socialismo e educação física
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socialismo e educação física
SOCIALISMO E EDUCAÇÃO FÍSICA MARA MEDEIROS estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. Resumo: este é um estudo que busca apresentar e comentar como se dá a Educação Física no modelo socialista cubano. A sua realização se deu a partir de observações presenciais e da análise dos documentos oficiais que regulamentam e orientam esta disciplina nas escolas daquele país. Palavras-chave: Educação Física, Saúde, Sociedade Socialista O presente estudo busca apresentar e comentar como se dá a Educação Física escolar em um modelo de sociedade socialista, especificamente o de Cuba, a partir de sua estruturação e desenvolvimento. Acreditamos que, em um primeiro momento, é necessário lançar um olhar panorâmico sobre a pirâmide que representa o universo da Cultura Física naquele país, para depois visualizarmos com mais detalhes as questões específicas da Educação Física como disciplina do currículo escolar. Em Cuba, entende-se a área como sendo Cultura Física e Educação Física é a disciplina escolar, sendo que ambas figuram como Diretoria na estrutura do INDER (Instituto Nacional de Deporte, Educación Física y Recreación), que tem como objetivo o desenvolvimento da Educação Física, 941 O SISTEMA CUBANO DE CULTURA FÍSICA E DE ESPORTE 942 O atual Sistema Cubano de Cultura Física y Deporte, instituído pelo Decreto-Lei nº 67, estabelece em seu artigo 85 que o estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. desporto e recreação da população. Existe ali uma tendência nacional para o esporte de rendimento e a Educação Física representa a base da pirâmide desse alto rendimento e faz parte do currículo em todos os níveis de escolaridade. Uma vez considerando a figura da pirâmide, logo acima das escolas comuns existem as Escuelas de Iniciación Deportiva (EIDE), que abrigam os talentos identificados naquelas escolas. As EIDEs são especializadas em determinadas modalidades. Ali, em regime de semi-internato, os alunos estudam o mesmo currículo das outras escolas e realizam seus treinamentos específicos, retornando para casa apenas nos fins de semana. É preciso evidenciar que o rendimento escolar define a vida do atleta, sendo que, no caso de reprovação, o aluno retorna para uma escola comum. Os atletas que se destacam nos campeonatos internos das EIDEs passam para outros centros, que se encontram um pouco acima na estrutura piramidal, que são as ESPAs (Escuela Superior de Perfeccionamento Atlético) que oferecem um treinamento mais acurado e onde o atleta tem um acesso a um nível mais alto de competições. Finalmente, no topo da pirâmide, encontram-se os Centros de Alto Rendimento (CEAR), onde estão as equipes nacionais. Embora tenhamos partido de uma visão panorâmica, estaremos tratando do sistema estruturado para as escolas comuns, uma vez que nosso propósito não é discutir o modelo de formação de atletas, mas sim a Educação Física no ensino primário, secundário básico, pré-universitário e técnico profissional. No Brasil, há duas décadas, vários autores se debruçam sobre a tarefa de rever e reestruturar a Educação Física escolar e recorrem, na literatura atual, à visão funcional utilitarista da Educação Física relacionada aos aspectos de saúde e adestramento físico associados ao capitalismo. Diante destes fatos, a principal motivação para o presente estudo é a crença de que, para continuarmos perseguindo a utopia de que a solução seria a superação do modelo estabelecido pelo capital, é necessário partirmos da compreensão e discussão do modelo socialista que conhecemos. estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. Instituto Nacional de Deportes, Educación Física y Recreación (INDER) é a entidade encarregada de dirigir, executar e controlar a aplicação da política do governo, no que diz respeito aos programas desportivos e à Educação Física. No sentido de efetivar o referido decreto-lei, o próprio INDER prepara a Resolução de número 24, assinada em 28 de janeiro de 1991, que resolve: instituir o Sistema de Cultura Física e Esportes como único instrumento de trabalho, para reger esta atividade no país; introduzir como parte da formação de professores o ensino do referido sistema com vistas à sua integração no cotidiano da prática desses professores; manter de forma permanente o grupo de trabalho encarregado da atualização e reorganização do Sistema; e comunicar a resolução a todos os órgãos do poder e a todos que devam conhecê-la. Como é possível observar, a organização do Estado cubano é bastante atenta