos quais os alunos desenvolvem e melhoram sua capacidade cognitiva levando-o
ao crescimento intelectual e pessoal. Vasconcellos (2008, p. 89) salienta que
[...] a educação escolar é um sistemático e intencional processo de interação
com a realidade, através do relacionamento humano baseado no trabalho com
conhecimento e na organização da coletividade, cuja finalidade é colaborar
na formação do educando na sua totalidade - consciência, caráter e cidadania
-, tendo como mediação fundamental o conhecimento que possibilite o
compreender, o usufruir ou transformar a realidade.
Para o autor, o processo é intencional e se dá pela relação do docente com as
metodologias que devem servir como o fio condutor no processo de ensinoaprendizado. Pois os estímulos vindos de fora “aliados ao senso da descoberta e do
compreender que vem de dentro, é penetrante, por se basear na modificação do
comportamento, atitudes e personalidades do aluno” (BORGES, 2008, p. 82) essas
mudanças é o que chamamos de aprendizagem efetiva. Por isso, o processo educativo
deve ser ativo. É como diz Borges:
[...] O processo didático de transmissão/assimilação de conhecimentos e
habilidades tem como culminância o desenvolvimento das capacidades
cognoscitivas dos alunos, de modo que assimilem, ativa e
independentemente, os conhecimentos sistematizados (BORGES, 2011, p.
10).
Como salienta a autora, o resultado dos processos de transmissão dos
conhecimentos, que é conduzido pelas técnicas de ensino, mediadas pelas metodologias,
tem como consequência as mudanças na estrutura cognitiva dos educandos. Por isso, os
processos didáticos precisam ser explicitados no projeto de ensino-aprendizagem do
professor que deve estar atrelado a uma concepção de educação, que por sua vez deve
estar relacionada às concepções de conhecimento, abordagem de ensino e teoria de
aprendizagem. Para Vasconcellos (2008, p. 99):
Todo processo de educação escolar, por ser intencional, e sistemático,
implica a elaboração e realização (incluindo a avaliação) de um programa de
experiências pedagógicas a serem vivenciadas em sala de aula e na escola.
É através de seu projeto de ensino-aprendizagem que o professor estrutura o
processo de ensino que será desenvolvido de acordo com seus princípios metodológicos
que devem garantir a funcionalidade da aprendizagem. Essa funcionalidade não é
apenas uma construção de conhecimentos úteis e pertinentes, mas também o
95
desenvolvimento de habilidades e estratégias de planejamento e regulação da própria
atividade de aprendizagem dos alunos.
Segundo Piaget (1970), uma maneira adequada de ampliar e/ou modificar as
estruturas do aluno consiste em provocar discordâncias ou conflitos cognitivos que
representem desequilíbrios a partir dos quais, mediante atividades, o aluno consiga
reequilibrar-se, superando a discordância e reconstruindo o conhecimento. Para isso, é
necessário que o processo de ensino-aprendizagem esteja articulado à realidade do
educando e à essência significativa da área do saber.
Portanto, a transmissão de conhecimentos pelos professores, sendo ativa, levará
o educado a um crescimento intelectual e emocional, visto que ele irá organizar e
reorganizar suas estruturas cognitivas. Quando não ocorre organização das estruturas
cognitivas é porque não houve aprendizado. Às vezes, as estratégias de ensino não
funcionam e os educandos não são estimulados, isso pode gerar dificuldade de
aprendizagem pelos alunos. Borges (2011) argumenta que:
As dificuldades ou impasses que o aluno encontra, no enfrentamento da
matéria de estudo, expressam a contradição entre as tarefas colocadas pelo
professor (conteúdos, problemas, exercícios etc.) e seu nível de
conhecimentos, de desenvolvimento mental, bem como suas atitudes frente
ao estudo. O fator predominante, pois, na dinâmica do processo de ensino é a
relação contraditória entre as exigências do processo didático e o trabalho
ativo e mental dos alunos (BORGES 2011, p. 75).
Para a autora não basta apenas transmitir o conteúdo, o professor precisa colocálos de modo que se convertam em problemas e desafios para o aluno, suscitando e
mobilizando a sua atividade. Além disso, o professor deve saber qual o nível intelectual
do aprendiz para evitar contradições em sua mente, uma vez que esta contradição,
quando não desenvolve o aprendizado, pode gerar dificuldade de aprendizado.
A dificuldade de aprendizagem é uma síndrome biopsicossocial a ser
compreendida em pelo menos três constituintes básicas: a criança, a família e a escola
(MARTURANO et al., 1993 apud BORGES e FURTADO, 2007). Essa dificuldade no
aprendizado, aqui, acontece quando a aprendizagem não se desenvolve como o esperado
pelos professores, pais, orientador e pelo próprio aluno.
Borges (2011) diz que aprendizagem escolar é influenciada por fatores afetivos e
sociais, tais como os que suscitam a motivação para o estudo, os que afetam as relações
professor-aluno, os que interferem nas disposições emocionais dos alunos para enfrentar
as tarefas escolares, os que contribuem ou dificultam a formação de atitudes positivas
96
dos alunos frente às suas capacidades e frente aos problemas e situações da realidade e
do processo de ensino e aprendizagem.
Assim, compreende-se que os transtornos ou dificuldades de aprendizado no
campo cognitivo podem ser condicionados pelo professor, pela relação professor aluno,
pela relação entre alunos e pelos métodos didáticos que distorcem o processo de
construção do aprendizado. Sobre isso, Borges e Furtado (2007)
traz a seguinte
contribuição:
Sabemos que cada pessoa aprende por um canal perceptivo preferencial e de
forma diferenciada. Quando não existe motivação para o que se apresenta
como ensino desperte o canal perceptivo e preferencial, a compreensão ou a
aprendizagem não se completa (BORGES e FURTADO, 2007 p. 03).
Do argumento das autoras infere-se que o professor tem que criar situações que
propiciam condições que possa provocar desequilíbrios nas estruturas cognitivas dos
educando; construir os dispositivos de partida que possibilitem a apresentação de
problemas úteis ao aluno e organizar contraexemplos que levem o aluno a reflexão. Do
ponto de vista de Mizukami (1986), o ensino deve ser baseado no ensaio e no erro, na
pesquisa, na investigação e na solução de problemas por parte do aluno. Por isso, o
ensino deve consistir em processos e não em produtos da aprendizagem.
Moreira (1982, p. 9), diz que “quando o conhecimento não é adquirido dessa
forma fica arbitrariamente distribuído na estrutura cognitiva sem ligar-se a conceitos
subsunçores específicos”. Deste modo, não acontece uma aprendizagem significativa,
pois, mesmo com a aprendizagem mecânica os estudantes não demonstram ter nenhum
conceito subsunçor (a aprendizagem mecânica faz com que o individuo armazene
informações, que mesmo sendo pouco elaboradas podem servir de subsunçores).
Para (VERGNOUD, 1994 apud MOREIRA1998), é através de situações e
problemas a resolver que novos conceitos adquirem significado para o aprendiz. Deste
modo, cabe ao professor promover situações-problemas para os aprendizes e identificar
os processos que eles usam na resolução desses problemas, tornando-os explícitos por
meio de várias situações. Assim, acontecerá uma aprendizagem significativa.
O professor deve assumir o papel de mediador, investigador, pesquisador e
orientador. É necessária sua convivência com o aluno para observar os seus
comportamentos, provendo diálogo com eles, perguntando e, sendo interrogado; realizar
com os alunos suas próprias experiências na sua aprendizagem e desenvolvimento. É
necessário, então, que se considere o “aprender a aprender” (MIZUKAMI, 1986, p. 77).
97
Isto amenizará ou impedirá as dificuldades de aprendizado geradas por metodologias
não adequadas ao desenvolvimento cognitivo dos alunos.
É imprescindível que os professores compreendam a importância das
metodologias e suas implicações para organizar o trabalho educativo de modo mais
positivo. Uma vez que, o processo de ensino e aprendizagem tem grande influência na
aquisição do aprendizado pelos educandos. Afinal, é muito importante o que se aprende
na vida escolar, mas como se aprende e se esta aprendizagem trará acréscimos em
muitas áreas da vida do educando, é essencial (FURTADO, 2008).
Como já foi dito, as técnicas de ensino são fundamentais no processo de ensino
aprendizado, mas o uso constante das mesmas técnicas, utilizadas de forma incoerente
para predizer leis e/ou teorias interpretadas de forma não adequada pelo professor, pode
levar o estudante a desenvolver dificuldade de aprendizado (SILVA, 2001). No futuro
essa dificuldade poderá torna-se um obstáculo epistemológico para o aprendizado
desses aprendizes (GOMES e OLIVEIRA, 2007). Considerando estes argumentos, para
melhor conduzir o processo de ensino e da aprendizagem, Borges (2011), traz alguns
indicativos. Para ela o professor deve ter:
Conhecimento das funções didáticas ou etapas do processo de ensino;
conhecimento dos princípios gerais da aprendizagem e saber compatibilizálos com conteúdos e métodos próprios da disciplina; Domínio de métodos do
ensino, procedimentos, técnicas e recursos auxiliares; Habilidade de
expressar ideias com clareza, falar de modo acessível à compreensão dos
alunos partindo de sua linguagem corrente; Habilidade de tornar os conteúdos
de ensino significativos, reais, referindo-os aos conhecimentos e experiências
que trazem para a aula; Saber formar perguntas e problemas que exijam dos
alunos pensarem por si mesmo e tirarem conclusão própria;Conhecimento
das possibilidades intelectuais dos alunos, seu nível de desenvolvimento, suas
condições prévias para o estudo de matéria nova, experiências da vida que
trazem; Provimento de métodos de estudo e hábitos de trabalho intelectual
independente: ensinar o manejo de livro didático, o uso adequado de
cadernos, lápis, régua etc.; Ensinar procedimentos para aplicar
conhecimentos em tarefas práticas; Adoção de uma linha de conduta no
relacionamento com os alunos que expresse confiabilidade, coerência,
segurança, traços que devem aliar-se à firmeza de atitudes dentro dos limites
da prudência e respeito;Manifestar interesse sincero pelos alunos nos seus
progressos e na superação das suas dificuldades; Estimular o interesse pelo
estudo, mostrar a importância da escola para a melhoria das condições de
vida, para a participação democrática na vida profissional, política e cultural.
(BORGES, 2011, p. 96/97).
Segundo a autora, o professor que domina todos estes quesitos terá uma maior
probabilidade de levar os educando á uma aprendizagem efetiva. Pois, o professor além
de ter o dom para o magistério precisa ter domínio das técnicas, embasamento teórico
sobre ensino e aprendizado, além de dominar os conteúdos de sua área específica de
98
formação. O professor não deve apenas ensinar, ele precisa ajudar o aluno aprender.
Portanto, “o melhor método de ensino é àquele que atende as exigências psicológicas do
aprender” (BORGES, 2011, p. 25).
O trabalho do professor é colocar pessoas cada vez mais preparadas na
sociedade. Não somente para que haja progresso social, “mas para que as pessoas
preparadas nas escolas tenham verdadeiramente uma ação positiva primeiramente para
si, depois para o contexto social na qual estão inseridas” (FURTADO, 2009, p. 59). Por
isso, eles devem se preocupar com o processo de transmissão/assimilação dos
conhecimentos buscando novas técnicas que auxiliem no desenvolvimento da
aprendizagem não permitindo que os educandos desenvolvam dificuldades de
aprendizado.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, questões como o uso de metodologias de ensino como um meio de
alcance da aprendizagem efetiva dos estudantes foram discutidas. A discussão
evidenciou que o ensino essencialmente tradicional não tem espaço na sociedade atual e
que o processo de ensino/aprendizado deve ser mediado por metodologias que
favoreçam a interação dos estudantes com conhecimento.
Para tanto a instrumentalização dos professores será fundamental neste processo.
Pois, a instrumentalização destes permitirá à inovação de novas práticas pedagógicas
que os levará a aquisição de novos instrumentos indispensáveis para a construção do
conhecimento e para o processo de ensino/aprendizagem.
Isso
provocará
mudanças
nas
relações
professor
–
alunos.
Que,
consequentemente, repercutirá na forma de tomar decisões didáticas e metodológicas
que irão orientar a atividade do aluno no ambiente de aprendizado eficaz. Dessa forma,
a aprendizagem efetiva dos estudantes poderá ser potencializada e as dificuldades
superadas.
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101
A NORMA ANTIELISIVA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
CONTRIBUINTE: LIMITES E EFEITOS
José Agnaldo Ávila Soares 1
RESUMO
Este trabalho se desenvolve sobre a tendência adotada pela doutrina brasileira do direito
tributário propugna pela reserva absoluta da lei formal na definição de todos os
elementos da tributação e o seu posicionamento da corrente vinculada à jurisprudência
dos conceitos é manifestamente contrário a uma “cláusula geral antielisão”. O trabalho
terá sua abordagem à metodologia descritiva. O objetivo geral é demonstrar a norma
antielisiva e os direitos fundamentais do contribuiente, sustentando a interpretação do
parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, não pode ser construída
com base em conceitos jurídicos indeterminados, porque a própria norma se baseia
apenas no conceito de simulação e dissimulação.
Palavras-chaves: Direitos fundamentais. Elisão fiscal. Planejamento tributário.
RESUMEN
Este trabajo se desarrolla en la tendencia adoptada por la doctrina de la ley tributaria
aboga por el secreto absoluto de la ley formal en la definición de todos los elementos de
la fiscalidad y o posicionamiento de la cadena vinculada a la jurisprudencia de
conceptos el manifiestamente contrario a una “ antielisão cláusula general “. La Su
trabajo se acercará a la metodología descriptiva . el objetivo general es demostrar la
antielisiva norma y los derechos fundamentales de contribuiente , el apoyo a la
interpretación del párrafo único del artículo 116 del Código Fiscal de la Nación , no
puede ser construido sobre conceptos jurídicos indeterminados , porque la propia norma
se basa únicamente en el concepto de simulación y disimulación.
Palabras clave: Derechos fundamentales . Evasión de impuestos. Planificación fiscal .
INTRODUÇÃO
1
Administrador e Técnico em Contabilidade da Universidade Federal de Sergipe. Especialista em
Controladoria com Marketing e atualmente atua como chefe da Divisão de Comércio Exterior na UFS.
102
A interpretação da "clausula antielisiva" instituída no parágrafo único do artigo
116 do Código Tributário Nacional, retoma a polêmica conflituosa entre a possibilidade
de incidências tributárias recaírem sobre o chamado "fato econômico revelador da
capacidade contributiva" e da possibilidade de interpretação analógica, através da
questão se há ou não ausência de lacunas no direito tributário. 2
O parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, introduzido
pela Lei Complementar n. 104, de 10.01.2001, preceitua que:
Art. 116. Parágrafo único: "A autoridade administrativa poderá desconsiderar
atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do
fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária."
O principal ponto de conflito é como identificar os limites da própria elisão, fato
que provocado muitas duvidas e questionamentos sobre a sua extensão e alcance.
No Brasil, a tendência adotada pela doutrina do direito tributário propugna pela
reserva absoluta da lei formal na definição de todos os elementos da tributação,
baseando-se nos princípios da legalidade tributária estrita e da tipicidade fechada,
vedando o uso da analogia.
Assim, a corrente majoritária defende a ideia de que na hipótese de ato ou
negócio jurídico realizado não se encontrar explicitamente previsto na norma tributária
não ocorre a incidência do fato gerador e, portanto, não se constitui em ilegalidade.
Ainda que o ato ou negócio jurídico realizado tenha efeitos similares ao fato
tipificado na lei, ele não produz efeitos fiscais.
Nesse sentido, o posicionamento da corrente vinculada à jurisprudência dos
conceitos, é manifestamente contrário a uma "cláusula geral antielisão" e, a partir de
uma leitura baseada na segurança jurídica e no princípio da legalidade, afirmam que a
Lei Complementar n. 104, de 10.01.2001, autorizou tão somente uma "cláusula antisimulação", restringindo as hipóteses de desconsideração apenas para os casos de atos
simulados.
Desse modo, sustentam que a interpretação do parágrafo único do artigo 116 do
Código Tributário Nacional, não pode ser construída com base em conceitos jurídicos
2
Cf. PONTES, Helenilson Cunha. Op. Cit., p. 379 e Cf. PEREIRA, César A. Guimarães. A elisão
tributária e a lei complementar nº 104/2001. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ - Centro de
Atualização
Jurídica,
ano
1,
v.
I,
nº.
8,
novembro,
2001.
Disponível
em:
<http://www.direitopublico.com.br>.Acesso em: 18 de dezembro de 2002. p. 6.
103
indeterminados, porque a própria norma se baseia apenas no conceito de simulação e
dissimulação. 3
Alberto Xavier preleciona que a Lei Complementar n. 104, de 10.01.2001,
limitou-se a autorizar a lei ordinária a estabelecer os procedimentos para desconsiderar
os atos jurídicos "dissimulados", isto implica que ela apenas prevê, para as hipóteses de
simulação, a possibilidade de a autoridade fazendária desconsiderar tais atos.
Portanto, não são passíveis de desconsideração os atos não tipificados, ainda que
sob o fundamento de "abuso de forma" ou "falta de propósito negocial". Desse modo, o
referido autor assevera que:
"O princípio da legalidade da tributação traduz-se num princípio da
tipicidade, segundo o qual os fatos tributáveis constituem um nemerus
clausus constante de uma enumeração taxativa, para além da qual existe um
espaço de liberdade e propriedade insuscetível de ser preenchido por
analogia. E daí que o art. 108, § 1º, do CTN determine que o emprego da
analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. (...)
Se não podem sequer ser objeto de medida restritiva por emenda
constitucional, muito menos o podem por lei complementar, e por isso a LC
104/2001 manteve-se dentro dos lindes constitucionais ao restringir as
hipóteses de desconsideração aos casos de atos simulados, contendo uma
cláusula anti-simulação, e não uma cláusula antielisão." 4
Por fim, o aludido autor acrescenta que:
"Não pode perder-se de vista, do ponto de vista político, que a doutrina da
cláusula geral antielisiva ou do abuso de forma foi inspirada e mereceu o
aplauso das ditaduras nazifascistas. (...) Ora, é nestes modelos ideológicos
repudiados pela historia e incompatíveis com o Estado de Direito que se
pretende instaurar uma ditadura fiscal que permite ao Fisco tributar ao seu
capricho e arbítrio atos juridicamente lícitos e verdadeiros, submetendo o
cidadão ao vexame de um poder inquisitorial que lhe permite ser indagado
porque fez uma venda e não uma permuta, porque fez um deposito e não um
empréstimo, porque fez um aumento de capital e não uma compra e venda,
porque fez uma cisão e não uma dissolução, porque emitiu uma debênture e
não uma parte beneficiária, e assim por diante." 5
3
Neste sentido, Victor Uckmar preleciona que: “El operador tiene necesidad de certeza especialmente en
el campo fiscal donde las diferencias de interpretación pueden llegar a tener efectos desvastantes.”
UCKMAR, Victor. Los efectos em Itália del estatuto del contribuyente. In: CONGRESSO.... Op. Cit., p.
795.
4
XAVIER, Alberto. Op. Cit.,p. 40, (grifos originais) e cf. MENDONÇA, Oscar. Da lei contra a elisão
fiscal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano 1, v. I, nº. 1, abril,
2001, Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.Acesso em: 18 de dezembro de 2002, p. 2 e
PEREIRA, César A. Guimarães. Op. Cit., p. 11-12.
5
XAVIER, Alberto. Op. Cit., p. 41, (grifos originais)
104
Manifestando-se pela inconstitucionalidade da "clausula antielisiva" Sacha
Calmon assim afirmou:
"nem mesmo a lei pode permitir ao Estado-Administração achar FATO
GERADOR por "interpretação analógica". O fato gerador deve estar
exaustivamente previsto em lei (TIPICIDADE). O exclusivismo da lei
obsta a interpretação econômica a que visa a "norma geral anti-elisiva". Esta,
por não poder mesmo ser geral, há de ser específica ("norma anti-elisiva"
específica, espécie por espécie) e legislada, jamais intuída pela
Administração." 6
Por outro lado, há uma outra corrente, que trabalha com o princípio da
capacidade contributiva vinculado à solidariedade e aos demais valores preconizados no
artigo 3º da Constituição Federal. Neste caso, entende que se pode superar o limite
objetivo da legalidade, e por isso, afirmam que a cláusula antielisiva não fere o princípio
da legalidade. 7
Nessa leitura, Ricardo Lobo Torres defende que as disposições normativas do
parágrafo único do artigo 116 do CTN, são compatíveis com os princípios
constitucionais, e esclarece:
“não fere o princípio da legalidade (art. 150, I da CF) norma antielisão que
permite ao agente desconsiderar forma legal adotada, sob a alegação de
abuso. Os princípios da legalidade, tipicidade e reserva da lei formal são
clausulas pétreas da Constituição Federal, embora não o sejam a “estrita”
legalidade, a tipicidade “fechada” e a reserva “absoluta” da lei formal,
conceitos doutrinários e, não raro, ideológicos. 8
Douglas Yamashita vai além e afirma:
“o conflito entre princípio da capacidade contributiva com o princípio da
legalidade é meramente aparente. A norma antielisão, que dá eficácia ao
princípio da capacidade contributiva, princípio-matriz de todos os impostos,
também torna ineficaz a própria lei. De que vale o princípio da legalidade se
a lei é ineficaz quanto à sua finalidade?" 9
6
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 30. (grifos originais)
7
Cf. ICHIARA, Yoshiaki. Op. Cit., p. 503, cf. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário... In:
CONGRESSO.... Op. Cit., p. 624.
8
9
TORRES, Ricardo Lobo. Direitos fundamentais... Op. Cit., p. 185.
Além disso, é importante acrescentar que Douglas Yamashita entende que a norma antielisão analógica
não confere poderes à autoridade fiscal para invadir "vazios jurídicos", mas apenas preencher "lacunas
legais", isto é, 'incompletudes' legais impróprias à finalidade da lei. Deste modo, na sua opinião, "a
ausência de uma norma antielisiva perpetua o imposto sobre a ignorância. É um imposto odioso por sua
regressividade, pois quanto mais pobre o contribuinte menos recursos ele tem para se instruir sobre a
forma jurídica abusivamente elisiva e mais imposto ela paga." YAMASHITA, Douglas, Op. Cit., p. 747.
(grifos originais)
105
Há, ainda, aqueles que defendem a instituição de norma antielisiva, desde que
esta seja permitida por emenda à Constituição Federal. 10
Como visto, é muito difícil delimitar objetivamente a elisão fiscal isolada do
caso concreto. O comportamento antielisivo por parte do Fisco e restritivo dos direitos
fundamentais dos contribuintes não poderá ser realizado sem que haja a efetiva
comprovação da fraude fiscal.
O planejamento tributário é direito do contribuinte, entretanto ele tem que ser
feito dentro dos limites permitidos pela lei, cabendo ao contribuinte buscar orientação
para existência de possibilidade na legislação de opção pela forma menos onerosa de
tributação.
Assim, infere-se com Alberto Xavier que a Medida Provisória 66/2002 que teve
como objetivo implementar o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário
Nacional, extrapolou os limites da LC 104/2001. Nessa leitura, o referido autor, conclui
que:
"Terminamos este artigo com um apelo a todos os juristas para que unam os
seus esforços no sentido de que as disposições dos artigos 13 a 19 da
MEDPREV 66/2002, de inspiração totalitária e autocrática, e incompatíveis
com a medula de um Estado de Direito, sejam erradicados pelo Poder
Legislativo e pelo Poder Judiciário da ordem jurídica brasileira, onde em má
hora se tentaram infiltrar pela via espúria e abusiva de medida provisória
afrontosamente inconstitucional quanto à forma e quanto ao fundo." 11
Inegavelmente, há uma tendência no direito internacional tributário, de proibir as
crescentes práticas e estratagemas utilizados com a finalidade exclusiva de obter
vantagens e economia tributárias.
A legislação tributária dos mais diversos países contém cláusulas antielisivas
com vistas a coibir tais abusos, tanto no âmbito dos investimentos internos quanto no
âmbito do investimento transnacional.
Dentre as medidas adotadas pelos países, há a busca pela proibição dos “paraísos
fiscais”, além da substituição de paradigma da territorialidade pelo princípio da
universalidade da renda.
Em um mundo globalizado, as atividades econômicas, financeiras e comerciais
foram intensificadas e, com a abertura dos mercados, tem havido uma crescente
10
Cf. SARAIVA FILHO, Oswaldo O. de Pontes. Direitos fundamentais do contribuinte. In: MARTINS,
Ives Gandra da Silva. Op. Cit., p. 521.
11
XAVIER, Alberto. Op. Cit., p. 42.
106
incidência de planos e artifícios direcionados para a obtenção lícita (planejamento
tributário) e ilícita (fraude fiscal) de vantagens fiscais, também denominadas de
poupanças tributárias.
Em relação à cláusula antielisiva, a polêmica é grande e a maioria dos países
adotam cláusulas gerais antielisão, que possibilitam o uso da analogia, prática esta,
repelida pela doutrina brasileira. Entretanto, a Itália, França e Bélgica têm adotado
cláusulas mais específicas.
De acordo com Franco Gallo, 12 a Itália adota uma regra antielisiva ampla, isto é,
ela prevê dois tipos de comportamento elisivo:
fraude a lei tributária – caracterizado pela utilização de atos, fatos, ou negócios
jurídicos, direitos de agir, obrigações ou deveres previstos pelo ordenamento tributário
com o fim de obter vantagens tributárias, tais como redução de imposto ou reembolso,
que de outro modo seriam devidas;
"teoria do ato anormal de gestão" (abuso de direito) – na qual o relevante não é a
operação em si, mas todos os atos, fatos ou negócios e também as coligações existentes
entre eles, realizados com a finalidade exclusiva de obter economia de imposto, e nesta
hipótese, o legislador ampliou a competência da Administração Fazendária para
desconsiderá-los. Configurando a falta de "uma válida razão econômica" que o
justifique.
A França (art. 64 da LTF), a Espanha (art. 24 da LGT) e a Alemanha (§ 42 do
CTA) adotaram cláusula geral antielisiva, proibindo a fraude à lei, o abuso da forma
jurídica, vinculada à teoria do abuso de direito.
Assim, nos casos em que a elisão fiscal tenha sido realizada tão somente com a
finalidade de evitar a incidência do tributo, a autoridade administrativa ou judiciária
pode, sob a alegação de ausência de "razão negocial" (finalidade extrafiscal)
desconsiderar o ato ou negócio jurídico.
Ricardo Lobo Torres mostra o caráter contraditório e conflituoso de tais
questões, ao criticar os países que adotaram as "cláusulas gerais antielisivas",
Alemanha, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, por entender que estas
cláusulas são abertas e ambíguas, permitindo o uso da analogia. Em sua opinião, estas
normas gerais devem ser complementadas por cláusulas específicas que possibilite
maior efetividade e consistência no combate à elisão.
12
GALLO, Franco e MELIS, Giuseppe. L'elusione fiscali internazionali nei processi di integrazione tra
stati: l'esperienza della comunità europea. In: CONGRESSO.... Op. Cit., p. 178.
