as perspectivas êmica e ética na pesquisa em
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ETNOMODELAGEM: AS PERSPECTIVAS ÊMICA E ÉTICA NA PESQUISA EM ETNOMATEMÁTICA E MODELAGEM Milton Rosa Universidade Federal de Ouro Preto [email protected] Daniel Clark Orey Universidade Federal de Ouro Preto [email protected] RESUMO A aplicação das técnicas da etnomatemática conjuntamente com as ferramentas da modelagem fornece, através da etnomodelagem, uma visão holística da matemática. A etnomodelagem procura conectar os aspectos culturais da matemática com os aspectos matemáticos acadêmicos. Nessa perspectiva, a utilização das abordagens êmica e ética facilita a tradução de situações-problema presentes nos sistemas, retirados da realidade de grupos culturais distintos, para a matemática acadêmica. O conhecimento êmico é essencial para a compreensão intuitiva e empática das ideias, procedimentos e práticas matemáticas dos grupos culturais enquanto que o conhecimento ético é essencial para a comparação entre esses grupos. Por outro lado, a perspectiva dialética utiliza as abordagens êmica e ética para a obtenção de uma compreensão mais completa e abrangente do conhecimento matemático desenvolvido pelos membros de diversos grupos culturais. Palavras-chave: Etnomodelagem, Etnomatemática, Modelagem Matemática, Perspectiva Êmica, Perspectiva Ética ABSTRACT The application of the techniques of ethnomathematics in conjunction with the tools of modeling through ethnomodeling provides a holistic view of mathematics. Ethnomodeling seeks to connect the cultural aspects of V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 2 mathematics with its academic aspects. In this perspective, the use emic and etic approaches facilitates the translation of problem-situations present in the systems, taken from the reality of distinct cultural groups, to the academic mathematics. Emic knowledge is essential to the intuitive and empathetic understanding of ideas, procedures and mathematical practices of the cultural groups while the etic knowledge is essential for the comparison between these groups. On the other hand, the dialectical perspective uses the emic and etic approaches to obtain a more complete understanding of mathematical knowledge developed by the members of diverse cultural groups. Keywords: Ethnomodeling, Ethnomathematics, Mathematical Modeling, Emic Perspective, Etic Perspective 1 Introdução Ao investigarem o conhecimento desenvolvido pelos membros de grupos culturais distintos, os pesquisadores podem encontrar ideias matemáticas originais, que podem ser consideradas como etnomatemáticas. Contudo, a captação dos conhecimentos de outra cultura exige um esforço incessante da compreensão dos fenômenos científicos a partir das categorias e referenciais nativos para que uma ideia, procedimento ou prática matemática possa ser expresso no sistema acadêmico. Assim, devemos ser cautelosos para não corrermos o risco de transmiti-las com base em fatos e fenômenos julgados a partir de nossa própria visão e perfil cultural. Nesse contexto, o entendimento dos pesquisadores sobre os traços culturais de um determinado grupo é sempre uma interpretação que, frequentemente, enfatiza as características superficiais dessa cultura, gerando uma interpretação errônea do conhecimento desenvolvido e acumulado por esse grupo cultural. Um desafio que se coloca a partir dessa abordagem é a maneira como as ideias matemáticas, culturalmente enraizadas, podem ser extraídas ou compreendidas sem permitir que a cultura dos pesquisadores interfira com a cultura dos membros do grupo cultural sob estudo. Isso pode ocorrer quando os membros dos grupos culturais têm a própria interpretação de sua cultura, denominada de perspectiva êmica, em oposição à interpretação dos pesquisadores, denominada de perspectiva ética. Os termos êmico e ético também são utilizados como uma analogia entre observadores 3 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil de dentro (insider-êmico) e observadores de fora (outsider-ético) (CAMPOS, 2002). A perspectiva ética refere-se a uma interpretação de aspectos de outra cultura a partir das categorias daqueles que a observam, isto é, dos próprios pesquisadores. Por outro lado, a perspectiva êmica procura compreender determinada cultura com base nos referenciais e categorias desenvolvidos por essa cultura. Em outras palavras, a perspectiva ética é a visão externa, dos observadores, que estão olhando de fora, em uma postura transcultural, comparativa e descritiva enquanto que a perspectiva êmica é a visão interna, dos observados, que estão olhando de dentro, em uma postura cultural própria, particular e prescritiva. Em outras palavras, a perspectiva ética significa a visão do eu em direção ao outro enquanto que a perspectiva êmica significa a visão do eu em direção ao nosso. No desenvolvimento de uma pesquisa, a perspectiva ética é inevitável e necessária, contudo, é de extrema importância observar uma determinada cultura, primeiramente, na perspectiva êmica, procurando compreender como o próprio grupo entende as próprias manifestações culturais. Entretanto, ao contrário da perspectiva ética, a êmica não é automática, inevitável e implícita. Pelo contrário, precisamos nos esforçar