Anita Prestes, Mauro Iasi, José Paulo Neto, Virgínia Fontes

Transcrição

Anita Prestes, Mauro Iasi, José Paulo Neto, Virgínia Fontes
ESTRATÉGIA E TÁTICA DA
REVOLUÇÃO BRASILEIRA
ANITA PRESTES,
JOSÉ PAULO NETTO,
MAURO IASI e
VIRGINIA FONTES
O PCB (Partido Comunista Brasileiro) promoveu um amplo debate na esquerda
revolucionária, nos marcos do seu XIV Congresso Nacional (9 a 12 de outubro de 2009).
Em 24 de setembro de 2009, além do professor Mauro Iasi (Comitê Central do
PCB), os professores Anita Leocádia Prestes, José Paulo Netto e Virginia Fontes
apresentaram seus pontos de vista sobre a principal Tese ao Congresso (A Estratégia e a
Tática da Revolução Brasileira), aceitando generosamente o convite do Partido.
O debate se deu no Salão Nobre do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais),
da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Aqui publicamos neste caderno a
íntegra de todas as palestras, com revisão dos próprios debatedores.
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PALESTRA DE ANITA LEOCÁDIA PRESTES
Boa noite a todos. Em primeiro lugar eu queria agradecer ao Ivan Pinheiro e à
Direção Nacional do PCB o convite para participar hoje deste debate, desta mesa sobre
estratégia e tática da Revolução brasileira.
Como o tempo não é muito, vou procurar entrar imediatamente no assunto.
Em primeiro lugar, eu gostaria de sublinhar que, assim como meus antecessores
nesta mesa registraram, considero o caráter da revolução brasileira - o que é a mesma
coisa que a estratégia - como socialista. Por quê? Porque temos o domínio do capital, ou
seja, no Brasil há tempos pode-se falar de um modo de produção capitalista. Não há
dúvidas a respeito disso; em outras palavras, o modo de produção dominante no Brasil é o
capitalismo, ainda que se trate de um capitalismo marcado pela dependência do
imperialismo.
Parece-me que não é possível negar o caráter dependente do capitalismo brasileiro;
outra coisa é estudar mais e discutir com maior profundidade as transformações pelas
quais tem passado essa dependência. Imagino, pelo pouco que entendo desse tema, que
as formas de dependência do capitalismo brasileiro das grandes empresas do capitalismo
mundial, ou seja, das grandes potências imperialistas, muito mudou, e deve ter mudado
bastante nesses últimos 20 / 30 anos. Por isso, é preciso se conhecer melhor, pesquisar
essa questão.
Tenho sérias dúvidas quando se fala em sub-imperialismo brasileiro, ou imperialismo
brasileiro; parece-me que a dependência ainda é muito séria e que não pode ser negada.
Um outro ponto que eu quero destacar é que a burguesia industrial brasileira nunca
foi revolucionária, e hoje muito menos. Isso na história do Brasil está muito claro: a
burguesia está associada em posição de dependência ao capital internacionalizado. Por
mais que haja indicações de posições imperialistas, que haja exportação de capitais
brasileiros - como a colega aqui falou, a Virginia Fontes -, a dependência, a associação, o
capitalismo dependente e associado aos grandes capitais internacionais, não pode ser
negado. Temos o domínio dos grandes monopólios capitalistas em nível mundial. Não tem
sentido, por isso, como meus antecessores assinalaram, postular uma possível revolução
nacional-libertadora no Brasil, ou seja, inexiste a possibilidade de se desenvolver no
Brasil um capitalismo autônomo. Se isso já era errado nos anos 1960, hoje é muito mais; é
uma tese totalmente ultrapassada.
No Brasil, hoje, lutar contra o imperialismo significa lutar contra o capitalismo; acho
que essa bandeira não pode ser abandonada. A luta antiimperialista, no meu entender,
está profundamente associada à luta contra o capitalismo. Na hora que se levanta a
bandeira do antiimperialismo, que se luta contra as diferentes formas de dominação do
capital externo no Brasil, estamos lutando contra o capitalismo. O capital brasileiro, o
monopólio capitalista brasileiro já esta há muito tempo entrelaçado e associado ao capital
externo; portanto não há como separar isso. Ao empreender qualquer medida de caráter
antiimperialista, se estará, no meu entender, tomando medidas também de caráter
anticapitalista.
Uma coisa que eu também gostaria de destacar é que não se pode chegar ao
socialismo sem revolução, ou seja, sem a conquista do poder político pelas forças
revolucionárias, algo que muitos setores passaram a negar, a considerar que era possível
se chegar ao socialismo através apenas de reformas. Os clássicos do marxismo, Marx,
Engels, Lênin, Gramsci, nos ensinam que é necessária a conquista do poder pelas forças
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revolucionárias para que realmente possa ser vitoriosa a proposta socialista. Isso também
se revela – e é importante destacar - pela experiência histórica, pois o socialismo não foi
vitorioso em nenhum lugar sem revolução, seja na Rússia, em 1917, seja na China, em
1949, seja em Cuba, em 1959. Não se tratando, portanto, apenas de um postulado, de
uma concepção teórica, é um ensinamento pratico da revolução. O que a gente percebe é
que, sem a tomada do poder político, sem a conquista do poder político, é impossível se
chegar ao socialismo.
Entretanto, o que eu falei aqui até agora acho que são temas consensuais, pelo
menos entre nós aqui presentes. O grande problema, no meu entender, são as formas de
transição ao socialismo, ou, em outras palavras, as táticas de aproximação ao objetivo
estratégico traçado, ou seja, à revolução socialista. Trata-se, no meu entender, de um
processo de acumulação de forças, de formação de um bloco de forças populares, ou
melhor, do que poderia ser chamado de “sujeito povo”, hoje muito mais amplo do que
apenas o proletariado, capaz de levar adiante uma proposta realista de alternativa de
poder. Acho melhor não falar em “bloco histórico”, porque isso cria confusão com o
conceito adotado por Gramsci. Esse “sujeito povo” abrange, no meu entender, não
somente a classe operaria - os trabalhadores ligados diretamente ao processo produtivo, à
produção de mais-valia segundo Marx, - mas uma quantidade enorme de trabalhadores
que, no modo de produção capitalista de hoje, e no Brasil também, são assalariados,
brutalmente explorados. São vitimas do capitalismo, mas que não produzem diretamente a
mais-valia;
temos profissionais das mais variadas funções - bancários, médicos,
professores; a grande maioria são assalariados e devem, no meu entender, constituir o
que eu estou chamando de “sujeito povo”. Podemos dizer de outra maneira - “bloco de
forças populares”; sem duvida, o proletariado, a classe operaria, é o “núcleo duro”, o
centro, a força mais importante, dentro dessa força aglutinadora. Mas não estamos mais
na época de considerar apenas o proletariado como força revolucionária.
A questão das formas de transição - ou das táticas -, que contribuem para a
acumulação de forças, para a unificação dos setores atingidos pela exploração capitalista
de uma forma ou de outra, é algo fundamental. Temos, nesse sentido, um exemplo
histórico significativo. Até 1921, a proposta de Lênin, do Partido da União Soviética e da III
Internacional era a luta pela ditadura do proletariado, considerando-se que, ao final da I
Guerra Mundial, na Europa existia uma situação revolucionária e havia a expectativa de
revoluções na Hungria, na Alemanha, na Itália e em outros países. Esperava-se que se
instaurasse a ditadura do proletariado nesses países, como tivera lugar na Rússia em 1917.
Entretanto, as revoluções foram derrotadas na Alemanha, na Hungria, na Itália, tornandose evidente que não havia mais condições para levantar aquelas mesmas bandeiras. Lênin
vai propor, diante da nova situação criada, a luta por um governo operário, um governo
de frente única, na medida em que a situação revolucionária na Europa havia sido
superada. A forma de transição para o socialismo, naquele momento, deveria ser outra; e
a bandeira levantada por Lênin de um governo de frente única tinha esse sentido.
A proposta de alternativa de poder deve expressar, no meu entender, os anseios dos
setores populares que irão constituir o que eu estou chamando de “sujeito povo”,
acompanhando o que alguns autores latino-americanos já vêm escrevendo.
Nenhuma revolução se fez sob a bandeira do socialismo: “vamos para a rua
lutar pelo socialismo!”. Nem a revolução russa, nem o assalto ao palácio de inverno ...