107
Assim, entende que estabelecer claramente os limites entre licitude e ilicitude da
elisão através de normas antielisivas especifica é um ideal inalcançável. Entretanto,
aduz que:
“O emprego de presunções absolutas e das ficções seria outro meio para o
fechamento das clausulas anti-elisivas, mas conduzem também à insatisfação
da doutrina, posto que contrastam com os ideais de justiça fiscal, máxime
com o princípio da capacidade contributiva. O direito internacional tributário
talvez seja o ramo que melhor se tenha aproximado do fechamento dos
conceitos através de cláusulas especiais. Na temática do treaty shopping, por
exemplo o requisito adicional do beneficiário começa a ser desenhado.” 13
Outras opções antielisivas utilizadas no Direito comparado e que merecem ser
citadas, encontra-se no artigo 2º da Lei n. 11.683 da Argentina, que permite a
desconsideração da pessoa jurídica, e a doutrina do "propósito mercantil" acatada pelos
Estados Unidos e pela Inglaterra.
Como visto, há uma tendência por parte dos países em proibir as práticas
elisivas, através da instituição em seus códigos tributários e nas leis fiscais de "cláusulas
antielisão", seja através do combate ao abuso do direito, como através da teoria do
"propósito mercantil" e da legislação dos preços de transferências.
Isso ocorre porque os países têm consciência que o uso do planejamento
tributário está cada vez mais difundido e eles não querem diminuir o volume de
arrecadação.
O planejamento fiscal, enquanto instrumento eficaz na otimização do resultado
da empresa, faz parte de uma enorme variedade de procedimentos que visam conter
custos e despesas com o pagamento de tributos em geral, por meios lícitos, previstos na
legislação, sem configurar ato lesivo aos cofres públicos ou fraude.
Considerando-se que através de um planejamento estratégico é possível antever
os resultados das ações através de estudo de casos hipotéticos no qual se examina os
aspectos positivos e negativos, com vistas a escolher a melhor solução, compete ao
administrador escolher através de várias hipóteses qual a situação que implique em uma
menor saída de recursos financeiros do seu caixa, adotando um planejamento tributário
tempestivo e ético.
Nesse sentido, o controller parece assumir um papel fundamental, pois é ele
quem dispõe na empresas de informações gerais necessárias para o estudo do caso em
toda a sua amplitude.
13
Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Direitos fundamentais.... Op. Cit., p. 184.
108
Com vistas a melhor elucidar a importância do planejamento tributário e em face
de suas três características – já anteriormente consignada: (a) ato ou omissão anterior
ao fato gerador; (b) ato ou omissão lícito, que não fere a lei; (c) ato ou omissão não
simulado; –, passamos a examinar hipóteses tratadas pela doutrina e parecer em sumulas
das Câmaras do Conselho de Contribuintes da Receita Federal:
O IIMPOSTO DE RENDA E A INCORPORAÇÃO INVERTIDA DE
EMPRESAS 14
a) Situação inicial: Empresa “A” apresenta prejuízo fiscal significativo. Empresa
“B” é lucrativa. Ambas possuem atividades semelhantes, e seus sócios decidem unilas. 15
b) Procedimento usual: A empresa lucrativa incorpora a empresa deficitária,
mantendo seu nome, CGC, sede.
c) Exame da situação-problema sob o aspecto do planejamento tributário: O
Decreto-Lei 2.341/87 determina, no seu artigo 33, que a pessoa jurídica sucessora por
incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida.
Portanto, se a empresa que apresenta prejuízo fiscal (no caso, a companhia “A”) for
incorporada pela lucrativa, perde-se a possibilidade de aproveitamento do prejuízo com
resultados positivos futuros da incorporadora. Como proceder?
Assim, a solução para que haja possibilidade de compensar prejuízos é: a
Empresa “A” (deficitária) incorpora a firma “B” (lucrativa).
Após, a incorporação, a organização “A”, mudará sua denominação e sede
social, assumindo por completo a atividade de “B”.
Desse modo, a lucratividade de “B”, inerente à atividade assumida por “A”
sofrerá menor impacto pelo imposto de renda, enquanto persistir o prejuízo fiscal
da incorporadora (o mesmo é válido para a base de cálculo negativa da contribuição
social sobre o lucro).
d) Estudo do Caso:
14
15
Hipótese prevista por José Eduardo Longo, in Op. Cit., p.
NEVES, Silvério e VICECONTI, Paulo E. V. Contabilidade avançada e análise das demonstrações
financeiras. 10. ed. revista e atualizada. São Paulo: Frase Editora, 2001, p.325.
109
O ato ou omissão é anterior ao fato gerador? O ato ou omissão é lícito, e não fere
a lei? É caso de simulação?
A operação societária de incorporação corresponde à união de duas empresas
onde a primeira assume os direitos e obrigações da segunda, mantendo-se a
personalidade jurídica da primeira. 16
O fato de a empresa deficitária incorporar a lucrativa não descaracteriza o
instituto jurídico da incorporação, porque o ato é lícito e válido.
O que existe é apenas uma diferença do ponto de vista fiscal, pois a legislação
tributária prevê que eventual saldo de prejuízo fiscal a compensar da empresa
incorporada não poderá ser aproveitado pela incorporadora.
Não se proíbe a incorporação da lucrativa pela deficitária; portanto, a conduta
do planejamento é permitida e qualificada como caso de elisão fiscal.
Não se configura hipótese de simulação, pois nos acórdãos abaixo relatados, a
Câmara Superior de Recursos Fiscais, proferiu as seguintes decisões:
"Simulação na Incorporação – para que se possa materializar é indispensável que
o ato praticado não pudesse ser realizado, por vedação legal ou por qualquer outra
razão. Se não existia impedimento para a realização da incorporação tal como realizada
e o ato praticado não é de natureza diversa daquele que de fato aparenta, isto é se de fato
e de direito não ocorreu ato diverso da incorporação, não há como classificar a operação
de simulada. Os objetivos visados com a prática do ato não interferem na qualificação
do ato praticado, portanto, se o ato praticado era lícito, as eventuais consequências
contrárias ao fisco devem ser qualificadas, como casos de elisão fiscal e não de evasão
ilícita." (Ac. CSRF/01-01.874/94).
SEPARAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇO
Situação inicial: Empresa A vende mercadorias, e, em razão do seguimento de
mercado, também presta serviços relativos a essa atividade.
Procedimento usual: A empresa vende a mercadoria e inclui no preço o serviço
prestado para o mesmo cliente. A consequência é que incide ICMS sobre a soma dos
valores da mercadoria e do serviço.
16
A Lei 6.404/76 define a incorporação como: “Art. 227 – A incorporação é a operação pela qual uma ou
mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.”
110
Planejamento: No caso de efetiva separação entre a mercadoria e o serviço,
separam-se realmente as duas atividades. Se necessário constitui-se nova empresa para o
fim específico de prestação de serviço.
Assim, a operação de venda de mercadoria sofre a incidência de ICMS 17. A
prestação do serviço sofre incidência de ISS 18, geralmente com alíquota menor que o
ICMS. Dessa forma reduz-se o impacto fiscal sobre o valor atribuído ao serviço.
Comentários: Note-se que a mercadoria pode ser vendida sem a prestação do
serviço. A empresa não se encontra impedida de dividir a sua atividade, inclusive com
outra empresa, de modo que uma apenas vende a mercadoria, enquanto que a outra
somente presta serviço (para os clientes da empresa comercial e para outros também).
É o caso de uma empresa que vende móveis modulados (armários de cozinha,
etc.), cuja montagem pode ser executada pelo próprio cliente ou por pessoa que lhe
preste serviço.
Ou uma empresa que venda artigos de decoração que, a pedido de cliente,
também presta serviço de projetos de decoração. Com isso, emite duas notas fiscais:
uma nota fiscal correspondente a venda de mercadoria e outra pela prestação do serviço.
De fato, as atividades podem ser exercidas separadamente, gerando reflexos fiscais
diferentes.
LOCAÇÃO DE SEDE DE EMPRESA
Situação inicial: Empresa lucrativa é sujeita à apuração do Imposto sobre a
Renda – IR pelo regime de lucro real, e é proprietária do imóvel onde se encontra
estabelecida.
Procedimento usual: A empresa lança despesa de depreciação da construção.
Sua tributação sobre o lucro é de até 33% (IR: 15% e adicional de 10%;
Contribuição Social sobre o Lucro – CSL: 8%). 19
17
RIBEIRO, Osni Moura. Contabilidade comercial: fácil. 11. ed. Reformulada e atualizada. São Paulo:
Saraiva, 1996, p.80.
18
RIBEIRO, Osni Moura. Op. Cit. p.90.
19
RIBEIRO, Osni Moura. Op. Cit. p.259.
111
Planejamento: Transferir a propriedade do estabelecimento 20 para outra pessoa
jurídica, desde que tributada pelo lucro presumido, para receber aluguel da empresa
operacional.
O aluguel, a valor de mercado, representa despesa par a empresa operacional
com redução de 33% do valor, a título de IR e CSL; e representa receita para a empresa
patrimonial, a qual pagará tributos da ordem de 8,41% a 11,61% do valor da receita
(dependendo do adicional, e já consideradas as contribuições PIS e COFINS).
Assim há redução fiscal (IR e CSL) em torno de 25% do valor correspondente
ao aluguel.
Comentários: A organização de grupo de empresa ou de patrimônio é
preocupação costumeira. Por isso, existem conglomerados nas mais diferentes
estruturas.
No caso, as empresas têm objetos sociais distintos, uma explora a indústria,
enquanto outra, o patrimônio. Portanto, não há simulação nem ilegalidade.
DISTRIBUIÇÃO DE MERCADORIA POR OUTRO ESTADO
Situação inicial: Indústria fabrica produto, tributado pelo ICMS 21, destinado em
sua grande parte para clientes localizados no mesmo Estado em que se encontra
estabelecida.
Procedimento usual: A indústria vende seus produtos diretamente a seus clientes
(comerciantes) c com ICMS destacado à alíquota de 18% .
Planejamento: A empresa abre filial comercial em outro Estado, para distribuir
seus produtos para todo o território nacional, inclusive para o mesmo Estado do qual
advém seu estoque.
20
Segundo KAPLAN, Robert S. e NORTON, David P.:...“Um estudo do Brrokings Institute, de 1982,
mostrou que o valor contábil dos ativos tangíveis representava 62% do valor de mercado das organizações
industriais. Dez anos mais tarde, o índice caiu para 38%. E estudos recentes estimaram que, em fins do
século XX, o valor contábil dos ativos tangíveis correspondiam a apenas 10 a 15% do valor de mercado
das empresas. Sem dúvida as oportunidades para a criação de valor estão migrando da gestão de ativos
tangíveis par a gestão de estratégias baseadas no conhecimento, que exploram os ativos intangíveis da
organização: relacionamento com os clientes, produtos e serviços inovadores, tecnologia da informação e
bancos de dados, além de capacidades, habilidades e motivação dos empregados.p.12.”
21
FRANCO, Hilário. Contabilidade industrial. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1991.p.128.
112
Com isso, o estabelecimento industrial remete para o estabelecimento comercial
(em outro Estado) seus produtos com alíquota de ICMS de 12%; o estabelecimento
comercial vende mercadoria aos clientes (comerciantes) com ICMS de 12%. Ambas
operações são interestaduais e gozam de incidência de ICMS com alíquota de 12%.
A consequência é que a indústria recolhe ICMS inferior (12% em vez de 18%), e
o estabelecimento comercial nada recolhe, porque recebeu a mercadoria com crédito de
ICMS a 12% e vendeu a mercadoria com débito de ICMS a 12% também.
A diferença dos 12% para os 18% será apurada na venda pelo cliente ao
consumidor final, porque seu crédito será de 12% e seu débito de 18%.
Comentários: no caso, o planejamento tributário objetiva o retardamento do
recolhimento do imposto; ao final da cadeia, o Estado recebe o imposto integral,
calculado com valor de venda e como alíquota interna.
O custo da estrutura é justificado pelo fato de que geralmente a indústria vende
com prazo longo, mas adianta o valor do ICMS ao Estado (a hipótese de incidência é a
saída, e não o pagamento).
No tocante à conduta em si, a mesma é permitida, e existe previsão legal para
sua tributação (transferência entre estabelecimentos e venda interestadual).
REDUÇÃO DE CAPITAL SEGUIDA DE VENDA DO ATIVO
Situação inicial: Imóvel que será alienado e que se encontra na empresa por
valor contábil inferior ao de mercado.
Procedimento usual: A empresa vende-o e paga IR e CSL, no valor equivalente a
até 33% sobre o ganho de capital.
Planejamento: A empresa devolve ao sócio pessoa física o imóvel como
pagamento de parte de suas quotas ou ações, pelo valor contábil, nos termos da Lei
9.249/95, art. 22.
Após, a pessoa física (sócio), que mantém o mesmo custo antes de registrado na
empresa, vende o imóvel e é tributada com alíquota de 15% sobre o ganho de capital.
Desse modo, é possível reduzir o curto fiscal até 18% (de 33% na empresa contra 15%
na pessoa física).
113
Comentários: A redução de capital está prevista na legislação societária e na
tributária, e a sua prática, antes da venda do imóvel, confere legitimidade ao
planejamento tributário.
Não há que se falar em ilegalidade nem em simulação. As partes – pessoa
jurídica e pessoa física – querem a devolução do imóvel ao sócio, e é exatamente esse o
ato jurídico. O destino dado ao imóvel, após a redução de capital, não interessa para a
natureza jurídica e licitude do ato jurídico.
O planejamento tributário acontece com a preocupação da pessoa em evitar,
reduzir ou retardar a carga fiscal.
Além de ser lícito, o procedimento denominado planejamento tributário deve
ocorrer antes de praticado o fato tributário que se quer evitar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Numa era conhecida como "era da informação" na qual há uma grande mudança
paradigmática decorrente das transformações tecnológicas, políticas, econômicas,
sociais e culturais, o ambiente empresarial encontra-se em constante mutação. Em
decorrência destes fatores, as empresas necessitam permanentemente de se adaptarem,
estabelecendo planos estratégicos que possibilitem a sua permanência no mercado,
atendendo às expectativas de seus clientes e de seus acionistas. Desse modo, os gestores
devem envidar esforços para assegurar a competitividade das organizações e,
consequentemente, eles precisam de informações que venham auxilia-los no processo
de tomada de decisão.
Neste mister, o processo de gestão empresarial possui cinco funções:
planejamento, organização, controle, comunicação e motivação. Ele é fundamental para
a permanente melhoria da competitividade e a Controladoria tem a importante função de
auxiliar o gestor através do sistema do gerenciamento de informação.
Entretanto, a função do Controller dentro de uma organização é ampla, e para
melhor compreender as novas abordagens teóricas do gerenciamento de custos e preços,
torna-se necessário, examinar sob a perspectiva de gestão dos custos, o referencial
teórico e as ferramentas disponíveis para que se possa montar uma estratégia
competitiva eficiente e eficaz.
114
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117
OS ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE AREIA BRANCA EM
SERGIPE E SUAS RELAÇÕES POLÍTICA, ECONÔMICA E
SOCIAL
Rafael Antônio André de Souza 1
RESUMO
Este trabalho se desenvolve sobre as relações dos assentamentos Água Branca e São
Paulo com os seus entorno representada pelas através das relações sociais, econômicas e
políticas. Primeiramente serão analisadas as relações a partir do assentamento com seu
entorno. Em seguida serão analisadas as relações mútuas, ou seja, aquelas que envolvam
o assentamento com outra localidade e vice-versa, ou até mesmo as relações mútuas no
próprio assentamento. E por último serão analisadas as relações que se originam das
outras localidades em busca de suas necessidades através dos serviços dos
assentamentos. O trabalho terá sua abordagem na análise dos dados. O objetivo geral é
demonstrar que não se pode pensar em assentamento como isolado do sistema, lutando
contra a agricultura moderna. Com este propósito as condições de vida como assentados
dos assentamentos do município de Areia Branca melhoraram, mas ainda é pouco e eles
têm esperança que um dia será melhor.
Palavras-chaves: Assentamentos rurais, Políticas Públicas, Relações com o entorno.
RESUMEN
En este trabajo se profundiza en la relación de los asentamientos y White Water Sao
Paulo con su entorno representan por medio de la vida social, económica y política. En
primer lugar se analizará la relación de la liquidación con el entorno. A continuación se
analizarán las relaciones mutuas, es decir, los que implican el acuerdo con otra
ubicación y viceversa, o incluso sus relaciones mutuas en el propio asentamiento. Y por
último, las relaciones que se originan en otros lugares en busca de sus necesidades a
través de los servicios de los asentamientos serán revisados. El trabajo tendrá su
enfoque al análisis de datos. El objetivo general es demostrar que uno no puede pensar
en asentamientos como un sistema aislado, la lucha contra la agricultura moderna. Para
ello, las condiciones de vida como los colonos de los asentamientos municipales White
Sand mejorado, pero sigue siendo poco y tienen la esperanza de que algún día será
mejor.
Palabras clave: asentamientos rurales, políticas públicas, relaciones con el entorno.
1
Contador e Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Aluno especial do Doutorado
PPDRU da Unifacs.
118
INTRODUÇÃO
A estrutura fundiária do Estado de Sergipe, altamente concentrada, gerou
conflitos e tensões sociais no campo. O governo do Estado de Sergipe para amenizar
esses conflitos inseriu-se num projeto de âmbito nacional, com recursos do
POLONORDESTE, que a partir de 1985 desenvolveu um programa de reorganização e
reestruturação fundiária, tentando evitar as tensões no campo. Mas somente em 1986, o
município de Areia Branca entrou no programa de reestruturação fundiária quando da
desapropriação de parte da Fazenda São Paulo onde foi implantado o assentamento São
Paulo.
Já o assentamento Água Branca foi implantado em 1984 numa conjuntura de
tensões e greves bem organizadas dos trabalhadores da zona canavieira no Nordeste.
Mas para amenizar as tensões e desmobilizar as greves, o governo do Estado de Sergipe
através do PROCANOR desapropriou parte da Fazenda Água Branca, que deu origem
ao assentamento do mesmo nome.
Os assentamentos Água Branca e São Paulo são analisados com o seu entorno
através das relações sociais, econômicas e políticas. Primeiramente serão analisadas as
relações a partir do assentamento com seu entorno. Em seguida serão analisadas as
relações mútuas, ou seja, aquelas que envolvam o assentamento com outra localidade e
vice-versa, ou até mesmo as relações mútuas no próprio assentamento. E por último
serão analisadas as relações que se originam das outras localidades em busca de suas
necessidades através dos serviços dos assentamentos.
O ASSENTAMENTO ÁGUA BRANCA
O projeto de Assentamento Rural Água Branca foi criado pelo PROCANOR em
1984. Localiza-se no município de Areia Branca, Estado de Sergipe, cerca de 05 Km do
povoado Pedrinhas e a 17 Km da sede do município. A área total do assentamento Água
Branca é de 73 hectares, dividido em 27 lotes de 2,5 hectares cada. Consiste em terras
obtidas mediante iniciativa estadual sob a responsabilidade do extinto PROCANOR que
teve a participação financeira do PRONESE, INCRA, BNB, Banco do Brasil, Prefeitura
Municipal e Governo do Estado. Atualmente, o assentamento existe de fato, mas não
119
oficialmente, pois após a extinção do PROCANOR, ele não está cadastrado em nenhum
órgão competente, além de não existir a planta baixa.
CARACTERÍSTICAS
O assentamento Água Branca foi originário da Fazenda Água Branca,
pertencente ao Sr. José Dora, que antes da desapropriação era ocupada com 90% de
mata e 10% pela pecuária tradicional. Apenas parte da fazenda foi desapropriada, ou
seja, 73 hectares. Porém, não se tem conhecimento de ocorrência de conflitos ou tensões
sociais durante o processo de desapropriação da área e implantação do assentamento.
Não houve processo de mobilização, apenas a obrigatoriedade das 27 famílias de
permanecerem na área, de forma pacífica, para poder ser beneficiado com o lote através
de sorteio. Entretanto, até o encerramento da pesquisa, os assentados ainda não possuem
a escritura definitiva dos lotes.
O assentamento Água Branca localiza-se próximo a grandes propriedades que
cultivam as culturas da cana-de-açúcar, laranja e da atividade da pecuária. Ou seja, o
que predomina no entorno são os latifúndios, sendo contrastante com a presença de
pequenos estabelecimentos agrícolas que praticam agricultura de subsistência e não
possuem os privilégios e os incentivos governamentais comuns tanto para a
monocultura da cana-de-açúcar como para a laranja e a pecuária.
O assentamento Água Branca não possui estruturas de armazenamento,
demonstrando que a comercialização não é controlada pelo assentamento, sendo
dependente de atravessadores ou pelas vendas diretas pelos próprios assentados. Não
existe no assentamento, iniciativa de organização da produção e comercialização pelos
assentados. Não há experiência de trabalho de forma coletiva e sim o individual,
verificando uma falta de visão e capacitação dos assentados.
O assentamento possui no seu total, 14 casas. As casas do assentamento são
simples, com menos de 04 cômodos. Do total, 04 são de alvenaria e 10 construídas de
ripas encontradas na própria mata na época quando da implantação do assentamento.
Das 27 famílias cadastradas apenas 07 moram no assentamento e o restante no
povoado Pedrinhas. Sendo do total de casas existente, 10 estão escoradas para não
caírem, servindo apenas para os assentados guardarem as ferramentas durante o dia e
120
retornarem ao Povoado Pedrinhas. Assim, dos 07 assentados que moram no
assentamento, 04 possuem casas de alvenarias e 03 moram nas casas de taipa.
Das 14 casas do assentamento, apenas 07 têm energia elétrica, mesmo assim
devido á eletrificação rural implantada somente em 1997 pelo PRONESE, ou seja, 13
anos após a implantação do assentamento. Quanto a utilização dessa energia elétrica
deveria ser utilizada, também, para o sistema de irrigação, escola, posto de saúde,
galpões, entre outras benfeitorias.
O assentamento atualmente é composto por 27 famílias e apenas 05 são oriundos
do projeto original. Os demais assentados residem no povoado Pedrinhas onde já tinham
suas casas antes da criação do assentamento e se deslocam para o assentamento para
realizarem suas tarefas diárias. Segundo os entrevistados, “se a morada fosse boa, nós
queríamos morar no assentamento”, não precisando assim fazer o trajeto diário de 10
Km.
A pesquisa realizada nesse assentamento consistiu em entrevistas de 15
assentados e de acordo com os entrevistados, 14 são originários do município de Areia
Branca, e apenas 01 do município de Riachuelo. Antes de vir para o município de Areia
Branca, dos 15 entrevistados, 13 residiram no município de Areia Branca, 01 no
município de Riachuelo e 01 no município de Propriá.
Ainda de acordo com os 15 entrevistados, todos residem atualmente no
município de Areia Branca desde a década de 1960. Tiveram como local de moradia,
antes de vir para o assentamento, o meio rural dos respectivos municípios de origem.
Declararam ainda que não possuíam terras antes de vir para o assentamento e
desempenhavam atividade na agricultura de subsistência como a mandioca, milho e
feijão.
Os assentados compartilham com um único boi e carroça (os que têm) que serve
de veículo para o transporte próprio e deslocamento para armazenamento da produção
em suas residências no povoado Pedrinhas. As estradas internas do assentamento se
apresentam em boas condições, não comprometendo o deslocamento das famílias e da
produção.
As 07 famílias que moram no assentamento possuem um total de 24 filhos em
idade de trabalho, mas apenas 02 moram no assentamento e ajudam nas tarefas diárias.
Os demais são assalariados na zona rural e nas cidades de Areia Branca, Itabaiana e
Aracaju.
121
Segundo depoimentos dos entrevistados, do total dos 27 assentados cadastrados,
20 têm como atividade complementar, o corte da cana-de-açúcar na época da colheita.
Evidenciando dessa forma, a mão-de-obra assalariada, pois o que se espera é que os
assentados sobrevivam da sua própria produção e não de serem assalariados. Pois
segundo os entrevistados, eles recebem por dia de trabalho no canavial a quantia de R$
5,00 (cinco reais) e sem refeições por parte do empregador.
Quanto ao nível de instrução dos assentados, dos 15 entrevistados, apenas 02
possuem o ensino fundamental incompleto (1a. a 4a. série) e 13 são analfabetos. Com
relação à escolaridade dos membros das famílias, segundo as entrevistas,
particularmente os filhos dos assentados, com média de 03 por família e com idade
entre 20 e 40 anos, são alfabetizados.
Segundo os depoimentos dos moradores do assentamento, a explicação para o
analfabetismo é que como no próprio assentamento não possui escola, eles se queixam
das dificuldades com relação à distância, pois são obrigados a se deslocarem para o
povoado Pedrinhas. Esse povoado dispõe de uma escola que oferece apenas o ensino
fundamental (1a. a 4a. série), necessitando de procurarem a sede municipal para
concluírem o restante da escolaridade. Entretanto, nenhum projeto de cunho educacional
para a erradicação do analfabetismo no assentamento jamais foi concedido.
Observa-se que o nível de escolaridade dos assentados é um fator que limita o
desenvolvimento do assentamento Água Branca, principalmente em relação ao uso de
novas tecnologias. Pois os assentados, segundo os técnicos da EMDAGRO, eles se
recusam às inovações por não terem conhecimentos, não aceitando as novidades
tecnológicas. Outro fator, além da escolaridade, para o não acesso às inovações é a
descapitalização das famílias.
As dificuldades com a falta de infraestrutura como a qualidade da moradia,
ausência de escola e de posto de saúde, explica a não permanência dos seus filhos no
assentamento. Pois segundo os 15 entrevistados, devidos as dificuldades mencionadas,
todos desejam que seus filhos sigam outras profissões que não às de agricultores ou
assentados.
O assentamento possui na área coletiva, apenas a sede da associação, fundada
oficialmente em 1993 por todos os 27 assentados, mas atualmente 16 participam
ativamente. A associação serve tanto como local de reuniões, onde discutem seus
problemas, como também para abrigar uma casa-de-farinha elétrica para beneficiamento
da mandioca produzida no assentamento. Evitando deslocamento da produção de
122
mandioca do assentamento para o Povoado Pedrinhas que detém uma casa-de-farinha
apenas manual.
A associação através de um representante escolhido em assembleia detém
importante função em reuniões do CONDEM em que reivindicam as melhorias para o
assentamento como as estradas externas, manutenção da casa-de-farinha elétrica, entre
outras.
Cabe ressaltar que o deslocamento dos assentados não é só para as questões de
moradia e educação, mas também para os serviços de saúde, pois esses são encontrados
no povoado Pedrinhas ou na sede municipal de Areia Branca. O acesso aos serviços de
saúde está vinculado mais aos centros de saúde do município, pois não existe a presença
de médicos e medicamentos no próprio assentamento.
Com relação à comunicação com outros povoados ou mesmo com a sede do
município, essa só é possível através de telefone público, mesmo assim localizado no
povoado Pedrinhas, pois o assentamento não dispõe sequer de um telefone público,
verificando o isolamento do assentamento Água Branca no que se refere à comunicação.
No tocante a atividade agrícola do assentamento, ela é baseada nos cultivos de
produtos como a mandioca, milho, feijão, inhame, batata e amendoim. Já a lavoura
permanente é representada pelas fruteiras como a jaca e a manga.