para utilizá-la, pois existe a necessidade de vermos o mundo com os olhos do outro. Dessa maneira, temos que: Quadro 1: As Perspectivas Êmica e Ética Perspectiva Êmica Perspectiva do nativo (interno) Perspectiva Ética Perspectiva do observador (externo) Visão local (interna) Visão global (externa) Tradução Prescritiva Tradução Descritiva Cultural Analítico Estruturas mentais Estruturas comportamentais Transcrição Cultural Transcrição Acadêmica Com relação ao conhecimento científico, a falta de entendimento de um determinado fenômeno matemático, a partir de uma perspectiva êmica, favorece a determinação de conceituações que somente têm embasamento na matemática tradicional e acadêmica. Nesse sentido, a apresentação das ideias, procedimentos e práticas matemáticas desenvolvidas por grupos culturais distintos somente terão relevância se as conclusões éticas forem tomadas depois que adquirimos uma relevante compreensão êmica sobre esse conhecimento. Diante dessa perspectiva, os pesquisadores e educadores que assumem uma abordagem V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 4 êmica acreditam que fatores como as origens cultural e linguística, os valores sociais, a moral e os estilos de vida influenciam a evolução do conhecimento matemático quando esse é desenvolvido no próprio contexto cultural. Então, os diferentes grupos culturais desenvolveram maneiras diferentes de fazer matemática para que pudessem entender e compreender os ambientes: cultural; social; político; econômico e natural nos quais estavam inseridos (ROSA, 2010). Além disso, cada grupo cultural tem desenvolvido maneiras únicas e distintas para matematizar a própria realidade (D'Ambrosio, 1990). Nesse contexto, a matematização é o processo por meio do qual os indivíduos de diferentes grupos culturais utilizam diferentes ferramentas matemáticas que possam auxiliálos a organizar, analisar, compreender, entender, modelar e resolver problemas específicos enfrentados no cotidiano (ROSA e OREY, 2006). Essas ferramentas permitem a identificação e a descrição de ideias, procedimentos e práticas matemáticas específicas de um contexto cultural, que visam auxiliar os membros dos grupos culturais a descobrirem relações e regularidades, esquematizarem, formularem e visualizarem situações-problema de maneiras diferenciadas, transferindo-as do mundo real para a conceituação matemática por meio da matematização. Dessa maneira, é de suma importância a busca de uma abordagem metodológica alternativa, que tem como objetivo o registro das ideias, procedimentos e práticas matemáticas que são desenvolvidas em diferentes contextos culturais. Em nosso ponto de vista, essa abordagem é denominada de etnomodelagem, que pode ser considerada como uma aplicação prática da etnomatemática que adiciona uma perspectiva cultural aos conceitos da modelagem matemática (ROSA e OREY, 2010a). 2 Etnomodelagem Os estudos conduzidos por Ascher (2002), Gerdes (1991), Orey (2000), Rosa e Orey (2009) e Urton (1997) revelam ideias e práticas matemáticas sofisticadas que incluem princípios geométricos em trabalhos artesanais, conceitos arquitetônicos e práticas desenvolvidas nas atividades de produção de artefatos de grupos culturais distintos. Eglash, Bennett, O'Donnell, Jennings e Cintorino (2006) afirmam que esses procedimentos estão relacionados com as relações numéricas encontradas no cálculo, na medição, nos jogos, na navegação, na astronomia, na modelagem e em uma grande variedade de procedimentos matemáticos e artefatos culturais. Nessa perspectiva, a etnomodelagem pode ser considerada como o estudo das ideias e procedimentos utilizados nas práticas matemáticas de grupos culturais distintos. Os V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 5 procedimentos da etnomodelagem envolvem as práticas matemáticas desenvolvidas e utilizadas em diversas situações-problema enfrentadas no cotidiano dos membros desses grupos (ROSA e OREY, 2010a). No ponto de vista de Caldeira (2007), a etnomodelagem considera o conhecimento matemático adquirido a partir de práticas culturais utilizadas na comunidade. A esse respeito, existe a necessidade de perceber que o conhecimento matemático origina-se em práticas sociais enraizadas nas relações culturais. Esse ponto de vista permite a exploração de ideias matemáticas distintas por meio da valorização e respeito aos conhecimentos adquiridos quando os indivíduos interagem com o próprio ambiente (D’AMBROSIO, 1993; ROSA e OREY, 2003). Nessa perspectiva, Rosa e Orey (2010a) afirmam que a etnomodelagem é considerada como a região de intersecção entre a antropologia cultural, a etnomatemática e a modelagem matemática. Nessa abordagem, na etnomatemática, o êmico é constituído por sistemas lógicoempíricos considerados como apropriados para os membros dos grupos culturais. Na modelagem, o ético é constituído pelas ferramentas que são utilizadas para a obtenção de dados sobre as ideias, procedimentos e práticas matemáticas locais, que foram observados. Eglash et al (2006) argumentam que “a antropologia cultural sempre dependeu dos atos de ‘tradução’ entre as perspectivas êmica e ética (p. 347). Figura 1: A etnomodelagem como uma região de intersecção entre três campos de pesquisa A etnomatemática transforma a