O Colégio Notre Dame e as adaptações à política educacional

Transcrição

O Colégio Notre Dame e as adaptações à política educacional
Belady Bonato
O Colégio Notre Dame e as adaptações à política
educacional (1937-1942)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História, do Instituto de
Filosofia
e
Ciências
Humanas
da
Universidade de Passo Fundo como requisito
parcial e final para obtenção do grau de
mestre em História sob a orientação do
Prof.(a) Dr.(a) Ana Luiza Setti Reckziegel.
Passo Fundo
2010
2
De uma cidade, não aproveitamos as suas
sete ou setenta e sete maravilhas, mas a
resposta que dá às nossas perguntas”.
Ítalo Calvino
3
AGRADECIMENTOS
Inicialmente agradeço a Prof. Dra. Ana Luiza Setti Reckziegel, pela
orientação, apoio constante, e oportunidade dessa experiência conjunta, além do desejo
de ver essa pesquisa ser concretizada com êxito. Aos demais professores do Curso de
Pós-Graduação em História da UPF, que em muito contribuíram para o aprofundamento
dos meus conhecimentos sobre a História do Brasil. Aos funcionários da Secretaria da
Pós, pelo auxilio e agilidade na solução das questões burocráticas. Aos colegas e amigos
que fiz durante a realização do Curso de Mestrado. De forma carinhosa e especial ao
amigo Cláudio de Leão Lemieszek. Ao professor e amigo Haroldo, que muito me
ajudou e acreditou nos meus projetos desde o inicio desta caminhada. Agradeço ainda, a
todos aqueles que cruzaram esta jornada e que de alguma forma contribuíram para a
realização deste trabalho. Por derradeiro, mas não menos importante, um abraço
fraterno e especial aos meus familiares, apoio incondicional e constante em minha
jornada de estudos, em especial à minha sobrinha Débora. E acima de tudo, a Deus por
me iluminar, me dar saúde e ânimo, além de coragem de não desistir diante de tantos
obstáculos enfrentados no decorrer do curso.
4
RESUMO
Durante o Estado Novo (1937-1945) a regulamentação do ensino foi levada a efeito a
partir de 1942, com a Reforma Capanema, sob o nome de Leis Orgânicas do Ensino.
Capanema tinha como objetivo a formação da personalidade do adolescente e a seleção
pelo cultivo de humanidades antigas e modernas e assim elevar no jovem a consciência
patriótica e a consciência humanística. Deve-se atentar para o detalhe da tentativa de
formação da consciência do jovem através da educação voltada para o patriotismo.
Diante desse contexto, abordaremos nesse trabalho o colégio Notre Dame de Passo
Fundo-RS, analisando sua postura diante das reformas e procurando identificar através
dos documentos fornecidos pelo colégio quais mecanismos utilizados para adequar-se
às determinações legais da reforma do ensino secundário.
Palavras chave: Estado Novo, Educação, Notre Dame, Ensino Secundário, Leis
Orgânicas
5
ABSTRACT
During the Estado Novo (1937-1945) the regulation of education was carried out from 1942, with the
Reformation Capanema, under the name of Organic Laws of Teaching. Capanema was aimed at the
formation of the personality of the adolescent and selection by cultivation of ancient and modern
humanities and thereby raise the young patriotic consciousness and humanistic conscience. Attention
should be paid to the details of the attempted formation of the consciousness of the young through
education focused on patriotism. Given this context, we will work in the College Notre Dame de Passo
Fundo-RS, analyzing their attitude to the reforms and trying to identify through the documents provided
by the college what mechanisms used to fit with the legal reform of secondary education.
Keywords: New State, Education, Notre Dame, Secondary Education, Basic Laws
6
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art.
CLT
DASP
DEI
DEIP
DIP
D.O.E
FGV
FNM
IBGE
INEP
INL
MG
RS
SENAI
UNE
-Artigo
-Consolidação das Leis Trabalhistas
-Departamento Administrativo do Serviço Público
-Departamento Estadual de Informação
-Departamento Estadual de Imprensa e propaganda
-Departamento de Imprensa e Propaganda
-Diário Oficial do Estado
-Fundação Getulio Vargas
-Fabrica Nacional de Motores
-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica
-Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
-Instituto Nacional do Livro
-Minas Gerais
-Rio Grande do Sul
-Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial
-União Nacional de Estudantes
7
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Seriação das disciplinas de 1ª a 4ª séries constantes no art. 11 do
Decreto-lei
4244/1942..........................................................................................
Tabela
2:
Ensino
geral
no
RS,
19321940............................................................
Tabela 3: Professores e matrículas efetivas do ensino primário
geral..................
Tabela 4: quadro geral de matrículas no ano de 1942.........................................
Tabela
5:
Quadro
horário
de
aulas........................................................................
Tabela 6: Quadro das disciplinas do 1º e 2º ano técnico pedagógico dos anos
1943
e
1944...........................................................................................................
Tabela
7:
Quadro
geral
de
matrículas
no
ano
de
1934..........................................
Tabela 8: Quadro das disciplinas de 1ª a 4ª série no ano de 1942 no colégio
Notre
Dame...........................................................................................................
49
58
58
66
67
67
68
69
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................
10
1 OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE
1920 E 1930................................................................................................................ 19
1.1 O movimento Escola Nova...............................................................................
19
1.2 Em 1937 é implantado o Estado Novo de Vargas............................................
24
2 AS REFORMAS DE CAPANEMA: DOS ANOS 1930 AO ESTADO
NOVO......................................................................................................................... 32
2.1 O Ministério da Educação sob Capanema em 1934-1945.................................
32
2.2 A reforma do ensino secundário e as leis orgânicas..........................................
37
2.2.1 Conteúdos curriculares.............................................................................
46
2.3 Os efeitos das reformas de Capanema no ensino............................................... 53
3 AS REFORMAS E A EXPERIENCIA LOCAL................................................
56
3.1 Breve histórico da cidade de Passo Fundo......................................................
56
3.2 Os reflexos das Reformas Capanema em Passo Fundo....................................
57
3.3 A abordagem local: o colégio Notre Dame........................................................ 60
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................
70
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 76
9
INTRODUÇÃO
Neste trabalho abordamos os significados presentes nas reformas do ensino
durante o Estado Novo, dando ênfase à reforma do ensino secundário, à preocupação
com a profissionalização dos discentes no colégio particular Notre Dame.
O trabalho limita-se ao estado do Rio Grande do Sul e mais especificamente ainda,
ao município de Passo Fundo, região do Planalto Médio e pretende analisar, a partir dos
dados levantados, como o Estado Novo impôs as mudanças educacionais a todo o país e
a maneira como a escola canalizou e se adaptou aos novos preceitos de patriotismo,
unidade nacional, culto ao chefe da nação, conservadorismo, através da educação (com
a participação da maioria das escolas do ensino ginasial e secundário nas festas), em
seus diversos espaços (ginásios das escolas, paradas cívico-esportivas, “paradas da
mocidade e da raça”, entre outros). Utilizamos como fontes os arquivos do colégio
Notre Dame confrontados ao material escolar predominante no período (livros didáticos
e cartilhas escolares).
Na operacionalização desta meta encontram-se dois objetivos específicos:
identificar a conjuntura na qual se insere a reforma de ensino proposta pelo ministro
Capanema e identificar os mecanismos utilizados pela escola selecionada para adequarse as determinações da reforma educacional do Estado Novo.
Como hipótese, defendo que esta instituição de ensino veio ao Brasil em 1923
instalando-se na cidade e restando até a atualidade em pleno funcionamento. Portanto
no período denominado Estado Novo, já estava com suas portas abertas atendendo
10
sua clientela, precisando assim acompanhar as transformações impostas pelo governo
federal e seu ministério de educação. Como resultado de sua ação pedagógica, a
educação Notre Dame visualiza um cidadão de valores, comprometido com o
cuidado da vida e do planeta, crítico-reflexivo, capaz de idealizar o projeto pessoal e
profissional e de contribuir ética e criativamente na construção da cultura do país, o
que vem a corroborar com os objetivos pretendidos por Capanema.
A delimitação temporal deve-se ao fato da Revolução de 1930 ter sido
responsável por numerosas transformações que fizeram avançar o processo educacional
no Brasil. Foi nesta época que o sistema educativo brasileiro se reconstruiu, amparado
por estruturas, em alguns casos, vigentes até os dias atuais.
Mais especificamente, procuramos desenrolar o trabalho no período chamado
Estado Novo, que vem a ser uma das fases de governo de Vargas na presidência do país.
Décimo quarto presidente do Brasil, Vargas nasceu em São Borja (RS) a 19 de abril de
1883. Filho de Manuel do Nascimento Vargas e Cândida Dornelles Vargas.
O regime brasileiro de 1937 teve seu nome tomado de empréstimo à ditadura
instituída em Portugal por Salazar em 1933. O Estado Novo dispensava os
intermediários; não se utilizava de fragmentos de opinião; não admitia frações de
pensamento nacional e não reconhecia divisões, condomínios, parcelas, pedaços de
orientação política. Queria a nação una, coesa, coerente, sem antagonismos de grupos
e sem conflitos de idéias e de doutrinas.
O Estado Novo foi o regime de feições fascistas implantado no Brasil após o
golpe de 1937, quando o então presidente Vargas investiu-se de poderes plenos no
governo através da Constituição por ele mesmo encomendada. Assim, os estados
perderam sua autonomia frente ao Governo Federal e interventores estaduais passaram a
ser designados pelo próprio Governo Federal.
Como esta pesquisa tem na escola a principal referencia, cabe uma atenção
especial a esta instituição. Segundo Ghiraldelli (2006, p. 13), o termo escola “tem sua
origem etimológica na palavra grega schole, que pode ser ‘tempo livre’, ‘ócio’. Na
Grécia Antiga, correspondia ao lugar de aprendizado e recreação, de aprendizado ou
recreação”.
Sobre o mesmo assunto, Saviani (2004: 2) acrescenta que, a origem da palavra
escola, incorpora, também, por extensão, “ocupação dos homens que dispõem de lazer;
estudo.” O autor justifica este último significado com a seguinte afirmação:
11
Nas sociedades antigas (modo de produção escravista) e
medieval (modo de produção feudal), com a apropriação
privada da terra, então o principal meio de produção, surge uma
classe ociosa (que vive do trabalho alheio) e em conseqüência
disso se desenvolve um tipo de educação diferenciada destinada
aos grupos dominantes cuja função é preencher o tempo livre
de ‘forma digna’, isto é, aquilo que na Idade Média foi
traduzido pela expressão latina ‘otium cum dignitate’.
Isso demonstra que, desde os seus primórdios, a escola foi pensada para aqueles
que não trabalhavam, ou seja, para as classes sociais mais elevadas. Somente com o
tempo a escola foi se estendendo a todas as classes sociais.
Nesta pesquisa a escola é compreendida como o local onde se desenvolve o
processo educativo. É a instituição “que propicia de forma sistemática, o acesso à
cultura letrada reclamado pelos membros da sociedade moderna. Neste contexto, a
forma principal e dominante de educação passa a ser a escolarizada” (ibid.).
A importância atual desta instituição, não está restrita somente à produção e
distribuição do conhecimento, mas também ao desenvolvimento pessoal e social do
educando, incluindo, aí, a formação profissional. Porém, se a sociedade encontra, no
interior desta instituição, uma situação pré-estabelecida, ou seja, uma mera reprodução
dos interesses e ideologias da classe dominante, a escola acaba cumprindo um papel
social diverso do esperado pela classe trabalhadora.
Conforme explica Saccheta (1985:70), os ideais nacionalistas e autoritários do
Estado Novo inspiram as diretrizes do Ministério da Educação. A educação
nacionalista proposta, tinha como máxima, educar a Pátria, vez que de acordo com
um comentário de Capanema em 1938, a Pátria não podia ser neutra. Pela
Constituição de 1937, tornam-se obrigatórias a educação física e o ensino cívico em
todas as escolas primárias, secundárias e normais do país. Encarada como
instrumento de formação das massas, a educação no Estado Novo orienta-se para
fazer das gerações futuras um todo homogêneo e coeso, sabendo mandar e obedecer.
O professor seria o obreiro da eugenia da raça. Deveriam ser aperfeiçoados os
valores dirigidos e criadores das elites e as aptidões produtoras das massas.
12
Enfatizar a já mencionada educação cívica e nacionalista, era a principal
orientação da política educacional. Objetivava-se formar indivíduos identificados com
os interesses nacionais integrados na tarefa de fazer do Brasil uma grande nação.
Segundo Schwartzman (1985:165-172) dentro do espírito do Estado Novo, o Ministério
Capanema tratou de centralizar, tanto quando possível, a educação nacional. Esta
centralização foi, sobretudo, normativa. As escolas tinham limites para ensinar sendo os
professores treinados para as reformas da educação. O Estado se sentia na necessidade
de fixar, em lei, todos os detalhes da atividade educacional, dos conteúdos dos
currículos aos horários de aula, passando pelas taxas cobradas aos alunos. O ideal, uma
vez expresso, era repetir no Brasil o orgulho que diziam ter sido de Napoleão, ou seja, o
de poder, em seu gabinete, saber a cada momento o que estava ensinando cada professor
em qualquer parte do território nacional.
Com o objetivo de verificarmos no âmbito regional o andamento das reformas
educacionais do período optamos por pesquisar o colégio Notre Dame, de caráter
confessional.1 A intenção inicial da pesquisa era verificar também, escolas publicas, no
entanto ao nos debruçarmos sobre a coleta de fontes descobrimos que estas instituições
haviam eliminado a documentação relativa ao período, num exemplo desolador de
descaso com a memória histórica.
O Notre Dame através da documentação que nos foi fornecida, testemunha sua
experiência educacional durante o Estado Novo, formando e profissionalizando várias
gerações, numa perspectiva garantida dentro do sistema de ensino voltado à integração
nacionalista.
A orientação político-educacional para o mundo capitalista fica bem explícita no
texto da Constituição de 1937, sugerindo a preparação de um maior contingente de mão-
1
Refere-se à escola vinculada ou pertencente a igrejas ou confissões religiosas. A escola
confessional baseia os seus princípios, objetivos e forma de atuação numa religião,
diferenciando-se, portanto, das escolas laicas. Para esse tipo de escola o
desenvolvimento dos sentimentos religioso e moral nos alunos é o objetivo primeiro do
trabalho educacional. Dessa forma, se a escola leiga constrói sua proposta baseada
apenas em correntes pedagógicas, a confessional procura ter um embasamento
filosófico-teológico.
As escolas confessionais ficaram caracterizadas no passado por atuar com uma
educação programática. Ou seja, o importante era que o professor passasse todo o
programa da disciplina e se o aluno, que ouvia calado, não aprendesse, era porque não
se esforçava o suficiente.
13
de-obra para as novas atividades abertas pelo mercado. Neste sentido, a nova
Constituição enfatiza o ensino pré-vocacional e profissional.
Por outro lado, propõe que a arte, a ciência e o ensino sejam livres à iniciativa
individual e a associação ou pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do Estado
o dever da educação. Mantém ainda a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino
primário. Dispõe ainda, obrigatoriedade do ensino de trabalhos manuais em todas as
escolas normais primárias e secundárias.
No contexto político, o estabelecimento do Estado Novo, segundo Otaíza
Romanelli (1993: 153), faz com que as discussões sobre as questões da educação,
profundamente rica no período anterior, entre “numa espécie de hibernação”. As
conquistas do movimento renovador, influenciando a Constituição de 1934 foram
enfraquecidas nesta nova Constituição de 1937. Marca uma distinção entre o trabalho
intelectual para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino
profissional para as classes mais desfavorecidas. Ainda assim é criada a União Nacional
dos Estudantes-UNE e o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos-INEP.
O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema proposto, ao contrário,
busca investigar os desdobramentos de uma determinação. A pesquisa tem por escopo,
explorar o assunto pertinente e condizente com a realidade vivida, qual seja, perceber os
desdobramentos de políticas educacionais anteriores na formação dos cidadãos
brasileiros. O mérito acadêmico também reside na abordagem de um tema não presente
na historiografia regional.
A escolha desse colégio é decorrente de ser ele um dos poucos na região a estar
em funcionamento na época das mudanças impostas pelo período em que o país estava
vivendo, qual seja, o chamado Estado Novo, e para complementar a escolha, o fato dele
estar aberto na atualidade e ser um colégio tradicional, enquadrado no modelo clássico e
ser possível ainda, perceber seu acompanhamento e adaptação a cada período histórico,
aos novos preceitos de ensino, dentro da metodologia curricular e administrativa, e ter
como missão interagir com competência e compromisso na transformação da sociedade
através de uma excelência educacional.
Compilando obras clássicas acerca do assunto, é possível percebermos que, as
instituições de ensino caso não cumprissem e não se adequassem às novas regras,
fatalmente deixariam de existir. Também em alguns documentos que recebemos no
colégio Notre Dame, notamos que o pensamento dos docentes na época era único, uma
vez que não iam de encontro ao Estado Novo, mas dedicavam respeito e observância a
14
rigor da época em que a nação se encontrava sob a jurisdição daquele. A seleção dos
aspectos para a pesquisa justifica-se não apenas pelo motivo supra mencionado, mas
também por ter o colégio a preocupação em formar cidadãos preparados para o mercado
de trabalho, uma vez que na área educacional, o ideal corporativo levou à tentativa de
estabelecer uma estrita correspondência entre o sistema de ensino e o mercado de
trabalho, segundo a qual as profissões seriam definidas por lei, a cada profissão
correspondendo um curso e vice-versa. Isto fez com que a educação geral ficasse
limitada à escola secundária, enquanto que as universidades se organizavam para a
formação de profissionais liberais que deveriam passar por currículos mínimos idênticos
e fixados por lei, que dariam direito a diplomas para o exercício profissional.
Em Schwartzman, Bomeny, Costa (2000: 205), lemos que o sistema educacional
proposto pelo ministro correspondia à divisão econômico-social do trabalho. Assim, a
educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades de acordo
com os diversos papéis atribuídos às diversas classes ou categorias sociais. Teríamos a
educação superior, a educação secundária, a educação primária, a educação profissional
e a educação feminina; uma educação destinada à elite da elite, outra educação para a
elite urbana, uma outra para os jovens que comporiam o grande exército de
trabalhadores necessários à utilização da riqueza potencial da nação e outra ainda para
as mulheres. A educação deveria estar, antes de tudo, a serviço da nação, realidade
moral, política e econômica a ser constituída.
Para Célio da Cunha (1981), as lutas que se desenrolavam no seio das
Conferências Nacionais de Educação, promovidas pela Associação Brasileira de
Educação, refletiam assim, no setor educacional as lutas ideológicas que a sociedade
brasileira enfrentava e teria de enfrentar, no início do novo regime. Há necessidade de
se construir e aplicar um programa de reconstrução educacional de âmbito nacional.
Nesse sentido, ele não se opõe, mas ao contrário, parece apoiar as reformas que
Francisco Campos estava implantando no país. Segundo o Ministro da Educação,
Gustavo Capanema, autor do documento, o programa concretiza uma nova política
educacional, que prepara com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo
central da estrutura política e social da nação.
Para Saviani (1987:19-47), a educação varia segundo o referencial que se toma. A
concepção humanista tradicional entende a educação a partir do homem como essência
imutável. Daí sua proposta de que, as mudanças realizadas via processo educativo, são
acidentais. Ela distingue duas vertentes, uma religiosa e outra leiga. Um dos seus
15
princípios defende o sistema público de ensino- leigos, obrigatórios, universais e
gratuitos. Centra no educador o modelo a ser seguido, imitado e reproduzido pelos
educandos cuja essência poderá potencializada ou atualizada através do processo
educativo, porém jamais transformada.
A metodologia usada no trabalho divide-se em método de abordagem cuja escolha
recaiu sobre a perspectiva dedutiva, e método de procedimento cuja escolha foi a
metodologia histórica. Esta escolha decorre do objetivo de perceber a forma como o
fenômeno educativo se configurava no Estado Novo e as razões que entrelaçavam-se
na criação da reforma educacional do período.
Como método de pesquisa, procuramos utilizar as referências bibliográficas,
documentais e de amostragem. Esta última foi realizada junto ao colégio Notre Dame.