A produção nos lotes do assentamento, segundo os 15 entrevistados, está na
dependência da mão-de-obra familiar, com a utilização de animais de tração. Não há
produção por grupo e sim uma produção individual, tradicionalmente familiar, em que
se realiza sob o domínio e responsabilidade exclusiva do titular e raramente com alguns
membros da família. Ainda de acordo com os entrevistados, todas as famílias do
assentamento atuam nessa modalidade, que é predominante e constante desde a época
da criação do assentamento, integrando assim, o assentamento no contexto da
agricultura familiar.
Quanto à renda familiar, ela é baixa, variando de 0,5 a 01 salário mínimo ao
mês. A qualidade do solo contribui para a baixa renda, pois segundo os técnicos da
EMDAGRO, os solos são pobres ou perderam parte de sua fertilidade natural, apesar da
orientação no sentido de corrigir a acidez do solo, exigindo dos assentados um maior
desprendimento de esforço de trabalho, cada vez mais em busca de uma maior
produtividade.
O fator financeiro é outro elemento determinante da baixa renda, pois os
assentados precisam investir (para obterem rendas) em insumos, equipamentos e
123
máquinas, além da mudança de mentalidade para cultivar outras culturas que não seja as
comuns produzidas na região.
O preparo do solo, plantio e os tratos culturais são realizados de forma manual
com a utilização de tração animal. O uso de insumos modernos como fertilizantes e
adubos químicos são inexpressivos, apesar das recomendações da assistência técnica
estadual da EMDAGRO e da Secretaria Municipal da Agricultura, mas o fator
financeiro é decisivo e limitante.
Quanto aos equipamentos agrícolas disponíveis no assentamento, este é um fator
limitante à produção, visto serem ferramentas e equipamentos simples, porém essenciais
como enxadas, machados, cavadeiras. Não há evidências de arado, grade, motor elétrico
e muito menos de trator e caminhão. Utilizam como meios de transporte algumas
bicicletas e carroças.
Quanto aos financiamentos houve em 1996, para aquisição de cercas, carroças e
gado, através do BNB com mediação da associação. Mas a situação financeira agravouse e eles não conseguiram saldar suas dívidas, tornando-se inadimplentes com a
instituição financeira. Porém, no final do ano de 2002, houve uma renegociação da
dívida com redução de 70% do montante e o restante renovado em 15 anos.
AS RELAÇÕES SOCIAIS
A relação social do assentamento é representada pelos elementos sociais (posto
de saúde, escola, telefone público, casa-de-farinha, associação, entre outros) que os
assentamentos têm com o entorno próximo (povoado Pedrinhas) ou no próprio
assentamento ou com localidades mais distantes como as sedes municipais de Areia
Branca, Itabaiana e Aracaju.
Observou-se que as relações sociais do assentamento elas são mais intensas com
o seu entorno mais próximo, no caso da sede do município de Areia Branca e com o
povoado Pedrinhas do que no próprio assentamento.
A relação social entre o assentamento e o povoado Pedrinhas é de média
intensidade, devido à falta de infraestrutura básica do próprio assentamento como
moradias apropriadas (com água encanada, esgoto, etc.), escola, posto de saúde,
telefone público entre outros. Todos esses itens mencionados são ofertados ao
assentamento no povoado Pedrinhas. Estes povoados por sua vez mantêm relações
124
sociais mútuas com o assentamento, de fraca intensidade, através das moradias, pois 20
assentados moram nesse povoado e vão para o assentamento que após as tarefas diárias
retornam para o povoado Pedrinhas.
O assentamento deveria oferecer o seu único serviço (casa-de-farinha elétrica)
para beneficiamento do seu entorno. Mas à distância entre o assentamento e o povoado
mais próximo (Pedrinhas) dificulta o deslocamento da produção de mandioca para o
beneficiamento da farinha, preferindo os pequenos agricultores desse utilizarem a casade-farinha manual.
No próprio assentamento, ou seja, as relações mútuas são de fraca intensidade.
Só ocorrem quando se reúnem na casa-de-farinha para o beneficiamento da farinha ou
quando há reunião na associação uma vez por mês.
O assentamento Água Branca mantém relações sociais com as sedes municipais
de Areia Branca e Itabaiana, além da sede municipal de Aracaju.
Com a sede municipal de Areia Branca, as relações são de forte intensidade.
Essas relações são representadas pela procura dos assentados aos serviços mais
especializados que não são encontrados no assentamento nem no povoado Pedrinhas, a
exemplo da continuidade escolar, centro-de-saúde, hospital, posto telefônico, transporte
coletivo. A Instituições financeiras, além da participação nas reuniões do CONDEM e
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Areia Branca, da assistência técnica da
Secretaria Municipal da Agricultura e da assistência da Prefeitura municipal na
manutenção da casa-de-farinha elétrica e da estrada externa que dá acesso ao
assentamento, são outros exemplos da relação social com a sede municipal de Areia
Branca.
Já a sede municipal de Areia Branca tem relação social mútua com o
assentamento, de fraca intensidade, representada apenas pelo item moradia, pois existe
um assentado que tem residência na sede municipal de Areia Branca.
Com a sede municipal de Itabaiana, as relações são de média intensidade, só
ocorrendo através do Banco do Nordeste do Brasil para efetuarem os pagamentos dos
seus débitos e se atualizarem com as informações a respeito de outros financiamentos.
Outra relação é com a EMDAGRO pela assistência técnica e ainda pela utilização do
Hospital regional de Itabaiana.
Já o assentamento com a capital sergipana, as relações são de baixa intensidade,
são representadas pelo INCRA que trata das questões da terra e do hospital de Aracaju.
125
Ou seja, os assentados procuram a capital na busca de serviços especializados não
encontrados nas adjacências como melhores hospitais.
Em análise das relações sociais, o assentamento Água Branca não possui
relações de forte intensidade no próprio assentamento pela falta de infraestrutura básica.
Por este motivo relaciona-se com o seu entorno com mais intensidade para suprir suas
necessidades sociais como moradias, saúde, educação, entre outros.
A infraestrutura básica do assentamento Água Branca foi um fator limitante para
o seu desenvolvimento. As estradas externas que serve para o escoamento da produção
são precárias, o acesso à energia elétrica é uma realidade, porém pouco explorada. As
condições das moradias não são boas, sendo diretamente relacionada ao não
beneficiamento do crédito de habitação e a maioria dos assentados não investiram em
moradias e poucos que residem no assentamento, moram em casa de alvenaria e os
demais moram em casas de taipa.
O assentamento, por sua vez, não oferece serviços para o seu entorno. Ou seja,
as relações sociais a partir do assentamento são de fraca intensidade e elas servem
apenas para suprir as necessidades dos assentados, não beneficiando o seu entorno,
demonstrando que o assentamento, no aspecto social, até o momento não deu certo.
AS RELAÇÕES ECONÔMICAS
Quanto à relação econômica do assentamento Água Branca, se inicia com a
venda dos produtos, através dos assentados, diretamente nas feiras livres ou via
intermediários para obter os recursos necessários para aquisição dos bens de consumo,
não produzidos no assentamento.
No próprio assentamento existem relações econômicas, de média intensidade,
representada através da venda de produtos agrícolas, das frutas e da farinha produzida
entre os assentados que adquire para revenda em feiras livres.
A produção no assentamento propicia a geração de produtos característicos da
agricultura familiar como a mandioca, milho, feijão, inhame, batata e amendoim,
principalmente a farinha que é destinada ao abastecimento nos mercados locais como
Areia Branca e Itabaiana e até em mercados fora da região como as feiras dos bairros
Augusto Franco e Orlando Dantas, localizados na capital sergipana. A produção do leite
é destinada para o consumo interno do assentamento.
126
Outro produto de destaque é a produção de fruteiras como a manga e a jaca com
vendas nos mercados locais de Aracaju, Itabaiana e Areia Branca, sendo a jaca
comercializadas também em São Paulo através de intermediário (caminhoneiro) que
compra, por exemplo, uma jaca a R$ 0,50 a unidade e revende na capital paulista a R$
10,00 cada.
Segundo depoimento dos 15 entrevistados, os assentados que moram no
povoado Pedrinhas, todos possuem bens de consumo como televisores, geladeiras,
fogões e outros. Adquiriram além destes bens citados, materiais de construções, móveis,
vestuários e alimentos no comércio local de Areia Branca.
Os assentados, segundo a pesquisa, adquiriram os produtos acima mencionados,
com Nota Fiscal, evidenciando (se recolhido o imposto por parte do estabelecimento)
uma maior arrecadação do ICMS para o Estado. Consequentemente, maior a
participação da transferência do referido imposto para os cofres do município de Areia
Branca, contribuindo, se bem utilizados, em aplicação em benefícios para a população
local em forma de saúde, educação, infraestrutura, saneamento básico, entre outros.
No tocante a relação econômica, observa-se que a principal relação do
assentamento é com a sede municipal de Areia Branca pela venda na feira livre da
produção agrícola, frutas e também da farinha produzida no assentamento,
caracterizando uma relação de média intensidade. Já a relação da sede municipal com o
assentamento, de forte intensidade, se dá através da aquisição dos bens de consumo,
vestuários, dos móveis e eletrodomésticos, materiais de construção e insumos agrícolas
pelos assentados.
Outra relação com o entrono do assentamento (de fraca intensidade) observada é
com o povoado Pedrinhas através da aquisição dos produtos de bens de consumo como
óleo, arroz, entre outros, nos estabelecimentos localizados nesse povoado. Com a sede
municipal de Itabaiana e Aracaju as relações são as mesmas mencionadas com a sede
municipal de Areia Branca, ou seja, as típicas de venda pelos assentados em feiras livres
dos produtos das vendas agrícolas, farinha e frutas. Observa-se que as relações do
assentamento com as sedes municipais de Areia Branca, Aracaju e Itabaiana são de
média intensidade.
Mas o destaque é a venda de jaca e manga para a capital de São Paulo. Mas
apesar de extrapolar os limites do Estado de Sergipe, a relação econômica com a capital
paulista é apenas sazonal, pois depende do intermediário, não se configurando uma
relação econômica permanente como é o caso das vendas da Jaca e Manga em feiras
127
livres de Aracaju, Itabaiana e Areia Branca. A relação econômica com a capital paulista
é de fraca intensidade.
Em análise da relação econômica do assentamento Água Branca com o seu
entorno (sedes de Areia Branca, Itabaiana e Aracaju) ela é de média intensidade. A
exceção fica com a sede municipal de Areia Branca através das vendas de frutas pela
aquisição dos produtos não produzidos no comércio local. Assim, os assentados
contabilizam uma baixa renda (em média, menos de 01 salário mínimo por mês). Essa
baixa renda explica a pobreza que é refletida nas condições de vida, pois os assentados
não conseguem sequer pagar suas dívidas com o banco.
AS RELAÇÕES POLÍTICAS
Foi visto que no aspecto social, devido à falta de infraestrutura básica, o
assentamento tem fragilidade no aspecto social. Esse isolamento não se verifica somente
no social mais também no aspecto político, pois o assentamento Água Branca não
possui a presença política do MST e nem possui nenhum vínculo com outros
movimentos sociais mais amplos como a Comissão Pastoral da Terra e a CONTAG.
Quanto ao apoio dos governos federal, estadual e municipal no assentamento
Água Branca, ela se resume na participação da assistência técnica através da
EMDAGRO, bem como no programa de eletrificação rural através do PRONESE. O
INCRA também participa pela questão fundiária do assentamento.
Já o apoio municipal, se resume na Secretaria da Agricultura do Município de
Areia Branca, mesmo assim com poucos recursos financeiros, gerenciando apenas os
recursos do PRONAF que o município recebia. Ressalta-se que a Prefeitura de Areia
Branca até a conclusão da pesquisa, apresentava problemas de prestação de contas
perante o Tribunal de Contas do Estado referente ao PRONAF dos anos de 2001 e 2002.
Com relação ao ano de 2003 os recursos do PRONAF já não constam mais no
orçamento do município como transferência.
Cabe ressaltar a atuação da prefeitura de Areia Branca nas manutenções da casade-farinha elétrica e da estrada externa, não asfaltada, nos períodos chuvosos, bem
como também a atuação da Secretaria da Agricultura Municipal de Areia Branca que
presta assistência técnica ao assentamento, se bem que de forma ainda limitada pelos
recursos financeiros disponíveis. O oferecimento de serviços como transporte e posto
128
telefônico ou organização do espaço público interno para o assentamento como área de
lazer, praças públicas e manutenção de estradas internas, é inexistente.
O assentamento nunca elegeu um vereador. No tocante a participação dos
assentados sobre as decisões importantes do assentamento se faz através de reuniões
com a presença de todos os assentados e não há participação de nenhum partido político
ou de outra associação, de sindicatos e outros movimentos.
Os assentados, segundo todos os entrevistados, não pretendem se candidatar para
Vereador, Prefeito, membro de movimentos populares, Sindicato e muito menos para
ser líder da associação, pois não houve registro de nenhuma candidatura a qualquer
cargo eletivo, demonstrando que a abrangência política do assentamento Água Branca
se limita apenas ao município de Areia Branca através da participação dos assentados
como eleitores.
As relações políticas a exemplo das relações sociais e econômicas (com exceção
da sede municipal de Areia Branca) elas são de fraca intensidade, pois o assentamento
não possui integração com os movimentos sociais e está perdendo a oportunidade, pela
não presença dos mediadores como a ação da Igreja, do MST, do Sindicato que atuam
numa rede de relações que ultrapassam a nível municipal, estadual e nacional,
permitindo que uma questão local possa ser tratada como algo mais amplo, que envolva
interesses mais globais, eliminando a possibilidade de analisar os assentados
estritamente sob a ótica do particularismo.
A relação política dentro do assentamento se resume apenas na atuação através
da associação, mesmo assim de forma restrita devido a não participação de todos os
assentados. A associação além da atuação restrita enfrenta também problema de gestão
interna, ocasionado pela desunião entre os assentados e consequentemente uma fraca
intensidade das relações políticas com o poder público local.
Observa-se que o assentamento mantém relações políticas, de forte intensidade,
com a sede municipal de Areia Branca através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Areia Branca; pela requisição na Prefeitura local (ás vezes com mediação de
vereador) dos serviços como a melhorias das estradas externas (em épocas chuvosas);
reuniões no Conselho de Desenvolvimento Municipal (CONDEM) na sede municipal
de Areia Branca; relações com políticas públicas através do PRONAF e PRONESE,
além das instituições financeiras com mediação da associação.
Com o povoado Pedrinhas existe relação política mútua, através dos assentados
que residem nesse povoado e que pertencem ao mesmo tempo na associação de
129
moradores do povoado, havendo uma integração nas duas localidades. Há ainda
relações mútuas com o próprio assentamento através da associação em que se reúnem
para decidirem as questões fundamentais do assentamento.
Com o entorno mais distante como Aracaju e Itabaiana, apenas mantém relação
com os órgãos públicos como o INCRA, PRONESE e EMDAGRO (este último na
cidade de Itabaiana), caracterizando uma relação de fraca intensidade.
O ASSENTAMENTO SÃO PAULO
O assentamento São Paulo é originário da fazenda do mesmo nome, que antes da
desapropriação era ocupada pela pecuária tradicional, de propriedade do Sr. Carlos de
Menezes Faro, em que, das 5 mil tarefas originais, foram adquiridas cerca de 2 mil
tarefas em 22 de março de 1984, com recursos do Programa do POLONORDESTE. Tal
fato só foi possível graças ao convênio SUDENE/COOPEGRESTE (Cooperativa Mista
de Colonização do Agreste Ltda.), tendo como órgão responsável à extinta Fundação de
Assuntos Fundiários de Sergipe (FUNDASE), contando ainda com a participação do
Projeto Nordeste (PRONESE) através do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor
(PAPP), durante o processo de assentamento.
A implantação do assentamento foi adquirida numa área da parte alta da Fazenda
São Paulo, composta de terras de Massapê e Podzólicos, propícios às culturas da
mandioca, além do feijão, milho e das fruteiras como a laranja e o maracujá.
O assentamento foi implantado através do Projeto de Assentamento Estadual de
Reforma Agrária (PERA) em 1986. Atualmente é administrada pela COHIDRO com 52
famílias assentadas tendo como principais culturas implantadas a mandioca, a laranja, o
feijão, o milho, a banana e o maracujá.
O assentamento São Paulo, localizado cerca de 01 Km do perímetro urbano da
cidade de Areia Branca, tem como acesso o caminho da Fazenda São Paulo e no seu
entorno a presença do latifúndio representado pelo canavial e pela atividade da pecuária.
O assentamento possui uma área total de 559,48 hectares, sendo 416 hectares
distribuídos nos 104 lotes, sendo 52 urbanos e 52 rural que são constituídas de tamanhos
diferentes. Enquanto os lotes urbanos possuem uns cerca de 01 hectares, os rurais
apresentam área de 07 hectares cada. Há ainda a Reserva Florestal com 124,64 hectares,
uma Reserva Técnica de 06 hectares e estradas com 12,44 hectares. Além disto, existe
130
uma área de serviço com 0,40 hectares ocupada pelo Centro Comunitário, Casa de
Farinha e um Apiário.
CARACTERÍSTICAS
Como no assentamento Água Branca, não houve ocorrência de conflitos ou
tensões para a desapropriação e implantação do assentamento apenas o sorteio dos lotes
para as famílias. Entretanto, houve um acordo entre a FUNDASE e a COOPEGRESTE
no sentido de ter a presença dos trabalhadores do município de Areia Branca entre as 52
famílias.
No total foram assentadas 52 famílias em 1986 quando receberam o Título de
Licença de Ocupação e até o encerramento da pesquisa não receberam o título definitivo
dos lotes. Eram 70% constituídas de associados da COOPEGRESTE, originárias
principalmente de Malhador, Itabaiana e outros municípios fora da COOPEGRESTE
como: Porto da Folha, Frei Paulo, Carira, Simão Dias. Os demais 30% correspondem a
agricultores sem terra de Areia Branca, e trabalhadores da Fazenda São Paulo que
ficaram desempregados com a venda da fazenda.
Quanto à origem dos assentados, diferentemente do assentamento Água Branca
em que 93,33% dos entrevistados tiveram como local de nascimento o município de
Areia Branca, o assentamento São Paulo é heterogêneo sendo originários dos
municípios circunvizinhos principalmente de Malhador, Areia Branca, Itabaiana e Frei
Paulo.
A pesquisa nesse assentamento foi elaborada com 20 assentados. Segundo os
entrevistados, todo já trabalhava na agricultura antes de vir para o assentamento,
desenvolvendo atividade agrícola no meio rural dos seus municípios. Ainda segundo os
entrevistados, os assentados trabalham atualmente somente no próprio assentamento,
mas depoimento do líder da associação, existe 15 assentados que trabalha como
assalariado no entorno do assentamento, mais precisamente na pecuária e na lavoura da
cana-de-açúcar.
A implantação da infraestrutura e equipamentos coletivos foi imprescindível
para o desenvolvimento socioeconômico dos assentados, sem os quais não se justificaria
a própria existência do assentamento. Foi exatamente o que fizeram os assentados após
terem a posse dos seus lotes. Eles reivindicaram a implantação das benfeitorias
131
necessária a sua permanência no assentamento, instrumentos básicos para a sua
sobrevivência no lote.
Com isso, fundaram em 1989 a Associação Comunitária do assentamento São
Paulo, com finalidade de reunir os associados para discutirem os planos de ação e
traçarem as metas a serem aplicados para resolver os problemas que se apresentarem. O
objetivo é encontrar estratégias capazes de dinamizar a produção, através de ofícios
encaminhados aos setores competentes no sentido de obterem financiamento que
permitiam o bom andamento do assentamento e seus assentados.
O Centro Comunitário funciona nos horários em que não tem reunião como
Escola, para os filhos dos assentados. Os alunos do Centro Comunitário são filhos dos
membros da Associação Comunitária.
Mas a primeira benfeitoria social adquirida pelos assentados foi o financiamento
para reforma das casas, via Banco do Estado de Sergipe (BANESE). Mas nem todos
aceitaram o financiamento e esperaram os resultados do seu trabalho no assentamento,
pois temiam falta de condições de saldar no futuro suas dívidas, precisando desfazer do
seu patrimônio, no caso a casa de moradia.
A associação através do convênio PAPP/APCR (Apoio as Pequenas
Comunidades Rurais), conseguiu mais um benefício, desta forma para a construção da
casa-de-farinha elétrica, tendo em vista que a principal cultura é a mandioca, reduzindo
desta forma, os custos de processamento da mandioca, economizando o tempo e
trabalho e aumentando a renda familiar. Esta benfeitoria, segundo o Levantamento
Anual de Aplicação do PRONESE foi a maior aplicação no assentamento.
Os usuários da casa-de-farinha elétrica (os assentados ou agricultores do
entorno), encontraram um benefício com a presença do assentamento, ou seja, os
agricultores utilizam a casa-de-farinha elétrica deixando 15% (já os associados deixam
10%) do que foi produzido para a associação a ser investido na própria Casa de Farinha.
Tanto a associação como a casa-de-farinha possuem Conta Bancária no BANESE do
município de Areia Branca e a prestação de contas é realizada mensalmente, durante as
reuniões da associação.
Para aumentar a renda, além da venda da farinha, o Apiário é outra alternativa
encontrada pelos assentados. Construída via convênio firmado com o PRONESE e
recursos do APCR. O Apiário foi resultante da ideia proposta por um Apiarista
residente no assentamento que ensinou inicialmente para um grupo de 10 famílias
assentadas, criando uma nova fonte de renda com a comercialização do mel. O mel é
132
utilizado também como fonte de proteína, representa uma alternativa de complemento
alimentar para as famílias do assentamento. Atualmente devido ao desinteresse, por
motivo das fracas vendas, apenas 04 famílias continuam com a atividade.
O assentamento São Paulo se beneficia pela sua proximidade com a sede do
município, pois os assentados podem se deslocar com mais facilidade para vender seus
produtos, adquirir no comércio local dos bens de consumo não produzidos no
assentamento além da continuidade aos estudos e também ao acesso aos serviços de
saúde na sede municipal.
Na questão educacional, o assentamento possui uma escola que funciona no
Centro Comunitário, oferecendo o ensino fundamental incompleto (1a. a 4a. série),
beneficiando os assentados e seus filhos. A pesquisa confirma que apesar do
assentamento possuir uma escola, o analfabetismo ainda tem um índice de 30%.
Segundo os entrevistados, eles veem a Educação como um fator de suma importância,
mas a necessidade diária faz com que os pais sacrifiquem a educação dos filhos, para
que possam auxiliar integralmente nas tarefas agrícolas e assim atender as prioridades
emergenciais.
Porém no assentamento, a dificuldade na área educacional é reforçada pela
própria falta de infraestrutura, em que o prédio em que funciona a escola, é oficialmente
a sede da Associação Comunitária, e nos dias de reunião às aulas são suspensas. A
preocupação com a educação tem levado os assentados a ingressarem os filhos mais
cedo na escola. Assim segundo os entrevistados, os seus filhos, 76 no total, 55 estudam
no assentamento e destes 50 continuam os estudos na sede municipal de Aracaju,
demonstrando a preocupação com o futuro dos seus filhos e com a reprodução no
assentamento.
No entanto, dos 76 filhos dos 20 entrevistados, somente 34 moram no
assentamento e ajudam nas tarefas diárias na lavoura. Apenas 02 entrevistados
manifestaram a vontade de seus filhos serem assentados quando crescerem, mas o
restante prefere que seus filhos sigam outras profissões, devido às dificuldades
encontradas, principalmente no tamanho do lote que são insuficientes para repartir com
os filhos.
A produção do assentamento está dividida nos lotes urbanos e rurais. Nos lotes
urbanos além da moradia, são destinados à lavoura e currais que serve de confinamento
do rebanho bovino no período noturno, pois a localização dos currais fica geralmente
próxima a residência dos assentados familiares. A presença de currais nos lotes urbanos
133
é uma medida necessária, pois os lotes rurais não estão aptos a manter o rebanho,
principalmente no período noturno, pois não há segurança.
Os cultivos praticados nos lotes urbanos são feitos livremente. Cultivam a
mandioca consorciada a outras culturas como o feijão, o milho e a banana. A macaxeira
consorcia-se com a banana, o amendoim e verdura. A banana por sua vez combina-se
com o maracujá e o amendoim, a fava com o milho. Já a laranja faz consórcio com o
amendoim e o maracujá nos primeiros anos de plantio.
A mandioca é o principal cultivo existente nos lotes urbanos. Além desta cultura,
cultivam o inhame, o milho, o feijão, a banana, a laranja, a macaxeira, o amendoim, a
batata-doce, o maracujá, as verduras e a fava. Quanto ao uso dos lotes rurais estão
voltados para a produção, devido a sua extensão (07 hectares cada), representando
87,5% da área total do assentamento, sendo responsável pela manutenção das famílias
assentadas.
Devido às características físicas dos lotes rurais (terreno pedregoso), há um
comprometimento da produção da mandioca e da banana que são as principais culturas.
As dificuldades citadas são com relação a qualidade do solo, pois segundo os
entrevistados cerca de 80% dos lotes rurais, a pedra é encontrada. Outro aspecto a ser
considerado refere-se à presença das ondulações que aparecem em 70% dos lotes, sendo
considerados um desafio a ser enfrentados.
A disponibilidade da água é outro elemento apontado. Ela faz presente em
apenas 30% dos lotes rurais, originadas do subafluente do rio Jacarecica que nasce junto
a reserva florestal. Apesar de reduzida, a água da reserva é também utilizada para lavar
roupa, trabalho executado pelas mulheres. No assentamento a COHIDRO implantou
reservatório coletivo de água para atender os 52 lotes urbanos.
Devido à água escassa, os assentados cavam tanque para garantir a ser
abastecimento. Essa realidade poderia ser alterada se os assentados dispusessem de
recurso financeiro, ou se estivessem seus lotes integrados ao programa de irrigação, o
que garantiria o cultivo de produtos mais rentáveis.
As limitações de solo e água levam os assentados a buscarem alternativas,
através da plantação de pastagem, a criação de animais, principalmente o rebanho
bovino, elementos que lhes garantem a sua reprodução social e consequentemente a sua
permanência no lote.
134
RELAÇÕES SOCIAIS
Diferentemente do assentamento Água Branca, o assentamento São Paulo tem
relação social no próprio assentamento, de forte intensidade, representado pelo trabalho
em grupo para beneficiamento da mandioca na casa-de-farinha elétrica. O lazer é outra
relação social encontrada no assentamento através de um bar que contém o tradicional
jogo de sinuca servindo para o divertimento e a sociabilização. Outra relação encontrada
é a própria associação do assentamento, servindo para reuniões que são discutidas os
problemas do assentamento uma vez por mês.
O poço artesiano da COHIDRO do assentamento é outro local de encontro dos
assentados em busca da água e servindo também para as trocas de das informações
diárias. Outra relação também observada é o próprio trabalho coletivo no lote rural em
que os assentados são solidários nas tarefas diárias do campo, além da escola do
assentamento.
No tocante as relações do assentamento com o povoado mais próximo, no caso
Manilha, elas são de fraca intensidade. A relação ocorre no item lazer, pois existe um
balneário nesse povoado que é frequentado pelos assentados nos fins-de-semana. Outro
item encontrado e frequentado pelos assentados no povoado Manilha é o posto de
saúde.
