A OCB e o SESCOOP Profissionalizando o

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A OCB e o SESCOOP Profissionalizando o
A OCB e o SESCOOP: Profissionalizando o Agronegócio
“Cooperativo” capitalista no Brasil. Reflexões iniciais sobre o caso
COAMO
Pedro Ivan Christoffoli1
Raoni Fernandes Azerêdo2
Resumo
O presente artigo ainda que de forma embrionária busca discutir acerca da
modernização conservadora da agricultura paranaense, buscando analisar as condições que
propiciaram a emergência de coooperativas agropecuárias com grande poderio político e
econômico, articuladas com o bloco conservador da sociedade, a exemplo da COAMO. Esta,
destaca-se pela forte presença via expansão territorial de suas unidades, caracterizando de
inicio uma territorialidade para acesso a novos mercados econômicos, ganhos de escala e
competividade, ao mesmo tempo exercendo influência política e orquestrando as mudanças
do espaço agrário em territórios por ela dominados. Ainda que seja uma pesquisa inicial,
procuramos delinear que a estratégia da COAMO, induz uma dinamica de territorialização e
materalização
do
capital,
voltando-se
para
uma
agricultura
moderna/tecnicizada
extremamente vinculada às grandes cadeias produtivas agroindustriais.
Palavras Chaves: Estado; Cooperativismo; Expansão territorial
Introdução
1
Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) Campus Laranjeiras do Sul. Membro do
NECOOP/UFFS.
2
Mestrando do Programa em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe - UNESP-SP.
Membro do Núcleo de Estudos em Cooperação (NECOOP/UFFS)
Após a segunda guerra mundial, em especial a partir do início da década de 1960, o
setor agrícola no Brasil sofreu grande impacto e transformações em sua forma de produção,
tendo como base principalmente a mecanização, a introdução de novas culturas alimentares e
o uso de insumos químicos e biológicos, advindo dos pacotes da revolução verde, bem como
a aplicação de novas formas organizacionais de trabalho, tudo isso alicerçado em farto
fornecimento de crédito subsidiado. Apesar de uma ilusória abundância manifestada nos
números das exportações, a produtividade crescente tem sido incapaz de saciar a fome
presente nos campos e nas periferias brasileiros. Mais do que isso, têm contribuído para sua
manutenção ao longo do tempo via apropriação excludente dos recursos naturais no campo,
pela redução dos cultivos alimentares e expulsão de trabalhadores rurais para as periferias
urbanas.
Este modelo produtivo é moderno, no sentido de incorporação de novas tecnologias,
porém é excludente, já que reproduziu e aprofundou desigualdades distributivas na
apropriação da terra e da renda no campo brasileiro, gerando a expulsão de camponeses para
os centros urbanos ou para áreas de fronteira agrícola, gerando desemprego nos campos e nas
cidades, degradação e marginalização urbanas, e destruição ambiental.
Neste trabalho, analisamos o processo histórico da modernização agrícola no Paraná,
em especial da região de Campo Mourão, onde está localizada a COAMO, que exemplifica o
que DELGADO (1985), descreve enquanto um cooperativismo agrário que acompanhou este
processo de modernização da agricultura no Brasil, onde se apresenta a figura da
“multicooperativa - entidade que se assemelha com uma empresa controladora de um grupo
empresarial pela diversificação setorial e espacial de operação econômica”.
Neste artigo, pretende-se fazer uma reflexão inicial e identificação dos mecanismos
pelos quais o Estado Restrito em articulação estreita com a burguesia agrária e latifundiária,
mediaram e direcionaram uma agenda política favorável de políticas públicas que
impulsionaram o fortalecimento do Agronegócio. Em especial iniciar uma reflexão das
estratégias em que as Cooperativas Agropecuárias, a exemplo da COAMO, utilizaram para se
adaptar e manter-se em meio ao processo de acumulação do capital no cenário internacional.
Uma das hipóteses à qual essa pesquisa tende a se debruçar, é como as cooperativas
agroindustriais, a exemplo da COAMO, vinculadas à lógica global de uma agricultura
capitalista modernizante se viabilizam em detrimento dos pequenos produtores, e ao mesmo
tempo asseguram maior poder econômico/político à burguesia agrária e aos grandes
produtores, em arranjos produtivos e institucionais subordinados ao capital financeiro e
transnacional na agricultura. Para montar esse aparato se utilizaram de relações para-estatais
com a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e da criação de mecanismos legais de
apropriação da mais valia social através do SESCOOP.
2. O papel do Estado Restrito na modernização da agricultura no Paraná
Segundo João Bernardo (1998) o Estado Restrito é formado pelo aparelho político
reconhecido juridicamente, definido pela Constituição de cada País: Governo, Parlamento e
Judiciário. Entendemos que em sua origem, e até meados da década de 1970, na análise do
autor, o Estado Restrito no Brasil detinha o poder de controle e execução das Condições
Gerais de Produção3 que tinha por objetivo permitir e propagar o desenvolvimento da
produtividade do capital.
No Brasil, o Estado Restrito joga um papel essencial no processo de modernização e
reestruturação das condições gerais de produção na agricultura, ocasionadas por fartas
políticas públicas e distribuição/subsídios de créditos. Para DELGADO (1985) o Estado foi o
principal financiador do processo de modernização e expansão territorial da agricultura
brasileira entre o pós-guerra e meados da década de 1980. O autor identifica 3 etapas neste
processo, em que o o Estado foi ator essencial para esta reestruturação na agricultura
✓ A primeira etapa que vai de 1930-1965 denominada de Gênese da política
agrícola e produção incipiente de grãos, predominando no Paraná, a produção e
exportação basicamente de café.
