Wolfgang Amadeus Mozart

Transcrição

Wolfgang Amadeus Mozart
Wolfgang Amadeus Mozart
Wolfgang Amadeus Mozart, batizado
Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus
Mozart; nasceu em 27 de janeiro de 1756 na cidade
austríaca de Salzburgo e foi um prolífico e influente
compositor austríaco do período clássico.
Mozart mostrou uma habilidade musical
prodigiosa desde sua infância. Seu pai, Leopold
Mozart, era compositor e estimulou os dons musicais do
filho. Com este apoio paterno, começou a escrever
duetos e pequenas composições para piano, ainda na
infância.
Já competente nos instrumentos de teclado e no violino, começou a compor aos cinco anos de
idade, e passou a se apresentar para a realeza europeia, maravilhando a todos com seu talento
precoce. Chegando à adolescência foi contratado como músico da corte em Salzburgo, porém as
limitações da vida musical na cidade o impeliram a buscar um novo cargo em outras cortes, mas sem
sucesso.
No ano de 1763, seu pai o levou, para uma viagem pela França e Inglaterra. Na cidade de
Londres, Mozart conheceu Johann Christian Bach, filho de Johann Sebastian Bach, cujas obras faziam
grande sucesso em toda Europa.
Nos primeiros anos da década de 1770, visitou a Itália por três vezes. Neste país, compôs a
ópera "Mitridate" que fez um grande sucesso. Logo em seguida, voltou a morar em Salzburgo, onde ele
trabalhou como mestre de concerto, compondo missas, sonatas de igreja e serenatas.
A partir do começo da década de 1780 começa a viver da renda de seus concertos, da
publicação de suas obras e de aulas particulares de música. A primeira metade desta década é a época
de maior sucesso de sua vida. Compõe óperas importantes e de grande sucesso como Idomeneo
(1781), O Rapto do Serralho (1782), sonatas para piano, música de câmara e concertos para piano.
Ao visitar Viena em 1781 com seu patrão, desentendeu-se com ele e solicitou demissão,
optando por ficar na capital, onde, ao longo do resto de sua vida, conquistou fama, porém pouca
estabilidade financeira.
No ano 1782, mesmo contra a vontade de seu pai, casa com Constanze Weber.
Compôs sua primeira ópera, “As bodas de Fígaro” no ano de 1786 com a ajuda do poeta
italiano Lorenzo da Ponte (1749-1838). Embora sem muito sucesso na cidade de Viena, a obra atraiu a
atenção de muitas pessoas na cidade de Praga. Recebeu uma encomenda para elaborar uma nova
ópera. O resultado foi “Don Giovanni”, considerada por muitos especialistas sua grande ópera. No ano
de 1789, escreve “Così fan tutte”.
Mesmo com o sucesso de suas obras, começa a enfrentar problemas financeiros no final da
década de 1780. Para complicar ainda mais a situação, sua saúde e a de sua esposa começam a
apresentar problemas. Seus últimos anos viram surgir algumas de suas sinfonias, concertos e óperas
mais conhecidos, além de seu Requiem. No ano de 1791, compõe as duas últimas obras de sua vida,
as óperas “A Clemência de Tito” e “A flauta mágica”.
Foi autor de mais de seiscentas obras, muitas delas referenciais na música sinfônica,
concertante, operística, coral, pianística e camerística. Sua produção foi louvada por todos os críticos de
sua época, embora muitos a considerassem excessivamente complexa e difícil, e estendeu sua
influência sobre vários outros compositores ao longo de todo o século XIX e início do século XX. Hoje
Mozart é visto pela crítica especializada como um dos maiores compositores do ocidente, conseguiu
conquistar grande prestígio mesmo entre os leigos, e sua imagem se tornou um ícone popular.
As circunstâncias de sua morte prematura deram origem a diversas lendas. Com a saúde
debilitada, morreu com apenas 35 anos de idade. A causa de sua morte foi, provavelmente, uma forte
infecção intestinal.