(Não acredito que o assalto ao palácio de inverno, que aconteceu na Rússia, vá se repetir
no Brasil, com o assalto ao palácio do planalto; acho difícil; os caminhos serão outros. Eu
gosto muito da frase de Mariáteghi, grande revolucionário latino-americano, quando ele diz
que nós temos que fazer a revolução socialista sem copia nem decalque, mas sim como
invenção heróica dos nossos povos. Acho que é isso. Temos que encontrar o caminho
brasileiro, não vai ser provavelmente o assalto ao palácio do planalto.) ...mas eu estava
falando de outro assalto, o assalto ao palácio de inverno; qual era a bandeira naquele
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momento?; era uma bandeira muito simples, “Pão, Terra e Paz” . O que isso significava na
Rússia naquele momento? Os anseios das camadas populares; a guerra ainda não tinha
acabado, estávamos em 1917, a grande aspiração era que houvesse paz, que acabasse a
guerra, que houvesse pão - a fome era terrível na Rússia naquele momento – e que
houvesse terra para os camponeses. Havia uma massa enorme de camponeses na Rússia,
que queriam terra; e foi sob essa bandeira que se realizou a revolução russa. Foi correta
essa bandeira e contribuiu para que se avançasse rumo ao socialismo.Em nenhum lugar se olharmos para Cuba, por exemplo,- foi com a bandeira do socialismo que se fez a
revolução; foi a luta contra a ditadura de Fulgêncio Batista, nos anos 50, que mobilizou o
povo cubano naquele momento. Quando Fidel proclamou o socialismo em Cuba, por
ocasião da invasão da Baia dos Porcos, num momento extremamente grave para a
revolução cubana, o que ele disse naquele momento? Fidel não disse: “nós estamos indo
para o socialismo”; ele fez um grande comício, com todo aquele entusiasmo e com todo
aquele carisma, e no final falou: “vocês não estão gostando que têm comida, têm escola,
têm educação?; pois é, tudo isso se chama socialismo”. Era isso que Fidel dizia para o
povo; então ia mobilizando em torno dos problemas que o povo sentia. Socialismo era
muito abstrato; pode nos mobilizar a nós aqui, mas não mobiliza as grandes massas, nem
mobilizou em lugar nenhum, nem na Rússia Soviética, nem na Cuba de Fidel.
Nas condições atuais do Brasil, o movimento popular se encontra reconhecidamente
desmobilizado e desorganizado, devemos ter a sensatez de reconhecer isso. (A exceção é o
MST; isso é indiscutível, reconhecido, inclusive, por lideranças dos demais países latinoamericanos. O MST é o maior movimento popular da América Latina.) Nessas condições, as
organizações revolucionárias precisam encontrar as reivindicações que possam mobilizar e
contribuir para organização dos diferentes setores populares. Acho que o MST encontrou
tais reivindicações. Como surgiu o MST há 25 anos atrás? Foi a partir do desespero das
massas rurais que estavam sendo expulsas da terra. O movimento surgiu de uma
necessidade premente; a Igreja ajudou através das comunidades de base; surgiram
lideranças autênticas, que não foram fabricadas em laboratório, a partir da necessidade de
luta desses trabalhadores, que se viam sem terra, se viam numa desgraceira total, então
começaram a se organizar e daí surgiram suas lideranças. Dessa organização inicial
chegou-se ao MST de hoje, que comemorou 25 anos em janeiro. Estive nessas
comemorações como convidada: pude ver 2.500 trabalhadores rurais reunidos com um
nível de consciência política que é difícil encontrar aqui pela cidade. Isso é muito
interessante, foi o resultado de um trabalho de 25 anos de organização e de educação
desses trabalhadores.
Para chegar lá, para alcançar uma ligação estreita com os trabalhadores, é
necessário estar lá onde estão os trabalhadores, nas fabricas, nos sindicatos, nas escolas,
nos bairros, etc. Parece que estou dizendo coisas muito óbvias. O PCB, a vida toda, falou
nisso, que era preciso estar lá onde estavam os trabalhadores, mas na realidade estava
pouco. Poucos militantes e dirigentes do PCB efetivamente estavam nas bases,
todo mundo queria estar na direção. É necessário um trabalho consciente, a longo prazo,
como o MST realiza, um trabalho de organização popular, que só pode ser feito em torno
das reivindicações dos próprios trabalhadores. Não adianta falar para os trabalhadores:
“nós queremos a revolução socialista, vamos para o socialismo, vamos lutar contra o
capital”. Vai se ficar falando sozinho, não se vai conseguir coisa alguma, vai se conseguir
apenas a adesão de um ou outro elemento mais avançado.
No momento em que vivemos, no nível atual de organização e mobilização em que
se encontram os trabalhadores, não me parecem adequadas, portanto, as propostas seja
de “frente anticapitalista”, como está nas Teses do PCB, seja de “frente
antiimperialista”, seja de “frente socialista”. Nesse sentido, existem diversas propostas de
frentes; eu acho que nenhuma é cabível no momento, porque essas propostas ficariam no
papel, estariam fadadas a não se realizar na pratica. Quero lembrar um exemplo da
história do PCB: o famoso Manifesto de Agosto de 1950, e seu desdobramento no
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programa do IV Congresso do PCB, realizado em 1954. O que se dizia? O que se propunha?
Nesse Manifesto, reiterado pelo IV Congresso (4 anos depois) , era proposta a formação
de uma Frente Democrática de Libertação Nacional. Tratava-se de criar por todo o Brasil
comitês dessa Frente Democrática de Libertação Nacional. Bom, o que aconteceu? O PCB
nesse período, nos anos 50, era um partido bastante monolítico, com uma disciplina
rigorosa, e os militantes do Partido, muitos heroicamente, se jogaram na luta pela
construção dessa frente.
Mas a Frente Democrática de Libertação Nacional nunca saiu do papel, nunca foi
adiante. Foi adiante a luta pela democracia; o PCB participou ativamente de uma ampla
coligação de forças que organizou a campanha do “petróleo é nosso”, pelo monopólio
estatal do petróleo. Essa campanha realmente convenceu e mobilizou setores amplos,
inclusive setores dos trabalhadores, mas também das camadas médias, das lideranças
sindicais , etc. Então, esse foi um movimento real, que sensibilizou, que mobilizou muita
gente. Mas a Frente Democrática de Libertação Nacional, que tinha todo um programa no
papel, bonito, etc, não foi para frente, apesar de todo o empenho dos militantes
comunistas.
Pessoalmente, eu acho que no Brasil atual não adianta formular propostas de
frentes; nós não temos maturidade no movimento popular no Brasil para isso. A meu ver, o
mais importante neste momento é elaborar um programa de propostas concretas, viáveis
de mobilizar hoje diferentes setores populares e organizá-los, educá-los politicamente.
Trata-se de organizá-los em torno do que eles estão a fim, do que eles estão dispostos a
fazer. Eu acho muito interessante, e vou até citar aqui, uma declaração de João Pedro
Stedile do MST, em que ele propõe:
“um projeto popular, nos marcos da nossa sociedade, de fortalecermos de
fato o Estado para que ele adote uma política econômica que leve ao
desenvolvimento do país em beneficio do povo. Quais são os
problemas fundamentais do povo no Brasil? Desemprego alto, falta de
moradia, necessidade de reforma agrária e ausência de educação.”
(UOL NOTÍCIAS – POLÍTICA – 15/008/2009)
Acho que poderíamos acrescentar: ausência de políticas de saúde pública e também,
muito atual, o monopólio estatal do petróleo. Penso que são questões que podem unificar
determinados setores. Não vou dizer que o monopólio estatal do petróleo vá unificar toda a
sociedade brasileira; certamente não vai; mas há setores, que estão se organizando para
isso e podem se mobilizar e, juntamente com setores de trabalhadores urbanos, que já
estão mobilizados, avançar nessa luta. O grande problema é como se organizar, como se
jogar nesse trabalho, como conquistar os trabalhadores que estão completamente
manipulados por todo tipo de pelegos. É nesse trabalho que vão surgir lideranças novas.
Como reconhece o próprio Stedile: “Não basta colocar no papel ‘esse é o nosso
projeto’. É preciso construir, acumular forças populares que atuem para a construção desse
projeto.”(IDEM) Eu diria: é preciso mobilizar e organizar amplos setores populares em
torno dos seus problemas reais. O decisivo será sempre a pressão popular. A pressão
popular pode e deve arrancar conquistas seja do Estado seja dos patrões. Sem pressão
popular não se vai conquistar nada significativo.
No processo de organização e luta por tais reivindicações, cabe aos comunistas e aos
revolucionários de uma maneira geral (e ninguém tem o monopólio desse tipo de liderança)
mostrar às massas que a solução definitiva dos problemas existentes só será possível com
o socialismo. Aí se vê a importância da educação; novamente citarei o MST, que é o
movimento concreto que temos no Brasil hoje, que, ao mesmo tempo que organiza os
trabalhadores, que os mobiliza em torno de suas reivindicações, procura educá-los,
mostrando que a única alternativa é o socialismo. Trata-se, pois, da formação de
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quadros capazes de liderar o movimento, pois as lideranças surgem espontaneamente,
não são fabricadas em laboratório, não adianta designar uma pessoa, por melhor que ela
seja, e colocá-la como líder. Isso não funciona; é na luta que vão surgir as lideranças; e
cabe aos revolucionários, aos marxistas, educar esses novos líderes, para que eles possam
exercer seu papel de liderança e entendam que o socialismo é a única solução definitiva
para o problema da terra, da saúde publica, para todos os problemas que afetam o povo
brasileiro, para acabar com a exploração capitalista e imperialista.
Mas há fases intermediarias; é o que chamamos de momentos de transição, para
chegar ao socialismo. Para chegar lá, sem cair no reformismo, é necessário a conquista do
poder político, ou seja, a revolução. Eu já me referi a isso: a educação das lideranças, dos
militantes mais ativos, que forem se destacando nos movimentos populares. Eles devem
ser educados, devem ser preparados e transformados em quadros revolucionários, com o
entendimento da necessidade de dominarem uma teoria científica, que os oriente na
marcha para a conquista do poder político.E essa teoria é o marxismo. Para dominá-la, é
necessário estudar, conhecer a fundo a teoria marxista.
Isso é diferente de levantar de imediato a bandeira do socialismo ou mesmo a luta
aberta contra o capitalismo, pois tal postura, tal tese, não vai mobilizar. Ao mesmo tempo,
quero destacar mais uma vez a importância enorme da formação de quadros com
conhecimento do marxismo, a formação revolucionária dos líderes que surgirão no
processo de luta e não nos gabinetes. Esse é, a meu ver, o caminho real, efetivo, nos dias
de hoje, no Brasil, para dar passos concretos rumo ao socialismo.