Buscamos fazer uma análise dos seus arquivos documentais na época do Estado Novo,
através de materiais xerocados que servem para testemunhar a realidade vivida no
ensino nacionalista.
No colégio Notre Dame, coletamos uma ata de hora de leitura pedagógica do ano
de 1937 e a folha de matrículas igualmente do ano de 1937, o regulamento do ginásio
com sua organização, direitos e deveres dos docentes e discentes; disciplinas de 1ª a 4ª
série dos anos de 1939; ata de conferência da abertura do ano letivo de 1940; mapa da
cidade de Passo Fundo com a localização da escola; recortes de jornais Diário da Manhã
dos anos de 1941 a 1943; uma breve cronologia sobre o colégio; ata no 01 do ano de
1944.
Dividimos o trabalho em três capítulos. No Capítulo 1, tratamos da
contextualização histórica da educação, iniciando lá por idos de 1920 com o movimento
da Escola Nova, passando pelos intelectuais em 1930 e chegando em 1937 na
implantação do Estado Novo, destacando quais os principais feitos de Vargas nesse
momento histórico compreendido nesse período, dando ênfase e destaque ao que
julgamos mais importante e conveniente ao trabalho, e que se entrelaça com a educação
e ao que o colégio também viveu e se amoldou, como as disciplinas dos currículos, as
homenagens à Pátria, o culto à Nação e ao seu Presidente, e ainda, a criação, objetivo,
modo de funcionamento e extinção de alguns dos mais importantes departamentos de
seu governo, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), a criação do canto
orfeônico e do Instituto Nacional do Livro.
16
Já no Capítulo 2, adentramos num ponto de maior relevância, qual seja, as
reformas propriamente ditas do ensino, falamos brevemente sobre o ministro Gustavo
Capanema a fim de situar o leitor no tempo. Discorremos ainda sobre o ensino técnico e
pedagógico, em seguida partimos pro ensino secundário, sua concepção e organização,
os currículos escolares e as leis organicas, onde foi possível notar a tamanha
importância dessa reforma, a qual os autores clássicos e modernos julgam como o
marco principal de Capanema no Ministério da Educação. E finalizando o capítulo II
observamos os efeitos dessas reformas.
E por derradeiro, o Capitulo 3, que abordou a experiência local, qual seja, um
breve histórico sobre a cidade de Passo Fundo, depois o histórico da fundação da
Congregação Nossa Senhora, as Irmãs Notre Dame, sua vinda ao Brasil, instalação em
Passo Fundo, trazendo à baila informações e estabelecendo as relações necessárias entre
elas e a época tratada na primeira parte, observando sempre que possível se há reflexos
deixados e quais sejam.
Existem poucos estudos sobre o período para o Brasil em geral, mas
especialmente escassos os trabalhos sobre a história dos estados federados,
particularmente o Rio Grande do Sul, objeto do trabalho, e mais ainda sobre Passo
Fundo.
Esta pesquisa tem cunho crítico, propondo uma leitura sobre a história regional, a
fim de não se perder totalmente no tempo. Nesse contexto, busca-se construir uma
dissertação que, discutindo o assunto Estado Novo com suas Reformas Educacionais
promovidas por Capanema e a canalização das mesmas pelo Colégio Notre Dame, possa
de alguma maneira, contribuir com as bibliotecas da universidade, do próprio colégio e
ao público em geral, almejando a conservação dos fatos importantes para a história
regional.
17
Capítulo I
OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE
1920 E 1930
Com a finalidade de melhor situarmos o objetivo da nossa pesquisa, os anos de
1920-1930, faremos uma breve retrospectiva do cenário da educação brasileira na
década de 1920, apontando suas principais diretrizes, as quais na década seguinte seriam
retomadas com ênfase pelos quadros do governo Vargas. Dentre os tópicos destacados
estão o movimento da escola nova e suas respectivas ações: a ação cultural, o canto
orfeônico, o Instituto Nacional do Livro e a política de nacionalização.
1.1 O movimento Escola Nova
Escola Nova é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino
que foi especialmente forte na Europa, América e Brasil, na primeira metade do século
XX. Os primeiros grandes inspiradores da Escola Nova foram os escritores JeanJacques Rousseau, Heinrich Pestalozzi, Freidrich Fröebel e John Dewey.
18
Lendo Dewey notamos as idéias de democracia e ciência apontando a educação
como o canal capaz de gerar as transformações necessárias para um Brasil que buscava
se modernizar. E assim o escolanovismo brasileiro está fortemente ligado a algumas
concepções de Dewey, que acredita ser a educação o único meio realmente efetivo para
a construção de uma sociedade democrática, que respeite as características individuais
de cada pessoa, inserindo-o em seu grupo social com respeito à sua unicidade, mas,
como parte integrante e participativa de um todo.
Em 1932, foi publicado O “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, que
propunha um Plano de Reconstrução Educacional e apontava a então chamada escola
secundária como questão primordial para dar início a uma reforma integral da
organização e métodos de toda a educação nacional. Em um de seus tópicos, segundo
Cury, esse documento diz:
(...) “a escola secundária, unificada para se evitar o divórcio
entre os trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida
base comum de cultura geral (três anos), para posterior
bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de preponderância
intelectual (com os três ciclos de humanidades modernas;
ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e
biológicas), e em seção de
preferência manual, ramificada por sua vez em ciclos, escolas
ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais,
decorrentes da extração das matérias-primas (indústrias e
profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados
(transporte, comunicações e comércio). “Sobre uma base de
uma cultura geral comum, em que se importará menos a
quantidade ou a qualidade de matérias do que ‘o método de sua
aquisição’, a escola moderna estabelece para isto, depois dos 15
anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se adaptar já
à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade
de formas de atividade. (Cury, 2002: 15)
Esse Manifesto foi escrito por Fernando de Azevedo e assinado por vários
intelectuais da época, como Hermes Lima, Carneiro Leão, Afrânio Peixoto, e,
certamente, Anísio Teixeira, grande amigo de Fernando de Azevedo.
19
Segundo Daibert, Fernando de Azevedo era educador, ensaísta, sociólogo e
advogado. Atuou entre 1920 e 1974, sendo considerado um humanista - acreditava em
um movimento reformador. Como seguidor de Émile Durkheim, pregava que a
educação deveria ter como objetivo integrar os indivíduos, tendo normas de conduta
social e do valor da coletividade a que pertencem. Para ele a educação seria prioridade
no país, pregando a idéia da necessidade da disciplina própria em sociedade para todo
sistema educacional moderno.
Conforme Gallo, o nome de Anísio Teixeira está vinculado ao campo da filosofia
da educação no Brasil. Embora tenha atuado, quase sempre como administrador público
de diferentes setores da educação brasileira, de sua obra pode ser extraída uma
concepção de educação, de homem, de sociedade e de conhecimento geradores de uma
filosofia da educação que marcou o campo educacional entre os anos 20 e 60.
Teixeira (1968: 17) explica que enquanto filósofo da educação, Anísio
compreendeu criticamente o contexto econômico, social e cultural de seu tempo.
Referiu-se às transformações materiais que já estavam ocorrendo no Brasil e que, ainda
viriam a ocorrer, às mudanças de valores e às novas perspectivas que se colocavam para
a sociedade brasileira. Seu otimismo para com a ciência, com o método científico e com
suas aplicações técnicas conduziram a um otimismo, também, em relação à uma nova
escola. Se a sociedade passava por mudanças era preciso que a escola preparasse o novo
homem, o homem moderno, para integrar-se à nova sociedade que deveria ser
essencialmente democrática. Por isso, baseava foram alterados pela nova ordem de
coisas e pelo novo espírito de nossa afirmava que seria 'fácil demonstrar como todos os
pressupostos em que a escola se civilização'.
Anísio Teixeira vê a sociedade em constante transformação, tanto social
como econômica e politicamente. A escola, por sua vez, deveria formar indivíduos
aptos a refletir sobre e inserir-se nessa sociedade, considerando sua liberdade individual
e sua responsabilidade diante do coletivo. Logo, o resultado da educação escolarizada
deveria ser o indivíduo integrado à democracia, ou seja, o cidadão democrático.
Teixeira vê a sociedade como dinâmica e em pleno curso de transformação. Ciente do
momento propício para a consolidação de uma sociedade mais justa e igualitária - a
sociedade democrática - propõe não só a transformação dos conceitos básicos
educacionais, mas a reestruturação moral e social da sociedade. (ibid.)
Anísio acreditava ser possível a reconstrução da educação brasileira em
bases científicas, rompendo com o ensaismo e o empirismo grosseiro que durante muito
20
tempo dominou a reflexão sobre as questões educacionais. Somente com um
conhecimento das diferentes realidades escolares, em todas as dimensões, seria possível
uma mudança significativa na formação dos professores. No entanto, a expressão
conhecimento da realidade escolar, como tantas outras do discurso educacional
renovador, foi aos poucos transformando-se apenas em um slogan educacional para a
maioria dos profissionais da educação brasileira.
Para Daibert, os pioneiros da Educação Nova no Brasil surgiram em um
momento nacional quando lutas por mudanças educacionais eram necessárias. Seus
princípios de ‘escola para todos’ e ‘educação gratuita’ deram início à democratização do
ensino. A visão de ensino/aprendizagem deixou a tradição da memorização e parte para
a busca de conhecimento através de uma ‘Escola Ativa’, tornando o professor um
orientador e auxilia as pesquisas dos alunos em busca de respostas para questões da
vida.
Adentraremos nesse momento no campo dos intelectuais do Estado Novo. Os
anos 30 caracterizaram-se pelo entrelaçamento da política e da cultura, através da
participação desses intelectuais vindos de diversas formações e correntes de
pensamentos: modernistas, positivistas, socialistas, integralistas e católicos. Eles eram
os representantes da consciência nacional e tinham a missão de criar no imaginário
social a força de uma cultura que representasse a coletividade, gerando ideário de amor
à pátria.
A política cultural de Vargas envolveu a nomeação de intelectuais para postos de
destaque e a criação de diversos órgãos capazes de atraí-los para junto do governo.
Assim, em 1930, o arquiteto Lúcio Costa foi indicado para a direção da Escola Nacional
de Belas Artes. Manuel Bandeira foi convidado, em 1931, para presidir do Salão
Nacional de Belas Artes. Em 1932, o escritor José Américo de Almeida assumiu a pasta
da Viação e Obras Públicas. Gustavo Capanema foi nomeado no ano de 1934, ministro
da Educação e Saúde Pública, e convidou o poeta Carlos Drummond de Andrade para
chefiar seu gabinete. Mário de Andrade iria assumir, em 1935, a direção do
Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo. Foi ele quem indicou,
juntamente com Manuel Bandeira, o nome de Rodrigo Melo Franco de Andrade para
organizar e dirigir o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, principal
instituição de proteção dos bens culturais do país que seria criada logo após o golpe do
Estado Novo. (FGV-CPDOC)
21
A participação dos intelectuais na vida nacional respaldava-se na crença de que
eles eram uma elite capaz de "salvar" o país, pois estavam sintonizados com as novas
tendências do mundo e atentos às diversas manifestações da cultura popular. Os artistas
e intelectuais tratavam em suas obras das questões sociais que estavam na ordem do dia
e participavam do debate político-ideológico entre a direita e a esquerda que mobilizava
o mundo. Nos livros publicados por uma indústria editorial em expansão, aprofundavase a temática da cultura negra, indígena e caipira. Através da literatura proletária e do
romance regionalista fazia-se a crítica dos valores da sociedade patriarcal e oligárquica
identificados com o tempo passado. Interessava agora retratar a vida do homem comum
das cidades e dos sertões. (ibid.)
Para Velloso (2006: 148), é especialmente nesse período chamado Estado Novo
que ocorre a inclusão desse grupo social dos intelectuais na organização políticaideológica do regime. A partir da década de 1930, que os intelectuais brasileiros passam
a direcionar sua atuação para o âmbito do Estado, identificando-o como o representante
da idéia de nação, capaz de garantir a ordem, a organização e a unidade em detrimento
de um país que se encontrava conflituoso e fragmentado. Na verdade, os intelectuais
eram capazes de transmitir as manifestações culturais do país criando uma identidade
nacional como fica claro na passagem abaixo:
O regime de 30 fez coro com essa necessidade de “redescobrir
o Brasil” proposta pelos intelectuais. O Estado procurava
tornar-se responsável pela construção de uma unidade orgânica
nacional, base para a definição de uma identidade cultural
brasileira. Daí a incorporação de intelectuais dentro de seus
quadros, com o objetivo de aprofundar o conhecimento da
realidade nacional e produzir a propaganda nacionalista .
(AMARAL, 1997: 3)
Bordieu (2007: 14) relata que a aspiração varguista de unificação do país não
gerou satisfação por parte dos estados mais desenvolvidos e acabou culminando em
revoltas a favor do retorno das oligarquias regionais, todavia, o nacionalismo era o meio
pelo qual a unidade poderia ser alcançada. Os símbolos possuem o poder de confirmar
ou transformar a visão do mundo, agindo desta forma sobre a ação sobre o mundo; o
22
efeito do poder simbólico só é eficaz se ele não for percebido como arbitrário, sendo
esta uma forma transfigurada de outras formas de poder.
Então, o nacionalismo seria uma forma de centralizar o poder nas mãos do
Estado, sem que isso fosse feito de forma despótica. Na verdade, o governo oferece
proteção aos cidadãos, que em contrapartida, só precisam trabalhar em prol da nação
brasileira. E a conquista deste nacionalismo era feita através do investimento na cultura
e na criação de símbolos. Haja vista os intelectuais, que faziam uso indistintamente do
simbolismo, entendido nesse sentido como a arte, e através dela cunhavam a identidade
cultural nacional a favor do desenvolvimento país.
Conforme Capelatto (2003:125), a produção artística cultural engajada ficou a
cargo do Ministro da Educação, Gustavo Capanema, responsável pela orientação
cultural do período. A política cultural do varguismo foi coerente com a concepção de
Estado que orientou a atuação do governante. Em nome de valores políticos,
ideológicos, religiosos e morais, os representantes do regime justificavam a proibição
ou valorização de produtos culturais... A cultura foi entendida como suporte da política
e nessa perspectiva, cultura, política e propaganda se mesclaram.
O que dava a educação naqueles tempos a relevância política que ela já não
mantém, era a crença, por quase todos compartilhada, em seu poder de moldar a
sociedade a partir da formação das mentes e da abertura de novos espaços de
mobilidade social e participação. Havia os que preferiam a educação humanística sobre
a técnica; os que defendiam o ensino universal contra os que preferiam escolas distintas
para cada setor da sociedade; os que se preocupavam com o conteúdo ético e ideológico
do ensino contra os que favoreciam o ensino agnóstico e leigo. Havia os defensores da
escola pública e os guardiões da iniciativa privada; os que punham toda a ênfase na
formação das elites e os que davam prioridade à educação popular. Todos concordavam,
com tudo, que optar por esta ou aquela forma de organização, controle ou orientação
pedagógica, significaria levar a sociedade para rumos totalmente distintos, da salvação
ou tragédia nacional. É claro que estas questões não preocupavam tanto os políticos que
conduziam seu jogo de poder com recursos mais visíveis e grupos de interesse mais
articulados, dos quais não fazia parte os professores, estudantes e instituições
educacionais. (ibid.)
1.2 Em 1937 é implantado o Estado Novo de Vargas
23
Em 10 de novembro de 1937 o Congresso Nacional foi cercado por tropas da
Polícia Militar e fechado. No mesmo dia Vargas anunciou pelo rádio à nação o início de
uma nova era, orientada por uma nova Constituição elaborada por Francisco Campos.
Vargas fez um pronunciamento, transmitido pelo rádio, em que procurava justificar a
instauração do novo regime. Em sua "Proclamação ao povo brasileiro", defendia o golpe
como a única alternativa possível diante do clima de desagregação e de afronta à
autoridade em que mergulhara a nação. Referia-se, entre outras coisas, ao perigo do
comunismo, lembrando a radicalização política que atingira o país. Anunciava, ainda,
uma série de medidas com que pretendia promover o bem-estar e o desenvolvimento da
nação. Começava ali o Estado Novo. O termo é usado para denominar o período da
história do Brasil, na fase republicana, e que se estende de 10 de novembro de 1937 a 29
de outubro de 1945, quando Vargas era o presidente do Brasil. (FGV- CPDOC)
Fiel ao princípio de que era necessário aplacar as disputas políticas para
promover o desenvolvimento do país, também no plano administrativo o governo do
Estado Novo buscou eficiência e racionalidade. Procurou implantar, no recrutamento do
funcionalismo, a lógica da formação profissional, da capacidade técnica e do mérito, em
substituição à da filiação partidária ou da indicação política. Para tanto, foi criado em
1938 um órgão especialmente voltado para a reforma e a modernização da
administração pública, o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP).
Anos mais tarde, a preocupação com a formação de pessoal para atuar na administração
daria origem à Fundação de Vargas (FGV). Foi o desejo de dispor de informações
estatísticas confiáveis que levou à valorização do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). (ibid.)
A doutrina estadonovista propunha a concentração do poder no Estado, visto
como única instituição capaz de garantir a coesão nacional e de realizar o bem comum.
Havia muitas semelhanças com a doutrina fascista, e foi a partir dos aspectos comuns
que muitas vezes o Estado Novo foi identificado com o fascismo. Dentre esses pontos
comuns, pode-se destacar a valorização da missão histórica da nação representada pelo
Estado; o reconhecimento dos direitos individuais, mas apenas daqueles que não
entravam em conflito com as necessidades do Estado soberano; a ênfase no significado
da elite como corporificação do gênio do povo; a solidariedade entre o capital e o
trabalho
assegurada
pela
estrutura
corporativa;
o
antiliberalismo,
e
o
24
antiparlamentarismo. Ambas as doutrinas apresentavam traços totalizadores, já que seu
campo de ação não se atinha somente à ordem política, mas envolvia também outros
aspectos da vida social: cultura, religião, filosofia. (FGV-CPDOC)
Assim, percebemos que o regime de 1937 no Brasil não resultou da tomada do
poder por nenhum movimento revolucionário, nem era sustentado por qualquer partido.
A mobilização e organização das massas em milícias também era recusada, como o
demonstra o caso da Organização Nacional da Juventude, que foi transformada em um
programa de educação moral e cívica.
Ainda no Estado Novo foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai) através do Decreto-lei 4.048 de 22 de janeiro de 1942. Em seguida, o
Decreto-lei 4.481, de 16 de julho, dispõe sobre a obrigatoriedade dos estabelecimentos
industriais empregarem um total de 8% correspondente ao número de operários e
matriculá-los nas escolas do Senai. Em 07 de novembro o Decreto-lei 4.436, amplia o
âmbito do Senai, atingindo também o setor de transportes, das comunicações e da pesca.
E em 21 de novembro, outro Decreto-lei de número 4.984, compele que as empresas
oficiais com mais de cem empregados a manter, por conta própria, uma escola de
aprendizagem destinada à formação profissional de seus aprendizes.
Nos dizeres de Schwartzman, Bomeny e Costa (2000: 260), o Senai se
encarregaria da “formação profissional dos aprendizes”, enquanto a Lei Orgânica do
Ensino Industrial era uma grande carta de intenções. Nos anos seguintes, o Senai
tornou-se a experiência mais eficiente de ensino profissional já existente no país,
“enquanto isto, as tentativas de criar um sistema de ensino industrial a partir de uma
orientação técnica de apurado estilo e um princípio geral de ordenamento, definido por
uma lei orgânica de aplicação geral, só encontrariam dificuldades”.
Notamos nesse contexto, que a ação pedagógica do Ministério da Educação
pretendia colaborar para a habilitação profissional, física e cívica do trabalhador,
visando integrá-lo a um projeto corporativista de nação. Ou seja, trabalhar não era
apenas exercer uma atividade remunerada, significava apresentar-se enquanto cidadão.
Isto posto, erigir um programa nacional de educação profissional era um investimento
necessário.
