Nº 1 - 2008/2 - Colégio Jardim Anchieta

Transcrição

Nº 1 - 2008/2 - Colégio Jardim Anchieta
Dandelion é uma publicação semestral do
Colégio Jardim Anchieta. As opiniões emitidas
são de responsabilidade dos autores.
É permitida a reprodução dos artigos desta
revista, desde que citada a fonte.
Comissão de pareceristas
Ana Paula D. Köhler Zanella
Carmem Dresch
Chirlei Lima
Eduardo Mendes Silva
Conselho Editorial
Ana Paula D. Köhler Zanella
Eduardo Mendes Silva
Revisão
José Vendelino Köhler
Projeto Gráfico
Eduardo Mendes Silva
Impressão e Acabamento
POSTMIX Soluções Gráficas
www.postmix.ind.br
EDITORIAL
Ana Paula D. Köhler Zanella
Pedagoga, Pós-graduada em Gestão da
Administração Escolar, diretora do CJA há
17 anos e instrutora do curso Gerencial da
Rede Pitágoras de Ensino para a Região Sul.
Com o objetivo de estimular o fortalecimento, a ampliação e o
crescimento da produção acadêmica na temática da educação em
diferentes áreas do conhecimento, valorizando práticas e experiências
educativas de qualidade, que possam servir de modelo para outros
profissionais, a revista Dandelion se apresenta nesta sua segunda
edição.
Já no seu número de estréia pudemos perceber a aceitação e
repercussão desta publicação, pois o trabalho científico ofertado à
comunidade gerou uma ampla discussão sobre os vários “olhares
educacionais” apresentados na revista.
Nosso intuito é o de gerar aos leitores a oportunidade da aquisição de
novos conhecimentos capazes de influir no aprimoramento de suas
práticas, fomentando e reconhecendo as melhores experiências
científicas que visam o desenvolvimento de estudos e pesquisas na área
de educação, possibilitando uma reflexão dos profissionais com
atuação prática de sala de aula.
Tiragem
30 exemplares - Distribuição Gratuita
Direção
Ana Paula K. Zanella
[email protected]
Coordenação Pedagógica
Carmem Dresch
[email protected]
EDITORIAL
Eduardo Mendes Silva
Técnico em Informática, bacharel em Design,
graduando de Pedagogia e aluno do programa
de pós-graduação em Gestão Escolar da
Rede Pitágoras. Professor e Coordenador de
Comunicação do Colégio Jardim Anchieta.
Chirlei Lima
[email protected]
Coordenação Administrativa
Daniela Machado
[email protected]
Coordenação de Comunicação
Eduardo Mendes Silva
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Secretaria
Georgea Bonelli
Luciane de Miranda
Juliana de Oliveira Cardoso
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Contato
Rua Abílio Costa, 69 - Santa Mônica
Fpolis /SC - CEP: 88037-150
(48) 3234-5174 / 3028-0225
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Conforme anunciado em nosso "nº ZERO", a cada edição, um
convidado abre a sessão de artigos. Desta vez, contamos com a
contribuição do Professor Marcelo Cunha da Paz, diretor do Colégio
Darwin (Fortaleza/CE). Mais do que um convite à reflexão sobre a
temática abordada, a presença de seu artigo na Dandelion é uma
evidência de um projeto baseado na cooperação entre educadores.
Devemos enfatizar que essas trocas, esse compartilhar de idéias e de
saberes pode ser mais intenso, pode ser mais freqüente. São milhares as
escolas, os educadores, as experiências vividas em nossas regiões (ou
nos outros cantos do país!). Quanto mais de educação pensarmos,
debatermos e realizarmos, mais frutos dela iremos colher.
Por tudo isso, um agradecimento especial a todos que contribuíram
com este número e, de forma adiantada, para todos aqueles que, sem
esquecer do senso crítico, escolherem uma direção e "assoprarem" este
dente-de-leão (Dandelion) permitindo que as idéias aqui apresentadas
sejam disseminadas, carregadas suavemente pelo ar.
EDITORIAL
POR UMA CULTURA DA PAZ
2
Marcelo Cunha da Paz
5
O FENÔMENO BULLYING
Da informação à intervenção
7
Adriana Leal Brum Silva
A IMPORTÂNCIA DA LUDICIDADE NO
PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
13
Liliana Raquel Gava
E AGORA, JOSÉ?
É LENDO QUE APRENDEMOS A ESCREVER?
17
Alessandra Barcelos
APRENDENDO A APRENDER
Relações entre a Pampaedia de Comenius,
a Indagação proposta por Dewey e
os atuais desafios da educação
21
Eduardo Mendes Silva
A MÚSICA GERA GRANDES CONHECIMENTOS
Suzete Neves Pessi
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POR UMA CULTURA DA PAZ
Vivemos em uma sociedade em que a violência
predomina em nosso cotidiano. Estamos nos
acostumando a assistir telejornais que mais se
assemelhem a programas policiais, dado ao elevado
número de notícias que falam de assassinatos,
mortes, tiros. A imprensa em geral ajuda a difundir
essa cultura de violência, pois como se diz
popularmente “é o que vende” e sem percebermos,
deixamos que nossa vida seja permeada por essa
distorção da condição natural de Paz do ser humano.
Essa cultura de violência também tem impulso em
nossas escolas, pois não temos em nossos currículos
disciplinas, nem mesmos conteúdos, que promovam
uma cultura de Paz. Caminhamos em via oposta, na
vida estudantil o aluno estuda 1ª Guerra, 2ª guerra,
Guerra do Paraguai, Guerra dos 100 anos, Guerra
das Malvinas, Guerra da secessão e uma infinidade
de conflitos. Além disso, temos grandes matadores
como Duque de Caxias, Napoleão ou até mesmo
Hitller, que recebem a alcunha de conquistadores,
senão heróis.
Porém, não ensinamos a nossos alunos a História
do indiano Mahatma Gandhi ou de Martin Luther
King Júnior, nem mesmo o nosso brasileiro Chico
Mendes ou o ídolo Pop John Lennon. O que há de
comum entre eles? Todos de alguma forma
promoveram a cultura de Paz. Gandhi liderou uma
revolução sem armas que pregava a não-obediência
pacífica e sem dar um tiro venceu as tropas inglesas e
libertou seu pais do domínio britânico. O ponto
comum triste a se lembrar sobre os pacifistas acima é
que todos foram assassinados por arma de fogo.
Olhando para a Educação Infantil, que todos
sabemos que é a base de qualquer aluno, temos
também uma evocação da cultura de violência nas
parlendas de ninar, observemos as letras a seguir:
Marcelo Cunha da Paz
Graduado em Administração pela
Universidade Federal do Ceará e
Pós-graduando em Gestão Escolar
pela Faculdade Pitágoras.
É diretor do Colégio Darwin desde 2001.
O Colégio Darwin é uma instituição que
atua em toda a Educação Básica. Situado
na cidade de Fortaleza, tem 9 anos de
atuação e utiliza o material da Rede Pitágoras
de ensino. O acompanhamento individual dos
alunos e o trabalho voltado para difundir a
cultura de Paz são diferenciais do colégio.
[email protected]
"Sambalelê tá doente, tá com a cabeça
quebrada, sambalelê precisava é de
umas boas palmadas"
5
domingo de Setembro temos o Dia municipal da Paz
de Fortaleza, que foi instituído através de uma lei
municipal, e nesse dia é realizada na Av. Leste Oeste
a Grande caminhada pela Paz que já se encontra em
sua 4ª edição. È um evento lindo no qual as pessoas
vestem branco a cantam músicas de Paz em todo o
trajeto. Vale a pena viver essa experiência.
Que tal fazer a caminhada da paz em sua cidade?
Lembrando que o objetivo da caminhada (não é
passeata, pois essa é de protesto contra algo) é
promover a Paz e não combater a violência, pois já
está mais do que provado que o combate à violência
só tem gerado mais violência.
Espero ter contribuído com uma nova forma de
pensar para nossas escolas. E por favor, se gostou do
artigo, não vá dizer por aí que eu Arrebentei ou
Matei a Pau.
“O cravo brigou com a rosa debaixo de
uma sacada, o cravo saiu doente e
a rosa despedaçada”
“Boi da cara preta, pega esse menino
que tem medo de careta”
“Atirei o pau no gato, mas
o gato não morreu”
“Nana nenê que a Cuca vem pegar”
Que mensagens essas músicas passam a nossas
crianças? Medo, violência, repressão e sem
percebermos cantamos achando a coisa mais linda
do mundo, e eles, coitados, repetem.
Até no esporte temos uma cultura de violência
impregnada, senão vejamos, o jogador que faz mais
gols é Matador ou artilheiro, as torcidas cantam
Gritos de Guerra, um jogo eliminatório é chamado
de mata-mata, uma grande contratação é uma
bomba e se o estádio esta cheio é por que está
bombando.
Para mudarmos essa situação e promovermos uma
nova realidade, precisamos primeiro estar em Paz
conosco. O Movpaz, ONG, que visa difundir a
cultura de Paz em nossa sociedade, prega que a Paz
se encontra em três aspectos: Paz interior, Paz social
e Paz ambiental. Devemos trabalhar nesses aspectos,
porém, primeiramente temos que atingir a Paz
interior para a partir dai passarmos a idéia adiante.