A experiência das esquerdas, tanto no Brasil quanto em muitos outros países, revela
que existe uma certa tradição de envolver-se em discussões intermináveis e, entretanto,
não se aproximar dos trabalhadores, não procurá-los lá onde eles estão, não realizar o
trabalho de organizá-los em torno de suas reivindicações, tentando “abrir a cabeça” de
suas lideranças, de seus militantes, procurando educá-los, para avançar na luta. É um
trabalho difícil? Sem dúvida. É um trabalho a longo prazo? Sim, indiscutivelmente.
Existe uma visão meio romântica – influenciada pela Revolução Cubana, que
efetivamente teve aspectos românticos, - de que Fidel desembarcou com 12
revolucionários numa canoa e fez a revolução, subiu a montanha e fez a revolução. Na
realidade, quando Fidel fez isso junto a Ernesto Guevara e a outros revolucionários, havia o
Movimento 26 de julho, que existia desde o assalto ao quartel de Moncada. Quando Fidel
pronunciou aquele discurso “A história me absolverá”, ainda em 1953, já havia todo um
trabalho do Movimento 26 de julho, que depois foi um suporte fundamental da guerrilha
na Sierra Maestra . Havia nas cidades, contra a ditadura de Fulgêncio Batista, um
movimento muito forte, um movimento extremamente organizado, que garantia os
recursos financeiros para a guerrilha, assim como
vestimentas, armamento e
combatentes. Muitos trabalhadores se mobilizaram, mas muitos revolucionários eram
também estudantes. Foram organizados, mobilizados, conscientizados, foram educados
pelo Movimento 26 de julho e eram enviados para fortalecer a guerrilha. A guerrilha
sobreviveu por causa disso e, também, conquistando o apoio dos camponeses, pois
levantava os problemas que afetavam os camponeses de Sierra Maestra. Houve o aspecto
romântico, mas o principal foi o trabalho de base, o trabalho de educação, o trabalho de
arrecadação de fundos financeiros, fundamental; sem isso, não seria possível mandar
armamento para a guerrilha, importar armamento estrangeiro, que era enviado para a
guerrilha. Eram enviados também alimentos, fardamentos, diversos recursos, roupas e
gente, gente que era formada na cidade e que estava disposta a abandonar tudo e ir para
a guerrilha. Então, se vê o nível de organização que existiu e garantiu que a guerrilha fosse
vitoriosa. Claro que houve muita luta, e que não foi fácil essa luta, mas, sem trabalho de
base, sem organização popular - e organização popular só se dá em torno do que o povo
esta sentido -, sem isso, não se vai para frente, vamos ficar reunindo nós conosco
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mesmos; podem até surgir questões muito interessantes, mas desligadas das lutas reais,
dos interesses reais dos trabalhadores.
Lamentavelmente, no Brasil hoje, principalmente depois de todos esses anos de
ditadura militar, de toda a repressão que foi desencadeada pela ditadura, nosso povo está
bastante desmobilizado - não por culpa do trabalhador -, mas devido à força da classe
dominante em nosso país. Eu sempre digo que a história do Brasil é uma história trágica, é
uma história em que a classe dominante sempre teve muita força; tivemos quatro séculos
de escravidão, com donos de escravos muito poderosos, donos de vastas extensões de
terras, que sempre reprimiram com grande violência qualquer movimento popular que
surgisse. Durante o século XIX, por exemplo, os inúmeros movimentos populares, que
tiveram lugar em diferentes pontos do país, foram reprimidos com extrema violência fuzilamentos, enforcamentos, etc. As classes dominantes no Brasil nunca permitiram que
os movimentos populares se organizassem, que pudessem ser vitoriosos.
Na história do Brasil, pelo que pude pesquisar, o único movimento de contestação do
poder político que não foi derrotado, embora não tenha sido vitorioso, foi a Coluna Prestes.
Todos os demais movimentos populares no Brasil foram derrotados. Sempre foram
liquidados pelo Exército e pela polícia. Essa é uma herança nossa, muito diferente até da
de nossos visinhos latino-americanos. Se olharmos para a Argentina, para o Uruguai, para
o Chile, veremos que, diferentemente deles, não temos no Brasil tradição de organização
popular. Há que ressaltar que, no Brasil, os comunistas do PCB fizeram grandes esforços
no sentido de organizar os trabalhadores. Sou testemunha disso; mas era muito difícil,
devido a uma serie de problemas – tanto uma realidade complexa quanto os erros táticos e
estratégicos cometidos pelo Partido. Era muito difícil organizar os setores populares. Então,
fazer isso não é fácil, mas é possível, é possível por que o capitalismo esta aí, as
contradições estão aí, a luta de classes está presente, os trabalhadores estão sendo
esmagados e vão ter que se rebelar, vão começar a fazer greves. Hoje mesmo há uma
greve dos bancários, como há outras greves acontecendo neste momento. É junto aos
trabalhadores em luta que os comunistas devem estar, organizando e procurando levar
adiante essas lutas.
Bom, agradeço mais uma vez o convite para participar deste debate. Obrigada.
(Anita Leocádia Prestes)
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PALESTRA DE JOSÉ PAULO NETTO
Boa noite a todos os membros da Mesa e ao plenário.
Eu deveria começar com aquele agradecimento formal de sempre - muito obrigado por
terem lembrado meu nome, por eu estar aqui, por achar que a discussão é importante etc.
Mas deixarei de lado essa formalidade para conversar com vocês como um camarada que
se encontra com outros camaradas.
Contudo, devo dizer-lhes que estou muito emocionado com o XIV Congresso do PCB. Eu,
que fui militante do velho PCB, ainda não estou filiado ao novo PCB, mas tenho
acompanhado a sua evolução nos últimos 6, 7 anos. Estou solidário com os companheiros
e, sobre este material que comentaremos, penso que ele marca uma inflexão, um avanço
do PCB na intenção clara de construir um Partido revolucionário que reivindica o marxismo,
incorporando inclusive a tradição leninista. E é por isto que estou muito honrado em
condividir esta Mesa com os companheiros que dela participam e, pessoalmente, muito
feliz e, sobretudo, muito comovido. É mesmo uma emoção ver crescer, juntamente com
outros partidos da esquerda brasileira (penso no P-Sol, no PSTU), o PCB.
Eu, que, criado no velho PCB, fui um dos últimos a apagar a sua luz, a luz de um PCB já
em crise terminal e moribundo, tenho, portanto, todas as razões para sentir-me comovido
e emocionado. Gostaria e gostarei que, de forma afirmativa, o próximo Congresso assinale
um ponto importante na trajetória do Partido que já deu muito, tem muito a dar e
certamente estará no centro, sonho eu, do cenário coletivo e extremamente plural da
revolução brasileira - porque, já o sabemos, a revolução brasileira não é monopólio de
nenhum partido, de nenhum grupo, mas será certamente a confluência de esforços de
milhões e milhões de brasileiros organizados. Neste sentido, estou apostando muito neste
Congresso do PCB e nos seus desdobramentos.
Passemos, agora, à razão deste debate: as “Teses” apresentadas à discussão, pensando
especialmente na estratégia e na tática. Começo com duas observações preliminares. A
primeira é que, no que toca à tática, nunca fui muito competente – nunca acertei neste
domínio e, para evitar novos erros, quero falar pouco sobre ele. Vou me centrar, pois, na
concepção estratégica que está exposta nas “Teses”. A segunda observação diz respeito ao
fato de que, mesmo para pensar somente a questão da estratégia, é preciso considerar o
conjunto, o todo das “Teses”. Não tem sentido uma apreciação da estratégia sem uma
avaliação, mesmo que sumária, do documento inteiro.
Devo dizer que o conjunto do documento me impressionou muito bem. Trata-se de
documento estruturado e articulado, que dispõe de um eixo claro e aponta com nitidez
para a intervenção política transformadora.
Dois aspectos, no conjunto do documento, me chamaram positivamente a atenção.
Primeiro: o documento não apresenta nenhuma pretensão hegemonista, vale dizer: nele
não tem lugar, aprioristicamente, a idéia de que a revolução brasileira depende do
monopólio dirigente de um partido, qualquer que seja ele. Não tem pertinência, nos dias
atuais, uma noção deste tipo. Por isto mesmo, pareceu-me extremamente importante o
reconhecimento de outras forças, outras correntes, no processo da revolução brasileira inclusive de um campo comunista não organizado, de comunistas que estão perdidos por aí
nas esquinas da vida e que precisam ser incorporados na luta mediante processos
organizativos. Creio que há que salientar, com ênfase, este aspecto.
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Segundo: o documento revela um saudável esforço para assimilar uma massa crítica, um
acervo de conhecimentos muito amplo, envolvendo até mesmo concepções teóricas que
recentemente eram vistas por setores do movimento comunista com muita suspeita. Penso
que o documento, do ponto de vista teórico, é muito reflexivo, muito aberto. Nada disto
significa que o documento não tenha problemas; mas se trata de “Teses”, postas à
discussão para receber sugestões, revisões e ampliações e, nesta Mesa de debate, muito
modesta e brevemente – para não tomar o tempo dos outros participantes -, quero indicar
aspectos que, a meu juízo, merecem reparos.
