Sebenta do Aluno

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Sebenta do Aluno
Sebenta
do Aluno
COMO PENSAR TUDO ISTO?
Filosofia 11.o Ano
Domingos Faria / Luís Veríssimo / Rolando Almeida
Inclui:
> Como estudar filosofia
> Como escrever um ensaio filosófico
> Resumos da matéria sujeita a avaliação externa
> Provas modelo de exame
Sebenta
do Aluno
COMO PENSAR TUDO ISTO?
Filosofia 11.o Ano
Domingos Faria / Luís Veríssimo / Rolando Almeida
Índice
Como estudar filosofia 2
Como escrever um ensaio filosófico 6
Resumos de matéria sujeita a avaliação externa – 11.º ano
15
Provas modelo de exame
38
Soluções
46
Resumos de 10.º ano em www.filosofia11.sebenta.pt Como estudar filosofia
Os problemas em filosofia
Ouves muitas vezes os teus professores afirmar que os alunos têm de compreender e não decorar a matéria. Aqui está a chave para alcançar
os resultados desejados. A filosofia, como já sabes, trabalha com problemas. Os problemas da
filosofia são problemas a priori e não empíricos,
pelo que o seu tratamento será também a priori.
Significa que em filosofia vamos trabalhar com,
entre outros elementos, argumentos. Os argumentos sustentam as teorias que procuram resolver problemas. A teoria de Kant que estudaste
no 10.º ano procura dar resposta ao problema de
saber o que é que fundamenta uma ação correta.
E a teoria de John Rawls procura resolver o problema de saber o que fundamenta uma distribuição da riqueza justa.
Assim, a primeira coisa a ter em mente quando queremos estudar filosofia é que temos de
conhecer bem os problemas. Quando estudamos
epistemologia, queremos saber o que é que fundamenta o nosso conhecimento do mundo, se é
que alguma coisa o fundamenta verdadeiramente. Este é o problema que estudamos em filosofia
do conhecimento. Depois queremos respostas.
É certo que filosofar é dar as nossas respostas.
Mas não podemos ignorar as respostas dadas pelos filósofos. Não temos de concordar com elas,
mas temos de as conhecer e discutir. Assim, para
estudar o problema da possibilidade do conhecimento abordamos três respostas principais: a do
ceticismo, a do racionalismo e a do empirismo.
Este é o primeiro passo: conhecer o problema e
algumas respostas relevantes ao mesmo.
O próximo passo é o da avaliação crítica dessas teorias. E para o fazer corretamente temos
de começar, desde logo, a filosofar. Filosofar é,
assim, entrar no diálogo crítico e racional com os
filósofos. Para isso, temos de ter sempre presen2
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
te que os problemas da filosofia são difíceis de
resolver. Uma das características dos problemas
filosóficos é que são problemas abertos, isto
é, difíceis de resolver de um modo conclusivo. E
cada resposta em filosofia funciona muitas vezes
como uma aproximação à verdade.
Os argumentos ocupam aqui um lugar especial, já que as melhores teses (respostas aos
problemas) são aquelas que são sustentadas por
argumentos mais estruturados. Para argumentar
com rigor é necessário ter cuidado com os conceitos usados nas proposições. Por essa razão,
um passo essencial consiste na definição dos
conceitos que incluímos nos argumentos. Se
queremos, por exemplo, discutir o problema do
conhecimento em epistemologia, temos, antes
de tudo, de definir o que queremos dizer com o
conceito “conhecimento”.
Assim, para estudar filosofia temos de conhecer:
os conceitos.
os problemas.
as teorias.
os argumentos.
Uma das principais ferramentas usadas pelos
filósofos para avaliar criticamente os argumentos é a lógica, que começas por estudar logo no
início do 11.º ano. Ela aparece no programa em
opção entre a lógica silogística ou a lógica proposicional clássica. Qualquer uma permite-te construir e avaliar argumentos de modo rigoroso, para
que possas tomar partido na discussão racional
dos problemas filosóficos de forma crítica e fundamentada. Mas a avaliação crítica dos argumentos vai além do que a avaliação que a lógica
formal permite. Isto porque usamos muitas vezes
argumentos cuja eficácia persuasiva não depende apenas da sua estrutura ou forma lógica. Para
proceder à avaliação desse tipo de argumentos
também vais estudar alguns aspetos centrais da
lógica informal.
Como responder às questões dos
testes e exames?
Uma das primeiras dificuldades apresentadas pelos estudantes para responder a questões,
tanto em testes, como em exames reside em interpretar o que se pede. Assim, a primeira coisa
a fazer é deter-te algum tempo a ler bem a questão. Em regra, as questões de testes e de exames
apresentam um pedido com um verbo: relaciona,
explica, apresenta, etc. Esta é a primeira palavra
de ordem que tens de seguir. Se o que te é pedido é que relaciones duas teorias, é isso mesmo
que terás de fazer, estabelecer uma relação entre
ambas, apontando pontos onde elas se tocam e
pontos onde elas se distanciam. Por exemplo, se
te é pedido que relaciones as respostas de Descartes e Hume quanto à origem do conhecimento, terás de te centrar nas respostas de cada um
dos filósofos ao problema em discussão.
de exercícios é começar por excluir as hipóteses
que são claramente erradas, para depois analisar
com mais detalhe aquelas que nos parecem mais
plausíveis e decidir de entre elas a que devemos
selecionar.
Nas questões de resposta curta deves procurar ser o mais sintético e objetivo possível.
Tenta perceber exatamente qual é o aspeto
da(s) teoria(s), argumento(s) ou problema(s) que
está(ão) a ser visado(s) e o que se pretende que
faças em relação ao(s) mesmo(s). Por exemplo,
indicar não é o mesmo que explicar. Se a pergunta te pede que indiques e acabas por explicar, é
natural que fiques sem tempo para concluir o
resto do teste.
Nas questões de desenvolvimento, é possível
que te seja solicitado que apresentes a tua posição devidamente fundamentada sobre o problema em discussão. Uma das melhores formas de
responderes adequadamente consiste em atacares a tese oposta àquela que defendes, mostrando as suas insuficiências e objeções possíveis.
Assim, numa resposta de desenvolvimento (em
regra, a última do exame e a que tem maior cotação) deves seguir atentamente estes passos:
Em casos mais complicados, a pergunta faz
dois pedidos ao mesmo tempo, tais como: «Relaciona e explica». Neste caso, além de estabeleceres a relação, terás também de explicar cada
ponto relacionado. Uma boa estratégia consiste
em fazeres uma lista dos principais pontos da
teoria de cada autor e depois então redigires a
tua resposta.
e é proposto um texto, tens de o ler com
S
muita atenção;
A maioria dos testes e exames tem vários grupos com itens diferentes de resposta. Em todos
os itens deves seguir a regra de ler atentamente
o que te é pedido. Nos testes e exames de filosofia
existem questões de escolha múltipla, questões
de resposta curta e questões de exploração ou
resposta desenvolvida. Nas questões de escolha
múltipla deves ter o cuidado de ler atentamente
todas as alternativas disponíveis antes de selecionares aquela que te parece mais adequada.
Uma estratégia possível para resolver este tipo
presentar com clareza a tua posição relatiA
vamente ao problema se te for pedida;
Identificar e formular explicitamente o problema em causa;
ens de identificar a resposta que o autor dá
T
ao problema, que é a tese defendida pelo autor;
presentar argumentos a favor da tua poA
sição;
A
presentar pelo menos uma objeção à posição a que te opões.
Para que a resposta seja completa e bem avaliada, convém ainda usares criatividade e uma
boa capacidade de escrita, para além de revelares um bom domínio dos problemas e das teorias
COMO ESTUDAR FILOSOFIA
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que procuram dar-lhes resposta. Claro está, isso
não se consegue sem esforço. Esse esforço, no
estudo da filosofia, consiste na leitura paciente
Mapas conceptuais
dos textos propostos, bem como das explicações
Uma das estratégias muito usadas em filoso-
do manual. Uma boa estratégia para melhorares
fia é elaborar mapas conceptuais. Os mapas con-
o teu desempenho consiste em praticares este
ceptuais são esquemas nos quais se recorre aos
tipo de resposta em casa antes dos principais
principais conceitos das matérias a estudar. No
momentos de avaliação.
final de cada tema do Como Pensar Tudo Isto?
Fazer algum treino para respostas
de desenvolvimento
Um treino essencial em filosofia consiste em,
após compreenderes minimamente o que os fi-
tens bons exemplos destes mapas. Mas podes fazer os teus próprios mapas. É uma forma de estruturar mentalmente o encadeamento das matérias e de perceber as teorias estudadas como
se fossem peças de um puzzle.
lósofos defendem perante os problemas pro-
Resumos
postos, pensares por ti mesmo que resposta
Os resumos são sempre úteis pois, no momen-
darias aos problemas e escreveres a tua própria
posição. Podes pedir ajuda ao teu professor para
aperfeiçoar essas técnicas. Mas também podes,
de forma autónoma, redigir as tuas próprias respostas aos problemas.
A técnica mais eficaz é teres sempre presente
que no início é fundamental saberes bem qual o
problema em causa e conhecer as teorias dadas
nas aulas que respondem a esse problema. Um
bom treino para fazer isto é colocares o problema a ti mesmo(a). Podes fazê-lo antes mesmo de
iniciares o teu estudo ou podes fazê-lo após o teu
estudo. Se estudares o problema da possibilidade do conhecimento, podes iniciar o teu trabalho
perguntando: “Será o conhecimento possível?” A
resposta a este problema começa com um sim
ou com um não. Neste passo tens de arriscar
uma resposta ao problema e ensaiares como se
vai sair a tua resposta quando confrontada com
as objeções. De seguida estuda atentamente as
teorias e compara as respostas dos filósofos com
a tua própria resposta. Será que ainda pensas da
mesma forma após este exercício? Que razões
tens para continuar a sustentar a tua resposta?
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Outras sugestões de estudo
to antes do teste, podes rever todos os conteúdos
estudados. Para além disso, acabas por treinar a
escrita que é uma das componentes essenciais
quando fazes testes e exames.
Os resumos podem ser feitos por cópia direta ou indireta. Se é cópia direta estás a resumir
copiando partes do que lês e que são essenciais para a compreensão dos problemas e das
teorias. Mas melhor ainda é, após o teu estudo,
fazeres uma pausa e, recorrendo apenas ao que
aprendeste, escreveres no caderno tudo o que
compreendeste, sem qualquer cópia do manual
ou de outro livro.
Preparar o estudo antecipadamente
Em regra, estudar nas vésperas dos testes e
exames não é uma boa estratégia, pois dá-te apenas uma ideia muito fragmentada dos conteúdos
e deixa-te sem tempo para treinares as tuas respostas e pores à prova os teus conhecimentos e
a tua capacidade de estruturar o teu discurso de
modo claro e coerente no tempo previsto para a
realização da prova. A compreensão de teorias
que envolvem complexidade, como as teorias dos
Este exercício de avaliação crítica ajuda-te a
filósofos, exige paciência e calma. Preparar este
melhorar as tuas competências filosóficas e deve
trabalho com antecedência coloca-te em vanta-
ser feito continuamente.
gem para obter boas classificações.
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
Atenção nas aulas
Quando estiveres a ver reportagens na televisão sobre resultados de exames dá especial atenção ao que dizem os estudantes que conseguem
melhores resultados. O livro de Jorge Rio Cardoso, O Método de Ser Bom Aluno, Bora Lá? (editora Guerra e Paz), apresenta vários depoimentos
de alunos que tiveram excelentes resultados no
Ensino Secundário. A característica mais comum
referida pelos bons estudantes é a atenção nas
aulas. Nas aulas de filosofia discutem-se teorias
e argumentos em confronto. As teorias e os argumentos são conjuntos de proposições que se
encadeiam logicamente umas com as outras. Se
perdes parte dessas ideias porque estás distraído
torna-se mais difícil, no final, teres uma boa compreensão das teoria e dos argumentos envolvidos
na discussão. Por outro lado, se estiveres atento nas aulas, o teu estudo em casa irá levar-te
metade do tempo, pois não terás de fazer todo o
esforço de compreender uma teoria partindo do
zero. Assim, em casa apenas consolidas aquilo
que compreendeste na aula.
Usar dicionários e glossários
Em regra, no final dos manuais são incluídos
glossários, tal como acontece no Como Pensar
Tudo Isto? Deves usar os glossários, pois em
muitos casos são essenciais para compreender
melhor a definição dos conceitos usados pelos filósofos. Outro método é recorreres a dicionários
específicos. Se estiveres a estudar física e te deparares com o conceito de “massa” se pensares
no jantar estás a fazer uma confusão elementar.
Para desfazer confusões recorres a um dicionário de física. O mesmo se passa com a filosofia.
Um bom dicionário de filosofia pode ajudar-te
bastante no teu estudo. Existem vários no mercado português, mas há um que foi especialmente
concebido para usares no Ensino Secundário por
estudantes da tua idade, que é o DEF – Dicionário
Escolar de Filosofia (Plátano Editora).
COMO ESTUDAR FILOSOFIA
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Como escrever um ensaio
filosófico
Formular e testar argumentos é importante em qualquer área, mas é especialmente decisivo quando lidamos com grandes questões abstratas, já que não temos outra forma de as
compreender. Uma teoria filosófica é apenas tão boa como os argumentos que a apoiam.
Alguns argumentos são sólidos, alguns não o são, e precisamos de saber como os distinguir.
Seria bom se houvesse uma maneira simples de o fazer. Infelizmente, não há. Os argumentos são muito diversos e podem estar errados de inúmeras formas. Porém, podemos
atender a alguns princípios gerais.
James Rachels, Problemas da Filosofia, Gradiva, 2009, Tradução de Pedro Galvão, p.299
A filosofia vive de problemas e expressa-se
em textos aos quais chamamos ensaios. Chama-se ensaio pois tudo o que os filósofos fazem é
ensaiar soluções para os problemas. Em filosofia, um ensaio não é mais do que uma tentativa
de responder, de um modo fundamentado, a um
problema filosófico.
Sugestões para a redação de um
ensaio filosófico
Um ensaio pode ter apenas uma página ou
duas, mas também pode ter trezentas ou quatrocentas. Não há limite para redigir um ensaio.
Tudo depende do nosso nível de conhecimentos e
grau académico de estudos. Em regra, no ensino
secundário, um ensaio deve ter duas ou três páginas e não mais nem menos. É o espaço suficiente
para discutir um problema filosófico. Em seguida
apresentamos algumas sugestões orientadoras
para redigires um bom ensaio em filosofia.
1. Apresentação do problema
Não há filosofia sem problemas. A filosofia
vive dos problemas. Por exemplo, sabemos que
o aborto de fetos humanos é tecnicamente pos-
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SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
sível. Só não sabemos se é eticamente correto
matar fetos humanos. Em filosofia não queremos saber como é que o aborto é tecnicamente
possível, mas se a prática do aborto é eticamente aceitável ou se temos boas razões para não
o aceitar. Assim, temos um problema. De modo
semelhante, sabemos que o Augusto adora a
música dos Radiohead, mas a Tânia gosta muito mais de jazz e não gosta nada de Radiohead.
Percebemos facilmente que têm gostos diferentes. Vamos agora supor que o Augusto diz que
a música dos Radiohead é arte, mas o jazz não
passa de sons cacofónicos e confusos tocados
um pouco à sorte. E que a Tânia discorda e acha
que a música dos Radiohead não é arte, pois
apesar de emocional, daqui a duzentos anos
ninguém quer saber dela para nada. Mesmo que
respeitemos a diferença de gostos (afinal, cada
um parece ter liberdade ao seu gosto pessoal),
temos o problema de saber se é possível uma
definição da arte e, se é, qual a definição mais
adequada.
Vamos agora imaginar que te foi proposta a
redação de um ensaio filosófico para testares as
teorias sobre a definição da arte. A primeira coisa a fazer é, após teres lido os textos propostos,
apresentares o problema. Sem a apresentação
do problema, nada há para defender. Qualquer
bom ensaio de filosofia deve começar pela apresentação do problema que se vai discutir.
2. Título do ensaio
O título de um ensaio de filosofia deve conter
uma pergunta. Por exemplo, se o ensaio é sobre
o problema ético do aborto, o título poderá ser
qualquer coisa como: será a prática do aborto
eticamente aceitável? Ou seja, o título do ensaio
remete logo para o problema no qual se vai ensaiar uma resposta. Damos-te aqui algumas sugestões de bons títulos de ensaios:
erão as touradas moralmente permissíS
veis? (Filosofia Moral, Ética)
Será que Deus existe? (Filosofia da Religião)
erá o conhecimento possível? (Filosofia do
S
Conhecimento)
erão as teorias científicas empiricamente
S
verificáveis? (Filosofia da Ciência)
ual a forma mais justa de distribuir a riqueQ
za? (Filosofia Política)
3. Mostrar a importância do problema
Logo no início do ensaio deve-se mostrar
qual a importância do problema. Uma das melhores formas de o fazer é mostrar por que razão é um problema a ser tratado pela filosofia.
Um mesmo problema pode ser analisado de diversas maneiras. Por exemplo saber o número
de abortos praticados numa determinada sociedade não é um problema filosófico. Do mesmo
modo não é um problema da filosofia saber se
o aborto pode ou não ser legalizado. Mas é um
problema filosófico procurar dar resposta à moralidade do aborto.
Para mostrar a importância do problema é
necessário saber em primeira mão o que é um
problema filosófico, matéria aprendida logo no
início do 10º ano. Resumidamente um problema
é filosófico se é um problema a priori, isto é, impossibilitado de ser resolvido pela experiência.