Existe um verbo na língua Portuguesa que não foi
usado por nenhum escritor de renome, nem dos mais
clássicos aos contemporâneos, podem pesquisar, e
esse verbo se chama Pazear. Se é verbo é ação,
portanto temos que agir em prol da Paz e multiplicar
essa cultura em nossas escolas. Que tal fazer um
concurso de redação em que se utilize o verbo
Pazear dentro do texto?
Outra forma de Pazear é ajudar a promover a
caminhada Paz de nossa cidade. Todo segundo
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O FENÔMENO BULLYING
Da informação à intervenção
O termo é estranho, mas o significado é bem
conhecido. A palavra bullying se refere às agressões
e humilhações de forma intencional e repetida,
praticadas por um grupo de estudantes contra um
colega ou contra outro grupo de colegas. Algo até
comum no dia-a-dia escolar, mas que está longe de
ser considerado normal. São xingamentos, ofensas,
constrangimentos ou agressões físicas que geram
angústia, sofrimento e podem causar danos
psicológicos imensuráveis nas vítimas. Essas
agressões, que costumam aparecer na adolescência,
estão sendo detectadas entre crianças, cada vez mais
cedo. A falta de informação colabora com a
perpetuação das “pequenas crueldades”. O
fenômeno ocorre também, por exemplo, no
ambiente de trabalho (assédio moral), através da
internet (cyberbullying) e também do telefone
celular. Já há no mundo inteiro trabalhos e pesquisas
a respeito.
O bullying não é um fenômeno moderno, mas
apenas agora vem sendo reconhecido como
causador de danos e merecedor de medidas especiais
para a sua prevenção e enfrentamento. O importante
é detectar o bullying quanto antes para que seja
possível intervir cedo. A vítima pode apresentar
baixa auto-estima, dificuldade de relacionamento
social e desenvolvimento escolar, que podem levar a
fobia, tristeza, depressão, podendo chegar a atos de
violência extrema contra a escola. Já os autores
podem se considerar realizados e reconhecidos pelos
seus colegas pelos atos de violência e poderão levar
para a vida adulta o comportamento agressivo e
violento. As testemunhas silenciosas também
sofrem, pela sua omissão e falta de coleguismo.
Muitos se sentem culpados por toda a vida.
Quando a criança começa a rejeitar a escola, pedir
para mudar de sala de aula, queda no rendimento
escolar, passar a apresentar sinais de somatizações
(diarréia, vômitos, dores abdominais, asma, insônia
e pesadelos), e problemas emocionais (como
tristeza, depressão) ou sociais (como isolamento e
Adriana Leal Brum Silva
Tem especialização em Psicopedagogia
Escolar e Clínica (ISEPG). É graduada
em Pedagogia (Magistério do Ensino
Fundamental, UNISUL) e possui
licenciatura curta em Matemática (UNISUL).
Professora do 3º ano vespertino, trabalha
no Colégio Jardim Anchieta há 5 anos.
[email protected]
7
não participação em atividades de grupo) pode estar
sendo vítima de bullying. Os pais devem
acompanhar a socialização da criança, que é tão ou
mais importante quanto tomar conhecimento do seu
aproveitamento escolar. Uma boa dica é convidar
para irem à sua casa os colegas da escola.
O primeiro passo para combater o bullying é
reconhecer que o fenômeno existe. A informação, a
participação da escola, dos pais e filhos é
fundamental. Incentivar o filho a falar, ir à escola e
buscar juntos uma solução que envolva toda a
comunidade. Segundo o pediatra Aramis Lopes, em
entrevista à revista Psique-Ciência e Vida (2008) o
bullying faz parte de um contexto de atitudes que
causam transtornos psicológicos a partir de uma
relação desigual de poder entre vítima e agressor. A
violência, nesse caso, fica especificamente
vinculada ao insulto verbal, às ameaças, às
depreciações. Para o pediatra, casos de violência
física não são classificados como bullying.
Lopes acredita que, entre os diversos contextos
familiares, o posicionamento autoritário por parte
dos pais e de outros responsáveis pode provocar
distorções da maneira do jovem entender o mundo
ao redor. E, as atitudes violentas, a imposição de
poder e a enfraquecida relação afetiva são fatores
para o comportamento agressivo dos jovens.
Afirmando ainda, que são mais comuns jovens
vítimas de bullying adotarem, na fase adulta,
atitudes exóticas e estilos de vida diferenciados.
A pesquisadora Rosana Del Picchia expõe em
relato à revista Psique-Ciência e Vida (2008) o que a
ciência vem comprovando, no âmbito prático, é que,
de fato, o bullying já tem causado danos evidentes
não somente no que se refere à vítima ou ao agressor,
mas também na sociedade de maneira geral.
Afirmando que a inabilidade da vítima em lidar com
a situação pode estar relacionada ao histórico de
omissão familiar, Del Picchia ressalta que relações
afetivas pobres ou inexistentes entre familiares
dificultam o estabelecimento de um referencial de
civilidade.
Diferentemente do perfil da vítima de bullying,
quando possui nuances variadas de acordo com a
história de vida do indivíduo, o agressor geralmente
apresenta motivações bastante pontuais para seus
atos. Essencialmente é a obrigação de autoafirmação a eficácia motriz. Ele conhece essa
necessidade, mas não sabe dominá-la. Dessa forma,
o que diferencia um agressor de outro, é, novamente,
o histórico familiar. Muitas vezes parei para pensar
no valor de uma amizade, no meio deste mundo
competitivo, individualista, em que os valores éticos
e morais nem sempre são considerados.
Neste emaranhado de pessoas que convivem e
sobrevivem, como cultivar uma amizade? Pareceme estranho, não vivemos sem a convivência
cotidiana de amigos, pessoas que nos rodeiam em
diferentes círculos sociais: no trabalho, na escola e
família. É cada um tão singular no jeito de pensar,
agir, ser. Parece paradoxo, esse mesmo amigo que
estende a mão pode em instantes te humilhar,
ofender, subestimar. É imprevisível a relação com o
outro. Ensinamos nossos filhos a construir uma
relação sólida de amizade, mas como ensiná-los a
defenderem-se destas armadilhas que muitas vezes
são colocadas à frente. E algumas vezes, são eles
próprios mentores da leviandade.
A evolução do ser humano começa no exemplo da
família. Exemplos de solidariedade,
companheirismo, amizade. E quando lhe é
apresentado o mundo, estes exemplos estendem-se
aos amigos próximos, às pessoas que o cercam. O
grau evolutivo inicia quando nos colocamos no lugar
do outro, pensamos naqueles que estão ao nosso
redor. É fundamental crescer junto com o outro.
Subir os degraus da prosperidade, das conquistas,
unidos. Um acreditando no outro, acreditando nas
potencialidades que cada um carrega dentro de si. É
o acolher sem pedir nada em troca, sem levar
vantagens.
Hoje as escolas e famílias, retratam um panorama
assustador: crianças, jovens e adultos são vítimas do
fenômeno bullying. A alma e corpo são feridos. A
auto-estima, a motivação, a esperança, tudo fica à
deriva. Qual será a nossa relação com este fenômeno
que assola nossos lares e ambientes sociais diversos?
O bullying, segundo Gabriel Chalita (2008) é a
negação da amizade, do cuidado, do respeito. É uma
agressão à alma. Uma intrusão dolorosa nos
sentimentos de ser humano. Sofre o agredido. Sofre
o agressor. Sofre a humanidade. O amigo cuida, não
humilha, tem compaixão. A capacidade de se colocar
no lugar do outro e sofrer a mesma dor que o
acomete. O professor se colocar no lugar do aluno e
vice-versa. Entre pais e filhos também. Entre
amigos. Por que destruir o sentimento alheio? Por
que submeter o outro a uma chacota que visa à
diversão mesquinha? Por que impor o medo, a
vergonha, a dor? Será o bullying uma opção
consciente ou a ausência da consciência?
Perder a compaixão é fazer o outro sofrer ou se
8
O FENÔMENO BULLYING - Adriana Leal Brum Silva
As variações, discrepâncias ou semelhanças entre a
família e os amigos determinam as rotas
contraditórias de nossa vida. (FUENTES, 2006,
apud CHALITA, 2008, p.42-43)
omitir. E, de omissão a omissão, o mundo assiste a
massacres terríveis. O aprendizado da convivência
envolve compaixão, compromisso e
responsabilidade com a vida do outro. E seu
exercício tem de ser cotidiano, sob risco de que seja
desaprendida ou que desapareça. Um dos momentos
mais desafiadores da vida de uma criança é o de
entrar para a escola e aprender a se relacionar com
pessoas diferentes. Viver essa experiência inclui
aceitar e ser aceito, acolher e ser acolhido, valorizar e
ser valorizado, amar e ser amado. Sempre
enxergando as diferenças como fator de inclusão e
não de exclusão.