pobreza matemática conceitual por meio de um processo conceitualmente enriquecido denominado de etnomodelagem. No entanto, esse processo somente será positivo quando os sistemas de conhecimento dos grupos culturais não são idealizados por meio dos olhos de pesquisadores e educadores e, também, quando os alunos não são emprisionados em modos antiquados e maneiras dominantes de pensar. Assim, V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 6 quando um sistema etnomatemático é utilizado ativamente como um sistema baseado em uma teoria que pode resolver problemas reais, esse processo pode ser descrito como etnomodelagem (ROSA e OREY, 2010b). Por outro lado, a etnomatemática enfatiza os conhecimentos adquiridos nas comunidades (êmico) enquanto que a etnomodelagem tende a conectar matemática acadêmica (ético) com esse contexto. Essa abordagem mostra que a matemática é um empreendimento cultural, que está enraizada na tradição, pois cada grupo cultural desenvolveu um sistema de ideias matemáticas e modos de lidar com a realidade com a utilização da medição, quantificação, comparação, classificação, inferência e modelagem. Essas técnicas são as ferramentas básicas utilizadas pela etnomodelagem para a tradução de uma situação-problema entre as abordagens êmica e ética. Diante desse ponto de vista, Eglash at al (2006) e Rosa e Orey (2006) utilizam o termo tradução para descrever o processo de modelagem utilizado nos sistemas de conhecimento matemático local de uma determinada cultura (êmico) para uma representação da matemática acadêmica ocidental (ético). Nesse contexto, a etnomodelagem utiliza as técnicas da modelagem para estabelecer relações entre a estrutura da matemática local com a acadêmica visando à resolução de situações-problema enfrentadas no cotidiano. Contudo, devemos ser cautelosos durante o desenvolvimento desse processo, pois muitas vezes, os desenhos indígenas são simplesmente analisados a partir de uma visão ocidental (ético) como, por exemplo, a aplicação das classificações simétricas da cristalografia nos padrões têxteis existente nos tecidos indígenas (EGLASH et al, 2006). No entanto, em alguns casos, a tradução de um conhecimento matemático local para a matemática ocidental é direta e simples, como, por exemplo, a modelagem dos sistemas de contagem e calendários. Por outro lado, existem casos em que as ideias e os procedimentos matemáticos são incorporados em um processo êmico, como na iteração utilizada no trabalho artesanal africano com miçangas e nos caminhos eulerianos empregados nos desenhos de areia denominados Sona (EGLASH et al, 2006). Nesse sentido, em nosso ponto de vista, o ato de tradução aplicado nessas práticas culturais é denominado etnomodelagem, pois o conhecimento matemático utilizado nesses processos decorreu de uma origem êmica ao invés de ética. Entendemos que seja impossível aprisionar os conceitos matemáticos em registros de designação única da realidade, pois existem sistemas distintos que utilizam representações múltiplas dessa realidade (CRAIG, 1998), pois a matemática não foi concebida como uma linguagem universal. Nesse sentido, os princípios, os procedimentos e os fundamentos da matemática não são os mesmos para todos os grupos culturais (ROSA, 2010). Então, os V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 7 processos de produção de ideias, procedimentos e práticas matemáticas operam de acordo com o registo das singularidades interpretativas sobre as possibilidades de uma construção simbólica do conhecimento matemático desenvolvido em diferentes grupos culturais (ROSA e OREY, 2006). 3 Etnomodelos Geralmente, um modelo pode ser considerado como a representação de uma ideia, um conceito, um objeto ou um fenômeno (BASSANEZI, 2002). Definimos etnomodelos como artefatos culturais que funcionam como instrumentos pedagógicos utilizados para facilitar o entendimento e a compreensão de sistemas que são retirados da realidade de grupos culturais distintos (OREY e ROSA, 2009). Os etnomodelos são considerados como representações externas, precisas e consistentes com o conhecimento científico e matemático, que é socialmente construído e compartilhado pelos membros de grupos culturais específicos. De acordo com essa perspectiva, o objetivo primordial para a elaboração de etnomodelos é a tradução das ideias, procedimentos e práticas matemáticas presentes nos sistemas retirados da realidade, que são sistemas simbólicos organizados pela lógica interna dos membros de grupos culturais distintos. No entanto, Eglash at al (2006) e Rosa e Orey (2010b) argumentam que os modelos que são construídos sem que tenham algum sentido para a realidade a ser modelada devem ser vistos com desconfiança. Então, existe a necessidade de que os pesquisadores e educadores não sejam iludidos por sua própria teoria e ideologia visando à percepção dos distintos pontos de vista que existem sobre o conhecimento matemático do sistema que está sendo modelado. Por isso, é de suma importância evitarmos a alusão ao êmico para impormos o nosso modelo ético para uma determinada prática matemática. Então, é de suma importância que os pesquisadores e educadores sejam capazes de informar aos outsiders (ético) sobre o conhecimento matemático que realmente importa para os insiders (êmico). 