E por fim cabe salientar que o Senai foi uma instituição pública criada por
decreto, mas que funcionou como organismo privado controlado efetivamente pelas
entidades patronais. A promulgação da Lei Orgânica do Ensino Industrial e o decreto de
criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial conformaram a solução
25
encontrada pelo Estado para conjugar as diretrizes de um sistema nacional de ensino
defendidas pelo Ministro da Educação com as sugestões mais pragmáticas dos
industriais, fundamentadas em princípios de organização racional do trabalho.
Foi também criado o Ministério da Aeronáutica, a Força Aérea Brasileira, o
Conselho Nacional do Petróleo, Companhia Nacional de Álcalis, a Companhia Vale do
Rio Doce, o Instituto de Resseguros do Brasil, a Companhia Hidrelétrica do São
Francisco, o Conselho Federal do Comércio Exterior, e a lei da Sociedade Anônima.
Vargas ainda deu os primeiros passos para a criação da indústria aeronáutica
brasileira. Foi criada a Fábrica Nacional de Motores (FNM), inicialmente planejada para
ser fábrica de aviões e que posteriormente produziu tratores e o caminhão FNM. Foi
estimulada a produção do combustível gasogênio que abasteceu os automóveis
brasileiros durante a segunda guerra mundial quando ficou restrita a importação de
petróleo e derivados. Criou-se a nova moeda, o cruzeiro, planejado quando Vargas fora
ministro da fazenda de Washington Luís.
Foi criada a primeira lei abrangente, no Brasil, sobre entorpecentes, estabelecida
no Decreto-Lei nº 891 de 25 de novembro de 1938. Houve uma reforma ortográfica, em
1943, com a publicação do Formulário Ortográfico de 1943, simplificando a grafia da
língua portuguesa, com base no Decreto-Lei nº 292 de 23 de fevereiro de 1938. O
decreto-lei 395 de 29 de abril de 1938, declara de utilidade pública o abastecimento
nacional de petróleo, torna de competência exclusiva do governo federal a
regulamentação da indústria do petróleo e cria o Conselho Nacional do Petróleo. (FGVCPDOC)
Foi construída e entregue a estrada Rio-Bahia. Promulgou-se o Código Penal
Brasileiro, o Código de Processo Penal Brasileiro e a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), e o Código de Processo Civil, e ainda a Justiça do Trabalho. Criou o
salário mínimo, e decretou a estabilidade no emprego do trabalhador, após dez anos no
emprego. Ainda nesse período, Vargas criou em 1939 o Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), com o objetivo de difundir a ideologia do Estado Novo junto às
camadas populares.
O DIP foi criado para controlar, centralizar, orientar e coordenar a propaganda
oficial, que se fazia em torno de sua figura. Abrangia a imprensa, a literatura, o teatro, o
cinema, o esporte, a recreação, a radiodifusão e quaisquer outras manifestações
culturais. Os meios de comunicação oficial associavam a figura do presidente a feitos
que eram de interesse de grande parte da população: os trabalhadores. Foi inspirado em
26
modelos deoutras ditaduras mundiais , cujo primeiro papel era fazer propaganda e
cultuar a personalidade do ditador, através do caudilhismo, para a classe menos
favorecida intelectualmente da população, impondo e fabricando notícias para alcançar
a classe formadora de opinião, mais preparada intelectualmente, mas não menos
suscetível a esses métodos de publicidade recém aplicados mundialmente.
Um dos subterfúgios de Vargas para promover sua figura foi o decreto-lei de 8
de março de 1940, que uniformizou o ensino, e instituiu a obrigatoriedade da disciplina
Educação Moral e Cívica nas escolas. Além disso, os alunos das escolas passaram a ter
que participar de paradas, desfiles, e manifestações diversas de patriotismo, em datas
comemorativas como Dia da Independência, Dia da Juventude, Dia do Trabalho, Dia da
Raça, Dia do Soldado e Dia da Bandeira, dentre outros. Nessas manifestações, a efígie
do caudilho também se tornou obrigatória, fazendo-o onipresente. (ibid.)
O DIP criou cartilhas a serem distribuídas para as crianças nas escolas, sendo
que a Cartilha de Vargas discutiremos a seguir no segundo capítulo com maior ênfase,
dando destaque aos seus principais pontos e questões.
Os DEIPs, Departamentos Estaduais de Imprensa e Propaganda, tiveram sua
criação efetivada pelo decreto-lei n. 2.557, de 04/09/1940, com o objetivo de:
...estender a função do DIP aos Estados, contando com a
colaboração de seus governos. O DIP forneceria a orientação
técnica e doutrinaria aos serviços estaduais de imprensa,
radiodifusão, diversões publicas, propaganda, publicidade e
turismo reunidos no DEIP [...] Os DEIPs eram a expressão do
pensamento governista, [...] intérpretes do Estado Nacional
junto aos governos estaduais. (GOULART, 1990, p. 77)
Para Fernandes, além de subornar jornalistas e os próprios donos de jornais, o
DIP e os DEIPS determinavam a comemoração do aniversário de Vargas,
principalmente nas escolas e os cinemas eram obrigados a exibir documentários do
governo exaltando as qualidades do ditador.
27
Diante do contexto exposto, percebe-se que o país entrava numa época de
reorganização política. Porém esse período é marcado pela radicalização política,
aonde órgãos como o DIP são responsáveis pela censura aos meios de comunicação,
investindo fortemente na figura do líder Vargas, fazendo das crianças, alvos de sua
propaganda, através de cartilhas escolares, nas quais o que se via era a imagem de
Vargas como um pai para o Brasil.
Vicente (2006: 15) elabora que o poder do DIP começou a ruir com a
proximidade do fim da guerra, sendo então extinto em 25/04/1945, pelo decreto-lei
n.7532, que criou em seu lugar o DNI, Departamento Nacional de Informações. Suas
atividades eram incompatíveis com a democracia que se inaugurava no país.
Os DEIPs foram extintos em 1945 e substituídos pelos Departamentos Estaduais
de Informação (DEIs). Estes últimos foram voltados para atividades culturais, artísticas
e turísticas, perdendo assim as funções de censura e fiscalização.
Ainda no período do Estado Novo foi criado através do Ministro da Educação,
Gustavo Capanema, o Canto Orfeônico. Fucci Amato (2004: 213) entende que a música
tinha papel central no esforço educativo do ministério da Educação e Saúde. Porém, a
linha divisória entre cultura e propaganda, foi um ponto de difícil estabelecimento.
Quanto ao aspecto cultural, destaca-se que, entretanto, o nacionalismo brasileiro nunca
passou de um esforço de modernização dos parâmetros segundo os quais o Brasil seria
modelado à imagem e semelhança dos países desenvolvidos. Foi menos um movimento
de independência cultural e mais um processo de adaptação. O que importava não era a
expressão nacional, mas adaptação desta àquela aceita como tal nos países
desenvolvidos. Nossa modernidade só poderia ser alcançada a partir da tradução da
matéria-prima em expressão que pudesse encontrar reconhecimento internacional.
A grande figura com presença ativa e influente foi a de Heitor Villa-Lobos, como
educador e criador de inúmeras obras voltadas exclusivamente para a realização para o
estudo do canto orfeônico, podendo ser entendida na perspectiva do desenvolvimento
do cidadão brasileiro e de suas potencialidades musicais.
De acordo com Menezes (1995: 8), em uma avaliação do que compõe,
atualmente, o cenário da educação musical no Brasil, temos que nele se verifica uma
tensão entre alternativas metodológico-ideológicas cujo sentido não pode ser
desvinculado do processo histórico relativo à evolução das idéias pedagógicas entre nós.
Trata-se de um processo no qual a década de 30 se oferece como momento de
28
institucionalização de duas matrizes educacionais que, tanto no que respeita a seus
métodos quanto aos seus fundamentos ideológicos, marcaram significantemente a
evolução da nossa pedagogia musical.
O Canto Orfeônico de Heitor Villa-Lobos e a Iniciação Musical de Antônio Leal
de Sá Pereira e Liddy Mignone constituem, portanto, as sistemáticas que foram
formadas e, ao mesmo tempo, que somaram na formação da base sobre a qual puderam
vir descansando as muitas e muitas outras iniciativas que hoje colocamos como parte da
história do nosso ensino musical.
Resumindo suas concepções sócio-educativo-musicais acerca do canto coletivo,
o compositor Villa-Lobos (1987: 87-88) elabora:
O canto coletivo, com seu poder de socialização, predispõe e
indivíduo a perder no momento necessário a noção egoísta da
individualidade excessiva, integrando-o na comunidade,
valorizando no seu espírito a idéia da necessidade de renúncia e
da disciplina ante os imperativos da coletividade social,
favorecendo, em suma, essa noção de solidariedade humana,
que requer da criatura uma participação anônima na construção
das grandes nacionalidades. [...] O canto orfeônico é uma das
mais altas cristalizações e o verdadeiro apanágio da música,
porque, com seu enorme poder de coesão, criando um poderoso
organismo coletivo, ele integra o indivíduo no patrimônio
social da Pátria.
De acordo com Fucci Amato (2004: 216), essas iniciativas constituíram o
primeiro passo para a criação, em 1942, do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico,
filiado ao Ministério de Educação e Saúde. A regulamentação do curso de canto
orfeônico se deu em 1946, com a finalidade de formar professores capacitados para o
ensino de tal disciplina, idealizada por Villa-Lobos. Vale destacar que, além de ser
incluído na grade escolar, possibilitando uma maior democratização dos conhecimentos
musicais, o canto orfeônico também difundiu-se em cursos oferecidos por
estabelecimentos de ensino especializados, como conservatórios musicais, destacandose ao lado da oferta de formação pianística, que era a base de tais instituições.
29
Sem levar em conta a questão política, é inegável o fato de que Villa-Lobos
desempenhou papel crucial na formação de um padrão de educação musical brasileiro,
estabelecimento de diretrizes, produzindo material didático e atuando pioneiramente
como coordenador de entidades educativo-musicais e educador musical.
A ligação entre o Canto Orfeônico e o escolanovismo se dá desde a sua gênese,
pois é o advento do pensamento que origina a Escola Nova, o otimismo pedagógico,
que cria as condições necessárias para o surgimento de um movimento de Educação
Musical através da crença na formação de um novo sujeito adequado ao crescimento, a
identidade e a segurança nacional.
Ainda, por iniciativa do Ministro Capanema o Instituto Nacional do Livro (INL)
é criado em 1937 através do Decreto-Lei nº 93, de 21/09/1937. Tinha como premissa
elaborar uma enciclopédia e dicionário da língua brasileira que retratasse a identidade e
a memória nacional e apoiar a implantação de bibliotecas públicas em todo o Brasil.
Suaiden (2000: 52-60) leciona que para Capanema, as bibliotecas eram
necessárias por serem "centros de formação da personalidade, de compreensão do
mundo, de auto-educação, enfim, centros de cultura. A outra questão crucial era a
questão do leitor, na dificuldade de se formar um público leitor em um país com
problemas educacionais e culturais emergentes que apresentavam alto percentual de
analfabetismo e desnutrição infantil.
O INL procurou cumprir sua principal finalidade, que era a de editar obras raras
ou de interesse para a vida cultural do país. Porém não visava a edição indiscriminada
de obras, fixando-se naquelas que, por se destinarem a um público limitado ou serem
demasiado caras para um lançamento comercial, somente poderiam ser editadas pelo
Instituto.
Até 1945 não foram concluídos nem o dicionário nem a enciclopédia brasileira,
mas o número de bibliotecas públicas, principalmente nos estados menos prósperos do
país, cresceu muito graças ao apoio do INL, que as auxiliava na dispendiosa tarefa de
constituição de acervo e capacitação técnica.
30
Capítulo II
AS REFORMAS DE CAPANEMA: DOS ANOS 1930 AO
ESTADO NOVO
2.1 O Ministério da Educação sob Capanema em 1934-1945
Gustavo Capanema Filho nasceu em Pitangui (MG), em 1900. Advogado,
formou-se pela Faculdade de Direito de Minas Gerais, em 1923, iniciando sua vida
política em 1927 ao eleger-se vereador em sua cidade natal (FGV-CPDOC)
Capanema foi nomeado para a pasta da Educação e Saúde Pública em 26 de
julho de 1934, dez dias após a eleição de Vargas para a presidência da República pela
Constituinte.
Segundo Schwartzman (1985:165-172), em 1934, Capanema firmou o pacto
político entre Vargas, de origem castilhista e positivista, e a Igreja. Segundo este
acordo, a Igreja daria ao governo apoio político e receberia em troca a aprovação das
chamadas “emendas religiosas” na Constituinte de 1934, que incluía, entre outras
coisas, a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas.
31
E assim um dos principais resultados da colaboração entre a Igreja e o Ministério
da Educação foi a grande ênfase dada ao ensino humanista na escola secundária em
detrimento da formação científica e técnica. O latim ocupava lugar central, e até o grego
chegou a ser cogitado como matéria regular, enquanto que a matemática. a biologia e a
física ficavam em segundo plano. Esta preferência pelas humanidades correspondia a
uma concepção segundo a qual seriam estas as disciplinas verdadeiramente formativas,
restando às matérias de cunho técnico e empírico importância meramente instrumental.
Era uma concepção que coincidia, infelizmente, com a própria realidade do país, com
muito mais condições de formar professores de línguas, história, geografia e filosofia
tomista do que de física, química e biologia, pela própria inexistência de uma
universidade moderna. Assim, a opção governamental reforçou as deficiências
existentes.
Resta claro, que o colégio Notre Dame estava amoldado às leis do ensino e
incorporado no espirito de formação dos seus alunos, como poderemos observar no
decorrer do trabalho quando tratarmos especificamente do assunto. O colégio obedeceu
aos curriculos ministrando de 1ª a 4ª series as línguas, a religião, história e geografia do
Brasil, as quais predominavam frente as matérias de cunho técnico e cientifico.
A lição de Schwartzman, Bomeny e Costa (2000: 198) é de que o Plano Nacional
de Educação era um minucioso texto com 504 artigos que se autodenominava no
primeiro artigo de código da educação nacional, o qual acabou sendo esquecido em
razão do advento do Estado Novo no ano de 1937. Capanema aproxima-se da idéia de
Plano de Educação como operacionalização da política educacional, ao entender que a
promulgação de uma lei geral de ensino apresentava-se como condição prévia para a
elaboração de um plano de educação que consistiria em uma base e roteiro das
providências do governo no âmbito educacional.
Em maio de 1937 o Conselho Nacional de Educação encaminha a Capanema o
texto final do plano, que é enviado pelo presidente ao Congresso para aprovação. A
primeira parte do plano, das normas gerais, definia o que era o plano, definia os
princípios gerais da educação nacional, regulamentava a liberdade de cátedra, o ensino
da religião, da educação moral e cívica, a educação física.
Ainda, segundo os autores supra mencionados (ibid.:198-199), a educação
nacional era definida como tendo por objetivo formar o homem completo, útil à vida
social, pelo preparo e aperfeiçoamento de suas faculdades morais e intelectuais e
atividades físicas, sendo tarefa precípua da família e dos poderes públicos. A
32
transmissão de conhecimentos seria sua tarefa imediata, mas nem de longe a mais
importante. Fazia ainda parte dos princípios gerais a definição do que se devia entender
por espírito brasileiro e consciência da solidariedade humana, termos que a Constituição
utilizava para caracterizar os objetivos gerais da educação nacional. A liberdade de
cátedra era garantida, como previa a Constituição, mas ficava restrita a assuntos
específicos da matéria do professor, sendo vedada a propaganda política, assim como
manifestações contra a ordem pública e os bons costumes e contra a solidariedade das
classes sociais e das nações entre si, entre outras coisas. Cabia ás autoridades escolares
zelar para que isto fosse assim.
Liberdade de cátedra trata-se de um principio que assegura a liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Tem como
finalidade a garantia do pluralismo de idéias e concepções no ensino, bem como a
autonomia didático-científica. Permite que os docentes expressem, com relação à
matéria ensinada, suas próprias convicções e pontos de vista, sem que haja a imposição
de um único critério metodológico ou didático, quando haja vários reconhecidos
cientificamente.
O ensino da religião era assegurado, de acordo com as religiões de cada aluno,
em todos os estabelecimentos de ensino oficiais, ainda que com freqüência facultativa.
Havia ainda a previsão de que, nas escolas públicas, houvesse acordo entre as
autoridades de ensino e as autoridades religiosas competentes para sua regulamentação.
Ficava assim, de fato, garantida a participação da Igreja no ensino religioso das escolas
públicas.
Conforme Schwartzman, Bomeny e Costa (2000: 199), a educação moral e
cívica era objeto de regulamentação minuciosa. Ela deveria ser ministrada
obrigatoriamente em todos os ramos do ensino, sendo que no curso secundário seria
uma atribuição do professor de história do Brasil. Ela deveria ter uma parte teórica, que
trataria dos fins, da vontade, dos atos do homem, das leis naturais e civis, das regras
supremas e próximas da moralidade, das paixões e das virtudes; e uma parte prática, que
incluiria desde o estudo da vida de grandes homens de virtudes heróicas até o trabalho
de assistência social, que ensinasse aos alunos a prática efetiva do bem. O capitulo sobre
educação física previa que, nas universidades, fossem criadas seções especiais de
biotipologia, que dessem orientação científica ás atividades esportivas, havendo também
possibilidade de que estas seções fossem substituídas por um Instituto de Ciência da
Individualidade.
33
A segunda parte do plano tratava dos institutos educativos, e aí se desenhava o
grande mapa segundo o qual a educação nacional deveria ser organizada. Haveria um
ensino comum, anterior a qualquer especialização, e que iria do pré-primário ao
secundário. Ao lado deste, um ensino especializado, que iria do nível elementar ao
superior, orientado, até o nível médio, para os que ficassem fora do sistema secundário:
seu objetivo era ministrar cultura de aplicação imediata á vida prática ou preparar para
as profissões técnicas de artífices, tendo sempre em vista a alta dignidade do trabalho e
o respeito devido ao trabalhador.
Havia ainda a previsão de escolas normais domésticas, urbanas e agrícolas, que
formariam as professoras para o ensino doméstico, e deveriam ter curso secundário ou
seguido a escola doméstica em suas diversas modalidades. A grande alternativa
educacional para as mulheres era, porém, o ensino normal, para a formação de
professoras primárias, e que era administrado pelos estados. O plano previa, na seção
sobre o ensino primário, a padronização e equivalência nacional dos diplomas emitidos
pelos institutos de educação, mas não havia nenhuma previsão de que ele desse acesso
às
universidades,
cujo
único
caminho
era
o
ensino
secundário
comum.
(SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000: 204)
O ensino industrial seria ministrado em dois ciclos, sendo que o primeiro
abrangeria o ensino industrial básico, ensino de maestria, ensino artesanal e
aprendizagem. Já o segundo ciclo compreenderia as ordens de ensino técnico e ensino
pedagógico. Os cursos técnicos são destinados ao ensino de técnicas, próprias ao
exercício de funções de caráter específico na indústria. E os cursos pedagógicos
destinam-se à formação de pessoal docente e administrativo do ensino industrial.
Tanto para o ensino técnico como para o ensino pedagógico, o ano escolar era
dividido em dois períodos, quais sejam, período letivo com duração de dez meses e o
período de férias com duração de dois meses. O ensino técnico teria duração de três ou
quatro anos, e o ensino pedagógico de um ano.
No que tange às disciplinas, o ensino técnico seria constituído na ordem de
disciplinas de cultura geral e de cultura técnica. Já o ensino pedagógico constituía-se de
disciplinas de cultura pedagógica.
São dois os níveis escolares no Brasil: a educação básica e a educação
superior. A educação básica se destina à preparação para o trabalho e a cidadania. A
educação profissional não substitui, nem concorre com a educação básica; ela se
34
destina a introduzir o educando no mundo das inovações tecnológicas e assegurar-lhe
condições de competitividade, qualidade e produtividade no mercado de trabalho.
Portanto, a ação pedagógica do Ministério da Educação pretendia colaborar para
a habilitação profissional, física e cívica do trabalhador, visando integrá-lo a um projeto
corporativista de nação. Ou seja, trabalhar não era apenas exercer uma atividade
remunerada, significava apresentar-se enquanto cidadão. Isto posto, erigir um programa
nacional de educação profissional era um investimento necessário, tão importante
quanto a consolidação das leis trabalhistas.