✓ A segunda etapa de 1965-1985 é denominada de Fase da modernização da
agricultura e expansão dos fronts agrícolas, com o objetivo de modernizar,
3
“As Condições Gerais de Produção constituem a principal esfera de existência do Estado que incluem o
conjunto das infra-estruturas materiais, tecnológicas, sanitárias, sociais, culturais e repressivas indispensáveis à
organização geral do capitalismo e ao seu progresso” (BERNARDO,1998).
diversificar e expandir a agricultura brasileira, inspirada na política de
substituição de importações.
✓ A terceira é denominada fase da Transição da política agrícola estatal para a
regulação privada e inicia-se em meados da década de 1980, caracterizando-se
pela menor intervenção direta do Estado, com o fim do fornecimento do crédito
subsidiado,
e
pela
crescente
participação
das
empresas
(tradings,
agroindústrias, indústrias de insumos e maquinário agrícola) e de agentes
financeiros no fornecimento do crédito e regulação da política agrícola.
(FREDERICO, APUD DELGADO,1985)
De acordo com FAJARDO (apud FLEISHFRESSER, 1988), no Paraná as condições
foram muito favoráveis à modernização, pois a economia estava interligada ao mercado
nacional4, havia disponibilidade de terras excelentes e existia um nível razoável de
acumulação entre os produtores de café5.
“No Paraná, como em outros Estados, a política de crédito rural foi decisiva
para a modernização significando a maior parte no volume de vendas de
tratores e do consumo de fertilizantes. Sendo o Paraná, sobretudo nos anos
1970, o Estado onde houve a maior expansão das áreas de soja e trigo, o
consumo de insumos modernos para essas lavouras foi enorme graças aos
créditos oferecidos e destinados especialmente às mesmas culturas”
(FAJARDO, 2008)
PEREIRA (1992) identificou que o Paraná obteve um volume de crédito destinado à
atividade agrícola representando cerca de 20% do total destinado para o Brasil. A
modernização da agricultura se caracterizou pela crescente utilização de insumos industriais, máquinas
e equipamentos na produção agropecuária, tendo acarretado um revolucionamento na base técnica da
economia agrícola estadual paranaense, implicando em novas formas de estruturação da produção e
4
O Governo Estadual, através do Banco de Desenvolvimento do Paraná (BADEP), criado para
promover seu projeto de desenvolvimento, e, principalmente através da renda gerada pelo setor cafeeiro no
Estado, já havia investido muito na implantação dessa infra-estrutura básica para o recebimento da indústria na
década de 1960. (DENKER,2009, pág.39)
5
Mesmo quando o café representava seu principal produto, juntamente com ele se cultivava o milho, o
arroz, o feijão e muitas outras culturas (DENKER,2009, pág.37).
novas culturas alimentares, o que também veio a afetar sobremaneira a estrutura fundiária paranense
(DENKER 2009).
SERRA (2013) relata que até o período de modernização da agricultura, a cafeicutura
era atividade predominante no Norte do Paraná, no entanto a partir da década de 1970, houve
a inserção de novas culturas alimentares, como o trigo e sobretudo a soja. De acordo com
FAJARDO (2008) e SERRA (2013) a cultura da soja foi a mais representativa nesta passagem
da modernização da agricultura paranaense.
A considerável expansão da área cultivada com soja, que até então era uma cultura
sem grande importância e veio a ser em 10 anos o principal produto agrícola do Paraná. Para
(ROLIM,1995) “o sucesso da soja em substituição ao café no Norte do Paraná se deve à
condição de essa cultura possuir: inovações pré-adquiridas como sementes selecionadas; um
processo de produção totalmente mecanizado desde o plantio até a colheita; a capacidade de
aliar interesses, que impulsionaram o seu cultivo: o das indústrias processadoras e
exportadoras do produto e do Estado que teve incluído um produto de grande aceitação na
pauta de suas exportações”
Assim podemos constatar, apoiado nos autores, que o êxito da soja e do trigo se deram
por exigir áreas maiores (acima de 50 hectares)6 para implantar-se, aliando aos interesse dos
grandes latindudiários e da burguesia agrária com escasso apoio do Estado. Para fins de
melhor elucidação sobre tal apoio, a soja e o trigo em conjunto utilizavam em 1970, 10,15%
do crédito de custeio estatal, em 1979 este percentual passa para 39,02%, ficando nitidamente
claro para quem estas políticas estavam endereçadas.