Perceber que cada um é de um jeito e que o jeito de
cada um complementa a nossa história de vida
assegura a singularidade de todo indivíduo como
elemento fundamental da seiva que alimenta e
revigora permanentemente o bem comum. Mas a
sede do poder põe em desequilíbrio essa harmonia e
cria uma nova rede de relações pessoais. A lei do
mais forte, do mais poderoso, aniquila os mais fracos
para reafirmar uma identidade que não reconhece a
dignidade e o direito do outro. Sem a contenção
necessária, ou seja, a vigilância social para acessar a
impulsividade tirana, o intimidador atua à vontade
em um contexto que lhe parece sem regras e sanções
significativas.
Para Chalita (2008) os amigos são diferentes, pois
cada pessoa é única. Entender essa realidade já é um
exercício fascinante para compreender a natureza
humana e assim conseguir conviver na diferença. No
fluxo de vivências, o que sentimos repercute na
forma como tratamos o outro. A amizade é um
sentimento que passa ações e reações. Quando se é
amigo, cada gesto é cuidadoso para não deixar que o
outro se sinta diminuído. Mesmo nas brincadeiras- e
como elas são necessárias! - os amigos devem saber
o que significa respeito. As reações também
precisam ser pensadas. Isso não mata a
espontaneidade entre os pares, mas, ao contrário, faz
que se preserve e se proteja a pessoa amada. Sim,
porque a amizade também é uma forma de amor.Não
é tanto a ajuda dos nossos amigos que nos conforta,
mas o confiante saber de que eles nos ajudarão.
Seriam máquinas as pessoas, se todas elas, em
todos os momentos, tivessem as mesmas reações. Se
todas elas, em todos os momentos, agissem de forma
previsível. Nem nós nos conhecemos, imaginem os
outros. Na visão de Chalita, ninguém tem o direito de
se sentir superior ao outro. Não há cidadãos de
primeira e de segunda categoria. E o preconceito que
fere e mata nasce desse sentimento menor de
arrogância, de prepotência, de incompaixão.
O ser humano é um animal social. Não há
possibilidade de desenvolvimento sem o grupo. As
primeiras manifestações do ser humano dão-se na
família. Depois da surpresa da vinda, o acolhimento
ocorre na mãe, que amamenta, alimenta; no pai, que
é partícipe. Os pais, de alguma forma, contribuem
para a descoberta da razão de existir. Numa estrutura
familiar sólida que a criança e o adolescente vão
suprir suas necessidades de amor, de valorização, de
limites e de coerência. Valores que contribuem para
o desenvolvimento de habilidades de autodefesa e
auto-afirmação. No que se refere à família, não há
receitas prontas de sucesso, tampouco modelos
específicos de educação. Os diferentes modelos são
frutos de arranjos e demandas contemporâneos. Seja
qual for a estrutura, todas necessitam de
responsabilidade que convoque pais/responsáveis e
filhos ao exercício de suas funções.
Independente de sua configuração, a família
nunca deixará de ser a referência mais importante
para o indivíduo. As interações amorosas existentes
na família não são apenas um processo natural;
apesar de serem parte da essência humana,
necessitam ser aprendidas pela vivência e pelo
exercício diário para que se tornem elementos do
cotidiano, para que sejam incorporadas e para que se
transformem em instrumentos da teia social. É
preciso que pais se questionem sobre os
instrumentos de troca que estão oferecendo aos
filhos. Quando a família abre mão desse
aprendizado, abre também espaço para a violência,
para as atitudes que enfraquecem e isolam atrás de
grades, muralhas e guaritas. A violência que invade
ou nasce no espaço familiar se expande para todos os
outros segmentos da sociedade como uma teia de
relações destrutivas que se reproduz e contamina os
ambientes e as pessoas.
Aquilo que não temos, encontramos no amigo.
Acredito nesse benefício e o cultivo desde a infância.
Nisso, não sou diferente da maioria dos seres
humanos. A amizade é o grande elo inicial entre o lar e
o mundo. O lar feliz ou infeliz é a aula de nossa
sabedoria original, mas a amizade é a sua prova. O
que recebemos da família confirmamos na amizade.
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Condenamos as guerras, as ações terroristas, a
violência nas escolas e nas ruas e, sem nos darmos
conta, muitas vezes convivemos com a violência em
nossos lares. São gritos de intolerância,
incompaixão e de inflexibilidade. Pessoas
agrupadas, vivendo ilhadas sob o mesmo teto, sem
espaço para trocar gentilezas, para fazer planos, para
falar sobre os medos e as angústias, para
compartilhar sonhos.
Observo que, quando nos tornamos
pais/cuidadores, reproduzimos na educação das
crianças aquilo que criticamos em nossa educação.
Inconscientemente, multiplicamos o que nos foi
legado como o correto e o ideal. Repetimos a mesma
“fórmula” de educação. É como se estivéssemos
introjetando valores e paradigmas. Reconheço a
dificuldade que temos para educar os filhos para o
mundo. Muitas vezes, permitimos fazer em casa o
que não poderão fazer lá fora. Mas acredito que
nunca é tarde para educar, nada está perdido. Sempre
há um novo caminho para recomeçar. Nem sempre
oportunizamos aos nossos filhos condições de
exercer a autonomia, criticidade e responsabilidade.
Mas, no momento que passam a conviver
socialmente, exigimos uma atitude autônoma,
crítica e responsável. Exigimos estas tarefas sem que
eles estejam preparados para exercê-las.
Depositamos desejos e projetos de vida, sem darlhes o direito de escolha.
Chalita destaca que a violência não é um
fenômeno firmado apenas numa decisão individual.
Invariavelmente, surge em decorrência de um
contexto social favorável (ou desfavorável). O autor
do bullying não escolheu apenas agredir: em algum
momento descobriu que poderia fazê-lo sem ser
punido e, ainda, ganhar fama e prestígio com o feito.
As vítimas também não desejaram ser escolhidas.
Autores e alvos reagem à violência de maneiras
diferenciadas, de acordo com habilidades
desenvolvidas ou modelos registrados e, ao
enfrentarem essas realidades, fazem escolhas.
O autor enfatiza que toda escolha é pessoal. Mas,
para fazer escolhas prudentes, é preciso reconhecer a
própria necessidade, desvelar o desejo e a aspiração
que impulsiona. É importantíssimo que os pais
ajudem, incentivem, permitam aos filhos o exercício
da escolha prudente, que é um aprendizado do uso da
liberdade. No entanto, como ensinar o caminho da
melhor escolha?
Cada pessoa tem um repertório interno povoado
de emoções, desejos e aspirações, e a educação é o
caminho para transformar todos esses sentimentos
em projetos de vida, o que reacende o desejo de
viver. A maioria dos pais quer o melhor para os
filhos. Procura fazer o máximo dentro de suas
possibilidades. Mas a questão é: bom e melhor para
quem? Os filhos nem sempre correspondem a esses
modelos preestabelecidos. Podem não ser os
melhores da classe, podem ser tímidos e retraídos,
não gostar de esportes, podem ter alguma limitação
física, emocional ou intelectual que os impeça de
realizar as aspirações dos pais. Em muitas dessas
situações, os filhos podem trazer à tona sentimentos
mal resolvidos dos próprios pais.
Como lidar com as próprias frustrações, somadas
às frustrações dos pais e dos professores? Como lidar
com os próprios desejos, tendo de corresponder aos
anseios dos outros? Como lidar com atitudes que,
muitas vezes, reforçam o desamor e a falta de
aceitação?
Para Chalita crianças têm sentimentos iguais aos
dos adultos ou ainda mais intensos. São capazes de
identificar coisas boas e ruins. Entretanto, por vezes,
nos esquecemos disso. Fica parecendo que a pouca
maturidade é sinônimo de pouco discernimento,
pouco sentido na vida, poucos planos, poucos
projetos, pouca memória para registrar atitudes que
marcam violentamente suas experiências. Mães
zelosas e pais protetores muitas vezes não se dão
conta de algumas posturas agressivas. As palavras
proferidas da “boca pra fora”, na hora do
nervosismo, não isentam os pais da culpa. Toda
palavra provoca transformação interna; quando
positiva, contribui para que a criança e o adolescente
encontrem equilíbrio, confiança, autoconfiança e
auto-estima para reagir de modo saudável às
frustrações da vida. Quando negativa, pode deixar
vazios que talvez jamais venham a ser preenchidos
positivamente ao longo da vida. Os filhos acreditam
ser como os pais lhes dizem que são.
O elogio é um das armas mais poderosas para
fortalecer a autovalorização, a autoconfiança e a
auto-estima da criança. Cada um compartilha com o
outro aquilo que traz como bagagem. Os pais devem
estar atentos às bagagens transportadas pelos filhos.
A nossa “bagagem” nunca fica vazia. O espaço não
preenchido pela família acaba sendo preenchido por
alguém que, não necessariamente, fortalecerá a
auto-imagem da criança e do jovem. Chalita percebe
que pais querem filhos perfeitos e vencedores.
Talvez isso também seja uma projeção de pais que,
na vida, se sentiram imperfeitos e perdedores. Para
os pais mais desatentos é preciso deixar claro que os
10
O FENÔMENO BULLYING - Adriana Leal Brum Silva
filhos sinalizam, pedem socorro.