quanto ao aspecto de colocar em prática o que é estabelecido pelas comissões oficiais. Na publicação anexa à Resolução em questão, o Inder (1991) define o Sistema como um conjunto de elementos da cultura física e de esportes que contribui para o bem-estar físico e moral1 e para a promoção da saúde, além da elevação da “maestria desportiva”, do aproveitamento do tempo livre e da formação da personalidade comunista. No mencionado texto, existe a preocupação com a definição dos conceitos gerais do sistema, onde podemos encontrar a distinção entre Cultura Física e Educação Física. Neste sentido, a Cultura Física é assim definida: É uma parte da cultura da humanidade que expressa valores individuais da Cultura. Seu conteúdo específico se fundamenta no uso racional que dá ao homem a sua atividade motora com a finalidade de contribuir para a otimização de seu desenvolvimento e rendimento motor para enfrentar com êxito as tarefas individuais e sociais, o que repercute diretamente na qualidade de vida (INDER, 1991, p. 1). A Educação Física, por sua vez, é definida como: [...] uma atividade na qual estão presentes todas as premissas inerentes ao processo pedagógico que garantem a for- 943 944 No caso das definições acima, podemos simplificar com a explicação dada anteriormente de que, em Cuba, a área se chama cultura física e que educação física é o nome dado à disciplina do currículo escolar. Também com base nos conceitos e objetivos mencionados, podemos verificar que a base teórica para a estruturação da educação física de Cuba é semelhante à abordagem que, no Brasil, convencionamos denominar tradicional. Os termos e expressões acima grifados trazem elementos marcantes não apenas nos documentos oficiais como na realidade prática da vida cotidiana do povo cubano, como a idéia de saúde que envolve o bem-estar físico e a qualidade de vida, e que figura como objetivo primordial da revolução cubana de 1959, ou seja, a saúde pública. Outro elemento notadamente priorizado em termos de política pública em Cuba é a questão da mencionada “maestria desportiva”, que nada mais é que a busca da supremacia esportiva que ocorre desde os primeiros anos da Revolução e que levou o país a dividir espaço nos pódios olímpicos com grandes potências do mundo econômico. Também foi alvo do nosso grifo a questão da formação da personalidade comunista, uma vez que em Cuba a difusão desses valores é tarefa primordial da escola, desde os primeiros anos de escolaridade. Mais tarde, o Marxismo e o Leninismo são apresentados em forma de disciplina curricular no ensino pré-universitário, mais especificamente nas décima primeira e décima segunda séries. Ou seja, embora estejamos descrevendo um país que convive com um regime ditatorial, devemos considerar que se trata de um governo que prima pela formação crítica e revolucionária de seus cidadãos. É bastante comum, na mídia local, a afirmação de que o que distingue o esporte cubano do de outros países é a formação revolucionária de seus atletas. Ainda com relação aos grifos, é possível perceber que, desde a definição de Educação Física no documento anexo à Resolução nº 24, aparece a questão do desenvolvimento das qualidades físicas, estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. mação de hábitos e habilidades [...] a assimilação de conhecimentos teóricos e o ‘desenvolvimento das qualidades físicas’ que, em conjunto, definem notavelmente a ‘capacidade de trabalho do homem’ (INDER, 1991, p. 2). estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. associada à idéia da capacidade de trabalho do homem. Uma vez que, nas duas últimas décadas, estamos envolvidos com as reflexões críticas a respeito das práticas tradicionais da Educação Física e que, no bojo dessas discussões, ancora-se o argumento de que tal prática acaba por manter “a estrutura da sociedade capitalista”, estamos trazendo para reflexão que esta Educação Física “se apóia nos fundamentos sociológicos, filosóficos, antropológicos, psicológicos e, enfaticamente, nos biológicos para educar o homem forte, ágil, apto, empreendedor que disputa uma situação social privilegiada na sociedade competitiva de livre concorrência: a capitalista”, como a argumentação do Coletivo de Autores (1992, p. 36). Oliveira (2003) chama a atenção para as generalizações e abstrações relacionadas ao capitalismo e afirma que a vinculação da Educação Física escolar brasileira aos ditames do capitalismo parece uma forma profunda de redução da compreensão da organização da cultura. O fato de parafrasear o referido autor é por constatar que na base dessas argumentações estão as