Salientando, pois, que é um documento oxigenado, aberto a fenômenos e a processos
novos, passo à minha leitura das “Teses”. E devo prevenir que ela não é uma leitura
acadêmica, embora eu esteja na academia. A mim me parece que os acadêmicos,
geralmente, lêem um documento político como se se tratasse de uma tese ou uma
dissertação. Ora, a natureza do documento que temos em mãos é política e, na medida em
que emana de um coletivo que se pretende marxista, deve ter uma fundamentação teórica
para as suas proposições; nem por isto, contudo, deve-se submetê-lo ao inquisitorial de
uma banca de doutorado. De qualquer forma, ele apresenta problemas teóricos que não
posso deixar de assinalar.
O primeiro deles refere-se à questão do imperialismo atual, na sua forma contemporânea.
Não vou me deter nesta questão, pois aqui a meu lado está a Virgínia Fontes, esta musa da
esquerda que tem se ocupado muito com o imperialismo nos dias correntes. Mas penso que
o documento põe a problemática do imperialismo ainda operando com uma concepção de
imperialismo muito colada aquela concepção cuja matriz teórica eu não discuto, a de Lênin;
julgo, porém, que é preciso desenvolvê-la levando em conta os fenômenos e processos
contemporâneos da mundialização – ou, mais propriamente, da planetarização – do capital.
Apenas uma indicação para sinalizar o que deve ser mais trabalhado no documento: salvo
erro meu de leitura, não fica claro se os meus camaradas do PCB consideram ou não a
economia do Brasil como dependente. O texto chama a atenção para a presença brasileira
– empresarial e monopolista - em vários quadrantes do mundo; mas a determinação de se
a nossa histórica heteronomia econômica foi rompida ou não inexiste nas “Teses”. Eu,
particularmente, estou convencido que a nossa heteronomia econômica – termo que o
velho e querido professor Florestan Fernandes utilizava para caracterizar a nossa
dependência aos grandes centros decisórios externos - não foi rompida ou superada. Isto
não quer dizer, notem, não quer dizer que não haja componentes imperialistas na
economia brasileira – mas é necessário determiná-los com rigor e precisão. Parece-me que
a falta de uma caracterização mais cuidadosa, exaustiva, do fenômeno imperialista
acarreta, a meu juízo, uma ambigüidade na determinação da dependência ou não da
economia brasileira. E esta carência tem as maiores implicações do ponto de vista tático,
para não dizer do ponto de vista estratégico. Do ponto de vista tático, isto incide
diretamente na configuração do arco de alianças que os comunistas podem e devem
articular. Não me estenderei mais porque seguramente a Virgínia, a Anita e o Mauro
tratarão deste ponto.
O segundo problema teórico – que não aflige apenas o PCB, posto que seja uma das
questões mais candentes do debate teórico marxista no mundo inteiro -, diz respeito à
determinação concreta da categoria “proletariado”. Não são casuais as oscilações
registradas no documento: “proletariado”, “operariado”, “trabalhadores”. Os dilemas aí
contidos não são apenas terminológicos e, se não podemos solucioná-los imediatamente,
pelo menos é preciso afastar as ambigüidades evitáveis. Se entendi corretamente o espírito
das “Teses”, o centro, o componente axial, o “núcleo duro” do bloco político que pode
conduzir a revolução brasileira é a classe operária. Ora, para que este “centro”, “núcleo
duro” não se preste a equívocos, torna-se importante qualificar melhor o que se está
compreendendo como “classe operária”. Devo reconhecer, ademais, que as “Teses”
revelam um notável esforço
para compreender a estrutura social brasileira
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contemporânea; os companheiros que elaboraram este documento empenharam-se para
apreender as particularidades da estrutura de classes do Brasil contemporâneo. Mas ainda
estamos longe, não direi de uma apreensão exaustiva, mas de um conhecimento
minimamente adequado. De fato, este problema (teórica e praticamente decisivo para os
comunistas) permanece em aberto. Não há pesquisas acadêmicas suficientes, embora haja
recursos estatísticos que precisam ser tratados criticamente. A tentativa de análise que se
expressa nas “Teses” é uma primeira aproximação à realidade brasileira, mas penso que
ainda há um longo caminho a percorrer neste nível.
O terceiro problema teórico-conceitual que suponho merecer um cuidado especial refere-se
à utilização de uma categoria que, segundo creio – e poderão corrigir meu eventual erro
companheiros que vejo na platéia e que sei serem conhecedores de Gramsci, do qual eu
sou apenas um leitor cuidadoso -, foi extraída do arsenal gramsciano. Trata-se da categoria
“bloco histórico”. Em Gramsci, seu sentido é bastante rigoroso e não me parece que é o
mesmo com que se emprega nas “Teses”. Por uma rápida conversa que tive há pouco com
o Eduardo Serra, soube que vocês mesmos estão sensíveis a esta questão. De fato, julgo
que, nas “Teses”, a categoria é sinônimo de “sistema de alianças” – o que, se não li
Gramsci erradamente, é muito diverso do que ele pensa.
Ainda com referência a
categorias gramscianas, creio que seria de bom alvitre tratar com precisão o problema da
“hegemonia”, de modo a não converter um importante instrumento teórico e heurístico
numa palavra vazia.
Enfim, no trato da questão da hegemonia, quero – como se diz popularmente na minha
terra – puxar a brasa para a minha sardinha. O fato é que – com Gramsci ou sem ele, de
preferência com ele - não é possível discutir hegemonia sem um tratamento cuidadoso do
“mundo da cultura”. Se as “Teses” conferem uma atenção que me parece digna de elogios
ao “mundo do trabalho”, a meu juízo elas negligenciam (ou dão atenção muito insuficiente)
ao “mundo da cultura”. É uma pena, porque uma das maiores e mais fecundas ricas
tradições do movimento comunista brasileiro, especificamente do PCB, sempre foi o trato
muito rico sobre a temática cultural. Se há uma temática a ser intensivamente mais
trabalhada nas “Teses” é exatamente a da cultura.
Enfim, cuidemos de estratégia e tática.
Estou convencido de que não pode ser objeto de polêmica, na entrada do século XXI, no
final da primeira década do século XXI, posta a planetarização do capital nos termos que
ela ocorreu nos últimos trinta anos e também em função das mudanças experimentadas
pelo Brasil, sua economia, sua estrutura social, seu sistema político, nos últimos vinte anos
– estou convencido de que não pode haver dúvidas, como no passado, acerca do caráter
da revolução brasileira. E as “Teses” colocam corretamente: o caráter da revolução
brasileira é socialista.
No entanto, a esta correta colocação nem sempre correspondem elementos probatórios
adequados. Por exemplo, a análise da economia brasileira, para contribuir para uma
suficiente sustentação daquela colocação, precisa ser muito mais desdobrada e sofisticada.
Os meus camaradas do PCB, estou certo disto, dispõem de recursos humanos (teóricos,
intelectuais etc.) para oferecer um quadro muito mais elaborado da economia brasileira. Os
elementos estatísticos apresentados nas “Teses” são quase que aleatórios: não funcionam
como fundamentação, funcionam como ilustração, como exemplo. Sei que a Resolução
Política que sairá desse Congresso não deve (e não pode) ser um documento “científico”;
deve constituir a macro-orientação da ação política até um outro Congresso. Entretanto, o
Partido, seus dirigentes, seus coletivos, seus militantes, têm que dispor, para o confronto
de idéias, mais que de noções gerais: precisam de referências qualitativas sustentadas
quantitativamente – e com afirmações como as que comparecem nas “Teses” (por
exemplo: “as cinqüenta maiores empresas brasileiras”...) nada se sustenta com solidez.
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Passo agora a rápidas considerações sobre a tática (e não se esqueçam de que, neste
domínio, meu currículo é bem servido de derrotas...).
É para mim quase axiomático que, se nós não operarmos com uma visão adequada (ou
seja: correta, verdadeira) da estrutura de classes brasileira, na sua complexidade, na sua
diferenciação interna e na sua concreta particularidade, acabaremos por homogeneizar o
que é heterogêneo e compósito – e isto, para o caso de alianças políticas mais conjunturais
(inclusive eleitorais) e, mais ainda, para o caso de alianças mais duradouras, pode ser
fatal. Sabemos que não se faz revolução por via eleitoral; mas quero dizer que, em países
como o nosso, quem não participa da vida eleitoral, dos debates eleitorais, quem não
explora também a via institucional, não contribuirá para nenhuma revolução. Por isto
mesmo, é absolutamente importante definir com muita clareza os nossos aliados de mais
longo prazo, os nossos aliados conjunturais, os nossos adversários, que tem que ser
neutralizados, e os nossos inimigos. Não foi por acaso que, tratando do conjunto das
“Teses”, mencionei a questão do conhecimento da estrutura de classes brasileira – sem
este conhecimento, as definições que acabei de referir são impossíveis; e o mesmo cabe à
questão do proletariado: se dele não se tiver uma visão muito nítida, se não levarmos em
conta as suas mutações e a sua diferenciação, conferir ele a centralidade do desempenho
do movimento revolucionário é fazer uma aposta no escuro.
Quando me detive sobre a parte das “Teses” relativa à tática, pareceu-me que os meus
camaradas do PCB foram excessivamente minuciosos, estabelecendo com demasia as
tarefas táticas. Confesso que tenho muitas dúvidas acerca deste tipo de encaminhamento.