Neste percurso o Estado teve como seus principais instrumentos para implantar esta
modernização conservadora, a insistente propaganda de reestruturação de culturas e costumes
alimentares promovido via o sistema ABCAR7/EMBRATER, e sobretudo o crédito
6
Ainda na década de 70, o Paraná deparou-se com uma grande concentração no que tange à estrutura
fundiária. Observa-se que o numero de pequenos estabelecimentos, com área de até 20 ha., diminuiu em 76000
unidades no Estado. Esta redução foi tem como contrapartida a expansão dos grandes estabelecimentos com área
acima de 500 ha., cuja área total apresentou aumentode 26,1% para 30,8% (DENKER, 2009, pág.47)
7
A ABCAR Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural foi criada em 1956 e
congregava as seções estaduais responsáveis pelo processo de modernização do meio rural numa
perspectiva de integração ao mercado de insumos e do capital financeiro. Tratava-se de uma parceria
público privada de caráter internacional (Grupo Rockefeller/governos estaduais e federal) visando
implantar o modelo da revolução verde no campo. No PR a ACARPA, criada em 1959, fazia parte
dessa rede.
subsidiado tanto para as unidades produtivas parcelárias, como para implantar estruturas e
organizações de apoio à produção e comercialização dos produtos agrícolas, como foi o caso
das cooperativas.
O regime militar alocou grandes somas de recursos financeiros, a juros baixos, para
capitalizar os grandes proprietários, possibilitando investimentos pesados em
máquinas e insumos modernos (sementes, fertilizantes, inseticidas, etc.). Na verdade,
este “pacote tecnológico”, a Revolução Verde, foi implantado através de crédito
subsidiado, associado com as ofertas de assistência técnica, recursos públicos para a
pesquisa e preparação de profissionais especializados (ensino universitário ou
técnico). (SAUER e TUBINO, 2007, pág.4).
No Brasil, de acordo com MENDONÇA (2005) as cooperativas foram as formas de
organização produtiva no espaço agrário priorizado para a adaptação da agricultura aos
cenários do capital mundial8. Em síntese, o Estado tinha por objetivo deslegitimar o papel de
resistência e luta que tinham as cooperativas autônomas em outros Países, e
concomitantemente neutralizar os conflitos sociais no campo, criando uma classe média rural
consumidora de produtos industrializados, dinamizadora do mercado interno brasileiro.
Destaca-se nesse processo, que o cooperativismo brasileiro capitaneado pela OCB9 e
reorganizado sob a Lei nº 5.764/1971 tem desde o seu inicio a lógica economicista-ideológica
sob a órbita capitalista, que em sua estreita afinidade com o Estado, se tornaram premissas
para que a OCB, entre outras organizações de representação das classes dominantes agrárias,
se “tornassem os porta-vozes autênticos das agremiações patronais”, o que foi aplicado na
implementação de políticas públicas, na difusão de sua ideologia, e na constituição de seus
“intelectuais orgânicos” que se consolida na difusão de um cooperativismo agropecuário
como simulacro de desenvolvimento, democracia e igualitarismo.
8
Hespanhol (1990) salienta ainda que o governo federal, por meio do Banco Nacional de Crédito
Cooperativo – BNCC, e o governo estadual, por meio do Banco de Desenvolvimento do Paraná – BADEP,
estimularam a formação de novas cooperativas, conferindo financiamentos a longo prazo com taxas de juros
inferiores à inflação para instalação de infraestrutura como silos, graneleiros e armazéns
9
A própria OCB foi constituída sob a égide da ditadura militar então vigente, em 1969, a partir da
união entre as entidades representantes do cooperativismo brasileiro, a Aliança Brasileira de Cooperativas
(ABCOP) e União Nacional de Associações de Cooperativas ( UNASCO). O interessante é que essa unificação
se deu sob patrocínio do governo militar, visto que a convocação e o local para a reunião de unificação se deu no
próprio gabinete do ministro da Agricultura, sob convocação deste (SILVA, 2006)
É neste percurso temporal que o núcleo duro do cooperativismo conservador brasileiro
(dentro dele a OCEPAR), nasce visando apoiar e executar os projetos de interesse das
cooperativas paranaense, de acordo com (FAJARDO, 2006 Apud OCEPAR, 1997, pág 5) “já
em 1969, visava dar um novo impulso às cooperativas paranaenses, tem inicio as primeiras
discussões em torno da implantação dos projetos de integração numa ação coordenada
conjuntamente entre os vários órgãos promotores do cooperativismo”. Assim foram orientado
em 1971, uma parceria envolvendo órgãos como Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária - INCRA, Departamento de Assistência ao Cooperativismo - DAC e
Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná -ACARPA visando estruturar a forma
de atuação das cooperativas que culminaria na instalação dos Projetos de Integração
Cooperativista, onde o Paraná foi dividido em três grandes áreas (Figura 1), cada uma
relativa a um projeto10.
Figura 1
Fonte: IPARDES,1974, Org.Andrade (2013).
A criação do SESCOOP, RECOOP e a modernização capitalista do cooperativismo
brasileiro
10
Ver RICKEN.J. A Integração Econômica e Social nas Cooperativas Agropecuárias do Paraná. 2009
Já salientamos em outros trabalhos que a OCB teve e tem fundamental importância na
criação e condução do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP)
com recursos oriundos da folha de pagamento dos funcionários de cooperativas (inclusive as
não filiadas à OCB) através do Sistema “S” para o meio rural. Esta política quis o “destino”
que também fosse criada a partir da Medida Provisória 1.715, de 03 de setembro de 1998 que
deu origem ao RECOOP. Em que seu artigo 7º dispõe que:
“O SESCOOP, com personalidade jurídica de direito privado, tem o objetivo
de organizar, administrar e executar a formação profissional, desenvolvimento
e promoção social das trabalhadoras e trabalhadores em cooperativa e dos
cooperados”.