O bullying é uma violência silenciosa, e a vítima
nem sempre tem em sua “bagagem” habilidades
pessoais desenvolvidas para livrar-se da agressão,
ou, nem sempre, espaço para compartilhar com os
pais o sofrimento por qual ela passa. O autor vê na
dinâmica familiar um reforço à violência,
principalmente quando faltam regras claras, quando
falta coerência entre os valores proclamados e
vivenciados e, sobretudo, quando falta afetividade
nas relações familiares.
Outro fator de relevância que pode contribuir para
reforçar as ações dos bullies é a presença de modelos
autoritários e repressores que usam de agressividade
e explosão para solucionar os conflitos. Crianças e
jovens imitam aqueles que admiram. O autor
considera ainda que os autores de bullying são
crianças e jovens que precisam mais de ajuda do que
de punições, para que, desse modo, o ciclo de
violência se quebre. Os pais devem preocupar-se
com as atitudes e os exemplos e participar da vida
social e escolar dos filhos. Não é prudente que os
pais criem seus filhos em redomas, protegidos do
mundo. É digno de louvor ver a preocupação que têm
os pais para que nada, nem ninguém, destrua o bem
mais precioso que possuem. Entretanto, é preciso
meio-termo. Proteger é diferente de esconder.
O comportamento de uma criança não é
necessariamente igual ao de outras, e nem por isso
ela pode ser considerada inepta, incapaz de aprender.
O tempo de aprendizagem não é o mesmo para todos
– não há pessoas iguais. Entre irmãos, as
comparações - danosas ao desenvolvimento
emocional - começam cedo. Muitos pais tendem a
comparar um filho ao outro, involuntariamente.
Desde a disposição para determinada atividade e a
força física. Pobres dos mais frágeis, que não se
portam como valentões, porque já começam a
trajetória com a alma agredida; como não encontram
forças para se defender e temem dizer isso aos pais,
quando agredidos física ou moralmente na escola,
preferem o universo doloroso do silêncio. E assim, o
bullying vai nascendo. Os mais fortes humilham os
mais fracos, que não têm espaço para revelar a dor
que sentem na alma.
Precisam de amizade os fracos e os fortes, até
porque o conceito de fraqueza e de força é relativo.
Os que se julgam fortes podem sentir-se
profundamente fracos, às vezes. E os que se
apresentam fracos em algumas ocasiões, em outras,
quando recebem atenção e cuidado, conseguem
surpreender até a si mesmos. Preconceitos também
nascem em casa. A criança é como uma esponja que
vai sugando o que percebe, ouve, sente. A forma
como os pais se tratam e tratam os outros,
comentários sobre culturas diferentes,
posicionamentos ideológicos contra determinada
classe social, condição econômica, gênero etc vão
aos poucos povoando uma mente que ainda não tem
poder para separar o joio do trigo. E tudo isso vai
sendo despejado numa mente ainda em formação.
Erra quem diz que a criança é naturalmente
preconceituosa. Erra porque ninguém é
naturalmente preconceituoso. O preconceito nasce
de uma distorção da aprendizagem, ocasionada pela
aparente superioridade de um sobre o outro. É
preciso fazer que valores essenciais tenham lugar de
destaque na aprendizagem. A postura correta diante
do outro. O respeito à convivência. Nada disso pode
ficar na mesma estante mental de uma fórmula que
não mais se irá usar.
Chalita reconhece em cada pessoa um fluxo de
vivências, isto é, um conjunto de histórias que vão
compondo o mosaico de suas atitudes. Nenhum
comportamento surge do nada. Nenhuma atitude
agressiva ou destrutiva nasce de um instante. São,
sim, o resultado de experiências dolorosas que vão
se somando e que degringolam quando menos se
imagina. Os traumas nascem assim. Pequenos
delitos cometidos por educadores-educador não é
somente o professor, mas também o pai e a mãe mesmo que não seja por mal, semeiam
inferioridades. Dessa forma nascem também os
grandes sonhos. De conversas ouvidas e de histórias
vividas. De referenciais. Todo mundo tem histórias
de sofrimento e histórias de felicidade. As atitudes
de desarmonia no grupo nascem de razões diversas.
Não há um manual que ensine o que fazer para que o
filho ou o aluno não se sinta diminuído em razão do
bullying. Nem há receita para que, em decorrência
dessas agressões, o aluno não se transforme em uma
pessoa cujos bloqueios dificultem a relação com
outras pessoas.
O que se constata é que o universo do agredido se
agiganta de tal forma que o medo o aprisiona,
deixando-o lá dentro, protegido pelo nada. Apenas
ali, sem falar muito, sem exprimir alegria ou tristeza,
sem revelar a dor. Diante dessas atitudes, os pais, às
vezes, se desesperam, achando que o filho tem
problemas, que é quieto demais, que tem inteligência
menor e outras tantas bobagens. Muitas vezes,
exigindo que o tímido deixe de ser tímido, que o
acanhado se coloque à frente, como se isso fosse o
11
suficiente para quebrar as amarras desse universo
nebuloso do medo. É preciso entender o ser humano,
ter o cuidado necessário para que as atitudes não
apequenem, ao contrário, ajudem a pessoa,
protegida, a ser melhor.
O homem nasce, cresce e morre. Nesse espaço de
tempo, faz coisas que dão sentido à vida. A liberdade
de se vestir e de se despir oferece à humanidade a
oportunidade de mudar. A brutalidade que nos afasta
da condição de seres humanos destrói vidas. A
humanidade fracassa quando se distancia da sua
essência.“Parte daquilo que somos e sentimos é
conseqüência da ação do outro. Assim, também, o
outro é parte daquilo que somos capazes de
despertar”.(CHALITA,2008, p.147)
O bullying é uma ferramenta grosseira de
desconstrução, de apequenamento. E precisa ser
combatido. Para esse combate, espera-se que os pais
busquem ajuda, quando necessário, que não pequem
por omissão diante da dor do próprio filho ou filha.
Os pais também são semeadores. São, também,
acolhedores, mesmo que os filhos dissipem o que
tinham de melhor e voltem em busca de alguma
coisa mais. Não importa se a prevenção não foi
suficiente para preparar o filho e para libertá-lo de
tantas amarras. Vale a segunda chance ou terceira?
Que importa? Enquanto a nau está no oceano, não há
porque desistir de ser viajante. Os riscos estão aí,
mas são menores do que a coragem e do que a
capacidade de conduzir a embarcação.
A amizade simplifica as coisas, direciona o
relacionamento entre pais e filhos e entre professores
e aprendizes para o afeto. Reencontrar o caminho,
desenhar novas marcas da trajetória humana,
reescrever a história de homens, mulheres, jovens e
crianças, a ponto de tornar intolerável a violência,
vai além da atitude pontual que impede e pune os
autores de ações perversas. É preciso ajudá-los a não
mais sentir o desejo e o prazer de praticar atos
desumanos com o outro, resgatando um sentimento
profundo de irmandade e de familiaridade, num
movimento único de abraçar a todos, livres de
qualquer distinção ou preconceito.
Aqui reside o talento de desenvolver capacidade
de entender e reconhecer o outro, de conviver e de
compartilhar com pessoas diferentes de nós, de viver
efetivamente uma experiência de amor, dando
sentido e significado para a aventura humana. O
amor que protege deve ser o mesmo que liberta. Não
pode a águia voar por seus filhotes. Pode ensiná-los.
Protegê-los. Alimentá-los. E depois orientá-los para
que se alimentem sozinhos. Estará por perto, no
início. Depois, o mundo será a escola.
Referências
AGÊNCIA NOTISA DE JORNALISMO CIENTÍFICO.
Bullying. Rev. Psique (Ciência e vida), São Paulo, Edição
Especial n 10, p 12 – 19, outubro/2008.
CHALITA, Gabriel. Pedagogia da Amizade-Bullying: o
sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo:
Editora Gente, 2008
12
A IMPORTÂNCIA DA LUDICIDADE
NO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO¹
Brincar é um direito. Ele está instituído no
Estatuto da Criança e Adolescente, baseado na
Convenção dos Direitos da Criança da Organização
das Nações Unidas - ONU, que diz:: “Toda criança
tem o direito ao descanso e ao lazer, a participar de
atividades de jogo e recreação, apropriadas à sua
idade, e a participar livremente da vida cultural e das
artes” (BRASIL, 1990, p. 12).
Brincar é tão necessário ao pleno
desenvolvimento do organismo de uma criança, seu
intelecto e personalidade, como alimento, abrigo, ar
puro, exercícios, descanso e prevenção de doenças e
acidentes (FANTIN, 1994). Brincar, portanto, é
fundamental para um desenvolvimento pleno do ser
humano. Hoje, há unanimidade em que o brincar tem
função essencial no processo de desenvolvimento da
criança, principalmente nos primeiros anos de vida,
nos quais ela tem de realizar a grande tarefa de
compreender e se inserir em seu grupo, constituir a
função simbólica, desenvolver a linguagem,
explorar e conhecer o mundo físico.
Com base nisso, pode-se considerar que a
brincadeira é uma forma de divertimento
característico da infância, isto é, o brincar está
diretamente ligado à infância e à criança, sendo
transmitida, por meio dos seus familiares, de forma
expressiva, de uma geração a outra, ou de uma forma
natural, espontânea. O brincar também contribui na
aprendizagem da linguagem, ou seja, a contribuição
da linguagem funciona como instrumento para
pensar e agir para a criança ser capaz de falar sobre o
mundo.