Sei que não está na cabeça de nenhum dos que contribuíram na elaboração das “Teses”
fornecer uma espécie de “receita revolucionária” – mas tive a impressão de que os meus
camaradas não resistiram completamente a essa tentação. O rol tático é detalhado ao
extremo – e penso que isto não ajuda, até porque sabemos que nenhum processo
revolucionário efetivo correspondeu à projeção teórico-política que dele foi feita: toda
revolução, no seu processo e na sua eclosão, é um inesgotável manancial de inovações,
surpresas, experiências inéditas... A excessiva especificação, tal como vem expressa nas
“Teses”, pode conduzir a uma rápida anacronização das tarefas ali prescritas. Penso que o
cuidado de apresentar, em minúcias, inclusive um verdadeiro “programa de transição”
contém os riscos de um enquadramento muito rígido – ademais de, a meu juízo, parecer
um prematuro programa de governo. Eu sugeriria que vocês se ativessem apenas às
grandes linhas e deixassem de lado detalhamentos pouco operativos. Se os militantes
tiverem clareza quanto à concepção estratégica, e se possuírem uma boa formação
política, eles demonstrarão a criatividade nas horas mais decisivas.
Questão que me parece importantíssima, mesmo no domínio da tática, refere-se ao papel
do Estado (no plano estratégico, trata-se de questão essencial). Todos nesta Mesa temos
consciência do que foi a experiência socialista do século XX – e, quanto a isto, as “Teses”
fazem um esforço de análise que aplaudo: também ainda é insuficiente, mas o “socialismo
real” continua como espécie de Esfinge tentando nos devorar. Pois bem: penso que um dos
problemas mais essenciais das experiências socialistas do século XX foi a identificação de
dois processos distintos: o processo de socialização e o processo de estatização. E, nas
“Teses”, acena-se generalizadamente para a estatização. Ora, medidas estatizantes só
contribuem para a via socialista se forem acompanhadas por uma intensa participação
autogestora dos trabalhadores. Penso, pois, que os companheiros do PCB devem se
pronunciar claramente neste sentido – a experiência histórica da estatolatria não deu bons
resultados (e a estatolatria nada tem a ver com o papel essencial do Estado num processo
de transição socialista). A meu juízo, as “Teses” atribuem uma tal centralidade ao Estado
que, posta da forma em que está no documento, me pergunto qual será o protagonismo
dos movimentos sociais, dos movimentos de bairros, organizações populares, dos
movimentos associativos em geral.
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Estas são as questões que queria abordar nesta Mesa. Meu tempo certamente já foi
ultrapassado e devo concluir. Antes, porém, duas rápidas notações. Embora no geral muito
bem redigidas, as “Teses” deixam escapar certos exageros e entusiasmos que não as
acrescentam – pelo contrário, devem ser expurgados do texto (por exemplo, a passagem,
baluartista, sobre a “deposição” do Collor). Outra: um certo otimismo – de que não
compartilho – sobre a nossa, dos comunistas, situação atual. Esta última está ligada,
penso, a uma brutal subestimação da manipulação ideológica que hoje é generalizada (não
tenho simpatia pela “Escola de Frankfurt”, mas temos algo a aprender com ela). E a
manipulação ideológica só pode ser esclarecida se dermos a atenção devida – que, como
observei, não é suficiente nas “Teses” – ao “mundo da cultura”. Quanto a isto, se tiver
tempo, quero contribuir com algum subsídio, na seção de debates dos “Amigos do Partido”.
E como o meu tempo já estourou, só posso dizer-lhes: parabéns ao PCB. Muito obrigado.
(José Paulo Netto)
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PALESTRA DE MAURO IASI
Camaradas, na própria origem da palavra, são aqueles que respiram o mesmo ar.
Assim como companheiro aqueles que partilham o mesmo pão, em nosso caso, via de
regra, aquele que o diabo amassou. Essa coisa comum que permite que as pessoas que
abraçam o Partido Comunista venham a se alimentar também de todos aqueles que
respiram esse ar da ordem capitalista mundial, comendo o mesmo pão, mantém viva a
indignação e a certeza de que é necessário alterar a ordem do capital na direção de uma
sociedade socialista, e mais ainda, na possibilidade de construção do processo histórico que
nos leve à uma sociedade sem Estado, sem classe, que é o comunismo.
Quero aqui, principalmente, ouvir as contribuições que os camaradas vão trazer. No
campo da estratégia, estamos realizando o esforço, ao mesmo tempo, de resgate e
superação. Resgate e superação no sentido que essa é uma tese que procura trabalhar
com a herança e a tradição de todo o movimento comunista, e da construção da nova
estratégia da revolução brasileira. Seria por demais pretensioso afirmar que em nossa
estratégia para o momento atual está certa, enquanto outras estariam erradas. Essa
estratégia e essa formulação, se confirmará como certa ou errada, apenas através da
história, e nós temos a convicção de que uma nova formulação só é possível, inclusive
naquilo que ela pretende superar outras formulações, pelo construção histórica que
antecede a construção das formulações de nosso partido.
Por tanto, ela é uma continuidade, uma continuidade de uma tradição de um Partido
que fundado em 1922 sempre procurou ler a realidade brasileira fundamentado em uma
leitura marxista, traçando os caminhos para as lutas de nossa classe, e isso, a partir de um
horizonte de superação do capitalismo, um horizonte socialista, um horizonte
revolucionário. Então, não há nenhuma intenção em nossa formulação de fazer qualquer
afirmação que divida as posições revolucionárias fora do nosso partido. No entanto, é um
momento de continuidade mas também um momento de superação. Porque é tarefa de
todo revolucionário, se é verdade que acreditamos na dialética, incorporar o que é nossa
herança e ir além dela. Superar no sentido próprio da palavra. Parafraseando a professora
Anita Prestes, devo dizer que ao afirmarmos que herança renunciamos, devemos lembrar
aquela que não renunciamos.
Nesse sentido o resgate que fazemos da história das formulações do nosso partido
comecemos por retomar uma afirmação que é própria de nossa tradição desde os primeiros
esforços em formular nossos caminhos estratégicos. A idéia de que a Revolução Socialista
no Brasil teria que ser precedida pela análise do processo de constituição histórica de nossa
formação social e que nos levou à formulação de um momento democrático nacional,
acompanhando todo o movimento comunista internacional, isso é, afirmado a partir dos
aspectos encontrados na leitura da formação social brasileira, apresentavam-se entraves
ao pleno desenvolvimento do capitalismo no Brasil, seja pela presença do imperialismo,
seja, por outro lado, a manutenção de uma estrutura agrária tradicional. Essa leitura
condicionava não apenas a forma como víamos o Brasil, mas também como era vista a
estrutura de classe em nosso país.
A compreensão de entraves ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil, colocava
como força reacionária o imperialismo, o latifúndio, as elites agrárias as elites e urbanas
que se beneficiassem desta subordinação, impedindo um caráter republicano burguês como
classicamente se expressou no ciclo das revoluções burguesas. Ao mesmo tempo,
colocávamos no campo aliado, além dos trabalhadores do campo e da cidade, os
camponeses em luta com a estrutura agrária latifundiária e tradicional e, o que passa a ser
decisivo, setores da burguesia nacional em confronto com o imperialismo. Evidente que o
auge dessa formulação nos leva a um impasse, ao golpe de 1964 que revela, ao nosso ver,
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que a burguesia brasileira e o próprio latifúndio associaram-se ao imperialismo na
trajetória do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, constituindo um bloco hegemônico
no Brasil, uma aliança de classes essencial para a manutenção da formação capitalista no
Brasil, que permitiu o golpe e consolidou a Ditadura. Demonstrou-se que um setor
considerável da burguesia preferia claramente subordinar-se ao capitalismo imperialista do
que se arriscar em uma aliança democrática que pudesse abrir possibilidades de uma
revolução socialista no Brasil.
É interessante o elemento que José Paulo Netto nos lembra, de que é impossível
entender a tese de estratégia e tática se nós não entendermos os documentos
apresentados ao nosso XIV Congresso como um todo. Penso que seria interessante
relacionarmos isso com uma certa visão que nos temos do capitalismo contemporâneo.
Nossa principal afirmação é que a formação social brasileira evoluiu por um caminho
capitalista que lhe é próprio, mas que de certa maneira completa fases de desenvolvimento
de um capitalismo completo. É um problema caracterizar esse movimento simplesmente
como capitalismo dependente, como destacou o camarada Netto, até que ponto afirmar o
capitalismo completo no Brasil significa dizer que se rompeu o caráter subordinado ao
imperialismo. Nós estamos convencido que não rompe, mas que não podemos cair no erro
de recuperar em nossa tese a dicotomia entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, arcaico e
moderno e que nos leva a dualismos que Francisco Oliveira tão bem detectou e criticou,
talvez nos aproximamos aqui mais da critica de Rui Mauro Marini que detectando o caráter
capitalista da formação social brasileira não nega a dinâmica que liga as economias
periféricas ao centro imperialista. Hoje, nos parece evidente, esta dinâmica
“centro/periferia” ocorre em outro patamar. Nesse aspecto a Virginia Fontes tem dado
contribuições muito interessantes, ou seja, até que ponto, se fomos coerentes com a
afirmação que o capitalismo brasileiro chegou em um patamar avançado de monopolismo,
não passa a expressar, também, um sentido caráter imperialista. Mas, estamos
convencidos, também, que essas ações não podem ser entendidas como a possibilidade de
disputa de um espaço imperialista no mundo, ou na idéia que anima alguns de que a crise
dos EUA abriria espaços a serem ocupados por outros imperialistas que querem ocupar
esse terreno.
