SÉRIE DIANTE DO PAI ➍APRÁTICA DA GRATIDÃO

Transcrição

SÉRIE DIANTE DO PAI ➍APRÁTICA DA GRATIDÃO
SÉRIE DIANTE DO PAI
 A PRÁTICA DA GRATIDÃO
ESTUDO
Aprendemos até aqui que viver na contracultura cristã significa priorizar o nome de Deus,
seu reino e sua vontade acima de todas as demais coisas. Hoje começaremos a investigar a segunda
parte da oração ensinada por Jesus aos seus discípulos.
Na primeira parte, Jesus nos ensinou a orarmos por uma vida que se aproxime mais do padrão celestial; portanto, oramos praticando nossa adoração e submissão a Deus. Nossa oração nos
coloca na perspectiva correta para o relacionamento com o nosso Pai celestial. Nesta segunda parte,
Jesus nos ensina com concisão impressionante como devemos orar por nós mesmos. Ele menciona
três pontos: o pão diário, o perdão e o livramento do mal.
A quarta petição da oração do Pai Nosso, que é nosso assunto hoje, nos ensina a orar assim: “Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia” (NVI). Investigaremos a seguir como esta simples petição nos ensina pontos essenciais à nossa espiritualidade cristã: dependência de Deus, confiança perseverante e gratidão.
1 Dependência de Deus
Percebemos, em primeiro lugar, que a oração ensinada por Jesus não é de modo algum algo super “espiritual” que não contemple também nossas carências cotidianas. Ao contrário, seu sentido é bem natural. O supremo e poderoso Criador do universo é o nosso Pai querido; ele nos adotou
em sua família e nos ensina a confiar nele quanto às nossas necessidades diárias, tanto materiais
quanto espirituais.
Por isso Jesus nos ensina a orar pedindo: “Dá-nos pão”. Que pão é esse?
Crendo que Jesus não teria se preocupado com coisas terrenas, alguns pais da igreja preferiram explicar o sentido de “pão” apenas de forma espiritual e alegórica. Para Tertuliano, Cipriano,
Agostinho e Jerônimo, “pão” neste texto significa apenas o alimento que procede da Palavra de
Deus ou da Ceia do Senhor. Os reformadores, tendo uma formação humanista e mais “pé-no-chão”,
descartaram esta interpretação unilateral. Não que eles tenham se limitado a um sentido exclusivamente literal; ninguém defende que Jesus se referia apenas ao produto feito a partir de cereais (principalmente do trigo). Eles preferiram defender como sentido básico do texto um significado figurativo, deixando espaço para a inclusão de “tudo o que é necessário para a preservação desta vida,
como comida, saúde, bom tempo, casa, família, bom governo e paz” (Lutero). Veja que, às vezes, é
possível sermos “mais espirituais” que Deus!
REFLITA: O que significa “pão” para você nesta petição? Quais são suas necessidades diárias?
Assim, concluímos que “pão” indica nesta petição os alimentos em geral, incluindo metaforicamente todo tipo de necessidades materiais. O pão simboliza tudo o mais que realmente precisamos para nossa subsistência física. Mais especificamente, podemos afirmar que pedimos nesta
oração tudo aquilo que nos permita cumprir a missão que o Rei nos deu. As três primeiras petições
já nos esclareceram qual é esta missão: estamos a serviço do Rei, usando o que somos e o que fazemos para implantação do seu reino e glorificação do nome dele.
Vamos esclarecer isto mais um pouco. O correto entendimento de quem Deus é como nos-
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so Pai e Rei coloca nossas necessidades em um plano secundário diante da sua vontade, mas não as
elimina. Orar sem mencionar nossas necessidades para não “incomodar Deus com preocupações
bobas” é um grande erro. Note bem, nós não oramos para que Deus passe a conhecer nossas necessidades, pois ele já as conhece todas (veja Mt 6:8: “porque o seu Pai sabe do que vocês precisam,
antes mesmo de o pedirem”). Então por que oramos pelo pão? Nós oramos por nossas necessidades
para que nós nos tornemos conscientes de nossa dependência da providência graciosa de Deus em
cada detalhe das nossas vidas.
Uma vez mais para fixar: nós oramos esta petição para nos conscientizarmos da nossa dependência diária de Deus.
REFLITA: Em quantos momentos no seu dia você reconhece esta sua dependência de Deus?
2 Confiança perseverante em Deus
Esta petição traz uma ênfase temporal forte: “Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia”. O
que Jesus quis dizer com isto?