O decreto-lei que instituiu a Juventude Brasileira é de número 2.072, de 8 de
março de 1940, e a qualifica como uma corporação formada pela juventude escolar de
todo o país, com a finalidade de prestar culto à pátria. Esse decreto dispõe ainda sobre a
obrigatoriedade da educação cívica, moral e física da infância e da juventude, fixando
suas bases de execução. É uma ruptura definitiva com o projeto inicial. Preservando a
figura dos ministros de Estado da Guerra e da Marinha no Conselho Supremo, reservouse a eles somente a incumbência de dar ao Ministério da Educação os necessários
esclarecimentos quanto à orientação a ser ministrada à modalidade de educação referida
no parágrafo único do artigo 13", que dizia que as 'atividades destinadas a dar às
crianças e aos jovens os conhecimentos elementares dos assuntos relativos à defesa
nacional serão terrestres e marítimas, segundo as condições do meio em que vivam e na
conformidade da inclinação de cada um. (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA,
2000: 204)
Esse projeto, porém, foi duramente combatido no interior do próprio governo. O
ministro da Guerra, general Eurico Dutra, por exemplo, contrariado com o caráter
paramilitar previsto para a organização, denunciou a inspiração externa do projeto,
estranha às tradições do Brasil. Com adversários desse porte, o projeto foi
sucessivamente reformulado, absorvendo contribuições decisivas de Gustavo Capanema
, ministro da Educação. Na versão final, a organização desfez-se de qualquer traço que a
fizesse parecer uma milícia, mantendo-se apenas como um movimento de caráter cívico,
voltado para o culto dos símbolos nacionais. Foi com essas características que foi
criado, em março de 1940, o movimento da Juventude Brasileira. (CPDOC-FGV)
A transformação da Organização Nacional da Juventude em movimento de
Juventude Brasileira reflete com clareza a opção por uma política de desmobilização do
regime autoritário do Estado Novo.
35
A transformação da Organização Nacional da Juventude em movimento cívico
acresceu-se de mais um significado político: o freio que foi dado às pretensões de
liderança nacional de Francisco Campos. Da mesma forma que Plínio Salgado, o
ministro da Justiça viu alimentada essa pretensão com a participação direta e ativa na
articulação do golpe de 37 e na feitura da Carta Constitucional que traçaria as bases do
regime autoritário. (SCHWARTZMAN, BOMENY, COSTA, 2000: 148-156)
Capanema projetava concretizar a Juventude Brasileira como uma organização
puramente escolar, propondo a criação imediata de centros cívicos nos estabelecimentos
de ensino primário, devendo ser promovida a formação de professores especializados
em educação física e em canto orfeônico. Porém a Juventude Brasileira foi extinta
legalmente.
2.2 A reforma do ensino secundário e as leis orgânicas
Segundo Romanelli (2001), as Leis Orgânicas do Ensino foram instituídas, em
1942, através da modalidade Decreto-lei, tipo de norma baixada pelo Executivo, similar
ao que hoje conhecemos como Medidas Provisórias. A reforma foi considerada parcial,
já que não foi abrangente o suficiente para acolher todo o ensino, de uma só vez.
Manfredi (2003) diz que as Leis se referiam a cada ramo de ensino, em separado e
isoladamente. Tinham a intenção de favorecer grupos políticos, com clara tendência
voltada para agraciar empresários, em prejuízo daqueles que pertenciam às camadas
mais pobres da população. Os currículos foram redefinidos e o ensino secundário ficou
em oposição ao profissional, com existência de articulação tênue entre eles, numa época
que havia a necessidade de formação de força de trabalho. O curso secundário foi eleito
para formar os dirigentes da nação, já os ramos da educação profissional foram
designados para os seguintes setores da produção: primário, para o ensino agrícola;
secundário para o ensino industrial; terciário para o ensino comercial e o ensino normal
para a formação de professores.
O ensino secundário, reformado pelo Decreto-Lei n. 4.244, de 9 de abril de
1942, como reconheceu Romanelli (2001: 159), refletia, de modo contraditório, as
tendências políticas pelas quais passava a sociedade em pleno Estado Novo: de um lado,
36
os princípios do populismo nacionalista e fascista e, de outro, uma educação classista
voltada para a preparação de lideranças. As Leis Orgânicas ficaram assim estruturadas:
1. Lei Orgânica do Ensino Industrial – Decreto-lei 4.073 de 30/01/42.
2. Lei Orgânica do Ensino Secundário – Decreto-lei 4.244 de 09/04/42.
3. Lei Orgânica do Ensino Comercial – Decreto-lei 6.141 de 28/12/43.
Os Decretos acima foram instituídos na gestão de Capanema, enquanto Vargas
era Presidente da República.
Em sua exposição de motivos, para justificar a decretação da nova estrutura do
ensino secundário, o Ministro Gustavo Capanema, afirmava, segundo Romanelli (2001:
82) o seguinte:
O que constitui o caráter específico do ensino secundário é a
sua função de formar nos adolescentes uma sólida cultura geral
e, bem assim, de neles acentuar e elevar a consciência patriótica
e a consciência humanística. O ensino secundário deve ser, por
isto, um ensino patriótico por excelência, e patriótico no sentido
mais alto da palavra, isto é, um ensino capaz de dar ao
adolescente a compreensão dos problemas e das necessidades,
da missão, e dos ideais da nação, e bem assim dos perigos que a
acompanhem, cerquem ou ameacem, um ensino capaz, além
disso, de criar, no espírito das gerações novas a consciência da
responsabilidade diante dos valores maiores da pátria, a sua
independência, a sua ordem, e seu destino.
Reconhece-se na fala acima, que havia a intenção clara de reservar o ensino
secundário para as pessoas que tivessem requisitos básicos de posse econômica, a fim
de que ocupassem os mais altos cargos da nação. Observa-se, ainda, a forte ênfase dada
ao estímulo patriótico. Também, o Decreto-lei 4.244, de 09/04/42, chamava a atenção,
para as finalidades do curso secundário, com atenção especial ao prosseguimento nos
estudos superiores, quais sejam elas:
1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a
personalidade integral dos adolescentes.
2. Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência
patriótica e a consciência humanística.
3. Dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais
elevados de formação especial. (art. 1º)
37
Segundo Manfredi (2003), a reforma do secundário seguiu a política autoritária
espelhada no modelo fascista experimentado na Itália, implantada por Gentile, em sua
reforma.
Pelas palavras apresentadas e pelo exame do Decreto, verifica-se a forte
tendência de adoção da ideologia fascista, já em andamento na Europa. Isso pode ser
percebido na leitura do texto que apresenta alguns fundamentos dessa ideologia, no art.
20, por exemplo, há referência explícita a uma educação militar a ser dada no ensino
secundário, a cargo do Ministério da Guerra.
Art. 20. A educação militar será dada aos alunos do sexo masculino dos
estabelecimentos de ensino secundário, ressalvados os casos de incapacidade física.
Dar-se-á aos menores de dezesseis anos a instrução pré-militar, e a instrução militar aos
que tiverem completado essa idade.
Parágrafo único. As diretrizes pedagógicas da instrução pré-militar e da
instrução militar serão fixadas pelo Ministério da Guerra.
É importante, também, se fazer menção, ao capítulo próprio da norma, que se
refere à Educação Moral e Cívica, como parte de uma doutrina totalitária, que deveria
ser considerada como um tema transversal, desenvolvido nas diversas atividades
escolares e principalmente nas disciplinas de Geografia e História do Brasil (arts. 22, 23
e 24 §§ 1º a 3º). Deve-se atentar para o detalhe da tentativa de formação da consciência
do jovem através da educação voltada para o patriotismo, com a determinação de que
deveria ser forjada uma “Juventude Brasileira”.
Essa Organização da Juventude ou Juventude Brasileira seria uma instituição de
âmbito nacional e caráter paramilitar. Diz-se forjada, pois segundo os ensinamentos de
Schwartzman, Bomeny e Costa (2000: 148-156), o documento original, parte dos
arquivos Getúlio Vargas e Gustavo Capanema, tem o timbre do Ministério da Justiça, e
não traz nenhuma menção à participação do Ministério da Educação e Saúde em um
empreendimento que poderia ser entendido como de cunho também educativo.
Criticando o projeto Capanema (CPDOC, Arquivo Gustavo Capanema, GC 38.08.09 (I3)), afirma que:
“deve a Organização Nacional da Juventude estar por tal forma
vinculada às escolas, que estas sejam sempre consideradas
sedes suas. As escolas seriam assim centros de preparação
38
integral da mocidade, e poderiam realizar o papel que os
grandes pedagogos de todos os tempos lhes traçaram”.
E ainda Romanelli (2001) faz uma menção a essa “Juventude Brasileira”,
comparando-a com as existentes à época na Alemanha e Itália, que cultuavam e
promoviam o patriotismo e o nacionalismo acirrados. Capanema projetava concretizar a
Juventude Brasileira como uma organização puramente escolar, propondo a criação
imediata de centros cívicos nos estabelecimentos de ensino primário, devendo ser
promovida a formação de professores especializados em educação física e em canto
orfeônico. Porém em novembro de 1945 a Juventude Brasileira foi extinta legalmente.
Outrossim, o Decreto, foi discriminador em sua essência, uma vez que
direcionado às classes favorecidas, já que se destinava a formar as “individualidades
condutoras, isto é, os homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro
da sociedade e da nação [...]”, segundo as palavras do próprio Capanema, sobre o
ensino secundário (apud RIBEIRO, 2003: 148). Dessa forma, o curso secundário, foi
preparado para que os estudantes que nele ingressassem pudessem seguir suas carreiras,
com a possibilidade de prestar vestibular para qualquer curso de nível superior,
indistintamente. O curso era constituído de duas partes, o Ginasial comum, com quatro
anos de duração e a 2ª parte, chamada de Colegial, contendo duas opções: o Clássico e o
Científico, ambos com 3 anos de duração, não havendo muita diferença curricular entre
eles (Ghiraldelli Jr., 2006). No entanto, o Clássico destinava-se àqueles que pretendiam
cursar o ensino superior, na área de humanas e o Científico na área de exatas e
biomédicas. Cabe nesse ínterim mencionar que o colégio Notre Dame se enquadrava no
modelo clássico.
Schwartzman (1985:165-172) diz que dentro do espírito do Estado Novo, o
Ministério Capanema tratou de centralizar, tanto quanto possível, a educação nacional,
sendo esta centralização, sobretudo, normativa. O Estado se sentia na necessidade de
fixar, em lei, todos os detalhes da atividade educacional, dos conteúdos dos currículos
aos horários de aula, passando pelas taxas cobradas aos alunos. O conteúdo do ensino
deveria ser fixado por lei e sua manifestação concreta fixada em instituções-modelo - o
Colégio Pedro II- que todos deveriam copiar. As instituições de ensino não poderiam
39
crescer aos poucos e ir definindo seus objetivos ao longo do tempo. Mais inaceitável
ainda seria a idéia de que elas pudessem evoluir segundo formatos, modelos e
conteúdos distintos. Não havia lugar para incrementalismo e muito menos para
pluralismo.
Em outras palavras, as instituições de ensino em nenhuma hipótese poderiam ter
um projeto político-pedagógico próprio, que não fosse o modelo ditado pela legislação
vigente ou pelo seu governo.
Os corolários inevitáveis da centralização foram a burocratização, o controle
prévio e a ineficiência. O Conselho Nacional de Educação, antecessor do atual Conselho
Federal, assumiu uma série de funções não só normativas, mas também processuais e
decisórias, que até hoje marcam seu funcionamento, e o próprio Ministério constituiu
um corpo de inspetores para supervisionar a estrita observância de suas normas e
diretrizes. O controle prévio supõe que os estabelecimentos de ensino devam
demonstrar, por antecipação, que estão aptos a cumprir com as exigências e normas do
governo federal, que não eram poucas.
Nestes termos apresentamos aqui que o colégio Notre Dame estava apto a manter
suas portas abertas e atender sua clientela, pois observava e se amoldava aos preceitos
impostos pela lei do ensino, obedecia os horários de aula, ministrava as disciplinas
curriculares previstas em lei, entendendo ainda, nas palavras de Zabala (1998:18), que o
processo da prática educativa como um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e
articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um principio e
um fim, conhecidos tanto pelos professores como pelos estudantes.
Schwartzman, Bomeny e Costa (2000:260) dizem que a prioridade dada à
reforma do ensino secundário no inicio de 1940 seria uma ocasião propicia para a
reafirmação dos princípios mais gerais da concepção educacional do ministério
Capanema. Os documentos e anotações datados dessa época revelam cuidadoso trabalho
de recuperação das propostas que tinham sido desenvolvidas durante a década anterior.
O sistema educacional deveria corresponder à divisão econômico-social do trabalho. A
educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades de acordo
com os diversos papéis atribuidos às diversas classes ou categorias sociais. Teríamos,
assim, a educação superior, a educação secundária, a educação primária, a educação
profissional e a educação feminina; uma educação destinada à elite da elite, outra
educação para a elite urbana, uma outra para os jovens, e outra ainda para as mulheres.
40
E ainda, que é importante marcar a distinção profunda que então se fazia entre o
ensino secundário e outras formas de ensino médio. O ensino secundário deveria ter um
conteúdo essencialmente humanístico, estaria sujeito a procedimentos bastante rígidos
de controle de qualidade, e era o único que dava acesso à universidade. Aos alunos que
não conseguissem passar pelos exames de admissão para o ensino secundário, restaria a
possibilidade de ingressar no ensino industrial, agrícola ou comercial, que deveria
prepará-los para a vida do trabalho. Na realidade, só o ensino comercial, dentre estes,
adquiriu maior extensão. Era um ensino obviamente de segunda classe, sobre o qual o
ministério colocava poucas exigências, e nem sequer previa uma qualificação
universitária e sistema de concursos públicos para seus professores, como deveria
ocorrer com o ensino secundário. A Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942
manteria este entendimento restritivo do que era o ensino secundário, e proibia o uso
das denominações "ginásio" e "colégio" aos demais estabelecimentos de nível médio.
(SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000: 260)
Seguindo ainda a linha de pensamento dos autores (ibid.:208) a principal marca
da reforma do ensino secundário foi a ênfase posta no ensino humanístico de tipo
clássico, em detrimento da formação mais técnica. Na conferência de 1937 feita no
Colégio Pedro II, o ministro chamava a atenção para a necessidade de acentuar o caráter
cultural do ensino secundário de modo que ele se torne verdadeiramente o ensino
preparador da elite intelectual do país. Para isso, força é excluir toda a preocupação de
enciclopedismo, que é de natureza estéril, para que tomem o primeiro lugar, no
programa secundário, sólidos estudos das clássicas humanidades.
Tal ênfase entendemos que se deu pela idéia, de que caberia à escola secundária
a formação das elites condutoras do país, enquanto que as grandes massas seriam
atendidas pelo ensino primário ou por escolas profissionais menos prestigiadas. O
ensino secundário adquiria prestígio especial entre as famílias que podiam proporcionar
educação a seus filhos, que só eram destinados a outras modalidades de ensino médio se
não tivessem alternativa. O objetivo fundamental do ensino secundário segundo
Romanelli (1986: 135) era:
... dar organicidade ao ensino secundário, estabelecendo
definitivamente o currículo seriado, a freqüência obrigatória,
dois ciclos, um fundamental e o outro complementar, e a
exigência de habilitação neles para o ingresso no ensino
41
superior. Além disso, equiparou todos os colégios secundários
oficiais ao Colégio Pedro II, mediante a inspeção federal e deu
a mesma oportunidade às escolas particulares que se
organizassem, segundo o decreto, e se submetessem à mesma
inspeção. Estabeleceu normas para a admissão do corpo
docente e seu registro junto ao Ministério da Educação e Saúde
Pública.
O entendimento de Romanelli (1986) e de Zotti (2004) é de que a Reforma
Capanema (1942) proclama o retorno às humanidades clássicas e modernas quando
propõe a articulação entre o currículo clássico e científico (enciclopédico); visando a
educação da elite que deveria ter por base a formação da estética, da retórica, da poética,
da moral e do civismo, sem que o ensino do vernáculo e das línguas clássicas fosse
descartado.
Foi com essa reforma que o ensino secundário adquiriu a organicidade
mencionada na citação anterior, caracterizando-se por um currículo seriado e pela
freqüência obrigatória, com dois ciclos, um fundamental e outro complementar.
Schwartzman, Bomeny e Costa (2000: 205) explicam que um grande
complicador para as novas reformas do ensino secundário foi a expansão do setor
privado durante as décadas de 1920/1930, e que aumentaria de intensidade a partir da
década de 1940, graças às aspirações de mobilidade das camadas médias urbanas. Um
levantamento feito pela Divisão do Ensino Secundário do Ministério para 1939
mostrava que, dos 629 estabelecimentos em todo o país, 530 eram particulares. Quase
um terço das escolas estavam no estado de São Paulo (196), que tinha também quase a
metade de todas as escolas públicas do país (43 de um total de 99), formada por uma
grande rede estadual de ginásios e escolas normais. O problema do Ministério da
Educação era como, diante desta situação, estabelecer seu controle e garantir que as
funções do ensino secundário fossem realmente cumpridas. O caminho encontrado
consistiu em, por um lado, definir o currículo do curso secundário de forma bastante
estrita, e orientado para a formação cultural e de elite; e, por outro, criar uma estrutura
burocrática bastante complexa de inspeção e reconhecimento, que garantisse que o
ensino desejado estivesse realmente sendo dado pelas escolas particulares e as das redes
estaduais.
42
A reforma de 1942 consagra a divisão entre o ginásio, agora de quatro anos, e
um segundo ciclo de três anos, com a opção entre o clássico e o científico. Ao fim de
cada ciclo haveria um "exame de licença", nos moldes, pelo menos em intenção do
baccalaureat francês, que garantiria o padrão nacional de todos os aprovados. Além
disto, uma série de cursos profissionalizantes deveria existir no nível do segundo ciclo,
como opção para os estudantes que não tivessem como objetivo ingressar nas
universidades. Desta forma, os cursos ginasiais, obedecendo a um programa mínimo
comum em todo o país, e controlados pelo ministério, também funcionariam como
habilitação básica para os cursos profissionais de nível médio. (SCHWARTZMAN;
BOMENY; COSTA, 2000: 206)
Para Capanema o curso secundário não era um simples desenvolvimento de um
sistema antigo, podendo ser definido através da formação humanística e a formação
patriótica que ao que lhe pareciam ser os instrumentos perfeitos para a tarefa difícil de
organizar o Estado e suas instituições, moldando-lhes a forma e o caráter, atribuindolhes uma identidade - extensiva à nação - e preparando as novas gerações para aceitar e
perpetuar a ordem que se criava. Tratava-se de transferir as "fidelidades" familiares,
locais ou regionais para a nação e para a pátria. (ibid.)