Conforme Brougére (apud SANTOS, 1997), é
através do jogo, do brinquedo, da brincadeira que a
criança compreende sua sociedade e sua cultura,
sendo portadores de seus valores e permitindo, ao
mesmo tempo, a construção de significados e
interpretações que se adaptam a diversas realidades.
Compreendendo a sociedade e a cultura a partir da
brincadeira, jogo e brinquedo, os educandos
Liliana Raquel Gava
Graduada em Pedagogia (UDESC) com
Especialização em Administração Escolar e
Pós-Graduada em Psicopedagogia (UNISUL).
Tem, ainda, especialização em Educação
Infantil e Séries Iniciais do Ensino
Fundamental (Faculdades Dom Bosco,
Cascavel/PR), em Gestão Educacional e
em Metodologia do Ensino Interdisciplinar.
Professora do Colégio Jardim Anchieta.
[email protected]
13
desenvolvem valores que permitem a construção de
conhecimento, interpretando o mundo que o rodeia,
desenvolvendo a realidade existente, tornando-se
um ser criativo que interage no meio, transformando
a vida social, cultural e cognitiva da sociedade.
Segundo Brougére (apud SANTOS, 1997, p. 39):
Nas brincadeiras, as crianças transformam os
conhecimentos que já possuíam anteriormente em
conceitos gerais com os quais brinca. [...] Seus
conhecimentos provêm da imitação de alguém ou de
algo conhecido, de uma experiência vivida na família
ou em outros ambientes, do relato de algum colega ou
de um adulto, de cenas assistidas na televisão, no
cinema ou narradas em livros, etc.
A brincadeira é uma mutação do sentido, da
realidade: nela, as coisas transformam-se em outras.
É um espaço à margem da vida cotidiana que obedece
a regras criadas pela circunstância. Nela, os objetos
podem apresentar-se com significado diferente
daquele que possuem normalmente.
Dessa forma, o alfabetizador, como mediador,
deve proporcionar este desenvolvimento com
práticas lúdicas, para que a criança se interesse mais
pelas aulas e aprenda com prazer. “[...] com o jogo a
criança ultrapassa a simples satisfação de
manipulação. Ela vai assimilar a sustentação ou
conflito, preenchimento e desejo.”
(KISHIMOTO,1998, p.40).
Por isso, para Santos (1997), o ensino mediado
através de brincadeira faz com que a criança, num
processo interativo, permaneça em seu próprio
espaço infantil, recriando através de seu próprio
processo partindo de sua realidade social. Tornandose assim um ser que constrói e reconstrói seu espaço
desenvolvendo a imaginação expressando seus
dogmas, construindo e reconstruindo seu ser, através
de sua própria cultura.
Desse modo, o educador alfabetizador necessita
considerar a ação lúdica, interrelacionando teoria e
prática.
De acordo com Santos (1997), a
alfabetização pela via da ludicidade propõe-se a uma
nova postura existencial, cujo paradigma é um novo
sistema de aprender brincando inspirado numa
concepção de educação para além da instrução.
Ainda para o autor, uma alfabetização com prática
lúdica terá resultados quanto à aquisição dos
conteúdos, pois relaciona-se teoria e prática,
apresentando a sociedade um novo ser, um educando
diferente, com uma nova existência. Isto é, um aluno
com nova concepção onde, a visão central é, instruirse sempre.
O processo de alfabetização através do lúdico
torna o educando um ser dinâmico que interage
coletivamente realizando suas ansiedades, se
redescobrindo como indivíduo pensante neste
mundo transformador onde cada instante as
perspectivas de conhecimentos são diversificados.
Isso ocorre porque as brincadeiras possibilitam ao
educando o desenvolvimento de sua imaginação,
expressão e construção de sua consciência, partindo
da realidade existente.
Portanto, o jogo, o brinquedo e a brincadeira
devem ser utilizados como instrumentos buscando a
Na verdade, o ato de brincar não se limita a um
simples passatempo sem funções, o brincar ajuda a
criança no seu desenvolvimento físico, afetivo,
intelectual e social. Por meio das atividades lúdicas,
a criança desenvolve a expressão oral e corporal,
surgem novas idéias, a vontade de interpretar e
repensar o seu cotidiano, o outro e o meio no qual
está inserida.
Maluf (2005) considera que as brincadeiras
favorecem o desenvolvimento da afetividade, ao
afirmar que essas estimulam o bem conviver com
outras crianças. Com isso, vão sentindo-se mais
seguras diante das dificuldades enfrentadas e
arriscam-se a novos desafios, sem medo para
encararem suas dificuldades.
A brincadeira é uma linguagem infantil que
mantém um vínculo essencial com aquilo que é o
“não-brincar”. Se a brincadeira é uma ação ocorrente
no plano da imaginação, isto implica que aquele que
brinca tem o domínio da linguagem simbólica, ou
seja, é preciso haver consciência da diferença
existente entre a brincadeira e a realidade imediata
que lhe forneceu conteúdo para realizar-se. Nesse
sentido, para brincar é preciso apropriar-se de
elementos da realidade imediata de tal forma a
atribuir-lhes novos significados. Essa peculiaridade
da brincadeira ocorre por meio da articulação entre a
imaginação e a imitação da realidade. Toda
brincadeira é uma imitação transformada, no plano
das emoções e das idéias, de uma realidade
anteriormente vivenciada.
Conforme a Proposta Curricular de Santa Catarina
(2005), é mediante a brincadeira que a criança tem a
possibilidade de trabalhar com a imaginação: a
realidade se constrói e a fantasia constrói a realidade.
Sobre isso, no Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil (1998, p. 18), encontra-se:
14
A IMPORTÂNCIA DA LUDICIDADE NO... - Liliana Raquel Gava
sustentação, na mediação do ensino alfabetizador:
“A brincadeira é uma situação privilegiada de
aprendizagem infantil onde o desenvolvimento pode
alcançar níveis mais complexos, exatamente pela
possibilidade de interação” (WAJSKOP. 1997, p.
22).
Esses pressupostos teóricos confirmam o
entendimento da enorme importância do significado
da alfabetização promovida pelas brincadeiras, ao
potencializar e desenvolver os processos
educacionais no âmbito da alfabetização.
Por isso, o alfabetizador deve proporcionar um
ambiente interativo e enriquecedor, sua função é
mediar, pesquisar e investigar, possibilitando aos
alunos novos desafios para ampliar seus
conhecimentos. A postura do profissional na área da
educação requer interferir na zona do
desenvolvimento proximal, provocando avanços
que não ocorreriam espontaneamente, a intervenção
é fundamental para a produção do desenvolvimento
do indivíduo. “No terreno subjetivo, o mediador
recreativo deve ter um bom manejo de técnicas
orientadas para captar, intensificar e manter o
interesse do grupo” (OLIVEIRA et al, 2002, p. 56).
Portanto, no contexto da alfabetização, planejar as
aulas levando em conta as brincadeiras e o faz-deconta é um passo para que a criança sinta-se
motivada a aprender, e aprender com prazer.
Aproveitando os momentos de ludicidade para
inserir conceitos, valores, debates, como forma de
contribuir para o desenvolvimento sócio-afetivo.
Cabe, também, ao professor alfabetizador
conhecer e valorizar o universo cultural de seus
alunos, oportunizando a troca de experiências, para
ampliar as capacidades pessoais e sociais, o jogo é
um meio de que os professores devem utilizar-se, o
lúdico e o movimento, tão comum e necessário na
infância, parece estar se esvaindo em uma luta diária
de força e posse. Neste tempo moderno, em que a
brincadeira significativa parece dar lugar a internet,
aos vídeos games e falta de uma escola com espaços
prazerosos para jogos, brincadeiras e brinquedos,
temos um dever como educadoras: resgatar o lúdico
saudável, pois quanto mais rico e desafiador for o
ambiente, mais ele lhes possibilitará a ampliação de
conhecimento acerca de si mesma, das outras
crianças e do meio em que vivem.
Portanto, é necessário aos educadores
alfabetizadores atribuírem esse significado maior ao
brincar das crianças. Com base nisso, pode-se
entender que o aprendizado que o brincar favorece e
é fundamental para a formação das crianças em
processo, em todas as suas fases, principalmente na
alfabetização, onde inicia-se o processo formal de
escolarização.
1
Este artigo é parte integrante da Monografia de Especialização em
Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, das
Faculdades Dom Bosco, de Cascavel – PR.
Referências
BRASIL; Ministério da Educação e do Desporto; Secretaria
de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: temas transversais. Brasília: Secretaria de
Educação Fundamental, 1998.
_________. Ministério da Educação e do Desporto
Secretaria de Educação Fundamental. Referencial
curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC,
1998.
FANTIN, Mônica. No mundo da brincadeira: jogo,
brinquedo e cultura na educação infantil. Florianópolis:
Cidade Futura, 1994.
KISHIMOTO, Tizuko M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a
educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
MALUF, Angela Cristina Munhoz. Brincar: prazer e
aprendizado. 4. ed Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
OLIVEIRA, Zilma de et al. Educação infantil: fundamentos
e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação.