4 As Construções Êmica e Ética da Etnomodelagem Na perspectiva da etnomodelagem, as construções êmicas são as descrições e as análises expressas em termos de esquemas conceituais, que são significativos e que foram apropriados pelos membros do grupo cultural em estudo (Lett, 1996). Assim, uma construção êmica está de acordo com as percepções e entendimentos considerados apropriados pela cultura do observador interno (insider). A validação do conhecimento êmico está relacionada com o consenso da população local, que deve concordar que essas construções sejam coincidentes V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 8 com a percepção comum e que retratam as características próprias de sua cultura (Lett, 1996). Em outras palavras, a perspectiva êmica investiga os fenômenos matemáticos, as suas estruturas e interrelações por meio da compreensão do desenvolvimento do conhecimento matemático adquirido pelos membros de um determinado grupo cultural. Os dados êmicos, que representam as concepções dos pesquisados, podem ser obtidos através de técnicas de coleta de dados como entrevista, observação participante e história de vida (VIERTLER, 2002). O conhecimento matemático êmico pode ser obtido através da elucidação ou observação, pois é possível que os observadores externos possam inferir sobre as percepções locais com relação às ideias, procedimentos e práticas matemáticas (LETT, 1996). Por outro lado, as construções éticas são consideradas como as descrições e análises das ideias, procedimentos e práticas matemáticas expressas em termos de esquemas conceituais e categorias que são considerados significativos e apropriados para a comunidade de observadores científicos, pesquisadores e investigadores (LETT, 1996). Uma construção ética é precisa, lógica, abrangente, replicável e independente dos pesquisadores e observadores. A validação do conhecimento ético é obtida através da análise lógica e empírica. Os dados éticos, que evidenciam os conceitos e as teorias dos pesquisadores e investigadores, são frequentemente obtidos através de questionários (VIERTLER, 2002). O conhecimento ético pode ser obtido através da elucidação e observação, pois é possível que os membros de um determinado grupo cultural possuam conhecimento cientificamente válido (LETT, 1996). Diante dessa perspectiva, no ponto de vista de D' Ambrosio (1990), é necessário que os pesquisadores e investigadores reconheçam que as populações locais desenvolveram e desenvolvem conhecimentos matemáticos que são validados em suas práticas socioculturais. 5 O Dilema Êmico-Ético em Etnomodelagem As abordagens êmica e ética foram introduzidas pela primeira vez pelo linguista Pike (1954), que se inspirou em uma analogia entre duas abordagens linguísticas: 1) Fonêmico: é um sistema de organização dos sons utilizados em um determinado idioma e que são localmente significativos. Assim, o estudo da abordagem fonêmica implica no exame do som utilizado em uma linguagem particular. 2) Fonético, que são os aspectos gerais de todos os sons possíveis produzidos em uma determinada linguagem. Então, a abordagem fonética visa às generalizações a partir dos estudos fonêmicos de uma linguagem específica, que busca elaborar uma ciência universal que englobe todas as linguagens. Esses conceitos alcançaram a academia antropológica tornando-se elementos V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 9 fundamentais para a análise cultural. Diante desse contexto, elaboramos uma analogia com relação à etnomodelagem, na qual é possível afirmarmos que sua abordagem êmica estuda as práticas matemáticas desenvolvidas internamente e que sejam localmente significativas. Argumentamos que os etnomodelos êmicos estão baseados nas características, que são importantes para os sistemas retirados da realidade, daqueles que estão sendo modelados. Por outro lado, existem muitos etnomodelos éticos, que são elaborados de acordo com a visão dos observadores externos aos sistemas retirados da realidade, que está sendo modelada. Nesse contexto, os etnomodelos éticos representam a maneira como o modelador imagina que os sistemas retirados da realidade funcionam enquanto que os etnomodelos êmicos representam como os indivíduos que vivem nesses grupos culturais percebem a utilização desses sistemas na própria realidade. É importante salientar que a perspectiva êmica desempenha um papel importante na pesquisa em etnomodelagem, porém, a perspectiva ética também deve ser considerada nesse processo. Em nosso ponto de vista, o foco da análise das ideias e procedimentos matemáticos é ético se essas práticas podem ser comparadas entre os grupos culturais com a utilização de definições e categorias métricas comuns. Por outro lado, o foco da análise desses aspectos é êmico se as ideias, os procedimentos e as práticas matemáticas são desenvolvidos exclusivamente por um determinado grupo cultural e estão enraizados nas diversas maneiras em que essas atividades podem ser realizadas em um ambiente cultural específico. Diante desse contexto, entendemos que a lógica do dilema êmico-ético está fundamentada no argumento de que a compreensão da complexidade dos fenômenos matemáticos somente é verificada no contexto do grupo cultural no qual esses fenômenos foram desenvolvidos. 