O ensino secundário deveria ainda estar impregnado daquelas "práticas
educativas" que transmitissem aos alunos uma formação moral e ética, consubstanciada
na crença em Deus, na religião, na família e na pátria. Esta não era, evidentemente, uma
atribuição exclusiva do ensino secundário, já que deveria permear todo o sistema
educacional. Para o ministro, "qualquer escola, seja qual for o grau ou ramo de ensino
(...) deve incluir no programa de seus trabalhos a educação moral. Não basta o saber e a
técnica (...) A educação moral deverá despertar e endurecer no seu coração a virtude (...)
que o ensino religioso é das bases mais sólidas." Ele próprio será mais explícito com
relação à educação moral e cívica ao sugerir instrumentos para a ampliação da
influência do governo na educação: "É com a educação moral e cívica que se cerra e se
completa o ciclo da educação individual e coletiva e é por ela que se forma o caráter do:
cidadãos, infundindo-lhes não apenas as preciosas virtudes pessoais senão também as
grandes virtudes coletivas que formam a têmpera das nacionalidades - a disciplina, o
sentimento do dever, a resignação nas adversidades nacionais, a clareza nos propósitos,
a presteza na ação, a exaltação patriótica." (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA,
2000: 209)
43
Outra inovação foi a obrigatoriedade da freqüência à escola secundária, que seria
o processo através do qual assegurava-se que as novas gerações sentar-se-iam nos
bancos escolares e neles permaneceriam o período suficiente para o aprendizado de uma
cultura comum, que transmitisse a consciência de que pertenciam a uma nação comum e
de que eram responsáveis pela manutenção e difusão de seus valores ao resto da
população. Apesar da influência católica, parecia predominar uma preocupação em
reduzir a influência da família, da Igreja, ou quaisquer instituições ligadas à socialização
das crianças e jovens, beneficio de uma influência continuada da escola, veiculadora dos
valores nacionais. (ibid.: 211)
O que se pretendia era menos acabar com o ensino livre do que, definitivamente,
com o estudo livre. A ninguém mais seria permitido estudar o que quisesse, como
quisesse e onde quisesse, para a uma determinada época submeter-se aos exames
oficiais - os preparatórios e através destes habilitar-se aos estudos superiores. Não. Era
preciso criar o hábito social da passagem pela escola. Este o principal objetivo da
obrigatoriedade do curso secundário. Haveria outras escolas, também obrigatórias, para
os que não estivessem destinados à elite dirigente do país, mas precisassem, igualmente,
ser educados como bons cidadãos. (ibid.)
A Lei Orgânica do Ensino Secundário termina concentrando seus preceitos mais
doutrinários na Exposição de Motivos que a antecede, ou seja, na declaração de
intenções. No entanto, o arquivo de Gustavo Capanema mostra que o ministério havia
ido bastante longe na elaboração dos conteúdos específicos a serem transmitidos pelas
diversas disciplinas, desde as mais técnicas até as de cunho mais claramente formativo e
doutrinário. (ibid.)
Capanema costumava redigir o que chamava de "diretrizes" a serem
incorporadas aos projetos. Os formuladores dos novos programas freqüentemente
exageravam, como é o caso de um programa de matemática, que dificilmente poderia
atender às recomendações de difundir o espírito patriótico.
Nos cursos clássico e científico algumas unidades do ensino religioso
abordariam o problema do humanismo, o jovem e o lar. Na 3ª série, o programa deveria
ser o seguinte:
I)
A igreja e o setor econômico. Erro do materialismo histórico. A Igreja no
embate das forças econômicas. Solução cristã do problema da máquina.
II)
A Igreja em face do belo. A arte e a moral. A Igreja e as n colas
artísticas e literárias. A religião cristã, inspiradora suprema dos criadores de beleza.
44
III)
A Igreja e as ciências. Harmonia entre a ciência e a fé. As ciências e a
filosofia. A filosofia e a religião.
IV)
A Igreja e o mundo político. Fora e acima dos partidos. As últimas
encíclicas sobre organizações partidárias. A ordem cristã.
V)
A Igreja e a organização social. A pessoa humana e os vários grupos
sociais. Monismo estatal e pluralismo cristão. A Igreja e o serviço social.
VI)
A Igreja e as igrejas. Serve qualquer religião? Transcendência da religião
cristã. Transcendência de Jesus Cristo.
Conforme ensina Schwartzman, Bomeny e Cosa (2000:215), para o próprio
ministro, a reforma de 1942 não seria simples resultado de suas preferências, mas
gerada pelo trabalho de silenciosa pesquisa e bem assim dos debates das comissões
especiais realizados pelo ministério da Educação.
Na realidade, houve de fato algumas concessões. As ciências não foram de todo
retiradas dos programas, mas agregadas sob uma única disciplina, as ciências naturais,
para se diferenciarem no segundo ciclo. Já a educação religiosa teria finalmente seu
lugar assegurado, cabendo às autoridades religiosas a definição do programa. A
instrução pré-militar, fixada pelo ministro da Guerra, tornou-se obrigatória nos
estabelecimentos públicos e particulares. A educação moral e cívica, abandonada como
disciplina, comporia uma "mentalidade" a inspirar toda a ação educativa da escola, e
teria um espaço privilegiado no ensino da história do Brasil, do canto orfeônico e do
"serviço cívico próprio da Juventude Brasileira." Quanto à co-educação, esta seria
permitida mediante "especial autorização do ministro da Educação." (ibid.)
Bastos (2005: 230) diz que o caráter enciclopédico dos currículos manteve a
característica elitista desse ensino. Os ramos profissionais foram ignorados, criando-se
dois sistemas independentes. Ainda que se tenha regulamentado o ensino profissional
comercial, nenhuma relação entre eles foi estabelecida. No momento em que a ideologia
do desenvolvimento começava a ocupar espaço na vida econômica e política do país,
sequer houve qualquer preocupação consistente com o ensino técnico, cientifico e
profissional, oficializando-se o dualismo configurado por um segmento enciclopédico e
preparatório para o ensino superior e outro profissional independente e restrito em
termos da configuração produtiva e ocupacional.
Na verdade, a lei nada mais fazia do que acentuar a velha tradição do ensino
secundário acadêmico, propedêutico e aristocrático. A Reforma Capanema com poucas
modificações e ajustes marcaria o Ensino Secundário até o início dos anos de 1960.
45
A Reforma Gustavo Capanema trouxe à tona ainda, concepções condizentes
com o contexto político vigente, trazendo como vitória o ensino prioritário da cadeira
de História do Brasil. Estudar a História Pátria era uma causa eminentemente cívica,
formadora de uma “consciência nacional”. Através do conhecimento do passado, os
indivíduos criariam e reafirmariam o seu apego à nacionalidade, à pátria. A Reforma
Gustavo Capanema cristalizou esta concepção que já vinha tornando-se a orientação
educacional do país. Segundo Reznik (1992: 103):
(...) História Pátria, tradição, alma católica brasileira, são termos vinculados
a um bloco ideológico que se tornou vitorioso. Nesse bloco encontramos,
para os fins da nossa análise, os defensores dos estudos “clássicos” e os
conservadores nacionalistas que propugnavam a volta da cadeira de História
do Brasil.
O colégio Notre Dame seguia essa orientação e em seu currículo escolar a
História do Brasil estava presente de 1ª a 4ª séries.
2.2.1 Conteúdos Curriculares
Douta lição de Zotti (2004) que a partir do objetivo do ensino secundário de
“formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional”, é que o
currículo e seus métodos foram definidos. Na prática, para eliminar o caráter de “curso
de passagem”, a reforma instituiu dois cursos seriados: o curso fundamental e o curso
complementar. O primeiro tinha por objetivo uma formação geral, com ênfase na
cultura humanística, apesar da presença no currículo de matérias científicas, com o
intuito de preparar o homem para a vida em sociedade e para os grandes setores da
atividade nacional, independente do ingresso no ensino superior. Tinha duração de
46
cinco anos e uniforme a todo o país. O segundo mantinha o objetivo de formação
propedêutica, com propostas curriculares diferenciadas e obrigatórias para os candidatos
à matrícula em determinados institutos de ensino superior.
Essa organização tinha a intenção de ampliar a formação do jovem, não só com a
visão de curso preparatório, ou seja, primar por uma formação ampla e geral
independente da continuidade dos estudos. Na realidade, como este curso foi pensado
por Francisco Campos a partir de uma visão elitista, o alcance da reforma ficou
limitado. Isso se evidencia no caráter enciclopédico do currículo que, associado a um
sistema rígido de avaliação, continuou sendo espaço de uma minoria, que podia passar
cinco anos adquirindo uma “sólida cultura geral”. Não era essa, na conjuntura da época,
a realidade da grande maioria da população. Era verdadeiramente um ensino secundário
para a formação adequada da elite.
Silva (1969: 328 apud Zotti), diz que a Lei Orgânica apresentou um currículo
sobrecarregado de matérias que, salvo o suposto valor formativo, apenas têm valor se o
seu estudo prossegue até o fim e com vistas ao ingresso num curso superior. No caso, o
que prevalece são as matérias de caráter humanista, como forte presença das línguas
(latim, francês e inglês) em todas as séries do curso ginasial. De valor prático, além do
português e da matemática, as ciências naturais e os trabalhos manuais. Esse currículo
gerou um problema em relação aos alunos que não continuavam os estudos no colégio,
pois encontravam nos cursos de preparação profissional matérias sem nenhuma ou
pouca relação com as estudadas anteriormente. Também, os que buscavam ocupações
ativas encontravam poucas relações entre o estudado e as atividades práticas então
exercidas.
Eis algumas mudanças introduzidas por Capanema na organização da matriz
curricular. A história e geografia do Brasil passam a ser disciplinas autônomas, com o
objetivo de uma maior compreensão dos valores e das realidades nacionais. O estudo do
português está presente em todas as séries dos dois ciclos. Além do português, o estudo
das línguas clássicas e modernas está presente no currículo do curso ginasial, com o
latim, francês e inglês, mas com maior ênfase no curso clássico, com o latim, grego,
francês ou inglês, além do espanhol. No curso científico prevalecem as línguas
modernas – francês, inglês e espanhol – justificado pela importância destas na cultura
universal e pelos vínculos do Brasil a estes países. Justifica a presença do latim no
currículo por ser ele o fundamento e a estrutura da língua nacional.
47
No currículo há uma forte tendência à preservação dos estudos das humanidades,
não deixando de ser coerente com o objetivo de preparação das individualidades
condutoras, no sentido daqueles que se preparavam para o ensino superior.
Especialmente aos alunos do curso clássico, a base dos estudos permanece na lógica da
tradição do curso secundário brasileiro, mesmo que em nível de discurso o ensino
deveria acompanhar as necessidades que a modernidade exigia. Portanto, não há
significativas alterações quanto à concepção histórica do ensino secundário humanista.
O papel da elite de dirigir a sociedade, conforme seus valores e princípios
permaneceram inalterados e, neste caso, a função do ensino secundário, enquanto
preparatório ao ensino superior, também. (ZOTTI, 2004)
Apesar dessa visão predominante, Capanema soube perceber que o ensino da
ciência deveria partir das coisas concretas, do contato com a natureza e com a vida, de
um modo sempre ativo. A cultura científica deveria contribuir para a maturidade
intelectual e a preparação aos estudos universitários de qualquer ramo. Na sua visão, a
ciência moderna não poderia simplesmente adaptar-se à lógica das humanidades
antigas, deixando de prevalecer sua objetividade e instrumentalidade, o seu caráter
experimental, problematizador e criativo. (XAVIER, 1990)
A proscrição do ensino religioso da primeira Constituição da República e a
sua instituição nas Constituições de 1934 e 1937 foram feitas a base de lutas de
caráter ideológico. Essas lutas tiveram seu ponto culminante no início da década de
30, quando foi retomada a questão, por causa do conteúdo das reformas educacionais
que começavam a ser implantadas em alguns Estados e por causa dos princípios
abraçados pelo movimento renovador da educação que tinham dado ênfase a
necessidade da permanência da laicidade do ensino.
Além da laicidade, o movimento renovador reivindicava a institucionalização
da escola pública e sua expansão, assim como a igualdade de direitos dos dois sexos
à educação. Esses três aspectos constituíram o pomo da discórdia entre os educadores
que, pela Associação Brasileira de Educação, ocorriam as Conferências Nacionais de
Educação. Pois se definiram: os renovadores, e os que combatiam os três aspectos
acima citados. A igreja católica, que até então monopolizava no Brasil, o ensino
médio, se via ameaçada de perder aquele quase monopólio. O ensino deveria ser
público e gratuito.
48
O curso ginasial abrangerá o ensino das disciplinas de Línguas (Português,
Latim, Francês, Inglês); Ciências (Matemática, Ciências naturais, História geral,
História da Brasil, Geografia geral, Geografia do Brasil); Artes (Trabalhos manuais,
Desenho e Canto orfeônico) (art. 10).
A seriação das disciplinas citadas de acordo com o art. 11 da referida lei, assim
ficaria disposto:
Tabela 1: Seriação das disciplinas de 1ª a 4ª séries constantes no
4244/1942
DISCIPLINAS
1ª SÉRIE
2ªSÉRIE
3ª SÉRIE
Português
Português
Portugues
Latim
Latim
Latim
Francês
Francês
Frances
Matemática
Inglês
Ingles
Historia geral
Matemática
Matematica
Trabalhos manuais Historia geral
Ciencias naturais
Desenho
Geografia geral
Historia do Brasil
Canto orfeônico
Trabalhos manuais
Geografia do Brasil
Desenho
Desenho
Canto orfeônico
Canto orfeônico
art. 11 do Decreto-lei
4ª SÉRIE
Portugues
Latim
Frances
Ingles
Matematica
Ciências naturais
Historia do Brasil
Geografia do Brasil
Desenho
Canto orfeônico
Fonte:
Decreto-Lei
nº
4.244
de
09
de
abril
de
1942.
Disponível
em:
<http://www2.camara.gov.br/internet/legislacao/legin.html/textos/visualizarTexto.html?ideNorma=41415
5&seqTexto=1&PalavrasDestaque=> Acesso em 10/10/2009. (vide anexo 1)
As disciplinas dos cursos Clássico e Científico também foram agrupadas de
acordo com as áreas do curso ginasial, sendo elas: Línguas (português, latim, grego,
francês, inglês e espanhol); Ciências e Filosofia (matemática, física, química, biologia,
história geral, história do Brasil, geografia geral, geografia do Brasil e filosofia); Artes
(desenho) (art. 12)
Os programas devem ser simples, claros e flexíveis, devendo conter o sumário
das matérias e as diretrizes essenciais, sendo organizados por uma comissão geral ou
por comissões especiais, designadas pelo Ministro da Educação (art. 18).
A Educação Física, a Educação Militar e a Educação Religiosa também são
elementos que complementam o currículo. A Educação Física é definida como prática
educativa obrigatória para todos os alunos, até a idade de 21 anos (art. 19); a Educação
Militar é facultada para os alunos do sexo masculino, sendo suas diretrizes fixadas pelo
Ministério da Guerra (art. 20); a Educação Religiosa é considerada parte integrante da
educação da adolescência, sendo permitido aos estabelecimentos incluí-la nos estudos
49
de primeiro e segundo ciclos, de acordo com os programas e regime didático definidos
pela autoridade eclesiástica (art. 21).
Estas atividades educativas, não mencionadas na lei como disciplinas, cumprem
um papel ideológico importante no contexto do regime ditatorial do Estado Novo. A
Educação Militar aliada a Educação Moral e Cívica refletiu a influência nazi-facista,
tendo em vista o regime político vigente no país, bem como uma necessidade em função
do ingresso do Brasil, neste mesmo ano, na Segunda Guerra Mundial, em defesa da
democracia ocidental. Na Exposição de Motivos, Capanema associa a educação moral e
cívica à formação do caráter e do patriotismo, que não se fará a partir da inclusão de um
programa instrutivo dos deveres humanos e nem de uma preparação intelectual dessa
matéria, mas desenvolvendo nos alunos uma justa compreensão da vida e da pátria,
desde cedo e a partir de todas as atividades da vida escolar, para que viva com
dignidade e fervor patriótico. (ZOTTI, 2004)
Tão grande era a importância atribuída à educação moral e cívica que ela não
seria objeto de uma disciplina específica, porém estaria presente não só no currículo
como no próprio processo da vida escolar, que, em todas as circunstâncias, deverá
transcorrer em termos de elevada dignidade e fervor patriótico.
De acordo com o artigo 22 da Lei Orgânica do Ensino Secundário, os
estabelecimentos de ensino secundário tomarão cuidado especial e constante na
educação moral e cívica de seus alunos, buscando neles como base do caráter, a
compreensão do valor e do destino do homem, e, como base do patriotismo, a
compreensão da continuidade histórica do povo brasileiro, de seus problemas e
desígnios, e de sua missão em meio aos outros povos.
Ainda, o artigo 23 da referida lei, diz que deverão ser desenvolvidos nos
adolescentes os elementos essenciais da moralidade: o espírito de disciplina, a
dedicação aos ideais e a consciência da responsabilidade. Os responsáveis pela
educação moral e cívica da adolescência terão ainda em mira que é finalidade do ensino
secundária formar ás individualidades condutoras, pelo que força é desenvolver nos
alunos a capacidade de iniciativa e de decisão e todos os atributos fortes da vontade.
No art. 25, outro aspecto importante, no ensino secundário feminino, as algumas
prescrições especiais a serem seguidas, como a recomendação da educação secundária
das mulheres a ser feita em estabelecimentos de ensino de exclusiva freqüência
feminina. Nos estabelecimentos de ensino secundário freqüentados por homens e
mulheres, devendo ser a educação destas ministrada em classes exclusivamente
50
femininas. A inclusão da disciplina de economia doméstica na terceira e quarta série do
ginasial e em todas as séries dos cursos clássicos e cientifico, tendo sempre em mira na
orientação metodológica dos programas, a natureza da personalidade feminina e bem
assim a missão da mulher dentro do lar.
Outro ponto relevante a ser mencionado aqui é o uso das cartilhas escolares
no regime varguista do Estado Novo, que consistiam em publicações veiculadas em
todo o território nacional, contendo textos de fundo moral religioso, ufanista e
patriótico, destinadas à leitura das crianças em fase de alfabetização. As histórias,
poesias, poemas, dizeres, traziam os pressupostos arraigados ao regime então
vigente: civismo, nacionalidade, união, culto à pátria e ao presidente (chefe da
nação), ordem, trabalhismo, exaltação às datas cívicas, principalmente com relação à
Semana da Pátria (período em que aconteciam as festividades relacionadas à
Independência do Brasil). Embora o ensino primario não seja o foco deste trabalho,
consideramos pertinente ilustrar a estrutura no qual o mesmo teve embasamento
através das cartilhas.
Entre elas está a Cartilha Getulio Vargas para crianças, um dos livros
disseminados nas escolas, por meio da política nacionalizadora deste governo. Essa
cartilha, entre outras questões, aborda a biografia de Vargas como um exemplo a ser
seguido. Ela mostra Vargas criança, seus hábitos saudáveis, exemplares, o aluno
educado, estudioso, o jovem com as mais belas qualidades e o Governante preocupado
com a paz e a prosperidade de seu país.
A cartilha Getúlio Vargas para Crianças forja o sentimento de brasilidade
pretendido no Estado Novo, e as crianças são um dos alvos das ações desenvolvidas
pelos intelectuais aliados a Vargas, produtores dos artefatos escolares publicados pelo
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda.
Vargas vislumbrava o Brasil como uma grande nação, a exemplo das européias.
Para tanto, o mesmo procurava seguir as diretrizes já alcançadas pelas grandes ações,
dentre estas diretrizes destacava-se a educação. A educação no Governo de Vargas
perpassava a mera aquisição de conhecimentos para uma abrangência mais ampla como
a formação física e moral, eugênica e cívica, industrial e agrícola. (CAROLA, 2004:
106)
51
A cartilha Getúlio Vargas para Crianças não é composta apenas por textos, como
a maioria das cartilhas, ela apresenta-se com inúmeras ilustrações. A figura mítica de
Vargas é delineada na cartilha junto a discursos legitimadores do Estado Novo.
Infere-se do texto da Cartilha Getúlio Vargas para Crianças, a intenção dos seus
organizadores de produzir sujeitos-crianças obedientes, estudiosos, trabalhadores,
patrióticos, humildes, bons e aguerridos contra o comunismo.
As crianças aprendiam o significado do novo através de publicações de textos
em forma de diálogo: as perguntas e respostas ensinavam didaticamente o sentido das
mudanças. E dentre as publicações destinadas à formação cívica dessas crianças, está o
catecismo cívico do Brasil novo, onde eles aprenderiam, por exemplo, a importância do
principio da autoridade e da ordem, como é possível verificarmos no anexo 2
(Catecismo Cívico do Brasil Novo).
Ilustrações da bandeira do Brasil e letras do hino nacional eram utilizados
com muita freqüência nas cartilhas. Havia um amplo projeto de nacionalização
cultural, reforçado por um forte investimento na idéia patriótica. As manifestações
patrióticas consistiam em elementos importantes na preservação da ordem e na
legitimação de uma unidade social. A pátria, merecedora de sacrifícios, assemelhavase a uma mãe e nela estariam todos em uma grande família. Aqueles que atentavam
contra as aspirações da pátria, eram considerados subversores e desobedientes. Eram
proibidos textos que continham pessimismo ou dúvida quanto ao futuro da raça
brasileira e a educação dos jovens era associada à preocupação de evitar “más”
influências. Aplicava-se o uso da idéia de renúncia em nome do país, sugerindo os
mais altos sacrifícios pela pátria (vê-se essa retórica abundantemente utilizada a
partir da 2º Guerra Mundial).