Existem relações mútuas, de fraca intensidade, entre as duas localidades, ou
seja, entre o assentamento e o povoado Manilha que se verifica pelas moradias, pois
existe a presença de moradores do assentamento nesse povoado. Havendo dessa forma,
uma interligação entre as duas comunidades. Já o povoado Manilha se relaciona com o
assentamento através dos agricultores de mandioca que procura a casa-de-farinha
elétrica do assentamento para beneficiamento da farinha.
Já com a sede municipal de Areia Branca, os assentados se relacionam com forte
intensidade. A relação se dá através da procura dos itens como centro de saúde, escola,
posto telefônico, reuniões no CONDEM e no Sindicato dos Trabalhadores Rurais do
município, lazer, transporte coletivo e a instituição financeira (BANESE), além dos
serviços ofertados pela prefeitura através da Secretaria da Agricultura Municipal e da
manutenção da casa-de-farinha elétrica do assentamento. Existem ainda as relações
mútuas, entre os assentados e a sede municipal de Areia Branca, porém de fraca
intensidade, que se dá somente pela presença de moradores do assentamento com a sede
municipal de Areia Branca.
135
Com o entorno mais distante como Aracaju e Itabaiana, as relações do
assentamento com essas cidades, são de forte e média intensidades respectivamente. No
caso de Itabaiana, ocorre apenas pela EMDAGRO, BNB e do hospital regional de
Itabaiana. Já com a cidade de Aracaju, as relações são de forte intensidade e existem
pela busca de melhores serviços como escolas, lazer e dos órgãos como COHIDRO,
IBAMA e Instituições Financeira. No tocante as relações mútuas com essas cidades,
elas não existem.
RELAÇÕES ECONÔMICAS
As relações econômicas ocorrem (como no assentamento Água Branca) através
das vendas dos produtos agrícolas e das aquisições dos produtos não produzidos no
assentamento.
Quanto às vendas dos principais produtos do assentamento como a mandioca, o
inhame, milho, feijão, banana, são vendidos nas feiras de Areia Branca, Itabaiana e
Aracaju. Já o leite é comercializado somente em Areia Branca devido à pouca
quantidade comercializada, ficando o restante para ao consumo interno.
O beneficiamento da mandioca é feito na casa-de-farinha elétrica do
assentamento e a venda da farinha é efetuada nas feiras de Itabaiana, Areia Branca e
Aracaju. A farinha também é vendida na própria casa-de-farinha aos assentados ou
ainda através dos próprios assentados que adquire a farinha e revende aos moradores
circunvizinhos, com preços inferiores aos praticados no mercado, no sentido de angariar
recursos.
Já a produção do mel do Apiário, segundo o líder da associação, foi de 400 litros
ao ano e foram vendidos na capital sergipana.
Observa-se na Figura 05 que as relações econômicas do assentamento com seu
entorno, especificamente com o povoado Manilha, ela é de forte intensidade, ocorrendo
pela venda dos produtos agrícolas, da farinha, frutas, leite e mel. O contrário, ou seja, a
relação do povoado Manilha com o assentamento é de fraca intensidade, representado
pela venda dos bens de consumo alimentos não produzidos no assentamento nos
pequenos estabelecimentos comerciais do povoado.
Quanto às relações econômicas no próprio assentamento, elas são classificadas
de média intensidade. Elas ocorrem entre os próprios assentados através das vendas de
136
produtos agrícolas como a mandioca, amendoim, feijão, entre outros. Esses produtos
são adquiridos para revendas em feiras livres em Areia Branca, Itabaiana e Aracaju.
Também são comercializados entre os assentados, além dos produtos agrícolas, a
farinha produzida, as frutas e o mel produzido no assentamento.
Quanto as relações com os demais entornos como as sedes de Areia Branca,
Itabaiana e Aracaju, as relações econômicas são de forte intensidade. Com a sede de
Areia Branca são comercializados pelos próprios assentados, os produtos agrícolas, a
farinha, as frutas, o leite e o mel. Por sua vez, os assentados adquirem na sede municipal
os bens de consumo, os vestuários, os móveis e eletrodomésticos, os materiais de
construção e os insumos agrícolas, caracterizando uma relação de forte intensidade.
Já com as cidades de Aracaju e Itabaiana, as relações econômicas encontradas
são idênticas nas duas cidades: vendas dos produtos agrícolas, vendas de farinha, leite,
mel, e frutas. E os assentados adquirem no comércio local das cidades mencionadas
apenas os bens de consumo e os vestuários, caracterizando também de fraca intensidade.
Na relação econômica do assentamento São Paulo existe a reciprocidade
esperada entre o assentamento e o seu entorno. Trata-se da relação entre a sede
municipal de Areia Branca e o assentamento em que as relações são de fortes
intensidades, pois o assentamento oferece seus produtos produzidos e com as vendas
adquirem os produtos no comercio local.
Observa-se ainda com as demais localidades não existe a reciprocidade
encontrada entre o assentamento e a sede municipal de Areai Branca. Como exemplo
podemos citar as relações com as sedes municipais de Aracaju e Itabaiana, explicada
pela distância entre o assentamento e essas sedes, mas principalmente pelos itens
ofertados na sede de Areia Branca que supri as necessidades dos assentados.
Outra observação é a relação entre o assentamento e o povoado Manilha em que
há relação idêntica por parte do assentamento, de forte intensidade, encontrada com a
sede de Areia Branca. Porém esse povoado ainda não oferece aos assentados os itens
necessários para as suas necessidades, ou seja, poderia haver uma maior dinâmica desse
povoado com a presença do assentamento, o que não ocorre.
137
RELAÇÕES POLÍTICAS
É a partir de discussão com lideranças locais, ai incluindo do assentamento São
Paulo, objetivando uma administração participativa, que a Prefeitura busca conhecer os
problemas inerentes a cada localidade e daí procurarem traçar caminhos capazes de
beneficiar a população do município. Cabe ressaltar a eleição de 02 vereadores
pertencente ao assentamento, sendo um da atual legislatura. Porém segundo o líder da
associação, esses vereadores no tocante a sua atuação, não contribuiu para as melhorias
do assentamento, inclusive apesar de ter a posse de um lote no assentamento, eles não
residem no assentamento.
Na questão da relação política, o assentamento tem um representante eleito em
assembleia para participar e reivindicar através das atividades desenvolvidas pela
administração municipal no sentido de gerar o crescimento na perspectiva de uma
melhor qualidade de vida, como exemplo na participação do então criado pela
administração municipal, o CONDEM, visando definir uma metodologia de trabalho no
sentido de operacionalizar a administração.
Existe relação política mútua do assentamento com o seu entorno mais próximo,
no caso o povoado Manilha. Porém de fraca intensidade. A relação se dá apenas com a
interligação da associação dos moradores do povoado Manilha por um assentado que
residem tanto no assentamento como também no povoado.
Com a sede municipal de Areia Branca, ao contrário do povoado Manilha, as
relações são de forte intensidade pela participação dos assentados com o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Areia Branca, pela procura na Prefeitura de serviços como a
manutenção das estradas externas e da casa-de-farinha elétrica, reuniões do CONDEM,
participação na política pública pelo PRONAF nas relações com as instituições
financeiras com o BANESE.
Já as relações com as sedes municipais de Aracaju e Itabaiana, elas são de fraca
intensidade, só sendo possível através da procura nos órgãos em Aracaju como o
IBAMA, COHIDRO e PRONESE. Em Itabaiana a procura se dá pela EMDAGRO e
pelo Banco do Nordeste do Brasil.
E por último, as relações no próprio assentamento, de média intensidade, mesmo
assim devido à presença política do vereador que é assentado do assentamento, da
associação e do centro comunitário.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intervenção do Estado com a desapropriação de terra, propiciando o
desmembramento das fazendas Água Branca e São Paulo, deu lugar à pequena
produção, concretizada através dos assentamentos rurais do município de Areia Branca.
Fato esse que tornou a terra, o elemento mais importante para a sobrevivência desses
assentados. Porém, o Estado não contribuiu nas questões fundamentais para os
assentamentos do município de Areia Branca, tais como, o armazenamento da produção,
políticas de preços, organização e comercialização da produção, entre outros.
A forma com que os assentados obtiveram a posse da terra demonstrou não ser
diferenciada entre os dois assentamentos. Os assentados do assentamento São Paulo
com maior nível de desenvolvimento reivindicaram as melhorias através da associação,
o mesmo não ocorreu com o assentamento Água Branca. Demonstrando, assim, que a
associação é ainda, um canal, uma estratégia de luta: é uma saída para os assentados dos
assentamentos rurais do município de Areia Branca não perderem o seu meio de
produção.
A infraestrutura básica dos assentamentos pesquisados foi um fator importante
para a diferenciação encontrada em termo de desenvolvimento. Nesse sentido, o mais
prejudicado foi o assentamento Água Branca que não houve o mínimo de condições
para a reprodução dos assentados. Elementos como moradias, escola e saúde
contribuíram para o não sucesso desse assentamento. Já o assentamento São Paulo,
obteve (talvez pela sua localização privilegiada) obteve investimentos por parte do
Estado contribuindo para o seu desenvolvimento e consequentemente para o seu
entorno.
A produção dos assentamentos baseia-se em produtos de subsistência e com isso
tenderá a ter limites na ampliação de renda, a não ser que as organizações internas dos
assentamentos possibilitem a produção de produtos não comuns produzidos na região,
ou ainda, que os assentados se articulem, propiciando a formação de agroindústrias.
Assim a produção dos assentamentos Água Branca e São Paulo, trouxe apenas para os
assentados, a esperança de um dia viver com dignidade e para vencer a outra grande
luta: a de não migrar e, se preciso for, resistir contra tudo e contra todos para
permanecer no seu território.
139
Os assentados, por sua vez, veem utilizando-se de sua produção (roça) para
competir no mercado através da venda direta dos seus produtos nas feiras livres dos
centros urbanos regionais ou através dos atravessadores. Esta prática vem sendo uma da
alternativa praticada pelos assentados na busca da renda para sua sobrevivência.
As relações sociais dos assentamentos estudados são diferenciadas. A partir do
assentamento Água Branca as relações sociais limitam-se no próprio município de Areia
Branca, não conseguindo se expandir sequer para os municípios vizinhos, pois as
condições do assentamento não permitem a expansão dessas relações. Enfim, o
assentamento Água Branca está mais voltado para fornecer seus serviços, através dos
assentados, aos grandes proprietários do seu entorno, que têm neles a mão-de-obra
barata na época da colheita da cana-de-açúcar.
Já o assentamento São Paulo, as relações sociais são mais intensas no próprio
assentamento, o que permitiria uma expansão dessas relações ao seu entorno, o que não
ocorre. Pois apesar do assentamento ter elementos sociais como centro comunitário,
escola e associação, ele não contribui socialmente para o seu entorno, ficando esses
elementos sociais citados restritos aos assentados. A exceção fica pela utilização perante
os pequenos produtores de mandioca que utiliza a casa-de-farinha elétrica do
assentamento, havendo dessa forma uma socialização com esses produtores e o
assentamento.
Quanto a relação econômica dos assentamentos ela depende das vendas dos
produtos agrícolas para gerar rendas e adquirirem os produtos de consumo no comércio
local. No assentamento Água Branca, o destaque das relações econômicas está nas
vendas dos produtos em feiras locais como na sede municipal de Areia Branca, na feira
do município vizinho de Itabaiana e até em Aracaju, e na aquisição de bens de consumo
como vestuários, eletrodoméstico, alimentos adquiridos na sede do município de Areia
Branca e Aracaju. As vendas das frutas contribuem para que as relações econômicas
ultrapassassem os limites do Estado de Sergipe.
No assentamento São Paulo as relações econômicas são mais dinâmicas, tanto
no próprio assentamento como nas localidades próximas como o povoado Manilha e nas
sedes municipais de Areia Branca, Itabaiana e Aracaju. A diferenciação com relação ao
assentamento Água Branca está numa maior diversificação da produção e com isso
conseguem obter melhores rendas e adquirirem mais os bens de consumo no comércio
local, contribuindo para o desenvolvimento do seu entorno e para o município de Areia
Branca.
140
As relações políticas dos assentamentos estudados elas são a que manos
influenciaram o seu entorno. Os motivos vão desde os altos índices de analfabetismo
encontrado, principalmente no assentamento Água Branca, pela não presença dos
movimentos sociais como o MST no assentamento e até pelo próprio desinteresse dos
assentados de não participarem das políticas do município a não ser como eleitores. O
assentamento São Paulo se destaca pela eleição de dois assentados como vereadores,
mas não trouxeram os resultados esperados para as melhorias do assentamento São
Paulo.
A pesquisa evidencia que não se pode pensar em assentamento como isolado do
sistema, lutando contra a agricultura moderna. Porém as condições de vida como
assentados dos assentamentos do município de Areia Branca melhoraram, mas ainda é
pouco e eles têm esperança que um dia será melhor.
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143
MEGAEVENTOS E TURISMO NO BRASIL
Leandro Carvalho de A. Gouveia 1
RESUMO
O Brasil atualmente se encontra entre os países que mais se preocupa e investe na rota
dos megaeventos esportivos. Percebe-se que a partir da realização dos Jogos PanAmericanos em 2007, a confirmação da Copa do Mundo da FIFA de 2014 e Jogos
Olímpicos de 2016, uma série de discussões começam a surgir com respeito ao retorno
que esses eventos podem trazer para o país. O impacto positivos na economia e na parte
social do turismo gerado pelos grandes eventos esportivos é importante para um pais e
uma cidade. Com isso, surgiu a criação de uma pesquisa em megaeventos, centrado no
seu crescimento no Brasil. É uma pesquisa documental e bibliográfica. Falando um
pouco das politicas, no Brasil e na Bahia.
ABSTRACT
Brazil currently is among the countries most concerned and invests on the route of the
mega sports events. We can see that from the day of the Pan American Games in 2007,
the confirmation of the FIFA World Cup in 2014 and Olympic Games 2016, a series of
discussions begin to arise with respect to the return that these events can bring to the
country. The positive impact on the economy and social part of the tourism generated
by major sporting events is important for a country and a city. With that came the
creation of a research in mega events, centered on growth in Brazil. It's a documentary
and bibliographic research. Talking about the policies in Brazil and Bahia.
1
Doutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador (UNIFACS); mestre
em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social pela Fundação Visconde de Cairu; licenciado
em Geografia pela Faculdade de Ciências Educacionais; especialização em Metodologia do Ensino
Superior pela Faculdades Integradas Olga Mettig; bacharel em Turismo pela Fundação Visconde de
Cairu; tem experiência na área de Turismo, Desenvolvimento Regional e Urbano, Desenvolvimento
Humano e Responsabilidade Social, Geografia com ênfase em Turismo, atuando principalmente nas
seguintes áreas: Turismo, Desenvolvimento Regional e Urbano, Desenvolvimento Humano e
Responsabilidade Social. [email protected]
144
INTRODUÇÃO
É importante abordamos alguns conceitos de eventos. Existem muitas
definições, mas a que nos parece mais próxima do profissional organizador de eventos é
que os eventos seriam acontecimentos ou mesmo eventualidades que podem acontecer
(Ayora, 2004). A classificação desses eventos é de uma importância relevante para
decidir qual atitude tomar ao executá-lo, pois cada tipo de evento requer uma medida de
diferente maneira.
Todo o evento nada mais é do que uma forma de reunião, que se caracteriza
como o embrião de todos os tipos de eventos. Trata-se de um acontecimento
previamente planejado e sistematizado, com objetivos claramente definidos (Poit,
2006). Toda reunião assemelha-se um pouco do tema evento, pois requer ser planejada,
ter convite, infra-estrutura e relatório para poder acontecer e atingir os objetivos.
Partindo desse pressuposto torna-se possível avançar para o que vem a ser
eventos esportivos, que nada mais é que um encontro dessas mesmas pessoas em torno
de um desporto qualquer, seja ele vôlei, futebol, natação etc.
Portanto, o evento esportivo consiste na realização de modalidades esportivas,
cada qual subdividida em categorias, onde estão em jogo títulos com a presença de um
público torcedor.
Segundo Brighenti et al. (2005) os eventos esportivos também trazem consigo
uma especificidade na sua tipologia, subdividida entre:
•
Tamanho (grandes, médios e pequenos);
•
Características espaciais (indoor ou outdoor);
•
Duração (período em dias);
•
Características esportivas (uma modalidade ou várias modalidades esportivas);
•
Renome e fama (Jogos Panamericanos, Jogos Olímpicos e Copa do Mundo de Futebol).
MEGAEVENTOS E TURISMO
O Brasil começou a experimentar os seus grandes eventos na área esportiva na
década de 1960, nos Jogos Pan-Americanos de 1963, na cidade de São Paulo. Na
década de 1970, houve no Brasil a divulgação de grandes eventos esportivos para a
145
população, como provas de travessias, corridas, competições de bicicletas, entre outras.
Houve também uma campanha, “Esporte para Todos” promovida pelo Ministério da
Educação (MEC), que envolveu ao todo 9 mil participantes, atingindo pessoas de todas
as regiões do Brasil (DA COSTA; MIRAGAYA, 2002). Nesse momento consolidaramse os grandes eventos na área de esporte, que estava em franca expansão, gerando
grande movimentação também em torno do turismo.
É valido considerar a importância crescente de eventos para o setor turístico, o
que é bastante positivo, visto que “[...] o turismo pode trazer diversos benefícios à
comunidade, melhorando a qualidade de vida da população e incrementando o setor
econômico. Os eventos devem ser uma das formas de atrair o turista”. (ÁLVARES,
2003, p. 119).
O turismo de eventos é um segmento que vem crescendo muito nos últimos anos
por ter uma característica de utilizar os recursos e serviços de uma região, gerar
empregos diretos e indiretos, divulgar a localidade receptora e contribuir para o
desenvolvimento do turismo em âmbito regional. Esses impactos são conhecidos como
efeitos multiplicadores do turismo, pois a atividade possui a capacidade de gerar
impactos em todos os setores da economia.
O turismo de eventos, como evidencia Hoeller (1999), é praticado por
motivações diversas, articulando-se com variados segmentos turísticos, e é uma das
atividades econômicas que mais crescem no país. Trata-se do mesmo princípio para o
turismo de megaeventos, cuja diferença, é a magnitude do evento. Os grandes eventos,
ou megaeventos, geralmente estão associados a atividades esportivas ou culturais e a
sua realização, como já discutido, se dá em torno de polêmicas discussões sobre a sua
importância para o desenvolvimento da localidade hospedeira.
Ishiy (1998), ao abordar os megaeventos esportivos, salienta os impactos que
estes exercem na economia, na sociedade e no ambiente dos locais que os sediam. E
afirma que, quanto maior for a importância da competição em termos de público, mais
os impactos serão acentuados. Baseando-se em outros autores, Ishiy (1998) elenca os
principais impactos positivos e negativos também relacionados com o turismo de
eventos:
• aumento no ingresso de divisas, provenientes dos gastos efetuados pelos
fluxos de turistas, venda de bilhetes, financiamentos governamentais,
privados ou do exterior, patrocinadores e (mais freqüente em eventos de
grande porte) venda de direitos de transmissão para emissoras de rádio e
televisão;
146
• melhoria dos equipamentos turísticos (ex: os meios de hospedagem) e da
infra­estrutura de apoio (sistemas de transporte e comunicação, redes de água
e de esgoto, etc.) e de lazer (estádios, ginásios, centros de treinamento,
parques, etc.);
• surgimento ou incremento de mão-de-obra melhor qualificada;
• intercâmbio cultural: possibilidade de contato dos residentes com visitantes
de outras partes do país ou com estrangeiros;
• divulgação de uma imagem positiva do local que sediou o evento, no caso
do seu sucesso. [...]
• os benefícios econômicos são limitados quando as empresas que atuam no
setor turístico local têm suas sedes em outros países;
• aumento no custo de vida local, em virtude do fluxo de visitantes maior do
que o habitual e da exploração do turista;
• a introdução de hábitos, costumes e vícios estranhos aos moradores locais,
podendo provocar conflitos com os turistas, variando desde o ressentimento e
a desconfiança até o ódio e a xenofobia;
• eventuais danos causados ao patrimônio material (monumentos históricos,
prédios públicos, residências particulares, etc.) e natural (praias, rios, áreas
verdes), provocados tanto pelos visitantes ou turistas quanto pelos
proprietários de equipamentos turísticos;
• grande parte dos empregos criados no local durante a fase pré-evento é
temporária e tende a "desaparecer" após sua realização;
• divulgação de uma imagem negativa da cidade ou país-sede, no caso da
ocorrência de algum fator que prejudique a organização do evento (ex:
atentados terroristas, deficiências na infra-estrutura de apoio, desastres
naturais, etc.). (GUNN, 1988; REJOWSKI, 1996 apud ISHIY, 1998, p. 5051)
Verifica-se que organizar ou sediar eventos tem sido uma forma dos países
promoverem sua imagem e gerarem receitas e lucros. Nesse sentido, a captação de
eventos, principalmente dos megaeventos, é uma estratégia que vem sendo utilizada por
considerá-los parte de um setor que oferece um importante retorno econômico e social
para a cidade que os sediam. Para atenuar os impactos negativos faz-se necessário um
planejamento eficiente e uma parceria transparente entre os diversos segmentos sociais
envolvidos na sua realização.
Os grandes eventos na área de esporte têm aspectos que os colocam como
megaeventos: são necessários grandes investimentos; devem haver reformas e
construções; melhorias na mobilidade urbana; geram aumento na chegada de novos
turistas; parceria com as televisões; divulgação dentro e fora do país (RUBIO, 2005;
TADINI, 2007; VILLANO; TERRA, 2008; GETZ, 2007).
Os megaeventos apresentam estrutura muito complexa e não é fácil organizá-los
e fazê-los acontecer. É necessário um detalhado planejamento e cuidado com a
organização antes, durante e depois de um evento com o porte de uma Copa do Mundo,
por exemplo. Deve-se acompanhar todas as situações, estágios, observar a evolução do
anteprojeto, projeto e sua realização, visto que atraem muitos investimentos, e erros são
147
inaceitáveis. Todavia, infelizmente, os números indicam que um percentual irrisório de
empresas entregam as obras dentro dos prazos estipulados:
De acordo com a pesquisa de gestão de projetos feita pela PwC Global,
intitulada Boosting Business Performance through Programme and Project
Management, apenas 2,5% das companhias entregam seus projetos dentro do
prazo, dos custos, do escopo e com os benefícios esperados para o negócio,
sendo as principais causas disso relacionadas a aspectos gerenciais (Fonte?).
Antes do megaevento é muito importante para fazer um diagnóstico e
prognóstico de como os diversos fatores irão se articular. Nesse período deverá ser
possível saber quanto se vai gastar, investir, quem vai participar, os lugares, as arenas,
as melhorias, mobilidade urbana, entre outros fatores. Depois se fará um projeto bem
detalhado de todas as etapas, assim como angariar dinheiro, parceiros, quando começam
e terminam as obras. É, na verdade, a primeira etapa de várias que virão (MATIAS,
2008).
No caso de Salvador, verifica-se que foi montada uma grande estrutura
organizacional, tendo o governo do Estado da Bahia como agente público responsável.
Santos (2013, p. 1) destaca como se configurou esta organização pré-evento:
No caso de Salvador, o governo do Estado da Bahia é o principal agente
público responsável pela realização dos projetos para o megaevento, no
atendimento à Matriz de Responsabilidades, tendo à frente a Secretaria
Estadual para Assuntos da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 (SECOPA).
Em setembro de 2011, foi aprovado o Plano Diretor da Copa 2014 na Bahia,
associado ao Plano Plurianual 2012-2015 (PPA/BA), documentos que trazem
o detalhamento do conjunto de ações previstas. (BAHIA, 2011a e 2011b). A
Prefeitura de Salvador, representada pelo Escritório Municipal da Copa do
Mundo da FIFA (ECOPA), integra o Comitê Organizador Local da Copa do
Mundo da FIFA, com a responsabilidade de coordenação de ações dos
diversos órgãos municipais, ligadas basicamente à manutenção da cidade,
tornando-a mais estruturada para o cotidiano e para o evento. Com o início da
nova gestão municipal em 2013, projetos de requalificação de espaços
importantes da cidade, que não estavam previstos para o evento em Salvador,
foram elaborados e estão em execução [...].
Como se pode observar, diversos órgãos estavam envolvidos com a organização
do evento, que foi bastante complexa devido às diversas demandas, principalmente um
acontecimento do porte da Copa das Confederações e Copa do Mundo. O desafio se
acentua com a mudança de governo e consequente mudança de alguns projetos, de
acordo com a concepção do governo atual.
Depois que acontece o megaevento, tem início a análise do que aconteceu, os
valores, problemas, o que deu certo e o que não deu certo. Deverão ocorrer várias
reuniões com todos os envolvidos, expondo o que foi alcançado, mostrando a todos o
148
resultado final (MATIAS, 2008). Depois do megaevento verifica-se qual foi o seu
legado. Para Rubio (2009, p. 78) o legado foi o que ficou das instalações, da inclusão
social, da imagem da cidade para o mundo. Como sinaliza Dias (2003):
Um evento bem planejado e organizado com objetivo de atrair um público
específico constitui um importante atrativo; desse modo, a relação dos
eventos realizados e programados deve ser feita baseada na sua existência,
independentemente o fato de ser, no momento, atraente ou não. Um evento
realizado pode apresentar uma demanda potencial que só não aconteceu por
não existir um planejamento e organização adequados e que o maximize,
atraindo uma quantidade maior de visitantes. (DIAS, 2003, p. 209)
Uma das principais preocupações, no que tange aos megaeventos, é a
infraestrutura turística necessária para recebê-los, incluindo todos os aspectos
relacionados ao turismo, desde os subsistemas ecológico, econômico, social e cultural,
da superestrutura, da infraestrutura, do mercado, da oferta, da demanda, produção,
distribuição e consumo (BENI, 2003) que devem trabalhar em uníssono; ou seja, deve
haver um projeto unificado de ações na direção do megaevento. Tudo isso, em termos
de organização, deve ser bastante planejado para evitar situações de conflitos e
emergências desnecessárias.
Por outro lado, um megaevento pode se configurar em uma oportunidade única
para mostrar a identidade da localidade que o está sediando, ajudando a fortalecer a
imagem e divulgar a cultura. Parte-se do pressuposto que as pessoas, ao se deslocarem
para o local que sediará determinado megaevento, não estão focadas somente no mesmo
e buscarão conhecer o que aquela cidade oferece em termos de cultura e entretenimento.
Nesta conjuntura é que entra o papel do turismo como “[...] uma atividade que
gera benefícios para a economia de uma região, onde se desenvolva estruturada e
organizadamente” (SILVA, 2007, p. 195). Como considera Silva (2007), o turismo tem
um relevante potencial de agregação de valor. Deste modo, pode desempenhar um papel
de atividade articuladora, integradora e geradora de encadeamentos produtivos,
favorecendo a promoção do desenvolvimento de base local e regional.
A organização e planejamento devem ter um olhar amplo. É importante analisar
como está o mercado, a expectativa para a vinda das pessoas, dos participantes, dos
familiares; enfim, tudo o que envolve o megaevento deve ser analisado, desde a
estrutura de gastos do setor público, a infraestrutura física, dentre outros.