características de uma Educação Física tradicional, as mesmas que foram explicitadas no documento que retrata um modelo de sociedade socialista. Ou seja, não é apenas o modelo capitalista que necessita de corpos saudáveis, ágeis e disciplinados, talhados para o trabalho. Por outro lado, merece uma abordagem, ainda que breve, a questão relacionada à Educação Física escolar e à sua “preparação para o trabalho”, uma vez que qualquer abordagem neste sentido deve vir acompanhada de sua conceituação. Se escapamos da percepção do humano como máquina de produzir trabalho mecânico e adotamos a idéia que permeia as abordagens marxistas de que o trabalho é a condição indispensável da existência do homem, podemos entender a expressão “capacidade de trabalho do homem” que aparece na definição de Educação Física, a partir de um outro ângulo de visão. Ou seja, o trabalho não é visto como uma categoria de cunho ideológico decorrente das reflexões relativas à dicotomia capital/trabalho, mas no sentido genérico, isto é, como atividade através da qual o homem modifica o mundo, a natureza, de forma consciente e voluntária, para satisfazer suas necessidades básicas. Como desdobramento da Resolução nº 24, o Inder prepara publicações denominadas “Programas e Orientações Metodológicas de Educação Física” para cada um dos ciclos escolares, onde estão contidas as diretrizes que, obrigatoriamente, 945 devem ser postas em prática pelos professores de educação física das escolas. Para o presente estudo, além do documento oficial que dita normas e conceitos para a Educação Física, foram analisadas ao todo cinco publicações, sendo as duas primeiras destinadas ao ensino primário do primeiro e segundo ciclos, respectivamente. A terceira publicação contempla o ensino secundário básico e as duas últimas atendem ao pré-universitário e ao ensino técnico e profissional, os quais detalharemos em seguida. 946 O primeiro ciclo do ensino primário corresponde ao ensino de primeira à quarta série e, na publicação de Tardío (2001a), cada série recebe um tratamento detalhado que, em um primeiro momento, contém explicações sobre as características do aluno na referida série, as características da disciplina na série em questão, os objetivos da disciplina para a série, o plano temático com a previsão dos dias letivos e a carga horária, os conteúdos e as orientações metodológicas para cada um dos conteúdos apresentados. No caso específico da primeira série, o texto, após classificar os alunos como tendo aproximadamente seis anos, argumenta que se trata do início da vida escolar e que isto exige do aluno uma atividade diferente da que vinha realizando no ciclo infantil e que é interesse do aluno usar uniforme e ser “um pioneiro”. É importante esclarecer que “ser pioneiro” é o primeiro passo na direção da formação revolucionária do povo cubano. O lema dos pioneiros que é repetido em uníssono todos os dias na formação de filas antes do início das aulas é: “Pioneiros para comunismo: seremos como Che”, fazendo alusão ao grande revolucionário argentino, adotado por aquele povo como herói nacional. Segundo o texto, as particularidades das crianças devem ser consideradas pelo professor de Educação Física para dirigir seu trabalho docente, “sobretudo para orientar os aspectos da personalidade de seus alunos que requerem atenção especial, [uma vez que] nestas idades têm lugar significativas mudanças anatômicas e fisiológicas” (TARDÍO, 2001a p. 3). Neste aspecto, são destacadas a formação da curvatura da coluna vertebral e a incompleta ossificação do esqueleto, o que dá grande flexibilidade. Nos mo- estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. A EDUCAÇÃO FÍSICA DO ENSINO PRIMÁRIO o o (1 e 2 CICLOS) estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. mentos que se seguem, o texto deixa bastante claro que, nesta etapa, o processo de maturação do sistema nervoso influi na atividade que a criança realiza, o que reflete na atenção e cognição. Ainda discorrendo sobre o sistema nervoso, o programa em questão trata do trânsito dos processos psíquicos involuntários para voluntários, aborda também a percepção, a memória, o pensamento e a linguagem, como importantes para a aprendizagem da criança. Tal iniciativa é semelhante à de Seybold (1980), cujo texto figurou como obra exigida em concursos públicos no Brasil da década de 1980, quando defende o “princípio de adequação à criança”. Antes de apresentar os objetivos da Educação Física para a primeira série, o programa trata de caracterizar a disciplina Educação Física na primeira série, “por dar continuidade às ações motrizes