O texto original traduzido como “de cada dia” não tem uma tradução única. Os estudiosos
indicam as seguintes opções de tradução: “para o dia que existe hoje”, “para o dia seguinte”, “para a
existência”, e “para o dia vindouro” (o Dia do Senhor). O consenso é maior no sentido do pão diário, do sustento necessário para cada dia. A ideia é de viver um dia de cada vez e pedir a Deus o
“suficiente para o próximo dia”, o necessário para uma boa existência na sua presença.
De forma semelhante, o texto paralelo do evangelho de Lucas (Lc 11:3) aponta para um
significado mais material e imediato (o pão cotidiano no dia de hoje). É preciso admitir, todavia,
que o texto de Mateus não exclui nuances escatológicas e espirituais. Assim, pode-se ler aqui (de
forma conjunta ao pedido pelo sustento material) um pedido espiritual para que o Pão Vivo, Jesus,
nos seja dado hoje. No sentido escatológico, a petição se assemelha ao significado de “Venha o teu
reino”, e poderia ser lida como “Dá-nos hoje o pão nosso do futuro reino”. Este pão do futuro reino
inclui a completa provisão de tudo o que Deus pode oferecer, tanto no sentido físico como no espiritual. Oramos por um “gostinho” do que receberemos no novo céu e nova terra. Não é descartar o
sentido material, mas incluir também nossa carência espiritual.
Você talvez já tenha feita a associação: orar pelo pão diário está bastante relacionado à experiência dos israelitas no deserto, após saírem do Egito, quando eles recebiam de Deus a cada dia o
maná, o “pão do céu”. Leia sobre isto em Ex 16:14-31. Durante 40 anos (v.35), eles precisaram aprender a confiar na provisão divina, ajuntando para si mesmos apenas o alimento que precisava
(vs.18, 21). Apenas na sexta-feira podiam recolher o dobro, para que pudessem descansar no sábado
e gozar de um dia na presença de Deus (v.23, 29).
REFLITA: Você age como os israelitas que confiavam em Deus diariamente, ou como os que tentavam ajuntar mais do que precisavam (vs.20, 27)?
De forma semelhante, hoje em dia um trabalhador diarista muitas vezes precisa comprar
dia após dia o alimento para subsistência da sua família naquele dia, ou seja, ele não ganha dinheiro
suficiente para estocar alimentos nem tem freezer ou despensa onde possa guardá-los. Trabalha para
comer, e come para trabalhar. Se nos colocarmos nesta situação, perceberemos sua persistência e
dependência de Deus para continuar vivendo.
Note, pois, que a experiência de orar pelo pão de cada dia, por aquilo que precisamos hoje, não nos ensina apenas a depender de Deus, mas a perseverar nesta dependência diariamente. A
cada dia precisamos renovar nossa confiança no seu amor e no seu cuidado para conosco.
Por outro lado, nesta petição Jesus nos ensina a orar por pão, e não por bolo de chocolate
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ou pudim de leite. Precisamos aprender a diferenciar entre nossas necessidades e nossos desejos.
Um erro comum, oposto e tão ruim quanto o de não querer incomodar Deus com nossas necessidades, é o de tornar nossa oração em um catálogo de pedidos. Deus não é o gênio da lâmpada que satisfaz todos os nossos desejos no momento em que queremos. Nem é ele o Grande Garçom que está
ao lado de nossa “mesa” apenas esperando para ouvir nossos pedidos e providenciar para que sejam
satisfeitos. Os israelitas tiveram que aprender isto de uma forma dura. Por não estarem satisfeitos
com o pão diário, eles murmuraram e se rebelaram contra Deus. Por isso foram castigados. Leia a
história deles em Nm 11:4-10, 33-34.
REFLITA: Você tem orado pelo pão ou pelo pudim?
A Palavra de Deus é muito clara em nos ensinar que devemos estar satisfeitos com aquilo
que o Senhor tem nos dado (1Tm 6:8-9 e Fp 4:11-13). Quando estamos insatisfeitos com nossas
vidas, cedemos facilmente aos apelos consumistas da mídia. Buscamos nas novidades do comércio
ou nos prazeres da vida uma satisfação que só podemos encontrar na Fonte da Vida. Buscamos erradamente na segurança da previdência privada a certeza de dias felizes na velhice, e na fartura acabamos nos esquecendo do quanto dependemos de Deus.