Também não se pode deixar de considerar o trabalho informal quando se trata de
turismo, visto que a atividade é automaticamente uma grande geradora de empregos
149
informais e de empresas sazonais. Conforme Giddens (1996), a categoria informal se
torna uma nova característica da sociedade moderna, já não devendo ser considerada
como “sobra” da modernidade: o setor informal constituiu (na década de 1990) entre 60
e 80% do emprego urbano nos países periféricos, transformando-se, assim, na regra e
não na exceção. Sem dúvida, parcelas consideráveis de setores médios da sociedade
também têm incorporado a estratégia da informalidade como meio de trabalho, mas
também é inquestionável a associação entre pobreza e informalidade nos países
periféricos.
O trabalho informal na Bahia é histórico e consequência da desigualdade social
do Brasil. Mas o agravamento contemporâneo de ambos decorre também do modelo de
crescimento econômico perverso, que acirra desigualdades econômicas e faz com que o
país figure no rol dos países mais desiguais do mundo. Vários brasileiros permanecem à
margem das estruturas de trabalho e emprego, sem perspectivas de inserção formal,
lutando pela sobrevivência nas brechas do sistema, sem deter os instrumentos mínimos
que o mercado contemporâneo exige, resistindo como pode. (OLIVEIRA; OLIVEIRA,
2005).
Isto permite constatar que o estado não tem sido eficaz na inclusão educacional
que poderia formar adequadamente mão-de-obra qualificada, nem na garantia da
inserção da população no mercado de trabalho, demandador crescente de qualificação
mais específica para operar o sistema industrial mecanizado ou o aparato tecnológico
utilizado no comércio.
Fica evidente que neste círculo vicioso – a baixa escolaridade e a qualificação
ineficiente decorrentes de uma situação social de pobreza e desigualdade – implicam no
agravamento do desemprego. Este, por sua vez, também tem sido um dos fatores de
aumento das desigualdades sociais, ampliado, nas últimas décadas, pelas novas
exigências tecnológicas do mercado, sustentado na capacidade intelectual em
detrimento da capacidade física, excluindo, a priori, um grande contingente de mão-deobra que não dispõe da formação intelectual mínima. Como refletem Loiola e Miguez
(1996):
Com efeito, as atividades informais ainda primam pelo caráter errático da
renda que originam, pela relativa mobilidade entre as distintas atividades e
pela precariedade das condições de vida e trabalho dos agentes que lhe dão
corpo (LOIOLA; MIGUEZ, 1996, p. 27).
150
Percebe-se a falta de uma política pública eficaz que propicie às pessoas que
trabalham nesta situação informal, mais segurança e ganhos correspondentes a um valor
justo pelo seu trabalho, como no caso dos cordeiros nos blocos do carnaval de Salvador,
apenas para citar um outro caso bastante reconhecido de megaevento que é realizado na
capital baiana todos os anos. A educação e qualificação profissional devem ser
prioridades. No entanto, enquanto não se investe nesta área, ao menos a valorização do
trabalho do cidadão e sua dignidade humana devem ser respeitados.
Além das péssimas condições de trabalho e de reprodução social que são
enfrentadas por muitos trabalhadores informais das classes mais pobres – que precisam
encarar, na sua vida cotidiana, graves situações de risco e de vulnerabilidade – outras
faces perversas podem ser observadas, tais como a incorporação do trabalho de todo o
núcleo familiar para que se alcance um patamar viável de renda, requerendo tanto o
trabalho feminino quanto o infanto-juvenil. Pode-se ver aqui que outro círculo vicioso
se instala, decorrente do afastamento precoce de crianças e adolescentes da escola
devido ao ingresso prematuro no trabalho, ampliando a perspectiva futura de
manutenção dos membros da família na mesma situação de pobreza ou de miséria em
que se encontram. (LOIOLA; MIGUEZ, 1996).
Conforme abordagem de Risério (2004), o carnaval baiano tornou-se, assim,
uma festa de forte cunho empresarial que mistura, em vários sentidos, suas dimensões
simbólicas culturais às esferas material e econômica, movimentando a economia formal
e também os micro negócios e o trabalho informal. No início do século XXI, é evidente
a consolidação do processo de expansão e de privatização da festa, decorrente de fatos e
acontecimentos culturais e mercadológicos das últimas décadas do século anterior.
Risério (2004, p. 585) afirma mesmo que a festa passa a ser, na cidade da Bahia, o único
meio de sobrevivência de muita gente, e que “enquanto há festa há trabalho”.
O carnaval se constitui como um grande momento de atrair pessoas e turistas
para o Estado da Bahia e para a cidade de Salvador. Amplamente divulgado pela mídia,
atrai um crescente contingente de pessoas que, estando às margens da estrutura formal
da economia, percebem-no como oportunidade de obtenção de algum ganho. Porém,
cabe mencionar que, da mesma forma em que se observam aspectos positivos neste
megaevento, há contrapontos negativos, como a exclusão das pessoas que não podem
pagar os valores exorbitantes cobrados pelos camarotes e blocos, visto que as grandes
empresas carnavalescas e a mídia ocupam todo circuito e o povo fica espremido nos
poucos espaços disponíveis.
151
Há críticas que consideram os megaeventos como “vilões” que sugam recursos
que poderiam ser investidos em serviços públicos, visto que os investimentos
necessários para a realização dos megaeventos esportivos “movimentam centenas de
milhões de dólares dos cofres públicos e outra soma vultosa de investimentos do setor
privado – tudo para atender os ‘modernos padrões europeus’ constantes na vasta gama
de exigências da FIFA e do COI.” [...]. (AQUINO; FERRARI, 2013, p. 100).
Alguns profissionais enxergam-no como um grande projeto de desenvolvimento
que, se bem exploradas as oportunidades, pode colocar o país ou cidade no mercado
mundial do turismo. É claro que, para que o sucesso seja mais facilmente atingido, deve
envolver pesquisa, planejamento, organização, coordenação e controle, visando atingir
objetivos propostos com medidas concretas, combatendo os abusos, e promovendo
canais que integrem a população no processo.
Pode-se verificar que a relação dos megaeventos com o turismo pode ser
positiva, visto que toda a infraestrutura, legado e imagem positiva criada para atender ao
evento, beneficiaria todos os segmentos turísticos que trabalham com uma perspectiva
mais ampla de atuação e, consequentemente, em busca do retorno financeiro para o
destino.
Para maximizar os resultados positivos os comitês organizadores desses eventos
devem planejar, organizar, controlar, avaliar e realizar o evento com responsabilidade e
visão de futuro. Devem atuar como articuladores e coordenadores das ações, mediando
e resolvendo as situações de conflito e possíveis problemas que venham ocorrer, visto
que toda ação bem articulada e planejada com ações responsáveis poderá estimular e
beneficiar o desenvolvimento do turismo a longo prazo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É com bastante otimismo que espero que esse estudo fortaleça ainda mais o
campo de estudo a respeito desses megaeventos, até porque os dois maiores eventos
esportivos, um já aconteceu e o outro esta se aproximando cada vez mais de nossas
vidas, que são a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e as Olimpíadas 2016, todos aqui
no Brasil. Então, estudos como esses apenas dão um norteamento para que mais e mais
profissionais e estudantes venham somar seus conhecimentos e opiniões acerca de tal.
Mais do que tudo nos orgulhamos de ter realizado esse artigo sobre impactos sociais de
152
megaeventos esportivos. Esperamos, mais do que tudo, que tais mudanças só venham
engrandecer o Brasil, para que as futuras gerações possam usufruir dos legados
deixados por nossa geração, a geração do hoje, do amanhã e do sempre.
É sabido que nosso estado encontrará dificuldades para a finalização das
obras, pois devido à falta de planejamento, a execução de todas as propostas da Copa de
2014 para o Estado já se encontram atrasadas. Para tal é que precisamos nos empenhar
para o bom desenvolvimento das tarefas, a fim de colocá-las em dia para não ficarmos
muito aquém dos demais Estados brasileiros, e principalmente da população baiana, que
anseia demais a chegada de tal megaevento.
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ANÁLISE DOS CONCEITOS QUE PERMEIAM AS POLITICAS
PÚBLICAS RELACIONADAS AO ESPORTE E AO LAZER
Temistocles Damasceno Silva 1
Mario Lucas Alves dos Santos 2
Tiago dos Santos Almeida²
Neidiana Braga da Silva Souza 3
Luan Gomes Ribeiro³
Moab Souza Santos³
RESUMO
Os estudos referentes às políticas públicas no Brasil ainda são embrionários e existem vários
olhares acerca da temática, mas em sua maioria são dados empíricos e contraditórios sem um
embasamento teórico metodológico pertinente. Desta forma, podem ser identificadas algumas
possibilidades teóricas e metodológicas de compreensão do Estado e das políticas públicas
que, se utilizadas, possivelmente poderiam resultar num melhor embasamento científico para
os estudos da área. Sendo assim, este estudo se apresenta enquanto um ensaio acerca dos
aspectos conceituais relacionados às politicas pública. Espera-se que tal investigação possa
servir de base para futuras reflexões sobre o fenômeno em questão.
PALAVRAS-CHAVE: Politica; Esporte; Lazer.
ABSTRACT
Studies relating to public policies in Brazil are still embryonic and there are several views
about the subject, but are mostly empirical and contradictory data without a relevant
methodological theoretical foundation. In this way, which can be identified some theoretical
and methodological possibilities of understanding the state and public policies, if used, could
possibly result in a better scientific basis for studies of the area. Thus, this study is presented
as an essay about the conceptual aspects related to public policies. It is hoped that this
research will provide the basis for future reflections on the phenomenon in question.
KEYWORDS: Policy; sport; Leisure.
1
Docente do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Atualmente,
cursa mestrado em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador – UNIFACS e faz parte da
Associação Latino-americana de Gerência Desportiva - ALGEDE. Além disso, coordena o centro de estudos em
gestão do esporte e lazer – CEGEL.
2
Licenciados em educação física pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Atualmente são
membros do centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL. Além disso, atuam na rede secundária de
ensino do estado da Bahia.
3
Discentes do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Membros do
centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL
157
ASPECTOS CONCEITUAIS RELACIONADOS ÀS POLITICAS PÚBLICAS
Ao longo da história o termo “política” apresentou diversos sentidos e significados não
contemplados em uma simples definição, gerando assim, uma necessidade reflexiva acerca do
desenvolvimento etimológico do referido termo. Neste contexto, Terra & Motta (2011)
afirmam que o termo em questão, já era utilizado no quarto século antes de Cristo, sendo
amplamente difundido pelo filósofo Aristóteles em sua obra intitulada Política.
Os gregos davam o nome de polis à cidade, isto é, ao lugar onde as pessoas viviam
juntas. E Aristóteles diz que o homem é um animal político, porque nenhum ser
humana vive sozinho e todos precisam da companhia de outro [...]. Assim sendo,
“Política” se refere à vida na polis, ou seja, à vida em comum, às regras de
organização dessa vida, aos objetivos da comunidade e às decisões sobre todos esses
pontos (TERRA; MOTTA, 2011, p.33).
Sendo assim, para os gregos o termo política emerge do adjetivo de polis (politkós),
que representa toda atividade ou ação desenvolvida pelo homem em sociedade. Todavia, na
Pérsia e no Egito a atividade política resumia-se a ação do governo que geria o povo rumo a
um objetivo (MAAR, 1982). Logo, pode-se notar que a visão dos gregos sobre a ideia do que
é politica se configura de maneira mais abrangente, revelando que todas as atividades
políticas se confundiam com a vida social. Em consoante, para Bobbio et al (2000) o termo
política pode ser entendido como forma de atividade ou de práxis humana que está
estreitamente ligado ao ato de poder. Nesta lógica, o referido autor afirma que tal termo é:
Derivado do adjetivo originado de polis (politkós), que significa tudo o que se refere
à cidade, e, consequentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável
e social, o termo política se expandiu graças à influência da grande obra de
Aristóteles, intitulada Política (BOBBIO, 2000 apud GALINDO 2010, P.03).
Em contrapartida, Frey (1999) aponta que é possível analisar o termo “política”
subdividindo-o em três campos: polity, politics e policy. Conforme o autor, a expressão polity
está vinculada a denominação das instituições políticas inseridas no contexto em questão. Já o
termo politics serve para elucidar os processos políticos implementados e, por fim, o termo
policy auxilia no estabelecimento dos conteúdos de determinada política. Em consoante,
Amaral (2009, p. 22) configura esta divisão da seguinte forma: “polity é a esfera da política;
politics é a atividade política; e policy/policies é a ação pública implementada”. Segundo
Mezzadri (2011), apesar de serem termos distintos tendem a se articular entre si, formando os
constituintes da policy analysis, que objetiva responder as diversas variáveis desta área de
estudo. Concomitantemente deve-se compreender:
158
[...] que as três dimensões (polity, politics e policy) apresentam suas disputas de
poder no campo político. As disputas e interação entre os agentes e as instituições no
interior deste campo sempre deixarão sua marcas nos programas e projetos
desenvolvidos pelos governantes (MEZZADRI, 2011. p.92).
Segundo Mezzadri (2011) existe uma diferença do termo “política” utilizado no Brasil,
ele afirma que:
O termo “política” no Brasil consiste em uma terminologia abrangente, constituído
pelas instituições (partidos políticos e órgãos governamentais), pelos agentes
(políticos e gestores) e pelo desenvolvimento das ações (programa e projetos), ou
seja, engloba todas as dimensões possíveis do ato de governar (p.91).
Desta maneira, torna-se necessário considerar que dentro da divisão destes termos,
existem disputas pelo poder no campo político. Para Rosa (2011, p.32), o campo se
caracteriza: “como espaço de disputas em torno de um determinado objeto, no qual competem
entre si diferentes agentes, representando as estruturas que compõem este espaço”. Logo, o
autor reforça tal pensamento, afirmando que o campo político se apresenta enquanto um
espaço de lutas, o qual pressupõe uma análise mais profunda das atividades inerentes a tal
ação. Nesta perspectiva, conforme Rosa (2011), o agente que detém o maior conhecimento
acerca deste campo consegue exercer sua influência e interesse político sobre os demais.
a participação e o poder de decisão frente a análise dos produtos presentes neste
espaço, como os programas, projetos, ações e políticas de governo ficam restritas
apenas aqueles que dispõe de um habitus político que o permita a interagir
sistematicamente neste processo de conflito e consenso posto nas lutas internas ao
campo [...] as estruturas burocráticas que compõem o campo político permeiam
significativamente as ações que ocorrem em outros espaços sociais, estabelecendo
uma relação direta com os campos econômicos e midiáticos por deterem o
monopólio da regulamentação frente às leis que regem estes campos (p.33-34).
Sendo assim, pensar em políticas públicas é refletir sobre as diversas necessidades da
sociedade, sempre buscando sinalizar ações que contemplem e garantam os direitos sociais,
estabelecendo assim um compromisso público que busca atender diversas situações em
diversas áreas (SOUZA, 2006). Nesta perspectiva, para compreender as políticas públicas é
preciso analisar tal fenômeno de maneira abrangente, buscando compreender o significado do
próprio termo “política pública” e do espaço (campo) para qual esta política é feita (a
sociedade). Logo, para Souza (2006, p. 24): “não existe uma única, nem melhor, definição
sobre o que seja política pública”.
No que diz respeito a esta temática, tal fenômeno emerge ao cenário de discussão em
decorrência de vários fatores, tais como:
159
Restrição de gastos implantada por alguns países do mundo, em especial aqueles em
desenvolvimento [...] outro aspecto que merece atenção é a necessidade de países,
em especial os da América latina, com democracia ainda em formação,
consolidarem políticas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e
promover o desenvolvimento social de grande parte de sua população (TERRA, et
al, 2011, p.54)
Todavia, segundo Menicucci (2006 apud STAREPRAVO ET AL, 2011, p. 233):
o conceito de políticas públicas é aqui entendido como uma estratégia de
intervenção e regulação do Estado (e daqueles que o administram), que objetiva
alcançar determinados resultados ou produzir certos efeitos no que diz respeito a um
problema ou a um setor da sociedade.
Ao mesmo tempo, Starepravo et al (2011) relata ainda que: “a política pública muitas
vezes é apenas a parte mais visível de todo um processo desenvolvido num espaço social
específico, que comporta disputas, relações, alianças, decisões estratégicas e também não
planejadas”. Em contrapartida, Vialich (2012) define o termo Política Pública como:
O conjunto de ações promovidas por um governo que tem como meta produzir
efeitos específicos e das exigências intelectuais do campo político, é preciso que o
agente inserido neste campo detenha o conhecimento acerca das teorias, conceitos,
história, linguagem e oratória para que possa debater diante das demandas exigidas
nesta área (p.35).
Logo, Vialich (2012) aponta que as políticas públicas são determinadas ações
desenvolvidas por governos, sendo na maioria das vezes, advindas das necessidades sociais,
de possíveis conquistas sociais, pela carência de grupos coletivos ou por opções partidárias.
Nesta perspectiva, a fim de entender todo o campo que envolve as políticas públicas, faz-se
necessário elucidar as dimensões da policy arena e policy cycle. Para Mezzadri (2011), a
primeira contempla os conteúdos, os agentes e as instituições. Assim, a policy arena:
[...] refere-se aos processos de conflitos e consenso dentro das diversas áreas da
política. As áreas da política podem ser apontadas de acordo com o seu caráter e
caracterizada quanto á forma, aos efeitos de implementação aplicados aos conteúdos
das políticas e ao modo da resolução de conflitos políticos (FREY, 2000 apud
MEZZADRI, 2011, p.92).
Nesse cenário reina os interesses políticos, juntamente com os conflitos, fruto dos
apoios ou rejeição frente às ações pensadas e/ou executadas por um grupo. Logo, Mezzadri
(2011, p. 92) revela: “como elemento estruturante inseridos na policy arena, encontram-se
algumas especificidades que integram a elaboração das políticas públicas, como a sua
natureza, seus impactos e sua abrangência”.
Desta forma, uma política pública pode ser vista e entendida de várias maneiras
dependendo da sua natureza, impactos, grau de intervenção ou relacionado à abrangência de
160
seus benefícios (MEZZADRI, 2011; VIALICH, 2012). Quanto à categoria natureza, Mezzadri
(2011) configura tal elemento como: estrutural e conjuntural. Logo, a natureza estrutural visa
estabelecer as ações básicas que mantém o ordenamento e desenvolvimento da sociedade,
sendo que o principal objetivo é intervir diretamente na sociedade, interferindo na renda e no
trabalho por exemplo. No segundo ponto, as ações se apresentam de forma paliativa, ou seja,
é pensada e executada por tempo estabelecido, buscando solucionar determinadas situações
temporárias, emergenciais, com prazo pré-determinado (MEZZADRI, 2011; VIALICH,
2012).
Em relação ao impacto das políticas públicas, Mezzadri (2011) indica quatro
possibilidades onde ocorreram conflitos em decorrência dos interesses individuais ou de um
grupo, sendo necessária uma articulação a fim de implantar ou executar uma ação. A primeira
possibilidade seria a política distributiva, que tem como principais características o grande
número de beneficiários e baixo grau de conflitos, já que os possíveis opositores são incluídos
na distribuição de serviços e benefícios, ressalta-se também que os recursos alocados para
custear estas ações não originam de outros grupos.
Em contrapartida, as políticas redistributivas são marcadas pelo conflito, pois, os
recursos alocados para o fomento dessas ações se originam de outros grupos, ou seja, há uma
redistribuição de recursos. No que diz respeito a política regulatória, tal ação se configura
através de decretos e documentos, ou seja, os efeitos dos custos e benefícios não são
previamente estabelecidos, assim como também, podem ou não ser distribuído de forma
igualitária (MEZZADRI, 2011).
Pode-se apontar como política regulatória as ações do governo ao reduzir o IPI
(Imposto Sobre Produtos Industrializados). Já “os processos de conflitos, de consenso e
coalizão podem se modificar conforme a configuração especifica das políticas” (MEZZADRI,
2011, p.93). Ademais, as políticas constitutivas estabelecem os parâmetros legais à estrutura
dos processos e conflitos, concernente aos embates das políticas distributivas, redistributivas e
regulatórias (FREY, 2000 apud MEZZADRI, 2011).
Quanto à abrangência em relação aos seus benefícios, podem se caracterizar da
seguinte forma: a) políticas públicas universais; e b) políticas públicas fragmentadas ou
focalizadas. Neste contexto, as universais são elaboradas para atender a toda sociedade,
independente do segmento social, por exemplo, o SUS. As fragmentadas ou focalizadas são
estabelecidas para um determinado grupo social com necessidade momentânea (MEZZADRI,
2011; VIALICH, 2012). Sendo assim, para Mezzadri (2011):
161
As políticas públicas universais configuram suas estruturas para toda à sociedade,
devendo ser realizada para todos os segmentos sociais. Os exemplos mais visíveis
são a educação pública brasileira com o [...] FUNDEB, e a saúde pública com o
Sistema Único de Saúde – SUS. Já as políticas públicas focalizadas são construídas
para atender as demandas de um determinado grupo social ou situações de
desequilíbrio momentâneo (p.93).
Desta forma, tais elementos irão configurar o policy cycle, o qual estabelece as fases
da politica pública, desde o processo de definição das demandas sociais até a avaliação das
mesmas (MEZZADRI, 2011). Vale ressaltar que tal ciclo, conforme Souza (2006, p.93) é
constituído das seguintes fases: “percepção e definição do problema, elaboração de programas
e decisão (planejamento), implementação de políticas, a avaliação de políticas e correções das
ações”. Logo, este ciclo é indissociável e visa garantir a efetivação de uma política pública, na
qual, esta dinâmica deve ser seguida a fim de garantir êxito na implantação de ações ou
programas. Além disso, o entendimento de cada fase é de fundamental importância para que
essas políticas ao serem praticadas, atendam às demandas sociais e melhorem as condições da
sociedade (MEZZADRI, 2011). Nesta perspectiva, a elobaração de uma política pública
estará vinculada a articulação e coesão dos agentes e instituições no policy cycle. Além disso,
outro aspecto a ser levado em consideração é a análise dos fatos ocorridos dentro do ciclo,
almejando assim, o desenvolvimento de ações futuras (DUEBEL, 2006).
No bojo da materialização do policy cicle, Souza (2006) revela que, esse tema passou
a ser visto e estudado como área de conhecimento e disciplina acadêmica nos Estados Unidos
da América (EUA), tendo como alvo de suas análises a produção do governo, contrapondo o
foco da tradição europeia que balizavam suas discussões, no Estado e em suas instituições.
Assim, na Europa, a área de política pública vai surgir como um desdobramento dos
trabalhos baseados em teoria explicativas sobre o papel do Estado e de uma das mais
importantes instituições do Estado – o governo – produtor, por excelência, de
política publicas. Nos EUA, ao contrário, a área surge no mundo acadêmico sem
estabelecer relações com as bases teóricas sobre o papel do Estado, passando direto
para a ênfase nos estados sobre a ação dos governos (p.3).
Ao solidificar a fase de elaboração das políticas públicas, inicia-se então o processo de
implementação de tais políticas. Para Vialich (2012, 35), a implementação: “representa o ato
de se colocar em prática objetivos e estratégias para resolver um problema público ou para
promover ações previamente definidas”. Logo, o caminho para uma implementação depende
das interações e disputas dentro de uma gestão pública, da maneira como a sociedade
participa dessa implementação e do interesse de outras instituições envolvidas na área
(MEZZADRI, 2011). Percebe-se então a importância das instituições nas relações de poder,
que segundo Waschkuhn (1994):
162
Servem não apenas para a satisfação de necessidades humanas e para a estruturação
de interações sociais, mas ao mesmo tempo ‘determinam posições de poder,
eliminam possibilidades de ação, abrem chances sociais de liberdade e erguem
barreiras para a liberdade individual (p. 188).
O grande “X” da questão das políticas públicas é o fato da maioria da população
(massa consumidora) ficar de fora das decisões. Logo, Mezzadri (2011) revela que: “a maioria
dos agentes acaba ficando à margem do processo de decisão política, tendo que se contentar
com o que lhe são disponibilizados pelas instituições produtoras”. Esta questão poderia ser
diferente se a gestão da política fosse voltada para melhoria da sociedade, onde Amaral
(2009) acredita:
Num modelo de gestão em que se preconize mais participação da população, a
relação entre Estado e sociedade civil está aberta a um constante aperfeiçoamento,
partindo de bases que podem desenvolver processos de autonomia, de enfrentamento
da realidade em voga e que acrescentem indicadores à construção da cidadania
(p.51).
Partindo desse pressuposto, Amaral (2009) vincula os conceitos de gestão a duas
categorias: A “política Antipopular e a política participativa”. Na primeira o acesso por parte
dos trabalhadores é seriamente prejudicado, limitando-se ao plano teórico. Contrapondo à
forma de gestão da segunda, que busca priorizar a participação popular, tanto no
planejamento, execução e avaliação das ações promovidas. Assim, a sociedade e Estado
encontram-se sempre em canal aberto a discussões sobre novas demandas, respeitando sempre
suas autonomias. A autora ainda defende um modelo participativo de gestão cujos eixos
seriam:
a articulação, a ampliação de abrangência, a diversificação e a descentralização (não
aquela que promove à perda da identidade política e que designa responsabilidades a
sociedade sem lhes promover condições estruturais e orçamentárias, aqui estou me
referindo à descentralização de poder), sendo que a participação da população é
central para a sua definição” (p.51).
Nesta lógica, tais eixos são de fundamental importância para a materialização
do esporte e do lazer enquanto direito social. Para isso, a autora evidencia que:
É necessário identificar aquelas práticas sociais, historicamente propostas como
políticas públicas, que acentuaram as desigualdades e serviram para a manutenção
do status quo, promovendo uma releitura das mesmas, a fim de ofertá-las sob uma
nova concepção e introduzir outras tantas, já esquecidas ou escamoteadas pelo
crescente processo de aculturação que as sociedades modernas atravessaram”
(AMARAL, 2009, p.53).
Contudo, percebe-se que não há uma intenção por parte dos grandes agendes
(dominantes) de abrir um espaço de discussão com os pequenos agentes (dominados) na
163
tentativa de uma mudança de sociedade ou de uma melhoria na condição de vida dos
“dominados”. Pelo contrário, eles pretendem sempre estar no comando da situação e das
decisões políticas, como afirma Mezzadri (2011):
Isso faz com que o campo político se apresente enquanto um dos espaços sociais
mais restritivos e inacessíveis à entrada de novos agentes. As posições são
conservadas e a produção concentrada, fazendo com que o interesse da sociedade
seja reduzido e interpretado a partir dos interesses dos agentes políticos (p. 96).
Assim, acredita-se que a solidificação de uma gestão pública significativa que venha
beneficiar a sociedade de maneira igualitária, se dará através da abertura de espaços, onde os
diversos agentes possam participar das discussões e decisões políticas que envolvem os
fenômenos em questão. Logo, Terra & Motta (2011) afirmam que é de fundamental
importância a participação da comunidade na tomada de decisão, além disso, não há ninguém
melhor que o próprio cidadão com a capacidade de elucidar os problemas da sua comunidade.