presentes no sexto ano de vida e pela incorporação de novas tarefas encaminhadas para a melhoria das capacidades de rendimento físico e desenvolvimento das habilidades motoras” (TARDÍO, 2001a, p. 4). Para a primeira série, o programa compreende as unidades de ginástica básica, jogos e atividades rítmicas, dirigidos fundamentalmente para o desenvolvimento das capacidades físicas e motoras básicas. As habilidades físicas são discriminadas como força, rapidez, resistência, equilíbrio, coordenação, orientação espacial, ritmo e flexibilidade e as habilidades motoras básicas, como correr, saltar, lançar, receber, empurrar, transportar e escalar. Os objetivos (que a rigor já estavam estabelecidos na caracterização da disciplina na série) vão desde as questões objetivas como as habilidades motoras básicas, passam por hábitos higiênicos mediante o trabalho da postura correta, até os aspectos subjetivos, como o de “desenvolver qualidades pessoais para o trabalho coletivo e respeitar as regras estabelecidas”. Em um dado momento, os objetivos são também operacionais, como, por exemplo, “correr 2-3 minutos de forma contínua e realizar corrida de velocidade até 30 metros” (TARDÍO, 2001a, p.5). A frequência semanal das aulas de Educação Física para o primeiro ciclo é de três horas/aula e o Plano Temático do referido programa trata de dividir o ano em quatro períodos, cada qual com seu conteúdo e com sua previsão de dias letivos e feriados. Em seguida, o programa apresenta especificamente cada conteúdo a partir de um detalhamento de seus objetivos, fundamentos 947 948 estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. e as orientações metodológicas para sua execução. Como exemplo, trazemos o conteúdo: Ginástica Básica, cujo objetivo para a primeira série é o de “continuar exercitando as habilidades motoras básicas tratadas nas séries pré-escolares, de incorporar outras ações motoras e o de começar a desenvolver as capacidades físicas: força, rapidez, resistência e flexibilidade”. O programa detalha os fundamentos, como exercício de organização e controle, corridas, corridas de trabalho contínuo e ritmo moderado, saltos, etc. Quanto às orientações metodológicas para cada um desses fundamentos, o programa explicita a finalidade de cada um dos fundamentos na respectiva idade e o momento da aula no qual eles devem ser utilizados. Essa é a parte mais volumosa do programa e conta com ilustrações de desenhos. O programa oferece o mesmo tratamento para as demais séries do primeiro ciclo (segunda, terceira e quarta), evidenciando as características físicas e psíquicas das respectivas idades e garantindo outros elementos e uma maior complexidade aos conteúdos trabalhados na primeira série. Nos conteúdos das duas últimas séries, é acrescentado o atletismo e os jogos pré-desportivos para a quarta série. No caso específico do segundo ciclo (5a. e 6a. série), a estrutura do Programa é a mesma, ou seja, a característica de cada idade, a caracterização da disciplina na série, os objetivos, o plano temático e o detalhamento dos conteúdos com as respectivas orientações metodológicas. Para a quinta série, está previsto o desenvolvimento das capacidades físicas, habilidades motoras básicas e desportivas, a formação do interesse do aluno em direção à prática sistemática de atividades físicas, desportivas e recreativas, assim como a formação de valores e qualidades do caráter (TARDÍO, 2001b). As unidades programadas para esta série são: ginástica básica, jogos pré-desportivos, basquete, futebol (para ambos os sexos) e atletismo. Como no ciclo anterior, o ano é dividido em quatro períodos e, no caso da quinta série, a ginástica básica é trabalhada nos quatro, por ser considerada a que mais influência tem no desenvolvimento de capacidades físicas e habilidades motoras e na consolidação das habilidades trabalhadas nas séries anteriores. Já os jogos prédesportivos são trabalhados em um período com a finalidade de estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. desenvolver as habilidades antecedentes das modalidades: basquete, futebol, vôlei e beisebol. Também o atletismo e o futebol são ministrados em um período. O texto alerta que, nesta idade (10 a 12 anos), começam a aparecer diferenças entre meninas e meninos, quanto aos resultados e que o professor deve estabelecer exigências de forma gradual e paulatina para atender às possibilidades de ambos os sexos, até cumprir com os objetivos das séries. Embora neste momento o texto alerte para a questão do gênero e da preocupação da reunião dos alunos independentemente do sexo, a orientação para a