Família e primeiros anos
Mozart nasceu em Salzburgo em 27 de janeiro de 1756, sendo batizado no dia seguinte na
catedral local. O nome completo que recebeu foi Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus
Mozart, e teve como padrinho Joannes Theophilus Pergmayr. Mais tarde Mozart preferiu ter seu nome
Theophilus chamado em suas versões francesa ou germânica, respectivamente Amadé e Gottlieb, mais
raramente a forma latina, Amadeus. Os primeiros dois nomes só foram usados em suas primeiras
publicações, e adotou a forma germânica Wolfgang em vez da latina Wolfgangus.[2][3] Foi o sétimo e
último filho de Leopold Mozart e Anna Maria Pertl. De todas as crianças somente ele e uma irmã, Maria
Anna, apelidada Nannerl, sobreviveram à infância. A família do pai era oriunda da região de Augsburgo,
tendo o sobrenome sido registrado desde o século XIV, aparecendo em diversas formas diferentes Mozarth, Motzhart, Mozhard ou Mozer. Muitos de seus membros se dedicaram à cantaria e construção,
e alguns foram artistas. A família da mãe era da região de Salzburgo, composta em geral por burgueses
da classe média.
Assim que o talento de Mozart foi reconhecido, isso em seus primeiros anos de vida, o pai,
músico experiente e violinista afamado, abandonou suas pretensões pedagógicas e compositivas para
dedicar-se à educação do filho e de sua irmã Nannerl, que também cedo manifestou extraordinários
dotes musicais, demonstrando porém clara preferência por Wolfgang e considerando-o um milagre
divino. Parece certo que boa parte do profissionalismo que Wolfgang veio a exibir em sua maturidade se
deveu à rigorosa disciplina imposta pelo seu pai. O seu aprendizado musical começou com a idade de
quatro anos. Leopold havia compilado em 1759 um volume de composições elementares para o
aprendizado de sua filha, que também serviu como manual didático para o irmão. Neste volume Leopold
anotou as primeiras composições de Mozart, datadas de 1761, um Andante e um Allegro para teclado,
mas é impossível determinar até que ponto são obras integrais de Mozart ou se trazem contribuição
paterna.
Primeiras viagens
Logo as crianças estavam aptas para se apresentar publicamente, e no mesmo ano de 1761
Mozart fez sua primeira aparição como menino-prodígio, em uma récita de obras de Johann Eberlin na
Universidade de Salzburgo.[6] Em seguida iniciou-se um período de cerca de vinte anos em que fez
extensas viagens pela Europa, organizadas privadamente por Leopold com os objetivos declarados de
consagrar seus filhos como gênios precoces e obter ganhos financeiros. Entre os inúmeros concertos
que davam, os testes a que eram submetidos, os contatos profissionais e visitas de cortesia que se
viam obrigados a fazer, e a frequente audição de apresentações de músicas alheias para a instrução
das crianças, paralelamente à continuidade de seus estudos em música e na instrução elementar, o
cronograma dessas viagens foi sempre exaustivo, e às vezes cobrou caro da sua saúde.[7]
A primeira viagem, em 1762, foi para Munique, onde tocaram diante do Eleitor da Baviera. No fim
do ano iniciaram outra, que durou até janeiro de 1763, indo para Viena e outras cidades, tocando para
vários nobres e duas vezes para a imperatriz Maria Teresa e seu consorte. Segundo registros de
personalidades que os assistiram, e do próprio Leopold, que era um prolífico epistolário e mantinha
diários de viagem, Mozart já tocava "maravilhosamente", sendo uma criança "animada, espirituosa e
cheia de charme". [8] Pouco depois de seu retorno a casa Mozart adoeceu, aparentemente de febre
reumática,[9] mas logo se recuperou, tanto que em fevereiro de 1763 tocou violino e cravo pela primeira
vez na corte de Salzburgo. Uma nota divulgada em um jornal local declara que Mozart já era capaz de
tocar como um adulto, improvisar em vários estilos, acompanhar à primeira vista, tocar teclado com um
pano a cobrir as teclas, acrescentar um baixo a um tema dado e identificar qualquer nota que fosse
tocada. Relatos de amigos registram que com esta tenra idade, ainda que sua jovialidade infantil
permanecesse manifesta, seu espírito já se compenetrara na música, e só se dispunha a tocar diante
de um público que levava a música a sério, evidenciando orgulhar-se de suas capacidades. Do mesmo
ano data sua primeira tentativa registrada de escrever um concerto, e a despeito de sua caligrafia ser
um garrancho, sua música foi considerada por Leopold como composta correta e adequadamente. [8]
Ainda em 1763, em junho, iniciaram outra viagem, que durou até 1766 e desta vez os levou à
Alemanha, França, Inglaterra, Países Baixos e Suíça, passando por vários centros musicais importantes
no caminho. Agora dispunham de uma carruagem própria e foram acompanhados por um criado.