6 A Abordagem Dialética da Etnomodelagem Atualmente, o debate entre o êmico e o ético é uma das questões mais intrigantes da pesquisa em etnomodelagem, pois é importante lidarmos com questões como: Existem padrões matemáticos que são identificáveis e/ou similares em diferentes culturas? É melhor haver uma concentração nos padrões matemáticos que são decorrentes da cultura sob investigação? Enquanto as perspectivas êmica e ética são muitas vezes consideradas como uma dicotomia conflitante, Berry (1999) enfatiza que Pike (1954), originalmente as concebeu como pontos de vista complementares. De acordo com esse contexto, ao invés de representar V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 10 um dilema, a utilização de ambas as abordagens aprofunda a nossa compreensão das questões importantes na pesquisa científica e na investigação em etnomodelagem. Berry (1990) sugere que, para lidar com esse dilema, é necessário utilizar uma combinação entre as abordagens êmica e ética, ao invés de simplesmente utilizarmos a dimensão êmica ou ética no conhecimento matemático dos grupos culturais. Porém, a combinação da abordagem êmicaética requer que, primeiramente, os pesquisadores procurem entender o conhecimento êmico dos grupos culturais sob estudo. Essa abordagem permite que os pesquisadores e investigadores abandonem os próprios preconceitos culturais e se tornem familiares com as diferenças culturais que são relevantes para cada grupo cultural (Berry, 1990). Na pesquisa em etnomodelagem, a análise êmica se concentra em uma única cultura, empregando métodos prescritivos e qualitativos para o estudo de uma ideia, procedimento ou prática matemática, que seja de interesse ético. Dessa maneira, o foco dessa ação está no estudo do contexto interno do grupo cultural, no qual o pesquisador desenvolve os critérios de pesquisa em relação às características internas e a lógica desse sistema cultural. Nessa perspectiva, o significado é adquirido em relação ao contexto e, portanto, não é facilmente transferível para outras contextualizações culturais. Nesse caso, os pesquisadores não têm a intenção de comparar os padrões matemáticos observados em um determinado ambiente com os padrões desenvolvidos em outros ambientes culturais. Isso significa que o objetivo principal de uma abordagem êmica é uma orientação descritiva e ideográfica dos fenômenos matemáticos, pois coloca ênfase na singularidade de cada ideia, procedimento ou prática matemática desenvolvida nos grupos culturais. Assim, se os pesquisadores pretendem destacar os significados dessas generalizações de maneira específica ou êmica, então existe a necessidade de se referirem precisamente a eventos matemáticos mais específicos. Em contraste, uma análise comparativa é ética quando, no exame de práticas matemáticas culturais e distintas, existe a utilização de métodos padronizados de pesquisa (Lett, 1996). Nesse sentido, a abordagem ética procura identificar as relações e explicações causais que são válidas em diferentes contextos culturais. Assim, se os pesquisadores desejam elaborar afirmações sobre os aspectos universais ou éticos do conhecimento matemático, essas declarações devem ser redigidas de maneira abstrata. Por outro lado, a perspectiva ética pode ser uma maneira de chegarmos à perspectiva êmica do conhecimento matemático dos grupos culturais (PIKE, 1954). Dessa maneira, a perspectiva ética pode ser útil para penetrar, descobrir e elucidar os sistemas êmicos que foram desenvolvidos nos grupos culturais. Então, os conceitos tradicionais das perspectivas êmica e ética são importantes para que possamos entender e compreender as influências V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 11 culturais nos modelos matemáticos traduzidos para a matemática acadêmica. Contudo, propomos a perspectiva dialética (MARTIN e NAKAYAMA, 2007) para a pesquisa em etnomatemática e modelagem por meio da etnomodelagem. Alvarez-Pereyre e Arom (1993), originalmente, Pike (1954) trabalhou com uma relação dialética, na qual se podia evidenciar as interdependências, os entrecruzamentos e as complementaridades entre essas duas abordagens, pois de acordo com esse ponto de vista, o êmico é parte do ético e vice-versa. Nessa perspectiva, as reivindicações éticas do conhecimento matemático de qualquer grupo cultural não têm prioridade sobre as suas reivindicações êmicas. Dessa maneira, existe a necessidade de dependermos dos “atos de ‘tradução’ entre as abordagens êmica e ética" (EGLASH at al, 2006, p. 347). Em outras palavras, a especificidade cultural pode ser mais bem compreendida se embasada na universalidade das teorias e métodos da comunidade cultural, pois para alcançarmos um caráter científico, as ideias matemáticas devem ser verificadas ou refutadas com métodos independentes da subjetividade dos pesquisadores e investigadores. Então, é importante analisarmos as percepções que foram adquiridas através de métodos subjetivos e que são culturalmente contextualizadas. Assim, na abordagem dialética, existe a possibilidade de que os pesquisadores possam ser tanto observadores internos (insider) quanto observadores externos (outsider) em um determinado contexto cultural. 