Um problema matemático também é a priori.
A diferença é que os problemas matemáticos
podem ser resolvidos com métodos de cálculo
formal e os filosóficos não. Um problema é filosófico se sujeito à argumentação racional e se o
mecanismo de análise passa pela investigação
do seu conteúdo, isto é, dos argumentos. Saber
se fazer grafitis é legal ou não é um problema de
leis e não da filosofia. O conteúdo da filosofia são
os problemas que são analisados pela capacidade lógica e argumentativa. O mesmo é dizer que
são os problemas que são suscetíveis de serem
analisados primariamente pela capacidade de
raciocinar sobre esses mesmos problemas.
4. Apresentar de modo claro a tese que
se quer defender
O que defendemos deve estar isento de confusões. Se defendemos que o aborto devia ser
eticamente permissível, é exatamente isso que
devemos escrever no nosso ensaio. A defesa de
uma tese corresponde à defesa da conclusão de
um argumento. Face a essa conclusão temos de
expor as razões, que são as premissas que conduzem a essa defesa. Muitas das vezes a melhor
forma de tornar o que defendemos mais claro
é apresentar a conclusão logo a abrir o ensaio:
“Neste ensaio vou defender a tese X”. Torna-se
desagradável estar a ler um texto sem compreender muito bem o que se está propriamente
a defender nesse texto. De modo que o melhor
modo de o evitar é ir direto ao assunto.
5. Apresentar argumentos a favor da tese
Um argumento é uma cadeia de raciocínios
para apresentar a tua tese. Quanto mais clara for
essa apresentação, melhor avaliação terá o teu
trabalho. Para defenderes a tua tese, podes apresentar um ou mais argumentos.
Como verás ao longo do ano letivo, acontece muitas vezes que argumentos que nos parecem sólidos não o são e incorrem em falácias. O
problema é que um argumento pode apresentar
uma conclusão verdadeira e, ainda assim, não
ser sólido.
COMO ESCREVER UM ENSAIO FILOSÓFICO
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Por exemplo:
(1) T
odos os indivíduos que nasceram
em Portugal são Presidentes.
(2) Cavaco Silva nasceu em Portugal.
(3) Logo, Cavaco Silva é Presidente.
da fundamentação da moral, a deontologia de
Kant e o consequencialismo de Stuart Mill. Cada
um destes autores procurou ou mostrar que há
juízos morais que têm valor de verdade, tal qual
um juízo de facto, isto é, que há respostas objetivistas para a moralidade. Mas estudaste tam-
A conclusão é verdadeira, mas ainda assim o argumento não é sólido, pois tem a primeira premissa
falsa. Isto significa que nunca devemos avaliar um
argumento em função de a conclusão ser verdadeira. Devemos estar atentos a este aspeto pois muitas vezes aceitamos maus argumentos somente
porque a conclusão está de acordo com aquilo que
aceitamos ser verdadeiro. Tudo o que há a fazer
quando descobrimos que um argumento não é sólido é reformular esse mesmo argumento.
bém que cada uma destas teses não está isenta
Neste ponto pode ser útil rever o capítulo das
falácias formais e informais.
elaborar a nossa própria tese, mostrando as in-
do contraditório, isto é, de objeções fortes. Isso
não significa que não sejam boas respostas. São
de tal modo boas que têm atravessado todo este
tempo (séculos) e ainda são muito estudadas,
incluindo no ensino português da filosofia. Ao
estudá-las podemos ter inclinação para defender
uma ou outra, ou até para considerar que as duas
respondem bem ao problema. Tudo o que temos
a fazer é conhecer cada uma delas e conseguir
suficiências da tese oposta à nossa. Responder
às objeções corresponde também à nossa curio-
6. Responder às possíveis objeções
Nenhum problema, filosófico ou não, é pacífico na sua análise. Os problemas da filosofia
são muito menos pacíficos. São problemas que
exigem disputa intensa e sistemática. Quando
nos colocamos perante um problema filosófico,
temos de tomar conhecimento das principais
teses em confronto. No 10º ano estudaste duas
teses que procuravam dar resposta ao problema
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SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
sidade de descoberta e capacidade de investigação. No teu ensaio não podes passar ao lado das
objeções que podem ser feitas ao que defendes.
Tal atitude seria pressupor a tua infalibilidade e
tornaria o teu ensaio muito mais fraco. Para conheceres bem as teses e objeções dos filósofos
tens de te apoiar nas aulas, mas também na ajuda e orientação do teu professor ou nas bibliografias indicadas no teu manual.
Dois exemplos de ensaios argumentativos de alunos do secundário
Estes dois exemplos não incluem bibliografia, já que ambos foram realizados com a bibliografia
dada pelo professor, pelo que se dispensou o registo da bibliografia no final.
Será que
a arte pode ser
definida?
Esta é provavelmente a questão fundamental da filosofia da arte, esta é uma
das questões que invade a mente de jovens e adultos curiosos e atentos,
apreciadores de todo o tipo de arte como o teatro, o cinema, a música, a
escultura, a pintura, e muitas outras. Com esta questão pretendemos analisar se existe uma definição de arte capaz de conter todas as variedades
de obras de arte, como acreditam alguns filósofos que exista. No entanto
existem outros filósofos que consideram um erro encontrar uma definição
que cubra tamanha variedade de obras de arte, mas neste ensaio a tese que
vou defender demonstra que é possível encontrar uma definição de arte
plausível e capaz de conter todas as obras de arte.
Teoria Idealista da Arte
Uma das respostas a este problema é a Teoria Idealista da Arte. Esta teoria foi formulada por
R.G. Collingwood na obra Principles of Art, e é muito diferente das outras pois sustenta que
a verdadeira obra de arte é uma ideia ou emoção na mente do artista, contrariando outras
teorias que afirmam que a verdadeira obra de arte é física.
Nesta teoria a ideia ou emoção do artista é expressa fisicamente devido ao envolvimento do
artista com um meio artístico específico, no entanto a obra de arte permanece na mente do
artista. Esta teoria também distingue arte do artefacto. As obras de arte são realizadas em
virtude da interação do artista com um meio específico como as pautas, palavras ou tintas.
Enquanto um artefacto é criado com um propósito premeditado, e o artesão planeia na totalidade a construção do mesmo.
Assim um quadro de Dalí não foi totalmente planeado e não tem nenhum propósito específico enquanto uma cadeira tem uma função própria e foi construída de forma a ser capaz de
executar a sua função e a sua elaboração foi alvo de um planeamento. Sendo assim um quadro
de Dalí é uma obra de arte enquanto a cadeira é apenas um artefacto. No entanto, as obras
de arte são em parte artefactos pois segundo Collingwood, isto acontece pois arte e artefacto
não são mutuamente exclusivas, e por isso nenhuma obra de arte é exclusivamente um meio
para um fim.
Esta teoria contrasta a arte recreativa (aquela cujo único objetivo é divertir as pessoas ou provocar algum sentimento ou emoção) e as obras de arte genuínas. Sendo a arte genuína um fim
em si mesma, não tem nenhum propósito enquanto que a arte recreativa tem o propósito de
divertir as pessoas e por isso é artefacto, o mesmo se passa com a arte religiosa, feita também
com um propósito premeditado é também artefacto.
COMO ESCREVER UM ENSAIO FILOSÓFICO
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Desta distinção da arte e artefacto conseguimos obter uma tentativa de definir arte, descrita
por este argumento:
1. É arte tudo o que seja criado em resultado do envolvimento do artista com um meio
específico, e não tenha um propósito específico, assim como não tenha sido previamente planeado na sua totalidade.
2. A Mona Lisa de Leonardo Da Vinci foi criada em resultado do envolvimento de
Leonardo Da Vinci com as tintas, e que se saiba não tinha um propósito específico
e não tinha sido previamente planeada na sua totalidade.
3. Logo, a Mona Lisa é uma obra de arte.
Como as outras teorias, a Teoria Idealista da Arte apresenta algumas objeções. Vou então
analisá-las.
Objeções à Teoria Idealista da Arte
( 1) Uma das objeções feitas a esta teoria leva-nos a crer que a Teoria Idealista talvez não
classifique muitas obras de arte como arte mas sim artefacto. Há poucos séculos atrás
não havia fotografias e a única forma que as pessoas desse tempo tinham para retratarem
momentos ou mesmo pessoas seria através de pinturas. Assim essas pinturas deixariam de
ser arte pois tinham sido elaboradas com um propósito específico e de, acordo com esta
teoria, caso houvesse uma função ou um propósito destinado a essa pintura, ela passaria a
ser artefacto. Esta crítica alarga-se também à arquitetura, uma das Belas Artes, e mostra-nos que a maior parte dos edifícios foram criados com um propósito específico, e caso
esse propósito se verifique esta teoria não os considera obras de arte. Esta teoria é então
excessivamente restritiva, segundo esta objeção.
(2) A Teoria Idealista considera as obras de arte como ideias que residem na mente e
não objetos físicos, portanto quando vamos ao Museu de Arte Contemporânea, por
exemplo, tudo o que observamos não são as verdadeiras criações do artistas mas sim vestígios das mesmas. É devido à residência da verdadeira obra de arte na mente do artista
que esta objeção surge e é talvez a principal objeção a esta teoria, essa objeção baseia-se
na estranheza provocada devido à não existência material da obra de arte.
Tentativas de defesa perante estas objeções
No entanto um defensor da Teoria Idealista pode ainda tentar-se defender, analisemos uma
possível defesa da objeção 1:
Muitos dos edifícios existentes atualmente foram projetados segundo um propósito específico como o caso do prédio onde habito, que foi projetado de maneira a conter 12 apartamentos, uma garagem, uma sala de convívio e um terraço. O meu prédio é um prédio com um
design relativamente comum, no entanto outros edifícios como o Museu Guggenheim de
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SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
Nova Iorque são dotados de um design original. Antes de analisarmos o Museu Guggenheim,
vamos ter em conta que um edifício é um artefacto, pois têm um propósito específico, mas o
seu design e estilo não, visto que se um edifício é verde por fora, tem umas janelas enormes,
possui um terraço circular, é indiferente para a função do mesmo. O Museu Guggenheim foi
arquitetado por Frank Lloyd Wright, este arquiteto foi capaz de projetar um edifício composto por um design incrível digamos que no auge da originalidade.
Este arquiteto podia ter elaborado um edifício parecido como o meu mas em maior dimensão, no entanto mostrou o seu talento no design do edifício. Este homem teria que projetar um
edifício que contivesse determinadas salas, no entanto a maneira de distribuí-las e embelezar
o próprio edifício não tinha nenhum propósito específico e resultou do seu envolvimento
com “os lápis” tendo em conta os seus conhecimentos de arquitetura. Logo, o design do Museu Guggenheim é uma obra de arte assim como o design da Ponte Dom Luís no Porto, visto
que ambas estas obras arquitetónicas tinham um propósito específico mas o seu design não.
Segundo esta teoria a arquitetura continua a tornar-se uma das Belas Artes.
Sabendo que antes da existência de fotografias alguns momentos ou pessoas eram retratados
através de pinturas, a Teoria Idealista considera essas pinturas artefacto. No entanto os tons
usados pelo pintor, o rigor ou falta dele, e o próprio estilo do desenho, podem não ter sido planeados, e o propósito específico de alguns retratos simplesmente não existe. O artista podia,
assim, ter-se inspirado numa pessoa ou num momento e desenhá-lo à sua maneira. O retrato
resultaria do envolvimento do artista com as tintas ou lápis, baseado em algo, e este tipo de
retrato é uma obra de arte. Tendo em conta isto provavelmente existem muitos mais retratos
deste género do que os com um propósito específico.
Para terminar vamos analisar agora uma possível defesa da objeção 2, que de certo modo
pode ser facilmente objetada:
Sendo uma obra de arte algo não físico e que permanece na mente do autor, torna-se impossível ver essa obra, e tudo o que se encontra exposto em galeria são apenas vestígios de obras
de arte. Isto parece inconcebível para a maior parte da população, no entanto se analisarmos
este problema chegaremos à conclusão de que tem toda a lógica a verdadeira obra de arte permanecer na mente do seu criador. Uma obra de arte é muito mais complexa do que aparenta
ser, a intenção do artista, a escolha de cores por parte do artista tornam-se parte da obra e o
único sítio onde uma obra de arte é constituída por todas as informações importantes para a
mesma, é na mente do artista. Logo, faz todo o sentido que o que observamos numa galeria
sejam apenas vestígios pois não possui todas as informações para a compreensão da respetiva
obra de arte.
Diogo Alexandre Anastácio de Sousa 10º 32, Escola Jaime Moniz, Funchal, 2013
COMO ESCREVER UM ENSAIO FILOSÓFICO
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Problema: Moralidade da Prática do aborto
Posição: Neste ensaio vou defender a minha posição sobre a moralidade
da prática do aborto. Abortar é um dos muitos verbos que dividem o
nosso mundo. Assim, esta questão envolve uma especial preocupação e
atenciosos debates, em volta da mesma, que de alguma forma irão ajudar-nos a decidir a nossa posição sobre determinado assunto.
Neste debate filosófico não se coloca a questão se o aborto deve ser
legalizado ou não, mas sim se este é moralmente correto ou incorreto. Eu
defendo a imoralidade do aborto, contudo concordo com o facto de que,
em certas circunstâncias este possa ser moralmente admissível, como em
casos em que a continuação da gravidez põe em risco a vida da mulher, em que a gravidez
resultou de um ato de violação ou quando o feto sofre de deficiências ou doenças que afetam muito negativamente a sua futura qualidade de vida.
Será o aborto
moralmente
permissível ?
Defesa do tema: Abortar consiste em matar o feto, impedir que este nasça. Sendo que consideramos moralmente errado e mesmo repugnante matar uma pessoa adulta, porque haveremos de considerar correto matar o embrião ou feto? Isto relaciona-se com a questão da
humanidade do feto e com o seu direito à vida.
Hoje em dia, somos introduzidos aos métodos contracetivos bastante cedo. Existe uma grande preocupação nos países desenvolvidos em informar os jovens acerca de como prevenir uma
gravidez indesejada. Com tanta informação e acesso grátis a métodos contracetivos eficazes,
como podemos afirmar que não temos responsabilidade pelo que aconteceu? Não podemos
matar um ser humano simplesmente porque não tivemos cuidado e fomos irresponsáveis e
como tal, devemos aceitar as consequências. Além disso, a vida da gestante não tem maior
valor do que vida do feto. E, se a mãe não desejar ter o bebé, pode simplesmente encaminhar
a criança para adoção e quem sabe, fazer outra família feliz.
Todos os defensores da imoralidade do aborto defendem os argumentos pró-vida padrão.
Um desses argumentos pode ser apresentado da seguinte maneira:
Todos os seres humanos têm o mesmo direito à vida.
Os fetos são seres humanos.
Matar deliberadamente quem tem o direito à vida é errado.
O aborto consiste em matar fetos deliberadamente.
Logo, o aborto é errado.
Obviamente, o termo “fetos” refere aqui apenas os fetos humanos desde a conceção até ao
nascimento. Apesar da plausibilidade do argumento, este enfrenta uma crítica importante,
como Peter Singer fez notar, “ser humano” é um termo ambíguo que tem pelo menos dois
sentidos profundamente diferentes.
12
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
Porém, para evitar ambiguidades, viemos a ter um outro argumento que apoia os defensores
dos argumentos pró-vida padrão.
Se um indivíduo tem um futuro com valor, então possui o direito à vida.
O feto tem um futuro com valor.
O aborto provoca a morte do feto.
Logo, o aborto é moralmente errado.
Segundo este argumento de Don Marquis, mais conhecido como argumento futurista, um
ser humano tem direito à vida porque valoriza o futuro que poderá ter. Matar um homem
adulto é moralmente errado porque o priva das experiências, das sensações, dos potenciais
sucessos do seu futuro, os quais ele viria a valorizar. Logicamente, o feto poderá também, assim como um ser humano adulto, ter um futuro que, embora não valorize no momento, virá
muito provavelmente a valorizar mais tarde e matá-lo será privá-lo desse futuro sendo que,
nestes termos, é tão mau matar um feto como um indivíduo adulto.
Objeções e resposta às objeções
Em resposta ao argumento pró-vida básico existem diversas objeções formadas pelos defensores da posição pró-escolha.
Michael Tooley e Mary Anne Warren são defensores desta posição que acredita que o feto
não tem o direito moral à vida. Tooley diz que o feto não satisfaz uma condição necessária
para a posse do direito à vida: a consciência de si. Este sugere que ter direito a continuar a
existir é estar sujeito a experiências e a outros estados mentais. Já Warren defende que os fetos
humanos não têm direito à vida porque estão fora da comunidade moral e estão fora porque
não respeitam certos critérios de personalidade que os faz deixar de ser pessoas. Warren diz
que atribuir o direito à vida iria interferir nos direitos das mulheres. Porém, os seus argumentos não são cogentes porque mesmo que afirmemos que estas são características necessárias
para sermos “pessoas”, o facto de excluirmos o feto desta categoria implicaria a exclusão dos
recém-nascidos, pois estes também não são capazes de qualquer tipo de pensamento racional
e não têm, em grande parte, consciência da sua vida e do facto de que podem vir a ter um
futuro. Seguindo este raciocínio, para admitirmos o aborto como moralmente correto, temos
de fazer o mesmo com o infanticídio. Mesmo que admitamos que um feto não tenha consciência do que o rodeia nem pensamento racional, temos de admitir o mesmo em relação aos
bebés recém-nascidos, assim como em relação aos portadores de certas deficiências mentais,
o que me leva a concluir que o aborto é moralmente errado.