Mozart costumava tocar órgão nas igrejas das cidades onde pernoitavam, e a família aproveitava o
tempo livre para diversos passeios. Em Ludwigsburgo se encontraram com o violinista Pietro Nardini e o
compositor Niccolò Jommelli; chegando em Bruxelas, esperaram cinco semanas antes que o
governador os recebesse para uma audição. Chegaram em Paris em 18 de novembro e ali
permaneceram por cinco meses, salvo duas semanas em Versalhes, quando se exibiram diante de Luís
XV, e com toda a probabilidade fizeram outras apresentações privadas. Deram dois concertos públicos,
entraram em contato com músicos locais e com um influente literato e crítico musical, o Barão von
Grimm. Em Paris Leopold publicou as primeiras obras impressas de Mozart, dois pares de sonatas para
cravo e violino. Em abril do ano seguinte partiram para Londres, onde ficaram por quinze meses. Logo
após a chegada foram recebidos por Jorge III, que deu ao menino alguns testes difíceis ao cravo, e o
ouviu em duas outras ocasiões. Deram concertos públicos e privados e Leopold convidou os
especialistas para testarem Mozart de várias maneiras, mas os anúncios sensacionalistas publicados
diminuíam a idade de Mozart em um ano, e as apresentações às vezes tiveram um caráter quase
circense.[10][11] O filósofo Daines Barrington o examinou e apresentou um relatório com suas conclusões
à Royal Society, declarando sua proficiência em improvisos e na composição de canções em estilo
operístico. Possivelmente em Londres Mozart compôs e apresentou suas primeiras sinfonias, pode ter
entrado em contato com a música de Händel, que ainda era popular, e ali conheceu Johann Christian
Bach, com quem iniciou longa amizade e de quem recebeu influência musical. Em 1 de agosto de 1765
embarcaram novamente para França, mas ao chegarem em Lille o menino adoeceu, ficando acamado
por um mês. A viagem prosseguiu então para os Países Baixos, e em Haia Mozart novamente caiu
doente, desta vez acometido, junto com Nannerl, de um grave episódio de febre tifóide que durou dois
meses. Depois passaram por várias cidades e neste período Mozart compôs variações para cravo sobre
canções holandesas e seis sonatas para violino e cravo. Em seguida retornaram para Paris, onde o
Barão von Grimm os ouviu novamente e ficou admirado com os progressos do menino. Suas sinfonias
foram apresentadas com boa receptividade e ele passou com brilhantismo nos mais difíceis testes que
lhe foram dados, deixando seu público atônito. De Paris seguiram para o sul da França, antes de se
dirigirem para a Suíça e Alemanha, e, por fim, rumaram para Salzburgo trazendo consigo um apreciável
resultado financeiro.[12][9] Por algumas sonatas dedicadas à Rainha da Inglaterra Mozart recebera a
soma de cinquenta guinéus, o equivalente a cerca de dez mil dólares atuais, o que dá uma ideia da
lucratividade das excursões, sem falar nos preciosos presentes que ganhava, como anéis de ouro,
relógios e caixas de rapé.