separação aparece mais tarde, como veremos na nona série. Nesse momento da escolaridade, a freqüência cai para duas aulas semanais e os objetivos continuam trazendo como foco o desenvolvimento das capacidades físicas e habilidades motoras desportivas. Entretanto, é acrescentada aos objetivos a questão da formação vocacional para a área da Educação Física, da seguinte forma: “continuar com o labor de formação vocacional e orientação profissional que desperte o interesse para a nossa profissão, mediante os círculos de interesse, movimento de monitores e o desenvolvimento do conteúdo da disciplina” (TARDÍO, 2001a, p. 7). Para a sexta série, a caracterização da disciplina na série não difere substancialmente da série anterior. Apenas no aspecto de “formação do caráter”, são acrescentadas as qualidades morais, volitivas e as convicções. Também são os mesmos conteúdos e seus desenvolvimentos nos quatro períodos, considerando a importância da série para a preparação adequada para que o aluno “enfrente” os conteúdos mais complexos das primeiras séries do ensino médio. Os objetivos são basicamente os mesmos da quinta série, sendo introduzida a orientação relacionada à saúde: “dominar e explicar a utilidade dos exercícios físicos para a manutenção de uma boa saúde” (TARDÍO, 2001b, p. 35). Da mesma forma que no programa anterior, o documento do segundo ciclo segue detalhando os conteúdos, seguidos das devidas orientações metodológicas para a sua execução. Como exemplo, destacaremos uma das orientações metodológicas para o basquete da quinta série: 949 Depois de explicar que o basquete será desenvolvido levando em conta as orientações do minibasquete e baseado fundamentalmente em jogos, o texto deixa claro o princípio do mais simples para o mais complexo com a inclusão de variações e seguindo a ordem lógica de aparição. Exemplo: habilidade do drible. Primeiro se ensina no lugar, depois em movimento. Quanto à intensidade e rapidez dos exercícios, o texto insiste que não se trata de um aspecto fundamental e que dependerá da individualidade do aluno. Em seguida, o texto apresenta a sugestão de cinco jogos, cada qual com pelo menos três variações e garantindo o aspecto progressivo do grau de complexidade, como no exemplo abaixo. Nome: Jogo de números Organização: formam-se equipes com todos os alunos enumerados e a bola é colocada no centro de ambos. Desenvolvimento: quando o professor mencionar um número, estes tratarão de se apoderar da bola e aquele que conseguir será o atacante e o outro defenderá. Ganha a equipe que anotar mais cestas. Exercício de ensino passe e defesa São ocupadas áreas e realizado trabalho alternado, com duas fileiras em cada área, sendo uma ofensiva e outra defensiva que tem a bola e a passa para a ofensiva. Este ataca e o outro defende. Como resumo dos conteúdos ministrados poderão realizar circuitos de 5 – 8 estações (segunda a área disponível), com tempo de trabalho 20 – 25 segundos, 30 – 50 segundos de descanso. Podese realizar 2 ou 3 séries com uma pausa entre elas de 2 – 3 minutos (TARDÍO, 2001b, p. 23). 950 Tanto para o primeiro quanto para o segundo ciclo, o texto deixa bastante claro o aspecto obrigatório dos objetivos e dos conteúdos e que as adequações ao programa poderão ser feitas apenas quando o professor não contar com as condições mínimas necessárias para ministrar o conteúdo (material e local de trabalho). Neste caso, as aulas poderão ser adaptadas às condições reais de trabalho desde que sejam cumpridos os estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. Jogo objetivos das unidades. Entretanto, a ordem para ministrar os temas está a cargo do professor em correspondência com seus interesses, mas com orientação para que inicie com as atividades menos complexas. Embora nos centros de formação de professores de Cuba seja possível notar uma forte tendência à teoria de Pierre Parlebas, os documentos oficiais não trazem qualquer citação ou marco teórico e o presente estudo não tratou de identificar tal aproximação, estudo que poderá ser realizado futuramente. estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. A EDUCAÇÃO FÍSICA SECUNDÁRIA BÁSICA Em Cuba, o Secundário Básico, que corresponde ao ensino médio, compreende as sétima, oitava e nona séries. O texto referente a esta etapa segue a mesma estrutura dos anteriores, entretanto, acrescenta uma detalhada caracterização da adolescência que, além das mudanças anatomofisiológicas, trata dos processos cognitivos e atividade de estudos, bem com também do desenvolvimento social e afetivo. Na caracterização do aluno do nível secundário básico, o