As instituições de ensino eram a grande atração das festividades, sendo
sempre relacionadas e encarregadas de organizar os eventos. As escolas exibiam com
honra suas comemorações e desfiles, a fim de mostrarem-se preocupadas com as
“cousas da pátria”. Tratava-se com benevolência os alunos que se destacavam
declamando poesias ufanísticas e participando das comemorações. Nos jornais as
festas dos principais educandários do estado ganhavam projeção. E assim o colégio
Notre Dame por sua vez era destaque no jornal local O Nacional (1942), onde lia-se
que nos dias de festa cívica quando se realizam desfiles escolares, a cidade de Passo
52
Fundo se sente orgulhosa de possuir estabelecimento de ensino como o Ginásio
Notre Dame, pela uniformidade e distinção que o mesmo costuma apresentar.
A Semana da Pátria, ápice das festividades nacionalistas fez parte na formação das
crianças e jovens brasileiros, coexistindo seja nas salas de aula, seja nos desfiles
comemorativos, com o lema republicano e positivista da bandeira brasileira: ordem e
progresso. Estas comemorações funcionavam como exposições pedagógicas da
sociedade, que pretendiam vislumbrar os trabalhos realizados nos colégios e pelas
autoridades públicas, despertando na população uma imagem harmônica e bela,
formadora de um novo amanhã. Acarretaram, ao longo do tempo, na produção de
práticas e formas de ensino, que se estenderam ao longo dos anos, em momentos de
maior ou menor intensidade.
Com base no acima exposto, percebemos que um ponto negativo da Reforma
Capanema foi a manutenção do poder do ensino privado. No ensino secundário os
cursos que davam acesso a Universidades eram de uso das escolas caras, de elite,
excluindo assim, aqueles que não podiam pagar por eles. Além de manter os Estados
Sociais, pois o ensino era desvinculado, havia o ensino comercial o ensino industrial
e o ensino agrícola. Esses últimos não davam acesso a Universidade; mantinha o
industrial como industrial e o agricultor como agricultor. Porém, um ponto positivo e
de destaque foi a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino público.
Em suma, na prática, a reforma não efetivou uma implantação do ensino técnico
e científico, permanecendo a ênfase nas antigas diretrizes, ou seja, um currículo
enciclopédico de caráter mais humanista do que científico no ensino secundário. Apesar
das justificativas afirmarem que a educação deveria acompanhar a modernização do
país, na realidade, o que se concretizou enquanto proposta no currículo do ensino
secundário foi a oficialização, em âmbito federal, de políticas educacionais que não
rompem com a tradição até então predominante de uma educação vinculada aos
interesses da elite. (ZOTTI, 2004)
2.3 Os efeitos das reformas de Capanema no ensino
53
As manifestações públicas e privadas do ministro sobre as modificações
introduzidas no ensino secundário através da reforma enfatizavam exaustivamente os
aspectos ideológicos e as questões de princípio do texto legal. Era sua preocupação,
também, assinalar a criação dos diversos tipos de ensino: religioso, militar, moral e
cívico, e feminino. Assim falando, apresentava como solucionadas as questões que
haviam caracterizado o debate educacional na década anterior, estabelecendo como que
uma divisa-o de áreas de influência entre as instituições interessadas em aumentar o
âmbito de sua ação educativa Igreja, Exército e Estado. A realidade do ensino privado e
pago não parecia merecer maior atenção até que os interesses dos donos de escola
fossem diretamente atingidos, provocando reações que levaram grande parte das
discussões e preocupações do próprio ministério para as questões de custo de ensino.
(SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 2000: 216)
Com a intenção de controlar o lucro liquido dos estabelecimentos de ensino
privado, cujos excessos eram sistematicamente denunciados pela imprensa, a lei
estipulava que as anuidades a serem cobradas dos alunos deveriam ser módicas;
determinava que as escolas deveriam reservar anualmente uma determinada
porcentagem de lugares gratuitos; finalmente, tornava obrigatória a prestação de
serviços assistenciais aos alunos necessitados. Enquanto o ministro silenciava de
público sobre estas inovações, os diretores das escolas privadas iniciavam uma
discussão sobre os custos advindos das modificações que viriam a onerar a empresa
escolar. (SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 2000: 216)
Para a autora Marilena Barboza, um dos principais e visíveis efeitos da expansão
do ensino público e de boa qualidade (segundo padrões das elites brasileiras), foi o
ingresso de estudantes oriundos das baixas camadas médias e do proletariado nas
universidades públicas, sobretudo das grandes cidades, praticamente vedado aos
trabalhadores até a primeira metade do século XX. Por outro lado, os estudantes
oriundos das escolas públicas enfrentavam exames de seleção para a entrada no
primeiro ciclo do curso secundário. Esta passagem já excluía a maior parte dos
pretendentes à continuação dos estudos visando ao futuro ingresso nas universidades
públicas.
Apesar dessas visíveis limitações a presença de filhos das classes sociais mais
pobres nas universidades aumentou, devido à obra educacional da primeira Era Vargas,
pós-reforma Capanema. Esta abriu oportunidades de formar quadros qualificados
profissionalmente através de uma controlada expansão da rede pública de ensino,
54
formando a chamada elite da competência. As camadas populares urbanas, ao poder
educar-se e aos seus filhos, tiveram oportunidades de ascender socialmente, através da
educação, e colaborar para a formação de quadros dirigentes, lideranças políticas e
sindicais, capazes de desmistificar as práticas paternalistas e autoritárias reinantes até
então, num grande e desigual país de tradição escravista no enfoque do trabalho. (Ibid.)
O nacional-desenvolvimento, contraditoriamente, deu oportunidades de trabalho
qualificado às camadas ascendentes, oriundas do proletariado urbano e das baixas
camadas médias e, ao mesmo tempo, aprofundou as distâncias sociais dos excluídos
deste processo de ascensão social pela via educacional, porque barrados nos exames de
seleção ou por necessidade de trabalhar prematuramente ou ainda, por morar distante
dos grandes centros urbanos. (ibid.)
Se os propósitos da reforma Capanema, que aproveitou, deturpando, o projeto do
educador baiano Anísio Teixeira, (depois do afastamento deste da Instrução Pública do
Distrito Federal, em 1935), foi formar mão-de-obra qualificada para as indústrias que se
instalavam, para o comércio e para os quadros burocráticos das novas instituições e
autarquias, reservando o nível superior às elites tradicionais (de origem rural ou urbana),
os efeitos da expansão da escola pública, que propiciou conteúdo diversificado e
minucioso, não se restringiram a esta expectativa. O esforço da Igreja Católica de
garantir o ensino religioso, inicialmente bem sucedido, acabou progressivamente
reduzido às escolas particulares vocacionadas para esta religião. (BARBOZA)
Porém, todo o discurso de Capanema sinalizava a formação de um novo cidadão
dentro do modelo estabelecido pelo Estado Novo.
55
Capítulo III
AS REFORMAS E A EXPERIENCIA LOCAL
3.1 Breve histórico da cidade de Passo Fundo
Nos primeiros anos do século XIX (1810) o atual Rio Grande do Sul chamava-se
Capitania do Rio Grande de São Pedro. Este vasto território estava dividido em apenas
quatro municípios: Porto Alegre, Rio Pardo, Rio Grande e Santo Antônio da Patrulha.
A área que hoje integra Passo Fundo pertencia ao município de Rio Pardo sendo
povoada por indígenas tupi-guarani e jês, além dos caingangues, que viviam da
horticultura de subsistência (milho, erva-mate, feijão, mandioca e batata). Esta região
fazia parte da rota dos tropeiros.
Em 1891 Passo Fundo foi elevada à categoria de cidade, quando contava com
16.000 habitantes distribuídos em 80.000 km². A principal atividade na época era o
comércio de erva-mate, fumo, couros e crinas, “secos e molhados” (alimentos, tecidos e
utensílios). A agricultura também recebia destaque.
56
Ainda na década de 1890 foi construída a ferrovia que ligava Passo Fundo a
Porto Alegre via Santa Maria. Nas proximidades da estrada de ferro que cruzava a
cidade foram construídos armazéns, hotéis, restaurantes, cafés e muitas lojas.
Passo Fundo é hoje a referência de uma região que atrai anualmente milhares de
pessoas em busca de recursos nas áreas de saúde, educação, prestação de serviços,
emprego e moradia. É a maior cidade no Norte do Rio Grande do Sul, importante pólo
rodoviário, por onde cruzam as principais estradas de ligação norte-sul (BR-153) e
leste-oeste (BR-285), ligando-se á Porto Alegre pela BR-386 e RS-324.2
Hoje a sua área é de 780,355 km² e a estimativa do IBGE de população do ano
de 2009 é de 195 mil habitantes. Está localizada no Planalto Médio, ao norte do Estado
do RS, 687m acima do nível do mar. Possui um clima temperado com característica
subtropical úmido. Em sua vegetação predominam campos abertos com matas nativas
de araucária, fazendo limites com os municípios de Ernestina, Marau, Coxilha,
Carazinho, Mato Castelhano e Pontão. Fica distante de sua capital 287 km e da capital
federal 1736km.3
3.2 Os reflexos das Reformas Capanema em Passo Fundo
Em se tratando de memória histórica, quando se fala em campo educacional
no período do Estado Novo no Rio Grande do Sul (RS), as primeiras coisas que vêm
à lembrança são a campanha de nacionalização e o nome do secretário da pasta José
Pereira Coelho de Souza, nomeado pelo interventor Daltro Filho em outubro de
1937, tendo deixado o cargo somente em 1945. (GERTZ, 2005: 94)
Em 1935 criou-se a primeira Secretaria Estadual dos Negócios da Educação e
Saúde Pública e também o Conselho Estadual de Educação, fez-se uma primeira
regulamentação da carreira de magistério e ampliou-se o número de escolas públicas,
inferindo-se conforme o entendimento de Bastos (1998: 41), que as escolas públicas,
2
Usamos como fonte de pesquisa sobre a formação histórica de Passo Fundo, o site da Prefeitura
Municipal do município <http://www.pmpf.rs.gov.br/secao.php?p=1196&a=3&pm=158>, escrito pela
Mestra em História, Mariluci Melo Ferreira. Coordenadora do Ensino de História da Rede Municipal de
Passo Fundo.
3
Dados retirados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível
em:<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=431410#> Acesso em 13/01/2010.
57
municipais e estaduais, tinham tido índice de crescimento superior ao das
particulares. Isso no governo de Flores da Cunha.
Na tabela abaixo fica claro, a partir dos índices, que não houve uma abrupta
inflexão na passagem de 1937 para o período posterior em vários aspectos. Já no que
tange ao número de escolas e de docentes, parece haver uma inflexão na passagem
dos anos 1936 para 1937.
Tabela 2: Ensino geral no RS, 1932-1940
Ano
Escolas
Docentes
Matrículas
População do Rs
1932
4.742
8.125
275.924
2.822.513
1933
4.640
8.111
265.418
2.883.633
1934
4.948
8.436
280.536
2.946.070
1935
5.196
8.923
296.064
3.009.857
1936
5.095
8.970
298.791
3.075.025
1937
6.129
10.884
320.453
3.141.505
1938
6.308
11.970
380.945
3.209.627
1939
6.441
12.215
394.447
3.279.121
1940
6.648
12.516
408.042
3.350.120
Fonte: Instituto de Geografia e estatística e a Educação (Elucidário apresentado à Primeira
Conferência Nacional de Educação) (v.III). Rio de Janeiro: IBGE, 1941. p. 328 e 382. IN: GERTZ,
René Ernani. Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo,
2005. p. 94.
58
No que se refere ao ensino primário nos anos de 1937-1940, observe-se na
tabela que segue, que nos quatro tipos de escolas existentes (federais, estaduais,
municipais e particulares) o primeiro teve um incremento percentual grande; o
estadual um crescimento de 20%, o municipal decresceu 30% e o particular cresceu
mais de 60%. Segundo Gertz (2005: 97) os dados da tabela sugerem ainda, um certo
limite na investida estatal a favor do ensino gaúcho.
Tabela 3: Professores e matrículas efetivas do ensino primário geral
Professores
1937
1940
Matrículas efetivas
%
1937
1940
%
aume
aume
nto
nto
Federais
63
98
+55
1.845
4.467
+142
Estaduais
2.927
3.530
+20
80.219
95.117
+18
Municipais
3.103
2.146
-30
103.381
74.759
-27
Particulares
2.768
4.457
+61
81.894
143.642
+75
TOTAL
8.861
10.231
-
267.339
317.985
-
Fonte: Instituto de Geografia e estatística e a Educação (Elucidário apresentado à Primeira
Conferência Nacional de Educação) (v.III). Rio de Janeiro: IBGE, 1941. p. 328 e 382. IN: GERTZ,
René Ernani. Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo,
2005. p. 100.
Ainda no entendimento de Gertz (2005: 98) medidas importantes para a
institucionalização e regulamentação do ensino básico foram tomadas, da mesma
59
forma que ocorreram uma expansão física e uma mobilização de professores,
administradores e intelectuais em torno do assunto. Três objetivos foram
perseguidos, quais sejam, a ampliação da rede de escolas e do número de professores
para aumentar os índices de alfabetização entre a população; a definição de uma
política de pessoal, com a elaboração de um plano de carreira para o magistério e a
elaboração de normas e critérios para o funcionamento das escolas.
Do ponto de vista do conteúdo e da forma do ensino, as autoridades estadonovistas defendiam a implantação de uma educação militante. Mas apesar de
militante, pensava-se na possibilidade de um ensino científico. Havia ainda uma certa
preocupação com a fundamentação teórica e filosófica do processo educacional,
como a orientação geral do processo. O Brasil tinha na época duas correntes
pedagógicas, uma defendia a educação tradicional e a outra propugnava a escola
nova. (GERTZ, 2005: 99)
No ano de 1939 houve um considerável crescimento das matriculas, em 1940
um decréscimo, para só em 1944 crescer novamente. O desmantelamento do sistema
de escolas particulares na região de colonização alemã e italiana em 1938 pode ter
levado a um aumento substancial de matrículas na rede publica no ano seguinte. Para
Gertz (ibid.: 101), a interpretação possível para esses dados foi a campanha da
nacionalização, a qual pode ter levado a uma maquiagem das estatísticas para
pretextar sucesso, voltando-se depois para dados mais realistas.
Havia uma preocupação com a fundamentação teórica e filosófica do
processo educacional. Existia na época duas correntes pedagógicas básicas: uma
defendia a educação básica e a outra propugnava a escola nova.
Romanelli (1986: 142-153) leciona o movimento renovador como já visto
anteriormente no capitulo I da pesquisa, caracterizou-se pela defesa da laicidade do
ensino; pela afirmação e pela expansão da escola pública, para oferecer ensino
gratuito, tornado obrigatório; pela igualdade de oportunidades, incluindo a dos sexos;
pela unificação dos diversos tipos de ensino. Os tradicionalistas, sobretudo, os
católicos criticavam os escola-novistas pela suposta defesa do monopólio estatal do
ensino e pela tentativa de exclusão do ensino religioso do currículo, alem de
eventuais restrições às liberdades mais gerais da proposta.
60
O patriotismo e as festas cívicas eram muito presentes no dia-a-dia do
governo Vargas. As escolas, os alunos e os professores eram muito envolvidos
nessas atividades. Além das atividades internas das escolas, realizava-se a grandiosa
Parada da Pátria, aos domingos ou a Parada da Mocidade com desfiles e
demonstrações de educação física (mostrando intensa dedicação, harmonia e
disciplina). Em 7 de setembro acontecia a Parada Militar na qual os alunos também
eram envolvidos. (GERTZ, 2005: 103)
Abstraindo do ensino normal, destinado á formação de professores, o governo
gaúcho pouco investiu em mudanças no ensino secundário. As escolas secundárias
gaúchas estavam quase todas ligadas e eram mantidas por instituições, em especial
instituições religiosas, e assim permaneceram, desde que atendessem aos ditames
legais, como a nacionalização. (ibid.: 105)
3.3 A abordagem local: o colégio Notre Dame
Ginasio Notre Dame é o nome oficial do estabelecimento de ensino no ano de
1923, data da sua vinda e instalação em Passo Fundo. Atualmente denominado
colégio Notre Dame. Seu objeto e fim é habilitar as alunas, por uma esmerada
educação cristã e sólida instrução cientifica, à sua futura posição social e à pratica
das virtudes civis e religiosas, como se pode verificar no anexo 3 (Regulamento do
Ginásio Notre Dame)
O colégio particular selecionado na cidade de Passo Fundo, região do
Planalto Médio foi escolhida para ser objeto da pesquisa, por se tratar de um
estabelecimento de ensino tradicional que está voltado ao educando e sempre atento
a uma sociedade, cujas mudanças e tendências influenciam na sua missão educativa.
Contamos ainda com o fato do colégio já estar instalado na cidade quando o país
passava por um período de transformações em vários setores, inclusive no setor
educacional, nos proporcionando assim uma análise crítica acerca de tais mudanças e
a conseqüente adaptação da instituição aos novos preceitos. O colégio Notre Dame
61
foi afetado pela Constituição Outorgada de 1937 e através dela (documentos e
arquivos analisados) veremos exemplos de adequações aos preceitos legais definidos
pelo Estado Novo.4
Em 1923, um grupo de Irmãs de Nossa Senhora (Notre Dame) naturais da
Alemanha, impulsionadas por ideais missionários decidiu abraçar a causa da educação
no Brasil. Após longa viagem por terra e mar, chegaram à estação ferroviária em Passo
Fundo, RS. Iniciaram dois núcleos de educação: Passo Fundo e Não-Me-Toque, como
verifica-se no anexo 2 (recorte do jornal Diário da Manhã- nov. 2006).
A pessoa jurídica Congregação de Nossa Senhora foi fundada em 5 de
novembro de 1938 na cidade de Passo Fundo, conforme Estatuto do DOE, RS, de
11.10.1966. Trata-se de uma associação de direito privado, de fins não lucrativos,
beneficente, filantrópica, educacional, cultural e de assistência social e à saúde.
(URBAN, 2005: 15)
O projeto político-pedagógico, segundo as Irmãs da Rede Notre Dame, é uma
trilha, carregada de sinais orientadores. Um caminho que em movimento desde o século
XIX, vem se alargando até os dias atuais, e prolonga-se no amanhã e continuamente.
Ainda no que tange aos pressupostos pedagógicos, as irmãs pressupõem que o
processo pedagógico tem como finalidade propor a fundamentação teórico-afetiva para
compreensão do conhecimento, comprometida com a aprendizagem. Nessa itinerância,
a pesquisa, o diálogo, a construção de regras coletivas, o respeito à autonomia e à
dignidade de cada um, a cidadania, o trabalho prazeroso e o lúdico são algumas das
expressões inerentes ao processo educacional.
Na visita feita ao Colégio Notre Dame, conversamos com a Irmã Elci Favaretto,
diretora do colégio, que em sua entrevista nos esclareceu que a proposta pedagógica do
colégio na atualidade, busca, gradativamente, avanços, destacando-se a reformulação do
currículo, aprimoramento do processo de avaliação, aumento da carga horária no ensino
médio, com inclusão de mais disciplinas e maior envolvimento de todos os integrantes
do processo educacional do colégio. O Notre Dame tem uma proposta pedagógica
firmada no desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes que visam às
grandes áreas do conhecimento, através da interdisciplinaridade, desenvolvendo uma
4
Neste período havia em Passo Fundo duas escolas estaduais, Protásio Alves e Escola Nicolau de Araújo
Vergueiro (ENAV). Era intenção inicial da pesquisa também levantar dados sobre as mesmas. No entanto
não foi possível em função de os documentos terem sido eliminados.
62
consciência ecológica, através da participação, investigação, reflexão e diálogo, com o
uso de novas tecnologias.