O conselho de gestão do SESCOOP foi composto inicialmente por representantes de
diversos ministérios (trabalho, previdência, fazenda, planejamento, agricultura) e em especial
tem no §1º, do artigo 9º do regimento, que a presidência seria exercida por representante da
OCB (FARIA, 2006; SAUER e TUBINO, 2007). Os autores afirmam que esta estratégia do
SESCOOP se estenderia em todas as unidades da federação, ou seja, onde existirem entidades
(cooperativas) ligadas à OCB haverá ligação com o SESCOOP. A arrecadação do SESCOOP
é realizada através do recolhimento pela Previdência Social no percentual de 2,5%, sobre o
montante da remuneração paga a todos os empregados das cooperativas (FARIA, 2006). Isso
se dá inclusive sobre as cooperativas não filiadas à OCB e mesmo àquelas que se opõe
frontalmente à sua linha política e modus operandi.
O atual modelo do SESCOOP, não só admite como privilegia o trabalho subordinado
no âmbito das cooperativas e ademais prevê uma unicidade representativa extremamente
antidemocrática e injusta.
Segundo as informações apresentadas no Relatório da Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito, denominada “CPMI da Terra”, extraídas do relatório de Ordens Bancárias do
SIAFI, revela que a OCB e o SESCOOP receberam dos cofres da União juntas,
aproximadamente, R$ 200,3 milhões, entre janeiro de 1995 e outubro de 2005. Isso além de
que a OCB acessa convênios firmados com organismos federais, reduzindo substancialmente
o repasse a outras entidades de representação do cooperativismo e da economia solidária
dissidentes da OCB.
Baseados nos estudos de SAUER e TUBINO (2007) e FARIA (2006) sobre a
apropriação do SESCOOP pela OCB destacamos três questionamentos que se fazem
necessários aprofundar:
1. Entendendo o SESCOOP, como recurso público (visto sua arrecadação compulsória via
Previdência Social Pública), quais são os critérios de distruibuição desses recursos
(inclusive para entidades discordantes da linha oficialista da OCB) e quais as normas
que devem reger as prestações de contas do SESCOOP?
2. Esta simbiose entre o SESCOOP e a OCB11, uma entidade que representa a classe
agrária patronal, não colocaria em xeque os valores e princípios cooperativos e os
princípios da administração pública?
3.
Até que ponto o SESCOOP prepara os trabalhadores para além do trabalho
subordinado mediante um estímulo à profissionalização da gestão? Em que medida ele
não deveria também ser direcionado para preparar formas de autogestão cooperada,
como alternativa ao trabalho subordinado?
Nos apoiamos nos autores mencionados acima, onde afirma-se que o SESCOOP tem
“por finalidade a formatação do indivíduo para o trabalho subordinado, fato que contraria
diretamente a lógica emancipatória do sistema cooperativo e aponta para a fabricação da
docilização e não para a autonomia dos trabalhadores” (FARIA 2006, pág.125). Da mesma
forma SAUER e TUBINO (2007, pág.15) afirmam que “é preciso democratizar a
administração de um recurso público que deveria ser destinado às trabalhadoras e
trabalhadores rurais. Não há justificativa político-ideológica que sustente que serviços – de
educação e formação profissional – aos mais pobres do campo, sejam trabalhadores rurais,
sejam agricultores familiares cooperados, sejam administrados pelas entidades patronais”.
Neste cenário, delinearemos na seção seguinte, a importância que a OCB, através de
suas gestões frente ao Estado tem conquistado vitórias, a exemplos do RECOOP e do
11
É interessante observar que tal fato ocorre também e mais fortemente com os recursos do SENAR, serviço controlado pelo latifúndio e suas
entidades representativas. Ocorre que, também como recurso público, sua destinação deva ser auditada e democratizada.
SESCOOP, levando-a a configurar uma espécie de bloco histórico do agronegócio, que
disputa a hegemonia econômico-política junto às classes sociais no Brasil. Ressalte-se que a
OCB foi também co-responsável, como afirma (MENDONÇA, 2005, pág 18) pelo “processo
de recriação do conceito de agricultura, imbricando-o à noção mais ampla de Agronegócio”,
materializada nos CAI´s Cooperativos enquanto modelo de agricultura tecnicizado e
tecnicizante.
3- O Contexto de Campo Mourão/PR12 e o surgimento da COAMO
De acordo com (DENKER,2009; ROCHA, 1999; ANDRADE, 2013) Campo Mourão,
situado no Noroeste do Paraná, acompanhou intensivamente o processo de reestruturação das
condições gerais da produção na agricultura a partir da modernização capitaneada pelo Estado
Restrito. Os autores ressaltam que até a década de 1970 a população era predominantemente
rural. Com a introdução da agricultura intensiva e mecanizada advinda deste processo na
seção anterior, houve uma consequente redução de massa trabalhadora no campo, tendo o
urbano se sobreposto ao rural.
“Em 1980, 65,60% da população do município passou a morar na área urbana. O
levantamento censitário de 1980 mostra que, embora a população total do município
de Campo Mourão tenha diminuído, foi registrado na área urbana um aumento
populacional de 81,3% em relação à década anterior” (DENKER apud IBGE, 1982)
De acordo com os autores esta transformação da agricultura foi provocada
inicialmente pela exploração florestal extrativista, uma das primeiras atividades econômicas
de expressão em Campo Mourão13 num processo que levou à espoliação das matas nativas.