7 A Etnomodelagem da Cabana Tipi dos Indígenas Sioux A geometria plana e “espacial é inerente no formato da [cabana] Tipi, que era utilizada para simbolizar o universo em que viviam os povos das planícies" (OREY, 2000, p. 241). A palavra Tipi, na linguagem Sioux, refere-se a uma cabana cônica utilizada como moradia pelos povos indígenas das pradarias da América do Norte. Figura 2: Aquarela no papel da cabana Tipi dos indígenas Sioux, pintada por Karl Bodmer em V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 12 1833 em sua viagem nos Estados Unidos - 1832-1834 Para que os indígenas da nação Sioux pudessem suportar a dura realidade da vida nas planícies, eles utilizam uma fundação tripé para a construção da cabana Tipi, pois oferece uma fundação mais resistente para a sua base do que uma fundação quadripé (OREY, 2000). Laubin e Laubin (1989) afirmam que a maioria dos moradores da cabana Tipi pôde perceber que a fundação tripé é a melhor opção na defesa contra os fortes ventos que são predominantes nas pradarias abertas da América do Norte. De acordo com esses autores, há evidências históricas de que a fundação tripé é a mais comumente utilizada em áreas que possuem menos obstáculos naturais e, assim, mais propensas às ações do vento. Além disso, para que a cabana Tipi tenha uma melhor estabilidade, é necessário que a sua fundação tripé tenha o formato aproximado de um triângulo equilátero. Nesse contexto, um etnomodelo ético pode explicar o motivo pelo qual uma fundação tripé é mais flexível e resistente do que uma quadripé. Assim, consideremos três pontos não colineares denominados A, B e C. Existe um número infinito de planos que passam pelos pontos A e B e que contêm a reta AB. Porém, apenas um desses planos também passa pelo ponto C. Portanto, podemos afirmar que três pontos colineares determinam um plano e que um plano também pode ser determinado por uma reta e um ponto que está localizado fora dessa reta. Figura 3: A determinação de um plano Geometricamente, esse fato pode ser explicado com a utilização do postulado do plano que estabelece que dados três pontos quaisquer, não colineares, existe um único plano no qual esses mesmos três pontos estão localizados. Com relação à construção da cabana Tipi, essa informação pode ser verificada matematicamente. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 13 Figura 4: A construção da cabana Tipi a) A base da Tipi é formada pela fundação tripé determinada pelo ΔABC. Figura 5: A base tripé determinada pelo triângulo ABC b) Os pontos médios dos lados do ΔABC são os pontos M, N e P. Figura 6: Os pontos médios dos lados do triângulo ABC c) É possível conectarmos cada vértice do ΔABC ao ponto médio de cada um de seus lados opostos para obtermos os segmentos de reta AM, BN e CP. Figura 6: As três medianas do triângulo ABC Esses segmentos de reta formam as três medianas do triângulo ABC, que são os segmentos de reta que conectam o ponto médio de cada lado do triângulo ao seu vértice oposto. As medianas se encontram em um ponto denominado centróide (OREY, 2000). Arquimedes demonstrou que as medianas de um triângulo se encontram em seu ponto de equilíbrio ou centro de gravidade denominado de baricentro do triângulo. Figura 7: A centróide ou baricentro do triângulo ABC Culturalmente, é importante salientar que, os indígenas Sioux determinam o local para montar o altar e colocar o fogo para aquecer o interior da cabana Tipi no ponto no qual se V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 14 localiza a centróide da base dessa cabana. Orey (2000) argumenta que o "centro da [cabana] Tipi detém um poder definitivo e santificado" (p. 246). Nesse sentido, os indígenas Sioux determinam o centro da cabana Tipi por causa da sua santidade e não apenas por uma questão de necessidade ou estética. Por outro lado, um etnomodelo êmico pode explicar essa situação-problema, pois através da história, os povos nômades das pradarias norte-americanas têm observado que a fundação tripé da cabana Tipi parece estar perfeitamente adaptada ao ambiente hostil em que estão inseridos (Orey, 2000). Dessa maneira, se entendermos a distinção entre a utilização da base tripé e quadripé da base dessa cabana, podemos perceber que os indígenas Sioux têm uma compreensão de conceitos básicos da geometria, como, por exemplo, os triângulos e as suas características e propriedades geométricas, o que evidencia a utilização de um conhecimento matemático êmico. Então, podemos inferir que os indígenas Sioux utilizam a base tripé ao invés de uma base de quadripé para a Tipi, pois esse tipo de base fornece uma estabilidade maior para a fundação dessa cabana. Diante dessa perspectiva, provavelmente, uma base quadripé terá apenas três de suas pernas apoiadas no solo enquanto que a quarta perna pode se deslocar um pouco acima do solo. Quando essa estrutura é inclinada para o lado da perna que não toca o solo, as outras pernas da fundação podem também se levantar e desestabilizar a cabana Tipi. Assim, a fundação quadripé tende a balançar ou mover enquanto os indígenas Sioux estão tentando proteger-se das duras condições metereológicas e dos ventos fortes das pradarias, tornando essa fundação imprópria para a estabilização dessa cabana. Nesse contexto, a base tripé da Tipi tem a vantagem