Os meses seguintes foram passados em sua cidade natal, envolvendo-se em estudos de latim,
italiano e aritmética, provavelmente ministrados por seu pai, bem como escreveu suas primeiras obras
vocais para o palco, incluindo um trecho de um oratório coletivo, a comédia Apollo et Hyacinthus e um
trecho de uma Paixão de Cristo. Esta última possivelmente foi a peça que ele teve de escrever fechado
em uma sala sozinho para provar ao príncipe-arcebispo que era ele mesmo quem escrevia suas
composições. Também fez alguns arranjos de sonatas de outros autores na forma de concertos. Em
setembro de 1767 a família partiu para uma nova viagem, permanecendo em Viena por seis semanas.
Uma epidemia de varíola na cidade os levou a se mudarem para Brno e depois para Olmütz, mas as
duas crianças foram colhidas pela doença, de forma suave, que deixou marcas indeléveis no rosto de
Mozart. Voltando a Viena, foram ouvidos pela corte e fizeram planos para a apresentação de uma
ópera, La finta semplice, mas a composição não chegou a ser apresentada, para a indignação de
Leopold. Por outro lado, um pequeno singspiel, Bastien und Bastienne, foi ouvido na mansão de Franz
Mesmer e uma missa solene que escrevera foi apresentada na consagração da Weisenhauskirche,
regida pelo próprio compositor.[15]
Viagens à Itália
Em 5 de janeiro de 1769 estavam de volta em Salzburgo, onde permaneceram por cerca de um
ano. Mozart escreveu diversas novas peças, incluindo um grupo de importantes serenatas orquestrais,
várias peças sacras menores e diversas danças, e foi indicado Konzertmeister honorário da corte em 27
de outubro. Em 13 de dezembro, sem a irmã e a mãe, somente pai e filho se dirigiram para a Itália.
Seguindo o seu padrão habitual, a viagem foi pontilhada de paradas em qualquer lugar onde o menino
pudesse ser ouvido e pudesse ser recompensado com bons presentes. Em Verona foi testado pelos
membros da Academia Filarmônica, o que se repetiu em Mântua. Em Milão receberam a proteção do
poderoso Conde von Firmian, ministro plenipotenciário da Áustria na Itália, e conheceram músicos como
Giovanni Battista Sammartini e Niccolò Piccinni. Pernoitando em Lodi, ali Mozart completou seu primeiro
quarteto de cordas. Em Bolonha visitaram o famoso teórico Padre Martini, que testou Mozart, e
encontraram o castrato Farinelli. Em Florença Mozart fez uma amizade imediata e intensa com o jovem
compositor inglês Thomas Linley, e dali seguiram para Roma, onde foram recebidos pelo papa e Mozart
foi agraciado com a Ordem da Espora de Ouro, no grau de cavaleiro, uma extraordinária deferência
para um músico em seu tempo. Na Capela Sistina ouviram o famoso Miserere de Gregorio Allegri, uma
obra guardada ciosamente pelo coro da Capela como sua propriedade exclusiva, mas Mozart
transcreveu-a na íntegra e de cor após a audição. Voltando a Bolonha, foi testado pela Academia
Filarmônica local, sendo admitido como membro. Em Milão outra vez, Mozart iniciou a composição de
uma ópera, Mitridate, re di Ponto, apresentada no verão com uma recepção entusiasmada e
permanecendo em cartaz por vinte e duas noites. As três primeiras foram regidas pelo autor. Passando
por várias outras cidades, dando diversos outros concertos e fazendo relações com personalidades
políticas e musicais importantes, retornaram a Salzburgo em 28 de março de 1771.