Outra objeção é uma teoria de Judith Thomson que defende a posição que o aborto é permissível mesmo que o feto tenha direito moral à vida. Um dos argumentos a favor da moralidade
do aborto é o “argumento do violinista”. Este consiste numa experiência mental que nos
pede para imaginar uma situação em que somos raptados por uma sociedade de apreciadores
COMO ESCREVER UM ENSAIO FILOSÓFICO
13
de música que liga o nosso sistema circulatório ao de um violinista famoso, que tinha uma
doença renal fatal e cujo tipo de sangue era apenas compatível com o nosso. Teríamos então
de tomar a decisão de ficar ligados ao violinista durante 9 meses, após os quais ele ficaria
curado, ou de nos desligarmos dele, matando-o. Dizem então, que não tínhamos a obrigação
de sustentar a vida através do nosso corpo. Os defensores dos argumentos pró-escolha esclarecem que, tal como o músico, o feto é um ser humano inocente cujo direito à vida está fora
de questão. Porém, há uma grande inconsistência na comparação deste argumento com uma
gravidez, pois desde muito cedo se cria um vínculo mãe-feto. Este não é apenas biológico,
como descrito na experiência mental do violinista mas também emocional. Um feto que foi
concebido no corpo de alguém não é, para essa pessoa, um completo estranho. Além disso,
o que talvez seja mais importante, como anteriormente tinha referido, é que uma gravidez
não é algo totalmente involuntário. O que me leva, mais uma vez, a concluir que o aborto é
moralmente errado.
Sofia Matias, 10º 32, Escola Jaime Moniz, Funchal, 2013
SUGESTÕES
Livros
Internet
• James Pryor, “Como se escreve um
ensaio de filosofia”, in:
• Anthony Weston
http://criticanarede.com/
A Arte de Argumentar, Gradiva, 1996
fil_escreverumensaio.html
• James Rachels
• Artur Polónio, “Como escrever um
Problemas da Filosofia, «Apêndice,
ensaio filosófico”, in:
Como avaliar argumentos?», Gradiva, http://filosofiaes.blogspot.
2009
pt/2012/04/ensaio-argumentativo.
html
• “Escrever ensaios – orientações”,
Rolando Almeida, in:
http://filosofiaes.blogspotpt/2012/04/
escrever-ensaios-orientacoes.html
14
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
Resumos de matéria sujeita a avaliação externa - 11 º. ano
Resumos de 10 º. ano em www.filosofia11.sebenta.pt
III – R
acionalidade argumentativa e Filosofia
da lógica silogística
1. Argumentação e lógica formal
1.1 Distinção entre validade e
verdade
Através dos argumentos os filósofos apresentam razões a favor das suas ideias ou teorias.
Mas o que é um argumento? Pode-se caracterizar razoavelmente um argumento dizendo que
consiste num conjunto de proposições em que se
procura defender uma delas – a conclusão – com
a base nas outras – as premissas.
Para se discutir mais facilmente as teorias
e argumentos da filosofia é conveniente fazer a
reconstituição dos argumentos que surgem naturalmente ao longo de um texto, tornando-os
mais claros e formulando-os na sua representação canónica (ou seja, explicitando quais são as
premissas e qual é a conclusão).
Um dos trabalhos principais da lógica é examinar se um argumento é válido ou inválido. Num
argumento dedutivo válido, necessariamente, se
as premissas forem verdadeiras, a conclusão
também será verdadeira. Num argumento indutivamente válido, provavelmente, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão também será
verdadeira.
Um bom argumento, além de ser válido, é
também sólido e cogente. Um argumento é sólido se, além de ser válido, tem de facto as premissas verdadeiras. Um argumento é cogente se,
além de ser válido e sólido, tem premissas mais
plausíveis ou mais aceitáveis do que a conclusão.
Quanto à distinção entre verdade e validade,
é importante observar que a validade é uma propriedade dos argumentos, ao passo que a verda-
de é uma propriedade das proposições. Assim,
dizemos que os argumentos são válidos ou inválidos, mas não verdadeiros ou falsos. Ao passo
que dizemos que as proposições são verdadeiras
ou falsas, mas não válidas ou inválidas.
1.2 Lógica Silogística
Aristotélica
– opção A
Para analisar a validade de argumentos compostos com proposições universais e particulares
podemos recorrer à lógica silogística criada por
Aristóteles. A lógica aristotélica lida com quatro
formas proposicionais categóricas, constituídas
por termos gerais, nomeadamente:
U
niversais afirmativas – tipo A –
“Todo o S é P”.
U
niversais negativas – tipo E –
“Nenhum S é P”.
P
articulares afirmativas – tipo I –
“Algum S é P”.
P
articulares negativas – tipo O –
“Algum S não é P”.
Pode caracterizar-se um silogismo como uma
forma de argumentativa dedutiva que é constituída por duas premissas e uma conclusão,
com proposições somente do tipo A, E, I ou O, e
com apenas três termos, nomeadamente: termo maior, termo menor e termo médio. O termo
maior é o termo com maior extensão.
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
15
Além disso, é o predicado da conclusão e repete-se só numa das premissas. O termo menor
é o termo com menor extensão. Além disso, é o
sujeito da conclusão e repete-se só na outra premissa. E o termo médio é o termo de extensão
intermédia e surge em cada premissa, mas não
na conclusão.
Os silogismos podem ser classificados quanto ao modo e à figura. Por um lado, o modo do
silogismo indica a forma proposicional ou tipo
a que pertence cada premissa e conclusão. Por
outro lado, a figura do silogismo é determinada
pela posição relativa do termo médio (sujeito ou
predicado) em cada uma das premissas.
Existem quatro combinações possíveis de posições dos termos de um silogismo. São essas
combinações que permitem indicar a figura do
silogismo.
PARTICULAR
UNIVERSAL
AFIRMATIVA
Tipo A
Todo S é P
Tipo I
Algum S é P
Tipo E
Nenhum S é P
Tipo O
Algum S não é P
Há um conjunto de regras que permitem determinar se um determinado silogismo é válido
ou inválido. Um silogismo é válido se satisfaz todas as seguintes regras:
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
Caso um silogismo não satisfaça uma dessas
regras, comete-se uma falácia formal. Nomeadamente, caso não se respeite a regra (1), comete-se a falácia do termo médio não distribuído.
Se a regra infringida é a (2), então comete-se
uma falácia da ilícita maior (caso ocorra com
o termo maior), ou uma falácia da ilícita menor
(caso ocorra com o termo menor). Existe ainda
a falácia dos quatro termos quando o argumento que se está a analisar não é um silogismo em
sentido estrito tendo mais de três termos.
NEGATIVA
Um dos aspetos fundamentais para analisar
a validade dos silogismos é saber a distribuição
dos termos. Um termo está distribuído quando se
refere a todos os membros de uma classe. Para
se saber se um termo está distribuído pode-se
seguir estes dois princípios: (i) o termo sujeito
apenas está distribuído nas universais; (ii) o termo predicado apenas está distribuído nas negativas.
16
(1) O termo médio tem de ser distribuído
em pelo menos uma premissa.
(2) Cada termo distribuído na conclusão
tem de ser distribuído nas premissas.
(3) Se a conclusão é negativa, exatamente
uma premissa tem de ser negativa.
(4) Se a conclusão é afirmativa, ambas as
premissas têm de ser afirmativas.
1.2 Lógica Proposicional
Clássica
– opção B
Na lógica proposicional ignora-se o conteúdo
específico e atende-se às operações lógicas existentes. Cada proposição elementar ou simples
que constitui um argumento é representada pelas letras P, Q, R, e assim sucessivamente, a que
se chamam variáveis proposicionais.
Além dessas variáveis proposicionais, nesta lógica existem também conectivas proposicionais que são expressões que se adicionam a
proposições de modo a formarem-se novas proposições. Essas conectivas têm um âmbito que
consiste na parte da fórmula sobre a qual elas
operam. A conectiva principal ou com maior âmbito é a que se aplica a toda a proposição.
As conectivas proposicionais são verofuncionais quando o valor de verdade da proposição
mais complexa é determinado apenas pelos
valores de verdade das proposições que a compõem. Assim, as conectivas proposicionais verofuncionais usadas na lógica proposicional são:
egação (Linguagem natural: “não”. Símbolo
N
lógico: “¬”)
onjunção (Linguagem natural: “e”. Símbolo
C
lógico: “‹”)
isjunção inclusiva (Linguagem natural:
D
“ou”. Símbolo lógico: “›”)
isjunção exclusiva (Linguagem natural:
D
“ou... ou”. Símbolo lógico: “›”)
ondicional (Linguagem natural: “se... então”.
C
Símbolo lógico: “→”)
icondicional (Linguagem natural: “se, e só
B
se”. Símbolo lógico: “↔”)
Cada uma destas conectivas proposicionais
verofuncionais tem funções de verdade, nomeadamente: a negação inverte o valor de verdade
de uma proposição. A conjunção só é verdadeira
se as proposições elementares que a compõem
forem ambas verdadeiras. A disjunção inclusiva
só é falsa se as proposições elementares que a
compõem forem ambas falsas. A disjunção exclusiva só é verdadeira quando uma proposição
elementar é verdadeira e a outra falsa e vice-versa. A condicional só é falsa se a antecedente
for verdadeira e a consequente for falsa. E a bicondicional só é verdadeira se os seus dois lados
tiverem o mesmo valor de verdade.
A tabela de verdade é um diagrama lógico,
com as condições de verdade, que permitem
avaliar formas proposicionais compostas ou
complexas. As formas proposicionais podem ser
classificadas como tautologias, contradições ou
contingências. As tautologias são fórmulas proposicionais verdadeiras em todas as possíveis
circunstâncias. As contradições são fórmulas
proposicionais falsas em todas as possíveis circunstâncias. E as contingências são fórmulas
proposicionais verdadeiras nalgumas circunstâncias e falsas noutras circunstâncias.
TABELAS DE VERDADE
Negação
Conjunção
P
¬P
P
Q
P‹Q
V
F
F
V
V
V
F
F
V
F
V
F
V
F
F
F
Disjunção Exclus.
Disjunção
P
Q
P›Q
P
Q
P› Q
V
V
F
F
V
F
V
F
V
V
V
F
V
V
F
F
V
F
V
F
F
V
V
F
Condicional
Bicondicional
P
Q
P→ Q
P
Q
P↔ Q
V
V
F
F
V
F
V
F
V
F
V
V
V
V
F
F
V
F
V
F
V
F
F
V
O inspetor de circunstâncias serve para avaliar a validade dos argumentos e consiste num
dispositivo gráfico com uma sequência de tabelas de verdade que mostra o valor de verdade de
cada premissa e da conclusão em todas as circunstâncias possíveis. Se existir pelo menos uma
circunstância em que todas as premissas são
verdadeiras e a conclusão é falsa, então o argumento é inválido. No seguinte exemplo podemos
constatar um argumento inválido recorrendo a
um inspetor de circunstâncias:
INSPETOR DE CIRCUNSTÂNCIAS
P
Q
P →Q
Q
∴P
V
V
F
F
V
F
V
F
V
F
V
V
V
F
V
F
V
V
F
F
Atendendo às suas funções de verdade, temos as seguintes tabelas de verdade para as conectivas proposicionais:
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
17
2. Argumentação e retórica
2.1 O domínio do discurso
argumentativo – a procura de
adesão do auditório
Distinção entre demonstração e
argumentação
Por lógica formal entende-se o estudo dos
aspetos da estrutura dos argumentos relevantes
para a sua validade. Por sua vez, a lógica informal ocupa-se do estudo dos aspetos informais
da argumentação relevantes para a sua força
persuasiva.
Para compreender os fatores de que depende
a força persuasiva de um argumento devemos
atender à distinção entre demonstração e argumentação. A demonstração estabelece de forma definitiva a verdade de uma proposição, derivando-a dedutivamente de outras proposições
indisputáveis. Ao passo que, a argumentação
tem por objetivo a adesão a uma determinada
proposição, partindo de premissas disputáveis e
com diferentes graus de aceitação. Assim, para
que um argumento seja persuasivo não basta
que se trate de uma demonstração, pois a maioria das vezes não dispomos de premissas indisputáveis a partir das quais podemos deduzir a
verdade da nossa conclusão.
relação necessária ao auditório no
A
discurso argumentativo
Um bom argumento (ou um argumento persuasivo) é válido (ou seja, é impossível que as
suas premissas sejam verdadeiras e a conclusão
falsa), sólido (ou seja, para além de ser válido
tem premissas verdadeiras) e cogente (ou seja,
para além de ser sólido tem premissas mais credíveis do que a conclusão).
Aristóteles e a retórica
Para além da cogência dos seus argumentos
existem outros aspetos que um orador (ou argu-
18
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
mentador) pode explorar para reforçar a credibilidade da sua mensagem e dos seus argumentos. Aristóteles considerava o ethos, o pathos e
o logos três aspetos fundamentais do discurso
argumentativo que podem ser explorados como
técnicas de persuasão. Vejamos, em seguida, em
que consiste cada um deles:
O ethos respeita ao caráter do orador, isto é,
à sua honestidade intelectual, à capacidade
de dialogar e à sua credibilidade científica.
O pathos define-se como a adequação que o
orador faz do discurso ao auditório, estabelecendo com ele uma empatia, um acordo e
uma afinidade e apelando às suas emoções.
O logos diz respeito à estrutura lógica dos
argumentos, isto é, se estão ou não bem
construídos do ponto de vista lógico.
2.2 O discurso argumentativo –
principais tipos de argumentos e de falácias informais
Argumentos não dedutivos
Existem argumentos dedutivos e não dedutivos. A validade de um argumento dedutivo depende exclusivamente da sua forma lógica. Num
argumento dedutivamente válido, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão não poderá
ser falsa. Contudo, o poder persuasivo dos argumentos não-dedutivos não é detetável através
da sua forma lógica. Num bom argumento não-dedutivo, a verdade das premissas torna apenas provável a verdade da conclusão.
De entre os argumentos não-dedutivos, destacam-se os argumentos indutivos (generalizações e previsões), os argumentos por analogia
e os argumentos de autoridade.
Num argumento indutivo por generalização,
extraímos uma conclusão geral (que inclui casos
de que não tivemos experiência), a partir de um
conjunto de premissas referentes a alguns casos
de que já tivemos experiência. Por exemplo:
levantes entre os dois elementos da comparação
(1) Cada um dos portugueses que responderam ao meu inquérito gosta de chocolate.
Num argumento de autoridade recorre-se à
opinião de um perito ou de um especialista para
(2) Logo, todos os portugueses gostam de
chocolate.
sição. Por exemplo:
Num argumento indutivo por previsão, baseamo-nos num conjunto de premissas referentes a
alguns acontecimentos observados no passado
para inferir uma conclusão acerca de um acontecimento futuro. Por exemplo:
(1) Sempre que bebi leite com chocolate senti-me melhor.
(2) Logo, da próxima vez que beber leite com
chocolate vou sentir-me melhor.
Um bom argumento indutivo deve basear-se
numa amostra representativa e não deve ocultar
contraexemplos.
Num argumento por analogia partimos da
observação de um conjunto de semelhanças relevantes entre dois elementos para atribuir a um
deles uma característica apenas observada no
outro. Por exemplo:
(1) Tal como os automóveis, também os nossos corpos são compostos por mecanismos complexos e por várias partes com
propósitos e funções diferentes.
(2) Quando um automóvel tem uma avaria
nem sempre nos apercebemos de imediato
da sua existência e, por isso, devemos fazer
diagnósticos de rotina à nossa viatura.
(3) Logo, quando o nosso corpo tem algum
problema de saúde nem sempre nos apercebemos de imediato da sua existência e,
por isso, também devemos fazer diagnósticos de rotina ao nosso corpo.
Num mau argumento por analogia, as semelhanças observadas não são relevantes para a característica em causa e/ou existem diferenças re-
que não estão a ser devidamente tidas em conta.
reforçar a aceitação de uma determinada propo-
(1) Albert Einstein é um físico de renome e ele
defende a existência de átomos.
(2) L
ogo, os átomos existem.
Um bom argumento de autoridade identifica
claramente as suas fontes, cita autoridades que,
para além de serem reconhecidamente especialistas no assunto em questão, são igualmente
imparciais e isentas e cuja opinião não é disputada por outros peritos igualmente qualificados.
Falácias informais
As falácias formais são formas argumentativas enganosas, que fazem um argumento parecer válido quando na realidade não é. Contudo,
para além das falácias formais existem falácias
informais. Este tipo de falácia não decorre de
falhas na forma ou estrutura lógica dos argumentos, ao invés, o seu caráter enganador deve-se ao seu conteúdo. Em seguida iremos analisar
algumas das principais falácias informais mais
recorrentes.
Comete-se a falácia da petição de princípio
quando se pressupõe nas premissas aquilo que
se quer ver provado na conclusão. Por exemplo:
(1) Não devemos avaliar as ações exclusivamente em função das suas consequências.
(2) Logo, o consequencialismo é falso.
Incorre-se numa falácia do falso dilema sempre que numa das premissas se consideram apenas duas possibilidades ou alternativas, quando,
na realidade, existem outras possibilidades que
não estão a ser devidamente consideradas.