Assim, no momento em que a região entrou no período de transição, entre a exploração da
madeira e o início da atividade agrícola, José Aroldo Galassini, recém formado agronômo e
12
O cooperativismo iniciou tardio em relação a outras regiões do estado e, ao contrário do Norte
paranaense, a cafeicultura foi pouco expressiva, o cooperativismo nasce e se desenvolve atrelado às culturas
modernas – primeiramente com o trigo e logo a seguir a soja. (ANDRADE, 2013)
13
Segundo dados de produção extrativa vegetal de 1948, publicados pelo IBGE (1950) a economia do
município era sustentada pela exploração da erva mate, seguida pelo pinho, gradativamente substituídas pela
agricultura, principalmente pelas culturas do milho, cana de açúcar, abacaxi e feijão
técnico da ACARPA, chegou a Campo Mourão em 28 de janeiro de 1968, iniciando um
trabalho de identificação de lideranças rurais, com o intuito de viabilizar a fundação de uma
cooperativa.
“Como fruto desse trabalho foi fundada a Cooperativa Agropecuária Mourãoense
Ltda. (Coamo), em 28 de novembro de 1970, por 79 associados. Sua constituição foi
resultado da ação conjunta de agricultores vindos de Guarapuava, pioneiros na região
no cultivo de trigo e soja e possuidores de experiência cooperativista” (PEDROZO,
1991, pág. 245)
Neste sentido, os aspectos políticos, econômicos e culturais da região foram
significativos para o processo de criação da COAMO. De acordo com Ávila (2002, p. 41), a
“Coamo surge para atender os triticultores, que começavam esta atividade agrícola no final da
década de 1960, porém, se viam com dificuldades para o armazenamento e comercialização
da nova cultura”. A política de expansão da triticultura se dava por intermédio de políticas
públicas coordenadas pelo Banco do Brasil através da COTRIN14. Já em 1971, José Aroldo
Galassini que até então era assessor do Presidente da COAMO, assumiu a Chefia Regional da
ACARPA de Campo Mourão, com abrangência sobre 15 municípios15. Coincidência ou não,
neste período inicial a COAMO abrangia 14 municípios da região, demonstrando sua íntima
ligação com a estrutura organizativa do Estado paranaense.
Contudo o processo de expansão territorial da COAMO se efetiva, como veremos
adiante, na implantação de unidades administrativas, entrepostos, assistência técnica e
armazamento de grãos.
Um Retrato da COAMO ao longo dos anos
14
A política de estímulo ao trigo nacional vigorou com forte apoio estatal no período de 1951 a 1967
sendo torrnado obrigatória a compra de trigo nacional pelos moinhos e controlada a importação de trigo através
do BB. O trigo nacional chegou a auferir preços 150% maiores do que o trigo importado, no período. Em 1957
devido ao crédito subsidiado para construção de armazéns, somente no RS foram criadas 20 cooperativas
tritícolas (SILVA, 1992).
15
A COAMO – ainda na década de 70, passou a ser responsável por uma área que ultrapassa a elimitação
original do projeto NORCOOP. Esse espaço dentro do projeto SULCOOP, que englobava na época os
municípios de Palmas, Bituruna, Mangueirinha e General Carneiro, passou, assim, a incorporar o NORCOOP
As cooperativas agropecuárias, a exemplo da COAMO, exemplificam a importância
do cooperativismo para a compreensão do processo histórico de modernização da agricultura
paranaense e consolidação/reprodução do capital no campo.
“ no transcorrer de sua evolução histórica, acompanhando todas as vicissitudes da
política econômica do país e do exterior [...] estruturou-se como uma mega empresa
capitalista distanciando-se do dogma do cooperativismo. Como empresa capitalista o
seu principal objetivo é obter lucro em seus empreendimentos, proporcionando uma
boa remuneração para a produção de seus associados”. (ÁVILA 2002, p. 100)
A Coamo se estrutura gradualmente, expandindo seu espaço de atuação no Paraná e
posteriormente em outros estados (SC e MS).
Quadro 1- Coamo. Cronologia de implantação e desenvolvimento da cooperativa.
Ano
Evento
197116
Obteve o registro como produtor de sementes na Comissão Estadual de
Sementes de Soja e Trigo no Paraná.
1972
Implantou sua sede própria, com a construção do primeiro armazém próprio
com área de 2250 metros quadrados. No mesmo ano a COAMO fortaleceu
a educação cooperativista conveniando-se com a ACARPA; Em junho a
Coamo obtém registro junto à Ocepar - Sindicato e Organização das
Cooperativas do Estado do Paraná.
1973
A assembléia geral autorizou a participação da Coamo no consórcio Itaipú
de Cooperativas, destinado a compra de terrenos na faixa portuária de
Paranaguá, onde poderiam ser construídos armazéns e outras estruturas
necessárias; No mesmo ano entrou em funcionamento o laboratório de
análise de sementes
1974
Foi aprovado pela assembléia dos sócios, apoiados no estudo de viabilidade
econômica, a construção do primeiro entreposto da cooperativa na cidade
de Engenheiro Beltrão e Mamborê. Neste ano iniciaram os cursos de
treinamento agrícolas e foi fundada a associação recreativa dos
funcionários da Coamo. Também a diretoria traçou as seguintes metas para
o ano de 1975: Implantação do Crédito Rural Educativo e de Repasse;
implantação da loja de peças, acessórios e lubrificantes; instalar um
escritório de comercialização de soja no Terminal Marítimo de Paranaguá
em conjunto com as cooperativas do Consórcio Itaipú e aumento de
16
Ver (DENKER,2009) ; (PEDROZO,1991)
produção de sementes: 200.000 sacas de soja e 200.000 sacas de trigo
1975
José Aroldo Galassini foi eleito presidente da COAMO pela primeira vez.