texto enfatiza que a adolescência é um período decisivo no desenvolvimento do indivíduo, mas pondera que este desenvolvimento está sujeito a variações individuais que dependem de uma série de fatores, sobretudo os sociais. Neste caso, Perez (2001, p. 5) procura deixar bastante evidente que há necessidade de que “os educadores conheçam profundamente as características da adolescência e da juventude e saibam reconhecê-las nos estudantes com suas particularidades individuais e traços comuns. Isso constitui, sem dúvida, uma premissa para a elevação da qualidade do trabalho docente-educativo”. São consideradas as mudanças anatomofisiológicas do adolescente e tratadas, em especial a dos hormônios e da maturação sexual, uma vez que, segundo o autor, são questões que exigem atenção e orientação ao adolescente, por parte dos adultos que o rodeiam. Quanto aos aspectos cognitivos e atividades de estudo, o autor aborda as mudanças experimentadas pelo adolescente no âmbito da percepção, memória, atenção, imaginação e pensamento e aponta como uma das principais características o desenvolvimento da capacidade de operar conceitos e conteúdos mais abstratos. 951 952 estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. O desenvolvimento social e afetivo merece especial atenção no texto, momento em que são abordadas as questões relativas à comunicação, inibição, infelicidade, necessidade de atrair a atenção (fazer graça, cometer indisciplina) e que, neste caso, o professor deve dirigir com mais flexibilidade o desenvolvimento das atividades. Os objetivos gerais para o ensino médio básico são bastante similares aos do segundo ciclo do ensino primário, reforçando a questão relativa ao labor de formação vocacional para a área da Educação Física, esporte e recreação. Também coincide com a anterior a freqüência semanal que é de duas aulas por semana. No detalhamento das séries, o texto afirma que a sétima série está dirigida para satisfazer as exigências estabelecidas pelos objetivos da Educação Geral Politécnica e Laboral2, no sentido de obter um desenvolvimento multilateral e harmônico da personalidade e da capacidade de rendimento físico, levando em conta os interesses e as necessidades do aluno. Os objetivos para a sétima série são todos enunciados em termos comportamentais, como “aplicar corretamente, em condições competitivas, as habilidades adquiridas e as regras principais dos esportes estudados”, ou “realizar uma corrida de trabalho contínuo de 10 minutos de duração em um ritmo estável”. Para a sétima série, os conteúdos são os mesmos do segundo ciclo (ginástica básica, atletismo, futebol e basquete), entretanto aparece uma orientação com relação à ginástica que pode ser trabalhada de forma combinada com o atletismo, futebol ou basquete, ou em “aulas puras” (TARDÍO, 2001a, p. 9). Da mesma forma que os outros volumes, os conteúdos são detalhados e acompanhados de sugestões de atividades para que sejam desenvolvidos. O que o difere substancialmente dos demais programas são as orientações metodológicas que, neste caso, são apresentadas como Considerações para o Trabalho que visam conseguir uma “racionalidade do conteúdo, do tempo e uma maior incidência na capacidade de rendimento físico”(p.12). Os métodos e procedimentos se assemelham a um processo de treinamento com dosagem de exercícios, regulação da carga quanto ao volume, intensidade e densidade, chegando até a aplicação e avaliação de testes que valoram a influência que exerce a carga externa no organismo dos alunos. Neste tópico, o texto é repleto de fórmulas e gráficos. O programa da oitava série é bastante similar ao anterior em estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. termos de caracterização da disciplina, freqüência semanal e objetivos que apresentam diferença apenas no grau de complexidade do comportamento que se espera dos alunos. A diferença no conteúdo é a substituição do futebol por uma iniciação ao vôlei, “basicamente no domínio elementar das principais habilidades desportivas (deslocamento, toque, saque e defesa do saque) que possibilitem aos alunos jogarem este esporte “ (PEREZ 2001, p.34). Quanto à nona série, cujo programa é bastante similar ao anterior, na especificação do seu conteúdo aparece, pela primeira vez, a separação dos alunos por gênero. Nesta série, os conteúdos são ginástica básica, vôlei, futebol (masculino) e ginástica rítmica desportiva (feminino). Na explicação de que nesta série o futebol está dirigido especificamente para os meninos, aparece apenas a seguinte afirmação: O futebol continua nessa série e seu ensino está dirigido