Nós acreditamos que a ordem mundial monopolista é imperialista na sua essência e
que o Brasil age de forma simultaneamente subordinado e associada em relação a essa
ordem, o que nos leva a um problema de interpretação e definição de nossa ação. Nossa
convicção é que esse desenvolvimento do capitalismo no Brasil transitou para o capitalismo
monopolista, sofisticado, desenvolvido, que difere de outros países da América Latina e do
mundo, e que é completo no sentido de que desenvolve desde os setores primários,
explorações de matérias primas e minérios de extração de beneficiamentos, de construção
de maquinas, de tecnologia, de comércio externo em profunda associação com o
capitalismo monopolista internacional.
E essa caracterização está diretamente ligada a nossa afirmação de que o caráter da
revolução é socialista. Agora, queria chamar a atenção que a critica a formulação
democrática nacional, é ao mesmo tempo, uma critica a formulação do projeto democrático
popular. Vejamos porque.
Porque o ciclo que se encerra agora, aberto pelas lutas no final dos anos 70 e inicio
dos anos 80 acreditou ter superado a formulação clássica do PCB de uma etapa
democrática nacional, afirmando que ainda que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil
tenha caminhado no sentido de um capitalismo maduro, monopolista, avançado, associado
e subordinado ao capitalismo central monopolista, o capitalismo brasileiro teria se
consolidado sem resolver determinados problemas, levando a constatação segundo a qual
apesar de um grande desenvolvimento capitalista, prevaleceriam as desigualdades
regionais, apesar de um grande desenvolvimento do capitalismo, prevaleceriam aspectos
do paternalismo político e um Estado patrimonialista, elitista, pouco republicano, e o que
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seria mais decisivo, apesar do desenvolvimento capitalista não se teria realizado a reforma
agrária. Na imagem criada por Florestan Fernandes, a idéia de uma revolução socialista,
porque o período da revolução burguesa havia encerrado e estaríamos no período da
revolução socialista, mas com tarefas democráticas em atraso.
O âmago da formulação estratégica democrática-popular é essa constatação,
existem tarefas democráticas em atraso, que só podem ser realizadas, uma vez que à
burguesia não interessa abrir mão desse programa, pela própria revolução proletária. Isso
nos levou à idéia de não havendo aliança estratégica com a burguesia, partindo da idéia de
que a burguesia formou um bloco que não interessa mais essas reformas, o sujeito
principal dessa nova etapa seriam os trabalhadores e seus aliados dos setores médios
empobrecidos, os camponeses, levando à concepção de um bloco democrático popular, não
mais democrático nacional.
Ao nosso ver essa formulação ainda que precisa ao detectar os fatores que a
“revolução” burguesa no Brasil, pela via que seguiu o capitalismo no Brasil, não realizou,
deve ser avaliada criticamente hoje em dia. Acreditamos que tais tarefas não são
propriamente tarefas em atraso, primeiro porque estamos convencidos que algumas delas
foram realizadas. O problema aqui é de forma e substância, isto é, se afirma que o Estado
brasileiro não se consolidou como estado democrático institucionalmente estabelecido, com
rodízio de poder com institucionalidade definida, e se contrapõe a isso a idéia de que ainda
é um Estado privatista, ainda um Estado que privatiza o público pelos interesses da
burguesia e do capitalismo. Ao nosso ver devemos partir da compreensão de que esse é
um Estado “democrático”, formalmente, que, em sua substância, serve aos interesses de
classe da burguesia, e para nós, o Estado segue sendo, ainda em sua forma monopolista o
comitê executivo da burguesia monopolista, e a forma do Estado brasileiro não é
antagônica em relação a esses interesses, pelo contrario, parafraseando o próprio Lênin, o
estado Democrático é a forma mais adequada a mascarar a ditadura de classe do capital.
A Reforma Agrária não é uma tarefa que ficou em atraso no processo capitalista, e
por tanto, trava o capitalismo, ela mais precisamente ficou para trás na ordem do plano do
desenvolvimento capitalista em nosso país. O que nós vimos foi um profundo
desenvolvimento do capitalismo no campo, do capital monopolista agrário, que é
eufemisticamente chamado de agronegócio, por tanto, a luta por terra no Brasil, pela
reforma agrária deixa de ser a luta contra o atraso, contra o latifúndio, e passa a ser uma
luta contra o capital. A questão agrária, a produção agrária, a política agrária se revela na
luta contra o capital e não pelo desenvolvimento do capitalismo no Brasil.
Diferentes problemas estão associados a isso. O inchaço das cidades, o problema da
moradia, da segurança, da falta de política para os jovens, os problemas associados à
mercantilização da cultura, da saúde e da educação, os graves problemas de transporte,
não são problemas do baixo desenvolvimento do capitalismo, mas pelo contrario, são
exatamente causados pela forma avançada que o capitalismo submeteu o Brasil na
concentração dos grandes centro urbanos, na priorização monopolista, na formação de
uma superpopulação relativa nas cidades, na construção de uma arquitetura urbana a
serviço do capital, mercantilizando todos os aspectos da produção social da vida.
Por tanto, esses elementos para nós, não se constituem como tarefas de uma
revolução burguesa em atraso. Mas, desafios de uma revolução proletária em curso, o que
muda profundamente nossa ótica sobre elas. Há um erro na concepção democrático
popular, e ai nós vamos ter que entrar em um debate complicado. Um dos elementos
constitutivos da revolução democrático popular é a questão da correlação de forças.
Afirmar uma revolução socialista sem que haja um momento revolucionário, não é se isolar
das lutas concretas e imediatas nas quais nos poderíamos acumular forças no sentido de
uma cultura socialista. Ao nosso ver aí tem uma armadilha, que se relaciona com a forma
como avaliamos o ultimo ciclo que se fecha (e eu agregaria aqui, felizmente se fecha). Nós
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passamos tanto tempo nos últimos vinte anos tentando nos apresentar como “democratas”
que muitos se esqueceram a diferença substancial e adjetiva do conteúdo socialista em
nossa afirmação democrática.
Tem gente que se disfarçou tão bem, que às vezes nem ele mesmo sabe que um dia
foi socialista. A revolução socialista parecia algo desconectada de nossa real atuação
estratégica e tática, levando aquilo que Lukács bem caracterizou como o desvio político do
pragmatismo, da “realpolitik”. Dizia Lukács: “Não há nenhum movimento histórico para
qual o pragmatismo político é tão nefasto quanto para o movimento socialista”. Isso porque
ele acaba atuando no limite da ordem e se mantém dentro do limite da ordem, a tarefa dos
socialistas é apontar para algo além da ordem, e nosso desafio é construir isso à partir da
ordem atual, à partir dos elementos da objetividade, mas não se rendendo a eles. Muitos
colegas têm me dito que nosso programa, pela crítica que realiza à estratégia
“democrática-popular”, tende a um esquerdismo, e é, em parte, verdade. Eu tenho
respondido o seguinte: “eu prefiro esse desvio”. Até mesmo porque a companhia aqui, pelo
menos, é muito melhor. O desvio reformista conduz alguns companheiros à companhia
incômoda de setores empresarias, partidos de direita, e representantes do imperiliasmo
que passam, inadvertidamente, a chamar de “companheiros”. Então para agente ainda que
tenhamos uma inflexão que se aproxima do radicalismo, temos perfeita consciência que
temos que operar à partir da tática e no terreno concreto das lutas de classe.
Isso nos remete às mediações táticas de uma revolução estrategicamente socialista.
O primeiro elemento tático que eu gostaria de ressaltar é a idéia que a necessidade da
propaganda do socialismo e dos limites do capitalismo devem orientar essa ação tática.
Somos socialistas porque temos a convicção de que as determinações mais profundas dos
problemas imediatos vividos pelos trabalhadores se encontram na forma capitalista de
produção e distribuição da riqueza e, com base nesse diagnóstico propomos a socialização
dos meios de produção como forma daqueles que produzem a riqueza social poderem gerila de acordo com seus interesses. Sabemos que o modo de produção capitalista ameaça a
vida. Não há nenhum motivo para escondermos isso dos trabalhadores em nossas práticas
e ações políticas cotidianas. Por tanto nós temos todo o direito e a legitimidade de ativar
um programa com objetivo estratégico é socialista.
Segundo, ele tem que ser viável, do ponto de vista histórico, mas não pragmático,
não podemos rebaixar a política à arte do possível. A política é a arte de fazer o possível
para ir além do possível, se não ela não é política, ela é conservadorismo. Então, nesse
sentido, as mediações táticas são ainda hoje pautadas no sentido de responder à pergunta:
como agir através das lutas concretas dos trabalhadores onde estes se antagonizam com o
capitalismo – a luta por moradia; na luta pela terra, na luta em defesa do meio ambiente;
na luta contra as opressões de gêneros; de etnia; na luta pelo uso dos espaços públicos
ocupados pelo capital nos bairros; na luta pelo ensino público, gratuito e de qualidade; na
luta pelo atendimentos das necessidades mais elementares da saúde, do transporte, da
educação, da luta pela cultura livre do mercado, da lógica mercantil, na luta pela vida -.
São os elementos através dos quais nos podemos e devemos atuar taticamente, na
perspectiva de uma construção de um programa socialista.