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
19
Por exemplo:
(1) Existem diferentes versões do utilitarismo,
mas ou aceitas que todas elas são verdadeiras ou não aceitas nenhuma.
(2) Ora, o utilitarismo dos atos é claramente
implausível.
(3) Logo, devemos rejeitar toda e qualquer versão de utilitarismo
A falácia do apelo à ignorância consiste em
tentar provar que uma proposição é verdadeira
porque ainda não se provou que é falsa, ou que é
falsa porque ainda não se provou que é verdadeira.
(1) Até hoje ninguém conseguiu provar que
temos livre-arbítrio.
(2) Logo, não temos livre-arbítrio.
Numa falácia do ataque à pessoa (ad hominem), procura-se descredibilizar uma determinada proposição ou argumento atacando a credibilidade do seu autor. Por exemplo:
(1) O Diretor Financeiro fez uma avaliação positiva da fusão da empresa com um grupo
da concorrência.
(2) Mas o Diretor Financeiro anda a trair a esposa.
(3) Logo, a fusão da empresa não deve ser benéfica.
A falácia da derrapagem (bola de neve) consiste em tentar mostrar que uma determinada
proposição é inaceitável porque a sua aceitação
conduziria a uma cadeia de implicações com um
desfecho inaceitável, quando, na realidade, ou
um dos elos dessa cadeia de implicações é falso,
ou a cadeia no seu todo é altamente improvável.
(1) Se permitirmos o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não tarda estaremos
a permitir a poligamia, o incesto e até a pedofilia.
(2) Mas isso é claramente impermissível.
(3) Logo, não devemos permitir o casamento
entre pessoas do mesmo sexo.
Através da falácia do espantalho (boneco de
palha) pretende-se mostrar que se refutou um
determinado argumento (ou teoria) através da
refutação de uma versão distorcida e enfraquecida do(a) mesmo(a).
(1) Os defensores dos direitos dos animais sustentam que é tão errado matar um animal
como matar um humano.
(2) Mas isso é obviamente falso.
(3) Logo, os defensores dos direitos dos animais estão errados (ou seja, os animais
não têm direitos).
3. Argumentação e Filosofia
A retórica fornece um conjunto de instrumentos para persuadir as pessoas e pode ser usada
para dois fins diferentes:
manipulação,
persuasão racional.
Na manipulação, ou mau uso da retórica, o
orador não encara o auditório como um fim em si
mesmo, desrespeita a sua autonomia intelectual
20
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
e aproveita-se das suas falhas (através do apelo
às emoções e do recurso a falácias) para impor
as suas ideias.
Na persuasão racional, ou bom uso da retórica, o orador visa convencer o auditório a aceitar a
verdade de uma determinada proposição, por meio
de razões. Assim, podemos considerar que a retórica tanto pode servir para inculcar ideias nos outros,
independentemente da sua veracidade, como pode
promover a eficácia da discussão racional, favorecendo a compreensão do discurso e a adoção de
opiniões devidamente fundamentadas.
do limite do seu conhecimento, e defende que a
aproximação ao saber se faz através da discussão das ideias.
Os sofistas constituem um exemplo do mau
uso da retórica, entendida como manipulação.
Estes professores de retórica do século V a. C.
instruíam os seus alunos para o exercício político, dotando-os de ferramentas básicas (retórica
e oratória) para serem bem sucedidos nas disputas públicas e adquirirem poder no seio do regime democrático. O seu objetivo não era alcançar
a verdade, até porque defendiam que esta era
apenas uma questão de perspetiva (relativismo
e subjetivismo), mas antes garantir a eficácia da
argumentação e vencer qualquer disputa pública. Deste modo, recorriam a técnicas de manipulação e falácias para derrotar os adversários,
sem olhar a meios (retóricos) para atingir os seus
fins, mesmo defendendo teses incoerentes e falaciosas.
As três características principais da boa retórica de Sócrates são: a ironia, a maiêutica e o
diálogo.
Sócrates e Platão (entre outros filósofos que
se inserem nesta tradição) denunciaram o uso
feito pelos sofistas da retórica enquanto manipulação e constituem exemplos do bom uso da
retórica enquanto persuasão racional. Estes
filósofos recorriam à retórica para estimular o
pensamento crítico das pessoas, orientando-as
na avaliação e exame das suas crenças e opiniões, com o objetivo de as levar a pensar por si
mesmas, segundo a razão.
A atitude socrática caracteriza-se pela adoção
de uma douta ignorância, isto é, pela consciência
A ironia consiste em simular que o interlocutor é sábio e que se aceita a qualidade das
suas opiniões e definições, para, gradualmente,
através da interrogação e da análise racional dos
conceitos, pôr em dúvida as ideias preconcebidas
daquele, revelando as suas contradições, falácias e incompletude.
A maiêutica consiste em ajudar a “dar à luz”
um novo saber, pela rejeição de ideias preconcebidas e limitadas e aceitação de ideias mais plausíveis e verdadeiras, resultantes da discussão
racional.
O diálogo é o meio no qual a ironia e a maiêutica se aplicam e através do qual os interlocutores
são levados a pensar cuidadosamente nas suas
ideias e a rever as suas opiniões, visando-se uma
maior aproximação à verdade e compreensão da
realidade tal como ela objetivamente é.
A filosofia não é uma atividade “adversarial”
porque a argumentação filosófica não visa derrotar os adversários, mas sim construir opiniões
devidamente fundamentadas. Por isso, em filosofia recorre-se à argumentação para descobrir
a verdade acerca do ser, isto é, da realidade tal
como ela objetivamente é.
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
21
IV – O conhecimento e a racionalidade científica e
tecnológica
1. Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva
1.1 Estrutura do ato de conhecer
acerca da realidade temos conhecimento propo-
A Epistemologia é a área da Filosofia que se
dedica ao estudo dos problemas relativos à natureza, às fontes, ao alcance e aos limites do conhecimento. De entre os problemas mais discutidos em Epistemologia destacam-se os seguintes:
O que é o conhecimento? Como podemos ter a
certeza de que sabemos seja o que for? Será o
conhecimento possível? Qual a origem do conhecimento? Etc.
das coisas). Por exemplo, “Eu sei que Sócrates
sicional (ou ‘saber-que’, ou conhecimento acerca
era filósofo”. Destes três tipos de conhecimento,
apenas o conhecimento proposicional pode ser
diretamente transferido de pessoa para pessoa.
Em que condições S sabe que p?
Uma vez que o conhecimento proposicional
tem vindo a ser um dos tipos de conhecimento
mais discutidos desde a Antiguidade, vamos cen-
O que é o conhecimento?
O problema da natureza do conhecimento
pode ser intuitivamente formulado do seguinte
modo: “O que é o conhecimento?”. De um modo
muito geral, o conhecimento pode ser entendido como uma relação entre um sujeito – aquele
que conhece – e um objeto – aquilo que é conhecido.
trar a nossa análise do problema da natureza do
conhecimento no conhecimento proposicional.
Assim, podemos reformular o problema original
em termos mais específicos: Em que condições
um determinado sujeito, S, sabe que p (sendo
p uma dada proposição)?
Somos forçados a reconhecer que a crença é
uma condição necessária para o conhecimento proposicional, porque não podemos saber
Tipos de conhecimento
No que diz respeito ao seu objeto é comum
distinguirem-se três tipos de conhecimento: o conhecimento por contacto, o conhecimento prático e o conhecimento proposicional.
Diz-se que temos conhecimento por contacto,
quando estamos em contacto direto através dos
sentidos com uma determinada porção do real,
como por exemplo, quando alguém afirma: “Eu conheço o Presidente dos Estados Unidos”. Quando
sabemos executar uma dada atividade, diz-se que
temos conhecimento prático (ou ‘saber-fazer’/
‘know-how’). Como acontece, por exemplo, quando alguém diz: “Eu sei nadar”. Quando aquilo que
sabemos consiste numa proposição verdadeira
22
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
que p sem acreditar que p. Além disso, a verdade
também é uma condição necessária para o conhecimento proposicional, porque, uma vez que
o conhecimento é factivo, só se podem conhecer
factos e, por conseguinte, não podemos saber
que p se for falsa. Por fim, também a justificação
é uma condição necessária para o conhecimento proposicional, porque não podemos dizer que
sabemos que p se não tivermos razões para acreditar em p, mesmo que por acaso p se venha a
revelar verdadeira.
À primeira vista, para além de serem condições necessárias, a crença, a verdade e a justificação são conjuntamente condições suficientes para o conhecimento.
Assim, podemos concluir que:
S sabe que p, se, e só se,
1. S acredita em p.
2. p é verdadeira.
3. S tem uma justificação para acreditar
em p.
Esta definição ficou conhecida como Definição Tradicional de Conhecimento, ou Definição
Tripartida de Conhecimento.
Os casos de Gettier
Edmund Gettier apresentou contraexemplos
à Definição Tradicional de Conhecimento. Esses
contraexemplos (também conhecidos como “Casos de Gettier”) mostram que é possível termos
uma crença verdadeira justificada e ainda assim
não termos conhecimento, pois, por vezes, a
nossa justificação não se baseia nos aspetos
da realidade relevantes para a verdade da nossa crença.
1.2 Análise comparativa de
teorias explicativas do
conhecimento
Será o conhecimento possível?
Outro problema epistemológico importante
é o problema da possibilidade do conhecimento: Será o conhecimento possível? Existem
diferentes formas de responder a este problema.
Iremos analisar a resposta cética e a resposta
fundacionalista.
Ceticismo
O ceticismo é a perspetiva segundo a qual devemos suspender o juízo relativamente à verdade ou falsidade de qualquer proposição, pois
no geral as nossas pretensões de conhecimento
são injustificadas.
A argumentação cética baseia-se na ideia de
que só temos conhecimento se tivermos crenças justificadas e, uma vez que justificamos as
nossas crenças com base noutras crenças, acabamos sempre por cair numa cadeia de justificações, mas como as cadeias de justificações ou
terminam arbitrariamente numa crença injustificada, ou voltam-se sobre si mesmas de modo
viciosamente circular, ou regridem infinitamente,
não são capazes de justificar seja o que for e, por
conseguinte, o conhecimento não é possível.
Objeções ao Ceticismo
Alguns autores consideram o ceticismo uma
posição autorrefutante, isto é, que demonstra a
sua própria falsidade, pois afirma que sabe que
o conhecimento não é possível. Contudo, o cético pode defender-se desta acusação afirmando
que se limita a suspender o juízo relativamente a
todos os assuntos (incluindo o problema da possibilidade do conhecimento).
Bertrand Russell fez notar que não há justificação possível para colocarmos em suspenso
todas as nossas crenças em simultâneo, pois se
todas as nossas crenças estão suspensas, nenhuma delas pode servir de justificação seja
para o que for.
David Hume considera que se puséssemos
permanentemente em causa determinadas ideias
que no dia a dia assumimos como garantidamente verdadeiras, poderíamos acabar por nos tornar incapazes de fazer fosse o que fosse.
Os fundacionalistas rejeitam o ceticismo
através da distinção entre dois tipos de crenças:
as crenças básicas e as crenças não-básicas.
Segundo esta perspetiva, as crenças básicas são
de tal modo evidentes que não precisam de ser
justificadas por outras crenças, justificam-se a
si mesmas, são autoevidentes. Exs.: “Eu existo”,
“Estou a ter a experiência de ler um livro” e “2 + 2
= 4”. As crenças não-básicas, pelo contrário, não
são autoevidentes, são inferidas a partir de outras
crenças, justificam-se com base noutras crenças.
Exs.: “Existem outras mentes pra além da minha”,
“A obra Os Maias, de Eça de Queirós tem mais de
200 páginas” e “Para aprender matemática é preciso fazer muitos exercícios”. Assim, segundo o
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
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fundacionalismo, visto que crenças básicas não
carecem de justificação, elas podem justificar
as crenças não-básicas sem que sejam necessárias justificações adicionais.
A. O Fundacionalismo Cartesiano
René Descartes é um dos mais famosos fundacionalistas de todos os tempos. O seu objetivo
era estabelecer um conhecimento seguro e indubitável. O seu método era a dúvida metódica,
que consistia em duvidar de tudo o que se possa
imaginar e averiguar o que resiste a esse processo. Ao contrário da dúvida cética original, a dúvida cartesiana é:
Metódica: é apenas um método para encontrar um conhecimento seguro;
Provisória: subsiste apenas até que se encontre algo absolutamente certo e indubitável;
Universal: por princípio, pode aplicar-se a
todas as nossas crenças; e
Hiperbólica: não se limita a pôr tudo em dúvida, mas rejeita como falso o meramente
duvidoso.
Descartes apresentou várias razões para duvidar: as ilusões dos sentidos, a indistinção
vigília-sono, os erros de raciocínio, a Hipótese
do Deus Enganador e a Hipótese do Génio Maligno.
Ilusões dos sentidos
O argumento das ilusões dos sentidos sustenta que, uma vez que os nossos sentidos nos
enganam algumas vezes, nunca podemos saber
se nos estão a enganar ou não; portanto, nunca devemos confiar nas informações adquiridas
através deles.
Indistinção vigília-sono
Segundo o argumento da indistinção vigília-sono, uma vez que a vivacidade e a intensidade
de certos sonhos nos convencem muitas vezes
de que estamos a ter experiências reais, quando
na realidade estamos apenas a sonhar, não te-
24
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
mos forma de distinguir as nossas experiências
de vigília daquelas que temos quando sonhamos;
consequentemente, as crenças que formamos
a partir da experiência sensível ou são falsas
(porque estamos apenas a sonhar) ou, ainda que
sejam verdadeiras, são-no apenas por acaso
(porque não podemos saber se estamos apenas a
sonhar ou não) e, portanto, não podem constituir
conhecimento.
Erros de raciocínio
O argumento dos erros de raciocínio baseia-se na ideia de que, uma vez que todos podemos
cometer erros nos raciocínios mais simples, não
podemos justificadamente acreditar em crenças
que tenham origem no nosso raciocínio.
Hipótese do Deus Enganador
Para poder pôr, realmente, em causa as verdades mais elementares da geometria e da aritmética, Descartes desenvolveu a Hipótese do Deus
Enganador: um ser superior, sumamente inteligente e de poderes ilimitados que nos criou juntamente com tudo o que existe e que poderia sem
qualquer dificuldade introduzir nas nossas mentes
as ideias que bem entendesse, fazendo-nos tomar
por evidências as coisas mais absurdas.
No entanto, Descartes vê-se forçado a rejeitar
a Hipótese do Deus Enganador, pois apercebe-se
que a ideia de um Deus Enganador é uma contradição nos termos. Um ser que é, por definição, perfeito não pode possuir qualquer espécie
de defeito e, como tal, não pode ser enganador.
Hipótese do Génio Maligno
Em alternativa à Hipótese do Deus Enganador,
Descartes concebeu a Hipótese do Génio Maligno: um ser tão poderoso quanto perverso, que se
diverte a usar os seus poderes para nos induzir em
erro relativamente a tudo e mais alguma coisa.
Uma vez que o Génio Maligno não é perfeito, não
corremos o risco de cair em contradição.
O argumento do Génio Maligno diz-nos o
seguinte: uma vez que não podemos saber se
o Génio Maligno existe ou não, a maioria das nossas
crenças são falsas, ou, ainda que sejam verdadeiras, são-no apenas por acaso (pois não temos
nenhuma justificação para acreditar que não se
trata de mais uma das suas maquinações). Logo,
não temos qualquer espécie de conhecimento
(pois só temos conhecimento se tivermos crenças verdadeiras justificadas). Enquanto a Hipótese do Génio Maligno não for afastada, não podemos, aparentemente, estar certos de nada.
Cogito
Descartes mostra que ainda que eu não possa
saber se estou, ou não, a ser enganado por um
Génio Maligno, existe algo que posso saber com
toda a certeza: Penso, logo, existo. Esta crença,
conhecida por cogito, não pode consistentemente ser posta em causa, pois para se poder duvidar
do que quer que seja é preciso existir.
Assim, Descartes refuta o ceticismo por redução ao absurdo: se fosse verdade que nada se
pode saber, então nem sequer poderíamos saber
se existimos, mas é impossível duvidar que existimos; logo, é falso que nada se pode saber.
Contudo, o cogito não é suficiente para assegurar Descartes de que tem um corpo, nem da
veracidade das suas experiências percetivas, porque, uma vez que pode imaginar que não tem um
corpo sem que isso implique que não existe, mas
não pode duvidar que existe enquanto ser pensante,
Descartes conclui que é essencialmente uma substância pensante, isto é, uma mente ou alma imaterial, que existe independentemente do corpo e
que é de natureza inteiramente distinta do mesmo.
Esta perspetiva ficou conhecida como “dualismo
mente-corpo” (ou “dualismo cartesiano”). Assim,
enquanto não provarmos que o Génio Maligno não
existe, a única coisa que podemos saber é que existimos enquanto pensamento, ou res cogitans.
A importância do cogito no fundacionalismo
cartesiano
A importância do cogito no fundacionalismo
cartesiano é inquestionável, pois representa o
triunfo sobre o ceticismo e constitui um modelo
a seguir na busca de um conhecimento seguro.
Uma vez que o que torna o cogito uma crença tão
evidente não é mais do que o seu elevado grau
de clareza e distinção, Descartes decide adotar
estas características como Critério de Verdade.
O argumento subjacente a este critério de verdade é o seguinte: se não pudesse estar certo
daquilo que concebo clara e distintamente, então
não poderia estar certo do cogito. Como o cogito
é indubitável, posso estar certo daquilo que concebo clara e distintamente.