Ciência e Tecnologia Diretoria de Educação Básica e
Profissional. Proposta Curricular de Santa Catarina:
estudos temáticos. Florianópolis: IOESC, 2005.
SANTOS, Santa Marli Pires dos (Org.) Brinquedoteca: O
lúdico em diferentes contextos. 3 ed., Petrópolis: Vozes,
1997.
WAJSKOP, Gisela. O brinquedo como objeto cultural.
Pátio: Educação Infantil, Porto Alegre , v. 5, n. 15, p. 39-41,
fev. 2008.
15
E AGORA, JOSÉ?
É LENDO QUE APRENDEMOS
A ESCREVER?
“Amar se aprende amando”
Drummond de Andrade
A sociedade tem-se transformado de maneira
muito rápida nos últimos anos. Isso ocorre devido
aos desafios impostos pelos avanços tecnológicos.
Angústia e ansiedade permeiam aqueles que se
envolvem com o sistema educacional, já que não há
fórmulas para, pelo menos a curto prazo,
acompanhar os processos de evolução social que
atropelam as propostas de ensino.
Para lidar com as demandas da vida moderna, uma
solução intermediária seria promover o
desenvolvimento de estratégias específicas no
âmbito educacional. Ou seja, precisamos trabalhar
com as habilidades cognitivas essenciais que
atendam as exigências de uma sociedade em
transformação.
Para tanto, é de suma importância que os
estudantes, dos tempos atuais, aprendam a refletir
não só sobre suas habilidades cognitivas, como
também sobre seu papel na sociedade como um todo
no que diz respeito aos processos de compreensão e
abstração.
Assim, acreditamos na idéia de que o ensino
consciente, planejado e sistematizado de estratégias
lingüísticas em sala de aula pode auxiliar a enfrentar
as demandas sociais de forma criativa e competente.
Todo o projeto de leitura deve amparar-se na
hipótese de que o uso estratégico da linguagem, por
meio de processos de compreensão e produção, é um
modo de desenvolvimento de estruturas mentais
mais complexas, que, por sua vez, consolidam e
facilitam a abstração do mundo exterior. Apropriarse de uma informação, compreendê-la e fazer
inferências a partir dela fazem com que o estudante
embarque no universo letrado.
O processo de ensino-aprendizagem dentro da
escola deve ser direcionado para a inter-relação entre
as diversas disciplinas; os conteúdos devem ser
ministrados de forma que estejam próximos das
Alessandra Barcelos
Licenciada em Letras Língua Portuguesa e
Literatura de Língua Portuguesa e
licenciada em Língua Inglesa e
Literatura de Língua Inglesa (UFSC).
Professora de Língua Portuguesa
no Ensino Fundamental II do
Colégio Jardim Anchieta.
[email protected]
17
necessidades dos alunos; e o trabalho deve se
adequar aos alunos cujas necessidades de
competências diferenciadas rapidamente se
ampliam.
Na esfera lingüística, especificamente, a
linguagem verbal, em nossa interpretação, deve ser
utilizada em suas diversas modalidades,
desenvolvendo, dessa forma, habilidades cognitivas
básicas para o raciocínio abstrato, o processamento
da linguagem e, ainda, o desenvolvimento de
capacidades críticas e reflexivas sobre o seu papel na
sociedade. Extrair do livro prazer, descobertas,
lições de vida, enfim usá-lo, para que assim se possa
desenvolver a capacidade de pensar e crescer.
Leitura e compreensão do texto escrito são
elementos importantíssimos para que os alunos
possam inserir-se em práticas de leitura que, por sua
vez, desenvolvem-se de modo mais eficaz em
situações que ofereçam ampla gama de estímulos de
linguagem oral e escrita. Sustentados por essa idéia é
que acreditamos que a prática de leitura e
compreensão de textos escritos vai além de meras
respostas escritas as quais costumam servir como
mais um mecanismo de avaliação.
O professor mediador da sociedade moderna faz a
literatura chegar até o aluno para que através desse
contato ele passe a senti-la de forma
“descompromissada” e prazerosa. Partindo desse
pressuposto, tem-se um leitor autônomo e, portanto,
um professor dispensado. O leitor “formado” precisa
de outro companheiro leitor que pode até ser o seu
professor, para comentar, discutir, usufruir as
delícias de um texto. Jamais ele precisará de alguém
para transformar a sua leitura numa aula que acaba
destruindo toda a beleza da descoberta que fez ou
que sentiu quando leu.
O papel social da escola é formar leitores e
escritores autônomos, ou seja, são aqueles que, além
de ler e compreender textos complexos, conseguem
expressar o que pensam de forma escrita. Os leitores
e escritores de fato constroem simultaneamente
conhecimentos sobre o sistema de escrita e a
linguagem que usamos para escrever. É importante
ressaltar que, sob essa perspectiva, a escrita assume
uma importância maior. Ela já não é mais apenas um
objeto de avaliação e se torna uma colaboradora para
que o aluno se descubra praticamente autônomo e
independente.
Respeitando as particularidades e características
de cada grupo de alunos, acredita-se que o livre
arbítrio na hora da escolha da leitura envolve o aluno
no universo textual. Ao ler o que lhe agrada e o que
chama a sua atenção, é possível incentivá-lo também
a contar suas histórias e se manifestar diante do
público de colegas de classe.
Num país que tem boa parte da população
composta por não leitores que preferem ver
televisão, ouvir música, descansar ou até mesmo
ocupar longas horas de seu dia na frente do
computador, a tarefa de leitura exige determinação e
incentivo dos educadores. Tendo como base esse
cenário, defende-se a idéia de que algumas leituras
devam mesmo ser orientadas/sugeridas pelo
professor.
Entretanto, acredita-se que os clássicos não sejam
os livros mais indicados para despertar o interesse
nos jovens e crianças o gosto pela leitura, já que o
assunto é muito distante de sua realidade e sua
linguagem não lhes é ainda significativa. Com isso
não se trata de negar a importância e o valor dos
clássicos, mas sim de se priorizar, a princípio, o
prazer em ler.
Um texto implica vibração, debate; gostar ou não
gostar; ter vontade de escrever tudo de novo como se
fosse o real autor da obra; reler ainda muitas vezes
antes de fazer ou falar qualquer coisa; voltar e reler
trechos significativos; querer ficar num canto
quietinho sentindo mais de perto aquilo que “tocou”.
É preciso que se permita que a criatividade aflore e
esta só acontece com a liberdade, com o prazer da
descoberta. Assim, gradativamente, é que se
conseguirá chegar mais próximo do que já queria
Monteiro Lobato: “morar no livro”.
Existem diversas maneiras de se chegar aos bons
livros de literatura infanto-juvenil por exemplo. O
livreiro da cidade que é especializado naquele setor e
que está a par dos lançamentos e tem espírito crítico e
conhecimentos suficientes pode fazer boas
indicações. Existe também uma vasta bibliografia
sobre literatura em geral escrita, na maioria das
vezes, por especialistas, professores, críticos e
pesquisadores. Também é possível de se encontrar
indicações e comentários críticos de livros e autores,
inclusive por assuntos ou por faixa etária, etc.
Por fim, é fundamental ressaltar que o ensino por
meio da linguagem não se dá apenas nas aulas de
leitura e de língua portuguesa, mas em todas as
situações em que se pretende ensinar por meio desta.
É interessante ampliar o leque de gêneros textuais
com diferentes conteúdos, estilos e formas, pois,
com a apropriação desse instrumento, os alunos
participam na produção de discurso escrito de modo
18
E AGORA, JOSÉ?... - Alessandra Barcelos
pleno no universo das letras, desde que,
evidentemente, as competências básicas para o
reconhecimento e uso produtivo da linguagem
escrita tenham sido desenvolvidas.
Referências
BACK, E. Como ensinar português: domínio de língua.
Criciúma:UNESC, 2000.
FERREIRO, E. O ensino da leitura: o que diz a ciência
sobre como ensinar a ler. Porto Alegre: Artmed, 2006.
LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o
necessário. Porto Alegre: Artmed.
MORAIS, J. A arte de ler. São Paulo: Universidade
Estadual Paulista, 1996.
RODRIGUES, C; SOUZA, A.C. Por um ensino efetivo e
estratégico da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.
RODRIGUES, C; TOMITCH, L.M.B. e cols. Linguagem e
cérebro humano: contribuições multidisciplinares. Porto
Alegre: Artmed, 2003.
ZOTZ, W.; CAGNETI, S. Livro que te quero livre. 3ª Ed.
Florianópolis:Letras Brasileiras, 2005.
19
APRENDENDO A APRENDER
Relações entre a Pampaedia de
Comenius, a Indagação proposta
por Dewey e os atuais desafios
da educação
Os últimos quatrocentos anos de história
envolvem inúmeras reflexões e transformações no
cenário da educação. Muitos são os nomes de
destaque neste cenário e, entre eles, Jan Amos
Comenius, John Dewey e, respectivamente, seus
conceitos de "pampaedia" e "indagação" são aqui
relembrados, problematizados e até ressignificados
para fundamentação e defesa do ponto de vista
educacional que se segue.
