tese de doutorado - ICB - Universidade Federal de Minas Gerais

Transcrição

tese de doutorado - ICB - Universidade Federal de Minas Gerais
TESE DE DOUTORADO
Estudos ecológicos da cianobactéria Cylindrospermopsis raciborskii
(Woloszynska) Seenayya et Subba Raju no Lago Dom Helvécio,
Parque Estadual do Rio Doce, Minas Gerais, Brasil.
Fábio da Cunha Garcia
Orientador
Prof. Dr. Francisco Antônio Rodrigues Barbosa
Junho de 2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG
INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA GERAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA,
CONSERVAÇÃO E MANEJO DE VIDA SILVESTRE
Estudos ecológicos da cianobactéria Cylindrospermopsis raciborskii
(Woloszynska) Seenayya et Subba Raju no Lago Dom Helvécio,
Parque Estadual do Rio Doce, MG, Brasil.
Tese a ser apresentada à Universidade Federal
de Minas Gerais, como parte dos pré-requisitos
do Programa de Pós-Graduação em Ecologia,
Conservação e Manejo de Vida Silvestre, para
obtenção do título de Doutor em Ecologia.
Fábio da Cunha Garcia
Orientador
Prof. Dr. Francisco Antônio Rodrigues Barbosa
Belo Horizonte, junho de 2007.
Ficha Catalográfica
Garcia, F.C. - Estudos ecológicos da cianobactéria Cylindrospermopsis raciborskii
(Woloszynska) Seenayya et Subba Raju no Lago Dom Helvécio, Parque Estadual do
Rio Doce, MG, Brasil. Tese de Doutorado. Instituto de Ciências Biológicas,
Universidade Federal de Minas Gerais. 82p.
Fábio da Cunha Garcia, Belo Horizonte, UFMG, 2007.
Palavras-chave: Cylindrospermopsis raciborskii, cianobactéria, influências climáticas,
estrutura física da coluna d’água, dinâmica populacional, experimentos in vitro, lago
Dom Helvécio, Parque Estadual do Rio Doce-MG, Brasil.
Fontes de Financiamento
Apoio
I
Dedicatória
Dedico este trabalho ao meu Pai, Isaias Marques Garcia (in memória), um exemplo de
pessoa e de pai; um grande incentivador do meu trabalho.
Dedico este trabalho a minha mãe Rosa Maria, também um exemplo de pessoa, de mãe
e profissional, e mais uma grande incentivadora do meu trabalho.
Dedico este trabalho a minha esposa Junia e minha filha Lorena, por fazerem parte da
minha vida.
II
Agradecimentos
Ao Professor Francisco Barbosa pela orientação e amizade, que iniciaram em 1992 quando
entrei para o Laboratório de Limnologia e será sempre uma referência de pessoa e profissional.
À Universidade Federal de Minas Gerais / Instituto de Ciências Biológicas, pela formação de
qualidade que me proporcionou, tanto na graduação quanto agora no doutorado.
Ao Programa de Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre, através
dos professores e funcionários, pela formação, logística a apoio durante o doutorado.
Ao CNPq, pela a bolsa de estudo e ao PELD/UFMG, pelo financiamento do projeto.
Ao Instituto Estadual de Floresta e funcionários do Parque Estadual do Rio Doce, pelo apoio ao
desenvolvimento do projeto nessa Unidade de Conservação.
A todos os colegas que ajudaram nas coletas; o apoio de vocês foi fundamental para o
desenvolvimento do projeto.
Aos colegas do Laboratório de Limnologia e de Ecologia do Zooplâncton, pelo convívio
amizade e apoio durante o andamento da Tese.
Aos colegas do café das 16 horas, momento de descontração e conversas muito importante
durante o período da Tese.
A Professora Paulina, pela amizade, orientação e presença constante na minha vida acadêmica.
Ao Fábio Vieira, pela amizade, ajuda e cafés no Laboratório de Ictiologia.
Ao José Fernandes, pela amizade, ajuda na Tese e companhia no café das 16 horas.
A Lucilene da Silva, Bióloga, Professora da Rede de Ensino Estadual na região de Dionísio, que
muito me ajudou nas coletas semanais.
A Cristiane Barros, pela importante participação na tese.
A Akemi Aoki, pela contagem do zooplâncton.
Especialmente a minha esposa Junia e a minha filha Lorena, por fazerem parte da minha
vida; pelo amor, apoio, ajuda e tolerância naqueles momentos de estresse.
Especialmente a minha família: minha mãe Rosa Maria – exemplo de pessoa, mulher, mãe e
profissional –, meus irmãos Domingos Sávio e Gustavo, amigos e incentivadores do meu
trabalho, cunhadas e sobrinhos, pessoas maravilhosas e muito importantes na minha vida.
Especialmente a família de minha esposa, minha família em Belo Horizonte, que sempre esteve
ao meu lado e são muito importantes para mim.
A todos que direta ou indiretamente me ajudaram e comigo conviveram durantes estes anos.
A todos vocês, o meu muito obrigado!
III
Sumário
Ficha Catalográfica....................................................................................................
Dedicatória.................................................................................................................
Agradecimentos..........................................................................................................
Sumário......................................................................................................................
Lista de tabelas, figuras e anexos...............................................................................
I
II
III
IV
1
Apresentação..............................................................................................................
3
Resumo.......................................................................................................................
Abstract......................................................................................................................
4
6
Introdução..................................................................................................................
Hipóteses de trabalho........................................................................................
Objetivo geral...................................................................................................
Objetivos específicos........................................................................................
Área de trabalho................................................................................................
Referências bibliográficas................................................................................
8
12
12
12
13
15
Cap 1..........................................................................................................................
Resumo.............................................................................................................
Introdução........................................................................................................
Material e métodos.........................................................................................
Resultados........................................................................................................
Discussão..........................................................................................................
Referências bibliográficas................................................................................
17
19
20
21
22
26
30
Cap 2..........................................................................................................................
Resumo.............................................................................................................
Introdução.........................................................................................................
Material e métodos.........................................................................................
Resultados........................................................................................................
Discussão..........................................................................................................
Referências bibliográficas................................................................................
32
33
35
36
39
48
55
Cap 3..........................................................................................................................
Resumo.............................................................................................................
Introdução........................................................................................................
Material e métodos.........................................................................................
Resultados........................................................................................................
Discussão..........................................................................................................
Referências bibliográficas................................................................................
59
60
62
63
64
69
73
Conclusões ................................................................................................................
75
Anexos.......................................................................................................................
79
IV
Lista de tabelas
Página
Tabela 2.1 Valores médios e desvio padrão de variáveis físicas e químicas do
lago Dom Helvécio. Resultados do teste Mann-Whitney com os valores
significativamente diferente entre os períodos desestratificado e estratificado.
40
Tabela 2.3. Principais espécies e sua contribuição para a biomassa total do
fitoplâncton no lago Dom Helvécio nas cinco fases identificadas.
42
Tabela 2.4. Medidas de importância (eigenvalues), de correlações espéciesambiente (força da interação) e da percentagem acumulada da variância das
espécies (relação espécies-ambiente) explicada pelos eixos da ordenação
canônica.
43
Tabela 2.5. Coeficientes de correlação “inter-setas” entre as variáveis
ambientais significativas e que foram adicionadas ao modelo de ordenação
canônica.
43
Tabela 2.7. Coeficiente de correlação de Spearman entre a biomassa de
Cylindrospermopsis raciborskii e as variáveis ambientais.
47
Tabela 3.1. Concentrações iniciais e finais de fósforo solúvel reativo (PO4-P),
nitrato (NO3-N) e amônia (NH4-N), e razões entre nitrogênio inorgânico
dissolvido e fósforo inorgânico dissolvido (DIN:DIP) nos diferentes
tratamentos do experimento com enriquecimento.
67
Lista de figuras
Figura 1. Figura 1. Fotos de microscópio invertido (~2.000 x) da cepa de C.
raciborskii isolada do lago Dom Helvécio, MG.
9
Figura 2. Localização do Parque Estadual do Rio Doce com parte do sistema
lacustre do médio Rio Doce, evidenciando o lago Dom Helvécio.
13
Figura 3. Vista panorâmica do lago Dom Helvécio, a partir do mirante.
14
Figura 1.1. Variações anuais da temperatura do ar, da estabilidade da coluna
d’água e do conteúdo de calor no lago Dom Helvécio, Parque Estadual do Rio
Doce-MG no período 2001 a 2004.
23
Figura 1.2. Variação anual da temperatura do ar na região do trecho médio do
Rio Doce, da profundidade da zona de mistura e da estabilidade da coluna
d’água do lago Dom Helvécio, entre julho de 2002 e julho de 2003.
24
Figura 1.3. Diagramas de profundidade/tempo da temperatura da água (A) e
concentração de oxigênio dissolvido (B) no lago Dom Helvécio, Parque
Estadual do Rio Doce-MG no período julho de 2002 a julho de 2003.
25
Figura 1.4. (A) Variação mensal da profundidade da zona de mistura e das
concentrações de fósforo e nitrogênio total, no lago Dom Helvécio. A linha
tracejada mostra o limite entre os estados tróficos oligotrófico, mesotrófico e
eutrófico, segundo modelo de Salas & Martino (1990). (B) Variação mensal da
1
concentração de fósforo total e da densidade total do fitoplâncton no lago Dom
Helvécio.
26
Figura 2.1. Divisão do período de estudo em fases: I) desestratificação/02; II)
transição/02;
III)
estratificação02/03;
IV)
transição/03
e;
V)
desestratificação/03.
38
Figura 2.2. Biomassas das Classes fitoplanctônicas na zona eufótica do lago
Dom Helvécio no período julho 2002 a julho 2003.
41
Figura 2.3. Diagrama de ordenação da Análise de Correspondência Canônica
(CCA) mostrando as espécies fitoplanctônicas, as variáveis ambientais que
exercem influência significativa e independente na distribuição do fitoplâncton.
44
Figura 2.4. Variação – média e desvio padrão – na biomassa de C. raciborskii
nas profundidades de 100, 10 e 1 % incidência da luz na superfície, no lago
Dom Helvécio, MG.
45
Figura 2.5. Variação na biomassa de espécies da Classe Cyanophyceae ao
longo do período de estudo.
46
Figura 2.6. Biomassa de Cylindrospermopsis raciborskii – com (ch) e sem
heterocito (sh) no lago Dom Helvécio.
47
Figura 3.1. Curvas de crescimento de culturas de Cylindrospermopsis
raciborskii mantidas sob quatro condições de temperatura.
65
Figura 3.2. Densidades de Cylindrospermopsis raciborskii inicial e após dez
dias de incubação em diferentes temperaturas.
65
Figura 3.3. Curvas de crescimento de culturas de Cylindrospermopsis
raciborskii mantidas sob quatro condições de luminosidade.
66
Figura 3.4. Densidades de Cylindrospermopsis raciborskii inicial e após dez
dias de incubação sob diferentes intensidades luminosas.
67
Figura 3.5. Curvas de crescimento de culturas de Cylindrospermopsis
raciborskii mantidas sob diferentes condições de enriquecimento.
68
Figura 3.6. Densidades de Cylindrospermopsis raciborskii inicial e observada
após dez dias de incubação sob diferentes condições de enriquecimento com
fósforo.
69
Lista de anexos
Anexo 1. Relação de Classes, gêneros e espécies encontradas no Lago Dom
Helvécio.
79
Anexo 2. Protocolo para preparação do meio ASM-1
82
2
Apresentação
Esta tese está estruturada com uma introdução, onde é apresentada a cianobactéria
Cylindrospermopsis raciborskii, com suas principais características e fatores
reguladores da espécie, segundo a bibliografia; apresenta as questões a serem discutidas,
hipóteses testadas e objetivos (geral e específicos) propostos. Posteriormente apresenta
a área de estudo, com o mapa de localização e algumas imagens do lago Dom Helvécio.
Os três capítulos seguintes abordarão diretamente as hipóteses e objetivos do
trabalho, estando assim dispostos:
Capítulo 1.
A influência do clima no regime térmico, na zona de mistura e na estabilidade da coluna
d’água e seus reflexos na dinâmica química da água e no fitoplâncton do lago Dom
Helvécio, Parque Estadual do Rio Doce - MG, Brasil.
Trabalho apresentado no X Congresso Brasileiro de Limnologia (Ilhéus - BA,
24 a 29 de julho de 2005) – premiado como uma das cinco melhores
apresentações do congresso – e submetido à Revista Limnologica.
Capítulo 2.
Dinâmica
populacional
e
participação
de
Cylindrospermopsis
raciborskii
(Woloszynska) Seenayya et Subba Raju (Cyanophyceae, Nostocalle) na comunidade
fitoplanctônica do lago Dom Helvécio, Sudeste do Brasil.
Capítulo 3.
Respostas
ecofisiológicas
da
cianobactéria
Cylindrospermopsis
raciborskii
(Woloszynska) Seenayya et Subba Raju, mantida em cultura, a alterações de
temperatura, luz, concentração de fósforo e razão N:P.
3
Resumo
Com o objetivo de caracterizar a dinâmica populacional de Cylindrospermopsis
raciborskii e sua participação na comunidade fitoplanctônica do lago Dom Helvécio –
Parque Estadual do Rio Doce, Minas Gerais, esta tese está estruturada em três capítulos.
O primeiro caracteriza as influências climáticas na estrutura térmica do lago Dom
Helvécio e seus reflexos na química da água. Os resultados demonstram a ação direta do
clima sobre as variáveis físicas, influenciando indiretamente a química da água. Estes
resultados reforçam a importância do monitoramento climático como ferramenta para
estudos ecológicos. O segundo capítulo caracteriza a dinâmica populacional de C.
raciborskii e sua participação na comunidade fitoplanctônica do lago Dom Helvécio. C.
raciborskii contribui com um máximo de 5,5% para a biomassa total e com 74,5% da
biomassa da Classe Cyanophyceae, sendo significativamente maior no período de
estratificação (máximo de 0,81mg.L-1) que no desestratificado (máximo de 0,18mg.L-1),
mas sem diferenças entre as profundidades. Filamentos heterocitados foram registrados
quase que exclusivamente no período de estratificação (45,7%) e não foi registrada a
presença de acinetos. A biomassa de C. raciborskii está correlacionada positivamente
com temperatura, estabilidade da coluna d’água e fósforo solúvel reativo, e
negativamente com nitrato, amônia, razão DIN:DIP, Zeu e razão Zeu/Zmix, no período
estratificado. O terceiro capítulo apresenta as respostas in vitro de C. raciborskii às
manipulações nas condições de temperatura, irradiância, concentração de fósforo
solúvel reativo e razão N:P (dissolvidos). No experimento com temperatura, maiores
densidades foram obtidas no tratamento a 25ºC (84.496org.ml-1). No experimento com
luz, as maiores densidades foram obtidas nos tratamentos de 65 e 220µmol.m2.s-1 e nos
experimentos com enriquecimento todos os tratamentos apresentaram crescimento em
relação ao inicial, mas problemas metodológicos podem ter produzido resultados
imprecisos. Os resultados obtidos nos estudos in vitro corroboram parcialmente aqueles
obtidos in situ, onde foram encontradas correlações positivas entre a biomassa de C.
raciborskii com a temperatura da coluna d’água e com fósforo solúvel reativo, mas sem
diferenças significativas na biomassa entre as profundidades de 100, 10 e 1 % de
incidência de luz. Estes resultados confirmam, parcialmente, a primeira hipótese de que
os principais fatores que regulam as populações de C. raciborskii no lago Dom Helvécio
são aqueles relacionados com a estabilidade do sistema e a temperatura da água; que a
disponibilidade de nutrientes, notadamente fósforo solúvel reativo, tem importância
4
secundária; que o regime de luz subaquático não interfere na variação vertical da
biomassa e que uma maior densidade de C. raciborskii foi registrada no verão, quando
ocorre a maior estabilidade nesse ambiente. Estes resultados confirmam a segunda
hipótese, que as maiores biomassas de C. raciborskii ocorrem no verão, quando das
maiores estabilidades da coluna d’água. Por fim, confirmam parcialmente a terceira
hipótese, que pode haver uma relação negativa entre as concentrações de nitrogênio e a
biomassa de C. raciborskii no lago Dom Helvécio – o que foi confirmado – mas não
sendo evidenciado o favorecimento de C. raciborskii em relação às demais espécies do
fitoplâncton.
5
Abstract
Aiming to characterize the population dynamics of Cylindrospermopsis raciborskii and
its participation in the phytoplankton community of Dom Helvécio lake - State Park of
Rio Doce, Minas Gerais, this thesis is structured in three chapters. The first one
characterizes the climatic influences on the thermal structure of Dom Helvécio lake and
its consequences on the water chemistry. The recorded results demonstrate the direct
action of the climate on physical variable, indirectly influencing the chemistry of the
water. These results also strengthening the importance of climatic monitoring as a ool
for ecological studies. The second chapter characterizes the population dynamics of C.
raciborskii and its participation in the phytoplankton community of lake Dom Helvécio.
C. raciborskii contributes with a maximum of 5.5% of total biomass and with 74.5% of
the biomass of Cyanophyceae, being significantly higher during the stratification period
(maximum of 0.81mg. L-1) than the mixing one (maximum of 0.18 mg. L-1) without
showing differences between depths. Filaments whit heterocits had been registered
almost exclusively during the stratification period (45.7%) and the presence of acinets
was not registered. The biomass of C. raciborskii correlated positively with
temperature, stability of the water column and soluble reactive phosphorus, and
negatively with nitrate-nitrogen, ammonia-nitrogen, DIN: DIP ratio, Zeu and Zeu/Zmix
ratio, all in the estratificated period. The third chapter presents the answers of in vitro
manipulations of C. raciborskii in relation to temperature conditions, light regime,
concentrations of soluble reactive phosphorus and N: P (dissolved) ratio. In the
experiment with temperature, higher densities were recorded at 25ºC (84.496org.ml-1).