Deus
Descartes apercebe-se de que tem na sua
mente a ideia de Deus, ou Ser Perfeito e considera que provar que Deus existe e não é enganador
talvez seja a única forma de poder estar certo de
muitas outras coisas para além da sua existência enquanto pensamento, pois um criador supremo e sumamente bom não o teria criado de
modo a que nunca pudesse conhecer a verdade.
Para provar que Deus existe, Descartes recorre, entre outros, ao Argumento da Marca.
Segundo este argumento, se o Ser Perfeito não
existisse, eu não poderia ter a ideia de perfeição,
pois a causa dessa ideia tem de ser tão perfeita
quanto ela e, visto que eu duvido e duvidar é menos perfeito do que saber, eu não sou perfeito. Por
conseguinte, para além de mim tem de existir um
ser que é mais perfeito do que eu e que é a verdadeira origem da minha ideia de perfeição.
A importância de Deus no fundacionalismo
cartesiano
Deus desempenha um papel fundamental no
fundacionalismo cartesiano, porque, uma vez que
Deus existe e não é enganador, garante a verdade
das nossas ideias claras e distintas atuais e
passadas. Sem esta garantia, seríamos incapazes de avançar um argumento, pois a verdade das
premissas deixaria de ser assegurada no momento em que deixássemos de as conceber clara e
distintamente para conceber a conclusão (ou outras premissas do argumento). Assim, é Deus que
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
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garante que podemos confiar nos nossos raciocínios apoiados em premissas claras e distintas.
A partir daqui, Descartes pode deduzir muitas
verdades e construir com segurança o edifício do
conhecimento, apoiando-se naquilo que concebe com clareza e distinção. Mesmo a existência
das coisas materiais, anteriormente posta em
causa, adquire um novo grau de plausibilidade,
porque Deus não nos teria criado de modo a que
estivéssemos permanentemente a representar-nos como existentes coisas que não passam de
fantasias. Pelo contrário, trataria de nos criar de
modo a que a nossa mente recebesse do corpo as
sensações adequadas à sua preservação.
O problema da indistinção vigília-sono também desaparece, porque, uma vez provada a existência de Deus e afastada a hipótese do Génio
Maligno, já podemos confiar nas nossas evidências atuais e passadas e não corremos o risco de
cometer erros devido à indistinção vigília-sono.
Isto, porque: 1. quer estejamos a dormir quer
estejamos acordados, se concebemos algo de
modo claro e distinto, a sua verdade está assegurada; 2. nos sonhos acontecem coisas demasiado
insólitas para serem reais.
Mas se Deus assegura a fiabilidade da nossa
razão e das nossas experiências, então por que
razão erramos? O erro é da nossa inteira responsabilidade. Deus, uma vez que é sumamente bom,
criou-nos com livre-arbítrio, e isso acarreta a
possibilidade de fazer más escolhas, como optar
por dar o nosso assentimento a coisas que não
concebemos clara e distintamente. Deste modo,
quando os sentidos nos enganam, é porque nos
precipitamos a dar o nosso assentimento a coisas que não concebemos clara e distintamente,
mas apenas de modo confuso e indistinto. Para
compreender a verdadeira natureza das coisas
devemos proceder a uma análise matemática e
geométrica das mesmas.
Objeções ao fundacionalismo cartesiano
A consciência de que existe pensamento não é
o suficiente para demonstrar a existência de um
26
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
Eu que reclame esse pensamento como seu (objeções ao cogito). Quanto muito, Descartes provou que existe pensamento (tal como “existem
trovoadas”), mas não pode ter a certeza de que
existe um (e só um) autor do pensamento atualmente em curso.
O argumento a favor do dualismo é uma instância da falácia do mascarado, pois confunde
os nossos estados mentais acerca das coisas
com propriedades reais e efetivas das mesmas.
Assim, do facto de eu não poder conceber que
existo sem uma mente, mas poder conceber que
existo sem um corpo, não se segue que a mente
é, de facto, diferente do corpo.
Para além disso, não é fácil explicar a interação entre coisas de natureza mental e coisas
de natureza física. Descartes aponta a glândula
pineal como o local no cérebro onde se dá essa
interação, mas dizer onde ocorre não é suficiente
para explicar como ocorre.
Também o Argumento da Marca é alvo de
fortes e sérias objeções. Contrariamente ao que
é assumido no Argumento, há quem defenda
que: i) não podemos compreender a perfeição de
Deus; ii) duvidar é mais perfeito do que saber; iii)
causas mais simples podem originar coisas mais
complexas; iv) podemos formar a ideia de perfeito por oposição à ideia de imperfeito, sem que
isso implique a existência de um Ser Perfeito.
A principal objeção ao fundacionalismo cartesiano ficou conhecida como Círculo Cartesiano e
consiste em acusar Descartes de incorrer numa
petição de princípio, pois procura estabelecer a
existência de Deus raciocinando a partir de ideias
claras e distintas, mas admite que só podemos
estar certos de que as nossas ideias claras e distintas atuais e passadas são verdadeiras porque
Deus existe.
B. O Fundacionalismo Clássico
(ou Empirista)
Tal como Descartes, David Hume recorre a
uma abordagem fundacionalista para responder
ao desafio cético. No entanto, contrariamente ao
que acontecia no fundacionalismo cartesiano,
que encarava a experiência sensível com enorme
suspeita, o fundacionalismo proposto por Hume
atribui o estatuto de crenças básicas justamente
às crenças que provêm da nossa experiência sensível imediata, como por exemplo: “Estou, neste
momento, a ter uma experiência da cor azul”.
Impressões e Ideias
Para Hume, o conteúdo das nossas mentes –
as perceções – deriva da experiência e pode ser
dividido em duas categorias: as impressões, dados da nossa experiência imediata; e as ideias,
que são cópias enfraquecidas das impressões.
Por sua vez, as nossas ideias dividem-se em
ideias simples e complexas. As ideias simples
correspondem a impressões simples (que não
podem ser divididas noutras impressões). As
ideias complexas correspondem à combinação
de duas ou mais ideias simples. Essas combinações podem ter origem na memória e, nesse
caso, têm a mesma configuração que tinham na
experiência, ou na imaginação. Por isso, as ideias
são compostas de uma forma relativamente livre, podendo aparecer juntas duas ideias que na
experiência estavam separadas, como acontece
com a ideia de sereia, por exemplo.
O Princípio da Cópia
Assim, para Hume todas as ideias são, direta ou indiretamente, cópias de impressões. Este
princípio ficou conhecido como Princípio da Cópia. Hume recorre ao argumento do cego de nascença para justificar a sua confiança no Princípio
da Cópia. Segundo este argumento, uma vez que
um cego de nascença não tem qualquer impressão de cores, então ou este não pode imaginar a
cor azul, ou existem ideias que não correspondem a qualquer impressão. Mas o facto é que um
cego de nascença não pode imaginar a cor azul.
Portanto, não existem ideias que não correspondam a qualquer impressão.
Além disso, para Hume, o facto de, à partida,
ninguém se mostrar capaz de apresentar um
contraexemplo ao Princípio da Cópia – porque,
graças à distinção entre ideias simples e complexas, todas as propostas acabam, de uma forma
ou de outra, por ser reconduzidas à experiência –
fortalece a sua confiança naquele princípio.
A Bifurcação de Hume
Hume reduz todo o conhecimento humano
a dois tipos: relações de ideias e questões de
facto. As relações de ideias correspondem ao
tipo de conhecimento que pode ser obtido apenas mediante a análise do significado dos conceitos envolvidos numa proposição. Por exemplo,
para saber que a proposição “Os solteiros não são
casados” é verdadeira, basta saber o significado
dos conceitos de casados e de solteiros. Trata-se
de uma verdade necessária, pois a sua negação –
há solteiros casados – implica uma contradição
nos termos. Este tipo de conhecimento é característico de áreas como a matemática, a geometria
e a lógica. As questões de facto correspondem
ao tipo de conhecimento que só pode ser obtido
através das impressões (ou seja, através da experiência) e que nos fornece informação verdadeira
acerca do mundo. Por exemplo, “A neve é branca”
é uma questão de facto, pois, para se saber que
a neve é branca é preciso ter experiência da neve
e da sua cor. Não existe nada nos conceitos de
“neve” e de “brancura” que torne a proposição “A
neve não é branca” uma contradição nos termos.
Este tipo de conhecimento é característico de
ciências como a física, por exemplo.
Princípios de Associação de Ideias
Segundo Hume existem três princípios de associação de ideias: a semelhança, a contiguidade e a causalidade.
A semelhança consiste na associação de
duas ideias que são de algum modo parecidas. A
consideração de uma delas conduz-nos à consideração da outra. Por exemplo, é natural que a
contemplação de um retrato nos faça pensar na
pessoa retratada.
A contiguidade consiste na associação de
duas ideias que são contíguas no espaço ou no
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
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tempo. A consideração de uma delas evoca a
consideração da outra. Por exemplo, se sei que
a sala de estar se situa no alinhamento da entrada de minha casa, é natural que me venha à
mente a representação de um desses espaços de
cada vez que penso no outro. O mesmo acontece quando dois acontecimentos são contíguos no
tempo: se é costume jantar depois do pôr do sol,
é natural que pense em comida de cada vez que
o Sol se põe.
A causalidade consiste na associação de
duas ideias que ocorre quando representamos
duas ideias como correspondendo a uma relação
causa-efeito. A consideração da causa transporta a nossa mente para a consideração do efeito.
Por exemplo, se pensamos numa ferida, é comum pensarmos na dor que naturalmente lhe
está associada.
O Problema da Causalidade
A ideia de causalidade coloca um enorme desafio ao empirismo de Hume, pois, visto que a sua
negação não resulta em qualquer contradição,
não se trata de uma relação de ideias. Mas uma
vez que não parece haver nenhuma impressão
que lhe corresponda, também não parece tratar-se de uma questão de facto, apoiada pela experiência.
Para dar resposta ao problema levantado pela
ideia de causalidade, Hume recorre à experiência mental do Adão Inexperiente, que consiste
em imaginar alguém que embora seja “dotado da
mais forte capacidade e razão natural” ainda não
tenha tido qualquer experiência das regularidades do mundo. Como consequência dessa falta
de experiência, por mais dotada que essa pessoa
fosse de um ponto de vista racional, seria incapaz
de inferir qualquer efeito apenas pela simples
ocorrência da sua causa. Se imaginarmos que
essa pessoa adquire mais experiência do mundo
e das suas regularidades, percebemos que isso
bastaria para que se tornasse capaz de fazer tais
inferências. O objetivo dessa experiência mental
é mostrar que a ideia de causalidade não se
28
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
funda na razão, mais sim na experiência da
conjunção constante de dois objetos ou acontecimentos.
Assim, a solução de Hume para o problema da causalidade consiste em assumir que a
ideia de relação causal, ou conexão necessária
entre dois acontecimentos, não é mais do que a
expectativa de que um deles – o efeito – irá ocorrer sempre que o outro – a causa – ocorra. Esta
expectativa resulta do hábito, ou costume, isto
é, da experiência que temos de uma conjunção
constante desses dois acontecimentos.
Problema da Uniformidade da Natureza
O
(ou Problema da Indução)
O problema da causalidade conduz Hume à
constatação de que a nossa crença na uniformidade da natureza é racionalmente injustificável.
Segundo o Princípio da Uniformidade da Natureza, causas semelhantes terão efeitos semelhantes, ou, dito de outra forma, a natureza
irá comportar-se no futuro conforme se tem
comportado até hoje. No entanto, Hume considera que não há maneira de justificar racionalmente a nossa confiança neste princípio.
Por maior que seja o número de casos em que
experimentamos uma determinada regularidade,
jamais teremos justificação racional para acreditar que essa regularidade se irá manter no futuro. Isto acontece porque este princípio assenta
numa inferência indutiva. Mas Hume considera
que a nossa confiança na indução não pode
ser dedutivamente demonstrada – uma vez que
o seu contrário não implica uma contradição –
nem inferida a partir da experiência, pois isso
conduzir-nos-ia a uma petição de princípio, uma
vez que estaríamos a inferir a eficácia da indução
a partir dos seus sucessos passados, ou seja, a
justificar a nossa confiança na indução por processos indutivos.
O Problema do Mundo Exterior
Uma vez que os objetos reais (fora das nossas
mentes) não variam o seu tamanho em função da
nossa perspetiva, mas os objetos de que temos
experiência variam, Hume conclui que aquilo que
está presente na nossa mente quando temos
uma determinada experiência não são os objetos reais, mas sim uma imagem ou representação mental dos mesmos. No entanto, se nunca
temos um acesso direto aos objetos do mundo exterior, como poderemos estar certos de que eles
existem e são a causa das nossas perceções?
Hume considera que, uma vez que se trata de
uma questão que diz respeito à existência, uma
investigação desta natureza deve ser resolvida
com recurso à experiência, mas a nossa experiência não pode alguma vez estender-se para
além das nossas impressões e estas, conforme
acabamos de constatar, não devem ser confundidas com os objetos exteriores em si mesmos
considerados. Assim, uma vez que nunca poderemos sair do interior das nossas mentes, nunca
seremos capazes de verificar se, de facto, existe
uma correspondência entre as nossas perceções
e os objetos exteriores, nem tampouco poderemos alguma vez ter justificação para acreditar na
existência dos mesmos.
O Ceticismo Moderado de Hume
Embora sustente que a crença na uniformidade da natureza e no mundo exterior não são
racionalmente justificáveis, Hume não considera que estas devem ser abandonadas, pois não
podemos viver sem as assumir como verdadeiras. Assim, Hume defende apenas a adoção
de um ceticismo moderado como forma de nos
protegermos contra o dogmatismo, as decisões
precipitadas e as investigações demasiado especulativas, distantes da experiência e sem
suporte empírico.
bjeções ao fundacionalismo clássico
O
(ou empirista)
Contraexemplo do tom azul
desconhecido
O próprio David Hume prevê a possibilidade
de se encontrar um contraexemplo ao Princípio da Cópia e, embora o desvalorize, a verdade
é que esse contraexemplo pode minar a nossa
confiança no Princípio que tem como alvo. Esse
contraexemplo consiste em imaginar uma situação em que alguém é colocado perante uma determinada gradação de tons de azul, sendo um
dos tons dessa gama propositadamente omitido.
O problema surge porque alguém que nunca tenha tido experiência desse particular tom de azul
pode, ainda assim, formar uma ideia a seu respeito, mesmo na ausência de uma impressão que
lhe corresponda. Ora, isso não seria possível se,
de facto, todas as nossas ideias fossem cópias de
impressões.
bjeção à imagem da mente como
O
tábua rasa
Fodor considera que para aprender uma língua temos de poder representar as suas regras
de funcionamento, o que significa que qualquer
processo de aprendizagem de uma língua
pressupõe a existência prévia de algum conhecimento linguístico. Uma vez que quando
nascemos temos a capacidade de aprender uma
Língua, Fodor aceita que é necessária a existência de um conhecimento linguístico inato. Se
encararmos este conhecimento inato do funcionamento da língua como genuíno conhecimento
acerca do mundo, teremos de abandonar a ideia
de que, à nascença, a mente é uma tábua rasa
(ou folha em branco).
Objeção do homúnculo
A objeção do homúnculo consiste no seguinte:
se as nossas mentes não têm acesso ao mundo
exterior, mas apenas a uma série de imagens ou
representações mentais dos mesmos, é como se
fôssemos um homúnculo (uma pessoa minúscula) fechado numa espécie de cinema privado no
interior da nossa mente, onde nos são apresentadas imagens ou representações dos objetos do
mundo exterior. Mas os problemas levantados a
propósito da nossa relação com o mundo exterior
também se aplicam à relação desse homúnculo
com as imagens presentes no ecrã do seu cinema
mental. Se a natureza da explicação se mantiver
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
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inalterada, acabaremos por supor a existência de
outro homúnculo dentro da mente do primeiro, e
assim sucessivamente, caindo, numa regressão
infinita de homúnculos.
bjeção baseada na argumentação
O
a favor da melhor explicação
Russell rejeita as conclusões céticas de Hume,
pois considera que a sua ideia de “fundamento racional” (ou “racionalmente justificável”) é demasiado estreita. Hume parece admitir que nenhuma
crença está racionalmente justificada, a menos
que exista uma prova definitiva da sua verdade.
Para Russell, pode ser racional acreditar numa
crença, mesmo na ausência deste tipo de prova,
pois pode simplesmente acontecer que de entre
as alternativas disponíveis para explicar a nossa
experiência exista uma hipótese mais plausível do
que todas as outras, pelo que é mais racional acreditar na sua verdade do que em qualquer uma das
alternativas. Este tipo de argumentação designa-se argumentação a favor da melhor explicação
e é um bom exemplo de abdução – um processo
de inferência que se apoia num conjunto de dados
para extrair com um certo grau de plausibilidade
uma conclusão que vai além dos mesmos. Russell
acredita que a existência de um mundo exterior às
nossas mentes regido pelo princípio da causalidade é uma explicação da nossa experiência muito
mais simples e apelativa do qualquer cenário cético que possamos imaginar. Por isso, considera
que temos uma justificação racional para acreditar nisso. O mesmo se aplica à ideia de causalidade: é mais razoável aceitarmos que o mundo é, de
facto, regido por relações causais, do que assumir
que a existência de conjuções constantes é apenas acidental.
2. Estatuto do conhecimento
científico
O que é a filosofia da ciência?