Comenius anunciou, ainda no século XVII, o
surgimento da didática e, em parte, da pedagogia
moderna. Suas contribuições aos métodos de ensino,
à teoria evolucionista e até à psicologia genética,
surgiram de sua personalidade ativa, mística e
reformatória. Comenius creditava a educação como
necessária, como solução e como caminho para a
realização humana. Efetivar o ensino era, assim,
uma maneira de promover e acelerar uma reforma
social, bem como investir na raça humana.
Ainda hoje, muitas de suas idéias pedagógicas são
buscadas, mesmo por aqueles que nunca ouviram
falar em seu nome (COVELLO, 1999, p.12). Estão,
entre elas, o respeito aos estágios e limites de
desenvolvimento do educando no processo da
aprendizagem; a construção do conhecimento por
meio da experiência, da observação e da ação; o
abandono das punições e prática de uma educação
com diálogo, exemplo e ambiente adequado; o
ambiente escolar arejado, belo, com espaço livre e
ecológico; a interdisciplinaridade; e a coerência de
objetivos educacionais entre família, escola e
sociedade.
Além destes, o educador checo defendeu a
formação de um homem integral, constituído por
seus aspectos religioso, social, político, racional,
afetivo, moral e dotado de um saber universal
apresentado por Comenius como pansofia. O ensino
desta concepção global da vida para todos é o que o
Eduardo Mendes Silva
Técnico em Informática (CEFET/SC),
bacharel em Design pela UFSC, graduando do
curso de Pedagogia da UDESC e aluno do
programa de pós-graduação em
Gestão Escolar da Rede Pitágoras.
Professor de Educação Tecnológica, desde
2005, e Coordenador de Comunicação,
desde 2008, do Colégio Jardim Anchieta.
[email protected]
21
checo denominou de pampaedia.
O final do século XIX e a primeira metade do
século XX representam o período de produção de
outro renomado educador e expoente da pedagogia:
o estadunidense John Dewey (1859-1952). Ao lado
de Charles Sanders Pierce (1839-1914) e William
James (1842-1910), Dewey é um dos três principais
nomes do pragmatismo. No Brasil, este pedagogo
norte-americano influenciou, com sua produção,
professores como Anísio Teixeira, Lourenço Filho,
Fernando de Azevedo e mais alguns defensores da
Escola Nova.
A educação defendida por Dewey é baseada na
concepção de que sua função para a vida social é a
mesma que a nutrição e reprodução representam
para a vida fisiológica (DEWEY, 1959, p.10). Ou
seja, Dewey vê a educação (e, conseqüentemente, a
Escola) como algo necessário para a renovação e,
por isso, sobrevivência da vida social. A transmissão
das experiências de vida de um grupo para os novos
indivíduos deste conjunto garante, mesmo que
alguns elementos constitutivos deste agrupamento
deixem de existir, que tais experiências permaneçam
vivas no grupo.
Feitas estas apresentações já é possível justificar a
necessidade da educação com o exposto destes dois
educadores. Comenius, conforme citado, otimista e
idealista, encara a educação como solução para a
realização humana. A quem deseja uma reforma
social, o pensamento de Comenius serve de razão
para a educação.
Sem negar tal amplitude de um projeto
educacional, mas sem a apelação desta crença
demasiada na raça humana, a finalidade da educação
em Dewey é uma questão de sobrevivência, ou como
dito, a garantia da renovação da vida social. E, neste
contexto, a escola adquire função de destaque no
processo educacional. A educação formalizada,
prática das escolas, é necessária em uma escala
proporcional ao nível de complexidade da
experiência de um agrupamento social. Ou seja,
"com o progresso da civilização aumenta a distância
entre a capacidade originária do imaturo e os ideais e
costumes dos mais velhos" (DEWEY, 1959, p. 3).
Nestes casos, a reprodução da vida do grupo não
depende mais apenas de uma atividade educacional
ocasional ou informal. É preciso um "esforço
deliberado e árdua reflexão" (1959, p. 3). E mais,
"sem essa educação formal é impossível a
transmissão de todos os recursos e conquistas de
uma sociedade complexa" (1959, p. 8).
Outro motivo que conduz para a educação, além
da renovação da vida social, é a ampliação da vida.
Para a compreensão deste, é necessário,
primeiramente, apresentar a concepção que Dewey
traz sobre vida. Em suas produções, John Dewey
apresenta a vida como a totalidade de experiências
(relação com o ambiente) de um indivíduo. "Vida
subentende costumes, instituições, crenças, vitórias
e derrotas, divertimentos e ocupações" (DEWEY,
1959, p.2).
Uma vez que a escola amplia, de forma organizada
e planejada as experiências de seus educandos, a
instituição contribui, também, com a ampliação da
vida dos mesmos.
Assim como ambos os pensadores apresentam
argumentos para o(s) porquê(s) de se educar, Dewey
e Comenius sugerem como tal atividade deve ser
realizada.
Primeiramente, valendo-me das idéias de Dewey,
a atual complexidade de nossa sociedade dificulta
qualquer tentativa de negação da escola como
principal instituição de um projeto educacional. E
mais, em concordância com a idéia de que "jamais
educamos diretamente e, sim, indiretamente, por
intermédio do ambiente" (DEWEY, 1959, p.20), a
escola é mais uma vez elevada e valorizada já que se
trata de um "exemplo típico do meio especialmente
preparado para influir na direção mental e moral dos
que as freqüentam" (1959, p.20).
Antes de desenvolver outras características do
"como educar", na perspectiva de John Dewey,
atrevo-me a questionar e ressignificar uma
considerável contribuição de Jan Amos Comenius.
O ensino de tudo a todos ou pampaedia por ele
propagada é pontualmente ilustrada com a seguinte
colocação: "Daqui para o futuro, deve-se, pois: (...)
apresentar e explicar tão clara e detalhadamente tudo
o que deve ser aprendido pelos alunos, que o tenham
presente como os cinco dedos das próprias mãos"
(COMENIUS¹ apud COVELLO, 1999).
É difícil não admitir que esta e muitas de suas
idéias permaneçam vivas e alcançaram a educação
do século XXI. É possível até que, mais de trezentos
anos depois de Comenius, alguns de seus princípios
ainda nem puderam ser praticados na escola por
incapacidade e imperícia de professores e
educadores. Entretanto, sem desmerecer a obra do
educador checo e compreendendo a sua posição
sócio-histórica, as revoluções e leituras do mundo
atual colocam em questão, o ensino detalhado de
tudo a todos, conforme por ele proposto.
22
APRENDENDO A APRENDER - Eduardo Mendes Silva
meio das quais a situação é melhorada se acham
principalmente do lado do organismo (pois jamais
estão totalmente de um lado) o processo implicado é
chamado indagação (RUSSEL, 1982, p.377-8, grifo
do autor).
Em meio a um avanço exponencial dos
mecanismos tecnológicos, o homem do século XXI,
segundo Borges (2008), situa-se entre um volume de
informações que não consegue assimilar e uma
massa de mudanças que não consegue acompanhar.
Além disso, apresenta mais interdependências do
que o possível de se gerenciar. Completando todo
este panorama um tanto instável e de desconfiança,
Borges afirma que "nenhuma escola consegue
preparar o aluno para todas as opções do mundo"
(2008).
A variedade de opções refere-se a uma gama igual
ou maior de saberes. Refém dessa diversidade, o
homem se vê incapaz de dominar todos os
conhecimentos e, o que nos remete ao pensamento
de Comenius, incapaz de ensinar tudo.
Não se trata explicitamente do fim das nobres
intenções da pampaedia, mas de uma reestruturação
e ressignificação do termo. Se a tarefa de ensinar
tudo a todos é comprometida pela velocidade de
produção do conhecimento, ensinar a aprender surge
como alternativa à questão. Oferecer autonomia para
os educandos de modo que, diante de novos saberes
ou das transformações do conhecimento, eles
possam, por conta própria, buscar seu
desenvolvimento e aprendizado, não é uma negação
da escola às idéias de Comenius. Pelo contrário, a
finalidade, ainda que mais distante, é a mesma. O
"ensino de tudo" dá espaço para a "preparação para
saber de tudo" ou para "o ensino de como saber de
tudo".
E é neste espaço da discussão a respeito de como
educar e ensinar que encerro a argumentação, mais
uma vez com o auxílio de John Dewey. A defesa da
prática de ensinar a aprender pode ser fundamentada
com o pensamento do educador norte-americano.
Dewey desenvolve amplamente o significado e os
efeitos da "indagação". Para ele, indagar é, antes de
tudo, uma atividade organizadora. "A indagação é a
transformação controlada ou dirigida de uma
situação indeterminada em outra que é tão
determinada em suas distinções e relações
constitutivas que converte os elementos da situação
original num todo unificado" (DEWEY apud
RUSSEL, 1982, p.376). Ou, nas palavras de
Bertrand Russel (1980):
Ou seja, a indagação é uma ferramenta para ajuste
da situação, do ambiente, da experiência. Indagar é
uma prática que deve ser ensinada, praticada e
estimulada em nossos educandos. Trata-se de um
meio para a efetivação e potencialização do ensino e
aprendizagem do aprender. Munir os alunos deste
poderoso recurso é corroborar com os trajetos
indicados tanto por Dewey como por Comenius. É
possibilitar a ampliação das vidas destes educandos
e permitir que os mesmos construam um
conhecimento unificado, como a pansofia
apresentada por Comenius.