In the experiment with light highest densities were recorded in treatments of 65 and
220µmol.m2.s-1 (98,825 and 116,525 org.ml-1, respectively) and in the experiments of
enrichment all treatments presented growth in relation to the initial values. These results
partially corroborate those recorded in situ, where positive correlations between
biomass of C. raciborskii had been found with the temperature of the water column and
with soluble reactive phosphorus, but without significant differences in biomass at
depths of 100, 10 and 1% of light incidence. These results confirm partially the first
hypothesis that the main factors that regulate populations of C. raciborskii in lake Dom
Helvécio are related with the stability of the system and temperature of the water; that
the availability of nutrients, mainly soluble reactive phosphorus has secondary
importance; that the underwater light regime does not interfere with the vertical
6
variation of phytoplankton biomass and that a higher density of C. raciborskii was
registered in summer when also occur a greater stability in this environment. These
results confirm the second hypothesis, that the biggest biomasses of C. raciborskii occur
in the summer, when the biggest estabilidades of the water column These results
partially confirm the third hypothesis, that does exist a negative correlation between
nitrogen concentrations and biomass of C. raciborskii – it was confirmed – but not
being evidenced C. raciborskii is favored in relation to other phytoplankton species.
7
Introdução
As cianobactérias são encontradas em diferentes ambientes, como lagos tropicais e
de regiões temperadas, rios e estuários (Oliver & Ganf 2000). É grupo mais encontrado
quando ocorrem florações em ambientes eutrofizados (Bouvy et al. 1999). Os fatores
primários que determinam a dominância das cianobactérias são a temperatura da água, o
regime de luz subaquático e a zona de mistura da coluna de água (Dokulil & Teubner
2000).
Cylindrospermopsis
raciborskii
(Woloszynska)
Seenayya
et
Subba
Raju
(Cyanophyceae, Nostocales) foi encontrada inicialmente em reservatórios de Java, na
Ásia, no final do século passado (Padisák 1997). Ela habita diferentes ambientes, desde
reservatórios oligotróficos do hemisfério Sul a pequenos, rasos e hipereutróficos lagos
no hemisfério Norte, sendo encontrada também em rios e outros ambientes com fluxo
de água intenso. Essa diversidade de habitats, tanto em termos da geomorfologia quanto
da química da água demonstra o alto grau de adaptação ecofisiológica dessa espécie
(Padisák 1997).
Seu aparecimento em lagos naturais e em reservatórios está relacionado com
florações de algas que afetam seriamente a qualidade da água utilizada para recreação e
abastecimento público, como no Reservatório Solomom, na Austrália (Hawkins 1988),
nos lagos Balaton, na Hungria (Padisák 1997, Padisák & Istvánovics 1997) e Paranoá,
em Brasília (Branco & Senna 1996).
Inicialmente C. raciborskii era conhecida por não produzir toxicidade. No entanto,
acidentes levando à intoxicação de humanos foram relacionados com a presença dessa
espécie na água utilizada para abastecimento público. Em 1979, em Palm Island na
Austrália, 148 pessoas foram intoxicadas e esse acidente foi relacionado com a presença
dessa cianobactéria no Reservatório Salomon, utilizado como fonte de abastecimento de
água para a população (Padisák 1997).
Cylindrospermopsis
raciborskii
foi
inicialmente
descrita
como
Anabaena
raciborskii e posteriormente como Anabaenopsis raciborskii (Padisák 1997); uma
diferença no posicionamento do heterocito no filamento levou à diferenciação entre
estes gêneros: enquanto no gênero Anabaenopsis o heterocito aparece como um par de
células dividindo o filamento em dois, em Cylindrospermopsis ele tem um
posicionamento terminal no filamento (figura 1). No entanto, a morfologia do tricoma
de C. raciborskii varia durante o crescimento da população e pode ocorrer, dependendo
8
das condições ambientais, a ausência tanto do heterocito quanto do acineto, dificultando
a taxonomia dessa espécie. Uma maior descrição sobre a morfologia e o ciclo de vida de
C. raciborskii pode ser obtida em Padisák (1997).
Figura 1. Fotos de microscópio
invertido (~2.000 x) da cepa de C.
raciborskii isolada do lago Dom
Helvécio,
MG.
Laboratório
de
Biofísica, ICEX/UFMG – Imagem de
Leonardo G. de Mesquita, gentilmente
cedidas por Maria Betânia G. Souza.
Cylindrospermopsis raciborskii ocorre em um amplo espectro de ambientes de água
doce. No entanto, independente da latitude, o crescimento de populações dessa espécie
ocorre principalmente em águas quentes (Bouvy et al. 2000, Isvánovics et al. 2000,
Huszar et al. 2000, Borics et al. 2000), limitando assim o crescimento da população, nas
regiões temperadas, a pequenos períodos do verão. Esse requerimento, em parte, está
relacionado com a necessidade de temperaturas adequadas para a germinação do acineto
(Padisák 1997). Aliada à temperatura, a estabilidade do ambiente é um dos fatores que
9
podem influenciar a ocorrência de C. raciborskii (Padisák 1997, Bouvy, 2000). Na
maioria dos lagos tropicais as maiores populações são registradas em períodos de
estratificação térmica (verão), quando picos de crescimento são observados no
metalimnio desses lagos, como demonstrado por Barbosa & Padisák (2002) no lago
Dom Helvécio, no Parque Estadual do Rio Doce, MG. Uma menor sazonalidade nos
trópicos pode promover melhores condições para a presença de cianobactérias, como
observado por Huszar et al. (2000) em estudos de lagos brasileiros em processo de
eutrofização. Os estudos desenvolvidos por esses autores mostraram a dominância de
cianoprocariontes em 100% dos lagos do Nordeste e entre 60 e 70% nos lagos no
Sudeste.
Estudos recentes sugerem que C. raciborskii ocorre em lagos com pH elevado: entre
8 e 8,7 no lago Balaton, na Hungria (Padisák 1997), > 9 no reservatório Ingazeira, no
Nordeste brasileiro (Bouvy 1999). De acordo com Smith (1998) cianobactérias são
beneficiadas em ambientes com pH > 8. No entanto, as explicações para a presença das
cianobactérias em ambientes com pH elevado ainda não foram suficientemente
esclarecidas (Whitton & Potts 2000).
Uma vez que C. raciborskii é uma cianobactéria com heterocito, isso a torna capaz
de fixar N2 atmosférico dissolvido na água e seu aparecimento pode ser um indicador da
deficiência desse elemento no ambiente (Padisák 1997). Barbosa et al. (1999)
observaram um aumento de C. racibosrkii em resposta às menores concentrações de
nitrogênio na camada superior do reservatório Nova Avanhandava, no médio Rio Tietê.
Bouvy et al. (2000) encontraram relações negativas entre os níveis de amônia e nitrato e
a abundância de Cylindrospermopsis raciborskii. De acordo com Talling (1965) apud
Padisák (1997), como em águas tropicais oligotróficas há uma tendência de limitação
por nitrogênio, essa deficiência é tida como a maior causa da dominância de
cianobactérias, entre as quais C. raciborskii.
Por outro lado, a presença de C. raciborskii em uma série de lagos com diferentes
concentrações de fósforo, indicou não haver uma clara relação entre a disponibilidade
desse elemento e a presença dessa cianobactéria no ambiente (Padisák, 1997).
Semelhantemente, Bouvy et al. (2000) não encontraram relações entre a abundância
desta cianobacteria e a concentração de fósforo total, assim como para a razão N:P. De
acordo com Istvánovics et al. (2000) a alta afinidade e capacidade em estocar fósforo
tornam C. raciborskii um competidor eficiente em um amplo espectro de ambientes,
inclusive naqueles onde ocorre deficiência de fósforo. Além disso, segundo estes
10
autores, ao contrário das outras espécies, C. raciborskii possivelmente se desenvolve
rapidamente quando as concentrações de fósforo estão nos menores níveis,
demonstrando elevada eficiência na assimilação desse elemento e, portanto, pode ser
um elemento chave para a carga interna de fósforo em lagos rasos, como demonstrado
por Padisák (1997).
O fator luz não parece ser limitante para o crescimento de populações de C.
raciborskii que conseguem persistir mesmo quando ocorre um auto-sombreamento
(Padisák 1997, Bouvy 1999). No entanto, Huszar et al. (2000) encontraram relações
negativas entre Cyanoprocariontes e disponibilidade de luz em diversos lagos brasileiros
em processo de eutrofização. Em estudos comparativos nos lagos Dom Helvécio e
Carioca, no Brasil, e Steklin na Alemanha, Padisák et al. (2000), demonstraram que C.
raciborskii foi a espécie dominante no lago Dom Helvécio, no período de estratificação
térmica (verão de 1999 e 2000) e que esta espécie se mostrou adaptada às baixas
intensidades luminosas. No entanto, os fatores que levaram essa espécie a se adaptar a
essas baixas intensidades de luz ainda permanecem uma questão a ser investigada.
No Lago Dom Helvécio (Parque Estadual do Rio Doce), alguns estudos já tiveram
como foco C. raciborskii. Até o momento a espécie encontrada não apresentou nenhum
indício de floração assim como de produção de toxinas (Ribeiro & Barbosa 2002). No
entanto, foi demonstrado em estudos in vitro o potencial invasor dessa espécie (Souza
2005). Sendo assim, por não existirem ainda estudos que comprovem todas essas
características faz-se necessário estudos mais detalhados sobre a ecologia dessa espécie
nesse ambiente.
Particularmente algumas questões ainda necessitavam de esclarecimentos:
1)
Qual a participação de C. raciborskii na comunidade fitoplanctônica desse lago?
Ela é uma espécie rara, aparecendo em densidades maiores somente quando ocorrem
condições ideais para o seu desenvolvimento, ou é uma espécie comum, tendo
participação relevante na comunidade fitoplanctônica durante todo um ciclo
hidrológico?
2)
Como é a dinâmica populacional dessa espécie dentro de um ciclo hidrológico?
Quando e em que profundidade estão suas maiores densidades?
3)
Quais as variáveis que determinam o padrão de flutuação sazonal nesse ambiente
(e.g. temperatura, luz, nutrientes, predação pelo zooplâncton)?
4)
Qual a importância dessa espécie, não somente para o Rio Doce (onde a
princípio não produz toxina), mas também para os ecossistemas aquáticos da região
11
como um todo? Os lagos externos ao Parque Estadual do Rio Doce estão sendo
impactados, principalmente pela substituição da vegetação original por monocultura de
eucalipto (Eucalyptus sp.).
5)
De que forma esses estudos poderão fornecer subsídios para o controle de
florações dessa espécie em ambientes degradados (e.g. lagos externos ao Parque
Estadual do Rio Doce)?
Hipóteses de trabalho
•
Os principais fatores que regulam as populações de C. raciborskii no lago Dom
Helvécio são os relacionados com a estabilidade do sistema, temperatura, regime
de luz subaquático e disponibilidade de nutrientes.
•
Uma maior biomassa de C. raciborskii ocorre no verão, quando ocorre maior
estabilidade nesse ambiente.
•
Pode haver uma relação negativa entre as concentrações de nitrogênio e a
biomassa de C. raciborskii no lago Dom Helvécio; quando ocorrem condições
de limitação por nitrogênio C. raciborskii é favorecida em relação às demais
espécies do fitoplâncton.
Objetivo geral
Caracterizar a dinâmica populacional de Cylindrospermopsis raciborskii e sua
participação na comunidade fitoplanctônica do lago Dom Helvécio – Parque Estadual
do Rio Doce, Minas Gerais.
Objetivos específicos
Determinar a participação de C. raciborskii na comunidade fiotoplanctônica, do lago
Dom Helvécio durante um ciclo hidrológico;
Estudar a dinâmica de de C. raciborskii frente às variáveis naturais no seu habitat:
temperatura, luz, nutrientes e predação pelo zoolplâncton;
Testar, em laboratório, a influência das variáveis luz, temperatura e nutriente na
população de C. raciborskii.
12
Área de Estudo
O Parque Estadual do Rio Doce (PERD) está localizado no trecho médio do Vale do
Rio Doce, Minas Gerais, entre as coordenadas 19º29’24” e 19º48’18” S e 42º28’18” e
42º38’30” W (Figura 2).
Figura 2. Localização do Parque Estadual do Rio Doce, estado de Minas Gerais,
mostrando o sistema de lagos e o lago Dom Helvécio. Adaptado de Godinho (1996).
O Lago Dom Helvécio é um ecossistema oligotrófico, de forma dendrítica, com área
superficial de 6,87 km2 e 32,5 m de profundidade, sendo o lago natural mais profundo
do Brasil (Barbosa & Padisák, 2002) (figura 3). É um lago monomítico quente, cuja
circulação ocorre entre março e agosto (Tundisi & Mussara, 1986). Além disso,
variações diurnas são características deste ambiente, destacando-se o papel da
atelomixia como principal agente da distribuição das populações fitoplanctônicas
(Barbosa & Padisák, 2002).
13
Figura 3. Vista panorâmica do lago
Dom Helvécio, a partir do mirante.
Fotos: Maurício Petrucio.
14
Referências Bibliográficas
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16
Capítulo 1
Influência do clima no regime térmico, na zona
de mistura e na estabilidade da coluna d’água e
seus reflexos na dinâmica química da água e na
densidade fitoplanctônica do lago Dom Helvécio,
Parque Estadual do Rio Doce - MG, Brasil.
17
Influência do clima no regime térmico, na zona de mistura e na estabilidade da
coluna d’água e seus reflexos na dinâmica química da água no lago Dom Helvécio,
Parque Estadual do Rio Doce - MG, Brasil.
Garcia, F.C. 1 & Barbosa, F.A.R.1,2
1
Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre do
Instituto de Ciências Biológicas/UFMG ([email protected]).
2
Departamento de Biologia Geral, Instituto de Ciências Biológicas/UFMG.- Cx. P. 486,
30161-970, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. ([email protected])
* Autor para correspondência
Palavras-chaves: influências climáticas; El Niño; regime térmico; zona de mistura;
estabilidade; lago Dom Helvécio; Parque Estadual do Rio Doce
Trabalho submetido à revista Limnologica
18
Resumo
Foram caracterizados as influências climáticas na estrutura térmica do lago Dom
Helvécio, Parque Estadual do Rio Doce/MG e seus reflexos na química da água e na
densidade do fitoplâncton. Foram utilizados dados de temperatura da água, oxigênio
dissolvido, P total N total e densidade do fitoplâncton, obtidos mensalmente entre 2001
e 2004 e semanalmente entre julho/02 e julho/03. Determinou-se a profundidade de
mistura, estabilidade da coluna d’água e conteúdo de calor. Os dados climáticos foram
obtidos junto ao SIMGE / IGAM, a partir da estação meteorológica da cidade de
Ipatinga/MG. A influência do El Niño sobre o clima resultou em um verão com menor
precipitação em 2001/02 e um inverno mais quente em 2002. Maiores valores do
conteúdo de calor (34.188 cal cm-2) e estabilidade (591 g.cm.cm-2) foram registrados no
verão de 2003 e o menor (27.606 cal.cm-2 e 5,2 g.cm.cm-2) no inverno de 2004, com
uma relação direta entre temperatura do ar e essas variáveis. A zona de mistura, até 18
m no inverno de 2002 e em toda a coluna d’água no inverno de 2003, também
apresentou uma relação direta com a temperatura do ar. No inverno de 2002, devido às
maiores concentrações de P
total
(98 µg.L-1), o lago Dom Helvécio se apresentou
mesotrófico/eutrófico, e em 2003, (P
total
max. de 21 µg.L-1) oligo/mesotrófico. Os
resultados indicam a ação direta do clima sobre o regime térmico, conteúdo de calor e
estabilidade da coluna d’água do lago Dom Helvécio, influenciando indiretamente a
química da água, reforçando a importância do monitoramento climático como
ferramenta para estudos ecológicos.
19
Introdução
O conhecimento de características físicas (padrão de circulação/estratificação da
coluna d’água, profundidade da zona de mistura, estabilidade da coluna d’água e
conteúdo de calor), juntamente com as características morfométricas é fundamental para
o entendimento dos processos biogeoquímicos e ecologia das comunidades presentes
em um ecossistema aquático, uma vez que tais características determinam o “caminho”
dos minerais e a dinâmica das comunidades na coluna d’água (Timms, 1975; Hanna,
1990).
A estrutura física do ambiente tem grande influência na seleção das espécies e na
distribuição dos organismos na coluna d’água (Barbosa & Padisák, 2002), de tal modo
que mudanças na temperatura de lagos causam modificações quali e quantitativas nas
comunidades como demonstrado por Henry (1993) e Barbosa & Padisák (2002). Além
disto, a estratificação térmica da coluna d’água, reflexo de variações na temperatura e
densidade, influencia quase todos os eventos físicos e químicos em um lago, seu
metabolismo e a produtividade geral do sistema (Lopes & Bicudo, 2001).
A estabilidade, aliada à temperatura, influencia diretamente a dinâmica de espécies
fitoplanctônicas, principalmente as cianobactérias (Padisák, 1997), sendo que na
maioria dos lagos tropicais as maiores populações são registradas em períodos de
estratificação térmica (verão), quando picos de crescimento são observados no
metalimnio (Barbosa & Padisák, 2002). Além da importância para a biota, o
comportamento das variáveis físicas pode explicar as respostas dos habitats aquáticos às
mudanças climáticas globais dirigidas por eventos climáticos de larga escala tais como o
El Niño e La Niña (Snucins & Gunn, 2000).
As características físicas de um lago dependem tanto de sua morfometria
(componente passivo) quanto de eventos climáticos - componente ativo (Timms, 1975).
Aspectos físicos e químicos diversos têm sido estudados em distintos ambientes
temperados (Hanna, 1990; Chapman et al., 1998; Snucins & Gunn, 2000) e tropicais
(Tundisi & Musarra, 1986; Henry & Barbosa, 1989; Henry, 1993; Henry et al., 1997), e
seus resultados têm permitido o entendimento dos processos e interações em andamento
nestes sistemas. No entanto, muitos trabalhos foram desenvolvidos através de
amostragens realizadas duas vezes no ano (inverno e verão) ou no máximo
mensalmente, demonstrando principalmente a ação da sazonalidade; uma vez que em
20
regiões tropicais as diferenças entre inverno e verão não são tão marcantes como em
regiões temperadas (Lewis 1987), um intervalo de amostragem menor proporcionaria
informações mais detalhadas sobre os efeitos de variações climáticas na estrutura física
dos ambientes aquáticos, sendo essa a proposta deste trabalho, realizado a partir de
amostragens semanais, durante um ciclo hidrológico completo.