A Bíblia não condena a sábia decisão de fazer provisões para o futuro (Gn 41:33-39; Pv
6:6-11), mas condena sim toda forma de ansiedade pelo amanhã (Lc 12:15-21). Por quê? Ora, porque isto manifesta nossa falta de confiança no amor e cuidado do nosso Criador (Lc 12:22-31).
Deus sabe do que precisamos (v.30). “Portanto, não se preocupem com o amanhã” (Mt 6:34)!
Em resumo, aqueles que se preocupam e ficam ansiosos com o pão da próxima semana
manifestam que não aprenderam ainda a confiar no Senhor a cada dia.
REFLITA: Você tem renovado sua confiança em Deus a cada dia?
3 Gratidão a Deus
Finalmente, a quarta petição desta oração nos ensina a praticarmos a gratidão a Deus.
Já vimos que esta simples petição nos ensina a sermos humildes em reconhecer que todas
as bênçãos vêm do Senhor (Tg 1:17). Embora estejamos nos esforçando para obter o sustento por
nossas forças, ao orarmos deste modo estamos reconhecendo que o pão sobre a mesa vem, na verdade, das mãos de Deus. E por isso somos gratos a ele, nossa fonte e provedor.
É óbvio que precisamos trabalhar pelo nosso próprio sustento (2Ts 3:10). Mas não podemos nos deixar enganar e pensar que foi a força do nosso braço que conquistou o que temos (veja a
clara declaração de Deus sobre isto em Dt 8:17-18). Repetimos o que foi dito mais acima: a fartura
facilmente nos leva a esquecer Deus (Dt 6:10-12; 8:11-16). Por isso o sábio Agur ora para não ter
muito nem pouco, apenas o suficiente (veja Pv 30:7-9).
Você quer se livrar desta tentação de um coração orgulhoso e ingrato? É nesta liturgia diária de confessarmos que precisamos do pão dado por Deus que aprenderemos a nos humilhar diante
dele e a sermos gratos pelo seu sustento.
REFLITA: Como está seu coração quanto a isto? Você se orgulha do que fez ou é grato ao Senhor?
Finalmente, percebemos também que, nesta segunda metade da oração ensinada pelo Senhor Jesus, o adjetivo possessivo muda de “teu” para “nosso”. Como indivíduos, estamos diante do
Pai no céu, mas também fazemos parte de uma comunidade maior, por isso oramos pelo “nosso
pão”. Não oramos apenas por nós, mas levamos as cargas de nossos irmãos em todo o mundo (Gl
6:2). É neste momento da oração que se insere nossa intercessão pelos irmãos e por outras pessoas.
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Diante das dificuldades e misérias experimentadas por muitos neste mundo, esta intercessão se une a uma análise de nossa situação privilegiada (pois estamos com Deus ao nosso lado) e
também nos conduz à gratidão pela constante provisão de Deus em nossas vidas (Sl 37:25).
Ao pedirmos o “nosso pão de cada dia”, somos lembrados de que o Senhor diária e graciosamente tem provido para nós o pão até hoje. Isto alimenta nossa certeza de que ele continuará sendo fiel e gracioso em nos prover o pão para o dia de amanhã, assim como alimenta nossa gratidão
por ele ter sido fiel e gracioso em nos prover o pão de ontem.
REFLITA: Quantas vezes você já agradeceu hoje ao Pai pelo que ele tem feito por você?
Continuando diante do Pai celestial, havendo adorado e declarado nossa submissão a ele,
enfocamos nesta petição as necessidades materiais e espirituais que temos. Expressamos antes nosso ardente desejo pela manifestação da sua glória e do seu reino; agora afirmamos nossa humilde
dependência de sua graça diária e nossa eterna gratidão por seu constante amor por nós. E assim,
com esta disposição de espírito, podemos nos aproximar do seu trono e pedir perdão. Deste assunto
trataremos no nosso próximo estudo.
BIBLIOGRAFIA
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GREEN, Michael. The message of Matthew: the kingdom of heaven. The Bible speaks today series.
Downers Grove: IVP, 2000.
HENDRIKSEN, W.; KISTEMAKER, S. J. Exposition of the gospel according to Matthew. New
Testament Commentary 9. Grand Rapids: Baker, 2001.
NOLLAND, John. The gospel of Matthew: a commentary on the greek text. Grand Rapids: Eerdmans, 2005.
RIENECKER, F. Evangelho de Mateus. Comentário Esperança. Curitiba: Esperança, 2008.

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