Restam-me, agora, considerações finais acerca de
tudo que foi exposto. As grandiosidades das
produções de Jan Amos Comenius e John Dewey
seriam injustamente tratadas se qualquer avaliação
ou análise das mesmas fosse baseada unicamente no
presente texto. Dito isto, reforço a crença da
educação como projeto social em Comenius e como
requisito para renovação da vida em grupos,
conforme Dewey. Assim justificada, a educação é,
primeiramente, institucionalizada pela escola e
deve, dada as transformações sociais, visar o ensino
do aprender. O conceito de "indagação", proposto
por Dewey, é um dos caminhos possíveis para
possibilitar o aluno a estar "preparado para saber de
tudo" ou para "o ensino de como saber de tudo",
ressignificando, assim, a pampaedia exposta por
Comenius e mantendo concordância com a idéia de
que a educação, em Dewey, "consiste na contínua
reconstrução da experiência por meio da qual o
indivíduo se prepara para ter experiências mais
significativas no futuro. A educação não tem outro
objetivo senão mais educação" (SCHIMITZ, 1980,
p.277).
Apesar de pretencioso, na comparação, síntese e
aplicação das idéias dos autores aqui trabalhados, a
validade deste artigo, creio, está nas janelas abertas
por estas linhas para discussões que gerem e somem
efeitos práticos à educação.
Penso que a teoria do Dr. Dewey poderia ser exposta
da seguinte maneira: As relações de um organismo
com o seu ambiente são, às vezes, satisfatórias para o
organismo e, outras vezes, insatisfatórias. Quando
são insatisfatórias, a situação pode ser melhorada por
ajustamento mútuo. Quando as modificações por
¹ A obra de Covello apresenta uma seleção de textos de Comenius
(COMENIUS, J. A. Große Didaktik. Stuttgart: Klett-Cotta, 1993)
traduzidos por Dora Incontri.
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Referências
BORGES, Pedro Faria. Aprender a ensinar, ensinar a
aprender. Palestra proferida no CONGRESSO DE
EDUCAÇÃO, Rede Pitágoras, 23 fev. 2008, Florianópolis.
COVELLO, S. C. Comenius: a construção da pedagogia. 3.
ed. São Paulo: Comenius, 1999.
DEWEY, John. Democracia e Educação. São Paulo: Cia
Editora Nacional, 1959. p.1-10.
DEWEY, John. Experiência e Educação. São Paulo: Cia
Editora Nacional, 19XX. p.1-10.
RUSSEL, Bertrand. História da Filosofia Ocidenal. Brasília:
Universidade de Brasília; São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1982. p. 363-382.
SCHIMITZ, Egidio Francisco. O Pragmatismo de Dewey na
Educação: Esboço de uma Filosofia da Educação. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1980.
24
RELATO DE EXPERIÊNCIA
A MÚSICA GERA GRANDES
CONHECIMENTOS
A iniciativa, escolha do tema e idealização de
projetos pedagógicos por parte do professor
dependem de um momento de dedicação e pesquisa
intensa. Trabalhar um conteúdo que despertou
interesse por parte das crianças nos conduz a novos
desafios tão gratificantes quanto nossa prática
docente. E este momento é o da descoberta dos
caminhos a serem trilhados durante o processo de
aprendizagem, deste podemos destacar os
conteúdos, a metodologia, o material, a busca pelo
novo e os elementos surpresa que nos deparamos
durante o percurso.
Quando da elaboração do projeto “Estilos
Musicais” para a turma de 1º período, crianças na
faixa etária de quatro anos, pensou-se em construir
um conceito de estilo musical que buscasse
enobrecer a base da nossa música, ressaltando
músicos e histórias realmente importantes para
nosso país.
Na escolha dos estilos evidenciamos ritmos que
em sua essência eram tipicamente brasileiros, como:
o samba, o forró e o sertanejo, mas também levando
em consideração o gosto das crianças, e desta forma
abordamos o rock. Estabelecidos os ritmos, partiu-se
para uma enquete com os pais para sugestão das
músicas a serem apresentadas e/ou estudadas pelos
alunos. Desta podemos selecionar várias, após
verificar a letra das músicas, observando seu
conteúdo, introdução de novos vocábulos e músico.
Mas, com todas estas idéias na mão nos
perguntamos: como lançar o novo projeto às
crianças? O ponto-chave seria então aguçar o sentido
da audição e mostrar às crianças a riqueza de sons
que nos rodeiam e dos quais muitas vezes não nos
damos conta. Através de CDs e caminhadas dentro e
fora do ambiente escolar podemos perceber que
existem dois tipos de sons: os naturais e os
humanizados. Trovões, chuva, mar, cachoeira,
vento, animais, produzem sons distintos e cada qual
com sua preciosidade, aprendemos a admirá-los,
pois causam uma sensação de bem-estar. Os sons
humanizados: carros, portões eletrônicos, alarmes,
Suzete Neves Pessi
Graduada em Educação Física e em
Letras Inglês (UFSC), tem especialização em
Atividade Física e Saúde (UFSC) e
Doutorado em Métodos de Investigação e
Diagnóstico em Educação
(Universidad Complutense de Madrid).
Professora no CJA desde 2000, atualmente
ministra aulas de Inglês, no período matutino,
do 5º ao 9º ano e é professora
da turma do 1º período
vespertino.
[email protected]
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sirenes, palmas, mastigação, cadeiras arrastando,
liquidificador e tantos outros que produzem
multiplicidades de sons e que muitas vezes não nos
causam tantos benefícios, nossa turma conseguiu
vivenciar e distinguir estas duas realidades, e que por
uma infelicidade há a predominância de um
(humanizado) sobre o outro (natural).
Neste momento procurou-se dar ênfase à
distinção de alguns elementos como: alto e baixo,
agudo e grave, ritmo, alegre e triste e brincadeiras
para diferenciar sons de animais e voz dos colegas.
Após este momento foram introduzidos os
instrumentos e seus diferentes sons: pandeiro,
chocalho, violão, cavaquinho, triângulo, tambor,
bumbo, entre outros. E nesta brincadeira
percebemos que alguns sons juntos formam as
músicas e que estas músicas podem ser de estilos
diferentes. E neste momento a visita a uma escola de
música nos deixou ainda mais empolgados, pois
podemos vivenciar uma aula de inicialização
musical muito interessante.
Atentos a estas diferenças as crianças percorreram
diferentes caminhos. Aproximamo-nos do samba
com uma ternura sem fim, e nos deliciamos ouvindo
Noel Rosa e Adoniran Barbosa; viajamos pelo Rio
de Janeiro e toda a sua boemia; sabemos também que
existem tipos de samba, apreciamos os
instrumentos, confeccionamos um chocalho e
recebemos a vista de um grupo que nos fez mostrar o
samba no pé.
Saindo do Rio de Janeiro chegamos ao Nordeste
brasileiro, uma região que nos oferece o Forró, tendo
como seu grande representante Luiz Gonzaga. E que
palavra engraçada, de onde veio Forró? Luiz Câmara
Cascudo, um historiador, nos contou que ela é
derivada de Forrobodó, uma palavra africana que
significa festa. Nossa turma adorou conhecer a
culinária e o artesanato nordestino, onde pudemos
realizar um delicioso bolo e fazer nossas garrafinhas
de areia. E em nossa representação da dança “Xote
das Meninas” nos vestimos como verdadeiros
nordestinos, chapéu de cangaceiro e saias de chita,
nossos instrumentos também foram confeccionados
por nós, a zabumba e a sanfona. Mas, ficamos tristes
em saber que parte do nordeste sofre com problemas
como miséria e seca.
Nesta viagem nossa turma chega a um estilo muito
conhecido dos brasileiros e que não predomina em
uma só região de nosso país, mas no Brasil como um
todo, e este estilo é o rock. Realizamos uma volta ao
passado e começamos nosso trilhar na Jovem
Guarda (anos 60), Raul Seixas (anos 70), Blitz (anos
80) e Jota Quest (anos 90 e dias atuais). Que legal foi
tocar bateria, nos sentimos verdadeiros roqueiros e
soltamos a voz no microfone. A visita de um casal
tocando músicas da Jovem Guarda fez sucesso em
nossa sala, principalmente quando eles nos
ensinaram a música do Pica-pau.
Do som forte do rock passamos a habitar a região
centro-oeste do Brasil e a apreciar uma deliciosa
moda de viola dos caipiras, o que hoje passou a se
chamar de sertanejo. Passamos a admirar o homem
do campo e toda a sua forma de viver, simples e
natural, também discutimos sobre as práticas do
rodeio e conseguimos fechar nosso projeto com um
delicioso carreteiro com feijão tropeiro, onde
tivemos a participação de nossos alunos com suas
famílias.
Acredito que este será um projeto que ficará para
sempre em minha memória, pois quando tracei os
primeiros objetivos, pude perceber ao longo da
caminhada que tudo o que eu buscava estava indo
além do programado, e esta emoção é inigualável,
pois obtive um retorno muito positivo, em falas, em
gestos, em comentários, nos sorrisos, na dedicação e
no prazer que meus alunos transmitiam em seus
olhares.
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