O lago Dom Helvécio já foi investigado quanto às suas características físicas (e.g.
Henry & Barbosa, 1989) e atualmente é objeto de estudos focalizando a influência
climática nos ciclos biogeoquímicos e sobre algumas comunidades biológicas, a partir
da disponibilização dos dados climáticos pelo Sistema de Meteorologia e Recursos
Hídricos (SIMGE) do Instituto de Gestão das Águas do estado de Minas Gerais
(IGAM).
A hipótese deste estudo é que variáveis climáticas agem diretamente sobre variáveis
físicas, particularmente o conteúdo de calor, estabilidade da coluna d’água e zona de
mistura, afetando indiretamente a dinâmica de nutrientes bem como a composição e
estrutura da comunidade fitoplanctônica. Para testá-la o estudo teve como objetivo
caracterizar as influências climáticas na estrutura térmica do lago Dom Helvécio e seus
reflexos na química da água e na densidade do fitoplâncton.
Material e métodos
O Parque Estadual do Rio Doce – PERD (19º29’24”–19º48’18”S; 42º28’18”–
42º38’30” W) constitui o maior remanescente de Mata Atlântica no estado de Minas
Gerais (36.000 ha). Seu entorno abriga considerável número de atividades destacandose mineração, monocultura de eucalipto e siderurgia. O clima da região é tropical semiúmido com 4-5 meses de seca e está sob influência das massas de ar Tropical Atlântica,
Continental Equatorial e Atlântica Polar (Nimer, 1989).
Fazendo parte do sistema lacustre do médio Rio Doce o lago Dom Helvécio,
ambiente monomítico-quente e atelomítico (Barbosa & Padisák, 2002), destaca-se como
seu maior lago (687,2 ha) e o mais profundo lago natural brasileiro (32,5 m) (Tundisi &
Mussara, 1986).
Para este trabalho foram utilizados dados obtidos pelo Programa de Pesquisas
Ecológicas de Longa Duração - PELD/UFMG entre os anos 2001 e 2004 (Relatórios
PELD/UFMG, 2002, 2004 e 2005), sendo copilados dados mensais de temperatura da
21
água, concentrações de fósforo total (PT) e nitrogênio total (NT), determinados de cardo
com Mackereth et al. (1978). Os nutrientes foram amostrados em 4 profundidades
(100%, 10% e 1% da luz incidente na superfície e na zona afótica). Além disto,
amostragens semanais foram realizadas entre julho de 2002 e julho de 2003 em uma
estação fixa da zona limnética, sendo considerados os perfis de temperatura e oxigênio
dissolvido (OD), através de um multianalisador Horiba (U-22).
Os valores da profundidade de mistura (Zmix) foram obtidos através dos perfis de
temperatura, considerando uma variação igual ou maior a 0,3 ºC (Henry et al., 1989),
além dos valores de condutividade elétrica na camada mais profunda (Mitamura &
Hino, 1985). Foram considerados os dados batimétricos obtidos por Tundisi & Mussara
(1986), a cada 5 m, a partir dos quais foi feita uma interpolação para cada 2,5 m. Os
cálculos da estabilidade da coluna d’água foram feitos a partir dos perfis de temperatura
da coluna d’água, como descrito em Idso (1973) e os valores de densidade da água
obtidos a partir das tabelas de densidade de Hutchinson (1957). O conteúdo de calor foi
estimado também a partir dos perfis de temperatura da água, deteminados segundo
Hutchinson (1957) e Cole (1983).
Os dados climáticos foram obtidos junto ao SIMGE / IGAM, a partir da estação
meteorológica localizada na cidade de Ipatinga/MG, c. 20 km em linha reta do lago
Dom Helvécio.
Para avaliar as relações entre as variáveis climáticas e físicas da coluna d’água,
assim com as relações entre as variáveis físicas e químicas da coluna d’água, foram
feitas Análise de Correlação de Spearman, uma vez que os dados não se enquadraram
em uma curva de distribuição normal, a mesma sendo feita de acordo com Zar (1974).
Resultados
Entre os anos de 2001 e 2004 a menor temperatura média mensal do ar foi de 20 ºC
(inverno 2001) e a maior 28ºC (verão 2003). A influência direta do El Niño sobre o
clima da região resultou em um verão com menores precipitações (2001/02) e um
inverno mais quente (2002). Este período contrasta com aquele do verão de 2002/03,
onde foram registradas maiores precipitações e também com o inverno de 2003, quando
foram registradas as menores temperaturas.
22
A velocidade média mensal do vento variou entre 1,4 e 2,5 m.s-1 (classificada como
brisa pela escala anemométrica de Beaufort) e foi maior durante os períodos de maior
precipitação. A radiação solar média mensal variou entre 2,7 e 5,5 cal.cm-2, sendo os
maiores valores registrados nos anos de maiores temperaturas (1999, 2001 e 2003).
A figura 1.1 mostra a variação da temperatura do ar, da estabilidade da coluna
d’água e do conteúdo de calor entre os anos de 2001 a 2004. É evidente uma relação
direta entre temperatura do ar e o conteúdo de calor (r = 0,78; p < 0,0001; n = 44),
temperatura do ar e estabilidade da coluna d’água (r = 0,79; p < 0,0001; n = 44). Os
maiores valores do conteúdo de calor (34.188 cal cm-2) e estabilidade (591g.cm.cm-2)
foram registrados em março e fevereiro de 2003, respectivamente e os menores (27.606
cal.cm-2 e 5,2g.cm.cm-2) em julho de 2002 e julho de 2004, respectivamente. No inverno
de 2002 o conteúdo de calor foi superior a 29.000 cal.cm-2, evidenciando uma clara
influência do El Niño. Os valores máximos registrados neste estudo são superiores
àqueles registrados por Henry & Barbosa (1989), a saber: conteúdo de calor (30.050
cal.cm-2) e estabilidade da coluna d’água (335 g.cm.cm-2).
28
35000
27
34000
500
32000
24
31000
23
30000
22
29000
21
20
28000
19
27000
2001
2002
2003
400
300
200
-2
-2
25
Estabilidade (g cm cm )
33000
Conteúdo de calor (cal cm )
Temperatura do ar (ºC)
26
600
100
0
2004
Anos/meses
Figura 1.1 Variações anuais da temperatura média do ar na região do Médio Rio Doce,
da estabilidade da coluna d’água e do conteúdo de calor no lago Dom Helvécio.
Correlação de Spearman: temperatura e conteúdo de calor: r = 0,78; p < 0,0001; n = 44;
temperatura e estabilidade: r = 0,79; p < 0,0001; n = 44.
23
A temperatura do ar, a estabilidade da coluna d’água e a profundidade da zona de
mistura no lago Dom Helvécio, em intervalos semanais, entre julho de 2002 e julho de
2003 são mostradas na figura 1.2. No inverno de 2002 a zona de mistura chegou a 18 m
e em 2003 se distribuiu em toda coluna d’água no fim de julho, quando o lago estava
com 28 m de profundidade. No inverno de 2003 foram registradas menores
temperaturas que aquelas de 2002, tendo sido encontrada uma relação direta entre
temperatura e profundidade da zona de mistura (r = -0,77; p < 0,001; n = 36). Os
maiores valores de estabilidade da coluna d´água foram registrados em março de 2003
(699g.cm.cm-2) e os menores nos períodos de inverno, principalmente em 2003
(6,29g.cm.cm-2), refletindo as menores temperaturas nesses períodos como demonstrado
pela regressão linear (r = 0,35; p = 0,038; n = 36).
0
29
4
6
26
8
600
500
12
24
14
23
16
18
22
20
21
22
20
24
26
19
Zona de mistura (m)
10
25
-2
27
Estabilidade (g cm cm )
28
Temperatura do ar (ºC)
700
2
400
300
200
100
28
18
30
J A
S
O
N
D
J
F
M
A
M
J
0
J
Meses
Figura 1.2. Variação anual da temperatura do ar na região do Médio Rio Doce, da
profundidade da zona de mistura e da estabilidade da coluna d’água do lago Dom
Helvécio, entre julho de 2002 e 2003. Correlação de Spearman: temperatura e zona de
mistura: r = -0,77; p < 0,001; n = 36; temperatura e estabilidade: r = 0,35; p = 0,038; n =
36.
Os diagramas profundidade/tempo para a temperatura da água (figura 1.3A) e
oxigênio dissolvido (figura 1.3B), entre julho de 2002 e julho de 2003 mostram que os
24
valores de temperatura oscilaram entre 32 ºC e 24 ºC e a concentração de oxigênio
dissolvido entre c.10 mg.L-1 na sub-superfície e zero, no hipolímnio, em todo período.
Temperatura (ºC)
0
30
29 29
2
28
4
28
6
30
30
35
34
33
32
31
30
28
2929
31
25
8
29
25
10
Profundidade (m)
29
32
30
12
24
28
27
26
25
14
16
24
24
18
24
20
22
24
26
28
A
30
A
S
O
N
D
J
F
M
A
M
2002
J
J
A
2003
Anos/meses
Oxigênio dissolvido (mg L-1)
0
6
Profundidade (m)
4
6
7
8
3 4
10
7
6
5
5
6
6
6 6
7
4
1
2
12
6
5
9
7
2
3
6
8
2
7
5
4
14
16
6
43
34
1
18 1
20
1
11
2
1
22
24
1
26
1
28
B
30
A
S
O
N
D
J
F
M
2002
A
M
J
J
A
2003
Anos/meses
Figura 1.3. Diagramas profundidade/tempo para a temperatura da água (A) e
concentração de oxigênio dissolvido (B), no lago Dom Helvécio, entre julho de 2002 e
agosto de 2003.
25
A variação mensal na profundidade da zona de mistura e as concentrações de P total e
N total (média geométrica) para os anos de 2002 e 2003 são mostradas na figura 1.4. No
inverno de 2002, apesar da zona de mistura não atingir toda a coluna d’água, foram
observadas as maiores concentrações de PT (98 µg.L-1) e de NT (714 µg.L-1). Neste
período, o lago Dom Helvécio pode ser classificado como mesotrófico/eutrófico (Salas
e Martino, 1990). No inverno de 2003 verificou-se aumento nas concentrações de N total
(max. 657 µg.L-1) o mesmo contudo não sendo observado para o P total (max. 21 µg.L-1)
0
Eutrophic
2
4
6
8
900
90
800
80
700
12
Fósforo total (µg L-1)
70
10
Zona de mistura (m)
100
60
14
600
500
50
16
18
Mesotrophic
20
30
22
24
20
26
Oligotrophic
28
30
J
F M A M J
J
A S O N D
J
F M A M J
2002
J
400
40
300
200
10
100
0
0
Nitrogênio total (µg L-1)
e o lago pode ser classificado como oligo/mesotrófico.
A S O N D
2003
Anos/meses
Figura 1.4. Variação mensal na profundidade da zona de mistura e nas concentrações de
fósforo e nitrogênio total, no lago Dom Helvécio. A linha tracejada mostra o limite entre
os estados tróficos oligotrófico, mesotrófico e eutrófico, a partir das concentrações de
fósforo total (Salas & Martino, 1990).
Discussão
A sazonalidade climática observada na região do médio Rio Doce no período 1998 a
2004 é típica para regiões tropicais, com verões quentes e chuvosos, elevada incidência
solar e ventos ocorrendo principalmente nos meses de maiores precipitações em
26
oposição às baixas temperaturas, precipitação, ventos e radiação solar dos períodos de
inverno. A ocorrência do fenômeno climático El Niño em 2002 foi inicialmente
detectada em janeiro, e teve seu ápice em julho, quando do registro de maiores
temperaturas das águas superficiais no oceano Pacífico (Kerr, 2002). Na região do
médio Rio Doce sua influência pôde ser evidenciada através das menores precipitações
no verão de 2001/2002 e as maiores temperaturas registradas no inverno de 2002. Ao
contrário, em 2002/2003, quando o El Niño perdeu força, foram registradas elevadas
precipitações no verão e baixas temperaturas no inverno de 2003.
Os efeitos do clima no regime térmico do lago Dom Helvécio ficaram evidentes nas
relações diretas entre temperatura do ar, conteúdo de calor e estabilidade da coluna
d’água. Segundo Tundisi et al. (1981) a estabilidade do lago Dom Helvécio é explicada
pela sua morfometria, sua elevada profundidade e forma dendrítica que tornam a
mistura vertical e circulação menos efetivas (Tundisi & Musara, 1986). No entanto, os
resultados obtidos neste estudo demonstram que, além do fator morfométrico, as
condições e variações no clima são importantes na determinação do regime térmico do
lago Dom Helvécio, evidente pelas respostas físicas às variações climáticas anuais e ao
El Niño.
Segundo Ambrosetti & Barbanti (2001), a estrutura térmica de um corpo d’água é o
que primeiro responde às condições externas, como processos hídricos e
meteorológicos. Nos anos de 2002 e 2003, pelas características climáticas distintas,
foram observadas duas situações distintas no lago Dom Helvécio: i) no inverno de 2002,
quando da influência do El Niño e ocorrência de um inverno com altas temperaturas, o
lago
não
perdeu
calor
suficiente,
mantendo
gradientes
de
temperatura
e
consequentemente não promovendo a circulação da coluna d’água; ii) em 2003, ano em
que o El Niño perdeu forças e o inverno exibiu baixas temperaturas, verificou-se uma
maior perda de calor a partir do lago, diminuindo sua estabilidade com conseqüente
mistura completa da coluna d’água.
Uma das características do lago Dom Helvécio é a existência de uma mistura
incompleta da coluna d’água no período de inverno (Henry e Barbosa, 1989); esta se
desenvolve gradativamente do final de março a junho, devido mais ao resfriamento da
superfície do que à ação do vento (Tundisi et al., 1981). A evolução desta característica
foi recentemente demonstrada através da caracterização do padrão de atelomixia parcial
no período de verão e total no inverno por Barbosa & Padisák (2002) para os lagos
27
Carioca e Dom Helvécio. Além disto, segundo Henry (1993), a mistura da coluna
d’água ocorre quando não existem gradientes de densidade no lago e a estabilidade da
estratificação é baixa ou mesmo zero. Segundo Wetzel (2001), a perda de calor em
lagos tropicais é muito pequena, comparado com lagos de regiões temperadas e lagos de
altitudes. Os resultados obtidos no presente estudo sugerem que, para o lago Dom
Helvécio, além dessas características descritas acima, o efeito do El Niño
provavelmente reforçou essa condição.
Não foram encontradas relações diretas com o vento, possivelmente devido à
predominância de ventos fracos que ocorrem na região (< 2,5 m.s-1) e que exercem ação
insignificante nos lagos, conforme sugerido anteriormente (Henry & Barbosa,1989).
Além disto, a localização do lago em uma depressão interplanáltica (Tundisi and
Musara, 1986) e a proteção pela vegetação marginal (Henry, 1993) minimizam a ação
do vento na mistura da coluna d’água.
Como reflexo do padrão de circulação e estratificação observados nos anos de 2002
e 2003, a coluna d’água apresentou estratificação na concentração de oxigênio
dissolvido na maior parte deste período, com elevadas concentrações no epilímno e
condições de anoxia no hipolímnio desde setembro de 2002 até junho de 2003. Já nos
períodos de circulação, apesar das menores concentrações, a coluna d’água apresentou
uma maior homogeneidade na distribuição vertical das concentrações de oxigênio
dissolvido.
No inverno de 2002, o lago Dom Helvécio, a julgar pelas elevadas concentrações de
fósforo total e assumindo-se o modelo proposto por Salas & Martino (1991) pode ser
caracterizado como eutrófico. Em 2003, quando o El Niño já tinha perdido forças,
houve mais chuvas no verão e as temperaturas foram menores no inverno, o que
permitiu maior oxigenação e uma circulação completa da coluna d’água. Em
conseqüência, o hipolímnio mais oxidado reteve mais fósforo, resultando na baixa
densidade do fitoplâncton no epilímnio e exibindo características oligo/mesotróficas.
Tais resultados confirmam a hipótese de que o clima, principalmente a temperatura
do ar, age diretamente sobre o regime térmico, conteúdo de calor e estabilidade da
coluna d’água do lago Dom Helvécio, influenciando indiretamente a química da água.
Além disto, mostram também que a temperatura do ar, uma variável climática de
amplitude regional, tem influência direta sob os aspectos físicos locais. Finalmente, vale
salientar que estes resultados reforçam a importância do monitoramento climático como
28
ferramenta para estudos ecológicos, uma vez que fenômenos climáticos (ex. El Niño,
aquecimento global) podem provocar mudanças profundas nas características físicas e
químicas, com possíveis conseqüências para os processos biogeoquímicos e a
estruturação das comunidades aquáticas.
29
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31
Capítulo 2
Dinâmica populacional e participação de
Cylindrospermopsis raciborskii (Woloszynska)
Seenayya et Subba Raju (Cyanophyceae,
Nostocalle) na comunidade fitoplanctônica do
lago Dom Helvécio, Parque Estadual do Rio Doce
– MG, Sudeste do Brasil.
32
Dinâmica
populacional
e
participação
de
Cylindrospermopsis
raciborskii
(Woloszynska) Seenayya et Subba Raju (Cyanophyceae, Nostocalle) na
comunidade fitoplanctônica do lago Dom Helvécio, Parque Estadual do Rio Doce –
MG, Sudeste do Brasil.
Garcia, F.C., Barbosa, F.A.R., Barros C.F.A.