Mas pouco ficaram em casa; antes mesmo de saírem da Itália haviam acertado sua volta,
firmando um contrato para a apresentação de uma serenata teatral, Ascanio in Alba, a ser dada em
Milão no casamento do arquiduque Ferdinando, e um oratório, La Betulia liberata, para Pádua. Em
agosto de 1771 estava de volta a Milão, onde o Ascanio foi apresentando com imenso sucesso,
ofuscando uma ópera de Hasse, um celebrado compositor mais velho, ouvida nos mesmos festejos. De
uma carta do arquiduque enviada à sua mãe se deduz que cogitara dar um cargo a Mozart em sua
corte, mas na resposta a imperatriz o aconselhou a não se sobrecarregar com "aquelas pessoas
inúteis", cujo hábito de "perambularem pelo mundo como mendigos degradaria seu serviço". De volta a
Salzburgo em 15 de dezembro, ali passaram os meses seguintes.
Logo após sua chegada o patrão de Leopold faleceu. Sigismund von Schrattenbach havia sido
muito tolerante para com as repetidas e longas ausências de Leopold, embora às vezes suspendesse o
pagamento de seu salário. Os ricos presentes que Mozart recebia em suas viagens, contudo, eram uma
significativa compensação. Em 14 de março de 1772 ascendeu ao principado-arcebispado Hieronymus
von Colloredo, cuja atitude para com seu empregado foi bem mais rígida. Esses meses foram férteis
para Mozart, compondo uma nova serenata teatral, oito sinfonias, quatro divertimentos e algumas obras
sacras de vulto. Em 9 de julho foi admitido formalmente como violinista na corte de Salzburgo, com um
salário de 150 florins, cargo que ocupou a título honorário por três anos. Em 24 de julho os Mozart
partiram para a terceira e última viagem para a Itália, apresentando a ópera Lucio Silla em Milão, cuja
apresentação não foi inteiramente bem sucedida por causa de um elenco desigual, bem como outras
composições. Leopold desejava conseguir um emprego para o filho fora de Salzburgo; solicitou um
cargo para o Grão-duque da Toscana, mas o pedido deu em nada, e em 13 de março de 1773 estavam
em casa.
Outras viagens
Os rendimentos da família nesta época eram suficientes para se mudarem para uma casa maior,
mas Leopold não estava satisfeito nem com sua posição relativamente subalterna na capela da corte,
nem com as escassas perspectivas de progresso profissional do filho na sua cidade nativa.
Provavelmente foram estas as causas que os levaram a Viena poucos meses depois, na tentativa de
obter uma posição na corte imperial. Este objetivo não foi alcançado, mas a música de Mozart se
beneficiou com o contato com obras de compositores da vanguarda vienense, evidenciando sensível
avanço. Em meados de 1774 apresentou uma ópera em Munique, La finta giardiniera, e compôs suas
primeiras sonatas para teclado. De volta em março de 1775, iniciou-se para Mozart um período de
crescente frustração com as condições limitadas da vida musical local e com a pouca tolerância de seu
patrão para com afastamentos prolongados. Não parou entretanto de compor, surgindo uma
multiplicidade de novas obras em vários gêneros, incluindo concertos para teclado, divertimentos,
serenatas, sonatas e obras sacras. Em agosto de 1777 Mozart encaminhou seu pedido de demissão, e
a insatisfação do príncipe com o serviço irregular dos Mozart se refletiu na demissão no mesmo ato
também de Leopold. Este não podia se dar ao luxo de prescindir de seu cargo, e foi readmitido.[21]
Para se manter Mozart retomou as viagens, e em 23 de setembro, já sem a companhia do pai,
seguiu com a mãe em um périplo pela Alemanha e França, dando concertos e solicitando emprego em
várias cortes, mas sem êxito. Em Augsburgo visitaram parentes e Mozart estabeleceu uma relação
afetuosa com sua prima Maria Anna Thekla, apelidada de Bäsle, com quem manteve depois contato por
correspondência. Em Mannheim ficou amigo de vários músicos da importante orquestra local e
apaixonou-se pela cantora Aloysia Weber, pretendendo levá-la para a Itália e torná-la uma diva.