especificamente aos meninos. O desenvolvimento das habilidades motoras desportivas fundamentais desse esporte, conjuntamente com os conceitos e as regras básicas que se ministram, permite que os alunos joguem e interpretem o jogo quando são espectadores e desenvolvam capacidades físicas, assim como traços da personalidade (PEREZ 2001, p. 42). No caso específico das duas últimas séries (oitava e nona), as Recomendações Específicas para o Desenvolvimento das Unidades (que nos outros volumes aparecia como orientações metodológicas) não voltam a tratar dos testes e das avaliações de rendimento, mas limitam-se a introduzir novos e mais complexos elementos para os conteúdos que se mantêm (vôlei e atletismo) e a realizar um maior detalhamento para os novos conteúdos. É importante deixar claro que, em nenhuma das etapas do ensino, existe a preocupação com a formação de atletas, uma vez que esta tarefa é executada pelas EIDEs e ESPAs, como foi dito anteriormente na introdução. Ou seja, todo trabalho físico realizado é para tornar o aluno um praticante, visando à manutenção da saúde e à preparação para o trabalho. A PERSPECTIVA DO PRÉ-UNIVERSITÁRIO O programa destinado ao ensino pré-universitário trata de um pequeno texto de 16 páginas e segue a mesma orientação dos 953 954 No espaço referente à caracterização da disciplina, são destacadas as questões relacionadas à generalização dos conhecimentos e à melhoria das capacidades físicas, condicionamento e capacidades coordenativas simples e complexas, levando em conta a idade e as características biológicas, fisiológicas e psíquicas dos alunos. No Plano temático desta etapa, não consta a frequência semanal das aulas. Sobre tais características, o texto enfatiza que este ensino transcorre em um período de trânsito entre adolescência e juventude e que “o estudo se converte em uma necessidade vital quando o jovem desenvolve, no processo de obtenção do conhecimento, a iniciativa, a criatividade e a atividade cognoscitiva independente” (Idem p. 5). Para a décima série, os conteúdos previstos são a ginástica básica, o atletismo e o futebol. Para a série subseqüente, estão previstos o basquete e o vôlei e para a décima segunda série, o vôlei para as mulheres e o beisebol para os homens. As orientações metodológicas dadas a cada um dos conteúdos mencionados versam sobre a observação diagnóstica, o aumento da carga e da complexidade das tarefas. estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. anteriores, na sua estruturação. Esta etapa corresponde à décima, décima primeira e décima segunda série e desempenha o papel de preparação para a universidade. Para esta etapa, o texto apresenta cinco objetivos gerais que são: • realizar com êxito as tarefas de preparação física, estabelecidas pela escola, família e sociedade; • conseguir aplicar, em condições de jogos e competições, as habilidades principais dos diferentes esportes que foram motivos das aulas que receberam neste nível; • identificar e selecionar os diferentes tipos de exercícios para o desenvolvimento das capacidades físicas, de condicionamento e coordenação como meio de auto-exercício no seu tempo livre; • incentivar, mediante as atividades da disciplina, a formação vocacional e profissional para a capacitação nesta carreira pedagógica; • contribuir com as atividades de aulas e extra-escolares, para a formação e consolidação de valores éticos e morais (COLECTIVO DE AUTORES, 2001). estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. A EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO TÉCNICO E PROFISSIONAL É importante esclarecer que, em Cuba, o ensino é obrigatório até a nona série, embora continuar estudando seja uma opção facilitada e viabilizada pelo governo. O ingresso à universidade depende de alguns fatores, como, dentre outros, o impecável histórico escolar do aluno (sem reprovação) e o envolvimento como voluntário em projetos sociais. Entretanto, para aqueles que não anseiam ou que não reúnem condições para o ensino universitário, existe a opção do ensino técnico e profissional que “tem como encargo social a formação de técnicos e trabalhadores qualificados para atenderem à demanda da economia do país” (SOSA, 2001, p. 3). Existem dois níveis de ingresso ao Ensino Técnico-Profissional (ETP), ou seja, um a partir da nona série e o outro, da décima segunda série. Este aspecto e as diferentes especialidades que integram o ETP levam a um tratamento diferenciado dos conteúdos que buscam atender aos objetivos voltados para a conservação da saúde, para o aumento da capacidade de trabalho e de conhecimentos capazes de