Resumo
O
objetivo
deste
trabalho
foi
caracterizar
a
dinâmica
populacional
de
Cylindrospermopsis raciborskii e sua participação na comunidade fitoplanctônica do
Lago Dom Helvécio, Parque Estadual do Rio Doce, Minas Gerais. Foram realizados,
entre julho 2002 a julho 2003, em uma estação fixa da zona limnética, perfis de
temperatura, pH e condutividade, assim como amostragens para análise do fitoplâncton
e zooplâncton. Foram determinadas a profundidade da zona de mistura e a estabilidade
da coluna d’água. O ciclo foi dividido em períodos estratificados e desestratificados,
com fases de transições entre estes. Com exceção do pH, todas as variáveis físicas
(maiores no período estratificado) e químicas (maiores no período desestratificado)
mostraram diferenças significativas entre os períodos. A comunidade fitoplanctônica foi
composta por 119 espécies. A biomassa total do fitoplâncton foi significativamente
maior no período de estratificação térmica, com os valores máximos registrados em
janeiro de 2003. Dinophyceae, Zygnemaphyceae e Cyanophyceae foram as Classes
dominantes ao longo do período estudado, enquanto Peridinium pusilum, Cosmarium
contractum e Limnothrix sp foram as espécies dominantes. A temperatura da água,
estabilidade da coluna d’água, extensão da zona de mistura e concentração de nitrato
foram as variáveis que mais influenciaram a comunidade fitoplanctônica do lago Dom
Helvécio. C. raciborskii contribui para a biomassa com um máximo de 5,5% e, durante
o período de estratificação, contribuiu com 74,5 % na biomassa da Classe
Cyanophyceae. A biomassa de C. raciborskii foi significativamente maior no período de
estratificação (máx de 0,81mg.L-1) que no desestratificado (máx de 0,18 mg.L-1), com
diferença significativas entre períodos mas sem diferenças entre as profundidades.
Filamentos heterocitados foram registrados quase que exclusivamente no período de
estratificação (45,7%) e não foi registrada a presença de acinetos. A biomassa de C.
raciborskii correlacionou positivamente com temperatura, estabilidade da coluna d’água
33
e fósforo solúvel reativo, e negativas com nitrato, amônia, razão DIN:DIP, Zeu e razão
Zeu/Zmix, todas no período estratificado. Também foram encontradas correlações
negativas entre a biomassa de C. raciborskii com heterocito e as concentrações de
amônia. As características físicas e químicas distintas observadas entre os anos de 2002
e 2003, possivelmente, são reflexos das variações climáticas e têm efeito direto na
comunidade fitoplanctônica. O padrão monomítico quente parece promover um forte
impacto negativo na população de C. raciborskii que, devido à forte resistência a
condições, adversas consegue se manter no lago Dom Helvécio.
34
Introdução
A cianobactéria Cylindrospermopsis raciborskii (Woloszynska) Seenayya et Subba
Raju (Cyanophyceae – Nostocales) habita desde reservatórios oligotróficos do
hemisfério Sul a lagos pequenos, rasos e hipereutróficos no hemisfério Norte,
demonstrando
alto
grau
de
adaptação
ecofisiológica
(Padisák
1997).
Cylindrospermopsis raciborskii ocorre principalmente em ambientes estáveis (Padisák
1997) e quentes (Bouvy et al. 2000, Istvánovics et al. 2000, Huszar et al. 2000, Boric et
al. 2000), devido à necessidade de temperaturas adequadas para a germinação do
acineto (Padisák 1997) e de pH básico (Padisák 1997, Bouvy 1999).
Como essa cianobactéria é capaz de fixar nitrogênio atmosférico dissolvido na água ,
seu aparecimento pode indicar a deficiência desse elemento no ambiente (Padisák 1997;
Barbosa et al. 1999). Bouvy et al. (2000) encontraram relações negativas entre os níveis
de amônia e nitrato e a abundância de C. raciborskii no reservatório Ingazeira, no
Nordeste brasileiro. O fósforo parece não ter influência direta na presença dessa
cianobactéria (Padisák 1997), no entanto, a alta afinidade e capacidade em estocar esse
elemento a torna um competidor eficiente em diversos ambientes, inclusive naqueles
onde ocorre deficiência de fósforo (Isvánovics et al. 2000).
A luz parece não afetar o crescimento de C. raciborskii (Padisák 1997, Bouvy
1999), no entanto, Huszar et al. (2000) encontraram relações negativas entre
cianobactérias e a intensidade de luz. De acordo com Padisák (1997), C. raciborskii é
uma espécie adaptada a baixas intensidades luminosas, mas os fatores que levaram a
essa adaptação não estão elucidados.
A predação de C. raciborskii pelo zooplâncton parece não ocorrer com freqüência
(Padisák 1997), o que pode responder, em parte, pelo sucesso ecológico dessa
cianobactéria. Hawinks (1988) encontrou uma relação inversa entre densidades de
cladóceros e de C. raciborskii, sugerindo que essa alga pode inibir o crescimento do
zooplâncton filtrador.
Inicialmente, C. raciborskii era conhecida por não produzir toxinas. No entanto,
acidentes como o ocorrido em 1979 no Reservatório Salomon -Palm Island, Austrália
(Padisák 1997) além de outras florações, como nos lagos Balaton na Hungria (Padisák
1997, Padisák & Istvánovics 1997) e Paranoá, em Brasília (Branco & Senna 1996),
colocaram esta espécie em uma posição de destaque na lista das cianobactérias
formadoras de floração, como levantado por Neilan et al. (2003).
35
Embora no lago Dom Helvécio C. raciborskii não tenha apresentado, até o
momento, indícios de floração ou produção de toxinas, não se conhece a importância
dessa cianobactéria para esse ambiente e para os demais ecossistemas aquáticos da
região. Os lagos externos ao Parque Estadual do Rio Doce têm sido impactados,
principalmente pela substituição da Mata Atlântica por monoculturas de eucalipto, e o
risco de surgir uma cepa tóxica nesses sistemas alterados é ainda desconhecido.
Visando a possibilidade de estudos aplicados questões básicas sobre a dinâmica
populacional de C. raciborskii e/ou os fatores que a direcionam no lago Dom Helvécio
precisam ser respondidas, destacando-se: 1) Qual a contribuição de C. raciborskii para a
biomassa do fitoplâncton no lago Dom Helvécio? 2) Essa contribuição varia ao longo
do ano? 3) Que fatores determinam as possíveis variações? 4) As cepas presentes nesse
ambiente respondem às variações ambientais da mesma maneira que outras cepas
descritas na literatura?
A hipótese de Trabalho é que os principais fatores que regulam as populações de C.
raciborskii no lago Dom Helvécio são a estabilidade da coluna d’água, a temperatura, o
regime de luz subaquático e a disponibilidade de fósforo, tendo sido testadas as
seguintes predições:
i) uma maior biomassa de C. raciborskii ocorre no verão, como conseqüência da
maior temperatura e maior estabilidade nesse ambiente;
ii) em condições de estratificação da coluna d’água, maior biomassa dessa
cianobactéria são encontradas no hepilímnio;
Para testar esta hipótese o estudo teve como objetivo caracterizar a dinâmica
populacional de Cylindrospermopsis raciborskii, determinando o comportamento dessa
espécie frente às variáveis naturais nos seu habitat (temperatura, luz e nutrientes) e sua
participação na comunidade fitoplanctônica do Lago Dom Helvécio – Parque Estadual
do Rio Doce, Minas Gerais.
Material e métodos
As amostragens foram feitas em uma estação fixa da zona limnética, durante um
ciclo hidrológico (julho 2002 a julho 2003). Perfis de temperatura, pH e condutividade
foram medidos semanalmente com uma multi-sonda Horiba (U-22). As amostras para
análise do fito e zooplâncton foram coletadas a intervalos semanais e para a
36
determinação das concentrações de nutrientes a intervalos mensais, todas nas
profundidades correspondentes a 100%, 10% e 1% da irradiação incidente na superfície,
determinadas a partir do desaparecimento visual do disco de Secchi. Não foi
considerada neste estudo a zona afótica do lago.
Amostras para análise qualitativa do fitoplâncton foram obtidas através de arrastos
verticais e horizontais com rede de 20µm de abertura de malha. As amostragens para
análise quantitativa do fitoplâncton, zooplâncton e de nutrientes, foram feitas com
auxílio de uma garrafa de van Dorn. Para análise do zooplâncton, até fevereiro de 2003,
foram filtrados 15 litros através de rede de 60µm de abertura de malha; a partir de
março, até julho de 2003, foram filtrados 200 litros utilizando-se uma bomba se sucção.
As concentrações de nitrogênio total (NT), nitrato (N-NO3), nitrito (N-NO2), fósforo
total (PT) e fósforo solúvel reativo (P-PO4) foram determinadas segundo Mackereth et
al. (1978) e as de amônia (N-NH4) de acordo com Grasshorf (1976).
Para a determinação do nitrogênio total, compostos de nitrogênio na água são
oxidados a nitrato pelo aquecimento, sob pressão, em uma solução de persultado
alcalino; o nitrato é reduzido a nitrito por meio de cádmio; o nitrito, em solução ácida,
passa a ácido nítrico, a partir da adição de sulfanilamida; posteriormente é adicionada
uma solução de N-naftil e a amostra então é lida no espectrofotômetro, a 543 nm.
Para a detreminação de amônia, esta reage com fenol e hipoclorito em uma solução
alcalina e forma uma solução azul, reação catalizada por solução de nitropussiato; essa
solução é então lida em espectrofotômetro, a 635 nm.
Para a determinação de fósforo total, a matéria orgânica presente na amostra é
degradada e o fósforo convertido em fósforo solúvel inorgânico. Em uma solução
acidificada adequadamente, o fosfato reage com molibdênio para formar uma solução
mlibdo-fosfórica, que é então reduzida a um complexo de molibdênio azul e então
determinada espectrofotometricamente a 680 nm.
A partir das concentrações, foram obtidas as razões, em peso, entre NT e PT
(NT:PT) e entre o nitrogênio inorgânico dissolvido e o fósforo solúvel reativo
(DIN:DIP). Como os nutrientes foram obtidos em intervalos mensais, foram feitas
interpolações para se obter valores semanais, para então se avaliar as correlações entre a
disponibilidade de nutrientes e a biomassa do fitoplâncton. Essas interpolações foram
feitas no programa estatístico SigmaPlot.
Os organismos fitoplanctônicos foram identificados sob microscópio óptico. As
contagens foram realizadas sob microscópio invertido, através do método de
37
sedimentação (Utermöhl, 1958), contando-se, através de transectos, até 400 indivíduos
da espécie mais abundante (Lund et al. 1958). A densidade de organismos foi calculada
de acordo com Villafãne & Reid (1995). O biovolume das espécies do lago Dom
Helvécio foi obtido de Barros et al. (2006) e o biovolume total correspondeu à soma das
biomassas específicas, obtidas pela multiplicação da densidade de cada espécie pelo
biovolume de sua célula ou colônia (Wetzel & Likens 2000).
A extensão da zona de mistura (Zmix) foi identificada através dos perfis de
temperatura (variação ≥ 0,3ºC, Henry et al. 1989) e de condutividade elétrica (Mitamura
& Hino 1985). Os cálculos da estabilidade da coluna d’água foram feitos a partir dos
perfis de temperatura da coluna d’água, como descrito em Idso (1973) e os valores de
densidade da água obtidos a partir das tabelas de densidade de Hutchinson (1957). A
partir dos dados da zona de mistura, da estabilidade da coluna d’água e da temperatura
da água, o ciclo estudado foi dividido nos períodos i) desestratificado (21 de julho a 20
de setembro/02 e 18 de junho a 31 de julho/03) e ii) estratificado (27 de setembro/02 a
12 de junho/03). Foram identificadas as fases de transição entre os períodos
desestratificado (fase I) e estratificado de 2002/03 (fase III), e entre os períodos
estratificado de 2002/03 e desestratificado de 2003 (fase V), constituindo assim as fases
II e IV, respectivamente (Figura 2.1).
Desestrat I
Trans IV Deses V
Desestrat III
Trans II
700
2
4
27
6
26
8
600
500
10
25
12
24
14
23
16
18
22
20
21
22
20
24
26
19
Zona de mistura (m)
Temperatura do ar (ºC)
28
0
400
300
200
Estabilidade (g cm cm-2)
29
100
28
18
30
J A
S
O
N
D
J
F
M
A
M
J
0
J
Meses
Figura 2.1. Divisão do período de estudo em fases: I) desestratificação/02; II)
transição/02; III) estratificação02/03; IV) transição/03 e; V) desestratificação/03.
38
Como os dados não forma distribuídos dentro de uma curva normal foram utilizadas
estatísticas não paramétricas em todas as análises. Para avaliar as diferenças entre
períodos foi utilizado o Teste de Mann-Whitney (U); para as diferenças entre as
profundidades de incidência de luz, utilizou-se ANOVA Kruskal-Wallis (H); para as
relações de C. raciborskii e demais espécies do fitoplâncton com as variáveis abióticas e
com o zooplâncton, foram utilizadas Correlações de Spearman. Todos os testes foram
feitos de acordo com Zar (1974)
A matriz de biomassa das espécies do fitoplâncton que contribuíram com ≥ 3 % para
a biomassa total foi avaliada a partir da Análise de Correspondência Canônica – CCA
(Ter Braak 1986); a variação das espécies foi relacionada às variáveis físicas e
químicas. A contribuição de cada eixo foi medida pelos eigenvalues e pela percentagem
de variância das espécies explicada por esses eixos. As interações entre espécies e as
variáveis, para cada eixo, foi dada pelas correlações espécie-variável. A significância
dos eixos foi testada realizando-se 999 permutações através do teste de Monte Carlo.
Resultados
Variáveis abióticas
Todas as variáveis físicas e químicas avaliadas, com exceção do pH, mostraram
diferenças significativas entre os períodos, separados em função das condições de
mistura da coluna d’água, como apresentado a seguir, na tabela 2.1.
Temperatura e estabilidade da coluna d’água, extensão da zona eufótica, razão
Zeu/Zmix e concentração de fósforo solúvel reativo apresentaram valores mais elevados
no período estratificado, já condutividade elétrica, zona de mistura, PT, NT, nitrato,
amônia e as razões NT:PT e DIN:DIP foram maiores no período desestratificado.
Através do teste de Mann-Whitney, foram registradas diferenças significativas entre
as profundidades para temperatura nos dois períodos (H
(estr.)
(desestr)
= 16,8 e p < 0,001; H
= 41,3 e p < 0,001), ambos com os menores valores a 1 % da luz incidente. O pH
também apresentou valores significativamente menores a 1 % de luz em ambos os
períodos (H (desestr.) = 13,9 e p = 0,001; H (estr.) = 27,3 e p < 0,001), sem diferenças entre
as profundidades 100 e 10 %.
No período desestratificado foram encontradas diferenças significativas entre as
profundidades para fósforo solúvel reativo (H = 21,4 e p < 0,001), nitrato (H = 12,35 e p
= 0,002) e amônia (H = 6,96 e p = 0,031), todos com maiores concentrações a 1 %. Para
39
a razão DIN:DIP (H = 9,1, p = 0,011), os menores valores nesse período foram
observados a 1 %. No período estratificado, diferenças foram registradas para PT (H =
12,6, p = 0,002), NT (H = 6,88, p = 0,032) e amônia (H = 6,46, p = 0,009), com as
maiores concentrações de NT a 10 e 1 % de luz e de PT e amônia a 1%.
Tabela 2.1 Valores médios e desvio padrão de variáveis físicas e químicas do lago Dom
Helvécio. Resultados do teste Mann-Whitney com os valores significativamente
diferente entre os períodos desestratificado e estratificado. * Os valores de pH são
apresentados em mínimo e máximo.
Variáveis
Temperatura (ºC)
Estabilidade
(g.cm.cm-2)
Zeu (m)
Zmix (m)
Zeu:Zmix
pH
Condutividade
(µS.cm-1)
PT (µg.L-1)
PO4-P (µg.L-1)
NT (µg.L-1)
NO3-N (µg.L-1)
NH4-N (µg.L-1)
NT:PT
DIN:DIP
Desestratificado
Média
Desv padrão
24,9
± 0,8
70,7
± 42,9
Média
28,4
404,7
Estratificado
Desv padrão
± 2,1
± 147,6
Teste Mann-Whitney
U
Z
p
398
-8,95
< 0,001
36,0
-10,23
< 0,001
8,1
16,4
0,56
± 2,5
± 4,9
± 0,2
10,1
8,6
1,3
± 1,2
± 2,4
± 0,5
1332,0
220,5
270,0
-5,95
9,60
-9,41
< 0,001
< 0,001
< 0,001
42,4
5,4 - 8,6*
± 3,9
36,1
5,8- 8,1*
± 3,5
322,5
9,28
< 0,001
30,6
1,8
500,6
10,8
124,1
29,3
192,5
± 22,1
± 1,9
± 126,3
± 3,9
± 126,8
± 22,8
± 236,2
14,7
3,7
282,6
8,2
49,7
24,3
31,9
± 6,8
± 2,8
± 175,6
± 4,8
± 120,5
± 19,3
± 64,5
1847
1404,5
834
1865,5
1042
3,80
-5,37
7,4
3,73
6,66
< 0,001
< 0,001
< 0,001
< 0,001
< 0,001
817
7,46
< 0,001
Comunidade fitoplanctônica
A comunidade fitoplanctônica do lago Dom Helvécio esteve representada por 119
espécies distribuídas em 8 Classes (anexo 1): Zygnemaphyceae (39), Chlorophyceae
(32), Cyanophyceae (25), Bacillariophyceae (9), Dinophyceae (5), Euglenophyceae (4),
Cryptophyceae (3) e Chrysophyceae (2).
A biomassa total do fitoplâncton foi significativamente maior no período de
estratificação térmica (U = 130, Z = -3,6, p < 0,001), com os valores máximos
registrados em janeiro de 2003. No período de desestratificação, as maiores biomassas
foram registradas em julho de 2002. No entanto, apenas as Classes Chlorophyceae (U =
147, Z = -3,16 e p = 0,002) e Zygnemaphyceae (U = 51, Z = -4,96 e p < 0,001)
apresentaram diferenças significativas entre os períodos (figura 2.2).