Não queremos doutrinariamente, como existem os que nos acusam, dizer que ou
você opta por um programa democrático popular realista por tanto está fadado a usar os
elementos de uma ordem estabelecida dentro da ordem eleitoral, ou você, se é
coerentemente ao afirmar a proposta estratégica socialista deve ir para uma estratégia de
ruptura e, portanto, para a negação de qualquer ação no interior da institucionalidade
estabelecida. Nós negamos esse dualismo mecânico. Nós acreditamos que o programa
socialista é de ruptura. Primeiro, por que não há possibilidade de enfrentar os verdadeiros
problemas dos trabalhadores brasileiros sem romper com a lógica do capital, por tanto ele
é de ruptura, ele é de ruptura política, ele é de ruptura econômica, social e cultural,
portanto ele é de ruptura, a via dessa ruptura pode e deve responder as necessidades
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táticas de cada momento e nós estamos dispostos e queremos construir esta alternativa.
Para tanto, devemos utilizar todos os meios necessários a construção desse caminho de
ruptura. Sim, nós vamos fazer disputas eleitorais. Todos os meios? Alguns se perguntarão.
E respondemos com clareza e responsabilidade: todos! Temos clareza de quem são os
inimigos, sabemos quais são os meios que eles podem usar para impedir os trabalhadores
de chegarem ao poder, temos que estar preparados, vamos construir todas as formas para
que isso seja uma alternativa da classe, dos trabalhadores, na defesa de seu programa e
de suas estratégias de transformações sociais.
Para tanto é fundamental a construção de uma “contra hegemonia”. Estamos
convencidos que há um bloco conservador. Há nuances, há diferenças no bloco
conservador, mas há uma realidade onde o bloco conservador do grande capital
monopolista capturou para a lógica conservadora uma pequena burguesia política, que
acaba tendo influencia direta sobre os trabalhadores. Por isso acreditamos ser fundamental
recuperar a independência e a autonomia de classe dos trabalhadores no campo da
política.
Contra a hegemonia conservadora, que parte da dominação econômica dos
monopólios e se completa com uma ofensiva ideológica e cultural que apresenta como
legítima a dominação política que garante a reprodução da ordem do capital, é necessário
construir um pólo dos trabalhadores que igualmente sustente sua força na organização da
classe e consiga disputar a direção da sociedade. É necessário e urgente contrapor ao bloco
conservador um bloco histórico do proletariado. Daí nossa prioridade na formação de uma
Frente Anti-Capitalista.
Este ano perdemos uma figura fundamental para a esquerda e para a poesia latino
americana, chamado Mario Benedetti. Eles nos deixou uma imagem que bem reflete nossa
busca e a certeza que encontraremos nosso caminho. Dizia Benedetti:
”o futuro se aproxima / devagar / mas vem / hoje está mais além / das nuvens que
escolhe / e mais além do trovão / e da terra firme / demorando-se vem / qual flor
desconfiada / que vigia ao sol / sem perguntar-lhe nada / iluminando vem / as últimas
janelas / lento mas vem / o futuro se aproxima / devagar / mas vem / já se vai
aproximando / nunca tem pressa / vem com projetos / e sacos de sementes / com anjos
maltratados / e fiéis andorinhas / devagar mas vem / sem fazer muito ruído / cuidando
sobretudo /os sonhos proibidos / as recordações dormidas / e as recém-nascidas / lento
mas vem / o futuro se aproxima / devagar / mas vem / já quase está chegando / com sua
melhor notícia / com punhos com olheiras / com noites e com dias / com uma estrela pobre
/ sem nome ainda / lento mas vem o futuro real / o mesmo que inventamos / nós mesmos
e o acaso / cada vez mais nós / mesmos / e menos o acaso / lento mas vem / o futuro se
aproxima / devagar / mas vem / lento mas vem / lento mas vem / lento mas vem /”.
(Mauro Iasi)
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PALESTRA DE VIRGINIA FONTES
Capital-imperialismo e urgência socialista
Virginia Fontes
Boa noite, eu quero começar agradecendo ao PCB pelo convite para estar aqui, e falar de
minha emoção, que vem de tempos distantes. Eu comecei a pensar politicamente com o
PCB. Muito jovem, com 14 / 15 anos, me reunia com amigos comunistas do bairro de
Jacarepaguá, onde eu morava. Comecei a ler alguns textos em plena ditadura, na virada da
década de 1960 para 70, quando ler era perigoso, tínhamos medo até de falar. Essa foi
uma experiência muito rica, também muito problemática, como se pode imaginar pelos
problemas que gerava, com amigos presos e torturados. Bom, mas é uma satisfação
enorme estar aqui nessa mesa, com esse Caderno de Teses apresentando o que nós
precisamos discutir hoje, não só no Brasil, mas no mundo, para fazer frente ao
avassalamento que aconteceu nos últimos 30/40 anos, principalmente sobre o conjunto da
classe trabalhadora.
Fiquei emocionada ao ler este Caderno de Teses e o José Paulo Netto já falou sobre isso:
não apenas o texto que estava oxigenado, a gente se oxigena lendo, inclusive pela
capacidade das teses de suscitar questões! Não é fácil superar a história que fizemos, e
que começa a ser de fato enfrentada como algo a ser incorporado e levado adiante,
superado. Isso não se fará de maneira imediata, não se fará unicamente pelas definições
propostas pelas teses; se fará num percurso, numa trajetória, numa coerência de luta, na
coerência das críticas permanentes, na avaliação dos erros e dos acertos. Essa é, me
parece, a direção que a gente esperava e queria. Precisamos que o PCB não apenas
enuncie o processo, mas que o aprofunde e avance. Eu fico muito emocionada com isso,
muito satisfeita em estar aqui, emocionada com as palavras dos companheiros. Esta minha
fala não resulta de texto organizado e sistematizado, mas se pretende uma conversa entre
nós. Quero destacar alguns elementos fundamentais das teses, enquanto abertura de
possibilidades, e vou me deter mais no tema do imperialismo, que venho trabalhando, e
vem me dando bastante dor de cabeça.
O Mauro Iasi falou empregou o termo superação. O que essas teses propõem é o
reaprendizado, ou a reincorporação da exigência dialética para analisar os processos
históricos. Precisamos ir adiante nos transformando, conservando nossas tradições, mas
sabendo que temos de superar muitas passagens anteriores e superar de fato, não
simplesmente remastigá-las para devolvê-las sob outro formato. Superar as formulações
etapistas e ousar incorporar os temas difíceis, que arriscam converter-se em tabus. Ainda
que nem um autor seja citado – felizmente, nós não estamos numa banca de tese –
sentimos no texto o reencontro com um conjunto denso do pensamento revolucionário
internacional, superando contraposições limitadas e limitadoras. Precisaremos ainda
continuar superando, não apenas para reiterar a centralidade da luta anticapitalista, mas
para trazer uma bússola a cada dia mais precisa, comprometida com a exigência de
permanentemente formular teórica e praticamente. Para mim, esse é um ponto alto desse
documento: este não é um texto para enfeitar estantes e exibir num currículo lattes, pois
conseguiu dar densidade à tentativa de cobrir os mais relevantes aspectos para enfrentar o
tema e a luta pela Revolução Brasileira e Internacional.
O conjunto dessas teses rompe, ainda que de forma delicada, com uma certa tradição, mas
para recuperar uma outra tradição. Recupera a tradição da densidade da reflexão histórica
que os comunistas tiveram no Brasil, com seu papel fundamental no pensamento crítico
brasileiro. Para além disso, repetindo, as Teses avançam por não se apresentarem como
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uma configuração bíblica, listando formulações engessadas. Esse é um aporte possível
desse documento, que talvez a gente não dimensione de maneira imediata, mas é um
aporte de novo tipo, pois procura um movimento dialético. É preciso ter claro que formular
teses é abrir caminhos para que a leitura plena da vida social se realize, para que sejam
debatidas e no curso do processo as teses possam avançar, e não que funcionem como
sagradas escrituras, que precisarão ser mantidas e enquadradas num altar, no qual o vivo
perece e onde a luta não consegue penetrar.
Por falar em dialética, precisamos evitar a armadilha de tentar resolver a qualquer custo as
contradições intelectuais com as quais nos deparamos. Nem sempre se trata de escolher
entre “isso ou aquilo”, mas de identificar precisamente as contradições que atravessam os
processos sociais, cuja solução não se encontra no âmbito de uma lisa ou linear formulação
intelectual, mas no solo concreto das lutas de classes. Essas Teses não são perfeitas, mas
retomam essa possibilidade, e permitem ao PCB avançar na prática e na consciência dos
processos sociais contemporâneos.
O clima do conjunto das teses, que me anima, é a proposta de um Partido Comunista
formulador, agregador, consolidador, crítico e não dogmático. Sabe que precisa assumir o
que há de melhor do conjunto da produção intelectual e da prática, e o que há de pior, de
mais reacionário. Se queremos a capacidade da superação, precisaremos enfrentar a
produção burguesa, a melhor formulação burguesa; é com ela que vamos nos defrontar.
Esse confronto exige aprofundamento e superação, na consciência e na prática. Esse é o
grande desafio que o PCB recupera e reassume: o de ser capaz de elaborar teses vivas,
que incorporam, agregam, superam, abertas para o que ainda falta trabalhar. Recolocam a
exigência da atenção permanente para o conjunto do processo que elas integram, não são
apenas a delimitação entre um bem e um mal, mas assumem a capacidade clássica da
critica e autocrítica permanente. Não apenas uma crítica ritual , mas rigorosa, pois envolve
um processo de conhecimento e de intervenção que não é neutro ou frio, e abarca o
próprio sentido do conjunto da vida e da luta.