melhor orientar a utilização do tempo livre. Existe um programa de esportes que atendem a esses alunos e que compreendem as seguintes modalidades: atletismo, basquete, handebol, futebol, ginástica aeróbica, judô, vôlei, ginástica básica, beisebol e ginástica rítmica. Os dois últimos para a prática exclusiva de homens e mulheres, respectivamente e os demais, destinados a ambos os sexos. O desenvolvimento dessas modalidades esportivas está condicionado às condições estruturais e materiais das escolas, bem como ao gosto e à preferência dos alunos. A exemplo da etapa anterior, também no ETP o texto não deixa claro o número de aulas por semana. Este ensino compreende três anos e os objetivos de cada um deles são semelhantes no que dizem respeito aos conhecimentos teóricos e práticos para a melhor utilização do tempo livre e para a conservação da saúde, associada aos processos produtivos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma vez conhecendo de perto a cultura escolar de Cuba, é possível admitir que a Educação Física é cuidadosamente estruturada 955 Notas 1 Os grifos nas traduções das definições são propositais por parte da autora, a fim de destacar algumas categorias de análise. 2 Designação da magnitude do sistema cubano de educação Referências COLECTIVO DE AUTORES. Programas y orientaciones metodológicas de educación física: Preuniversitario. La Habana: Editorial Deportes, 2001. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez, 1992. INDER. Sistema Cubano de Cultura Física y Deporte. La Habana: INDER,1991. 956 OLIVEIRA, M. A. T. Educação Física Escolar e Ditadura Militar no Brasil (1968-1984): entre a Adesão e a Resistência. Bragança Paulista: Edusf, 2003. estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. e aplicada a partir de um sistema de controle capaz de garantir que sejam atingidos os objetivos mais gerais como a promoção da saúde, a mestria desportiva, a formação da personalidade comunista e o desenvolvimento físico com vistas à definição da capacidade de trabalho do cidadão. Ou seja, existem objetivos bem definidos e que são alcançados a partir de um sistema de trabalho bastante eficaz. É importante evidenciar que o fato de as fontes aqui apontadas serem recentes é por serem constantemente reavaliadas, uma vez que o governo de Cuba mantém permanentemente as equipes de trabalho que acompanham o resultado prático dos programas e que estes não são meras formalidades. Não se trata aqui de estabelecer qualquer juízo de valor relacionado à Educação Física de Cuba, mas sim o de questionar a freqüente abordagem do modelo econômico brasileiro como epicentro de nossos problemas tradicionais. É necessário considerar que a busca de corpos saudáveis para atender à demanda dos setores produtivos não é exclusividade do capitalismo e independe da orientação ideológica. Com tal afirmação, pretendo provocar a reflexão de que imputar culpa ao capitalismo não resolve os graves problemas da Educação Física brasileira e que nossos problemas são ainda mais graves se admitirmos que, embora tenhamos legislação e programas oficiais, não contamos com objetivos claros, não dispomos de uma estrutura adequada às séries e tampouco contamos com qualquer estratégia de aplicação. PERÉZ, J. B. et alli. Programas y orientaciones metodológicas de educación física: secundaria básica. La Habana: Editorial Deportes, 2001. RAMÍREZ, F. A. Visión Introspectiva Actual de La Praxiología Motriz in Revista Científica de Las Actividades Físicas, Los Juegos y Los Deportes no. 0 V. 1. España: Universidad de las Palmas de Gran Canaria, 1996. SEYBOLD, A. Educação física principios pedagógicos. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. SOSA, P. P. et allí. Programas y orientaciones metodológicas de educación física: enseñanza técnica y profesional. La Habana: Editorial Deportes, 2001. TARDÍO, O. T. et allí. Programas y orientaciones metodológicas de educación física: enseñanza primaria (primer Ciclo). La Habana: Editorial Deportes, 2001a. _____. Programas y orientaciones metodológicas de educación física: enseñanza primaria (segundo ciclo). La Habana: Editorial Deportes, 2001b. estudos, Goiânia, v. 36, n. 9/10, p. 941-957, set./out. 2009. Abstract: this is a study that seeks to present and discuss ways in which the Physical Education in the Cuban socialist model. Their achievement was made through classroom observations and analysis of official documents that regulate and guide this discipline in the schools of that country. Keywords: physical education, health, socialist society MARA MEDEIROS Doutora em Ciências Pedagógicas. 957