Neste sentido, os conselhos municipais se configuram como um importante
instrumento de arguição e planejamento de ações dentro da análise da participação da
comunidade. Sendo assim, a criação deste
órgão, possibilita a consolidação da gestão
participativa, haja vista que, a participação do cidadão e o controle dos mesmos sobre as ações
políticas fortalecem a democracia e qualificam a representatividade da sociedade (TERRA,
2011). Neste contexto, Mezzadri (2006) aponta que, o conselho tem por responsabilidade
fiscalizar, propor projetos e utilizar a democracia direta, podendo ser ele consultivo ou
deliberativo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, percebe-se a prevalência de políticas públicas brasileiras autoritárias, ou seja,
verticalizadas, sendo elaboradas de forma setoriais, não havendo assim, o estabelecimento de
diálogo entre órgãos governamentais de forma horizontal e, tão pouco, de forma a abranger
outras esferas de governo. Desta maneira, acredita-se na maioir maior integração de setores
governamentais bem como de agentes da sociedade civil, no intuito de elaborar ações que
resolvam efetivamente os problemas objetivados, oportunizando uma melhor qualidade de
vida para população.
164
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166
DIÁLOGOS, REFLEXÕES E INFLEXÕES: EM BUSCA DE
CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS PARA A GESTÃO
EDUCACIONAL
Alexandra Quadro Siqueira 1
Márcia de Freitas Cordeiro 2
RESUMO
Este artigo propõe uma investigação que toma a ancestralidade filosófica como conceito
inspirador e como possibilidade fundante na cultura afrodescendente no Brasil para gênese de
uma Democratização da Gestão Escolar, que subsidie e institua uma nova Gestão
Democrática na Escola Pública Brasileira. Percebe-se que, através da interlocução nos
discursos, a Filosofia pôde estar a serviço de muitos objetivos e interesses. Intenciona-se aqui
apresentar as dimensões da Filosofia da Ancestralidade na perspectiva da matriz
afrodescendente brasileira para autorizar-se a filosofar em problemas filosóficos próprios e
em língua nativa na formação oferecida aos gestores-cursistas do curso de Especialização em
Gestão Escolar, tendo-se em vista, tencionar as múltiplas propostas epistêmicas que podem
emergir a partir da cultura escolar local. A opção metodológica escolhida foi a partir da nossa
experiência enquanto partícipes do curso de Especialização em Gestão Escolar aliados a uma
revisão de literatura trabalhados na disciplina Epistemologia e Construção do Conhecimento
do DMMDC, dentre os autores, elegemos como principais: Deleuze / Guatarri, Foucault e
Eduardo Oliveira. Assim, por ora, não almejamos, e nem podemos, formular respostas
acabadas, mas, apenas refletir as possibilidades e o momento.
Palavras-chaves: epistemologia; epistéme posta, imposta e justaposta; ancestralidade;
ressignificação.
PRA INÍCIO DE CONVERSA
O presente artigo3 tem como tema a discussão acerca da epistemologia relacionada
com a gestão escolar, particularmente de alunos e alunas da 2ª edição (2010/2011) do curso de
1
Mestra em Educação (UFBA); Especialista em Auditoria Fiscal (UNEB); Bacharel em Ciências Econômicas
(FACCEBA); Coordenadora Didático-Pedagógica do curso Multimeios Didáticos do Profuncionário (IFBA);
Professora Substituta de Organização, Normas e Qualidade (IFBA); Professora de Economia (UNIESP) e
Professora de Filosofia (SOLEDADE).
[email protected]
2
Doutoranda do DMMDC (UFBA); Mestra em Educação e Contemporaneidade (UNEB); Especialista em
Educação, Tecnologia da Comunicação e Informação pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB); Bacharel
em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Pedagoga pela Faculdade Batista Brasileira (FBB).
3
Artigo apresentado, na sua 1ª versão, à disciplina EDCA85 – Epistemologia e Construção do Conhecimento,
ministrada pelos Professores Dr. Eduardo David Oliveira, Dr. Alfredo Matta e Dra. Francisca de Paula, no
Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento - DMMDC, na Faculdade de
Educação – FACED, da Universidade Federal da Bahia – UFBA.
167
Especialização em Gestão Escolar (Lato Sensu) estruturado na modalidade à distância (EaD),
do Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica, na Faculdade de Educação da
Universidade Federal da Bahia – UFBA, todos diretores e vice-diretores, gestores de escolas
públicas das redes estadual e municipal do estado da Bahia.
O curso em questão foi escolhido por ser objeto de pesquisa de doutorado em
desenvolvimento de uma das autoras, o que impulsiona toda reflexão focada nos aspectos que
podem contribuir para um melhor aproveitamento dos estudos durante o cumprimento dos
créditos, e por ambas autoras fazerem parte da equipe de desenvolvimento, desempenhando
algumas funções (coordenação pedagógica e docência).
Entretanto, isto não determinou as inquietações para que a epistemologia fosse aqui
pensada como objeto de reflexão. Para as autoras, muito além das contribuições que a
participação na disciplina possibilitava em torno de suas discussões que ali ocorriam, os
espaços de discussão, contradição, reflexão e, sobretudo, inquietação, a epistemologia foi
questionada com o foco nos conceitos e preconceitos apresentados, por vezes postos e
impostos, a partir de um discurso empoderado. Nesse contexto, o que se deseja nesta reflexão
é apenas correlacionar epistemologias, para que os possíveis desdobramentos permitam uma
maior compreensão sobre como a epistemologia do gestor escolar se constrói, para que esta
não esteja à margem da realidade destes participantes da pesquisa supracitada, sujeitos com
voz ativa e autoral.
ENTREOLHARES CONCEITUAIS
Para que o lugar de onde se fala nesta reflexão esteja explícito, no sentido do recorte
imposto pelas regras estabelecidas no tempo-espaço, é preciso dizer qual a compreensão do
que sejam a própria epistemologia e alguns conceitos, elementos importantes que,
relacionados com a epistemologia do gestor, tragam possibilidades de outros dizeres. Dizeres
estes que, ao se revelarem como pontos de vista, demonstram que o ponto de vista é à vista de
um único ponto, não negando assim, as multirreferencialidades existentes e as polilógicas das
realidades que nos circundam.
De modo ainda preliminar, cabe conceituar a epistemologia, de forma a pontuar a
compreensão que ela tem aqui, sem destacar, nesse momento, a relação que esta tem com a
discussão a epistemologia do gestor ou falar desta própria epistemologia. Sendo assim,
168
entendemos que há uma compreensão, que poderia se dizer linear, em que este termo é “[...]
conhecimento racional cravejado pela dinâmica civilizatória grega. [...] um ramo da filosofia
ocidental que se ocupa da questão do conhecimento (uma Teoria do Conhecimento)”
(Oliveira, 2011). 4Se compreendida nestes termos, se chegaria ao entendimento da
epistemologia como um discurso, que no caso do ocidente, com matriz pré-definida em que os
sujeitos desses discursos aparecem como nem ator, nem coautor, como uma epistéme que se
situa fora do âmbito da singularidade do sujeito e de sua subjetividade, o que não é legítimo
na própria epistemologia.
Ao contrário, no âmbito epistemológico, cada sujeito marca a sua epistemologia a
partir da sua subjetividade, seu ser-sendo,sua expressividade diante do mundo, com certo grau
de autonomia e autoria, e diga-se de passagem, também, uma certa euforia do estar-nomundo, posto que, se faz nas relações sociais e nos laços que articulam, dentro de uma
cultura, cuja diferença, apresenta-se como categoria fundante, uma vez que é algo formado e
formador da realidade em que nada é hegemônico, principalmente, o(s) discurso(s). Nesse
contexto, a epistemologia é compreendida, então, como um espaço aberto ao sujeito, a sua
originalidade, em que sua criação possibilita formas diversas de conhecer e ser em um
processo plural, dinâmico, constituído de múltiplas facetas das realidades que vão se
atualizando nos processos, sejam eles de caráter histórico, social-econômico, educacional ou
ontológico-ôntico.
Enegrecer 5 que lugar se fala da epistemologia, há dois conceitos fundamentais para
que a epistemologia do gestor, foco deste trabalho, seja melhor trabalhada. Assim,
inicialmente, o conceito de rizoma, no sentido deleuziano do termo, que, a partir de uma
interpretação do mesmo, apresenta, por meio de uma crítica metafórica, a epistemologia com
uma árvore, que fixa um ponto através de sua raiz, de onde tudo brota, tudo nasce, tudo
“vem”, como uma epistemologia hierarquizante, que se pretende hegemônica.
O rizoma, ao contrário, não apresenta uma epistemologia, mas se for pensada uma a
partir dele, esta seria não linear, aberta, dinâmica e plural, porque advém das subjetividades e
singularidades humanas, através das opções que cada sujeito faz, provocadas pelas
experiências vividas, que para cada um tem significados e sentidos únicos, desmantelando
4
Texto extraído do Ambiente Virtual de Aprendizagem da referida disciplina referida na nota de rodapé nº 3,
cujo link é
http://www.moodle.ufba.br/mod/resource/view.php?id=95127&subdir=/Eduardo_Oliveira
5
Termo cunhado, em substitutivo, da palavra: esclarecer. Aqui, enegrecer assume o sentido de tornar-se
destacado, explícito e relevante, desta forma, estamos desconstruindo que, tudo que advém do termo negro
traduz algo negativo ou pejorativo.
169
com o caráter da identidade epistemológica, que marca ainda as discussões em torno da
própria epistemologia. Sendo assim, se a epistemologia “[...] tem um vínculo com a ética”
(Ibid., 2011), esta ética seria, então, uma ética por e pelo humano, portanto, mais humanizada
e humanizante, pois quem dá o seu fundamento fundante é o próprio ser humano humanizado.
Logo, o que está em jogo com o rizoma é o pensamento criativo e transformativo do
sujeito, por meio do seu caráter nascente e inerente de ser autônomo, que tendo sido
reconhecido e recuperado este êthos, trará como possibilidade a subversão de epistemologias,
pensamentos, ideias, enfim, discursos instituídos, e, assim, uma possibilidade de infinitos
acontecimentos na imprevisibilidade e no acaso do mundo. Nessa perspectiva, não se pode
falar de início ou de fim, nem de início e fim, ou ainda, início-fim, como em uma árvore é
possível identificar. O rizoma, por outro lado,
[...] não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, interser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A
árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e... e... e...”
Há nessa conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Para
onde vai você? De onde você vem? São questões inúteis. Fazer a tábula raza, partir
ou repartir de zero, busca um começo, ou um fundamento, implicam uma falsa
concepção da viagem e do movimento [...] (DELEUZE; GUATTARI, 2009, p. 37).
Numa síntese precisa e diante do exposto, o rizoma é compreendido como
acontecimento, que, para o propósito aqui, traduz a possibilidade do gestor (re)pensar
epistemologias para a ressignificação de suas práticas e de seu lugar.
O outro conceito, que também o sentido a esta reflexão, é o de discurso, entendido
como aquilo que constrói o sujeito e não o contrário, fazendo com que exista sempre um
discurso que fala do sujeito e, desse modo, permanece, enquanto discurso e não como aquele
que fala – o sujeito. Nesse sentido, discurso é, ou melhor, nunca é um ato de quem fala, como
algo individualizado, que significa a forma como o sujeito constrói o mundo e que se dá a
partir do discurso, retirando assim a primazia da vontade que tenha o sujeito de construir o seu
discurso. Nas palavras de Foucault,
“[...] o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto, entre uma
realidade e uma língua, o intrincamento entre um léxico e uma experiência [...]
revela, afinal de contas, uma tarefa inteiramente diferente, que consiste em não mais
tratar os discursos como conjuntos de signos [...], mas como práticas que formam
sistematicamente os objetos de que falam (Foucault, 2007, p. 54-55).
Nesse aspecto, o discurso, que se expõe e impõe, que simula ou “protege”, seja na
epistemologia posta ou imposta, e serão tratadas a seguir, produz sentido que não reside em si,
mas que é tributário de uma relação de poder excludente, que se faz velada, mas que se revela
170
ao olhar crítico de um leitor/ouvinte do discurso. Assim, trazer o discurso quase que como
uma categoria analítica, será caminho traçado na tentativa de compreender que há discursos
por onde a(s) epistemologia(s)se veste(m), mascarando o imposto, a única voz, ou se
protegendo do desvelamento ocasionado pelo acontecimento, momento único, desvelador.
A EPISTÉME IMPOSTA
A gestão democrática na escola, a partir do Programa Nacional Escola de Gestores da
Educação Básica, é o que apresenta-se aqui como a epistéme que se impõe diante dos sujeitos,
gestores supracitados, e da própria escola das redes. O discurso que subjaz esta epistéme
apresenta a gestão, que deve se efetivar na escola, como gestão democrática, que é necessária
e urgente, e que é também pautada em leis, planos e na própria constituição 6, que são outros
discursos, que, segundo Foucault, é comum em toda sociedade.
[...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm
por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório,
esquivar sua pesada e temível materialidade (2010, p. 8-9).
Cravada sobre um curso disciplinar (ver Figura 1 abaixo), dentro de uma política de
governo, a epistéme se impõe, através dessa estrutura, para o gestor e gestora escolar, o que
seja a gestão democrática, seus princípios e procedimentos, com a pretensão de se valer de um
discurso verdadeiro, que tem em si um saber, que deve ser valorizado e “partilhado” com os
gestores.
6
Para ilustrar temos alguns exemplos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº
9.394/96), Artigo 214 da Constituição Federal e Plano Nacional de Educação – PNE (art. 9º).
171
FIGURA 1 – AVA de um dos polos (Polo 4 – Santo Antônio de Jesus) do curso.
Fonte: http://moodle3.mec.gov.br/ufba/course/view.php?id=39
Como uma “vontade de verdade”, a gestão democrática (ainda que construída à
margem de um caminho democrático) não é construída pela escola ou com a escola, mas por
especialistas, que são de fora do espaço para o qual ela foi pensada. Portanto, ela traz consigo
uma autoridade pré-estabelecida e respondendo a um discurso impositivo. Pra com esta
“vontade” deve-se ter um olhar cuidadoso, pois, como ainda esclarece Foucault,
[...] essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclusão, apoia-se sobre
um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um
compacto conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos
livros, da edição, das bibliotecas, como as sociedades de sábios outrora, os
laboratórios hoje. Mas, ela é também reconduzida, mais profundamente sem dúvida,
pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado,
distribuído, repartido e de certo modo atribuído (Ibid., p. 17).
O que se percebe, diante do exposto, é que a epistéme imposta aparece como um
discurso autoritário, que se estabelece (ou quer se estabelecer?) na escola, pela via da
separação, através de um dizer “de fora de”, que não é o que se diz como o “de dentro de”,
ainda que tenha sido pensado e construído a partir de uma compreensão de gestão
democrática voltada para a escola, o espaço de dentro, acarretando, assim, dissonâncias e
também, e ainda bem, possibilidades de subversão da ordem, do estabelecido, do já posto.
172
A EPISTÉME POSTA
O que se apresenta como epistéme posta é exatamente o que se mostra, também
através do discurso, materializado pela via escrita, como a epistemologia do gestor. Este
discurso está exposto em um Fórum Temático, que trata da Gestão Democrática (ver Figura
2na página seguinte), dentro do AVA do próprio curso e da disciplina Políticas e Gestão da
Educação - PGE. Neste fórum, os sujeitos gestores, a partir de textos e questões provocativas
para embasar a discussão, dizem (e não dizem) qual a sua construção sobre a democrática
gestão escolar.
FIGURA 2 – As questões iniciais propostas pela professora para iniciar a discussão no fórum.Fonte:
http://moodle3.mec.gov.br/ufba/mod/forum/discuss.php?d=2926
É evidente que estes discursos não comportam, sobretudo, nos momentos iniciais do
fórum, a totalidade do discurso, mas parte do que ele seja, pois o sujeito gestor se posiciona
de formas e em momentos diferentes. Apesar da imposição de uma compreensão sobre a
gestão democrática escolar, a epistéme posta termina por se revelar, como uma contradição,
pois por conta da condição de existência da própria disciplina, necessária na participação dos
gestores no curso, há a “[...] possibilidade de formular, e de formular indefinidamente,
proposições novas” (Ibid., p. 30).
173
Nesse contexto, o gestor mostra uma compreensão de gestão democrática, como algo
presente recentemente, enquanto proposta, no atual contexto histórico-social; apresenta a
gestão como algo desconhecido e distante de sua prática (ver a Figura 3 na página seguinte).
FIGURA 3 – Comentário de uma cursista se dirigindo aos colegas no referido fórum.
Fonte: http://moodle3.mec.gov.br/ufba/mod/forum/discuss.php?d=2926
Isto diz que o gestor posiciona-se, mesmo que seja para revelar que não pratica a
gestão democrática na escola, a partir do que foi discutido sobre esta gestão. Há uma epistéme
posta, porque implica um posicionamento diferenciado do esperado pela epistéme imposta,
indicando que o gestor desconhece o que seja a gestão proposta, nomeando esta de teoria, e a
vivida por ele, de prática. O saber que o gestor traz em seu cotidiano ganha, dessa forma,
reconhecimento e valor, com indício da percepção da diferença entre a proposta e a realidade
vivida por esses sujeitos (ver Figura 4 na página seguinte).
174
FIGURA 4 – Comentário de uma cursista se dirigindo aos colegas no referido fórum.
Fonte: http://moodle3.mec.gov.br/ufba/mod/forum/discuss.php?d=2926
Não significa dizer que o gestor reconhece a epistéme imposta, com suas implicações e
consequências para a sua realidade vivida. Significa apenas que este sujeito percebe que há
uma diferença, que emerge e repensa sua própria prática, ressignificar conceitos e abrir
espaços para que sua subjetividade, sua marca, fale por si. Isto acontece quando, ao final da
participação no curso (defesa de TCC - monografia), em que em muitos casos, o sujeito gestor
apresenta um discurso que não afirma a presença da gestão democrática na escola, mas que
ele, sujeito autor de sua prática, lê, interpreta e pensa seu lugar, rememorando a sua própria
epistéme e recolocando ela em seu contexto.
A EPISTÉME JUSTAPOSTA
Neste momento desta reflexão, pensa-se como é possível diálogos e contribuições
possíveis entre os entreolhares conceituais e a epistéme do gestor, uma vez que entende-se
que existe uma relação de proximidade e vizinhança entre ambos. Acredita-se nisso porque se
compreende que um processo educativo (o curso supracitado, por exemplo) sempre é rizoma
no sentido de não se ter o controle dos sentidos e significados que podem vir a surgir, pois
permite “[...] acesso a qualquer tipo de discurso, [...] e no que permite e no que impede, [...] é
175
uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e
os poderes que eles trazem consigo” (Ibid., p. 43-44).
Um dos diálogos em que a subversão ao instituído abre a possibilidade de
ressignificação dos signos na gestão democrática na escola é a interlocução com a filosofia da
ancestralidade. Desse modo, a partir do tópico abaixo, o diálogo mais estreito se inicia como a
inquietação motivadora a toda a reflexão que permeia.
POR UMA INTERLOCUÇÃO FILOSÓFICA DA ANCESTRALIDADE
Pensar sobre o fazer filosófico (techné) instituído nas universidades e nas escolas do
Ensino Médio no Brasil tende-se a impor acerca de uma única lógica, uma única matriz: a
ocidental. O discurso posto através da matriz curricular reifica a invisibilidade dos sujeitos
negados ao longo da história brasileira: o outro – a mulher, o negro, o índio, a viúva (hoje, a
desquitada, a separada), o homossexual, o pobre. A lógica ocidental européia se impõe como
condição sine qua non a partir da base epistemológica grega, e de lá para cá, vem tendo
também como referências as matrizes alemãs e francesas.
Tal atitude implica em uma omissão e negação da relevância das outras epistemologias
filosóficas que não tiveram nem a oportunidade de aqui serem conhecidas, discutidas,
filosofadas e disseminadas. Hoje ainda, filosofar no Brasil implica em regurgitar,
prioritariamente, os filósofos gregos, alemães ou franceses. Isto nos faz refletir: como
filosofar nossos problemas filosóficos em língua grega, francesa ou alemã? E como
aprendemos a filosofar mediante o que outrem ensinou? Existe filosofia fora dessa História da
Filosofia? Isto nos leva a crer que, por sua natureza intrínseca, o homem, através do
empoderamento do discurso, pode ser induzido e conduzido a uma postura de alienação.
Assim, para muitos, inclusive, na academia profissional filosófica, muito mais fácil é
permanecer na inércia concordando com tal condição alienante, é aceitar o que está (im)posto
ou acreditar que não segue alguma ideologia! Doce ilusão! Será que é negando a existência
das ideologias que conseguiremos combatê-las?! Pois, mesmo aqueles que, ‘inocentemente’,
recusa qualquer ideologia, ali, naquele dado instante, estará fazendo ideologia
ideologicamente! Portanto, sabemos que, ao elegermos por um campo epistêmico do
conhecimento, estamos por fazer escolhas, por traçar caminhos pelos quais pretendemos
adotar, por fazer uma opção ideológica!.
176
Eis o que precisamos ter em mente é o que estamos, de fato, querendo: combater a
existência das ideologias, negando-as de forma imaculada e incoerente ou abrindo
possibilidades de escolha, de forma transparente e consciente, sob qual ideologia pretendemos
caminhar? Neste sentido, aqui, não aspiramos retirar o enfoque de uma matriz e inserir outra,
porque ainda assim, estaríamos sendo reducionistas e ditadores; propondo isto, estaríamos, em
outras palavras, impondo apenas uma lógica, uma única matriz. Cunharíamos uma armadilha
para nós mesmos, pois poderíamos dizer que, estaríamos assim “cortando o rizoma pelas
raízes”!
No entanto, ao percebermos que o fazer filosófico-político pode estar a serviço de
muitos objetivos e interesses; então, a partir das lacunas existentes e do momento que
vivemos com a transição política de gestão educacional nas escolas brasileiras desde a
aprovação da Lei no 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL, 1996),
que garantiu, entre outras conquistas, diretrizes para o estabelecimento de uma gestão
democrática na escola, a educação brasileira ganha o direito de, efetivamente, refletir a
necessidade e a participação consciente dos gestores, professores, pais, alunos e funcionários
com relação às decisões a serem tomadas no cotidiano escolar; buscando, desta forma, um
compromisso coletivo com resultados educacionais mais significativos. Mas, vale aqui, por
ora refletir, em prol de quê ou de quem se dão estes ditos “resultados educacionais mais
significativos”? Do conhecimento? Do estudante? Ou da mensuração de índices, de dados
quantitativos e de ranks de exames nacionais e regionais para manutenção de um ensino
forjado sob uma falsa defesa “educação para todos”?.
Com essa proposta legal da gestão democrática, a relação de gestores e demais
funcionários põe-se ser compreendida, sob forma de lei, como ação de submissão e passa a ser
vista como ação coletiva, respaldada na possibilidade de diálogo, reflexão e de tomada de
decisão pertencente ao todo, mesmo que pensados em partes: gestores, professores, pais,
alunos e funcionários.
Nesse aspecto, conforme Kuenzer (2006), um dos principais nomes atuais que
discorrem sobre esta temática, afirma que, nas entrelinhas, a gestão democrática é entendida
como processo de aprendizado e de luta política que não se circunscreve aos limites da prática
educativa, mas vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua relativa autonomia,
conseqüentemente, do repensar das estruturas de poder autoritário que permeiam as relações
sociais e, no seio dessas, as práticas educativas. Ou seja, notamos aqui um paradoxo: é
possível impor uma gestão democrática? Como a gestão democrática é um processo de
177
aprendizado e luta política se ela foi posta sob forma de lei e não construído no seio da
escola?
Desde 2009, com a primeira eleição para gestores no estado da Bahia que, na prática,
observamos que o processo não se deu de forma processual. Diversos problemas ocorreram
desde as eleições e vem ocorrendo para implantação dessa tal gestão democrática. O fato foi
que, os partícipes da comunidade escolar não foram envolvidos num devir de dentro para fora,
um movimento interno em que, aos poucos, fosse se (des)velando entre a legitimação em
busca da legalização e, não no movimento contrário, que foi da legalização à legitimação.
Como buscar referendar legitimamente o que foi imposto num movimento temporal “antihorário”? Se ela foi instituída antes de ser instituinte?
Assim, pelo reconhecimento que vivemos de forma paradoxal e de que a escola
brasileira, em meio a este paradoxo, de fato, encontra-se em uma crise paradigmática
proveitosa para se repensar sua modelagem formativa dos gestores, seria a atividade filosófica
um meio capaz de contribuir na reconfiguração da formação desejada? Aprender a pensar,
desde a gestão escolar, é um dos imperativos da educação brasileira em nossos dias? Mas, de
qual filosofia estamos tratando para tal empreitada em prol de romper tais desafios?
Segundo o filósofo Eduardo David de Oliveira (2007, p. 234), ao parafraseá-lo, a
Filosofia da Ancestralidade é uma filosofia do acontecimento, sem metafísica, mas com
transcendência, cuja nascente é a cultura. Por ora, propomos a cultura escolar brasileira. Onde
as formas culturais contêm e emanam energias. Energias são forças. Força é a potência das
atitudes. Sendo assim, buscaremos emanar energias entre todos os atores envolvidos no
processo para alavancar tal proposta que só será limitada pela forma: forma e força que não se
dissociam, mas se complementam e completam.
Sabendo assim que, a energia se dissipa no espaço e este espaço não é vazio, mas é
visto como conceito mediado por signos. Ele é reconhecido como signo e coisa ao mesmo
tempo. A força também é signo. E a forma é o invólucro do próprio signo. Por isto,
recomendamos que é na escola, neste espaço não vazio, mediado por signos, por coisas, que
esta força alavancadora, poderá se dar forma, formando-se! Deste modo, ainda para Oliveira
(Ibid., p. 245):
Ancestralidade é como um tecido produzido no tear africano: na trama do tear está o
horizonte do espaço; na urdidura do tecido está a verticalidade do tempo.
Entrelaçando-se os fios do tempo e do espaço cria-se o tecido do mundo que articula
a trama e a urdidura da existência. A ancestralidade é um tempo difuso e um espaço
diluído. Evanescente, contêm dobras, Labirintos e desdobram no seu interior e os
corredores se abrem para o grande vão da memória. A memória é precisamente os
fios que compõem a estampa da existência.
178
Neste prisma, aqui, o mito mantém a memória, o poder, o mistério e o encantamento,
porque ao mesmo tempo em que revela, também esconde e, ao mesmo tempo em que oculta,
manifesta. Encanta tanto pela beleza desvelada, como pela beleza velada. Em todo caso, a
ética vem travestida de estética, seja na palavra, no vestuário, na obra de arte, na música, na
dança! Assim como a capoeira de angola, que é um jogo que não é jogo, é uma dança que não
é dança e é uma luta que não é luta. A vida, aqui é vista, como uma obra de arte e seus
segredos são transmitidos através dos mitos. As suas narrativas transmitem conhecimentos e
criam a própria realidade que se quer conhecer, dando sentido a própria existência. É uma
conseqüência do próprio viver, em que o vivente é o sentido mesmo da vivência!
Figura 5 – Capoeira de Angola
Fonte: http://www.hhsitios.com.br/ai-capoeira.htm
A ancestralidade filosófica nos remete a importância e o compromisso do resgate da
nossa tradição, dos nossos antepassados, a valorização da nossa cultura, como berço para uma
epistemologia aberta e, sobretudo, fundante em cada contexto sócio-cultural, em cada espaçotempo dado de forma singular. Precisamos repensar a nossa origem para compreender nosso
destino! A nossa descendência africana e indígena foram subjugadas e negadas ao longo da
história da formação do povo brasileiro e a Filosofia Brasileira, ainda hoje, tende a privilegiar
179
a matriz ocidental. Contudo, precisamos nos desfazer das amarras que fomos e ainda estamos
presos.