A filosofia debruça-se sobre todo o tipo de práticas humanas. Existe filosofia da arte, do direito,
da religião, etc., e também filosofia da ciência.
Contrariamente ao que se possa pensar, apesar
30
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
de ser uma disciplina empírica, a ciência não é
imune à análise filosófica. Compete à filosofia da
ciência analisar os conceitos fundamentais e os
raciocínios envolvidos neste tipo de investigação
e discutir os problemas metafísicos, epistemológicos, éticos e lógicos que lhe estão associados.
Alguns exemplos de problemas de filosofia da
ciência são:
O que é uma teoria científica?
ue tipo de raciocínio é utilizado na investiQ
gação científica?
Como progride a ciência?
Será a ciência objetiva?
2.1 Distinção entre ciência e
senso comum
É frequente distinguir o conhecimento científico de outros tipos de conhecimento, nomeadamente do conhecimento vulgar ou senso comum.
O senso comum é um conjunto de crenças amplamente partilhadas que resulta da experiência
coletiva acumulada e da transmissão cultural.
Por sua vez, o conhecimento científico consiste
na procura de explicações racionais, sistemáticas e controláveis através da experiência para os
acontecimentos naturais.
Assim, podemos dizer que, contrariamente
ao senso comum, que é um saber organizado de
forma assistemática e desagregada, sem poder
explicativo e que inclui informações dispersas
e logicamente pouco estruturadas, suscetíveis
de contradições e incoerências, o conhecimento
científico é um saber organizado de forma sistemática e unificada com poder explicativo, procurando constituir-se como um corpo de saberes
coerente e devidamente articulado, unificando
sob determinados princípios o que é aparentemente diverso e evitando contradições internas.
Além disso, o conhecimento vulgar ou senso comum é bastante estático, uma vez que só
se mostra adequado quando as suas condições
habituais de aplicação não se alteram significativamente. Já o conhecimento científico é dinâmico, porque se adapta mais eficazmente a novas
situações e condições.
A linguagem utilizada pelo senso comum é
imprecisa, com termos vagos e carece de um
grau importante de especificidade que possibilite
a existência de controlo experimental. Pelo contrário, o conhecimento científico recorre a uma
linguagem rigorosa e precisa, favorecendo a
submissão dos seus resultados a provas e a críticas através da experiência.
O senso comum diz sobretudo respeito ao
imediato e ao concreto, atendendo essencialmente aos efeitos dos fenómenos que são valorizados pelos seres humanos. O conhecimento
científico consiste numa investigação orientada
para a explicação dos factos e para as suas causas, sem ser influenciada de forma óbvia pelo
que é imediatamente valorizado pelos seres humanos.
Por fim, o senso comum é acrítico e ametódico, pois contenta-se com uma descrição superficial do modo como as coisas são e não obedece
a um conjunto de regras que possibilitem um
rigoroso controlo experimental dos seus resultados. Por oposição a estas características, o conhecimento científico é crítico e metódico, pois
procura explicações bem fundamentadas para
os acontecimentos naturais, estando disponível
para rever os seus resultados perante o aparecimento de novos dados empíricos e obedece a um
conjunto de regras que possibilitam um controlo
experimental dos seus resultados.
2.2 Ciência e Construção
– Validade e Verificabilidade
das Hipóteses
O Problema da Demarcação: em que consiste o método científico e como se distinguem
as teorias científicas das não científicas?
O carácter metódico e rigoroso do conhecimento científico permite-nos prever e controlar
a natureza com um enorme grau de precisão e de
modo bastante fiável. Esta fiabilidade, associada
a um conjunto de realizações surpreendentes a
nível tecnológico, fizeram com que o conhecimento científico fosse encarado como algo em
que é legítimo depositar a nossa confiança.
Nestas circunstâncias, não é de estranhar que
várias atividades humanas se tenham empenhado no sentido de aparentar ter as características
que habitualmente reconhecemos como marcas
distintivas do conhecimento científico. Por esse
motivo, torna-se importante encontrar um critério seguro para distinguir o conhecimento científico de outros tipos de investigação (ou de outras
atividades humanas).
Ora, uma vez que, conforme ficou estabelecido, grande parte do rigor deste tipo de conhecimento provém do seu caráter metódico, é
antes mais aconselhável tentarmos perceber: 1.
Em que consiste o método científico? (2) Que
critério devemos usar para distinguir teorias
científicas de não científicas? Uma vez que
este problema procura uma forma de demarcar
o conhecimento científico de outras atividades e
investigações humanas, ficou conhecido como
Problema da Demarcação. Para respondermos
a estas questões, iremos analisar a conceção indutivista do método científico e o falsificacionismo de Karl Popper.
Indutivismo
Segundo a conceção indutivista da ciência, o
método científico tem três etapas:
1. Observação: os cientistas começam por
observar os factos de forma imparcial, rigorosa e isenta de pressupostos teóricos.
Essas observações cuidadosas permitem
formar enunciados singulares.
2. Formulação de hipóteses: os cientistas
procuram inferir enunciados gerais (teorias
e leis) a partir de enunciados singulares.
Para se fazer essa generalização indutiva,
é preciso satisfazer algumas condições necessárias, como as seguintes: (i) o número
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
31
de enunciados singulares que constituem a
base de uma generalização deve ser grande; (ii) as observações devem-se repetir
numa ampla variedade de circunstâncias;
(iii) nenhum enunciado singular aceite deve
entrar em contradição com a lei universal
derivada.
3. Verificação experimental: a partir das teorias, os cientistas deduzem previsões e explicações que possam ser confirmadas.
De acordo com esta perspetiva do método
científico, os indutivistas propõem como critério
de demarcação a verificabilidade. De acordo
com este critério, uma teoria é científica se, e
só se, for constituída por proposições empiricamente verificáveis, ou seja, se o seu valor de
verdade puder, na prática ou em princípio, ser determinado a partir de observações.
Objeções ao indutivismo
Apesar de ser uma explicação simples e muito
comum do funcionamento da ciência, a conceção
indutivista não está isenta de críticas e objeções,
de entre as quais se destacam as seguintes:
A observação não é o ponto de partida para
a investigação científica, pois, no momento em
que o cientista parte para a observação, já dispõe de um conjunto de teorias e de expectativas.
O verdadeiro ponto de partida para a ciência é
o problema que surge do confronto entre uma
observação e as teorias e expectativas de que já
dispomos.
A observação científica não é imparcial,
uma vez que as teorias e expectativas de que o
cientista dispõe condicionam a sua interpretação
dos factos. Aliás, são essas teorias e expectativas que permitem ao cientista selecionar os aspetos da realidade que devem ser observados.
Algumas teorias científicas referem-se a
objetos que não podem ser observados. Ora,
se tais coisas não são observáveis, então muitas teorias científicas não podem ser concebidas
com base em simples generalizações indutivas a
32
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
partir da observação. Portanto, o indutivismo não
explica o método científico tal como ele é efetivamente praticado.
As inferências indutivas não são racionalmente injustificáveis (problema da indução).
A conceção indutivista de ciência utiliza o raciocínio indutivo para inferir enunciados gerais ou
universais a partir de enunciados singulares. Porém, não temos justificação racional para confiar
neste tipo de inferências, pois a sua veracidade
não pode ser dedutivamente demonstrada, e se
apelarmos à experiência dos seus sucessos passados para justificar a nossa confiança neste tipo
de inferência estamos a incorrer numa petição de
princípio, pois estamos a recorrer à indução para
justificar a nossa confiança na própria indução.
Assim, por maior que seja o número de casos observados, não é legítimo inferir um enunciado geral a partir de enunciados particulares, e bastará
surgir um caso que contrarie o enunciado geral
para que este seja definitivamente refutado.
A lógica subjacente à verificação experimental é falaciosa. Uma vez que os enunciados
gerais que correspondem às teorias científicas
incluem um número demasiado vasto de casos,
não podem ser objeto de uma observação direta,
pelo que a única forma de estes serem verificados é através da dedução de previsões particulares a ele associadas, para posteriormente procurar determinar se estas se confirmam ou não.
Ora, os indutivistas encaram a confirmação
dessas previsões como prova conclusiva do
enunciado geral de onde foram deduzidas. Mas
a estrutura subjacente a este tipo de raciocínio é
falaciosa, pois consiste no seguinte:
Sendo T, a teoria a ser testada e P uma previsão deduzida a partir dela.
(1) Se T é verdadeira, então P.
(2) Ora, P.
(3) Logo, T é verdadeira.
Esta estrutura argumentativa é claramente
inválida. A primeira premissa diz-nos apenas que
a verdade de T é uma condição suficiente para
P, não nos diz que é uma condição necessária.
Assim sendo, P pode ocorrer por qualquer outro
motivo, sem que isso implique a verdade de T.
Esta forma lógica é uma falácia formal conhecida como Falácia da Afirmação da Consequente.
A atitude de verificabilidade é autodefensiva,
dogmática e uma ameaça para a racionalidade.
O filósofo Karl Popper também criticou este critério de demarcação defendido pelos positivistas
lógicos, por conduzir a atitudes inaceitáveis para a
metodologia científica (como uma atitude acrítica
e dogmática) e por levar a aceitar como científicas
teorias que não são apropriadamente científicas.
Na sua opinião, se qualquer observação concebível concorda com uma teoria, então não se pode
dizer que uma determinada observação em particular lhe fornece suporte empírico. Portanto, a verificabilidade não é um bom critério para distinguir
teorias científicas das não científicas.
O critério de verificabilidade é autorrefutante. De acordo com os positivistas lógicos, as
frases têm sentido (ou seja, podem ser consideradas verdadeiras ou falsas) só se forem analíticas ou contraditórias, ou capazes de, pelo menos
em princípio, serem verificadas pela experiência.
Caso uma afirmação não satisfaça uma destas
condições, então é uma frase sem sentido.
Porém, se repararmos bem, o próprio critério
de verificabilidade não cumpre os requisitos que
ele próprio estipula. Logo, segundo o critério dos
positivistas, o próprio critério de verificabilidade
não tem sentido.
Falsificacionismo
Karl Popper criticou severamente a conceção
indutivista da ciência. Popper pensava que a observação científica não era imparcial, nem o ponto de partida para a ciência, e considerava que
Hume estava certo quando afirmava que o princípio da indução não podia ser racionalmente justificado. Assim, Popper defende que, se a ciência
pretende ser racional e objetiva, tem de prescindir inteiramente do recurso à indução. Por esse
motivo, Popper propôs uma nova abordagem do
método científico, que ficou conhecida por Método das Conjeturas e Refutações. Este método
pode ser sintetizado em três etapas distintas:
1. Problema: o ponto de partida para a investigação científica não é a observação pura
e imparcial dos factos, mas sim um problema levantado por uma observação que
entra em confronto com as nossas teorias
e expectativas prévias.
2. Conjetura: o investigador conjetura uma
possível explicação (uma hipótese ou teoria) para os factos observados, baseado na
sua experiência passada.
3. Tentativa de refutação: no final, resta ao
cientista testar a sua hipótese, isto é, recorrer
aos testes experimentais, não para confirmar
uma hipótese, mas para tentar provar a sua
falsidade, ou seja, para tentar refutá-la.
Para evitar os problemas associados à verificabilidade, Popper propõe um novo critério
de demarcação: a falsificabilidade. Segundo
este critério, uma teoria é científica somente
se for empiricamente falsificável, isto é, se for
possível conceber um teste experimental capaz
de mostrar que ela é falsa. Popper defende o
critério da falsificabilidade através do seguinte
argumento:
(1) Uma teoria que garante só verificações ou
confirmações e que ignora possíveis refutações não pode ser concebida ou mostrada como falsa.
(2) Se uma teoria é científica, então faz afirmações ou previsões que poderiam ser
concebidas ou mostradas como falsas.
(3) Logo, uma teoria que garante só verificações ou confirmações e que ignora possíveis refutações não é científica.
O critério de falsificabilidade não é uma condição suficiente para que uma teoria seja boa. Para
isso seria igualmente necessário que esta fosse
clara, precisa, audaciosa e informativa; ou seja,
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
33
que tenha bastante conteúdo empírico. Isto significa que, para podermos classificar uma teoria
científica como boa é preciso atender ao seu grau
de falsificabilidade. Quanto maior for a possibilidade de um enunciado ser refutado, maior informação ele terá. As boas teorias científicas são
aquelas que têm um elevado grau de falsificabilidade.
Objeções ao falsificacionismo
O método proposto por Popper foi uma autêntica revolução no modo como encaramos o que
é a ciência. Contudo, está sujeito a algumas objeções.
Nem todas as teorias científicas são falsificáveis. A falsificabilidade não constitui uma
condição necessária para que uma teoria seja
científica, porque algumas teorias científicas referem-se a objetos que não são diretamente observáveis, pelo que não é inteiramente claro que
seja, à partida, possível conceber um teste experimental capaz de mostrar a sua falsidade. No entanto, o papel dessas teorias no desenvolvimento
científico faz com que seja altamente implausível
classificá-las como não-científicas.
O falsificacionismo não está de acordo com
a prática científica. Se conhecermos um pouco
da história da ciência, concluímos que os cientistas não passam a vida a tentar mostrar que as
suas teorias são falsas, para que possam surgir
novas teorias. Antes pelo contrário, preocupam-se sobretudo com a demonstração da precisão
e do alcance das teorias existentes. Ou seja, na
prática, os cientistas trabalham no sentido de
confirmar as suas teorias e continuam a defendê-las mesmo quando as suas previsões não se
confirmam.
Não é razoável abandonar uma teoria apenas porque foi refutada por um teste experimental. O facto de um procedimento experimental não correr de acordo com o que era previsto
por uma dada teoria, ou hipótese, não é suficiente
para estabelecer de modo conclusivo a sua falsidade. O problema pode estar precisamente no
34
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
processo de falsificação e não na teoria. Na verdade, para além da hipótese ou teoria (T), existem vários fatores envolvidos num procedimento experimental que podem ser responsáveis
pelo seu fracasso, como, por exemplo, as hipóteses auxiliares (HA), os instrumentos utilizados
(I), os fatores pessoais e sociais (F), entre outros. Assim, caso uma previsão (P) validamente
deduzida de uma teoria não se confirme, o problema pode não estar na teoria, mas sim num
desses outros fatores. Ou seja, quanto muito podemos concluir que um dos fatores envolvidos
no procedimento experimental falhou, ou seja,
“Ou não T, ou não HA, ou não I, ou não F”. Mas
sem mais dados não estamos em condições de
afirmar com toda a segurança que foi a hipótese
ou teoria a responsável pelo fracasso do teste e,
consequentemente, não temos justificação para
a rejeitar.
O falsificacionismo subestima a importância das confirmações no progresso científico. Segundo Popper, nunca temos justificação racional para aceitar que uma dada teoria
científica é verdadeira. Na sua opinião, por muito que uma teoria tenha sido corroborada pela
experiência, esta nunca deixa de ser apenas
uma conjetura que ainda não foi refutada. No
entanto, o facto de algumas teorias científicas
possibilitarem grandes avanços tecnológicos,
controlar a natureza e prever o seu comportamento de modo relativamente fiável pode
significar que temos justificação para acreditar
que estas são verdadeiras e não apenas conjeturas por refutar.
2.3 A racionalidade científica e a
questão da objetividade
O problema da objetividade da ciência consiste em saber se o desenvolvimento científico nos
fornece uma imagem cada vez mais aproximada
e mais completa da realidade tal como ela é em
si mesma. Este problema pode ser formulado do
seguinte modo: Será a ciência objetiva?
perspetiva de Popper acerca do
A
desenvolvimento científico
Contrariamente aos indutivistas – que pensavam que a ciência progride de modo estritamente racional, linear e cumulativo em direção a um
conhecimento cada vez mais alargado e completo da realidade tal como ela objetivamente é –,
Popper acreditava que a ciência evolui progressivamente de modo irregular – por afastamento
sucessivo do erro (através da refutação de conjeturas) – em direção a uma compreensão mais
aproximada da realidade tal como ela objetivamente é.
Popper recorre ao conceito de verosimilhança para explicar este aspeto da sua perspetiva.
Uma teoria científica, ou uma conjetura, é
mais verosímil do que outra quando implica um menor número de falsidades
e permite explicar um maior número de
fenómenos do que a sua concorrente.
Assim se explica por que razão, embora não
seja possível demonstrar de modo conclusivo a
verdade de uma determinada teoria, ou conjetura, possamos considerar que ela representa
um avanço comparativamente às suas antecessoras. O facto de ela permitir explicar um
maior número de fenómenos naturais, ao mesmo tempo que implica um menor número de
falsidades, permite-nos concluir que se trata
de uma teoria com maior grau de verosimilhança.
Em suma, para Popper, embora nunca possamos dizer que alcançámos a verdade, podemos conclusivamente saber que certas teorias
científicas (ou conjeturas) são falsas, o que significa que as teorias científicas atuais possuem
um maior grau de verosimilhança do que aquelas
que já foram empiricamente refutadas e, por conseguinte, estamos hoje mais perto de conhecer
a realidade tal como ela objetivamente é do que
estávamos há séculos atrás.
perspetiva de Kuhn acerca do
A
desenvolvimento científico
Para Thomas Kuhn, a ciência não é inteiramente objetiva porque também é influenciada
por elementos irracionais e subjetivos. A ciência
trata de determinados modelos explicativos da
realidade, histórica e culturalmente contextualizados, e não da realidade tal como ela objetivamente é.