de fornecer uma estrutura estável para que os indígenas Sioux possam viver com tranquilidade em um ambiente hostil. Em nosso ponto de vista, a ideia matemática implícita nesse conhecimento êmico foi passada para os membros do povo Sioux, através das gerações, pelas mulheres desse grupo cultural, que são responsáveis pela construção e manutenção dessas moradias. Nesse sentido, os procedimentos e as práticas matemáticas são socialmente aprendidas, apreendidas e historicamente transmitidas, de geração em geração, entre os membros dos grupos culturais (D’AMBROSIO, 1993). Nesse exemplo, na perspectiva dialética, a observação êmica procura compreender essa prática matemática para a construção da Tipi a partir da perspectiva da dinâmica cultural interna (insider) e das relações do povo Sioux com o meio-ambiente no qual vivem. Por outro lado, a pespectiva ética proporciona um contraste cross-cultural, que emprega perspectivas comparativas com a utilização de conceitos da matemática acadêmica. Essa perspectiva tem V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 15 como objetivo traduzir esse fenômeno para o entendimento daqueles que possuem um background cultural diferente, para que possam compreender e explicar essa prática matemática, como um todo, a partir do ponto de vista do observador externo (outsider). Dessa maneira, a perspectiva êmica esclarece as intrínsecas distinções culturais enquanto que a perspectiva ética procura a objetividade de um observador externo sobre essa cultura. Então, a perspectiva ética se refere às características da matemática acadêmica independentemente da cultura estudada enquanto que a perspectiva êmica pode ser considerada como uma tentativa de descobrir e descrever um determinado sistema do conhecimento matemático de uma determinada cultura em seus próprios termos, identificando as unidades e as classes estruturais às quais elas pertencem. Uma descrição êmica deve, em última instância, identificar quais caracteres éticos são localmente significantes, pois quanto mais soubermos sobre o conhecimento ético dessa cultura, mais fácil será a sua análise êmica. Contudo, parece estranho que possamos adquirir conhecimento sobre um determinado conhecimento matemático na perspectiva êmica com a utilização da perspectiva ética, de uma maneira dependente do conhecimento êmico desenvolvido por aquela cultura. Contudo, como a descrição êmica pode identificar os caracteres éticos da matemática acadêmica, que são localmente significantes, o conhecimento ético também pode ser considerado como uma interpretação do conhecimento êmico da cultura e não uma interpretação da própria cultura. Em nosso ponto de vista, ambas as abordagens são essenciais para uma melhor compreensão do comportamento humano (Pike, 1996), principalmente, daqueles relacionados com o desenvolvimento do conhecimento matemático, pois a perspectiva dialética se relaciona com a estabilidade das relações entre as perspectivas êmica e ética. 8 A Abordagem Dialética no Currículo Matemático A conjunção do conhecimento matemático dos membros de grupos culturais distintos com o sistema ocidental do conhecimento matemático pode resultar em uma perspectiva dialética para a educação matemática. Em um currículo baseado na etnomodelagem, a análise êmica de um fenômeno matemático é baseada nos elementos estruturais internos de um determinado grupo cultural enquanto que a análise ética é baseada em determinados conceitos gerais que são externos a esse grupo cultural (Lovelace, 1984). A perspectiva êmica fornece concepções e percepções internas das ideias, procedimentos e práticas matemáticas enquanto a perspectiva ética providencia um enquadramento teórico para determinar os efeitos de uma determinada cultura sobre o desenvolvimento do conhecimento matemático. Nessa abordagem, a aquisição do conhecimento matemático é baseada nas aplicações de um V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 16 currículo matemático, que pode ser avaliado com base em várias metodologias de ensino, que são desenvolvidas em culturas distintas. Uma abordagem dialética no currículo matemático escolar inclui o reconhecimento de outras epistemologias e, também, da natureza holística e integrada do conhecimento matemático dos membros dos diversos grupos culturais, que são encontrados em muitas escolas. Um currículo baseado na perspectiva da etnomodelagem providencia uma base pedagógica para a aprendizagem, que utiliza os diversos elementos culturais e linguísticos dos membros de grupos culturais distintos na ação pedagógica para o ensino e aprendizagem da matemática (Rosa e Orey, 2010a). Nesse tipo de currículo matemático, é essencial entendermos que uma construção ética é um conceito matemático teórico empregado na academia e que é supostamente aplicado em todos os grupos culturais. Por outro lado, uma construção êmica é aquela que somente é aplicada aos membros de grupos culturais específicos. Esse fato pode sinalizar a existência de uma preocupação com o preconceito cultural, que pode se materializar se os pesquisadores assumirem que uma construção êmica é, na realidade, ética (Eglash at al, 2006). Em outras palavras, uma ideia matemática (ético) acadêmica é equivocadamente imposta aos membros de outro grupo