Porém, a Irmã frisou que essa proposta apenas foi se adequando ao correr do
tempo e às exigências da política educacional de cada governo e período, pois desde a
vinda em 1923 para Passo Fundo o Colégio Notre Dame segue essas premissas e tem a
preocupação primordial na formação social e profissional de seus discentes.
Para ela, o grande desafio da educação contemporânea é fazer com que o
processo de ensino e de aprendizagem faça sentido na vida do estudante, com valores
básicos para a convivência, valorizando a formação social e cultural do mesmo.
Estimular seu educando a aprender, para que use no seu dia a dia os conhecimentos
adquiridos e oportunizar a ele o desenvolvimento de competências, habilidades e
atitudes são ações que constituem o fazer pedagógico do Notre Dame. Além disso, a
integração família/colégio/estudante é buscada para a convivência e a partilha de
saberes que edificam o ser humano.
A missão da rede Notre Dame é interagir, com competência e compromisso, na
transformação da sociedade através da excelência educacional, formando pessoas
autônomas, conscientes de sua dignidade e comprometidas com o cuidado da vida e da
criação, testemunhas vivas de um Deus bom, providente e operoso.
A educação nas Escolas das Irmãs de Nossa Senhora visa:
•
Educar crianças, adolescentes e jovens segundo os valores do Evangelho;
•
Criar condições favoráveis à aprendizagem e à maturação da fé;
•
Oferecer um ensino adequado às necessidades do tempo e das culturas;
•
Preparar pessoas comprometidas com a transformação social;
•
Entregar à sociedade pessoas éticas, solidárias, responsáveis, criativas e
inovadoras;
•
Dar espaço e amor preferencial aos pobres.
A proposta pedagógica da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora
fundamenta-se nos seguintes princípios educacionais (URBAN, 2005: 15):
•
Bondade e amor providente de Deus – coração da educação Notre Dame
•
Dignidade da pessoa – imagem de Deus
•
Educador Notre Dame – testemunha do Mestre
•
Educação integrada e de excelência para a transformação
À luz dessa visão, as Irmãs de Nossa Senhora priorizam a excelência educativa.
A bondade unida à firmeza é uma marca característica de sua herança educacional.
63
Primam por um ambiente educativo agradável e facilitador do desenvolvimento e da
aprendizagem e educam para o cultivo da contemplação, da beleza e da Verdade.
Valorizam a unicidade e a diversidade de cada pessoa, escutam com respeito, estimulam
ao diálogo intercultural e religioso e desafiam a experiências de solidariedade,
enraizadas nos valores do Evangelho, nos ensinamentos da Igreja e na compreensão da
complexa realidade do mundo (ibid.).
Como resultado de sua ação pedagógica, a educação Notre Dame visualiza um
cidadão de valores, comprometido com o cuidado da vida e do planeta, critico-reflexivo,
voltado para a alteridade, capaz de descobrir o sentido da vida, de idealizar o projeto
pessoal e profissional e de contribuir ética e criativamente na construção de uma cultura
de justiça, paz e solidariedade.
O educando é o centro do processo do ensino e da aprendizagem. Em seu
desenvolvimento respeitam-se as características, as especificidades e os interesses de
cada etapa evolutiva. Os conhecimentos prévios e a realidade do contexto sócio-cultural
do educando, a problematização dos conteúdos, através de uma articulação entre teoria e
prática, a ação reflexiva, a iniciação à pesquisa e as tecnologias da informação e da
comunicação são eixos norteadores da metodologia de ensino. (URBAN, 2005: 25)
A avaliação, contínua e sistemática, tem o caráter de diagnosticar o desempenho
do educando, considerando o estilo e o ritmo de aprendizagem individual, de modo que,
a partir dos resultados obtidos, seja possível o planejamento e proposição de situações
de aprendizagem que o auxiliem na potencialização de suas capacidades.
Em 1924, o ano letivo recomeça em novo endereço. O rápido crescimento de
matriculas e a abertura de um internato, obrigou as Irmãs a procurarem uma casa mais
ampla e própria para colégio. Mudou-se para a Rua Bento Gonçalves, antigo Hotel
Franz, na quadra entre a Praça Marechal Floriano e Rua Osório. Neste ano, abriram-se
as portas para 110 alunas e 20 internas. Além do ensino primário eram administradas
aulas de piano, bordado e pintura, como também aulas de inglês, Francês e Alemão,
para quem o desejava.
Em 1927, duas professoras chegaram da Alemanha, Irmã M. Húmilis e Irmã M.
Catarina, que dirigiu a Escola por 26 anos consecutivos. Ano após ano crescia o número
de alunos e em 1929 devia-se pensar na construção de uma casa própria para o ensino.
Comprou-se o atual terreno situado á Avenida Brasil, com 42 metros de frente e 110
metros de fundos.
64
Passou, em 1930 a funcionar no grandioso edifício construído pela
Congregação, para esse fim. Em outubro de 1931 após uma rigorosa inspeção veio a
oficialidade do Ginásio Notre Dame. Em 1932 foi elevado à categoria dos
estabelecimentos de ensino secundário, sendo-lhe concedido, em 9 de dezembro de
1935, visando desenvolver sempre e cada vez mais o grau de cultura, contribuindo para
a formação de uma juventude útil a si e à sociedade, conseguiu a Direção em 1943,
junto a Secretaria de Educação e cultura, da capital do Estado, a criação do curso de
formação de professores primários, curso que funciona sob orientação de um fiscal
estadual. O número crescente de matrículas, tanto do curso ginasial como do primário,
obrigou a Congregação a construir mais uma ala do edifício, na qual, em março de
1944, começaram a funcionar as aulas do 1º ciclo do curso secundário. Em meados do
corrente ano letivo, requereu à Direção autorização para funcionamento condicional do
"colégio". O convênio com o Estado foi alterado, permitindo diplomar também
professoras leigas. Ainda em 1944 houve a primeira formatura de professores primários.
Formaram-se Walburga Schmnaedecke, Clara Waltermann, Emilia Florentina
Bechmann, Diva Maria Miotto, Hilda Pessot, Leda de Souza, Maria Kerpen e Helena
Piccoli Conti.
Na parte de organização administrativa, o estabelecimento é dirigido por uma
diretora, nomeada pela Madre Provincial da Congregação. Será ajudada por uma
tesoureira e por uma secretária. São atribuições da diretora, despachar os requerimentos
de matrículas e de exames; recusar as alunas que julgar conveniente; suspender, a bem
da disciplina ou da moral, as alunas que faltarem gravemente contra elas; reunir o corpo
docente, quando julgar conveniente; presidir qualquer reunião das diferentes comissões.
Cabe à tesoureira, efetuar a receita das alunas; efetuar os diferentes pagamentos;
substituir a Diretora em caso de impedimento propor as modificações a serem feitas nas
instalações do estabelecimento e o respectivo orçamento. Para a secretária, cabem as
funções de responder pelo expediente da secretaria; ter em dia toda a documentação
oficial e tomar as medidas exigidas pela fiscalização para o bom andamento de todos os
serviços da própria repartição.
O regime do colégio é externato e internato para frequência feminina. Sua
capacidade limite é de no máximo 500 (quinhentos) alunos. Nos turnos da manhã estão
dispostos os cursos ginasial e colegial e no turno da tarde, os cursos primário e de
formação de professores.
65
Segundo Urban (2005:29), o corpo docente deste estabelecimento de ensino é
composto por membros da Congregação das irmãs de Nossa Senhora, nomeadas pela
Madre Provincial. Os profissionais da Rede Notre Dame são captados mediante a
análise de currículos, entrevistas ou indicações. A fidelização se dá mediante a adesão à
missão, aos princípios e à visão da instituição já mencionados anteriormente. A
fidelização dos seus lideres e profissionais é segredo para sua relevância social e
cultural, para o sucesso, continuidade e realização da missão.
Os deveres das professoras podem se resumir em preparar convenientemente
todas as suas aulas por meio do estudo pessoal aperfeiçoado; corrigir convenientemente
todos os trabalhos escolares para o maior aproveitamento das alunas; ter assiduidade e
pontualidade ao regulamento traçado; lecionar, de acordo com os melhores métodos,
todo o programa da respectiva disciplina nas diferentes séries; tratar as alunas com toda
delicadeza e dedicação, conforme constata-se no mesmo anexo 3 (Regulamento do
Ginásio Notre Dame)
As professoras têm o direito de exigir o respeito devido e o trato conveniente por
parte das alunas, colegas e direção. A congregação das irmãs de Nossa Senhora,
aceitando os membros no seu seio, assume a responsabilidade de ocupar-se de todas as
necessidades materiais e intelectuais das mesmas, não exigindo delas senão o
cumprimento exato de seus deveres como professoras e religiosas e às quais ela
proporcionará descanso em caso de velhice ou de doença.
As professoras leigas, dado caso que haja necessidade de pedir a cooperação
respectiva, serão contratadas e receberão os vencimentos de acordo com as leis vigentes.
A Congregação das professoras reunir-se-á, ordinariamente,por ocasião da
abertura das aulas e no fim do ano escolar; extraordinariamente, quando o julgar
conveniente a diretoria ou a maioria dos membros da própria congregação. Nessas
reuniões poderá ser tratado qualquer outro assunto de importância. No inicio do ano
serão nomeadas as diferentes comissões que serão divididas em comissão científica,
que tomará todas as medidas para o desenvolvimento cultural e científico das alunas,
desenvolvendo o gosto pela leitura, pelo estabelecimento de biblioteca; o gosto literário,
pela função de academias e o artístico pelo teatro e festas escolares; comissão esportiva
para o aperfeiçoamento da raça mediante a pratica racional dos diferentes esportes.
Promoverá certames atléticos entre as próprias alunas, festas esportivas, etc; e comissão
religiosa, que terá a seu cargo o desenvolvimento das qualidades superiores da raça por
66
meio da prática da caridade em associações de beneficência. A ela está afeto o
brilhantismo exterior das festas religiosas do estabelecimento.
Em 1941, o jornal O Nacional de Passo Fundo, publica que o Notre Dame é um
dos melhores ginásios femininos do Estado, possuindo como educadoras, as freiras
vindas da Europa e Estados Unidos, as quais possuem títulos universitários. O internato
recebeu elogios do Ministério da Educação, como sendo digno de figurar não apenas em
Passo Fundo, mas nas grandes capitais do País. (vide anexo 4)
Em 1942, o mesmo jornal publica noticia de que o estabelecimento de ensino
feminino é um dos principais colégios da cidade, dirigido pelas Irmãs de Notre Dame.
Nos dias de festa cívica quando se realizam desfiles escolares, a cidade se sente
orgulhosa de possuir estabelecimento de ensino como o Ginásio Notre Dame, pela
uniformidade e distinção que o mesmo costuma apresentar em suas formaturas.(vide
anexo 5)
Desde a sua fundação o movimento de matrículas anuais nos cursos primário e
secundário do Ginásio Notre Dame, foi o seguinte:
Tabela 4: quadro geral de matrículas no ano de 1942
ANO
NÚMERO DE MATRICULAS
1926
149
1927
132
1928
117
1929
140
1930
152
1931
160
1932
205
1935
275
1936
281
1937
287
1938
285
1939
311
1940
301
1941
308
1942
320
Fonte: O nacional (1942)
67
Por esses dados estatísticos (O Nacional, 1942) constata-se que milhares de
meninas deste estabelecimento e de outros municípios vizinhos receberam instrução e
educação religiosa no Ginásio Notre Dame, desta cidade.
No ano de 1943 houve a colação de grau das alunas da 4ª série do Ginásio Notre
Dame e o discurso pronunciado pelo paraninfo professor Antonio Donin foi publicado
pelo O Nacional, conforme verifica-se no anexo 6.
A conclusão dos estudos secundários de primeiro ciclo se verificará pelos
exames de licença. Serão admitidas a prestar exames de licença as candidatas para este
efeito devidamente habilitadas. Os exames de licença obedecerão ao disposto nos
artigos. 56, 60, 61, 62, e 65 do decreto- lei, supra- mencionado. Às alunas que
concluírem o curso ginasial conferir-se-ia o certificado de licença ginasial. (vide anexo
7)
As contribuições, exigidas das alunas, eram módicas e cobradas com as normas
fixadas pelo Ministério da educação. Determinada percentagem de lugares gratuitos e de
contribuições reduzidas para alunas necessitadas eram preservadas anualmente.
Os casos omissos no regimento e que possam surgir no decorrer da vigência do
mesmo, serão resolvidos por maioria de votos na reunião da congregação,ou, quando
resolvidos por lei ou decreto do governo Federal, serão adotadas as decisões federais.
Todas as disposições contidas no presente regimento, e que por ventura sejam contrárias
ou atentatórias a qualquer disposição legal vigente, serão "ipse facto" consideradas
como não existentes.
O estabelecimento admitirá alunas externas, internas e semi-internas. Os
principais deveres das alunas eram respeitar a todas as professoras indistintamente;
tratar as suas colegas com distinção e amabilidade; frequentar as aulas , e, em caso de
faltas, trazer desculpa que as justifique; executar, com esmero e atenção, os trabalhos
indicados pelas professoras,para serem feitos parte neles, quando assim julgar oportuno
a direção; sujeitar-se estritamente ao regulamento disciplinar da escola; respeitar as
opiniões políticas e religiosas das suas colegas, para evitar desavenças sempre
prejudiciais. Às alunas que concluintes do curso ginasial conferia-se o certificado de
licença ginasial.
Tabela 5: Quadro horário das aulas
2ª FEIRA 3ª FEIRA
4ª FEIRA
Latim
Matemática Português
Português
Latim
Historia
5ª FEIRA
Matemática
Latim
6ª FEIRA
Português
Historia
SÁBADO
Matemática
Latim
68
Geografia
Química
Física
Geografia
Português
Química
Física
Historia
Química
Historia
Geografia
Historia
natural
natural
natural
Na terça-feira a tarde ainda eram ministradas aulas de desenho e ginástica. E na
quinta-feira, no turno da tarde havia aula de física e química.
Fonte: arquivo passivo do colégio Notre Dame- Passo Fundo.
Tabela 6: Quadro das disciplinas do 1º e 2º ano técnico pedagógico dos anos 1943 e
1944
DISCIPLINAS
1º ANO TÉCNICO PEDAGÓGICO
2º ANO TÉCNICO PEDAGÓGICO
1943
1944
Biologia Geral
Biologia Educacional
Desenho e Artes Aplicadas
Didática e Prática da Ed. Primária
Estatística
Filosofia da Educação e ética Educacional
História da Educação
Iniciação á Ciências da Educação
Música e Canto Orfeônico
Psicologia Experimental
Psicologia da criança e Psic. Educacional
Psicologia Educacional
Sociologia Geral e Educacional
MÉDIA DA SÉRIE: 9,5
MÉDIA GLOBAL: 9,5
Fonte: arquivo passivo do colégio Notre Dame- Passo Fundo.
Nos cursos primário e secundário segue-se o mesmo esquema de horários e
disciplinas de acordo com o curso
A candidata a exames de admissão, deverá satisfazer as seguintes condições:
a) ter pelo menos onze anos, completos ou por completar até o dia 30 de junho,
b) ter recebido satisfatória educação primária,
c) apresentar prova de não ser portadora de doença contagiosa e de estar
vacinada.
Não serão admitidas candidatas que forem reprovadas em exame de admissão
em outro estabelecimento na mesma época. A concessão de matrícula dependerá,
quanto a primeira série, de ter a candidata satisfeito as condições de admissão, e, quanto
as outras, de ter ela conseguido suficiência na série anterior e apresentado prova de não
ser portadora de doença contagiosa e de estar vacinada.
69
Mensalmente, de abril a novembro, será dada, em cada disciplina , e a cada
aluna, pela respectiva professora, uma nota resultante da avaliação de seu
aproveitamento por meio de exercícios realizados em aula. Se, por falta de
comparecimento, não se puder apurar o aproveitamento de uma aluna, ser-lhe-á
atribuída nota zero.
Tabela 7: Quadro geral de matrículas no ano de 1934
CURSOS
PRIMARIO
SECUNDÁRIO
FEMININO
FEMININO
37
22
1ª SÉRIE
35
18
2ª SÉRIE
36
13
3ª SÉRIE
37
8
4ª SÉRIE
32
5ª SÉRIE
Fonte: Arquivo passivo do colégio Notre Dame, Passo Fundo.
COMERCIAL
FEMININO
-
Os exames de suficiência tem por fim habilitar a aluna de qualquer série para
promoção à série imediata; habilitar a aluna da última série para prestação dos exames
de licença. Os exames de suficiência de cada disciplina compreenderão, no caso de
habilitação para efeito de promoção, uma primeira e uma segunda prova parcial e uma
prova final,e no caso de habilitação para efeito de prestação da prova parcial. Na
execução das provas e seu julgamento serão observadas as prescrições dos arts. 48, 49,
50, 51 e 52 do decreto-lei número 4244, de 9 de abril de 1942.
O curso ginasial terá a duração de quatro anos e abrangerá o ensino das
seguintes disciplinas:
Tabela 8: Quadro das disciplinas de 1ª a 4ª série no ano de 1942 no colégio Notre Dame
DISCIPLINAS
1ª SÉRIE
2ª SÉRIE
3ª SÉRIE
4ª SÉRIE
Português
Português
Português
Português
Latim
Latim
Latim
Latim
Francês
Francês
Francês
Francês
Matemática
Inglês
Inglês
Inglês
Historia geral
Matemática
Matemática
Matemática
Geografia geral
Historia geral
Ciências naturais
Ciências naturais
Trabalhos manuais Geografia geral
Historia do Brasil
Historia do Brasil
Desenho
Trabalhos manuais
Geografia do Brasil Geografia do Brasil
70
Canto orfeônico
Educação física
Religião
Desenho
Canto orfeônico
Educação física
Religião
Canto orfeônico
Educação física
Economia
domestica
Religião
Desenho
Canto orfeônico
Educação física
Economia
domestica
Religião
Fonte: arquivo passivo do colégio Notre Dame
As aulas funcionam das 8hs as 12h e 50 min. As sessões de educação fisica
realizam-se , de tarde no campo de esportes. Os trabalhos escolares não excedem a vinte
e oito horas semanais. O plano de distribuição de tempo em cada semana é matéria do
horário escolar, que será fixado pela direção do estabelecimento, antes do inicio do
período letivo, observadas as determinações dos programas, quanto ao número de
aulas semanais de cada disciplina e de sessões semanais de educação física. Os horários
de cada série submetidos á aprovação do inspetor, não podendo ser afixados ou
fornecidos ás alunas sem o seu visto.
No que tange ao regime disciplinar, verifica-se que o método preventivo é o que
melhor resultado deu, devendo ser adotado pelo estabelecimento, de acordo com a
tradição das irmãs da congregação de nossa senhora, que em todo tempo o seguiram
com toda a vantagem.
A emulação é promovida e animada pelas sanções de proclamação mensal das
notas de aplicação e procedimentos: concursos mensais; postos de honra nas diversas
aulas; boletins mensais, enviados aos familiares; inscrição no quadro de honra; prêmio
de honra.
As penalidades aplicáveis às alunas são de advertência particular, feita pela
professora; advertência particular, feita pela direção; advertência pública; suspensão por
um ou mais períodos letivos; expulsão do estabelecimento.
Dentre os documentos pesquisados durante a visitação na escola, obteve-se
cópia da ata no 1 de 25 de abril de 1944, realizada pelo corpo docente do curso
primário, presidida por Leticia Lago, professora do curso Normal e regente da cadeira
de didática e prática, onde diferentes e importantíssimos assuntos sobre o ensino foram
discutidos, como por exemplo,
o curso técnico-pedagógico que funcionava na
instituição e o curso primário que tinha por finalidade ser um campo de experimentação;
o direito das normalistas para suas aulas práticas de tomarem conta dos cursos
primários, sendo que a professora continuará a matéria iniciada pelas normalistas a fim
71
de não se prejudicar as alunas. O direito das professoras de se dirigirem à Irmã M.