Ao parafrasear as palavras de Oliveira (2007), confirmamos o que já acreditávamos e
vivemos na pele: o corpo de fato sente! O olhar encantado re-cria o mundo, porque vê com os
olhos de encanto. Cada olhar constrói seu mundo! A Tradição Africana é encantamento,
mistério, magia. Subverte o pensar lógico da razão existente na filosofia ocidental de matiz
eurocêntrica. A Filosofia da Ancestralidade nasce na experiência. A experiência são os
sentidos, a técnica do mistério, do encantamento: a essência do todo. Não há limites senão os
definidos pelo microcosmo do indivíduo (do aluno, do gestor, do educador, do funcionário, do
pai, do representante da comunidade de entorno) e suas singularidades, em uma conflituosa
harmonia com o macrocosmo (a escola, os órgãos do sistema educacional brasileiro).
Figura 6 – Culto aos Nkissis Divindades dos povos bantu
Fonte: http://rerida.blogspot.com/p/mascaras-africanas.html
A Cosmovisão Africana é um vazio criativo, não tem forma, mas pode dar a forma.
Cultura é máscara que é mais que a identidade. É interatividade, mistério, integração. A
divindade e a relatividade fazem parte da escolha do encantamento, é como uma profusão do
diverso, do múltiplo, sem fronteiras, como o corpo da mulher forte: Yansã, representando
aqui, neste estudo ensaístico, como fonte de criação, numa dicotomia entre fragilidade e
fortaleza! A magia e o mistério do mito africano precedem a Filosofia da Ancestralidade,
assim como o mito grego precedeu a Filosofia Grega. Antes, correlacionava-se ao mito, ao
180
sobrenatural; agora, ao mito, ao mistério, ao encantamento, a criação de mundos. É um
retorno (eterno), ou melhor, o eterno (retorno) daquele que nunca foi, porém nunca poderá ser
de todo conhecido!
ENTRELUGARES: O INSTITUÍDO E O INSTITUINTE - RESSIGNIFICANDO OS
SIGNOS OU CRIANDO SIGNOS COM SIGNIFICADOS OUTROS?
De acordo Oliveira (Ibid., p. 147), ao optar por ver ao invés de olhar, deste modo, ele
desloca o conceito da visão, do ato simplesmente de ver, situando-o na encruzilhada entre a
ciência e a poesia, buscando assim um entrelugar do que foi instituído para tornar-se
instituinte, ao ressignificar o que estava posto, para o que vai se tornar justaposto. Assim,
nesta justaposição, o que é mesmo ver? Será olhar? Conhecer? Perceber? Ou será se “atinar a
algo”? Ao caminhar pela ciência, ele faz este percurso junto com Maturana (2002) apud
Oliveira (2007), ao notar que ver é a “relação entre o que é mundo e como ele é percebido”.
E, através do “acoplamento estrutural, condiciona a existência à percepção da existência” (p.
151). Após este caminho, ele traça uma trajetória invertida, ao dar passagem para o poeta
Fernando Pessoa (1983) apud Oliveira (2007), para sair do sentimento de vertigem para
mistério e encantamento. Para Oliveira (Ibid., p. 153):
“[...] há um mundo real, mas a ilusão impede a visão da realidade. ‘Tudo é símbolo e
analogia’, que, no entanto, comportam-se como ‘sombras de vida e pensamento’.
Tudo é fluídico e nada fica. Nem a ‘maré vasta’ nem a ‘maré ansiosa’, mas há uma
‘maré que está onde é real o mundo que há’, da qual a maré que vemos é apenas um
‘eco’. Como chegar ao mundo que há se ‘tudo o que temos é esquecimento’? [...]
Talvez tenhamos que ‘ver’ de outro modo e, de algum modo, perguntar por ‘outro
modo que ser’.
Ao buscar outro modo de ser, é imprescindível a necessidade de refletirmos as
polilógicas, poli-éticas e poli-estéticas que configuram as possibilidades do pensar multiversal
para além do horizonte determinado pelas práticas para uma gestão democrática. Sob esse
conflito paradoxal questiona-se: quais as possibilidades que o princípio arquétipo originário
através da filosofia da ancestralidade em sua nascente pode conduzir para o pensar acerca da
gestão democrática nas escolas brasileiras?
Necessita-se, afinal, de um novo começo, ou melhor, re-começo para a gestão escolar
democrática ou de um novo conceito de democracia para a gestão escolar, ou de um novo
conceito de gestão escolar para a democracia ou de todas as alternativas sugeridas? Tal estudo
181
toma a ancestralidade filosófica como categoria inspiradora ao denotar na Filosofia da
Ancestralidade, princípio e destino, começo e fim, como uma possibilidade fundante para uma
nova Gestão Democrática através do reconhecimento relacionado à ancestralidade, ao resgate
das necessidades e dos anseios no seio da nossa escola brasileira e, tomando este como
princípio presente, atual, do filosofar criador como atividade aprendente radical a fim de criar
novos mecanismos para a uma gestão mais participativa, ainda que não atinja uma gestão
democrática, e, sobretudo, para sua efetivação, ou seja, que isto se dê na escola no seu plano
de imanência, que ao transpor do lugar meramente da práxis para o lugar da poiésis,
busquemos assim, uma encruzilhada nos termos “praiésis” 7.
Estes caminhos outros trilhados são constituídos por uma série de percalços
intrincados destinados a des-orientar quem os percorre. Acreditamos que, dessa maneira, seja
uma alegoria do conhecimento, numa outra abordagem epistêmica, de si, em si, para si, do
mundo e para o mundo. Assim, o que representaria, de fato, na nossa práxis acadêmica, a
figura de Pallas Atenas como mentora, orientadora? Ou a figura de Exu, divindade do
candomblé brasileiro?
Exu é o princípio de individuação que, está em tudo e a tudo empresta identidade. É,
concomitante, o mesmo que dissolve o construído; aquele que quebra a regra para
manter a regra; aquele que transita pelas margens para dar corpo ao que estrutura o
centro; é aquele que inova a tradição para assegurá-la. Exu é assim o princípio
dinâmico da cosmovisão africana presente na cultura yoruba. Dessa maneira, ele
mantém um equilíbrio dinâmico baseado no desequilíbrio das estruturas desse
mesmo sistema filosófico-ético. Exu, aquele que viola todos os códigos é o
mantenedor, por excelência, do código. É assim, que o paradigma Exu se expressa
na forma de uma filosofia do paradoxo (Ibid., 2007, p. 130).
Nesse aspecto, não é possível concebermos apenas uma lógica, um único percurso,
uma única viagem, uma única matriz, um único referencial, como nos é imposto, mas várias...
Vale então, perceber que o sentido de rizoma e discurso assume assim uma subversão, uma
inflexão ao desviar os caminhos, achamos atalhos e desdobramo-nos com perspectivas outras
do que vem sendo imposto pela dita gestão democrática sob uma falsa bandeira de
democracia. Enfim, são vários os percursos, os becos, as vielas, as avenidas, as encruzilhadas
e, porque não afirmar, são vários os dispositivos metodológicos disponíveis para os diversos
contextos culturais escolares no diversos brasis que temos no nosso Brasil.
7
Junção dos termos práxis + poiésis = praiésis, cujo significado cunhamos aqui como um fazer
inventivo-criativo-efetivo.
182
SEM PENSAR NO FIM DE PAPO: UMA (IN)CONCLUSÃO ABERTA A OUTRAS
PROVOCAÇÕES
Por ora, não negamos aqui a necessidade de definir um caminho, uma epistemologia,
um método, pois é indispensável ter uma epistemologia e um método, um percurso, não no
sentido de um modelo pronto, mas um método aberto respaldado em uma epistemologia
fundante e com fundamentos próprios, autônomos, criativos, com passos definidos que se
define na própria caminhada. Caminhos decididos sim, escolhidos, pensados, optados, mas
não uma via de mão única, não com uma única opção, pois passaria a ser imposição; contudo,
definidos, submetidos a várias opções e, principalmente, por vários sujeitos. É mister aqui um
diálogo constante entre o(a) gestor-cursista e os atores/autores sociais da comunidade escolar,
acrescidos de questões que ofereçam uma investigação rigorosa (fecunda, coerente e coesa
com cada realidade) e uma praiésis bem definida a partir desta inquirição.
Esta proposta epistemológica-metodológica-política-ética baseada na Filosofia da
Ancestralidade abraça uma postura de um autorizar-se, de um imaginar, de um inventar, de
um criar novos dispositivos de pesquisa para embasar tal investigação rigorosa, a fim de
propor e dispor novas possibilidades do fazer conhecimento pois, se de um lado nos
deparamos, nos confrontamos com todas as incertezas da realidade dentro e fora dos muros da
escola (as incongruências, os paradoxos, as ambivalências, as ambiguidades, as opacidades, as
impurezas, as transgressões, as traições...), do outro lado, nos vemos pressionados por um
sistema organizacional de educação quase que perfeito, sob um discurso que jaz como uma
verdade imutável, inquestionável, inabalável e, o pior, nos compreendemos impossibilitados
diante da incapacidade que temos nesta “briga de braço”.
Então, como gerir uma escola na concepção democrática, se e somente se: o
Ministério de Educação (MEC), representante oficial e órgão máximo do sistema educacional
brasileiro, aos nossos olhos, sob um poder esquizofrênico, delimita o ensino como a educação
e põe a gestão democrática de maneira anti-democrática?
Como legitimar o processo de gestão democrática na escola se tal processo foi imposto
sob forma de lei? A lógica foi invertida no processo de gestão democrática nas escolas
públicas brasileiras, então, será que o instituído tornar-se-á instituinte? Como transpor tal
inversão do real na cultura escolar brasileira?
183
O próprio filósofo Eduardo de Oliveira (2007, p. 63) nos dá indício para responder
algumas questões ao recomendar que, sendo o cogito apenas uma fotografia do real, a
interação é muito mais que pensamento e este é a própria memória como uma forma de
ordenamento da cultura, como devir, como movimento, e é muito mais que uma estrutura
lógica, vai além do mero ordenamento lógico. Pois, a cultura é um mosaico de percepções e
sensações, entre sentidos outros e significados outros. Destarte, não podemos delimitar a
filosofia e a epistemologia numa totalidade, totalidade representa tudo e este é conceito no
aspecto que abordamos aqui, é uma palavra que meramente existe como um simulacro, para
de fato nos lembrar do nada!! Vale ressalvar que, àquele que foi considerado um dos maiores
insensatos da humanidade, quiçá, tenha sido, um dos mais sensatos! Já cantava Raul Seixas:
controlando minha maluquês misturada com minha lucidez, vou ficar maluco beleza!
É preciso inverter a lógica deste sistema educacional, é preciso democratizar a gestão a
partir do “chão da escola”, dos atores/autores do processo escolar ao provocar a ação
praiética, ao propor criações e dispor re-criações em prol de subsidiar uma abertura do fazer
ciência partindo do fazer filosófico da ancestralidade (techné) através da epistemologiametodológica-política-ética a fim de atingir esse novo fazer ciência (início – fim – início /
origem – destino – origem).
No universo do curso de Especialização em Gestão Escolar, o escopo determinado
pelas suas diretrizes para construir conhecimento foi ultrapassado às expectativas, pois foi
muito além dos objetivos do projeto pedagógico político, ao reconhecer por parte da equipe
envolvida na UFBA a necessidade de uma admissão, desde materiais disponibilizados online
na midiateca, como também, orientações presenciais. Uma das autoras 8 pode perceber de bem
perto a movimentação que este curso proporcionou em uma escola pública estadual. Durante
um ano, sendo professora de filosofia, sob o regime REDA, ela atuou como partícipe do
processo do Conselho Escolar desta instituição, que apenas, após o início do curso que os
gestores-cursistas (direção e vice) reformularam o Projeto Político Pedagógico da escola junto
à comunidade; como também, criaram o Conselho Escolar. As transformações foram
necessárias e fundamentais para uma ressignificação dos conceitos de participação,
colaboração e autonomia, e atuação dos sujeitos-atores-autores. Embora, urge a necessidade
da busca de sentidos outros para democratização da gestão escolar conforme o corpo dos
contextos sócio-culturais de cada escola.
8
Alexandra Quadro Siqueira.
184
REFERÊNCIAS
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capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. Tradução de Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. 1.
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FRANÇA, Júnia Lessa; VASCONCELLOS. Ana Cristina de. Manual para normalização de
publicações técnico-científicas. Colaboração: Ana Cristina de Vasconcellos, Maria Helena
de Andrade Magalhães, Stella Maris Borges. 8. ed. BeloHorizonte: Ed. UFMG, 2007. 255 p.
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Acesso em: 06 jun. 2010.
______. Filosofia da ancestralidade: mito e corpo na educação brasileira. Curitiba: Editora
Gráfica Popular, 2007.
185
ENSAIO SOBRE AS CONCEPÇÕES HISTÓRICAS DO LAZER
CONTEMPORÂNEO
Temistocles Damasceno Silva 1
Flávio Alves Oliveira 2
Ilma Almeida da Silva 3
Péricles Maia Andrade³
Elaine Rodrigues Nascimento³
Raissa Loara Freire Nogueira³
RESUMO
O presente trabalho se apresenta enquanto uma reflexão acerca das concepções históricas e
sociológicas que permeiam o lazer contemporâneo. Para tal, buscou-se materializar uma
revisão de literatura, a qual, evidenciou elementos conceituais que compõem o referido
fenômeno, tais como: ócio, lúdico e recreação. Neste sentido, percebeu-se a diversidade de
conceitos relacionados a temática em questão e ao mesmo tempo verificou-se que, tal fator,
corrobora diretamente para a não compreensão do real sentido e significado do lazer,
enquanto fenômeno sociocultural.
PALAVRAS-CHAVE: Ócio; Lúdico; Recreação; Lazer.
ABSTRACT
This work is presented as a reflection on the historical and sociological concepts that
permeate contemporary leisure. To this end, it sought to materialize a literature review, which
showed conceptual elements that make up the said phenomenon such as: leisure, fun and
recreation. In this sense, we realized the diversity of concepts related to teaching in this area
and at the same time it was found that such factor supports directly to the lack of
understanding of the real meaning and significance of leisure, while sociocultural
phenomenon.
KEYWORDS: Leisure; Playful; Recreation; Leisure.
1
Docente do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Atualmente,
cursa mestrado em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador – Unifacs e faz parte da
Associação Latino-americana de Gerência Desportiva - ALGEDE. Além disso, coordena o centro de estudos em
gestão do esporte e lazer – CEGEL.
2
Especialista em Educação Física e Esportes (UESB). Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Enfermagem e Saúde (UESB). Colaborador do centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL
3
Discentes do curso de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –UESB. Membros do
centro de estudos em gestão do esporte e lazer – CEGEL
186
INTRODUÇÃO
O lazer vem gradativamente ganhando espaço nas discussões acadêmico-cientificas,
não são raros, estudos que abordem está temática, nas mais diversas áreas do conhecimento,
como a “Educação Física, Sociologia, Economia, Turismo, Antropologia, Arquitetura,
Engenharia Civil, Psicologia e Educação na tentativa de compreender sua estruturação,
aplicabilidade e funcionalidade social” (PICCOLO, 2009, p.10). Ao mesmo tempo, o autor
revela que:
As tentativas de explicação sobre a difusão do fenômeno lazer nas sociedades
contemporâneas também atingem um vasto campo explicativo, cujas justificativas
vão desde a interpretação do lazer como uma prática atrelada a égide do capital e
suas múltiplas formas de comércio, até a valorização do bem-estar social e da saúde
coletiva dos indivíduos (PICCOLO, 2009, p.11).
Dessa forma, conceituar corretamente o termo lazer, não é uma tarefa tão fácil, sua
emersão é acompanhada por múltiplos entendimentos e contextos. E ao analisar sua
constituição ao longo da história é possível identificar duas correntes. Que segundo (GOMES,
2004 apud REIS; CAVICHIOLLI, 2008) são antagônicas e determinam as opiniões quanto ao
surgimento do lazer. A primeira, acredita que o lazer sempre existiu, desde as sociedades mais
antigas. Já a segunda, considera o lazer como um fenômeno contemporâneo, com origem
marcada na modernização das sociedades urbano-industriais.
Contudo, apesar da existência de duas correntes que arriscam explicar o surgimento do
lazer, optamos nesse capítulo, em discorrer sobre a conceptualização do tema à luz da
segunda. Ressalta-se, no entanto, que a escolha por esta corrente, advém por meio dos
achados na literatura brasileira sobre a temática, que é influenciada pelas teorias dos
sociólogos Jofre Dumazedier e Nelson Marcellino. Estes autores, acreditam que o surgimento
do lazer está associado à modernidade, uma vez que, acompanhou as “transformações
decorrentes do processo da revolução industrial, destacadamente àquelas que levaram à rígida
e nítida delimitação da jornada de trabalho” (REIS; CAVICHIOLLI, 2008, p.2). Para
Brasileiro (2013, p.98):
O desenvolvimento da técnica e as mudanças na estrutura da sociedade feudal
introduziram outros modos de produção. O trabalho gradativamente já não acontece
no campo. As fábricas começam a ser o centro por excelência do trabalho e a
dinâmica do cotidiano dos indivíduos se vê alterada, tanto espacial como
temporalmente. A Reforma também traz consigo um novo significado para o que até
então se aproximava ao lazer.
187
Logo, o período que sucedeu a Revolução Industrial, foi marcado por uma tensa
transformação nas atividades laborais, com significativas mudanças, tanto na estruturação
social quanto na fabricação dos produtos (AQUINO; MARTINS, 2007). A partir desse
momento, as preocupações com o lucro e a produtividade receberam respaldo no
desenvolvimento de uma mentalidade, voltada para o enriquecimento e acumulação de bens.
Nesse período, destaca-se os investimentos da Inglaterra para o progresso do seu sistema
fabril, atrelado aos numerosos aspectos que favoreciam o controle do vasto mercado
consumidor.
Desse modo, com a ampliação do mercado e o aumento na demanda de produção, logo
ficaria evidente a inovação na forma de produção, e por consequência, a proliferação de
máquinas que substituiriam o trabalho braçal era inevitável, uma vez que, os artesãos não
conseguiriam produzir em longa escala, e em um curto espaço de tempo. Essa transformação
no modo de produção, caracterizou-se como uma ferramenta escravocrata, onde crianças,
idosos e mulheres realizavam jornadas de trabalho extenuantes. Conforme afirma Ré (2014,
p.28), “os trabalhadores das fábricas eram submetidos a péssimas condições de trabalho, em
condição análoga a de escravos, em jornadas extenuantes, que podiam chegar a 16 horas
diárias”.
Destaca-se aqui, o ponto de vista de Gomes (2003) quanto as atividades que integram
o lazer. Para esta autora, “o campo das atividades lúdicas constitui as raízes do lazer,
estabelecendo interfaces com as diversas dimensões da vida em sociedade” (2003, p.4, grifo
da autora).
Dessa forma, o presente capítulo tem por objetivo identificar e descrever a partir da
literatura, os conceitos dos termos lúdico, ócio e recreação e lazer. Uma vez que, estes, são
complexos e oscilam ao longo da história da sociedade, o que torna o lazer uma variável
cultural.
REFLETINDO SOBRE LÚDICO, ÓCIO, RECREAÇÃO E LAZER
A terminologia lazer é recente, comparada com outras manifestações culturais que
acompanham a evolução da humanidade, como o lúdico, que constantemente era confundido
com a diversão, o prazer e a recreação. Logo, Malacrida e Machado (2008), afirmam que o
lúdico enquanto componente do lazer, sempre esteve atrelado à época histórica que o
188
constituía, podendo “acontecer em qualquer momento da existência humana, seja em questões
relacionadas à família, religião, política e principalmente, trabalho” (MALACRIDA;
MACHADO, 2008, p. 81).
Em contrapartida, Huizinga (1971 apud MARINHO; PIMENTEL, 2010), explica que
o fato do lúdico anteceder a civilização humana, se dar, pelo motivo do homem não ser o
único animal que brinca. Logo, “o jogo é mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas
definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não
esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica” (HUIZINGA, 1996, p. 5).
Para Marinho e Pimentel (2010) contrapõem Huizinga (1995), ao afirmarem que este
autor, apresenta uma visão pretenciosa da atividade lúdica, visto que, esta atividade é
dinâmica e não evoca consequências na vida real, além do descanso e da diversão. Já Luckesi
(1998) afirma que a atividade lúdica é dicotômica, pois pode ser ou não divertida, o que vai
defini-la como uma ou outra, é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem a
vivencia em seus atos. Ou seja, para ele, a ludicidade dependerá exclusivamente da
intensidade que o indivíduo dispõe na brincadeira e como consequência, a obtenção da
plenitude da experiência. Para Luckesi (1998), brincar ou jogar (agir ludicamente), exige do
ser humano a entrega total do corpo e da mente, visto que, as próprias atividades lúdicas
conduzem para esse estado de consciência.
Entretanto, Marinho e Pimentel (2010) ressalvam que o termo lúdico, assim como o
termo lazer, não é comum em outros idiomas, o lúdico especificamente, ainda não é admitido
como um fenômeno próprio. Para os autores, por mais que o termo lúdico se naturalize no
meio acadêmico, ainda assim, não foi revelada a dificuldade que os pesquisadores têm em
conceituá-lo. “Parte dessa dificuldade está na própria dinâmica desse objeto que sendo
linguagem humana, pode manifestar-se de diversas formas e ocorrer em todos os momentos
da vida” (GOMES, 2004 apud MARINHO; PIMENTEL, 2010, p. 14).
Com relação ao lúdico e o lazer, Caillois (1990), afirma que o jogo é uma atividade
que pressupõe tempo livre. Já Marcellino (2008), adverte que o lúdico possui um conceito
mais abrangente que o lazer, visto que suas possibilidades de ocorrências são maiores. Para
Marcellino (2008), a ideia de exclusividade do lúdico e do tempo livre só se sustenta quando
ignora a rede de obrigações e coerções nos demais momentos da vida. Nesse sentido, nota-se
que o autor apresenta uma grande defesa acerca da ampliação do debate sobre conceitos que
envolvem o lúdico como elemento da cultura e o lazer como espaço para sua manifestação.
Bruhns (1993, apud MARINHO; PIMENTEL, 2010, p.15) aponta que “o lúdico não ocorre
189
exclusivamente no lazer, este se manifesta em diversas tradições, podendo ser detectado,
direta ou residualmente, em diferentes facetas da realidade”.
Para Bramante (1998), o atributo de eixo central dado a ludicidade pelos
pesquisadores que teorizam sobre o significado do lazer, se dá pela importância desse
conteúdo na “vocação inerente do ser humano que brinca e que joga, na sua mais pura
essência antropológica” (BRAMANTE, 1998, p.4).
Marinho e Pimentel (2010) concluem que o lazer é carregado de dimensões positivas,
como o prazer e a criatividade, e estes, condicionados ao eixo da ludicidade. Assim, o lúdico e
o lazer teriam papéis positivamente construtivos na vida individual e social. Logo, “o lúdico é
um componente vital para se compreender o lazer em nossa sociedade, mas está presente
também em outras dimensões...” (MARINHO; PIMENTEL, 2010 p. 18).
No quesito ócio, Aquino e Martins (2007, p.488) revelam que, a palavra é derivada do
“latim otium, e significa o fruto das horas vagas, do descanso e da tranquilidade, possuindo
também sentido de ocupação suave e prazerosa”. Na Grécia Antiga, o ócio era visto como um
tempo em que filósofos e políticos utilizavam para pensar, manifestar melhoria de espírito e
ampliar o intelecto.
O ócio é tão antigo quanto o trabalho, porém, somente após a Revolução Industrial,
com o surgimento do chamado tempo livre, que foi uma conquista da classe operária
frente à exploração do capital, é que foi evidenciado, ocorrendo a nítida separação
entre tempo-espaço de trabalho e lazer, enquanto tempo para atividades que se
voltam para a reposição física e mental. (AQUINO; MARTINS, 2007, p.485)
Durante determinado momento histórico, o ócio era confundido com a preguiça, o que
para Igreja daquela época, era considerado um pecado. Em contrassenso, já na Idade Média, o
ócio passou a ter conotações religiosas, por meio de práticas de orações controladas e
disciplinadas pela igreja (GOMES, 2008 apud PIMENTEL, 2010).
Assim, com o aumento na produção das mercadorias houve a necessidade da criação
de um tempo para que estes fossem consumidos, dessa forma, surge o tempo do não trabalho,
do ócio, o tempo livre, que alguns pesquisadores denominaram de tempo desobrigado, isto é,
o tempo livre das obrigações do trabalho, como por exemplo, afirma Martins (2010, p. 244)
“trata-se [...] de participação voluntária ou capacidade criadoras, quando livre das obrigações
profissionais, familiares ou sociais, sendo, portanto uma atividade de livre escolha,
libertadora, desinteressada e sem fins lucrativos”.
Para Martins (2008, p.10), os estudos que discutem o ócio caracterizam-se como um
“...modelo aberto com aproximações epistemológicas e metodológicas múltiplas, baseadas em
190
contínuas e diversas análises, métodos e recursos de várias disciplinas que compartilham seu
objetivo de conhecimento”. Entretanto, Aquino e Martins (2007) afirmam que “o ócio faz
parte da reflexão específica das ciências sociais que se caracterizam por disciplinas não
consensuais. Assim, uma das características dos estudos de ócio é a carência de consensos
generalizados em suas abordagens básicas” (ibidem, p.493).
No que se refere a recreação, percebe-se que, nesse atual contexto da vida moderna,
marcado por novas configurações nas relações de trabalho, as pessoas passaram a utilizar o
tempo livre para dentre outras coisas, realizar atividades recreativas. Assim como a
ludicidade, a recreação apresenta-se como um conteúdo do lazer, visto que, se utiliza do
tempo livre das pessoas para ser realizada, podendo ser classificada como atividades
planejadas com elementos já existentes, seguindo as compreensões de quem a aplica.
Logo, a recreação tem como principal característica a satisfação pessoal do indivíduo
que a pratica, aproximando-o da sua realidade, fazendo com que este, consiga refletir sobre si
mesmo, requerendo quase sempre, disponibilidade de energia psicológica, biológica,
disposição individual e também grupal, de forma voluntária, sem regras e exigências.
Para Bartholo (2001, p. 91) a recreação é “uma atividade que se processa a partir do
enfoque simultâneo da sensibilidade, da consciência e da cultura em sua ludicidade e
criatividade”. Já Kishimoto (1997), define a recreação como uma “atividade física ou mental a
que o indivíduo é naturalmente impelido para satisfazer as necessidades físicas, psíquicas, ou
sociais, de cujas realizações lhe advém prazer, e que é aprovada pela sociedade”.
Desta forma, Mian (2003) define que a recreação é como uma satisfação e alegria
naquilo que se faz. “Retrata uma atividade que é livre e espontânea e na qual o interesse se
mantém por si só, sem nenhuma coação interna ou externa de forma obrigatória ou opressora”
(MIAN, 2003). Segundo Ferreira (2003), a palavra recreação deriva do latim recreare, e tem
como significado "criar novamente" no sentido positivo, ascendente e dinâmico.
