divalproato de sódio.p65 - Sociedade Brasileira de Cefaleia

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divalproato de sódio.p65 - Sociedade Brasileira de Cefaleia
RELATO DE CASO
O divalproato de sódio pode ser efetivo na prevenção da
migrânea hemiplégica
Sodium divalproate may be effective in the prophylaxis of
hemiplegic migraine
Fabiano Costa Pereira¹, Mauro Eduardo Jurno²
Médico, Ex-Residente em Pediatria da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, Residente em Psiquiatria;
2
Preceptorde Neurologia e Responsável pelo Ambulatório de Cefaléia do Centro Hospitalar
Psiquiátrico de Barbacena, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG),
Departamento de Neurologia, Ambulatório
1
RESUMO
Introdução. A migrânea hemiplégica é considerada uma subforma
da migrânea com aura. Apesar de ser uma condição conhecida, não
há consenso em relação a sua terapia. Objetivo. Relatar a eficácia do
divalproato de sódio em prevenir crises de migrânea hemiplégica.
Método. O caso de uma adolescente de 16 anos, que apresentava
quadro clínico compatível com cefaléia hemiplégica esporádica, cujas
crises foram passíveis de prevenção com divalproato de sódio é
relatado e discutido. Conclusão. O divalproato de sódio pode ser
considerado uma opção terapêutica na profilaxia de ataques de
migrânea hemiplégica.
PALAVRAS-CHAVE
Cefaléia hemiplégica esporádica, migrânea hemiplégica, cefaléia.
ABSTRACT
Introduction. Hemiplegic migraine is a subform of migraine with
aura. In spite of being a well-known condition, there are no guidelines
regarding its therapy. Objective. To report the effectiveness of sodium
divalproate in preventing hemiplegic migraine attacks. Methods. The
case of a 16 year-old girl with sporadic hemiplegic migraine, in whom
sodium divalproate was effective in preventing hemiplegic migraine
attacks is reported and discussed. Conclusion. Sodium valproate
may be considerated as another therapeutic option for the prophylaxis
of hemiplegic migraine attacks.
KEY-WORDS
Sporadic hemiplegic migraine, Hemiplegic migraine, Headache.
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INTRODUÇÃO
A cefaléia hemiplégica esporádica é definida como
migrânea associada a déficit motor, sensorial e afasia durante a fase de aura.1,2,3 Difere da migrânea com aura por
apresentar, como sintoma obrigatório, paresia reversível.
A duração deste e dos demais sintomas de aura varia de
cinco minutos a vinte e quatro horas. É relacionada na
Classificação Internacional das Cefaléias de 2003, no item
1.2.5.1 A migrânea hemiplégica familiar é reconhecida como
um subtipo distinto da migrânea com aura, devido a seu
modo dominante de herança. Porém, pacientes com sintomas clínicos semelhantes, mas sem outros membros na
família acometidos, têm sido relatados como migrânea
hemiplégica esporádica.3 Sua prevalência é de 0,005% e é
muito mais freqüente em mulheres que homens, na relação
4,5:1.2
RELATO DE CASO
Uma jovem branca, de 16 anos, estudante, natural de
Barbacena, procurou nosso serviço com queixa de "dor de
cabeça". Relatava a adolescente que desde os onze anos de
idade apresentava cefaléia hemicraniana, pulsátil, de média
intensidade, sem aura. Aliviava com "bicarbonato". O quadro clínico se repetia aproximadamente três vezes ao ano.
Ocasionalmente apresentava "escurecimento visual" à direita, seguido por sensação de "braço dormente e sem forMigrâneas cefaléias, v.8, n.1, p.20-22, jan./fev./mar. 2005
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ça", com duração de cinco minutos. Seguia-se, então,
cefaléia hemicraniana pulsátil, à direita, de forte intensidade, que melhorava com analgésicos comuns e durava de
trinta minutos a uma hora. Em outubro de 2004, apresentou na escola um episódio semelhante, com escotomas
negativos e "braço direito dormente". Não via o papel à
sua frente, tampouco o membro acometido. Evoluiu com
"problemas na fala" e, em seguida, apresentou cefaléia
hemicraniana pulsátil à direita. Informou ainda que neste
dia não tinha ingerido alimentos pela manhã. No dia seguinte procurou, então, atendimento médico. Sua mãe era
portadora de hipertensão arterial e cefaléia ocasionalmente. Sua tia era hipertensa, apresentou hemorragia meníngea,
decorrente de aneurisma cerebral e faleceu aos 49 anos.
Nega outros parentes com cefaléia. Seus exames físico e
neurológico, incluindo fundo de olho, foram normais e a
tomografia computadorizada de crânio não revelou quaisquer anormalidades.
Após tratamento com Depakote® 250 mg de 12/12
horas, a adolescente apresentou um único episódio adicional de migrânea hemiplégica e, no terceiro mês de seguimento, havia apresentado apenas episódios de migrânea
não-hemiplégica catameniais e de fraca intensidade.