40
28
26
Outras
Zygnemaphyceae
Dinophyceae
Cyanophyceae
Chlorophyceae
24
22
Biomassa (mg.L-1 )
20
trans-IV
estratatificado-III
desestr-V
18
desestratificado-I
16
transição-II
14
12
10
8
6
4
2
31/7/2003
14/7/2003
30/6/2003
5/6/2003
18/6/2003
22/5/2003
8/5/2003
23/4/2003
3/4/2003
21/3/2003
6/3/2003
16/2/2003
31/1/2003
16/1/2003
2/1/2003
19/12/2002
4/12/2002
21/11/2002
7/11/2002
25/10/2002
10/10/2002
27/9/2002
13/9/2002
1/9/2002
3/8/2002
15/8/2002
21/7/2002
0
Semanas
Figura 2.2. Biomassa das Classes fitoplanctônicas na zona eufótica do lago Dom
Helvécio no período julho 2002 a julho 2003.
Considerando as cinco fases identificadas, todas as Classes apresentaram biomassas
maiores na fase III e menores na fase V, com exceção da Classe Cyanophyceae, que
apresentou as maiores biomassas na fase IV e as menores, na fase de II.
Com relação à variação temporal na biomassa das Classes, na fase I ocorreu uma codominância das Classes Dinophyceae (33,7%) e Zygnemaphyceae (26,6%) (média de
2,77 e 1,76 mg.L-1, respectivamente). Na fase II, a Classe Zygnemaphyceae foi a
dominante, contribuindo com 43,6% da biomassa (média de 2,71mg.L-1) e
Cyanophyceae teve a menor contribuição (5,4%), com uma redução significativa em
relação ao período I (U=13; Z=2,56; p=0,01). Na fase III, da maior biomassa total,
Zygnemaphyceae dominou (média de 3,52mg.L-1; 32,7%) e Cyanophyceae apresentou a
menor biomassa (média de 2,53mg.L-1; 17,6%). Na fase IV, Cyanophyceae teve sua
maior contribuição (média de 2,22mg.L-1; 32,4%) e Zygnemaphyceae apresentou uma
redução significativa em relação ao período III (média de 1,95mg.L-1; 27,4%. U=3,0;
Z=2,93; p=0,003). Na fase V, Cyanophyceae continuou a apresentar maior biomassa
41
(média de 1,64mg.L-1; 38,4%); já a biomassa de Zygnemaphyceae (média de 0,41mg.L1
) bem como sua contribuição para o fitoplâncton total (17,3%) mostraram-se ainda
mais reduzidas (U=0,0, Z=2,72; p< 0,007) .
Entre as espécies, Peridinium pusilum foi a que mais contribuiu para a biomassa
total nas fases I, III e IV (tabela 2.3). No período desestratificado suas maiores
biomassas foram registradas a 100% de luz (4,51mg.L-1) e no estratificado a 100%
(7,73mg.L-1) e 10% (4,01mg.L-1). Na fase II observou-se uma co-dominância de
Cosmarium contractum, que apresentou um crescimento significativo em relação a fase
I (U=188,5; Z=-3,36; p<0,001) e P. pusilum, que apresentou um crescimento
significativo em relação a fase I (U=40; Z=-4,98; p<0,001); as maiores biomassas de C.
contractum foram registradas a 100 % de luz (1,65mg.L-1). Na fase V, Limnothrix sp.
foi a espécie dominante e as maiores biomassas registradas a 1% de luz (0,87mg.L-1).
Além das espécies dominantes, destacam-se: na fase II, Botryococcus braunii; na
fase III, Kirchneriella obesa, com um aumento significativo em relação a fase II
(U=360; Z=-4,12; p<0,001), C. contractum e Lyngbya hieronymusii, esta com um pico
de 15,5mg.L-1 em janeiro de 2003; na fase IV, Planktolyngbya limentica e na fase V, P.
pusilum e P. limentica, ambas com uma redução significativa na sua biomassa em
relação ao período IV
Tabela 2.3. Principais espécies e sua contribuição para a biomassa total do fitoplâncton
no lago Dom Helvécio nas cinco fases identificadas.
Fases
I
II
III
IV
V
Espécie
Peridiniun pusillum
Cosmarium contractum
Peridiniun pusillum
Botryococcus braunii
Peridiniun pusillum
Kirchneriella obesa
Cosmarium contractum
Peridiniun pusillum
Limnothrix sp.
Planktolyngbya limentica
Limnothrix sp.
Peridiniun pusillum
Planktolyngbya limentica
Biomassa média
(mg.L-1)
2,43
1,34
1,55
0,77
3,36
1,42
1,02
1,52
1,09
0,69
1,08
1,02
0,38
Desv Padrão
±1,83
±0,71
±1,13
±0,34
±3,07
±0,98
±0,37
±0,84
±0,15
±0,08
±0,55
±1,39
±0,07
Contribuição
(%)
28,0
19,7
17,7
11,0
27,4
13,4
9,0
21,8
14,4
10,0
23,0
15,0
10,0
* biomassa máxima
42
A influência de fatores abióticos e bióticos na comunidade fitoplanctônica
Os dois primeiros eixos da ordenação canônica com as espécies fitoplanctônicas de
maior representatividade apresentaram engeivalues de 0,15 e 0,09, respectivamente, e
explicaram 15% da variância total das espécies (tabela 2.4). Os coeficientes de
correlação espécies-variáveis ambientais para os mesmos eixos da CCA foram 0,76 e
0,56, respectivamente, indicando uma relação entre as espécies e as variáveis.
Tabela 2.4. Medidas de importância (eigenvalues), de correlações espécies-ambiente
(força da interação) e da percentagem acumulada da variância das espécies (relação
espécies-ambiente) explicada pelos eixos da ordenação canônica.
Medidas
Eigenvalues
Coeficiente de correlação
Porcentagem da variância
Eixo 1
0,15
0,76
9,3
Eixo 2
0,09
0,56
5,7
As opções selecionadas pela CCA com o teste de permutações de Monte Carlo
indicaram que a temperatura da água, estabilidade da coluna d’água, extensão da zona
de mistura e concentração de nitrato foram as variáveis que mais influenciaram a
comunidade fitoplanctônica do lago Dom Helvécio, como apresentado na tabela 2.5 e na
CCA biplot (figura 2.3).
Tabela 2.5. Coeficientes de correlação “inter-setas” entre as variáveis ambientais
significativas e que foram adicionadas ao modelo de ordenação canônica. Em negrito
estão as variáveis que mais contribuíram para a ordenação dos eixos.
Variávies
Estratificação
Profundidade
PO4-P
NO3-N
NH4-N
DIN:DIP
Estabilidade
Zeu
Zmix
Zeu:Zmix
pH
Temperatura
Eixo 1
-0,39
0,31
-0,24
0,49
0,38
0,39
-0,54
-0,23
0,52
-0,39
-0,26
-0,65
Eixo 2
0,01
0,13
0,01
0,24
0,04
0,13
0,06
-0,28
0,30
-0,30
-0,11
0,07
43
CCA
1,0
Espécies
Abióticos
0,8
Lyngbya
0,6
Zeu:Zmix
Zeu
NO3-N
Bbraunii
Bbraunii
Eixo 2 (5,7 %)
0,4
Ccontrac
0,2
-0,1
-0,2
Prof
Gymnodsp
Cmonilif
Prof
Estabili
Estrat
PO4-P
Ssmithii
Ppusillu
Chlorell NH4-N
Temp
Ppusillu Sincus Chlorella
pH
Cracibos Sincus
Kobesa
Plimneti
Kobesa
Cracibors
DIN:DIP
-0,4
Zmix
Limnothr
-0,7
-0,8
-1,0 -0,8 -0,6 -0,4 -0,2 0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
2,0
Eixo 1 (9,3 %)
Figura 2.3. Diagrama de ordenação da Análise de Correspondência Canônica (CCA)
mostrando as espécies fitoplanctônicas e as variáveis ambientais que exerceram
influência significativa e independente na distribuição do fitoplâncton. As setas
mostram as variáveis que mais contribuíram para a ordenação; as amostras à direita do
eixo 2 representam principalmente o período desestratificado e as da esquerda o período
estratificado.
Os padrões de distribuição da biomassa e composição do fitoplâncton obtidos pela
CCA, e explicados pelas variáveis ambientais selecionadas, foram dispostos no eixo 1
(horizontal) e pode ser interpretado como um gradiente de nitrato, Zmix, temperatura e
estabilidade, cujos valores refletem a transição entre os períodos de estratificação e
desestratificação térmica. À direita do eixo 2 (vertical), as variáveis concentração de
nitrato e Zmix, dispostas no eixo 1, apresentaram maiores valores no período
desestratificado.;Já as variáveis temperatura e estabilidade da coluna d’água, dispostas
no eixo 1, à esquerda do eixo 2, apresentaram os maiores valores no período
estratificado. Todas essas variáveis apresentaram diferenças significativas entre os
períodos (tabela 2.1).
44
A dinâmica de Cylindrospermopsis raciborskii no lago Dom Helvécio
A participação de C. raciborskii na biomassa fitoplanctônica total do lago Dom
Helvécio foi pequena (máximo de 5,5%). Porém, durante o período de estratificação,
essa espécie teve participação relevante na biomassa da Classe Cyanophyceae,
chegando a contribuir com até 74,5% da biomassa (figura 2.4). No entanto, durante os
períodos de desestratificação, a participação foi muito pequena, chegando mesmo a não
ser encontrada na comunidade fitoplanctônica do lago.
A biomassa de C. raciborskii foi significativamente maior no período de
estratificação (mediana: 0,04mg.L-1; máxima: 0,81mg.L-1) que no desestratificado
(mediana: 0,01mg.L-1; máxima: 0,18 mg.L-1), sendo a única espécie entre as cianofíceas
a apresentar diferença entre períodos (U = 166,5; Z = -2,79; p = 0,005). No entanto, no
período estratificado, não foram registradas diferenças significativas da biomassa entre
as profundidades
0,14
Biomassa de C. raciborskii (mg L-1 )
0,12
0,10
0,08
0,06
0,04
0,02
0,00
-0,02
-0,04
100%
10%
1%
Profundidade de incidência de luz
Media
± DP
Figura 2.4. Variação – média e desvio padrão – na biomassa de C. raciborskii nas
profundidades de 100, 10 e 1 % incidência da luz na superfície, no lago Dom Helvécio,
MG.
45
As maiores biomassas de C. raciborskii foram registradas em dezembro de 2002
(0,56mg.L-1) e abril de 2003 (0,81mg.L-1), meses em que esta espécie contribuiu,
respectivamente, com 3,2 e 0,5% da biomassa total e 74,5 e 15,32 % da biomassa da
Classe (figura 2.4). Nos demais períodos foram registradas medianas próximas a zero,
com a ocorrência de picos de biomassa apenas em setembro (0,18 mg.L-1) e novembro
de 2002 (0,2 mg.L-1).
A presença de filamentos com heterocito foi registrada quase que exclusivamente no
período de estratificação, quando a contribuição média de tricomas heterocitados foi
45,7% (figura 2.5). Nos períodos desestratificados a razão média tricomas
heterocitados/tricomas sem heterocito foi de 1:100, sendo que a proporção máxima de
tricomas heterocitados (17:100) foi observada em maio de 2003. Durante o período
estudado não foi registrada a presença de acinetos em nenhum filamento.
16
15
15
9
9
Biomassa (mg.L-1 )
8
desestratificado-I
P. limentica
L. hieronymusii
Limnothrix sp.
C. raciborskii
transição-II
estratificado-III
7
trans-IV
6
desestra-V
5
4
3
2
1
31/7/2003
14/7/2003
30/6/2003
18/6/2003
5/6/2003
8/5/2003
22/5/2003
3/4/2003
23/4/2003
6/3/2003
21/3/2003
16/2/2003
31/1/2003
16/1/2003
2/1/2003
4/12/2002
19/12/2002
7/11/2002
21/11/2002
25/10/2002
27/9/2002
10/10/2002
1/9/2002
13/9/2002
3/8/2002
15/8/2002
21/7/2002
0
Semanas
Figura 2.5. Variação na biomassa de espécies da Classe Cyanophyceae ao longo do
período de estudo.
46
0,9
C. raciborskii sh
C. raciborskii ch
0,8
Biomassa (mg.L-1 )
0,7
estratificado-III
0,6
0,5
desestratificado-I
transição-II
trans-IV desestra-V
0,4
0,3
0,2
0,1
7/7/2003
19/7/2003
23/6/2003
12/6/2003
29/5/2003
17/5/2003
30/4/2003
3/4/2003
16/4/2003
21/3/2003
6/3/2003
16/2/2003
31/1/2003
16/1/2003
2/1/2003
4/12/2002
19/12/2002
7/11/2002
21/11/2002
25/10/2002
27/9/2002
10/10/2002
13/9/2002
1/9/2002
3/8/2002
15/8/2002
21/7/2002
0,0
Semanas
Figura 2.6. Biomassa de Cylindrospermopsis raciborskii – com (ch) e sem heterocito
(sh) no lago Dom Helvécio.
Com relação às variáveis discriminadas na CCA foram encontradas correlações
positivas entre a biomassa de C. raciborskii e os valores de temperatura e estabilidade
da coluna d’água e negativas com nitrato e razão DIN:DIP, apenas no período
estratificado (tabela 2.7). Além das variáveis discriminadas na CCA, foram encontradas
correlações positivas com fósforo solúvel reativo, e negativas com amônia, Zeu e razão
Zeu/Zmix, todas no período estratificado (tabela 2.7).
Tabela 2.7. Coeficientes de correlação de Spearman entre a biomassa de
Cylindrospermopsis raciborskii e as variáveis ambientais (são apresentadas apenas as
correlações significantes – p < 0,05 e * p < 0,001) (ch: com heterocito).
Espécies
C. raciborskii total
C. raciborskii c.h.
PO4-P
0,34 *
NO3-N
-0,43 *
NH4-N
-0,31
-0,43 *
DIN:DIP
-0,47 *
Temp
0,42 *
Estab
0,37 *
Zeu
-0,35 *
Zeu/Zmix
-0,23
Quando filamentos com e sem heterocitos são analisados, foram encontradas
correlações negativas entre a biomassa de C. raciborskii com heterocito e as
47
concentrações de amônia (tabela 2.7). Com relação à influência do zooplâncton, foram
registradas relações positivas entre C. raciborskii e a densidade de Rotifera (r = -0,27, p
< 0,05).
Discussão
A influência climática nas características físicas e químicas do lago Dom Helvécio.
A ordenação das variáveis físicas e químicas feita pela CCA separou os períodos
observados para as duas condições ambientais opostas encontradas no lago Dom
Helvécio: o período de estratificação, quando são registradas maiores temperaturas e
estabilidade da coluna d’água, maior penetração de luz e menor zona de mistura
(elevadas razões Zeu:Zmix); e o período de desestratificação (maio a agosto), quando
ocorrem menores temperaturas, menor estabilidade da coluna d’água e menor
disponibilidade de luz (menores razões Zeu:Zmix). Os resultados obtidos neste estudo
são semelhantes aos encontrados por Barros (2003) e confirmam um padrão de
características físicas e químicas, como menor penetração de luz, maiores concentrações
de PT (somente para o ano de 2002)e amônia no período de seca (desestratificado) e
maiores valores de pH, temperatura e concentrações de fosfato no período de chuvas
(estratificado).
As características físicas e químicas distintas observadas entre os anos de 2002 e
2003, possivelmente, refletem as variações climáticas ocorridas nesses anos: em 2002, a
influência do El Niño resultou em menores precipitações no verão e maiores
temperaturas do ar no inverno; já em 2003, período pós El Niño, verificaram-se
elevadas precipitações no verão e baixas temperaturas no inverno (Garcia & Barbosa
2005). Como reflexos dessa variação, de julho a setembro de 2002, a coluna d’água não
circulou completamente, permanecendo parcialmente estratificada. A morfometria do
lago – particularmente sua profundidade elevada e forma dendrítica – tornam a
circulação menos efetiva (Tundisi et al. 1981, Tundisi & Musara 1986) e as maiores
temperaturas registradas no inverno desse ano aparecem como prováveis fatores
causadores dessa desestratificação parcial. A partir de outubro o lago estratificou, assim
permanecendo até abril de 2003, quando a termoclina começou a ser erodida, até a
coluna d’água circular completamente em julho quando, sob influência de menores
temperaturas do ar, a coluna d’água apresentou menores temperaturas e estabilidade
(Garcia & Barbosa 2005).
48
Variações climáticas têm efeitos diretos nas características físicas da água (e.g.
conteúdo de calor, estabilidade e extensão da zona de mistura) e indiretos na química
(disponibilidade de nutrientes), fatores estes que influenciam a dinâmica do fitoplâncton
(Garcia & Barbosa 2005). No entanto, de acordo com Vinçon-Leite et al. (2002) as
condições meteorológicas têm maior efeito na produção das algas no inverno e no início
da primavera, enquanto no verão interações biológicas e a limitação por nutrientes são
os principais fatores.
Nos períodos de desestratificação a circulação da coluna d’água e a ressuspensão de
sedimentos concentrados no hipolímnio anóxico levaram à redução da zona eufótica e
ao aumento da condutividade elétrica e das concentrações de nitrogênio total e de
fósforo total. No período de estratificação, a coluna d’água esteve mais quente e estável.
As elevadas concentrações de nitrogênio e fósforo (dados não apresentados) no
hipolímnio sugerem que esse compartimento reteve grande parte do material
sedimentado na coluna d’água, apresentando no epi/metalímnio menores concentrações
de nitrogênio e fósforo. No entanto, as menores concentrações de fósforo solúvel
reativo, registradas no período de estratificação se devem, possivelmente, à rápida
assimilação desse nutriente pelo fitoplâncton (Bouvy et al. 2003) presente em maior
biomassa nesse período.
A dinâmica da biomassa fitoplanctônica no lago Dom Helvécio
Os estudos desenvolvidos no lago Dom Helvécio por Barros et al. (2006) sugerem a
ocorrência de pequena variação na biomassa entre os períodos desestratificado e
estratificado, embora exibindo mudanças na estrutura da comunidade fitoplanctônica.
Além disso, esses autores encontraram variações significativas na distribuição vertical
das espécies no período estratificado e distribuição homogênea durante o período
desestratificado. No presente estudo a biomassa do fitoplâncton foi significativamente
maior no período estratificado.