Vamos ao tema do capital-imperialismo. Ele está incorporado ao conjunto das teses do
PCB ainda de maneira discreta, e eu compreendo. O imperialismo é apresentado no senso
comum como algo de externo, sem raízes internas, e que se trata de eliminar para
assegurar a soberania ou o desenvolvimento. Há que tomar muito cuidado com essa
formulação, que aponta para uma questão verdadeira – a existência de alguns países
capital-imperialistas e seu predomínio internacional – mas esquece que a expansão do
capitalismo, em qualquer de seus momentos históricos, sempre ocorreu através da
socialização internacional da força de trabalho sob o tacão do capital. Isso significa que o
imperialismo sempre traz efeitos internos, em todos os países.
No caso do Brasil, este ainda é um tema movediço, pantanoso, que nos exige analisar e
incorporar inúmeras contradições. Talvez exatamente aqui se coloque o dilema do “ou”:
teremos de optar entre “dependência/heteronomia” ou “imperialismo/autonomia”, para
compreender o desenvolvimento do capital-imperialismo contemporâneo? Ou temos de
explicar como se articulam elementos contraditórios ao longo da expansão desigual e
combinada do capitalismo? Ora, o imperialismo no Brasil se constitui de fora para dentro e
de dentro para fora. Ainda que seja uma hipótese arriscada, é preciso dizer que o Brasil é
hoje um país capital-imperialista, um associado menor de um conjunto tenso e
contraditório de países capital-imperialistas.
Desde Lênin sabemos que a forma de dominação capitalista tornou-se imperialista. Quase
cem anos depois, precisamos explicar sua expansão e as modificações que decorreram
tanto dessa expansão, quanto das lutas de classes no mundo e nos diferentes países. Os
dados que dispomos são insuficientes, e os já existentes nem sempre nos ajudam. Os
números não falam sozinhos nem por si mesmos, mas respondem a questões que lhes são
colocadas.
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Há na atualidade um forte movimento, com apoio do BNDES, de transnacionalização de
empresas brasileiras, configurando a exportação de capitais como investimento direto no
exterior ou, em termos mais claros, como extração de mais-valor em outros países. A
direção principal dessa transnacionalização é a América do Sul, mas não se limita a ela.
Isso vem sendo banalizado e apresentado de forma 'ufanista' na mídia (esta semana ouvi,
na Rádio Bandeirantes, uma brincadeira de José Simão – o macaco Simão – que
comentava suas férias no Egito. Dizia que as quatro palavras que mais escutou por lá
foram Mohamed, Hamed, Embraer e Petrobrás). Embora tenha se reforçado recentemente,
o processo não se inaugurou agora e remonta à década de 1970, abordado por Ruy Mauro
Marini.
Eu proponho analisar este processo por outro ângulo, que procura articular o âmbito da
economia ao das relações sociais, sobretudo internas. As pressões das lutas de classes no
Brasil tiveram três momentos importantes e, irresolvidas, impuseram fugas para a frente
da acumulação de capitais no país. As lutas das décadas de 1920/30 se soldaram com uma
ditadura e um forte impulso à industrialização; as lutas dos anos 1950/1964 conduziram a
uma ditadura civil-militar, com um enorme impulso monopolizador e de expansão do
capital financeiro. O acirramento das lutas de classes na década de 1980 impunha nova
fuga para a frente, mas a solução ditatorial não estava disponível, por várias razões, a
começar pelo fato de que eclodiam exatamente contra uma ditadura ainda em curso. A
fuga para a frente empreendida foi a da associação entre um rebaixamento das exigências
democráticas e a integração subalterna, mas com maior ímpeto, ao capital-imperialismo
internacional. No primeiro caso, tratava-se de blindar determinados setores – sobretudo
econômicos – frente ao aumento da participação popular e, não menos importante, de
fragmentar a organização da classe trabalhadora.
O livro fundamental para compreender esse processo é o de Vito Gianotti sobre a Força
Sindical, onde mostra a emergência de um novo padrão (que nasce marcado pela tradição
truculenta da dominação de classes no Brasil) , que a atuação burguesa direta na
organização de parcela da classe trabalhadora. A Força Sindical foi a cunha que, do próprio
meio operário, facilitaria desmantelar a frágil unidade existente na CUT. Não se pode
idealizar a CUT e não sabemos o que seria caso inexistisse a Força Sindical. Porém
sabemos que desde finais da década de 1980 a burguesia brasileira e/ou associada
financiou, pagou e acelerou a construção daquela central. Este movimento de intensificação
da presença burguesa em aparelhos privados de hegemonia não parou por aí. Ocorreria
profunda modificação no conjunto das lutas sociais nos anos 1980 e 1990, como já
trabalhei em alguns textos e como mostram Lucia Neves e André Martins.
Modificando entidades já existentes ou criando extensa rede associativa crescentemente
lastreada em recursos empresariais e patronais, forjava-se uma nova sociabilidade, de
cunho burguês, para o conjunto da vida social brasileira, intimamente ligada ao Estado. O
que está em jogo é a formação de um certo tipo de trabalhadores, desprovidos de direitos,
integrados num ativismo encapsulado no imediatismo e preparado para a mais acirrada
competição. O governo Lula da Silva aporta a legitimidade de sua trajetória sindical,
convertida em voto, avalizando a generalização do empresariamento das políticas públicas,
garantindo uma espécie de grande unificação nacional em torno do grande capital,
consolidando as instituições representativas rebaixadas, a mercantilização do voto e
redução da democracia à sua expressão mínima.
Essa foi a contraface interna para o aval permanente e o apoio substantivo governamental
para a fuga para a frente através do salto na concentração de capitais no Brasil, qualquer
que fosse sua origem nacional, através de privatizações enormes, de fomento aos Fundos
de Pensão, etc. Este salto encontrou lastro na extensa industrialização interna, na
expansão da industrialização da agricultura (o agronegócio devastador) e na dupla face do
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mercado interno e da exportação de capitais, isto é, da exploração de força de trabalho
dentro e fora do país.
Não houve uma redução efetiva de desigualdades sociais no Brasil, mas uma modificação
de suas condições, que nos leva – ao menos por enquanto – a uma forma política próxima
aos dos países capital-imperialistas, com um enorme apassivamento popular ao lado de
uma nova escala na concentração de capitais. A forma democrática rebaixada da burguesia
parece se completar, em especial na coligação que sugere entre a manutenção do status
quo econômico (e sua expansão), a formatação política com uma sociedade civil em boa
parte empresariada, na ampliação dos elementos de convencimento social (tanto pelos
aparelhos privados de hegemonia, quanto diretamente pelo Estado-parceiro, quanto, ainda,
pela mídia), ao lado da manutenção da coerção, em especial através da criminalização de
movimentos sociais contestadores.
Essa democracia se torna retórica, caricatura de uma 'assembléia de acionistas'. Embora
precise garantir o apassivamento popular, com concessões 'gotejadas', o faz apenas na
medida em que assegura o aprofundamento da concentração de capitais e as seguidas
expropriações. Não se pode abandonar a reivindicação democrática para a luta comunista.
O conceito de ditadura do proletariado supõe a proscrição do capital, mas exige uma plena
democracia dos trabalhadores, da igualdade social (e não da massificação banalizada e
mercantil), condição para que possam vicejar as singularidades e as diversidades. Temos o
desafio de qualificar de maneira precisa esta forma de rebaixamento representativo da
democracia sob o capital-imperialismo contemporâneo, pois ela se aproxima, com as
características peculiares da truculência social brasileira, da forma como vem se realizando
nos próprios países centrais. Vem ocorrendo aqui também a captura da montantes
expressivos de recursos sociais de trabalhadores (em geral, trabalhadores com direitos) a
serem convertidos em capital através de fundos de pensões. Um punhado de trabalhadores
sindicalizados provam nesses fundos sua capacidade gerencial para o capital. Exsindicalistas, atuam fomentando o capital portador de juros, ao mesmo tempo em que
exercem as funções de capitalistas funcionantes, impelindo as empresas sob controle de
tais fundos a reestruturações visando maior produtividade, ou seja, uma maior exploração
da força de trabalho. Estou enfatizando o âmbito interno para pensarmos o capitalimperialismo brasileiro, sem esquecer porém do papel dramático cumprido pelas
transnacionais brasileiras em outros países, sobretudo na América do Sul.
O que significa isso para a nossa luta, de todos os comunistas? Que o papel de exportação
de capitais e de apassivamento interno que caracterizam o capital-imperialismo
contemporâneo em vigor no Brasil reafirmam de maneira ainda mais incisiva o caráter
socialista da luta. Reafirmam a necessidade da acumulação de forças, mas na clareza do
objetivo socialista, de maneira a difundir a situação real sob a qual vivemos e as
necessidades da luta de classes. Decerto, há enormes tarefas e conquistas menores a
arrancar, necessárias para recuperar o fôlego da classe trabalhadora, para que ela possa
enfrentar o avassalamento dessa sociabilidade do capital que hoje predomina. Porém a
classe trabalhadora terá de se preparar para enfrentar as condições reais da luta. O PCB já
tem clara a consciência da dimensão hercúlea e urgente dessa luta, já tem clara a
consciência da complexidade da formação e da organização exigidas.
Concluo reafirmando a satisfação de estar aqui, debatendo a partir das teses do PCB. Nós,
aqui na mesa e os nossos companheiros de outras organizações aqui também presentes,
queremos reafirmar a importância central da luta pela superação da ordem do capital.
(Virginia Fontes)
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