Neste mesmo ano foi instalada a fazenda experimental da COAMO e
começou a funcionar em 30 de junho o moinho de trigo, ressalta-se a
importância das pesquisas e da manutenção de uma base tecnológica
propicia para o desenvolvimento da cooperativa No mesmo ano foi criado o
jornal informativo da COAMO
1976
Implantado o Crédito de Repasse para associados de até 140 hectares,
através de convênio com o Banco do Brasil; Início das atividades do Centro
de Treinamento Agrícola da Coamo (CTA), com objetivo de capacitar os
cooperados no uso correto dos equipamentos, maquinários e insumos.
1977
Inauguradas as lojas de insumos em Mamborê e Engenheiro Beltrão, bem
como a implantação de viveiro de mudas na fazenda experimental
1978
Iniciou seu processo de expansão por aquisições de outras firmas coopercentro de Pitanga e incorporação de outras a exemplo da Copalma de
Palmas/PR17
1979
Iniciou um programa de reflorestamento para a produção de lenha, visando
a secagem de cereais na sua estrutura operacional.
1980
Em setembro, a Coamo é eleita pela primeira vez, a empresa de "melhor
desempenho no setor agropecuário nacional", pela revista "Exame";
Coamo inicia experimentos inéditos no Paraná, com a cultura do eucalipto,
em parceria com a Embrapa/CNPF
1981
A cooperativa passa a fazer o processamento da soja, ainda em estado
bruto, produzindo óleo e farelo, iniciando seu processo de verticalização,
industrialização.
1982
Começa a funcionar a indústria de óleo de soja em Campo Mourão, bem
como inicia o planejamento estratégico para a implantação de sua segunda
indústria: destilaria de álcool. Nesse mesmo ano, continua seu processo de
expansão de atuação, ultrapassando as fronteiras do Estado do Paraná,
chegando à Santa Catarina
1983
Coamo inaugura loja de peças em Pitanga, na região Centro do Paraná.
1984
Continua seu processo de expansão de sua área de atuação, ultrapassando
17
Destaca-se que José Aroldo Galassini, nas duas cidades, recebeu o título de cidadão honorário,
afirmando
a
influência
política/econômica
da
COAMO
perante
a
região:
http://canalcooperativo.com.br/tag/copalma/
;
http://www.crn1.com.br/variedades/4520/[email protected]
as fronteiras do Estado do Paraná, chegando à Santa Catarina, com a
incorporação da Cooperativa de Abelardo Luz – COOPERAL; Em
outubro, a Coamo instala em sua Fazenda Experimental em parceria com a
Embrapa o Laboratório de Entomologia, que foi o primeiro do Brasil na
iniciativa privada, para a produção artificial do inseticida biológico
(baculovirus anticarsia) para o controle de lagartas na soja.
1985
A Fiação de Algodão da Coamo entra em funcionamento; Em 8 de agosto
entra em operação a Destilaria de Álcool da Coamo
1986
Ingressou na fiação de algodão,utilizando equipamentos modernos.
Destaca-se a importância do recolhimento do ICMS para o Estado do
Paraná adivindo das atividades da COAMO, sendo a 8º maior de
recolhimento naquele período; Em novembro, o Parque Industrial da
Coamo passa a funcionar com energia elétrica gerada pela queima do
bagaço de cana, oriundo da Destilaria de Álcool
1987
O presidente da Coamo José Aroldo Gallassini é eleito vice-presidente da
Ocepar – Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná.
1988
Coamo bate pela segunda vez consecutiva o recorde nacional de
recebimento de trigo.
1989
É fundada a Cooperativa de Crédito Rural da COAMO – CREDICOAMO,
com o objetivo de dar apoio financeiro e crédito rural aos cooperados
1990
Adquire a industria de óleo de soja em Paranaguá-PR, expandido assim sua
verticalização industrial. Neste ano destaca a concessão do terminal
portuário em Paranaguá, o que propiciou o inicio da estratégia de
exportação de produtos.
1994
Há uma forte expansão horizontal de suas atividades na região oeste do
Paraná; Aprovação de investimentos da ordem de 42 milhões de dólares;
Em dezembro, a Coamo inicia suas atividades na região Oeste do Paraná
nos entrepostos de Toledo, Dez de Maio, Vila Nova, Nova Santa Rosa,
Bragantina, Tupãssi, Ouro Verde do Oeste e São Pedro do Iguaçu.
1995
Entra em funcionamento a Cooperativa de Desenvolvimento Tecnológico e
Econômico Ltda. (Coodetec), em Cascavel – PR, tendo a Coamo como uma
das suas cooperativas associadas.
1996
Foi inaugurada a refinaria de óleo de soja, considerada uma das mais
modernas do Brasil. Neste mesmo ano, foi implantando o laboratório de
trigo e algodão
1997
Em dezembro, a Coamo adquire definitivamente diversos entrepostos na
região Oeste do Paraná, através de carta de arrematação em leilão judicial.