A mistura da coluna d’água constitui importante fator na definição da composição e
abundância do fitoplâncton (Reynolds 1999a). Para Barbosa & Padisák (2002), os
padrões de estratificação e desestratificação térmica estão entre os principais fatores que
favorecem o desenvolvimento de organismos pesados, como a maioria das
desmidiáceas. A atelomixia – eventos de estratificação e desestratificação parcial da
coluna d’água durante períodos de 24 horas – é fundamental na estruturação da
comunidade fitoplanctônica no lago Dom Helvécio.
49
Nos períodos desestratificados, a ocorrência de menores biomassas se dá,
possivelmente, devido às menores temperaturas (Beyruth 2000) e à maior mistura da
coluna d’água. Essa mistura, apesar de redistribuir os nutrientes na coluna d’água, pode
fazer com que a luz disponível seja um fator limitante para o fitoplâncton (Barros 2003).
No período estratificado, quando a temperatura e a estabilidade da coluna d’água
apresentaram valores elevados, a maioria das espécies apresentou correlações positivas
com essas duas variáveis e negativas com nitrato, amônia e razão DIN:DIP,
possivelmente respondendo positivamente às condições favoráveis de temperatura e de
estabilidade ambiental e limitação por fósforo solúvel reativo, presente em baixas
concentrações na zona eufófica. De acordo com Vollenweider (1983) o fósforo pode ser
considerado limitante quando a razão N:P é maior que 9, condição essa freqüentemente
registrada no lago Dom Helvécio.
Segundo Reynolds (1997), dinoflagelados freqüentemente tornam-se dominantes no
fitoplâncton de corpos d’água estratificados e, de acordo com Regeli et al. (2004),
nessas condições, esses organismos podem migrar na coluna d’água em busca de
condições ótimas de luz e nutrientes. Peridiniun pusillum foi a espécie dominante ou codominante em quase todo o período estudado, exceto no inverno de 2003, quando a
coluna
d’água
circulou
completamente.
No
entanto,
em
2002,
quando
a
desestratificação foi parcial (Garcia & Barbosa 2005), essa espécie teve uma importante
participação. As maiores biomassas dessa espécie foram registradas a 100% e 10% de
luz. De acordo com Reynolds (1997), alguns pequenos dinoflagelados do gênero
Peridinium apresentam uma relação inversa com fósforo, o que pode explicar a maior
biomassa dessa espécie nas camadas superficiais do lago Dom Helvécio, onde esse
nutriente geralmente é encontrado em menores concentrações.
Nos períodos de desestratificação, as biomassas significativamente menores de
Zygnemaphyceae estão possivelmente relacionadas à elevada instabilidade da coluna
d’água (Barros 2003) e a menor irradiância, significativamente menor nesse período.
Barbosa & Padisák (2002) creditaram o sucesso das desmidiáceas em águas tropicais à
compartimentalização promovida pelas mudanças diurnas e sazonais de temperatura na
coluna d’água sendo a atelomixia o principal fator determinante de sua dominância,
corroborando estudos de Reynolds et al. (2002). Para Barros (2003), os maiores valores
de temperatura, pH e fósforo solúvel reativo no período de chuvas contribuem para o
aumento da biomassa de Zygnemaphyceae.
50
Além desses fatores, as maiores razões Zeu:Zmix, importante determinante na taxa
de crescimento (Erikson 1998) e na composição e biomassa do fitoplâncton (Marinho &
Huszar 2002), proporciona condições ideais para o desenvolvimento desse grupo, uma
vez que aumenta o tempo de residência na faixa de maior luminosidade, através da
ressuspensão constante dos organismos (Reynolds 1989). A influência das variáveis
físicas nas desmidiáceas fica ainda mais evidente quando se comparam os períodos de
seca de 2002 e 2003. Foram registradas maiores biomassas de Zygnemaphyceae em
2002, quando a coluna d’água manteve-se parcialmente estratificada, que em 2003,
quando a circulação da coluna d’água foi completa.
Cosmarium contractum foi a desmidiácea que apresentou as maiores biomassas,
principalmente a 100% e 10 % de penetração de luz, aparentemente favorecida pelas
condições de maiores temperaturas e estabilidade da coluna d’água, assim como da
disponibilidade de fósforo solúvel reativo no ambiente como indicado pelas correlações.
Apesar de serem dominantes apenas na fase III, as cianobactérias constituem um
grupo importante para a comunidade fitoplanctônica do lago Dom Helvécio. No
entanto, apesar das elevadas biomassas registradas para Lyngbya hieronymusii, as
demais espécies desse grupo não apresentaram grandes biomassas. No verão, quando
foram registradas condições descritas na literatura como favoráveis para as
cianobactérias, com maiores temperaturas (Tundisi 1990, Shapiro 1990), maior
estabilidade da coluna d’água (Reynolds 1987) e menores razões DIN:DIP (Smith 1983,
Bulgakov & Levich 1999), a forte incidência de luz na zona eufótica – média de 413 e
máximo de 2566µmol.m2.s-1 (PELD/UFMG 2003, 04, 05) – possivelmente constituiu
um fator limitante importante, já que as cianobactérias são mais competitivas em baixa
disponibilidade de luz (Smith, 1986). Além disso, as correlações negativas com nitrato e
razão DIN:DIP, apontam para uma possível limitação por fósforo solúvel. Somente para
Limnothrix sp. foram encontradas correlações positivas com a razão DIN:DIP e
negativas com fosfato. De acordo com Marinho e Huszar (2002), nitrogênio inorgânico
dissolvido abaixo de 155µg.L-1 e razão N/P < 10 beneficiam cianobactérias não
fixadoras de nitrogênio.
A dinâmica de Cylindrospermopsis raciborskii no lago Dom Helvécio
A ocorrência de Cylindrospermopsis raciborskii foi identificada no lago Dom
Helvécio em 2000 (Padisák et al. 1999). Os estudos desenvolvidos até o momento não
apontam para o potencial tóxico (Ribeiro & Barbosa 2002), mas alertam para o
51
potencial invasor dessa cianobactéria e de seus prováveis efeitos negativos na
comunidade fitoplanctônica de outros lagos da região do médio Rio Doce (Souza 2005).
Além disso, estudos em andamento indicam a presença de C. raciborskii e outra espécie
do gênero Cylindrospermopsis em outros lagos da região.
Neste estudo, C. raciborskii contribuiu com o máximo de 1 % da biomassa total do
fitoplâncton no lago Dom Helvécio, bem menos que os 8 % encontrados por Souza
(2005); essa autora desenvolveu estudos no lago Dom Helvécio no ano de 2002, no
entanto, a partir de coletas mensais. Provavelmente devido à persistência de condições
físicas mais favoráveis ao desenvolvimento dessa espécie – maiores temperaturas e
estabilidade da coluna d’água – ao longo daquele ano como um todo, em virtude dos
efeitos do El Niño (Garcia & Barbosa 2005). A contribuição dessa espécie também foi
menor que nos reservatórios Nova Avanhandava (4 %) e Barra Bonita (3 %), como
demonstrado por Padisák et al. (2000) que no reservatório Juturnaíba, no Estado do Rio
de Janeiro, onde alcançou 46 % da biomassa (Marinho & Huszar, 2002) e no lago das
Garças, em São Paulo, aonde chegou a representar 50 % da biomassa total (Tucci &
Sant’Anna 2003). Condições extremas foram observadas no reservatório Tapacurá, no
Estado de Pernambuco onde C. raciborskii, juntamente com outra cianobactéria do
gênero Raphidiopsis, representou c. 80% da biomassa do fitoplâncton (Bouvy et al
2003) e no reservatório Ingazeira, também em Pernambuco, onde essa espécie chegou a
compor 100% da biomassa (Bouvy et al. 1999). Esses reultados indicam que,
aparentemente, C. raciborskii não constitui um problema no lago Dom Helvécio.
Os resultados obtidos neste trabalho colocam o lago Dom Helvécio como um
ambiente que, ao longo de um ciclo hidrológico, oferece duas condições distintas para
C. raciborskii: i) durante o período de desestratificação (maio a agosto/setembro), a
mistura completa ou parcial da coluna d’água, aliada às menores temperaturas parece se
tornar um fator limitante para o desenvolvimento desta espécie, apesar da mistura
promover um regime de luz favorável; ii) no período estratificado, a forte estabilidade
da coluna d’água, aliada às maiores temperaturas deveria promover condições físicas
ideais para esta cianobactéria, como sugerido por Padisák (1997) e Bouvy (1999). No
entanto, a extensão zona eufótica (até 15 m de profundidade), parece constituir
condições adversas para C. raciborskii, como indicam as correlações negativas entre as
sua biomassa e a extensão da zona eufótica, assim como a não existência de diferenças
significativas entre as biomassas (baixas) e as profundidades de incidência de luz.
Assim, a luz possivelmente age como principal fator limitante nesse período apesar de
52
Marinho & Huszar (2002) terem registrado a dominância dessa cianobactéria em
condições de elevada disponibilidade de luz. Abaixo de 15 m, onde ocorreriam
condições de luz mais favoráveis, são registradas temperaturas < 25ºC, o que torna esse
compartimento do lago desfavorável para esse organismo.
No período estratificado, a correlação positiva entre C. raciborskii e fósforo solúvel
reativo sugere uma maior capacidade de C. raciborskii em assimilar fosfato, mesmo
quando esse elemento se encontra em baixas concentrações, o que poderia estar
favorecendo essa espécie em relações as demais, em condições de limitação por este
nutriente. Tal indício vai de encontro à independência de C. raciborskii em relação à
concentração de fósforo sugerida por Padisák & Istvánovic (1997). No entanto, estudos
fisiológicos (Istvánovics et al. 2000) destacam que essa espécie é extremamente
oportunista, desenvolvendo adaptações para a estocagem e alta afinidade para este
nutriente e que essas adaptações podem favorecer em condições de deficiência crônica
ou flutuações marcantes de fósforo.
Também no período estratificado, a elevada ocorrência de filamentos com heterocito
(contribuição média de 45,7%) e as correlações negativas com a razão DIN:DIP, nitrato
e amônia, ambos nutrientes com menores concentrações neste período , apontam para a
utilização de N2 atmosférico, via fixação, como uma das principais fontes de nitrogênio
para C. raciborskii (Marinho & Huszar, 2002; Bittencourt-Oliveira & Molica, 2003).
O padrão monomítico quente do lago Dom Helvécio, com a queda da temperatura
promovendo circulações da coluna d’água e uma intensa instabilidade ambiental no
inverno, parece promover um forte impacto negativo na população de C. raciborskii,
que chega a desaparecer em alguns meses no período de desestratificação. Estes
resultados corroboram aqueles obtidos por Tucci & Sant’Anna (2003), que atribuíram a
ausência de C. raciborskii no lago das Garças, durante o inverno, às baixas temperaturas
do ar e da água, aos longos períodos de desestratificação térmica da coluna d’água e ao
aumento da profundidade da zona de mistura.
Em ambientes rasos, como o lago Balaton, na Hungria, o recrutamento bêntico de
acinetos é uma contribuição significante para o desenvolvimento da população na
próxima estação de crescimento, como demonstrado por Padisák & Istvánovic (1997).
Em contraposição, a ausência de registro de tricomas com acinetos neste estudo sugere
que o crescimento da população na estação seguinte se dá a partir dos poucos tricomas
que permanecerem na coluna d’água. Além disso, mesmo se houvesse a produção de
acinetos, os mesmo provavelmente se perderiam no sedimento do lago que, devido à
53
elevada profundidade, permanece isolado do epi/metalímnio no período de
estratificação térmica, mesmo nos eventos de tempestades tropicais.
A forte resistência a condições adversas possivelmente é um fator determinante na
manutenção de C. raciborskii no lago Dom Helvécio, que parece constituir um ambiente
relativamente até certo ponto inóspito para esta cianobactéria, visto as baixas densidades
registradas ao longo do ano, principalmente no período de desestratificação. No entanto,
são necessários mais estudos sobre a ecologia dessa espécie, uma vez que pouco se sabe
sobre suas respostas às variações na física e química do lago Dom Helvécio e seu
comportamento diante de mudanças climáticas menos estocásticas, como El Nino, e
mais prolongadas, como aquecimento global. Estudos sobre a filogenia e toxicologia
dessa espécie são também necessários considerando entre outros aspectos o fato que
muitos lagos do médio Rio Doce vêm sofrendo diversos impactos antrópicos, os quais
poderão torná-los favoráveis ao desenvolvimento de C. raciborskii, que poderia vir a
constituir um problema resultante de seu potencial invasor conforme demonstrado por
Souza (2005).
54
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58
Capítulo 3
Respostas ecofisiológicas da cianobactéria
Cylindrospermopsis raciborskii (Woloszynska)
Seenayya et Subba Raju, mantida em cultura, a
alterações de temperatura, luz, concentração de
fósforo e razão N:P.
59
Respostas
ecofisiológicas
da
cianobactéria
Cylindrospermopsis
raciborskii
(Woloszynska) Seenayya et Subba Raju, mantida em cultura, a alterações de
temperatura, luz, concentração de fósforo e razão N:P.
Fábio C. Garcia, Cristiane F. A. Barros & Francisco Antonio. R. Barbosa
Resumo
O presente estudo teve como objetivo determinar as respostas in vitro de C.
raciborskii à manipulações nas condições de temperatura, regime de luz, concentração
de fósforo solúvel reativo e razão N:P (dissolvidos). As amostragens foram feitas na
profundidade correspondente a 10 % da luz incidente na superfície. Os tricomas foram
isolados e mantidos em meio ASM-1, em incubadoras climatizadas (± 25ºC; ±
140µmol.m2.s-1) e fotoperíodo de 12 horas. Os experimentos foram conduzidos em
triplicatas, durante 10 dias. Foram testados as respostas à variações nas seguintes
variáveis: 1) temperatura 4 tratamentos: controle (25ºC) e tratamentos (20, 30 e 35ºC);
2) irradiância: 4 tratamentos: controle (140µmol.m2.s-1) e tratamentos (350, 220 e
65µmol.m2.s-1) e 3) respostas ao efeito do fósforo e razões N:P: 4 tratamentos: controle
(sem adição) e tratamentos (adição de KH2PO4:12, 60 e 120µg.L-1). Em todos os
experimentos foram registrados aumentos nas curvas de crescimento dos filamentos. A
maior absorbância final em resposta a mudanças de temperatura foi obtida para a cultura
mantida a 25ºC. No experimento com mudanças de intensidade luminosa os maiores
valores foram obtidos no tratamento com 65µmol.m2.s-1. Todos os tratamentos
submetidos ao enriquecimento apresentaram crescimento maior que o controle, mas não
entre os tratamentos. No experimento com temperatura, ao final do período de
incubação, todos os tratamentos apresentaram densidade de tricomas significativamente
maior que a inicial, sendo o maior no tratamento a 25ºC (84.496org.ml-1), sem
diferenças entre os tratamentos. Para o experimento com luz, as maiores densidades de
C. raciborskii foram observadas ao final do experimento, em todos os tratamentos, com
as maiores medianas sendo obtidas nos tratamentos de 65 e 220µmol.m2.s-1 (98.825 e
116.525org.ml-1, respectivamente). Nos experimentos com enriquecimento todos os
tratamentos, inclusive o controle, apresentaram maior crescimento que a água do lago.
As densidades máximas registradas nos tratamentos enriquecidos foram 29.693org.ml-1.
Os resultados obtidos neste trabalho corroboram parcialmente aqueles obtidos in situ,
60
onde foram encontradas correlações positivas entre a biomassa de C. raciborskii com a
temperatura da coluna d’água e com fósforo solúvel reativo, mas não foram encontradas
diferenças significativas na biomassa entre as profundidades de 100, 10 e 1 % de
incidência de luz. A temperatura da água aparece, portanto, como um dos principais
fatores reguladores da dinâmica dessa espécie no lago Dom Helvécio.
61
Introdução
A cianobactéria Cylindrospermopsis raciborskii (Woloszynska) Seenayya et Subba
Raju (Cyanophyceae, Nostocalle) habita desde reservatórios oligotróficos do
Hemisfério Sul a lagos pequenos, rasos e hipereutróficos no Hemisfério Norte, além de
ambientes lóticos (Padisák, 1997) colonizando, portanto, amplo espectro de ambientes
de água doce. Seu crescimento ocorre principalmente em águas quentes e estáveis
(Bouvy et al., 2000; Isvánovics et al., 2000; Huszar et al., 2000; Borics et al., 2000) e
com pH > 8,0 (Padisák, 1997, Bouvy, 1999). Uma vez que C. raciborskii possui
heterocito é capaz de fixar nitrogênio atmosférico e seu aparecimento pode ser um
indicador da deficiência desse elemento no ambiente (Padisák, 1997, Barbosa et al.,
1999). No que se refere às influências do fósforo e da luminosidade na abundância de C.
raciborskii, não existe um consenso na literatura existente.
No lago Dom Helvécio, localizado no Parque Estadual do Rio Doce, Minas Gerais,
alguns estudos desenvolvidos no âmbito do projeto “Dinâmica biológica e a
conservação da biodiversidade da Mata Atlântica do médio rio Doce-MG” (Programa
de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração – PELD/MCT-CNPq) têm focalizado C.
raciborskii. Estes estudos demonstraram que a cepa encontrada neste lago apresenta
filamentos retos, baixa proporção de filamentos heterocitados e nenhum indício de
floração ou produção de toxinas. Estudos in situ, a partir de amostragens semanais e
experimentos em laboratório permitiram ampliar o conhecimento da ecologia desta
espécie. No entanto, não existem ainda estudos in vitro para verificar as respostas da
cepa de C. raciborskii originária do lago Dom Helvécio às principais variáveis descritas
na bibliografia como reguladoras de sua população. Além disso, apesar dessa espécie ter
sido descrita apenas no lago Dom Helvécio, já foi identificado outra espécie do gênero
Cylindrospermopsis em outros lagos da região do Médio Rio Doce e Souza (2005) já
demonstrou o potencial invasivo de C. raciborskii para outros lagos da região: através
de experimentos in vitro cultivaram-se cepas de C. raciborskii, oriundas do lago Dom
Helvécio, em amostras de água proveniente da lagoa Jacaré, onde essa cianobacéria não
ocorre; no final do experimento C. raciborskii predominou na cultura. Esses
experimentos demostraram a importância de se compreender os fatores que determinam
sua dinâmica nesses ambientes.