DISCUSSÃO
De acordo com os critérios da International Headache
Society,1 a paciente apresenta diagnóstico de cefaléia
hemiplégica esporádica. Foi tratada de forma profilática
com divalproato4,5,6 e obteve resposta adequada. Conforme relatos em outros trabalhos, as crianças são capazes de
descrever com exatidão seus sintomas, auxiliando o diagnóstico e o plano terapêutico.7 É importante detalhar-se a
história de aura, uma vez que a aura ocorre em 20% dos
casos de migrânea.1,4 Quando questionadas no momento
da consulta, há menos fidedignidade que se pedirem a
elas que preencham um diário, relatando os episódios de
cefaléia. 8 Os exames de imagem, de maneira geral, pouco auxiliam na propedêutica e no plano terapêutico e devem ser reservados para os casos de cefaléias intensas,
incomuns ou associadas a sinais neurológicos anormais.9
Porém, há autores que recomendam que a maioria dos
pacientes com cefaléia severa que necessita avaliação médica e tratamento deve ser submetida à investigação com
imagens.10 Vale lembrar que alguns pacientes com cefaléia
hemiplégica podem apresentar pseudotumor cerebral, inclusive com alterações à fundoscopia. Nestes casos, a resposta aos triptanos pode gerar confusão diagnóstica uma
vez que doses moderadas de sumatriptano têm se mostrado eficazes na melhora da cefaléia e da hemiplegia em alguns minutos e podem até mesmo diminuir a hipertensão
intracraniana.11 É sabido que os esforços físicos pioram a
migrânea e há indícios que podem precipitar a aura da hemiparesia.12 Exercícios promovem hiperventilação e hipocapnia, que por sua vez causam vasoconstricção cerebral.
A hiperventilação se relaciona ainda à hipomagnesemia transitória e alcalose respiratória. Como pacientes com migrânea podem ter hipomagnesemia primária, a combinação de ambos pode exacerbar a vasoconstricção cerebral.
De fato, hipoperfusão frontal tem sido observada em pacientes com cefaléia induzida por exercícios.12 Durante o
evento ocorre lentificação de perfusão cerebral com conseqüente disfunção.
Há poucos e discutíveis relatos de tratamento para
migrânea hemiplégica.13-16 Em um deles, em portadores de
migrânea hemiplégica familial, a quetamina, um antagonista NMDA, aplicada em doses intranasais de 25 mg, levou a
alívio dos sintomas de aura.12 Outro medicamento com
ação em canais NMDA, a lamotrigina, foi relatada como
sendo efetiva na profilaxia da migrânea com aura, sendo
igualmente efetiva na prevenção da aura.17 O caso aqui
descrito apresentou boa resposta ao divalproato de sódio.
Silberstein publicou um estudo duplo-cego com 163 pacientes, no qual 117 utilizaram Divalproex 250 em duas tomadas diárias, com possível ajuste de dose, e 46 foram
tratados com placebo, encontrando eficácia em 71 e 48%
dos casos em 6 e 12 meses, respectivamente.6 Outro estudo mostrou que o valproato de sódio diminui a duração das
crises de 5,5 para 1,1 hora em média.5
Sabe-se, no entanto, que 50% das famílias com migrânea hemiplégica têm mutações no gene CACNA1A do
cromossoma 19, o qual codifica os canais de cálcio voltagem-dependentes Cav2 2,3. Estudos genéticos revelam uma
nova mutação ou penetrância incompleta deste gene nos
pacientes com cefaléia hemiplégica esporádica, sendo esta
parte do espectro da síndrome migrânea hemiplégica familiar. Em ambas as situações, a patogênese relaciona-se a
uma disfunção de canais de cálcio da membrana póssináptica. Isso sustentaria a base teórica para a abordagem
terapêutica com bloqueadores de tais canais.14,16 Esta abordagem, no entanto, é questionada, por autores que acham
que acreditam serem necessários mais estudos, preferencialmente duplo-cegos e controlados por placebo, para
confirmar se o verapamil é mesmo eficaz no tratamento de
tais entidades.15
Tem-se estudado também a administração de antagonistas de cálcio na prevenção de manifestações clínicas da
migrânea hemiplégica, uma vez que os déficits neurológicos nesta entidade podem estar relaciodos a oligemia causada por vasoespasmo. Um estudo de fluxo cerebral em
um paciente, no qual foi utilizado Xenon 133, mostrou diminuição de fluxo nas regiões fronto-têmporo-parietais à
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esquerda em 10%-15%, a qual foi superponível às áreas
cerebrais supostamente relacionadas às manifestações neurológicas. O uso da flunarizina normalizou o fluxo e levou
à remissão dos sintomas.16
Nesse contexto e com base no caso acima mencionado, sugerimos que o divalproato de sódio uma opção terapêutica a ser considerada nesta condição.
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Endereço para correspondência
Dr. Mauro Eduardo Jurno
Praça Presidente Eurico Gaspar Dutra, 374- Bairro Grogotó,
36202376 – Barbacena, MG,
Tel: 032 3331 7681; E-mail: [email protected]
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