Teresinha, que é assistente de fiscal, sempre que tiverem dúvidas ou ainda para
apresentarem suas sugestões. E ainda, a obrigação das normalistas em conhecer a
organização do ensino moderno, portanto devendo a mestra do curso primário por em
prática a didatica e estude o metodo de projetos, vez que o nome da escola será levado
para fora da escola. Os feriados deveriam ser trabalhados com no minimo uma semana
de antecedencia, formando-se o programa de unidade didatica. A escalação de duas
normalistas para prepararem as horas civicas, trabalhando com suas professoras e
tirando o assunto dos trabalhos de classe, nunca escolhendo as mesmas pessoas e sim
preparando os elementos menos aptos.nos sábados haverá uma hora de lleitura,
devendo-se aproveitar os livros da biblioteca escolar. (vide anexo 8)
Nas Conferências realizadas no início dos anos letivos de 1940 e 1941, são
baicadas algumas resoluções, como a observação do silencio nas fileiras, especialmente
ao sairem do colegio, devendo a professora acompanhar a fileira até a porta; durante o
recreio e no fim da aula, as portas fechadas a chave, sendo que nem por castigo uma
aluna pode ficar nas aulas sem a vigilancia da professora; a porta geral fechada a chave
as 9horas da manhã, ao meio dia e as 15horas da tarde; os aventais devem ser feitos o
quanto antes e com o devido comprimento; não se tolera alunas com unhas pintadas; no
dia do professor as alunas podem fazer homenagens comuns às suas professoras; as
notas de comportamento das alunas devem ser escritas no quadro negro; devem guardar
em boa ordem o material didatico; cada professora deve cuidar para que as alunas sejam
economicas. Nota-se aqui a forte disciplina imposta ao corpo discente demonstrando na
prática um dos componentes ideológicos da reforma de então. (vide anexo 9)
Em um comprovante de provas finais do ano de 1945 da 5a série, em ata datada
de 23 de novembro de 1945, é possível verificar que o currículo da escola abrangia as
matérias de linguagem, matemática, história, geografia e ciências, antecipando a
organização curricular de disciplinas obrigatórias a que alude o artigo 7o do Decreto-lei
no 8.529/46. (vide anexo 10)
Urban (2005:35-36) nos explica que, o curriculo proposto nas Escolas Notre
Dame considera que o aprendente e o ensinante estão inseridos numa sociedade em
constates mudanças e transformações. E insere no processo de planejamento
participativo a comunidade educativa, como os pais, os ensinantes, os aprendentes e
funcionários. E ainda temas como ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde,
trabalho e consumo fazem parte do curriculo.
72
E por derradeiro, cabe aqui a sábia colocação de Morin (2002:51), que o
desenvolvimento da humanidade como individuo, sociedade e espirito, como cerebro,
cultura e mente, como razão, afetividade e pulsão norteia a integração tecnologica,
mental, social e cibernetica. Acompanhando esse processo, a Rede de Educação Notre
Dame integra-se no mundo sem fronteiras, para tornar o bom Deus mais conhecido e
amado, segundo as palavras de Santa Júlia Billiart.
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de conclusão, cabe destacar, de acordo com a proposta orientadora deste
trabalho, os projetos do Ministério da Educação e Saúde, que estavam voltados
especificamente para a dimensão nacionalizante da educação. Estes projetos, marcados
por um discurso preocupado com a construção da nacionalidade, com a valorização da
brasilidade, pela afirmação da identidade nacional brasileira, — voltada esta última para
a própria construção da identidade do homem trabalhador e para a delimitação do que
seria nacional —, enfatizavam a dimensão estratégica da educação. Neste sentido, um
obstáculo a ser vencido era o de combater o regionalismo, por meio da padronização do
ensino, da centralização das atividades escolares, da unicidade dos programas e
materiais escolares, etc, ações condizentes com a perspectiva de criação de uma
educação em bases nacionais.
O colégio Notre Dame localizado no interior do Estado do Rio Grande do Sul, na
cidade de Passo Fundo, no período do Estado Novo, como foi possível concluir com a
pesquisa, se amoldou aos novos preceitos da educação impostos pelo período e pelas
Reformas de Capanema no ensino secundário e profissionalizante, valorizando a
educação cívica nacionalista para o engrandecimento da nação. Foram objetivos deste
trabalho identificar a conjuntura na qual se inseriu a reforma de ensino proposta pelo
ministro Capanema e identificar os mecanismos utilizados pelo colégio selecionado para
adequar-se a essas determinações.
74
Os ideais nacionalistas e autoritários do Estado Novo inspiraram as diretrizes do
Ministério da Educação. ‘A educação não pode ser neutra no mundo moderno’, segundo
comentário do próprio Capanema em 1938. Pela Constituição de 1937, torna-se
obrigatórias a disciplina do ensino cívico. Encarada como instrumento de formação das
massas, a educação no Estado Novo orienta-se para fazer das gerações futuras um todo
homogêneo e coeso, sabendo mandar e obedecer.
A política educacional do Estado Novo valorizou o ensino técnico-profissional,
concretizando uma antiga aspiração. Ao mesmo tempo, colocou a escola secundária no
ápice do sistema, fortalecendo um velho dualismo. O relevo dado ao ensino profissional
atendia as intenções da Carta de 1937, bem como aos diversos pronunciamentos de
Vargas, que sempre deram ênfase à profissionalização. Atendia ainda a política de
industrialização posta em prática por Getúlio. Já a escola secundária amparada numa
filosofia perenialista, foi sobretudo, uma conquista do grupo católico. O privilégio dado
à escola correspondia também, aos interesses da aristocracia da Velha República, que
continuava presente, e bem assim, aos interesses da jovem burguesia industrial e
comercial que, no fundo, reivindicava os mesmos privilégios da aristocracia.
As Leis Orgânicas representam historicamente, o momento mais alto de
sistematização da educação brasileira até então. Uma sistematização bastante
minuciosa, que abrangia até mesmo os mínimos detalhes de natureza didáticopedagógica. Eram excessivamente centralizadas, como tudo que se fez no Estado Novo.
Esta característica conflitava com o ritmo de modernização da sociedade brasileira, que
demandava um tipo de educação menos convencional e mais flexível.
O Estado Novo foi um período marcado por várias mudanças, entre elas e senão
a mais importante, a reforma do ensino. Para Capanema, a educação moral e cívica era o
instrumento de amplificação da influencia do governo que se cerra e se completa o ciclo
da educação individual e coletiva e é por ela que se forma o caráter dos cidadãos,
infundindo-lhes não apenas as preciosas virtudes pessoais senão também as grandes
virtudes coletivas que formam a têmpera das nacionalidades - a disciplina, o sentimento
do dever, a resignação nas adversidades nacionais, a clareza nos propósitos, a presteza
na ação, a exaltação patriótica.
Considerando-se os fatos históricos relacionados e a situação legal imposta na
década de 1940, com especial interesse na Reforma Capanema, nota-se a importância da
educação para a sociedade e observa-se que a separação entre trabalho manual e
trabalho intelectual, existente desde os primórdios da civilização brasileira continuou,
75
agora plenamente legalizada. Os cursos profissionais, voltados à realização de trabalhos
manuais, estavam destinados, segundo a Constituição de 1937, às camadas mais pobres
da população, e possuíam o requinte de serem considerados terminais, havendo
restrições para o prosseguimento nos estudos superiores. Por outro lado, o curso
secundário era destinado aos “dirigentes” da nação, agraciados com o direito de
continuação dos estudos em qualquer curso superior. Isso caracterizou a dicotomia
social explicitada pela reforma, que protegia os abastados, oferecendo-lhes melhores
oportunidades, enquanto obrigava os pobres a parar os estudos ou seguir precocemente
uma profissão que carregaria para o resto de sua vida.
Observa-se também, a tentativa de se reproduzir o pensamento das elites da
época, através da escola, o que bem representa a idéia de que a escola funciona como
um aparelho ideológico de Estado. No caso da reforma do secundário, a ideologia
dominante permeou todo o texto legal, com o objetivo de formar as elites dentro das
idéias fascistas, garantindo, assim, a manutenção do poder.
No período abordado (Estado Novo), embora a Constituição determinasse, o
ensino profissionalizante não ocupou lugar destacado na educação em geral,
permaneceu como destinado às pessoas menos favorecidas. Mais privilegiado foi o
ensino secundário que era a porta que conduziria à tão sonhada ascensão social que era
o ensino superior.
Dessa forma, a preocupação com a moral, o civismo e responsabilidades trazem
para a esfera educacional os objetivos propostos pelo Estado Novo, a valorização da
auto imagem do brasileiro e a criação de uma identidade nacional. O colégio Notre
Dame foi um dos poucos no interior do estado do Rio Grande do Sul a estar com suas
portas abertas durante o Estado Novo de Vargas e portanto, fazia parte das instituições
de ensino que precisariam se adaptar para poder continuar desenvolvendo seu trabalho.
O colégio permanece em funcionamento até hoje e nos foi possível concluir que além de
canalizar na época as mudanças e acompanhar as exigências curriculares e
administrativas, até hoje tem a preocupação e investe na educação totalmente integrada
ao seu próprio slogan que diz: “Educação sem fronteiras”.
Em outras palavras isso significa dizer que o colégio entende que a prática
educativa é um processo complexo que envolve determinantes múltiplos e variáveis,
como os recursos didáticos e curriculares do tempo e do espaço.
As escolas precisam sempre e a qualquer tempo aplaudir o governo em poder ou
fatalmente deixarão de existir. Percebemos que o colégio Notre Dame aceitou as
76
reformas Capanema e as pôs em prática, e mais, o colégio, segundo as palavras da
própria Irmã, diretora e se mantém em constante atualização, conforme as regras que lhe
são ditadas. E ainda hoje resquícios do período chamado Estado Novo são visíveis. Por
exemplo, podemos citar, a preocupação incansável com a profissionalização de seus
clientes, ou seja, fazer com que saíam da escola com uma perspectiva de futuro, com um
campo de trabalho promissor.
Analisados os documentos fornecidos pelo colégio, não há nada que se possa
dizer da não obediência ao poder centralizado da época, no que se refere à exigência das
leis orgânicas impostas através do Ministro da Educação. Foram elas observadas e
obedecidas a rigor da época. Nesse período a especial atenção era dispensada à
profissionalização dos discentes e ao civismo e patriotismo por parte dos mesmos. Essas
manifestações patrióticas consistiam em elementos importantes na preservação da
ordem e na legitimação de uma unidade social. Estudar a História da Pátria era uma
causa eminentemente cívica, formadora de uma consciência nacional. Através do
conhecimento do passado, os indivíduos criariam e reafirmariam o seu apego à
nacionalidade, à pátria. E o colégio por sua vez, foi elogiado pelo jornal Diário da
Manhã, O Nacional, além de receber elogios por sua postura nos desfiles e festas cívicas
do próprio Ministério da Educação.
Por todo o contexto discutido, concluiu-se que a problemática e a hipótese
questionada na pesquisa foram confirmadas, ou seja, as mudanças da política
educacional do período do Estado Novo existiram e o colégio Notre Dame canalizouas e se amoldou, alias a pedagogia da rede é de estar sempre atento e acompanhando
as constantes transformações sociais, levando aos seus educandos uma educação sem
fronteiras. Até hoje são visíveis esses resquícios, dentre os quais podemos citar
aqueles que foram pertinentes no trabalho, como a constante preocupação com a
profissionalização dos discentes e a instigação do sentimento de civismo e
patriotismo nos mesmos.
77
ACERVOS
CPDOC, Arquivo Gustavo Capanema, GC 38.08.09 (I-3).
LEGISLAÇÃO
BRASIL, Decreto-lei nº 4.244, de 09 de abril de 1942: Lei orgânica do ensino
secundário. http://www.soleis.adv.br
BRASIL, Decreto-lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, Cria o Serviço Nacional de
Aprendizagem dos Industriários (SENAI) http://www.soleis.adv.br
BRASIL, Decreto-lei nº 4.073 de 30 de janeiro de 1942, Lei Orgânica do Ensino
Industrial. http://www.soleis.adv.br
REFERENCIAS
ABREU, Luciano Aronne de. O Rio Grande Estadonovista: interventores e
interventorias. São Leopoldo: UNISINOS, 2005, tese de doutorado.
AMARAL, Adriana Facina Gurgel. Uma Enciclopédia à Brasileira: O Projeto
Ilustrado de Mário de Andrade. Dissertação de Mestrado. Departamento de História
da PUC-Rio, 1997.
AVANCINI, Maria M. P. Nas tramas da fama: as estrelas do radio em sua época
áurea, Brasil, anos 40 e 50. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Campinas - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas-SP, 1996.
78
BARBOZA, Marilena Ramos. A “geração Capanema” contesta nos anos 60.
Disponível
em:<
http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/1998/autor/Marilena%20Ramos%20Barboz
a.doc> Acesso em 18/06/2009.
BASTOS, Maria Helena Câmara. A revista do ensino no Rio Grande do Sul (19391942): O Novo e o Nacional em Revista. Pelotas: Seiva, 2005.
BOMENY, Helena M. B. Três decretos e um ministério: a propósito da educação no
Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de
Janeiro: FGV, 1999.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
CAPELATO, Maria Helena. "O Estado Novo: O que trouxe de novo?" in
FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Organizadores. O Brasil
Republicano – O Tempo do Nacional Estatismo do Início da Década de 1930 ao
Apogeu do Estado Novo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003.
CAROLA, Carlos Renato, In: SOUZA, Rogério Luiz de, KLANOVICZ [org.],
História:
trabalho,
cultura
e
poder.
Florianópolis,
ANPUH/SC,
PROEXTENSÃO/UFSC, 2004.
CUNHA, Célio da. Educação e autoritarismo no Estado Novo. São Paulo: Cortez,
Autores Associados, 1981.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Políticas atuais para o ensino médio e a educação
profissional de nível técnico: problemas e perspectivas. In: ZIBAS, M.L. Dagmar,
AGUIAR, Márcia Ângela da S.,BUENO, Maria Sylvia Simões (orgs.). O Ensino
Médio e a Reforma da Educação Básica. Brasília: Ed. Plano, 2002.
DAIBERT, Mariângela de Lara Moraes. Pioneiros da ‘Escola Nova’ no Brasil:
Fernando Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho. Disponível em:<http://srvnutic.faef.edu.br/forms/revistasociais/resumo01.pdf > Acesso em 10/07/2009.
D’ARAUJO, Maria Celina. A era Vargas. 2ªed. reform. São Paulo: Moderna, 2004.
DINIZ, Eli. O Estado Novo: estrutura de poder e relações de classes. In: FAUSTO,
Boris (org.). O Brasil Republicano III. São Paulo: DIFEL, 1981.
FAUSTO, Bóris. A revolução de 30: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense,
13ª ed., 1994.
FAVORETO, Aparecida. Uma análise histórica da concepção de progresso no
Projeto Educacional de Anísio Teixeira. Universidade Estadual de Maringá, Mestrado
em Educação,1998. (Dissertação de Mestrado)
FEE – Fundação de Economia e Estatística – Governo do Rio Grande do Sul. A Política
Social Brasileira: 1930 – 64. Porto Alegre: FEE, 1983.
79
FUCCI AMATO, Rita de Cássia. Cultura musical e pianística nacional: seus
crescendos e diminuendos. In: ______. Memória musical de São Carlos: retratos de
um conservatório. 2004. Tese (Doutorado em Educação [Fundamentos da Educação]) –
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.
FGV-CPDOC. Escola de Ciências Sociais e História da Fundação Getúlio Vargas. Anos
de Incerteza (1930 - 1937) Os Intelectuais e o Estado. Desenvolvido pelo Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Disponível em:<
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/IntelectuaisEstado>
Acesso em 16 ago. 2009.
GALLO, Anita Adas. A noção de cidadania em Anísio Teixeira. Disponível em:<
http://www.anped.org.br/reunioes/24/P0251803934623.rtf> Acesso em 19/10/2009.
GERTZ, René Ernani. Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed.
Universidade de Passo Fundo, 2005.
GHIRALDELLI JR., Paulo. História da Educação. São Paulo: Cortez, 2006.
GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no
Estado Novo. São Paulo: Marco Zero/CNPQ, 1990.
Governos
brasileiros
(1945-1954).
Disponível
em:<
http://br.geocities.com/vinicrashbr/historia/brasil/governosbrasileiros19451964.htm>
Acesso em: 05/02/2009.
MANFREDI, Silvia Maria. Educação Profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002
MENEZES, Sergio Simões. A música inconsciente na educação musical dos anos 30.
1995. Dissertação (Mestrado em Música [Educação Musical]) – Centro de Pósgraduação, Pesquisa e Extensão, Conservatório Brasileiro de Música, Rio de Janeiro.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi de...[et al.]. Estado Novo – ideologia e poder. Rio de Janeiro,
Zahar Editores, 1982.
PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. RJ: Editora da FGV, 1999.
PILETTI, Nelson. História da educação no Brasil. 6.ed. São Paulo: Ática, 1996.
REZNIK, Luis. Tecendo o amanhã: a História do Brasil no ensino secundário –
programas e livros didáticos. 1931 a 1945. Niterói/RJ: Universidade Federal
Fluminense, 1992.
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da Educação Brasileira: a organização
escolar. 18 ed. Campinas: Editora Autores Associados, 2003.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 56ª ed. Petrópolis:
Editora
Vozes, 2001.
80
SANTOS, Ana. A Estética Estadonovista: um estudo acerca das principais
comemorações oficiais sob o prisma do Cine-Jornal Brasileiro. Dissertação de
Mestrado. Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas Campinas: Unicamp, 2004.
SAVIANI, Dermeval. O Legado Educacional do Século XX no Brasil. Campinas,
Autores Associados, 2004.
SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria
Ribeiro. Tempos de Capanema. SP: Paz e Terra: fundação Getúlio Vargas, 2000.
SCHWARTZMAN, Simon, ed. 1982. Estado Novo, um auto-retrato (Arquivo
Gustavo Capanema). Brasília: Editora Universidade de Brasília.
________________. *XVWDYR &DSDQHPD H D HGXFDomR EUDVLOHLUD XPD
LQWHUSUHWDomR 3XEOLFDGR QD UHYLVWD %UDVLOHLUD GH (VWXGRV 3HGDJyJLFRV
PDLRDJR
SOUZA, Márcio. Fascínio e repulsa: Estado, cultura e sociedade no Brasil. Funarte:
Rio de Janeiro, 2000.
SUAIDEN, Emir José. A biblioteca pública no contexto da sociedade da
informação. Ciência da Informação, v. 29, n. 2, maio/ago. 2000.
TEIXEIRA, Anísio. Pequena introdução à filosofia da educação: escola progressiva
ou a transformação da escola. São Paulo: Melhoramentos, 1968.
URBAN, Maria Lourdes. Processo de conhecimento em Julia Billiart. 2 ed. Passo
Fundo: Berthier, 2003.
____________________.Projeto político-pedagógico. Rede de Educação Notre Dame.
Passo Fundo: Gráfica Editora Berthier, 2006.
VARGAS, Getúlio, Discursos 1903-1929. Série Perfis Parlamentares, volume 2, Porto
Alegre, ALRS/Corag, 1997.
VELLOSO, Mônica Pimenta. O Modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA,
Jorge e
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano: O Tempo do
Liberalismo Excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo (1937-1945). Disponível
em: < http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/37.pdf> Acesso em 27/07/2009.
VILLA-LOBOS, Heitor. Villa-Lobos por ele mesmo/ pensamentos. In: RIBEIRO, J. C.
(Org.). O pensamento vivo de Villa-Lobos. São Paulo: Martin Claret, 1987.
XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. Capitalismo e escola no Brasil: a
constituição do liberalismo em ideologia educacional e as reformas do ensino
(1931-1961). Campinas: Papirus, 1990.
81
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Editora Artes
Médicas Sul Ltda., 1998.
ZOTTI, Solange Aparecida. O ensino secundário nas reformas Francisco Campos e
Gustavo Capanema: Um olhar sobre a organização do currículo escolar. 1.
Políticas
educacionais
e
movimentos
sociais.
Disponível
em:<
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuaiscoautorais/eixo01/Solange%20Aparecida%20Zotti%20-%20Texto.pdf> Acesso em
10/07/2009.