1998
Coamo amplia atuação no Vale do Ivaí, iniciando atividades nos
Municípios de Ivaiporã, Jardim Alegre e Lunardel; Foi lançado o Projeto de
Fertilidade do Solo e Nutrição de Plantas, para aumentar a produtividade e
a renda dos cooperados.
1999
A cooperativa fortalece a integração vertical, diversificando a produção a
partir de operações com hidrogenação, que permite utilizar as gordudas
hidrogenas para fabricar margarinas; Estende suas atividades de atuação no
Sul do Paraná, iniciando em Guarapuava, Pinhão e Candó
2002
A Coamo recebe em abril, o prêmio de Maior Exportadora do Sul do Brasil,
em Florianópolis – Santa Catarina, em evento realizado na sede da
Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiep), em promoção
da revista Expressão; Coamo realiza Assembléia Geral Extraordinária e
aprova investimentos de R$ 66,3 milhões em ampliações no seu complexo
industrial e entrepostos; A Coamo inaugurou entrepostos em Ivaiporã,
Vila Nova;
2003
Em outubro, a Coamo lança sua nova logomarca e apresenta aos
cooperados a sua nova denominação social – Coamo Agroindustrial
Cooperativa;
Também em Assembléia Geral cooperados aprovam
investimentos de R$ 77 milhões para a modernização industrial e de
operações; Em setembro confirma a, parceria com o Banco do Brasil para
financiamento da safra de verão de R$ 200 milhões; Novos entrepostos
entram em funcionamento na área de ação da Coamo: Moreira Sales e
Nova Brasília (Araruna) no Noroeste do Paraná; Vista Alegre (Coronel
Vivida) no Sudoeste paranaense; Cantagalo e Napoleão (Guarapuava) na
região Centro-Sul do Paraná. Também inicia a Expansão da área de atuação
estendendo suas atividades para o Estado do Mato Grosso do Sul;
2004
Coamo inaugura entrepostos em Faxinal e Marilândia do Sul, na região
Norte do Paraná, e em Clevelândia, Sudoeste paranaense, com o início das
suas atividades; Coamo é premiada como a Maior Empresa Exportadora do
Sul do país, pela revista Expressão; Coamo investe R$ 50 milhões e duplica
indústrias de óleo de soja em Campo Mourão; Coamo ganha o prêmio de
Cooperativa do Ano na categoria ´Educação Cooperativista’, pela
OCB/Revista Globo Rural.; Cooperados da Coamo aprovam em
Assembléia Geral investimentos de R$ 142 milhões para ampliação da
capacidade armazenadora nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato
Grosso do Sul, além de incrementar áreas de reflorestamento energético;
2005
Coamo exportou US$ 540 milhões em 2004, representando mais da metade
das exportações das cooperativas do Paraná; É lançado o Programa
Tecnologia de Aplicação de Defensivos Agrícolas (TA) visando a redução
do desperdício na aplicação de defensivos; Novo e moderno entreposto em
Candido de Abreu, ao mesmo tempo que o entreposto de Moreira Sales é
ampliado.
2007
José Aroldo Gallassini é eleito vice-presidente da Ocepar para mandato de
quatro anos; Novo entreposto da COAMO é inaugurado em Coronel
Vivida recebendo investimentos da ordem de R$ 7 milhões
A Coamo se estrutura gradualmente, expandindo seu espaço de atuação no Paraná e
posteriormente em outros estados (SC e MS). Em termos de receita bruta, a Coamo
apresentou em 2009, o montante de R$ 4,671 bilhões, representando 3,3% da produção
agrícola do Brasil, perfazendo 16% da produção de grãos e fibras do Paraná. A extensão
territorial ocupada pelas atividades da COAMO é de 4 milhões de hectares e sua capacidade
global de armazenagem é de 43,3 milhões de toneladas, assim mantém unidades de
recebimento de produtos agrícolas, com 90 unidades administrativas espalhadas por 53
municípios dos estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, empregando 4.974
funcionários diretos, 1.476 temporários e terceirizados e 22.158 cooperados. Seu patrimônio
líquido era de R$ 1,88 bilhão. Em 2013 esses números se expandem para alcançar 26.276
cooperados, 6.452 funcionários e 1.679 terceirizados ou temporários. As receitas globais
ascendem a 8,18 bilhões de Reais e os ativos a 5,66 bilhões (COAMO, 2011; 2014).
De
acordo com Zandonadi (2011) Os produtos comercializados pela cooperativa, em geral, são
comercializados através de transações não direcionadas diretamente na forma de produtos
para o consumidor final, mas sim para outras empresas/indústrias que industrializarão os
grãos ( in natura) no mercado interno e externo. Ainda de acordo com o autor, apenas 7,4% do
faturamento da cooperativa é advinda de vendas diretas ao consumidor final.
Para Fajardo (2008), a expansão da COAMO se efetivou de forma horizontal e
vertical, com aumento do número de associados e municípios assistidos pela cooperativa e
com a industrialização. Além disso, a cooperativa expandiu sua atuação na medida em que
desenvolve sua estrutura física, ampliou o número de entrepostos e investiu na
agroindustrialização. Para Andrade (2013) a territorialização mais efetiva da COAMO
ocorreu com a implantação das unidades administrativas e de armazenamentos de grãos por
via da expansão horizontal.