62
Partindo das premissas que a temperatura está entre as principais variáveis regulando
as populações de C. raciborskii (Bouvy et al., 2000; Isvánovics et al., 2000; Huszar et
al., 2000; Borics et al., 2000), que a luz não é um fator limitante (Padisák, 1997; Bouvy,
1999) e que fósforo não constitui um fator regulador de suas populações (Padisák,
1997), este trabalho testou as seguintes hipóteses: i) o crescimento de C. raciborskii é
favorecido em ambientes com temperaturas acima de 25 ºC e inibido por temperaturas
superiores a 35ºC; ii) C. raciborskii apresenta maior crescimento em condições de baixa
irradiância (até 150 µmol.m2.s-1); iii) a disponibilidade de fósforo não afeta o
crescimento desta espécie. Para testá-las, o estudo teve como objetivo determinar as
respostas, in vitro, de C. raciborskii à manipulações nas condições de temperatura,
regime de luz, concentração de fósforo solúvel reativo – P-PO4) e razão nitrogênio e
fósforo (N:P).
Material e métodos
As cepas de C. raciborskii utilizadas neste trabalho são oriundas do lago Dom
Helvécio, localizado no Parque Estadual do Rio Doce, Minas Gerais, coletadas a
profundidade correspondente a 10 % da irradiação incidente na superfície. Os tricomas
foram isolados e mantidos em cultivo permanente tipo batch unialgal, mas não axênico,
em meio ASM-1 (Gorham et al. 1964) (anexo 2), em incubadoras climatizadas (25ºC ±
1o C ; 140µmol.m2.s-1) e fotoperíodo de 12 horas, no Laboratório de Ecologia de
Processos e Qualidade da Água do ICB/UFMG.
Os experimentos foram desenvolvidos em frascos de 500 ml, em triplicatas, com
duração de 10 dias.
Para testar o efeito da temperatura, as amostras foram mantidas em meio ASM-1 e
regime de luz de 140µmol.m2.s-1, e a foram realizados quatro tratamentos: Tratamento
Controle (25ºC), e Tratamentos 1 (20ºC), 2 (30ºC) e 3 (35ºC).
Para testar o efeito da irradiância, as amostras foram mantidas em meio ASM-1, sob
temperatura de 25ºC, sendo o regime de irradiância na incubadora variado em 4
tratamentos: Controle (140µmol.m2.s-1) e Tratamentos 1 (350µmol.m2.s-1), 2
(220µmol.m2.s-1) e 3 (65µmol.m2.s-1); a maior irradiância estabelecida foi a máxima
atingida na imcubadora. A radiação foi medida com um radiômetro Li-Cor, modelo LI189.
Para testar o efeito de diferentes concentrações de fósforo e razões N:P, os tricomas
63
mantidos em cultivo foram incubados em água proveniente do lago Dom Helvécio
filtrada em filtros GF 52-C e enriquecida com solução de KH2PO4, nos seguintes
tratamentos: 1) Controle: água do lago sem adição de fósforo (P-PO4: 0,98µg.L-1; NNO3: 5,5µg L-1; razão N/P: 5,6); 2) Tratamento 1: adição de 12µg.L-1 de KH2PO4; 3)
Tratamento 2: adição de 60µg.L-1 de KH2PO4; 4) Tratamento 3: adição de 120µg.L-1 de
KH2PO4. Foram retiradas alíquotas para determinação inicial e final de fósforo solúvel
reativo, nitrato e amônia.
Para quantificação dos tricomas, sub-amostras de 100ml foram retiradas no início e
final de cada experimento e preservadas em solução de lugol acético. Após
sedimentação (Utermöhl, 1958), as contagens foram feitas em microscópio invertido,
em transectos, até se atingir 400 filamentos. Para se acompanhar a taxa de crescimento,
alíquotas de 1ml foram retiradas a cada 24 horas – foram efetuadas cinco réplicas – para
medidas de densidade óptica a 750 nm, de acordo com Shafik et al. (2001), que
encontraram uma relação significativa (r = -0,946, n = 70) entre a densidade óptica e o
peso fresco.
A existência de diferenças entre as curvas de crescimento para cada tratamento foi
verificada através de Análises de Variância Fatorial (ANOVA Fatorial) e do teste de
Tukey HSD. Para testar a significância das diferenças nas respostas de C. raciborskii
entre os tratamentos, foram feitas análises de variância de Kruskal-Wallis. Todas as
análises foram feitas de acordo com Zar (1974).
Resultados
Respostas às variações na temperatura
Nos quatro tratamentos foram registrados aumentos nas absorbâncias do início para
o fim do experimento, indicando um crescimento contínuo dos filamentos (Figura 3.1).
A maior absorbância final foi obtida para a cultura mantida a 25ºC, seguida pelos
tratamentos de 20, 35 e 30ºC. No entanto, não foram encontradas diferenças
significativas entre as curvas de crescimento.
Ao final do período de incubação, todos os tratamentos apresentaram densidade
média de tricomas significativamente maior que a inicial (Figura 3.2). Os cultivos de C.
raciborskii mantidos a 25 e 30ºC apresentaram as maiores densidades médias (84.496 e
76.666org.ml-1, respectivamente), seguidos pelo tratamento de 35ºC (média de
43.906org.ml-1). No entanto, não foram observadas diferenças significativas entre esses
64
três
tratamentos.
Densidades
significativamente
médias
menores
(média
de
24.780org.ml-1) foram registradas no tratamento a 20ºC.
0,080
0,070
Absorbância a 750nm
0,060
0,050
0,040
0,030
0,020
0,010
20ºC
25ºC
30ºC
35ºC
0,000
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Dias
Figura 3.1. Curvas de crescimento – médias, ± desvio padrão – de culturas de
Cylindrospermopsis raciborskii mantidas sob quatro condições de temperatura.
90000
80000
-1
Densidade (org mL )
70000
Kruskal-Wallis: H = 19.3; p = 0.0007
N = 32
Mann-Whitney:
Ini & 20: U = 0; Z = -2.60; p = 0.009
20 & T: U = 0; Z = -1.96; p = 0.050
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
Inicial
20ºC
25ºC
30ºC
35ºC
Tratamentos
Figura 3.2. Densidades – médias, ± desvio padrão – de Cylindrospermopsis raciborskii
inicial e após dez dias de incubação em diferentes temperaturas. O resultado da análise
estatística é apresentado na figura.
65
Respostas às variações na irradiância
Para este experimento observou-se aumento da absorbância ao longo do cultivo,
com os maiores valores sendo obtidos no tratamento com regime de luz de 65µmol.m2.s1
, seguido pelos tratamentos de 220, 350µmol.m2.s-1 e controle (140µmol.m2.s-1), como
mostrado na figura 3.3. Foram encontradas diferenças significativas entre as curvas de
crescimento (ANOVA: F = 12,95; P < 0,001), sendo aquela para os cultivos mantidos a
140µmol.m2.s-1 (controle) diferente das demais (Tukey: p < 0,001).
0,13
0,12
0,11
Absorbância a 750nm
0,10
0,09
0,08
0,07
0,06
0,05
0,04
0,03
0,02
0,01
0,00
1
2
3
4
5
6
Dias
7
8
9
10
65
140
220
350
Figura 3.3. Curvas de crescimento – médias, ± desvio padrão – de culturas de
Cylindrospermopsis raciborskii mantidas sob quatro condições de luminosidade. Os
valores de intensidade de luz são apresentados em µmol.m2.s-1.
Também para este experimento, as maiores densidades de C. raciborskii foram
observadas ao final do período de cultivo em todos os tratamentos (Figura 3.4). As
maiores medianas foram obtidas nos tratamentos de 65 e 220µmol.m2.s-1 (98.825 e
116.525org.ml-1, respectivamente), significativamente diferentes do tratamento controle
(140µmol.m2.s-1), seguidos pelos tratamentos a 350 e 140µmol.m2.s-1 (130.924 e
84.496org.ml-1, respectivamente).
66
140000
130000
120000
110000
Kruskal-Wallis: H = 13.46, p = 0.009
N = 32
Mann-Whitney
Ini & trat: U = 0; Z = -2.32; p = 0.02
T1 & T4: U = 0; Z = -1.96; p = 0.05
Densidade (org mL-1 )
100000
90000
80000
70000
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
T1/contr (140)
Inicial
T2 (350)
T3 (220)
T4 (65)
2 -1
Irradiância µ
( mol m s )
Figura 3.4. Densidades – médias, ± desvio padrão – de Cylindrospermopsis raciborskii
inicial e após dez dias de incubação sob diferentes intensidades luminosas. O resultado da
análise estatística é apresentado na figura.
Respostas às variações na concentração de fósforo e razão N:P
Todos os tratamentos apresentaram, ao final dos experimentos, elevadas
concentrações de fósforo solúvel reativo e razões DIN:DIP próximas a zero, exceto
controle (tabela 3.1).
Tabela 3.1. Concentrações iniciais e finais de fósforo solúvel reativo (PO4-P), nitrato
(NO3-N) e amônia (NH4-N) e razões entre nitrogênio inorgânico dissolvido e fósforo
inorgânico dissolvido (DIN:DIP) nos diferentes tratamentos.
Tratamento
PO4-P
NO3-N
NH4-N
DIN:DIP *
Ci
0,98
4,3
43,2
49,7
Cf
33,2
245,9
20,8
8,2
T1i
12,98
1,0
42,8
0,1
T1f
221,7
40,3
10,1
0,2
T2i
60,98
2,3
39,8
0,1
T2f
695,8
6,0
13,1
0,0
T3i
120,98
2,2
29,0
0,0
T3f
700,0
16,9
31,3
0,1
C: controle; T: tratamento; i: inicial; f: final. Concentrações expressas em µg.L-1. * Inclui nitrito.
Todos os tratamentos submetidos ao enriquecimento apresentaram crescimento
maior que o controle (ANOVA: F = 24,43; p < 0,001; Tukey: p < 0,001). No entanto,
67
não foram verificadas diferenças entre as curvas de crescimento relativas à quantidade
de fósforo adicionada e, consequentemente, à razão N:P resultante (figura 3.5).
0,09
0,08
Absorbância a 750nm
0,07
0,06
0,05
0,04
0,03
0,02
0,01
0,00
1
2
3
4
5
6
Dias
7
8
9
10
Controle
T1
T2
T3
Figura 3.5. Curvas de crescimento – médias, ± desvio padrão – de culturas de
Cylindrospermopsis raciborskii mantidas sob diferentes condições de enriquecimento.
As contagens de organismos também evidenciaram o aumento da densidade ao final
do experimento em todos os tratamentos, inclusive o controle e confirmou o maior
crescimento nos tratamentos em que a água do lago foi enriquecida e a ausência de
diferença significativa entre os diferentes níveis de enriquecimento (figura 3.6, a
seguir). As densidades máximas registradas nos tratamentos enriquecidos foram 29.693
(T1), 19.867 (T2) e 26.323org.ml-1 (T3), enquanto a mediana obtida no tratamento
controle foi 9.957org.ml-1.
68
30000
28000
26000
24000
Densidades (org ml-1 )
22000
20000
18000
16000
14000
12000
10000
Kruskal-Wallis: H = 11,5, p = 0,002
N = 15
Mann-Whitney
Ini & contr/trats: U = 0,0, Z = -1,96, p = 0,05
Contr & trats : U = 0,0, Z = -1,96, p = 0,05
8000
6000
4000
2000
0
Inicial
Controle
12
60
120
Tratamentos
Figura 3.6. Densidades – médias, ± desvio padrão – de Cylindrospermopsis raciborskii
inicial e observada após 10 dias de incubação sob diferentes condições de
enriquecimento com fósforo.
Discussão
Nos estudos desenvolvidos em laboratório, com tricomas de C. raciborskii advindos
do lago Dom Helvécio, essa espécies respondeu às variações nas condições de
temperatura, luz e concentração de fósforo solúvel reativo, apresentando respostas
diferentes nos tratamentos, quando comparados com as condições controle e aumento
das densidades ao longo dos experimentos.
No experimento com temperatura, apesar da não ocorrência de diferenças entre as
curvas de crescimento, os aumentos observados entre o início e o final dos
experimentos, com densidades significativamente menores a 20ºC, possivelmente
refletem a preferência de C. raciborskii por maiores temperaturas, corroborando os
resultados obtidos por Shafik et al. (2000) e Briand et al. (2004).
A ausência de diferenças entre as três maiores temperaturas (25, 30 e 35ºC) indica
que a partir de 25ºC, temperatura de manutenção da cepa com a qual foram
desenvolvidos os experimentos e citada por Padisák (1997) como ideal para o
69
crescimento de C. raciborskii, as condições tornam-se favoráveis ao seu
desenvolvimento. Estudos desenvolvidos por Shafik et al. (2001), com culturas do tipo
“batch”, mostraram um crescimento maior dessa cianobactéria em temperaturas de
30ºC. Tal resultado é similar àqueles obtidos por Briand et al. (2004) os quais sugerem,
com base em modelos matemáticos, temperaturas entre 25 e 35ºC como ótimas para o
seu desenvolvimento. Apesar do tratamento a 20ºC ter apresentado as menores
densidades ao final do experimento também houve aumento da densidade ao longo do
experimento, mostrando que essa espécie pode se adaptar a essa temperatura,
reforçando o que foi demonstrado por Shafik et al. (2001) e Briand et al. (2004).
Os resultados obtidos em laborátório corroboram as tendências observadas in situ.
No lago Dom Helvécio, no período de estratificação térmica, quando ocorreram as
maiores biomassas de C. raciborskii, a temperatura na zona eufótica esteve sempre
acima de 24ºC, chegando a 32,5ºC. Aliada a temperatura, a elevada estabilidade da
coluna d’água, que alcançou 624g.cm.cm-2, parece ter sido um dos principais fatores
responsáveis pelo desenvolvimento dessa espécie.
Os resultados obtidos para a curva de crescimento no experimento de luz mostram
duas situações distintas: i) a densidade de C. raciborskii no tratamento controle
(140µmol.m2.s-1) apresentou, inicialmente, um maior crescimento e depois decaiu,
sendo significativamente menor que os demais e ii) no tratamento a 65µmol.m2.s-1,
inicialmente observou-se um menor crescimento e, a partir do sétimo dia, um maior
crescimento, sendo esse o tratamento com a maior mediana nas contagens finais dos
tricomas. No entanto, o significado de tais resultados não é claro, uma vez que não
seriam esperadas densidades significativamente menores no tratamento controle, já que
esta era a condição de manutenção da cultura, à qual a cepa testada já estava adaptada.
Padisák (1997) chama atenção que C. raciborskii é uma cianobactéria
fisiologicamente bem adaptada a condições de baixa luminosidade e Istvanovics et al.
(2000) descreveram a intensidade de luz de 130µmol.m2.s-1 como ótima para seu
crescimento. No entanto, nos estudos desenvolvidos por Shafik et ak. (2001) os maiores
crescimentos foram registrados sob intensidades luminosas entre 150 e 300µmol.m2.s-1,
com decréscimo tanto abaixo de 100µmol.m2.s-1 quanto acima de 300µmol.m2.s-1.
Briand et al. (2004), por sua vez, testaram um espectro de c. 50 a 400µmol.m2.s-1 e não
encontraram limitação significativa por luz, concluindo que todos os filamentos testados
exibiram taxas de crescimento positivas em uma grande variação de intensidade de luz.
Para estes autores, C. raciborskii desenvolve boa tolerância a intensidades de luz acima
70
de 500µmol.m2.s-1. Neste estudo, todos os tratamentos apresentaram crescimento em
relação ao tratamento inicial, sugerindo que em nenhuma das condições testadas houve
limitação por excesso de luz.
Na zona eufótica do lago Dom Helvécio, apesar das condições de temperatura e
estabilidade serem propícias para o desenvolvimento de C. raciborskii, a elevada
incidência de luz na zona eufótica (média de 413 e máximo de 2566µmol.m2.s-1;
Relatórios PELD/UFMG 2003, 04, 05), possivelmente, se torna um fator inibidor, que
se reflete na baixa biomassa dessa espécie (< 1mg.L-1). No entanto, no Alto Rio Danau,
na Áustria, a proliferação de C. raciborskii ocorreu em condições de irradiação de 200 a
600µmol.m2.s-1 (Dokulil and Mayer 1996) e no rio Fitzroy, na Austrália, a formação de
florações dessa espécie ocorreu em condições de irradiação superficial acima de
2200µmol.m2.s-1 (Fabbro & Duivenvoorden 1996), mostrando sua adaptação a
ambientes com elevada incidência de luz. Sendo assim, mais estudos são necessários
para verificar as repostas dessa espécie a variações na irradiância.
As curvas de crescimento e as contagens finais obtidas no experimento de
enriquecimento mostraram crescimento maior nos tratamentos em que houve adição de
fósforo que no controle. No entanto, nas duas avaliações não foram encontradas
diferenças significativas entre os tratamentos enriquecidos, indicando uma possível
saturação por fósforo, mesmo onde houve menor adição. Tal hipótese se baseia na
elevada afinidade e capacidade de assimilação desse nutriente observada para C.
raciborskii, o que torna essa cianobactéria especialista em estocá-lo (Padisák et al.
1997, Stvanovics et al. 2000). De acordo com Shafik et al. (2001), essa capacidade de
assimilar e estocar fósforo faz com que C. raciborskii cresça e entre em divisão
continuamente, podendo inclusive formar florações mesmo quando em baixas
concentrações de fósforo.
Um fator que pode ter interferido diretamente nos resultados, fazendo com que não
houvesse diferenças significativas entre os tratamentos enriquecidos, é o fato dos
tricomas terem sido transferidos da cultura mantida em meio ASM-1, rico em fósforo e
nitrogênio, diretamente para os frascos do experimento, sem a realização de lavagem
prévia, procedimento apontado por Shafik et al. (2001) como importante para zerar a
concentração de fósforo extracelular. Assim, acreditamos ter havido uma interferência
nos resultados finais, uma vez que C. raciborskii consegue assimilar fósforo solúvel
reativo de forma “luxuriante”, armazenando esse nutriente nas suas células (Shafik et al.