Kuhn considera que o desenvolvimento científico consiste numa sucessão descontinuada
e não cumulativa de períodos de relativa estabilidade e de consenso alargado, interrompidos
por processos revolucionários. Os aspetos fundamentais desta conceção de desenvolvimento
científico são os seguintes:
Pré-ciência
Kuhn utiliza a expressão pré-ciência para se
referir ao período que antecede a ascensão de um
determinado campo de investigação ao estatuto
de ciência propriamente dita. Esta fase caracteriza-se pela existência de desacordos entre várias
escolas, com diferentes perspetivas sobre metodologias, pressupostos teóricos, metafísicos, etc.
Paradigma
É o aparecimento de um paradigma que faz
a passagem da fase pré-científica para uma investigação científica propriamente dita. Um paradigma é uma teoria amplamente aceite e com
grande poder explicativo, que põe fim aos desacordos profundos entre investigadores e escolas e reúne os diversos investigadores de uma
determinada área numa comunidade científica.
Um paradigma inclui pressupostos teóricos
fundamentais, aplicações-tipo, princípios metafísicos, instruções técnicas e metodológicas
e orientações gerais acerca do que é fazer ciência numa determinada área.
Ciência Normal
A emergência de um paradigma instaura uma
nova fase do desenvolvimento científico, que
Kuhn designa ciência normal ou ciência paradigmática. Durante este período, os cientistas
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
35
estão empenhados em tarefas de consolidação
do paradigma, dedicando-se sobretudo a (i) solucionar pequenos puzzles e enigmas deixados
em aberto pelo paradigma; (ii) melhorar a afinação entre a natureza e o paradigma; (iii) tentar
aplicar o paradigma a novas áreas; (iv) construir o equipamento adequado às exigências experimentais de todas estas tarefas.
A aceitação quase dogmática e acrítica do
paradigma por parte dos cientistas revela-se um
aspeto crucial para o desenvolvimento científico
no período de ciência normal: só assim se pode
avançar na investigação sem se estar permanentemente a rever os fundamentos da sua disciplina,
só assim se adquire um olhar treinado para distinguir certas subtilezas dos fenómenos naturais e
só essa confiança de que se está no caminho certo
pode assegurar a motivação necessária para fazer
os dispendiosos investimentos (quer em termos
de tempo, quer em termos de dinheiro) exigidos
pelo desenvolvimento da investigação científica.
Crise
No entanto, nem sempre a ciência normal decorre de acordo com o esperado. Por vezes, há
acontecimentos que o paradigma vigente não
parece ser capaz de explicar adequadamente.
Surgem, assim, as chamadas anomalias, ou seja,
algo totalmente incompatível com a imagem do
funcionamento da natureza fornecida pelo paradigma. As anomalias são resultados acidentais e
inesperados que constituem uma séria ameaça
a todo o trabalho científico desenvolvido até um
dado momento. Quando as anomalias são demasiado numerosas ou sérias, a confiança no
paradigma vigente começa a sentir os primeiros
abalos e a ciência entra em crise.
Ciência Extraordinária
Entra-se num período de ciência extraordinária quando o paradigma vigente não parece
ser capaz de se reajustar para resolver as anomalias com que se depara. Com a confiança no
paradigma vigente seriamente abalada, os acordos intersubjetivos desaparecem e a comunidade científica divide-se entre conservadores –,
36
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
que defendem o velho paradigma e revolucionários –, que procuram uma revisão completa dos
fundamentos do seu campo de estudo de modo a
traçar um novo paradigma.
Revolução científica
Caso os conservadores não sejam capazes de
restaurar a confiança no velho paradigma, uma
das várias propostas para novo paradigma acabará por obter o consenso da comunidade científica,
substituindo o antigo paradigma. Kuhn chamou
revolução científica a este processo de passagem de um paradigma antigo para um novo. As
revoluções científicas não representam uma
evolução, num sentido cumulativo, em direção
a uma compreensão mais profunda da realidade
tal como ela objetivamente é.
Incomensurabilidade
Para Kuhn, só faz sentido falar de progresso
dentro de um paradigma, pois não existe um
padrão neutro que permita comparar objetivamente dois paradigmas entre si e com a
realidade no sentido de detetar qual deles é o
melhor. Esta ideia ficou conhecida como tese
da incomensurabilidade. Assim, podemos dizer
que Kuhn considera que quando ocorre uma revolução científica o novo paradigma não é melhor
nem pior do que o antigo paradigma. Eles são
simplesmente incomensuráveis.
Para defender a tese da incomensurabilidade
dos paradigmas, Kuhn recorre aos seguintes argumentos: argumento baseado na insuficiência
dos critérios objetivos e argumento baseado na
impossibilidade de tradução entre paradigmas.
Segundo o argumento baseado na insuficiência dos critérios objetivos:
(1) Se os paradigmas fossem comensuráveis,
seria possível justificar a preferência por
um paradigma através de critérios puramente objetivos.
(2) Não é possível justificar a preferência por
um paradigma através de critérios puramente objetivos.
(3) Logo, os paradigmas são incomensuráveis
Segundo o argumento baseado na impossibilidade de tradução entre paradigmas:
(1) Se o significado de termos científicos deve
ser entendido numa perspetiva holística e
varia de um paradigma para outro, então
os paradigmas são incomensuráveis.
(2) O significado dos termos científicos deve
ser entendido numa perspetiva holística
e varia de um paradigma para outro (por
exemplo o termo “massa” tem um significado diferente na teoria de Newton daquele que possui na teoria de Einstein).
(3) Logo, os paradigmas são incomensuráveis.
Kuhn complementa estes argumentos com a
seguinte premissa:
(4) Se os paradigmas são incomensuráveis,
então não podemos saber se as teorias
científicas atuais estão mais próximas da
verdade do que as suas antecessoras.
De modo a concluir o seguinte:
(5) Logo, não podemos saber se as teorias
científicas atuais estão mais próximas da
verdade do que as suas antecessoras.
Assim, podemos considerar que Kuhn pensa
que o progresso científico se limita ao aperfeiçoamento do paradigma dominante num determinado período de ciência normal, sendo posteriormente interrompido por uma revolução
científica que resulta na substituição do velho
paradigma por um novo e incomensurável, deitando por terra toda a esperança de aprofundar
a nossa compreensão da realidade, num sentido
cumulativo.
Apesar dos argumentos apresentados a favor da tese da incomensurabilidade, este é um
dos aspetos mais controversos da perspetiva de
Kuhn. Podem apresentar-se pelo menos dois argumentos contra esta ideia: a objeção baseada na
resolução de anomalias e a objeção baseada no
crescente sucesso da ciência.
Segundo a objeção baseada na resolução de
anomalias:
(1) Se um paradigma resolve as anomalias de
outro, então é falso que os paradigmas são
incomensuráveis.
(2) Frequentemente um paradigma resolve as
anomalias do seu antecessor (por exemplo, a órbita de Mercúrio constituía uma
anomalia para a teoria de Newton, mas
não constitui uma anomalia para a de Einstein).
(3) Logo, é falso que os paradigmas são incomensuráveis.
Segundo a objeção baseada no crescente sucesso da ciência:
(1) Se os paradigmas são incomensuráveis,
então não podemos dizer que as teorias
científicas atuais estão mais próximas da
verdade do que as suas antecessoras.
(2) Mas as teorias científicas atuais têm uma
maior capacidade de prever o comportamento da natureza do que as suas antecessoras.
(3) Se as teorias científicas atuais têm uma
maior capacidade de prever o comportamento da natureza do que as suas antecessoras, é porque estão mais próximas
da verdade do que as suas antecessoras.
(4) Logo, os paradigmas não são incomensuráveis.
Apesar destas críticas, a teoria da Kuhn chamou a atenção dos teóricos da ciência para algumas características fundamentais desta atividade. Por exemplo, a ideia de que a ciência é
influenciada não apenas por fatores objetivos,
mas também por fatores subjetivos, e o retrato
do cientista, não como um explorador do desconhecido, mas como um solucionador de puzzles, profundamente comprometido com uma
determinada visão do mundo, ditada pela sua
adesão praticamente incondicional a um paradigma.
RESUMOS DE MATÉRIA SUJEITA A AVALIAÇÃO EXTERNA – 11 °. ANO
37
Exame Nacional: Prova Modelo 1
GRUPO I
Na resposta a cada um dos itens de 1. a 9., selecione a única opção correta.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
1. Para um utilitarista:
A. a vontade boa é o fim último.
B. a felicidade é o bem último.
C. a virtude é o bem último.
D. a subjetividade é o bem último.
2. Para Kant uma ação tem valor moral se:
A. é incondicionada.
B. é condicionada.
C. é condicionada pelos meios.
D. é condicionada pelos fins.
3. Um argumento dedutivo válido:
A. tem premissas verdadeiras.
B. n
ão pode ter conclusão falsa se as premissas forem verdadeiras.
C. sendo as premissas verdadeiras, a conclusão pode ser verdadeira ou falsa.
D. sendo as premissas verdadeiras, a conclusão é necessariamente falsa.
4. Um argumento sólido:
A. é
inválido, apesar de ter premissas verdadeiras.
B. é válido e com premissas verdadeiras.
C. é válido, mas com premissas falsas.
D. é válido e com pelo menos uma premissa verdadeira.
5. “A teoria moral de Kant não pode ser verdadeira. Ele nunca teve filhos, logo não sabe o que
é a moral”. A falácia informal cometida neste argumento é:
A. ad hominem (ataque à pessoa).
B. boneco de palha
C. petição de princípio.
D. apelo à ignorância.
38
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
6. “Por mais esforços que se tenham feito para descobrir a cura para o cancro, nenhum foi
bem sucedido. Logo, a cura para o cancro é impossível”. A falácia informal cometida neste
argumento é:
A. petição de princípio.
B. boneco de palha.
C. apelo à ignorância.
D. ad hominem (ataque à pessoa).
7. Para Kuhn, a ciência evolui por:
A. um processo de falsificação de teorias.
B. um processo de refutação de hipóteses.
C. um processo de resolução de enigmas sujeitos a falsificação.
D. uma sucessão descontinuada e não cumulativa de períodos de relativa estabilidade,
interrompidos por processos revolucionários.
8. Segundo o critério de demarcação proposto por Karl Popper:
A. uma teoria só é científica se for empiricamente falsificável.
B. s e uma teoria é falsificável, é científica.
C. uma teoria só é científica se foi falsificada.
D. se uma teoria foi falsificada, é científica.
9. D
izemos que uma teoria é falsificável se:
A. é confirmada pela experiência.
B. é possível mostrar que ela é falsa recorrendo à observação.
C. adivinha o futuro.
D. a
divinha o futuro com base no passado.
GRUPO II
Persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão
de o orador ser digno de fé. Pois acreditamos mais e bem mais depressa em pessoas honestas,
em todas as coisas em geral, mas sobretudo nas de que não há conhecimento exato e que
deixam margem para dúvida. É, porém, necessário que esta confiança seja resultado do discurso e não de uma opinião prévia sobre o caráter do orador; pois não se deve considerar sem
importância para a persuasão a probidade do que fala (…), mas quase se poderia dizer que o
caráter é o principal meio de persuasão.
Aristóteles, Retórica. INCM, 2005, 1356a, p. 96
1. Explique como se relacionam as técnicas do discurso segundo por Aristóteles.
EXAME NACIONAL | PROVA MODELO 1
39
Os itens 2. e 3. apresentam dois percursos:
Percurso A – Lógica Aristotélica – e Percurso B – Lógica Proposicional.
Indique claramente o percurso selecionado (A ou B).
PERCURSO A
2.A. A
plicando as regras, indique se o silogismo seguinte viola alguma regra e, em caso
afirmativo, qual a regra violada.
Todos os cães são mamíferos.
Alguns mamíferos são herbívoros.
Logo, alguns herbívoros são cães.
3.A. C
onstrua um silogismo válido do modo EAE da segunda figura com os seguintes termos:
Termo maior: “filósofo”
Termo médio: “sofista”
Termo menor: “manipulador”
PERCURSO B
2.B. S
imbolize o enunciado começando por criar um dicionário apropriado:
Se estiver calor, vou comprar um gelado. Não está calor, logo não
compro um gelado.
3.B. Usando o método de inspetores de circunstância, teste a validade do argumento seguinte
e justifique a validade do mesmo.
((P › Q) → P)
Q
∴P
GRUPO III
Se quiséssemos imaginar um contrato hipotético celebrado entre todas as pessoas de uma
sociedade moderna, não conseguiríamos. Não há termos com os quais literalmente todas
as pessoas concordassem (ou, a haver alguns, estes dificilmente constituiriam uma conceção
integral de justiça). Podemos antecipar que algumas pessoas ricas, por exemplo, se oporão
fortemente à tributação, ao passo que algumas pessoas pobres quererão que os ricos sejam
mais tributados do que atualmente, por forma a aumentar o financiamento das prestações
sociais. Deste modo, surgirá uma disputa – o objetivo de uma teoria da justiça é tentar resolver disputas desta índole.
Jonathan Wolf, Introdução à Filosofia Política. Gradiva, 2004, p. 222
40
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
1. Explique o critério que John Rawls propôs para resolver o problema exposto no texto.
2. Que objeções se podem fazer ao critério de Rawls?
GRUPO IV
Vou supor, por consequência, não o Deus sumamente bom, fonte da verdade, mas um certo
génio maligno, ao mesmo tempo extremamente poderoso e astuto, que pusesse toda a sua
indústria em me enganar. Vou acreditar que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons,
e todas as coisas exteriores não são mais do que ilusões de sonhos com que ele arma ciladas
à minha credulidade. Vou considerar-me a mim próprio como não tendo mãos, não tendo
olhos, nem carne, nem sangue, nem sentidos, mas crendo falsamente possuir tudo isto. Obstinadamente, vou permanecer agarrado a este pensamento e, se por este meio não está no meu
poder conhecer algo verdadeiro, pelo menos está em meu poder que me guarde com firmeza
de dar assentimento ao falso, bem como ao que aquele enganador, por mais poderoso, por
mais astuto, me possa impor.
Descartes, Meditações Sobre a Filosofia Primeira. Almedina, 1992, pp. 113-115
1. a. Explique a hipótese do Génio Maligno presente no texto.
b. Por que razão duvida Descartes de todas as crenças?
c. E
m que sentido podemos afirmar que Descartes tenta resolver o problema colocado pelos
céticos?
2. Redija um texto argumentativo no qual discuta o papel da indução na construção do
conhecimento. Na sua resposta deve:
explicitar o problema da indução;
mostrar como David Hume se posiciona relativamente a esse problema.
EXAME NACIONAL | PROVA MODELO 1
41
Exame Nacional: Prova Modelo 2
GRUPO I
Na resposta a cada um dos itens de 1. a 9., selecione a única opção correta.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
1. Para um relativista cultural:
A. há valores absolutos.
B. os valores absolutos são completamente independentes das sociedades.
C. não há valores absolutos e todos os valores são relativos a cada sociedade.
D. os critérios de avaliação dependem de pessoa para pessoa.
2. Como resposta ao problema do livre arbítrio, um determinista radical defende que:
A. o livre arbítrio é uma ilusão, pois todos os acontecimentos estão determinados.
B. todos os acontecimentos estão determinados, mas há livre arbítrio.
C. há livre arbítrio, pois apenas alguns acontecimentos estão determinados.
D. não há livre arbítrio, mas os acontecimentos não estão determinados.
3. Segundo John Rawls, para que uma sociedade seja justa tem de respeitar os seguintes princípios:
A. princípio da razão suprema, princípio da identidade e princípio da liberdade.
B. p
rincipio da oportunidade justa, princípio da governabilidade e princípio da liberdade.
C. princípio da liberdade igual, princípio da oportunidade justa e princípio da diferença.
D. princípio da liberdade igual, princípio da oportunidade justa e princípio da governabilidade.
4. Segundo a definição tradicional de conhecimento:
A. o conhecimento é uma crença verdadeira justificada.
B. o conhecimento é uma crença verdadeira.
C. o conhecimento é apenas uma crença, seja falsa ou verdadeira.
D. o conhecimento é uma crença baseada nos dados dos sentidos.
5. Um argumento só é dedutivamente válido, se, e só se:
A. tem premissas tanto verdadeiras como falsas e uma conclusão falsa.
B. tem premissas falsas e a conclusão tem de ser falsa.
C. tem de ter premissas todas falsas.
D. caso as premissas sejam verdadeiras, é impossível (ou contraditório) a conclusão ser falsa.
42
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
6. Num argumento indutivo:
A. a verdade das premissas garante a verdade da conclusão.
B. a verdade das premissas torna apenas provável a verdade da conclusão.
C. a verdade das premissas garante que a conclusão é falsa.
D. mesmo que as premissas sejam falsas, a conclusão é sempre verdadeira.
7. O conhecimento científico distingue-se do senso comum porque:
A. é prático, fácil e resulta da experiência quotidiana.
B. é sistemático, resulta da experiência quotidiana e é descritivo.
C. é sistemático, metódico e explicativo.
D. é
prático, racional e inteiramente subjetivo.
8. “Se um professor permitir que um aluno vá à casa de banho, depois todos vão querer ir à casa de
banho e depois ninguém vai querer aprender a matéria da disciplina.”. Que falácia informal está
presente neste argumento?
A. Derrapagem.
B. Boneco de palha.
C. Falso dilema.
D. Ad hominem (ataque à pessoa).
9. Segundo a perspetiva indutiva da ciência, uma teoria é científica só se:
A. é empiricamente verificada.
B. é
empiricamente falsificável.