Envolvido nesta relação, adiara várias vezes sua ida a Paris, mas o romance não frutificou. Mantinha
assíduo contato por carta com seu pai, e nessa troca de correspondência se verifica uma progressiva
irritação e preocupação de Leopold com a falta de objetividade do filho, sua irresponsabilidade com o
dinheiro e sua tendência a procrastinar decisões. Ficava evidente para Leopold que seu filho era
incapaz de se arranjar sozinho, e enchia suas cartas com uma infinidade de recomendações sobre
como ele deveria agir, quem procurar, como bajular os poderosos, como administrar o dinheiro e muitas
outras coisas.[22][23] Apesar de apresentar várias obras com sucesso, a estadia em Paris não foi
agradável. Mozart se queixava da falta de gosto dos franceses, suspeitava de intrigas contra ele, sua
antiga amizade com Grimm se deteriorou e recusou a única oferta de emprego estável que recebeu em
toda a viagem, o cargo de organista em Versalhes. Para piorar a situação, sua mãe caiu doente e veio a
falecer em 3 de julho de 1778. Passada a crise, recebeu de seu pai uma carta notificando que Colloredo
havia mudado de idéia e estava disposto a readmiti-lo com um salário maior e com licença para viajar.
Partiu de Paris em 26 de setembro mas decidiu fazer o trajeto de volta pela Alemanha, atrasando sua
chegada em Salzburgo, para exasperação de seu pai, que temia que o atraso comprometesse sua
readmissão na corte. Só chegou em casa em meados de janeiro do ano seguinte, com seus planos de
independência desfeitos, as finanças em estado precário e as relações com seu pai estremecidas.
Enviou então um pedido formal de readmissão no serviço da corte e foi empregado como
organista, com um salário de 450 florins. O contrato o obrigava também a compor o que lhe fosse
pedido e dar aulas aos meninos do coro. Os dois anos seguintes transcorreram sem grandes eventos,
mas escreveu diversas novas obras, incluindo sinfonias, missas e concertos importantes, onde aparece
a influência dos estilos internacionais que conhecera, e continuou interessado em música dramática.
Em 1780 recebeu a encomenda para uma ópera a ser levada em Munique, o que resultou no Idomeneo,
a primeira de suas grandes óperas, retratando o drama e o heroísmo com força e profundidade sem
precedentes em sua produção, permanecendo nesses aspectos como uma das mais notáveis em toda
a sua carreira.
Viena
Em março de 1781 seu patrão viajou para Viena para assistir à coroação de José II, e Mozart o
acompanhou. O status de seu cargo na corte era pouco elevado, e a sua correspondência deste
período revela mais uma vez crescente insatisfação, e ao mesmo tempo o mostra entusiasmado com a
perspectiva de fazer uma carreira na capital imperial. Em uma noite foi dada uma festa para o novo
imperador, mas Colloredo impediu que ele tocasse, o que lhe teria valido uma gratificação equivalente a
metade de seu salário anual em Salzburgo. A tensão entre ambos aumentou e a crise inevitável eclodiu
em 9 de março, quando em uma tempestuosa audiência com seu patrão pediu outra vez a dispensa de
suas funções. No momento Colloredo recusou, mas logo depois foi aceita. Mudou-se então para os
apartamentos de seus amigos, os Weber, por cuja filha Aloysia ele se apaixonara em Mannheim. Mozart
então começou um envolvimento afetivo com outra das filhas dos Weber, Constanze. Em cartas para
seu pai, de início refutou os rumores sobre o romance, mas para evitar uma situação constrangedora
mudou-se para outra casa. Entrementes ganhava a vida dando aulas e concertos privados, e continuou
a compor. Em dezembro apresentou-se na corte em uma competição com Muzio Clementi, saindo
vencedor, mas suas esperanças de obter um emprego oficial não se concretizaram.