2001). Essa interferência ficou evidente diante da elevada concentração de fósforo
71
solúvel reativo verificada no tratamento controle, ao final do experimento (33,2µg.L-1)
em relação ao tratamento controle inicial (0,98µg.L-1).
De acordo com Padisák (1997), C. raciborskii ocorre em ambientes com diversas
concentrações de fósforo e não são claras as relações entre essa espécie e a
disponibilidade desse nutriente. Para Briand et al. (2002), C. raciborskii consegue
crescer sob várias condições, tornando difícil a predição de sua ocorrência e/ou
proliferação. Padisák and Istvánovics (1997) e Istvánovics et al. (2000), por outro lado,
destacaram a elevada capacidade de assimilação e de estocagem de fósforo por C.
raciborskii, fazendo com que leve vantagem sobre as demais algas em ambientes onde
esse nutriente é limitante. O lago Dom Helvécio, um ambiente limitado por fósforo
solúvel reativo na maior parte do ano, parece ser um bom exemplo da elevada
capacidade de assimilação de fósforo por C. raciborskii, uma vez que foi encontrada
uma correlação positiva, embora fraca, entre essa cianobactéria e esse nutriente,
indicando que o fósforo não estaria limitando o crescimento dessa alga.
Os resultados obtidos neste trabalho corroboram parcialmente os obtidos no lago
Dom Helvécio: 1) nos estudos in situ foram encontradas correlações positivas entre a
biomassa de C. raciborskii com a temperatura da coluna d’água e nos estudos in vitro a
partir de 25 ºC não foram encontrdas diferenças significativas na biomassa de C.
raciborskii, mas com um aumento significativo em relação ao tratamento a 20 ºC; 2)
nos estudos in situ também foram encontradas correlações positivas entre a biomassa de
C. raciborskii e fósforo solúvel reativo, o que não ficou claramente evidenciado nos
experimentos in vitro, possivelmete devido às interferências metodológicas já descritas;
3) nos estudos in situ não foram encontradas diferenças significativas na biomassa entre
as profundidades de 100, 10 e 1 % de incidência de luz e experimentos in vitro a relação
entre C. raciborskii e a irradiância também não ficou clara. Sendo assim, a temperatura
da água aparece como um dos principais fatores regulando a dinâmica dessa espécie no
lago Dom Helvécio, já que fósforo, apesar de estar positivamente correlacionado com
C. raciborskii e ter demostrado um crescimento aparente nos experimentos in vitro,
parece não ser limitante para essa espécie. Nesse trabalho, o papel da luz na dinâmica de
C. raciborskii não ficou claro tanto nos estudos desenvolvidos in situ quanto no
laboratório, sendo necessários mais estudos sobre as respostas dessa cianobactéria a
variações no regime de luz.
72
Referências Bibliográficas
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74
Conclusões
A partir dos resultados obtidos neste estudo sobre a ecologia da população de
Cylindrospermopsis raciborskii presente no lago Dom Helvécio, foi possível chegar a
algumas conclusões. No entanto, também foram levantadas outras questões, que ainda
necessitarão de mais estudos para serem respondidas.
Qual a participação de C. raciborskii na comunidade fitoplanctônica desse lago?
Ela é uma espécie rara, aparecendo em densidades maiores somente quando
ocorrem condições ideais para o seu desenvolvimento, ou é uma espécie comum,
tendo participação relevante na comunidade fitoplanctônica durante todo um ciclo
hidrológico?
Cylindrospermopsis raciborskii não é uma espécie rara no lago Dom Helvécio e ocorre
praticamente durante todo o ano. No entanto, durante o período de circulação da coluna
d’água (maio a setembro), quando a estabilidade e temperatura da coluna d’água
atingem seus menores valores, a biomassa de C. raciborskii torna-se muito pequena e,
em algumas semanas, essa espécie chega a não ser registrada. Por outro lado, no período
de estratificação térmica (outubro a abril), quando a estabilidade e a temperatura da
coluna d’água atingem seus maiores valores, variáveis estas descritas por diversos
autores (e.g. Padisák 1997) e confirmadas neste estudo como determinantes para o
desenvolvimento de C. raciborskii, essa espécie apresenta as maiores biomassas sem, no
entanto, se destacar na comunidade fitoplanctônica como um todo.
Em que período e que profundidades estão suas maiores biomassas?
Entre julho de 2002 e julho de 2003 a biomassa de C. raciborskii variou de 0 (período
de desestratificação térmica) a. 1,0 mg.L-1 (período de estratificação térmica), sendo que
as biomassas foram significativamente maiores neste período. No entanto, não foram
registradas diferenças significativas na biomassa de C. raciborskii entre as
profundidades de 100, 10 e 1 % de luz, dentro da zona eufótica do lago Dom Helvécio.
Quais variáveis determinam o padrão de flutuação sazonal de C. raciborskii nesse
ambiente ?
Os resultados obtidos apontam para a estabilidade e a temperatura da água como as
principais variáveis que determinam o padrão de flutuação sazonal de C. raciborskii no
75
lago Dom Helvécio. No período de circulação da coluna d’água, quando dos menores
valores de estabilidade e temperatura da coluna d’água, foram registradas as menores
biomassas de C. raciborskii, chegando a não ser registrada em algumas semanas.
No período de estratificação térmica as correlações positivas entre C. raciborskii e a
estabilidade e temperatura da coluna d’água confirmam a influência dessas variáveis na
dinâmica dessa espécie, que se desenvolve melhor em ambientes estáveis e quentes. Por
outro lado, a luz parece ter sido uma variável limitante para o desenvolvimento de C.
raciborskii durante o período de estratificação térmica pois, apesar das condições
favoráveis de estabilidade e temperatura da coluna d’água, os baixos valores de
biomassa registradoss nesse período possivelmente são reflexo da elevada intensidade
de luz.
Secundariamente, as correlações negativas com nitrato, amônia e razão DIN:DIP e a
correlação positiva com fósforo solúvel reativo demonstram possivelmente que C.
raciborskii, como espécie fixadora de nitrogênio atmosférico, se desenvolve melhor
quando das menores concentrações desse nutriente na coluna d’água. Além disso, pela
elevada capacidade de assimilação e de estocagem de fósforo solúvel reativo, mesmo
quando este é limitante na coluna d’água, caso da zona eufótica do lago Dom Helvécio
no período de estratificação térmica, são encontradas correlações positivas, mas fracas,
entre C. raciborskii e a concentração de fósforo solúvel reativo.
Qual a importância dessa espécie para o Rio Doce (onde a princípio não produz
toxina), mas também para os ecossistemas aquáticos da região como um todo? Os
lagos externos ao Parque Estadual do Rio Doce estão sendo impactados,
principalmente pela substituição da vegetação original por monocultura de
eucalipto (Eucaliptus sp.). Existe o risco de surgir a cepa tóxica nesse sistema? De
que forma esses estudos poderão fornecer subsídios para o controle de florações
dessa espécie em ambientes degradados (e.g. lagos externos ao Parque Estadual do
Rio Doce e lagos do Nordeste brasileiro)?
O aparecimento de Cylindrospermopsis raciborskii, juntamente com o de outras
cianobactérias potencialmente tóxicas (e.g. Microcystis spp.), tornou-se um problema
não somente do ponto de vista ambiental – eutrofização, com perda de diversidade e
dominância por poucas espécies – como também de saúde pública – pelos problemas
que as toxinas produzidas por cianobactérias podem causar a humanos e outros animais
76
– principalmente por seu aparecimento estar associado com processo de eutrofização do
corpo d’água.
Como demonstrado no capítulo 1, o grau de trofia do lago Dom Helvécio varia de
oligotrófico a mesotrófico, com alguns eventos de eutrofia, sendo que variações
climáticas (e.g. anos de El Niño) parecem ter influência nesses eventos, devido às forças
que determinam os processos de circulação e estratificação térmica da coluna d’água.
No inverno de 2002, quando da influência do EL Niño, a estabilidade e a temperatura da
água caíram menos que nos invernos de 2001 e 2003 e apesar da circulação da coluna
d’água não ser completa, houve ressuspensão de sedimentos ricos em nutrientes,
enriquecimento da coluna d’água com fósforo, atenuação de incidência de luz na coluna
d’água e conseqüente aumento na densidade de cianobactérias.
No lago Dom Helvécio o aparecimento de C. raciborskii aparentemente não está
diretamente associado com a eutrofização desse lago. Apesar de alguns eventos de
meso/eutrofia, o lago Dom Helvécio é um ambiente predominantemente oligotrófico e
C. raciborskii apresenta as maiores biomassas no período de estratificação térmica,
quando o lago se encontra em condições de oligotrofia e o fósforo torna-se um elemento
limitante para o fitoplâncton.
Ainda não está claro a via pela qual C. raciborskii chegou até o lago Dom Helvécio.
Estudos preliminares demonstraram que esta cepa não é potencialmente tóxica. Além
disso, estes estudos mostram a presença de C. raciborskii em outros lagos da região e
também demonstraram o potencial invasor dessa cianobactéria, indicando que ela pode
se desenvolver em outras condições que não as do lago Dom Helvécio.
Muitos lagos do médio Rio Doce, sofrem impactos tanto da substituição de floresta
nativa por monocultura de eucalipto, que leva ao carreamento de fertilizantes,
defensivos agrícolas e grande carga de sedimentos para os lagos, assim como pelo
lançamento direto de esgotos domésticos de clubes de campo e pequenas localidades,
constituindo assim um leque de fontes diretas e difusas de sólidos e esgotos para esses
corpos d’água. Além disso, o aquecimento global e eventos estocásticos como EL Niño
promovem invernos mais quentes, como o registrado em 2002, alterando processos
físicos como a desestratificação da coluna d’água, importantes para a dinâmica de
nutrientes e para toda a biota aquática. O crescente processo de eutrofização e aumento
da turbidez que ocorre nesses lagos podem promover condições ideais para o
desenvolvimento de cianobactérias, entre as quais C. raciborskii, o que constituiria um
grave problema ambiental e de saúde pública para a região.
77
Os resultados obtidos neste estudo confirmam parcialmente a primeira hipótese, de
que “os principais fatores que regulam as populações de C. raciborskii no lago Dom
Helvécio são os relacionados com a estabilidade do sistema e a temperatura da água. A
disponibilidade de nutrientes, notadamente o fósforo solúvel reativo, tem importância
secundária. O regime de luz subaquático não interfere na variação vertical da biomassa.
Uma maior biomassa de C. raciborskii foi registrada no verão, quando ocorre uma
maior estabilidade nesse ambiente”; a influência da disponibilidade de nutrientes não foi
confirmada, já que foram encontradas correlações negativas com nitrato e amônia,
assim como a razão DIN:DIP e a correlação com fósforo solúvel reativo, apesar de
significativa, foi muito fraca.
Os resultados confirmam parcialmente a segunda hipótese, de que “Pode haver uma
relação negativa entre as concentrações de nitrogênio e a biomassa de C. raciborskii no
lago Dom Helvécio e, quando ocorre essa condição, C. raciborskii é favorecida em
relação às demais espécies do fitoplâncton”; apesar das correlações negativas com
nitrogênio, em nenhum momento houve um aumento na biomassa de C. raciborskii em
detrimento das demais espécies; Cyanophyceae contribuiu com 21% da biomassa total,
a terceira maior biomassa e, dentro da classe C. raciborskii contribuiu com apenas 5%
da biomassa.
Finalmente, os resultados obtidos confirmam a terceira hipótese, de que “A predação
pelo zooplâncton não é um fator regulador para C. raciborskii no Lago Dom Helvécio,
assim como demonstrado por diversos autores para outros ambientes”; foram
encontradas correlações fracas com Rotifera em um período em que ocorreram as
maiores biomassas de C. raciborskii, o que não demonstra influência desse grupo de
zooplâncton na biomassa de C. raciborskii.
78
Anexos
Anexo 1. Relação de Classes, gêneros e espécies encontradas no lago Dom Helvécio.
Classes
Gêneros e espécies
Bacillariophyceae
Cyclotella sp.
Cymbella sp.
Gomphonema sp.
Melosira sp.
Navicula sp.
Nitzschia sp.
Urosolenia sp
Rhizosolenia sp.
Synedra sp.
Chrysophyceae
Dinobryon sp.
Synura sp.
Chlorophyceae
Acantosphaera sp.
Ankistrodesmus densus Korsikov
Ankistrodesmus tortus Hind
Ankistrodesmus falcatus (Corda) Ralfs
Asterococcus sp.
Botryococcus braunii Kützing
Chlamydomonas sp.
Chlorella sp.
Chlorococcales N.I. 3
Chlorococcales N.I. 4
Closteriopsis sp. 1
Closteriopsis sp. 2
Coelastrum microporum Nägeli
Coelastrum reticulatum (Dangeard) Senn
Coelastrum sphaericum Nägeli
Crucigenia fenestrata (Schimidle) Schimidle
Crucigenia rectangularis (A. Braun) Gay
Crucigenia tetrapedia (Kirch) West & West
Dictyosphaerium sp.
Elakatothrix sp.
Kirchneriella obesa (W. West) Schmidle
Monoraphidium sp.
Nephrocytium agardhianum Nageli
Oocystys pusilla Hansgirp.
Ourococcus sp.
Scenedesmus opoliensis P. Rich.
Scenedesmus acutus Meyen
Scroederia sp.
Tetraedrön caudatum (Corda) Hansgirg
Tetraedrön gracile (Reinsch) Hansgirg f.
Tetraedron minimum (A. Braun) Hansg.
79
Cryptophyceae
Cryptomonas ovata
Cryptomonas sp.
Rhodomonas sp.
Cyanophyceae
Anabaena sp
Aphanocapsa delicatissima W. et G.S. West
Aphanocapsa incerta (Lemmermann) Cronberg et Komárek
Aphanothece sp
Chroococcales N.I. 3
Chroococcales N.I. 5
Chroococcales N.I. 10
Chroococcales N.I. 12
Chroococcus sp.
Coelomoron pusillum (Van Goor) Komárek
Cylindrospermopsis raciborskii (Woloszynska) Seenayya et Sybba Raju
Geitlerinema cf. unigranulatum (R.N. Singh) Komarék et Azevedo
Limnothrix sp.
Lyngbya hieronymusii Lemmermann
Merismopedia sp.
Microcystis spp.
Oscillatoria limosa (C. Agardh) Gomont
Planktolyngbya limnetica (Lemmermann) Komárková – Legnerová et
Cronberg
Pseudanabaena galeata Böcher
Pseudanabaena limnetica (Lemmermann) Komarék
Radiocystis fernadoii Komárek & Komárková - Legnerová
Rhabdoderma lineare Schmidle et Lauterborn
Sphaerocavum sp.
Sphaerocystis sp.
Spirulina sp.
Dinophyceae
Gymnodium sp. 1
Gymnodium sp. 2
Peridinium inconspicuum Lemmermann
Peridinium pusillum (Penard) Lemmermann
Peridinium sp.
Euglenophyceae
Euglena spp.
Phacus sp.
Trachelomonas volvocina Ehrenberg
Trachelomonas sp.
Zygnemaphyceae
Closterium moniliferum (Bory) Ehrenberg.
Cosmarium asphaerosporum Nordstedt
Cosmarium moniliforme (Turp.) Ralfs
Cosmarium bioculatum Brébisson in Ralfs
Cosmarium contractum Kirchner
Cosmarium regnesi Reinsch
Cosmarium punctulatum Brébisson
80
Total
Euastrum pulchellum Brébisson
Mougeotia spp.
Spondylosium panduriforme (Heirmerl) Teiling f.
Staurastrum chaetoceras (Schroed.) G.M. Smith
Staurastrum forficulatum Lundell
Staurastrum gemelliparum Nordstedt
Staurastrum gracile Ralfs
Staurastrum hirsutum (Ehr.) Bréb.
Staurastrum laeve Ralfs
Staurastrum leptocladum West
Staurastrum manfeldtii Delp.
Staurastrum rotula Nordstedt
Staurastrum smithii Teiling
Staurastrum subcruciatum Cooke & Wills
Staurastrum subunguiferum cf
Staurastrum tetracerum (Kützing) Ralfs
Staurodesmus convergens (Ehr.) Teiling
Staurodesmus crassus (West) Florin
Staurodesmus curvatus cf
Staurodesmus cuspidatus (Brébisson) Teiling
Staurodesmus dejectus (Brébisson ex Ralfs) Teiling
Staurodesmus dickei (Ralfs) Lillieroth
Staurodesmus extensus cf
Staurodesmus incus (Brébisson) Teiling
Staurodesmus jaculiferus (W. West) Teiling
Staurodesmus mucronatus (Ralfs) Croasdale
Staurodesmus o'mearii cf
Staurodesmus pachyrhynchus cf
Staurodesmus spencerianus (Mask.) Teiling
Teilingia sp. 1
Teilingia sp. 2
Xanthidium concinnuum cf
119
81
Anexo 2. Protocolo para preparação do meio ASM-1
Solução Stock A
Composto
NaNO3
MgCl2.¨H2O
MgSO4.7H2O ou anidro
Ca Cl2.2H2O
Quantidade (g) para 200 ml
1,7
0,41
0,49 ou 0,239
0,29
Solução Stock B
Composto
K2HPO4.3H2O ou anidro
Na2HPO4.12H2O ou Na2HPO4.7H2O
Quantidade (g) para 100 ml
1,14 ou 0,87
1,78 ou 1,33
Solução Stock A
Composto
Quantidade (g) para 100 ml
2,48
1,39
1,08
0,335 ou 0,707
0,019
0,0013 ou 0,0014
H3BO3
MnCL2.4H2O
FeCl3.6H2O
ZnCL2.7H2O ou ZnSO4.7H2O
CoCl2.6H2O
CuCl2.2H2O ou CuCl
Solução Stock A
Composto
EDTANa2 (C16H14N2O8Na2)
Quantidade (g) para 100 ml
1,86
Para cada Litro de ASM-1
Adicionar a 1000 ml de água destilada:
• 20,0 ml de solução stock A
• 2,0 ml de solução stock B
• 0,1 ml de solução stock C
• 0,4 ml de solução stock D
Ajustar o pH com NaOH e HCl → pH = 8,0 ± 0,05
Autoclavar.
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