As primeiras sistematizações das atividades recreativas, são datadas do ano 1774,
tendo como país de origem a Alemanha, precisamente, a partir da criação da Fundação
Philantropinum pelo professor J. B. Basedow. “Na Fundação havia cinco horas de matérias
teóricas, duas horas de trabalhos manuais, e três de recreação, incluindo a esgrima, equitação,
as lutas, a caça, pesca, excursões e danças” (ARRUDA; MOURA, 2007, p.15).
Esse movimento influenciou outras tendências pelo mundo, assim no ano de 1885
foram criadas em Boston nos Estados Unidos da América (EUA), caixas de areia para as
crianças se recrearem nos Jardins de Infância. Contudo, com o passar dos anos “o espaço
tornou-se pequeno visto que os irmãos mais velhos vinham também se recrearem nos jardins,
191
criavam-se então os Playgrounds em prédios escolares, chamados também de pátios de
recreio” (ARRUDA; MOURA, 2007, p.16).
A criança brinca para conhecer-se a si própria e aos outros em sua relação recíproca;
para aprender normas sociais de comportamento; hábitos determinados pela cultura;
para conhecer os objetos em seu contexto; para trabalhar com o imaginário; para
conhecer os eventos e fenômenos que frequentemente ocorrem a sua volta
(CARVALHO; FIORONI; ALMEIDA, 2006, p.23).
Já no Brasil, a recreação começou a ganhar popularidade a partir das atribuições dadas
pela educação física, principalmente a partir da criação da Superintendência de Educação
Física Recreação e Jogos em 1933. No ano de 1962, foi a vez da sua inserção no currículo
mínimo para a formação de graduandos em educação física, sendo comtemplada como uma
disciplina formal. E por fim, no ano de 1971, por meio do decreto nº 69.450, a Educação
Física “desportiva recreativa” tornou-se obrigatória em todos os graus e níveis de ensino no
Brasil (GOMES, 2008).
No que diz respeito aos conceitos que permeiam o lazer, o trabalho, desde a Revolução
Industrial, sempre foi um dos principais fatores associados ao este fenômeno, este por sua vez,
mesmo que compreendido dicotomicamente, está acoplado a aspectos sociais, econômicos,
políticos, religiosos, científicos e históricos que fazem parte desse contexto. E não diferente
daquela época, o trabalho ainda é visto como abjeto na maior parte do tempo, impedindo
assim, o homem de se divertir, descansar, contemplar e refletir.
O trabalho com certeza constitui uma das atuações necessárias para o
desenvolvimento humano. No entanto, o desequilíbrio está não só no trabalho, mas
na limitação das atuações humanas na sua estrutura. E a compreensão de lazer
desenvolve-se nesse contexto, e mesmo que a dicotomia entre ambos fosse vencida,
o lazer ainda ocuparia lugar secundário na vida das pessoas e para a pesquisa
científica. (BRUHNS, 1997, p. 92)
Nessa conjuntura, o trabalho passa a ser analisado de forma singular, isto é, deixa de
ser algo complexo, com uma rede de intenções voltadas ao trabalhador, e passa a se resumir
apenas em reproduzir a força de trabalho, a repetição, e a mecanização. “No mundo do
trabalho, [...] o lazer apareceu como atividade inútil para os trabalhadores já que a rotina fabril
não combina com o descompromisso do prazer” (FERNANDES; HÚNGARO; ATHAYDE,
2011).
Neste sentido, Dumazedier (2008) afirma que o lazer se estabelece como um
importante fator social, contudo, condicionado ao tipo de trabalho, que será decisivo sobre
ele, ou seja, tanto o trabalho quanto o lazer formam um todo. “O trabalho só será humano se
permitir [...] o lazer humano. Porém o lazer que não passar de uma simples evasão do
192
trabalho, de uma fundamental falta de interesse pelos problemas [...] do trabalho só será uma
falsa solução...” (DUMAZEDIER, 2008, p.110).
Pode-se considerar até o presente momento, que com o crescimento desenfreado das
fábricas, proporcionado por um novo sistema econômico: o capitalismo, e a busca incessante
por mais tecnologia, os trabalhadores tornaram-se escravos das máquinas, na verdade nesse
período de pós-revolução industrial, mudou-se apenas as nomenclaturas dos episódios, o que
antes eram longas jornadas de trabalho, agora eram denominadas de horas extras, e até o
tempo de não trabalho, que foi conquistado com muita luta pelos sindicatos, já não
apresentava o devido valor.
Mas, ao longo do século XX, a qualidade de vida engendrada pela produção social
levou a que todos os segmentos sociais reivindicassem também tempo e condições
para a fruição dos bens culturais. Eis que tais reivindicações oscilam hoje entre o
direito do cidadão e o serviço ao consumidor de lazeres. (FERNANDES,
HÚNGARO E ATHAYDE, 2011).
Ressalta-se até aqui, que a gestação do lazer enquanto fenômeno social, ou seja, como
um campo de estudo, “como uma esfera própria e concreta, dá-se, paradoxalmente, a partir da
Revolução Industrial, com os avanços tecnológicos que acentuam a divisão do trabalho [...] do
homem do seu processo e do seu produto” (MARCELLINO, 1995, p.14).
Em relação ao entendimento do lazer, durante muito tempo o descanso e a diversão
foram os principais aspectos associados ao tema, contudo, não são apenas essas as
características que fazem parte do contexto do lazer. A discussão sobre o lazer perpassa os
mais diversos aspectos sociais, abordando dessa forma as necessidades da população, fazendo
com que o lazer enquanto fenômeno social ganhe espaço e relevância no âmbito acadêmico,
político, social e humano, ou seja, o lazer como fenômeno social, traz uma perspectiva
voltada para a democratização. Contudo, apesar do lazer trazer uma perspectiva de
democratização, e abranger características voltadas para todos os campos sociais da vida
humana, o senso comum ainda persiste em conceitua-lo como lugar, momento, ação, etc. Para
Marcelino (1996ª, p. 07): “O uso indiscriminado [...] da palavra, englobando conceitos
diferentes [...], fundamenta a necessidade de tentar precisá-lo, [...] de orientar discussões que
contribuam para o seu entendimento...”.
Neste contexto, o uso pela população do termo Lazer nas mais diversas situações
cotidianas, banaliza o real significado da palavra, ou seja, o senso comum sobre a temática
apareceu e, paralelamente, estudos e pesquisas que descrevam corretamente seu significado se
tornam necessárias. As pessoas talvez tenham compreendido o lazer, porém não o definem
abrangendo as características que esse termo expressa. No campo intelectual as
193
fundamentações e as discussões são de caráter político, educacional, histórico, social, cultural,
pessoal etc, assim as vertentes que fazem parte do contexto dão subsídio para reflexões sobre
o todo, diferente da compreensão que a população tem acesso.
Exprimindo conceitos de filósofos e cientistas da área social, a palavra “lazer” faz
parte do vocabulário técnico e científico a muito tempo. A novidade fica por conta
do seu uso no nível corrente ou comum, onde as palavras são dotadas de
significados imediatos. Está ligada, assim, à relação do homem com a realidade
experimentada (MARCELLINO, 1995, pág.20).
Diante de tantas distorções apresentadas para o significado do lazer, é conveniente
conceituar e abranger tais definições a luz de alguns estudiosos da área, compreendendo dessa
forma, a diversificação de significados para tratar o lazer, dentre os mais conhecidos está a
que traz o sociólogo francês Joffre Dumazedier, (2008, p.34) numa perspectiva ampla da
palavra, englobando diversas vertentes as quais o lazer está relacionado:
O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre
vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda
para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação
social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se
das obrigações profissionais, familiares e sociais.
Outro conceito sobre o lazer é sugerido por Requixa, (1977, p. 28), onde o lazer é
entendido “como uma ocupação não obrigatória, de livre escolha do indivíduo que a vive, e
cujos valores propiciam condições de recuperação psicossomática e de desenvolvimento
pessoal e social”. Nessa perspectiva, o caráter pessoal e o bem-estar seriam requisitos básicos
para avaliarem se determinado momento/atitude é lazer.
O lazer não é algo que está estático, ou seja, está em movimento na sociedade e seu
atual significado e crescente importância na sociedade contemporânea possuem
referências históricas. [...] O lazer é um fenômeno tipicamente moderno, resultante
das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de
vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassado por relações de
hegemonia. (MASCARENHAS, 2003 apud FERNANDES, HÚNGARO &
ATHAYDE, 2011).
Marcassa (2003, apud FERNANDES, HÚNGARO E ATHAYDE, 2011), corrobora
com Mascarenhas (2003) quando afirma que o lazer é determinado pela construção histórica
que se opera na sociedade e, portanto, as atividades que passam a fazer parte dele são
vivenciadas e desfrutadas pelos homens em conjunto, segundo as condições econômicas,
culturais e sociais criadas.
Outra concepção interessante do lazer é abordada por Oliveira (2004), segundo está
autora, existe um claro domínio mesmo que pequeno, entre o conhecimento e as
194
possibilidades de se praticar o lazer, através de mudanças de atitudes e valores frente aos
grandes problemas sociais. “Assim, apesar das crescentes discussões e sua enorme utilização,
o [...] lazer ainda permanece restrito aos níveis de entendimento que contém [...] a visão
conservadora que não questiona a lógica capitalista e neoliberal de pensar o mundo”
(OLIVEIRA, 2004, p.21).
Com relação aos fatores de interesse dos conteúdos culturais do lazer, Dumazedier
(1980) elenca cinco áreas principais, são elas: físico-esportivos, manuais, artísticos,
intelectuais e sociais. Além dessas, Camargo (1998) acrescenta os interesses turísticos, e
Schwartz (2003) sugere a inserção do conteúdo virtual do lazer, justificando-o como um
avanço da evolução tecnológica.
Contudo, nas situações cotidianas, os principais fatores que vão dar suporte para
entender se determinada ação, atitude, momento, é lazer ou não, são o tempo e a atitude. Uma
vez que, não é apenas o conceito que vai estabelecer o que o lazer representa, mas os aspectos
que o caracterizam como tal. Por exemplo, diante do conceito sugerido por Dumazedier,
quando se refere à família, fica subentendido que a família seria uma obrigação, como se o
lazer só existisse enquanto se está longe dela. Está em um momento desobrigado com a
família pode ser rotulado como um compromisso ou pode ser classificado como semilazer,
pois, dependendo do contexto, o momento pode ser entendido como um momento de
obrigação e dedicação à família ou lazer quando a satisfação prevalecer. “Tudo ocorre como
se o círculo das obrigações primárias interferisse com o círculo das obrigações do lazer, para
produzir, na intersecção, o semilazer. O semilazer é uma atividade mista em que o lazer é
misturado a uma obrigação institucional” (DUMAZEDIER, 1999, pág.95).
Portanto, diante do exemplo referido sobre a família, pode-se perceber que as
obrigações fazem parte do contexto (fazer compras no supermercado, levar e buscar os filhos
na escola, entre outros), e quando, livre das obrigações institucionais, o compromisso de estar
com a família existe, porém não como obrigação, mas como podemos chamar de semilazer (ir
ao estádio de futebol, ao cinema, viajar, entre outros).
Assim, a liberação do tempo profissional é acompanhada por um duplo modelo de
destinação do tempo no que concerne às obrigações domésticas, conjugais e
familiais. No primeiro, uma parte deste tempo liberado é dedicado de fato a um
aumento do tempo devotado às obrigações institucionais para com a criança, o
cônjuge, o lar. No outro, ao contrário, uma parte das obrigações institucionais de
ontem converte-se no lazer de hoje, dentro do grupo familial ou fora dele
(DUMAZEDIER, 1999, p.45).
Retomando a discussão sobre o tempo e a atitude, Marcellino (1996a, p. 8) traz uma
significativa contribuição, quando afirma que “o lazer considerado como atitude será
195
caracterizado pelo tipo de relação verificada entre o sujeito e a experiência vivida,
basicamente a satisfação provocada pela atividade”. Assim, a escolha individual é que
determina a atitude pela atividade ou ação que será realizada no tempo desobrigado.
Diante disso, a satisfação e o prazer influenciam na concretização da atividade
significativamente, pois esta será desenvolvida de acordo com as necessidades que o
indivíduo deseja, e que, intrinsecamente vai lhe oportunizar um determinado desenvolvimento
de acordo com a experiência vivida. Ressalta-se, no entanto que o lazer mesmo sendo
desfrutado, sempre com as mesmas atividades/opções, e se tornando algo rotineiro, continuará
caracterizado como lazer, pois sua característica não deixa de existir como tal.
É evidente que se a atividade de lazer torna-se também uma rotina, ela perderá a
capacidade de provocar excitação. Este é um processo vivido de ganhos e perdas, é
um processo onde balanceamos nossas opções no cotidiano, não é apenas
sublimatório ou compensador. (BRUHNS, 1997, p. 43)
Esses ganhos podem ser notados quando o lazer tem um significado enriquecedor, ou
seja, de vivenciar as opções escolhidas, e perdas no sentido de deixar suas próprias escolhas
monótonas, rotineiras, devido a não inovação das opções, porém o lazer não pode ser visto
unicamente como uma fuga do cotidiano estressante ou cansativo, mas como uma necessidade
do homem enquanto ser que faz cultura.
Nessa perspectiva, o lazer deve ser entendido como um momento essencial e
indispensável para o ser humano, principalmente diante dos problemas sociais e dificuldades
que surgem como consequência do crescimento das cidades. Assim, o homem nas suas
diversificas potencialidades, sejam psicológicas, fisiológicas, sociológicas, pessoais, culturais,
históricas, entre outras, trazem uma dimensão que abrange suas necessidades de tempo
disponível para si mesmo.
Quanto ao tempo, é compreensível que o homem dispõe de um tempo obrigado (o qual
se dedica às atividades profissionais, escolares e demais comprometimentos) e um tempo
disponível (desobrigado das atividades cotidianas). Assim, em referência ao tempo,
Marcellino (1995) não enfatiza tanto esse elemento como o faz quanto à atitude:
Sendo assim, a circunstância de tempo não faz sentido, uma vez que em qualquer
tempo e desenvolvendo todo tipo de atividade a situação pode se constituir em lazer,
desde que propicie determinados efeitos, variáveis de acordo com os teóricos, mas
fundamentalmente relacionados à satisfação provocada pela experiência em si.
(p.24)
Segundo o autor, o tempo obrigado, bem como o tempo disponível não se fazem como
elementos presentes para a concepção do lazer, porém a atitude de realizar qualquer atividade
196
é propiciada como lazer, e aí está à incoerência no que diz respeito ao tempo ocupado,
direcionado ao trabalho e demais obrigações.
A atividade que o indivíduo escolhe não quer diz necessariamente que o lazer está
acontecendo, pois não tem como afirmar que no tempo obrigado, por exemplo, o indivíduo
vai se divertir ou descansar sem se preocupar com a obrigação. Imagine um funcionário em
seu expediente, com sua determinada função a desempenhar, e simplesmente sai do ambiente
de trabalho antes de cumprir sua carga horária ou então, mesmo no local de trabalho, deixa de
lado seu serviço para se divertir, distrair, descansar ou desenvolver qualquer atividade que lhe
seja prazerosa.
Diante desse exemplo, é óbvio que a atitude foi tomada, porém o tempo não está
desobrigado, e aí a discussão parte para outra dimensão, que é o das consequências que este
indivíduo vá assumir seus valores quanto ao compromisso com o trabalho e com relação ao
lazer, fica claro que o tempo não é apropriado para realizar outras atividades que fogem das
suas obrigações, mas mesmo assim o indivíduo a partir de suas atitudes o faz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, apesar de inúmeros estudos e discussões nesse contexto, o termo Lazer ainda
não é compreendido coerentemente com o que representa devido aos meios de comunicação
que distorcem o seu valor e significado, assim como a disseminação do conteúdo a ser
restrito. Dessa forma, a partir das abordagens discutidas nesse capítulo, conclui-se que a
evolução da sociedade no decorrer da história, possibilita diversas discussão sobres os termos
lazer, recreação, ócio e lúdico.
Todavia, o texto teve por intuito descrever a melhor compreensão sobre tais temáticas
e desvinculá-las do senso comum, baseando-se em estudos de autores referendados da área.
Com isso, a intenção é proporcionar ao leitor uma visão crítica sobre tais discussões que
foram abordadas, possibilitando a reflexão sobre as teorias do lazer que vivenciamos em
nosso cotidiano, mas que, por falta de conhecimento adequado, muitas vezes não nos
apropriamos do seu real significado.
REFERÊNCIAS
197
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consumo e do trabalho. Rev. Mal Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 7, setembro 2007.
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198
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ENCONTRO DA ALESDE “Esporte na América Latina: atualidade e perspectivas”
UFPR - Curitiba - Paraná - Brasil 30, 31/10 e 01/11/2008.
199
AS PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL
Marivaldina Bulcão dos Santos 1
Amanda Santana de Almeida 2
Larissa Vasconcelos dos Santos 3
Valmir Soares Coelho 4
RESUMO
Este trabalho tem o propósito de analisar a importância da prática interdisciplinar como
produção de conhecimento nos cursos da Educação Profissional. Com o objetivo de
atender a ementa da disiciplina Estudos Interdisciplinares do Curso de Manutenção e
Suporte de Informática foi desenvolvida a 1ª Feira de Ciência e Tecnológia do
CEEP/TIC – Lauro de Freitas, fundamentada na Tecnologia Social. Trabalhou-se com
alunos do 2º e 3º ano que utilizaram o arcabouço teórico de Fernandes e Maciel (2010) e
Dagnino (2010). A metodologia utilizada permitiu que dividissemos todas as salas em
cinco grupos e cada grupo com um subtema e os alunos ficassem livres para
sistematizar a concepção teórica e compartilhasse as produções técnicas, baseado na
tecnologia social, interpassando por todas as disicplinas da matriz curricular. Concluise, que as atividades interdisciplinares induz o aluno a construir o conhecimento
coletivo sob a orientação de um professor. Afinal de contas, a Educação Profissional
tem a missão de formar cidadãos criticos e sociáveis.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Profissional. Pratica Interdisciplinar.
1. INTRODUÇÃO
A educação profissional como espaço de construção de conhecimento nos
conduz a um paradigma da aprendizagem, que exige a formação de profissionais
capacitados a dar respostas às demandas requeridas no mundo do trabalho.
Segundo o site da Secretária de Educação (2014) a Rede de Educação
Profissional criada em 2007 inicialmente com 15 cursos, em 2013 já apresenta 89
1
Mestre em Ciência da informação, Bibliotecária da Universidade do Estado da Bahia e Professora de
Arquitetura de Computadores do Centro Estadual de Educação Profissional em Tecnologia da Informação
da Comunicação de Lauro de Freitas. (CEEP/TIC)
2
Aluna do 4º ano do Curso de Manutenção e Suporte em Computadores do (CEEP/TIC )
3
Aluna do 3º ano do Curso de Manutenção e Suporte em Computadores do( CEEP/TIC )
4
Aluno Aluna do 3º ano do Curso de Manutenção e Suporte em Computadores do (CEEP/TIC )
200
Centros de Educação Profissional com 80 cursos nos devastos eixos tecnológicos,
atendendo 119 municípios em todos os 27 Territórios de Identidade.
Diante desse levantamento, observa-se que a comunidade de Lauro de Freitas
possui uma grande variedade de empresas e organizações da àrea tecnológica que
necessitam de profissionais habilitados.
Por isso, o CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (CEEP/TIC), se propõe a
qualifica através de seus cursos, profissionais para exercerem a profissão de Técnico em
Manutenção e Suporte em Informática tanto em Instituições públicas, privadas, quanto
no terceiro setor que demandem este tipo de trabalho ou na restauração autônoma de
serviços.
Nesse sentido, a educação profissional e tecnológica deve apresentar a
intencionalidade estratégica do desenvolvimento, recusando, reduzindo ou adaptando a
formação escolar e para a escola a necessidade dos empregadores, das forças vivas, do
mercado de trabalho, sempre imprecisamente esclarecidas.
Partindo do principio que a escola é um centro de cidadania, ela deve
proporcionar uma séria de alternativas que induza o percurso profissional de qualidade
desse aluno. Diante disso, a educação profissional deve promover o acesso dos
estudantes ao conhecimento científico, às artes, à cultura e ao trabalho. Assim, a pratica
interdiciplinar deve apresentar essas possibilidades.
2. A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR COMO PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO
Partindo do pressuposto que a interdisciplinaridade desenvolve no estudante a
competência de estabelecer relações entre as partes e o todo, ou seja, a concepção
unidirecional e fragmentada do conhecimento. Busca-se na aprendizagem a
reconstrução social e política, com o compromisso de induzir o aluno a aprender através
do conhecimento e da prática.
Nesse sentido, a prática interdisciplinar é integradora, que apresenta uma
situação-problema
e
logo
adiante
torna-se
uma
experiência,
ou
seja,
um
desencadeamento de ação para inferir na realidade. Assim, a pratica interdisciplinar
torna-se socializadora do conhecimento, disseminadora das informações e culturas, não
só transmitindo, mas reconstruindo (FAZENDA, 2008, p.10).
201
Pensando nisso e atendendo a ementa da disciplina Estudos Interdisciplinares do
curso de Manutenção e Suporte de Informatica do CEEP/TIC – Lauro de Freitas
elaborou-se a 1ª. Feira de Ciência e Tecnologia sob o tema: “Tecnologias Sociais:
experiência e contribuição para o desenvolvimento social e sustentavel”. Fundamentado
no livro sob o mesmo título das organizadoras Rosa Maria Castilhos Fernandes e Ana
Maria Lucia Soares (2010).
A Feira teve como elaboradores alunos do CEEP/TIC do 2º e 3º ano do referido
curso, sendo realizada no dia 22 e 23 de outubro de 2014, apresentou-se sob cinco
subtemas, entre eles, Mundo + Limpo: uma tecnologia social em construção; Tramando
Justiça Social e Sustentabilidade; Educação em Saúde; Costurando a Cidadania e o
Centro de Recondicionamento de Computadores: a inserção de jovens na tecnologia
social.
Esses subtemas foi interrelacionados com outras disiciplinas como língua
portuguesa na elaboração dos relatórios e nas apresentações como a literatura de Cordel
e na elaboração do roteiro da peça “tudo que voce não pode fazer com um computador”
apresentado pelo 3º ano. Os alunos buscaram na computação gráfica a produção dos
folders, na disciplina de arte a idéia para fazer a decoração da sala e na disciplina
arquitetura de computadores os conhecimentos de hardware e software para montar as
apresentações propriamente dita.
A metodologia utilizada permitiu que dividissemos todas as salas em cinco
grupos e cada grupo com um tema fundamentado na obra publicada pela Rede de
Tecnologia Social do Rio Grande do Sul. Nas aulas da disciplina Estudos
Interdiciplinares os grupos tiveram oportunidades de se reunirem, discutirem e
compartilharem as experiencias a respeito dos seus respectivos temas. Foram lidos
vários textos além da bibliografia citada, os alunos tiveram acesso ao livro de Renato
Dagnino (2010), o que abriu mais um leque de informações sobre a tecnologia social.
3. A CULMINÂNCIA DO TRABALHO
Como o nosso espaço é restrito, os alunos do 2º ano dividiram a sala de aula em
cinco ambientes, onde cada equipe pudesse disseminar o seu produto final. As equipes
chegaram cedo, e em duas horas eles já tinham suas “barracas” montadas e a decoração
202
da sala concluida, um dos critérios da avaliação. Em cada sala desenvolveu os subtemas
norteados com o seu significado:
 Mundo + Limpo: uma tecnologia social em construção, que teve o objetivo de
demonstrar a tecnologia social voltada à geração de renda e à preservação do
meio ambiente através da reciclagem de materiais aliada ao saber popular e
técnico.
 Tramando Justiça Social e Sustentabilidade: demonstra o empreendedorismo
de economia solidária na distribuição de renda, não desprezando a preservação
do meio ambiente.
 Educação em Saúde: dissemina uma tecnologia de produto simples, de baixo
custo, para necessidades de saúde vitais, como: piolhos, doenças
dermatológiacas, diáreias e outros, através do saber popular com o objetivo de
auxiliar nos cuidados com a saúde e aumentar a autoestima da população local.
 Costurando a Cidadania: propicia melhores condições para uma inserção
econômica autossustentável enraizando a solidariedade e a desalienação.
 Centro de Recondicionamento de Computadores: a inserção de jovens na
tecnologia social, que tem como objetivo capacitar jovens da comunidade a
transformar sucata tecnológica em computadores operacionalizáveis ou, quando
isso não for possível, em utensílios originais e criativos.
Sendo assim, os alunos sistematizaran a concepção teórica e compartilharam a
experiencia vivida em construir um espaço de socialização e dialogo, entre os saberes
populares e o teórico. E a disciplina Estudos Interdisciplinares conclui seu objetivo na
produção do conhecimento, fundamentada no carater dialético da realidade social.
CONCLUSÃO:
É notória a importância das atividades interdiciplinares no curso de Educação
Profissional, porque o aluno desperta a atitude de busca, de sintonia com o
conhecimento e quebra barreiras dos limites entre as disciplinas.
As atividades interdisciplinares garantem maior interação entre os alunos e na
experiência do convivio em grupo. Observa-se que essa metodologia, como forma de
promover a união escolar em torno de um objetivo comum que é a formação de um
individuo social, possibilita diferentes olhares em um mesmo tema. Como afirma
Fazenda (2008, p.7)
203
[...] É compreender, entender as partes de ligação entre as diferentes àreas de
conhecimento, unido-se para transpor algo inovador, abrir sabedorias,
resgatar possibilidades e ultrapassar o pensar fragmentado. É a busca
constante de investigação, na tentativa de superação do saber.
Vale ressaltar, que nas atividades interdisciplinares o aluno não constrói sozinho
o conhecimento, e sim em conjunto com os outros colegas. Sem contar que a orientação
do professor é essencial para colocar em prática os principios fundamentamentais do
sucesso da interdisciplinaridade, que são a humildade, espera, respeito, coerência e
desapego. (FAZENDA, 2008, p.9-10) Afinal de contas, a Educação Profissional tem a
missão de formar cidadãos criticos e sociáveis.
A atividade desenvolvida nessa disicplina deixa evidente a presença da
interdisciplinaridade na produção técnica dos alunos e desperta a importância da
tecnologia social fundamentada por Fernandes e Maciel (2010, p.9) que é tema
imprescíndivel da ementa da matriz curricular do curso.
[...] tratada a concepção de TS significa reconhecer a diversidade de fatores
que estão implicados na construção e no desenvolvimento de uma TS;
transformação social, participação direta da população, inclusão social,
melhoria de condições de vida, sustentabilidade, socio-ambiental e
econômica[...]
Vale enfatizar que na fala pós-feira dos alunos é reforçado a importância desse
tipo de metodologia.
[...] “Essa é a chance que temos de mostrar nosso potencial e nossas
criatividades como aluno, essa é a chance que temos de superação, de ser mais
responsável diante dos nossos compromissos...” (Mayara, 16 anos – 3º ano)
[...] “podemos ressaltar dois importantes beneficios em nosso projeto, a
reciclagem utilizando papelão e a economia, ou seja, gastamos menos reciclando
do que comprando material novo”. (João Vitor, 15 anos – 2º ano)
[...] “sabemos que a tecnologia social é a ferramenta para construir pontes e
ligações sem fronteiras de acessibilidade e informação”.
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http://escolas.educacao.ba.gov.br/educacaoprofissional/centrosunidades/eixostecnologic
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