cultural (êmico). Um currículo matemático escolar baseado na perspectiva da etnomodelagem combina os elementos chave do conhecimento local com os da acadêmia em uma abordagem dialética, permitindo que os alunos gerenciem a produção do conhecimento e dos sistemas de informações extraídos da própria realidade (êmico), para que, criativamente apliquem esse conhecimento em outras situações (ético). No entanto, existe a necessidade de optarmos por uma abordagem integradora do currículo, que além de considerar a perspectiva êmica, reconhece que muitas vezes é preciso considerar também os dados oriundos da perspectiva ética, desde que nos comprometamos com a busca de uma compreensão holística e abrangente das informações culturais (MARQUES, 2001). Consideramos que seja necessário conciliar a ênfase cognitivista com a adaptacionista, por serem capazes de combinar em uma única perspectiva os aspectos essenciais da pesquisa em etnomodelagem para estabelecer a conexão entre o corpus e a praxis. Em nosso ponto de vista, a etnomodelagem pode ser considerada como parte da educação matemática crítica, pois é um processo de aprendizagem na qual os professores favorecem uma análise crítica das múltiplas fontes de conhecimento em diversos estilos de aprendizagem. Nessa abordagem, o conhecimento matemático adquirido é centrado, localizado, orientado e fundamentado no perfil cultural dos alunos, que pode ser aplicado e devidamente traduzido para a matemática acadêmica, para equipá-los a se tornarem cidadãos V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 17 produtivos, local e globalmente. Concordamos com Rosa e Orey (2010b) que afirmam que a etnomodelagem é uma abordagem pedagógica para atingirmos esse objetivo. 9 Considerações Finais Atualmente, diversos sistemas de tradições e conhecimento matemático de distintos grupos culturais estão em risco de extinção por causa da mudança rápida nos ambientes natural e cultural e em virtude do ritmo rápido das mudanças econômica, social, ambiental, política, que estão ocorrendo em escala global. Assim, muitas práticas matemáticas locais podem desaparecer por causa da imposição do conhecimento ético, da invasão e imposição de tecnologias estrangeiras a partir dos conceitos de desenvolvimento globalizado, que prometem ganhos em curto prazo ou pela proposição de soluções para problemas enfrentados por um determinado grupo cultural sem considerar, contudo, o seu conhecimento êmico para resolver essas situações-problema. Nesse artigo, oferecemos um conceito alternativo de pesquisa, que é a aquisição dos conhecimentos êmico e ético para a implantação e implementação da etnomodelagem como campo de pesquisa. O conhecimento êmico é essencial para uma compreensão intuitiva e empática das ideias matemáticas de uma cultura, sendo importante para a condução de pesquisas etnográficas enquanto que o conhecimento ético é essencial para a comparação entre as culturas, exigindo unidades padrão e categorias, que são os componentes essenciais da etnologia. Oferecemos também a perspecitva dialética como uma alternativa para a pesquisa em etnomodelagem, que utiliza ambos os conhecimentos êmico e ético através do processo dialógico. Assim, ao conduzirmos uma pesquisa fundamentada por ambas as perspectivas, ganhamos uma compreensão mais completa sobre o conhecimento matemático desenvolvido pelos membros dos grupos culturais. Nesse sentido, o conhecimento êmico é uma valiosa fonte de inspiração para a elaboração de hipóteses éticas. Nesse contexto dialético, o currículo matemático baseado na perspectiva da etnomodelagem oferece uma filosofia subjacente para a geração de conhecimento com e entre os subsistemas da educação matemática visando garantir a integração equilibrada do domínio afetivo dos objetivos educacionais, que são essenciais para o reconhecimento e utilização do conhecimento êmico dos alunos. Então, é importante reinterpretarmos o mundo, replanejarmos as situações experimentais, sentirmos empaticamente os indivíduos de culturas diversas para que possamos melhor compreender os diferenrtes pontos de vista e produzirmos descrições internas do conhecimento matemático. Em síntese, o nosso objetivo é absorver o ponto de vista dos insiders (êmico) para que possamos entender a sua visão de mundo. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 18 Diante desse contexto, a etnomodelagem pode ser definida como o estudo dos fenômenos matemáticos que ocorrem em um determinado grupo cultural, nos quais as ideias, procedimentos e práticas matemáticas são construções sociais e culturalmente enraizadas. Referências ALVAREZ-PEREYRE, F.; AROM, S. Ethnomusicology and the emic/etic Issue. The World of Music, v. 33, n. 1, p. 7-33, 1993. ASCHER, M. Mathematics elsewhere: an exploration of ideas across cultures. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2002. BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática. São Paulo, SP: Editora Contexto, 2002. BERRY, J. W. (1990). Imposed etics, emies and derived emics: their conceptual and operational status in cross-cultural psychology. In T. N. Headland; M. Harris (Eds.). Emics and etics: the insider-outsider debate. Newbury Park, CA: Sage, 1990. pp. 84-489. 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