C. foi empiricamente verificada.
D. foi empiricamente falsificada.
GRUPO II
Sócrates – Talvez a verdade seja um pouco dura de ouvir… Custa-me dizê-lo, em atenção a
Górgias, não vá ele pensar que quero ridicularizar a sua profissão. Se a retórica que Górgias
professa é aquilo que eu penso, não sei. A discussão anterior não deixou bem claro o seu pensamento a este respeito. Mas aquilo que eu chamo retórica é parte de um todo que não pertence
ao número das coisas belas.
Górgias – Parte de quê Sócrates? Fala, sem receio de me ofender.
Sócrates – Penso, Górgias, num género de ocupação que nada tem de científico e que exige um
espírito intuitivo e empreendedor, por natureza apto para o convívio com as pessoas. Dou-lhe o
nome geral de «adulação». Nela distingo diversas partes, uma das quais é a cozinha, que, sendo
no consenso geral uma arte, a meu ver não o é, mas sim uma atividade empírica e uma rotina.
Partes da mesma adulação são para mim também a retórica, a toilette e a sofística, portanto,
quatro ramos com objetos específicos.
Platão, Górgias. Ed. 70, 1991, p. 58
1. A partir da sugestão do texto, exponha a crítica de Sócrates à retórica e aos sofistas.
EXAME NACIONAL | PROVA MODELO 2
43
Os itens 2. e 3. apresentam dois percursos:
Percurso A – Lógica Aristotélica – e Percurso B – Lógica Proposicional.
Indique claramente o percurso selecionado (A ou B).
PERCURSO A
2.A. V
erifique se o seguinte silogismo é ou não válido segundo as regras de validade silogística:
Todos os bolos de nata são deliciosos.
Todos os bolos com creme são bolos de nata.
Logo, alguns bolos com creme não são deliciosos.
3.A. C
onstrua um silogismo válido em que o termo médio seja “inimigo da liberdade” e a conclusão
seja a proposição apresentada:
(C) Todo o ditador é antidemocrata.
Indique o modo e a figura do silogismo que construiu.
PERCURSO B
2.A. R
ecorrendo a um dicionário e usando as letras P, Q e R, formalize a frase que se segue:
Não é verdade que o Luís seja bom estudante e a Maria seja boa
cantora se, e somente se, o João for um bom jogador de ténis.
3.B. Usando o modelo de inspetores de circunstâncias ou outro, teste a validade do seguinte argumento, justificando a resposta:
P›Q,P‹Q∴ ¬P
GRUPO III
A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer
finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é, em si mesma, e, considerada em si
mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por seu intermédio possa
ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo, se se quiser, da soma de todas as
inclinações. Ainda mesmo que por um desfavor especial do destino, ou pelo apetrechamento
avaro duma natureza madastra, faltasse totalmente a esta boa vontade o poder de fazer vencer
as suas intenções, mesmo que nada pudesse alcançar a despeito dos seus maiores esforços, e só
afinal restasse a boa vontade (…) ela ficaria a brilhar por si mesma como uma joia, como alguma
coisa que tem em si mesma o seu pleno valor. A utilidade ou inutilidade nada podem acrescentar ou tirar a esse valor. A utilidade seria apenas como que o engaste para essa joia poder ser
44
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
manejada mais facilmente na circulação corrente ou para atrair sobre ela a atenção daqueles que
não são ainda bastante conhecedores, mas não para recomendar aos conhecedores e determinar
o seu valor.
Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Ed. 70, 2009, p. 23
Considere o texto e responda:
1. Por que razão Kant refere que a vontade boa “não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela
aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é, em si
mesma, e, considerada em si mesma”?
2. Em que sentido é que somente uma vontade boa pode constituir uma ação por dever, segundo
Kant? Na sua resposta deve:
usar exemplos;
relacionar com os imperativos kantianos;
mostrar como funciona o teste da universalização de máximas;
relacionar com a autonomia e heteronomia da vontade.
GRUPO IV
É importante que estejamos conscientes da natureza radical da tese de Hume. Ele argumenta
que todo o raciocínio indutivo é inválido: não temos razões a priori ou empíricas para aceitar
crenças baseadas em inferências indutivas. Não temos justificação para acreditar que o Sol irá
nascer amanhã. O ponto crucial é este: se eu afirmar que o Sol vai nascer amanhã e o meu
amigo afirmar que ele se vai transformar num ovo estrelado gigante a minha crença não é, de
acordo com Hume, mais justificada do que a do meu amigo.
Dan O`Brien, Introdução à Teoria do Conhecimento, Gradiva, 2013, p. 227
1. Explique fundamentadamente por que razão, segundo Hume, a nossa crença na indução não tem
justificação. Deve fazer recurso ao texto na sua resposta.
2. Redija um texto argumentativo no qual discuta as posições de David Hume e Descartes,
assumindo a sua própria posição, tendo em conta os tópicos que se seguem:
origem do conhecimento;
possibilidade do conhecimento;
os limites do conhecimento.
EXAME NACIONAL | PROVA MODELO 2
45
Soluções
Exame Nacional: Prova Modelo 1
GRUPO I
3.B.
1. B
2. A
3. B
4. B
5. A
6. C
7. D
8. A
9. B
GRUPO II
1. As técnicas sugeridas por Aristóteles são o ethos, o pathos e o logos. São as três dimensões do discurso, o ethos
reside na credibilidade moral e científica do orador. O pathos tem que ver com a adequação do discurso ao auditório, tendo em conta a sua sensibilidade e recetividade, e
o logos reside nas características lógicas do próprio discurso, ou seja, deve ser constituído por bons argumentos
(válidos ou fortes, com premissas verdadeiras). Segundo
Aristóteles, são estas três capacidades que, conjuntamente, devem organizar um discurso persuasivo. Um discurso
que se centre somente em uma delas isoladamente corre
o risco de não ser eficaz.
2.
PERCURSO A
2.A. O silogismo viola a regra que diz que o termo médio
tem de estar distribuído pelo menos uma vez. Ora, o termo médio “mamíferos” não está distribuído em nenhuma
das premissas.
3.A.
(P1) Nenhum filósofo é sofista.
(P2) Todo o manipulador é sofista.
(C) Logo, nenhum manipulador é filósofo.
PERCURSO B
2.B.
P – está calor
Q- comprar um gelado
P → Q, ¬ P, ∴ ¬ Q
46
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
P
Q
V
V
F
F
V
F
V
F
((P › Q) → P)
V
V
F
V
Q
∴P
V
F
V
F
V
V
F
F
O argumento é válido já que em nenhuma circunstância as
premissas são verdadeiras e a conclusão falsa.
GRUPO III
1. O critério de Rawls é o da imparcialidade possibilitado
pelo véu da ignorância. Uma vez estando numa posição em
que literalmente não sabemos que lugar vamos ocupar na
sociedade, somos assim capazes de estabelecer princípios
de distribuição da riqueza que sejam justos.
2. Uma das principais críticas ao critério de Rawls é que
os resultados do contrato hipotético não são justos. Isto
acontece porque o contrato hipotético viola as liberdades
individuais, já que impõe restrições à propriedade individual. Um padrão, seja ele qual for, é sempre possível de
ser quebrado pelas liberdades individuais.
GRUPO IV
1.
a. O Génio Maligno é uma experiência mental que serve a
Descartes para testar com rigor quais as crenças que podem ser consideradas como básicas, isto é, fundacionais.
Parece implausível considerar que nos podemos enganar a
contar quantos lados tem um quadrado, bem como outros
raciocínios considerados elementares. Assim, Descartes
supõe a existência de um ser sumamente poderoso, com
capacidade de introduzir na mente humana as ideias que
bem entendesse. Nesse sentido, poderia fazer-nos acreditar que um quadrado tem 4 lados, quando na realidade
teria apenas três. O Génio Maligno é assim uma extensão
da dúvida cartesiana: a possibilidade da existência de um
Génio com estas qualidades permite a Descartes não só
colocar em dúvida todas as nossas crenças a posteriori,
como as nossas crenças a priori.
b. Descartes duvida porque procura um conhecimento absolutamente seguro e começa por duvidar de tudo o que
pareça duvidoso. A dúvida de Descartes é hiperbólica precisamente porque é uma parte do seu método de procura
de um conhecimento que se baseie numa crença fundacional da qual não se possa duvidar.
b. Os céticos defendiam que o conhecimento jamais é possível dado que não é possível encontrar crenças básicas.
Quando o procuramos fazer entramos num processo de
regressão infinita de justificação de crenças. Ora, o projeto
cartesiano é uma tentativa de mostrar que o argumento
dos céticos está errado.
2.
Apresentamos um itinerário possível de resposta:
Hume começa por defender que a ideia de causalidade não
se funda na razão, mas na experiência de ver uma relação
constante entre dois objetos (causa e efeito). A solução
adotada por David Hume para o problema da causalidade
consiste em assumir que a relação causal entre dois acontecimentos não é mais do que a probabilidade de que um
determinado efeito ocorra perante determinadas causas.
Diz Hume que esta probabilidade de acontecimento causal se baseia no hábito ou costume que temos de observar uma conjugação constante entre dois acontecimentos.
O problema levantado é o seguinte: Teremos alguma vez
justificação para inferir, a partir da repetição de um grande
número de casos observados, uma conclusão acerca de
casos ainda por observar?
Hume considera que não há maneira de justificar racionalmente a nossa confiança nas inferências indutivas. Por
maior que seja o número de casos em que experimentamos uma determinada regularidade, jamais teremos justificação racional para acreditar que essa regularidade se
irá manter no futuro.
Uma resposta ao problema é o PUN (Princípio da Uniformidade da Natureza). O Princípio da Uniformidade da
Natureza afirma que causas semelhantes terão efeitos
semelhantes ou, dito de outra forma, que a natureza irá
comportar-se no futuro conforme se tem comportado até
hoje. Introduzindo o PUN como uma das premissas deste tipo de inferências dá-se maior robustez às mesmas. O
problema é que para justificar a verdade de PUN teríamos
de, novamente, recorrer à experiência e, nesse caso, o problema parece não desaparecer.
Exame Nacional: Prova Modelo 2
GRUPO I
1. C
2. A
3. C
4. A
5. D
6. B
7. C
8. A
9. A
GRUPO II
1. Existem pelo menos dois possíveis usos da retórica: uso
como manipulação e uso como persuasão racional. Górgias faz recurso da retórica como manipulação, enquanto Sócrates faz uso da retórica como persuasão racional.
Sócrates opõe a manipulação à persuasão racional. Ao
contrário dos Sofistas, que relativizavam a verdade, subordinando-a aos seus interesses particulares em ganharem
dinheiro com as suas aulas, a conceção de conhecimento
para Sócrates relaciona-se com a permanente busca e
descoberta da verdade.
2.
PERCURSO A
2.A. O silogismo não é válido, uma vez que o termo predicado “deliciosos” não está distribuído na premissa maior,
mas está distribuído na conclusão.
3.A.
(P1) Todo o inimigo da liberdade é antidemocrata.
(P2) Todo o ditador é inimigo da liberdade.
(C) Todo o ditador é antidemocrata.
Este silogismo é do modo AAA da 1ª figura.
PERCURSO B
2.B.
(¬ (P ‹ Q) ↔ R)
3.B.
P
Q
(P › Q)
(P ‹ Q)
∴¬Q
V
V
F
F
V
F
V
F
V
V
V
F
V
F
F
F
F
V
F
V
É inválido, pois há uma circunstância em que as premissas são todas verdadeiras e a conclusão falsa.
GRUPO III
1. Segundo Kant, a vontade boa é um fim em si mesmo
e não um meio para alcançar algum fim. A vontade é o
desejo de agir. Esse desejo pode ser dirigido pelo imperativo categórico ou pelo imperativo hipotético. O imperativo
categórico é o princípio que a razão determina a si mesma
e, por isso, o imperativo da ação livre, incondicionada. Pelo
contrário, uma ação não é livre, ou seja, é condicionada,
se dirigida com uma finalidade externa à própria ação.
Por exemplo, se alguém ajudar um pobre somente para
obter recompensa divina, a sua ação é conforme o dever
mas não por dever, já que se fosse por dever, a ação seria
um fim em si mesma e não um meio para alcançar outra
finalidade, neste caso, a recompensa divina. Ora a vontade boa tem a característica de ser dirigida pela liberdade
EXAME NACIONAL | PROVA
SOLUÇÕES
MODELO
47
do imperativo categórico, razão pela qual Kant afirma que
“não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão
para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é, em si mesma, e, considerada em
si mesma”. Como refere o texto, uma ação determinada
pela vontade boa não é manejada com qualquer utilidade,
ela é boa em si mesma.
2. Só uma vontade boa é incondicionada, ou seja, não é
motivada por fins exteriores ao princípio da ação. Existem dois imperativos que funcionam como comandos da
ação. Não agimos sem desejo. Ora, o nosso desejo de agir
pode ser determinado pela ação ela mesma ou com outro
fim que não a ação. A Madre Teresa de Calcutá ficou conhecida por ajudar muito os mais desfavorecidos. Vamos
supor que o motivo (intenção) das suas ações era ganhar
a proteção de Deus. Esta ação seria, segundo a filosofia
moral de Kant, conforme o dever e nunca por dever. Isto
porque a sua ação não tinha um fim em si mesma (ajudar
os pobres), era suscitada pela recompensa que daí adviria.
Assim, podemos afirmar que a ética kantiana é uma ética
de intenções, sendo que a forma de avaliar as intenções é
o teste da universalidade.
Kant refere que os comandos de ação são os imperativos,
categórico e hipotético. Um imperativo é categórico se a
intenção é a ação como um fim em si mesma; é hipotético
se a ação é apenas um meio para alcançar outros fins que
não a ação em si mesma.
Uma vontade é autónoma se é livre, isto é, se se determina
apenas a si mesma e não é condicionada por outros fins
que não os da própria ação. Assim, a vontade de agir da
Madre Teresa, no nosso exemplo, não é uma vontade boa,
pois não é livre, uma vez que só existe porque está condicionada com um fim heterónomo, o de receber a proteção
de Deus.
GRUPO IV
1. Para que a indução fosse fundamentada, teria de o ser
ou por meio da razão, ou por meio da experiência. Tal não
é possível, uma vez que é por meio da experiência que
sabemos que o Sol nasceu todos os dias e é por meio de
uma indução que afirmamos que o Sol também nascerá
no futuro. Acontece que a verdade da premissa não nos
dá garantia da verdade da conclusão, tornando-a somente provável. Mas como é que podemos estar certos que
o Sol continuará a nascer? Novamente somente por meio
da experiência passada de o ter visto sempre nascer.
Hume chama a isto o Princípio de Uniformidade da Natureza. Assim, a nossa crença na Uniformidade da Natureza tem por base uma indução. Em conclusão, a indução
não pode ser justificada com base na experiência, mas
também não pode com base na razão. Se pudesse ser
justificada com base na razão, bastaria que as premissas fossem verdadeiras para a conclusão também o ser.
Mas a indução não funciona assim, pois pode acontecer
que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Por essa razão, podemos afirmar que a indução não tem
justificação.
48
SEBENTA DO ALUNO • COMO PENSAR TUDO ISTO?
É exatamente por estas razões que o autor refere no
texto que a crença de que o Sol vai nascer amanhã ou que
ele se vai transformar num ovo gigante, de acordo com
Hume, não pode ser justificada conclusivamente.
2. Origem do conhecimento:
Para Descartes, a origem do conhecimento não pode
residir nos nossos sentidos, já que os sentidos não são
fonte credível de conhecimento seguro. O conhecimento
constrói-se baseando-se nas ideias inatas seguindo um
método correto e com a garantia de que Deus garante o
funcionamento da nossa razão. É por isso também que
Descartes é um racionalista, que é a marca distintiva da
sua epistemologia.
Para David Hume, todas as ideias têm origem nos dados
da experiência sensível. Obtemos conhecimento pela
perceção que temos dos dados dos sentidos. O que temos são conteúdos mentais que são ou impressões, ou
ideias. As nossas ideias são cópias das impressões e, por
isso, não nascem com as pessoas, ao contrário do que
pensava Descartes.
Possibilidade do conhecimento:
Para Descartes, o conhecimento é possível uma vez que
a razão esteja liberta dos dados dos sentidos, tornando
o seu funcionamento dependente da garantia de Deus.
Sendo assim, conclui Descartes que podemos alcançar
conhecimentos objetivos acerca do mundo.
Para Hume só existe conhecimento se pudermos indicar
as impressões de que deriva. Todas as ideias têm de ter
um correspondente sensível, caso contrário são ideias
falsas. Hume critica assim os racionalistas ao pressupor
que não há conhecimento sem experiência e que o conhecimento não pode ficar-se pelos procedimentos racionais
da matemática.
Neste sentido, também é certo que Hume tem uma posição moderadamente cética relativamente à possibilidade
do conhecimento, já que qualquer lei natural não é senão
proveniente de uma generalização a partir da própria experiência.
Limites do conhecimento
Descartes defende que pela razão, apoiada quer nas
ideias inatas, quer na segurança divina, podemos obter
um conhecimento total e verdadeiro acerca da realidade.
Deus, alma e mundo podem ser conhecidos.
Para Hume, o nosso conhecimento está limitado pelas
sensações e experiências daí provenientes. E o problema
é que o conhecimento acaba por estar limitado pela experiência sensível, não se podendo, segundo Hume, e ao
contrário do que pensa Descartes, afirmar conhecimento
sobre realidades das quais não temos qualquer experiência, como Deus.

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