Pedrozo (1991) menciona que desde sua constituição a COAMO buscou
a
interiorização, tendo em vista que em sua área de atuação existirem 55.000 propriedades
agrícolas, sendo apenas 2.000 cadastrados na cooperativa e na sua maior parte ligadas a
grandes propriedades. Neste contexto a COAMO procurou desde seu inicio atuar além de
Campo Mourão, atendendo mais 14 municipios paranaenses, acarretando maior recebimento
de grãos dos associados e influenciando/estimulando diretamente a modernização da dinâmica
agrícola e espacial dos territórios.
Para elucidarmos com mais clareza o processo de expansão territorial horizontal da
COAMO, apoiamo-nos em Fernandes (1994), em que afirma que, as transformações com
maior intensidade do espaço acontecem pelas relações sociais no processo de produção. Para
o autor o espaço é anterior ao território e portanto quando um ator se apropria do mesmo, acontece a
territorializaçao.
Parece-nos ser este o processo percorrido pela COAMO, configurando-se de acordo com
Fernandes (1994), na estratégia inicial de espacialização, ou seja, a partir do momento em que
houve a dispersão da cooperativa no espaço, por meio de unidades de compras de grãos dos
associados, concomitantemente a COAMO foi conquistando frações dos territórios, levando
em seguida ao processo mais amplo de territorialização. Para o autor, na medida em que se
tem a expansão do agronegócio, há uma territorialização cada vez mais intensa do controle
das relações espaciais, ao mesmo tempo que pode emergir a expansão na apropriação de terras
em áreas de fronteira agropecuária, reconfigurando assim o espaço em função da lógica
produtiva capitalista.
Comentários Finais
Para vias de conclusão, ainda sem grande robustez, afirmamos que a estratégia
agressiva de territorialização horizontal da COAMO, turbinada pelo apoio financeiro do
Estado para a dita modernização da agricultura, possibilitou aprofundar o desenvolvimento de
relações capitalistas no campo paranaense, consolidando as transformações no espaço18 rural,
na medida em que se acentua a subalternidade da população camponesa ao modelo produtivo
representado pelo agronegócio.
Devemos aprofundar com mais detalhes nos próximos trabalhos, que por mais que a
COAMO seja considerada por alguns autores como exemplo de cooperativa que atua com
profissionalização na gestão e recursos autofinanciaveis (e em parte geridos pelo seu braço
financeiro, a CREDICOAMO), sendo estes os segredos para o sucesso, não se pode furtar de
observar o quanto o Estado Restrito e seus aparatos contribuiram para o avanço e
consolidação da influência/poder político e econômico da COAMO em sua estratégia de
expansão territorial. Como exemplo, em 2003 o BNDES contribuiu para a expansão do
parque de armazenagem e industrialização com 14,5 milhões de um projeto de cerca de 25
milhões de Reais.
Portanto, foi neste percurso de estreita relação entre as cooperativas agroindustriais
capitalistas e o Estado, que emergem nos anos 2000 verdadeiros conglomerados do
agronegócio, aglutinando de um lado pequenos agricultores19 modernizados, subordinados à
liderança de segmentos de médios e grandes produtores rurais capitalistas, ancorados em uma
tecnocracia produtivista que busca elevar a eficiência empresarial desse modelo concentrador
da renda e riqueza no meio rural paranaense e brasileiro. Para ilustrar tal fato, a Coamo salta
de uma situação de crise nos anos 1990 para se tornar a 52a maior empresa brasileira e a 17a
com capital 100% nacional (COAMO, 2014).
Ainda que seja uma pesquisa embrionária, afirmamos amparado nos autores, e nos
eventos que marcam a trajetória da COAMO, que sua expansão territorial é organizada para a
produção de mercadorias, que visam a acumulação e assim auferir maior lucro. Foi com este
delineamento estratégico que ao longo dos anos esta cooperativa agroindustrial se expandiu
territorialmente, apropriando-se relativamente dos territórios que se inseriam, por meio de
aquisições/incorporações de cooperativas, criação de infra-estrutura, entrepostos,etc.
provocando uma reorganização do espaço rural. Assim a COAMO pôde materializar uma
18
Ver SANTOS,2002
19
Em 2003, por exemplo, dos 16.809 associados ligados à COAMO, 65% possuiam menos de 50 ha de
terra. A maior quantidade de cooperados de então (29,3%) detinham imóveis na faixa dos 21 aos 50 ha
(GASQUEZ, VILLA VERDE e OLIVEIRA, 2004)
relação social de dominação, controle
e grande supremacia por seu poderio político e
barganha econômica com os agricultores/associados e trades agroindustriais internacionais,
contribuindo fortemente para a consolidação do agronegócio nestes territórios
Partimos de uma pesquisa em andamento do Núcleo de Estudos em Cooperação
(NECOOP) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) que atráves do
desenvolvimento do conhecimento, baseado em uma contra-ideologia sob a ótica da classe
trabalhadora, permite compreender melhor as capacidades efetivas do cooperativismo
capitalista, de modo a contribuir para que ele possa ser compreendido e criticado com
eficácia.
Referências
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ZANDONADI, César Roberto. Gestão estratégica no setor coooperativista agrícola do
Paraná: Um estudo de caso. Porto Alegre: UFRGS, 2011 (Especialização em Administração)

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