Sua relação com Constanze se aprofundou, e embora continuasse negando-a para seu pai,
finalmente em 15 de dezembro de 1781 declarou sua intenção de casar-se. Logo depois da estreia de
sua nova ópera O Rapto do Serralho, que foi um grande sucesso, pressionado pela mãe de Constanze,
apressou os preparativos do casamento e pediu a bênção paterna. Em 4 de agosto de 1782 casaram na
Catedral de Santo Estêvão, mas só no dia seguinte chegou a carta do pai dando seu relutante
consentimento. A figura de Constanze e seu papel na vida de Mozart têm sido objeto de muita polêmica,
mas ao que tudo indica a união foi bastante feliz, ainda que ela não tivesse grandes capacidades de
ajudar o seu desorganizado marido na administração de um lar. Poucas semanas depois do casamento
eles já foram obrigados a pedir um empréstimo. Constanze logo engravidou e seu primeiro filho,
Raimund Leopold, nasceu em 17 de julho de 1783, mas poucos dias depois do nascimento foi deixado
aos cuidados de amigos para que o casal pudesse viajar a Salzburgo e visitar Leopold. Pelo que se
deduz de correspondência posterior a fria recepção de Leopold não tornou a visita especialmente
amistosa.
Deixaram Salzburgo em 27 de outubro de 1783, mas enquanto ainda estavam lá o bebê falecera,
em 19 de agosto, e não se sabe quando os pais tomaram conhecimento do ocorrido. Cartas de Mozart
para Leopold no fim do ano revelam que a situação financeira do casal não era boa, surgindo várias
dívidas, mas que fazia planos otimistas para a próxima temporada musical. Essa perspectiva se
realizou, dando tantos concertos que pouco tempo tinha para compor,[29] ao mesmo tempo em que dava
aulas, a sua fonte de renda mais segura, e iniciou a publicação de várias obras impressas, que também
lhe traziam algum lucro. Em setembro de 1784 nasceu seu segundo filho, Carl Thomas, e em dezembro
ingressou na Maçonaria, escrevendo música para rituais maçônicos.[30]
No início de 1785 Leopold os visitou em Viena por alguns meses, e suas cartas descrevem a
febril atividade do filho, envolvido em inúmeros concertos, o apartamento confortável em que moravam,
as récitas da música de Mozart que assistiu, e testemunham que o prestígio de seu filho estava no
auge. Notícias em jornais desse período falam de Mozart como "universalmente estimado", e dono de
"merecida fama". Não obstante, os rendimentos de um músico independente eram tudo menos
garantidos; logo as dificuldades voltaram e ele foi obrigado a recorrer a outros empréstimos. O projeto
mais importante de 1785 foi a escrita da ópera As Bodas de Fígaro, com libreto de Lorenzo da Ponte,
sendo estreada em maio de 1786 com boa receptividade, logo se tornando uma peça do repertório
regular de várias companhias teatrais. No outono de 1786 fez planos para ir à Inglaterra, mas Leopold o
aconselhou a não ir e se recusou a tomar conta do menino Carl, e a idéia foi abandonada. Em 18 de
outubro nasceu seu terceiro filho, Johann Thomas Leopold, que viveu só poucos dias.
Contudo, em 1787 aceitou um convite para ir a Praga, onde o Fígaro havia sido um sucesso
considerável e ele se tornara um compositor popular. Ali recebeu a encomenda de uma nova ópera para
ser estreada na temporada seguinte, o que resultou no Don Giovanni. Entrementes, Leopold morreu em
maio de 1787. Mozart renunciou à sua parte da herança em favor de Nannerl mas recuperou os seus
manuscritos que estavam com o pai. Em maio mudou-se para um outro apartamento atrás da Catedral,
bem mais modesto, e nos meses seguintes não há registro de aparições públicas de Mozart. Esteve
doente por um breve período, mas continuou a dar aulas. É possível que tenha dado algumas lições
para o jovem Beethoven em sua primeira e curta visita a Viena, e com certeza passou a ensinar
Hummel, então com cerca de dez anos, que pode ter vivido algum tempo com eles. Também publicou
diversas peças de câmara e canções, que eram de fácil venda. Voltou a Praga em outubro para a
estreia de Don Giovanni, que teve uma recepção entusiástica. Em seu retorno a Viena em novembro
finalmente lhe foi concedido o tão almejado emprego na corte, sendo indicado Músico de Câmara, com
um salário de oitocentos florins e com a função simples de escrever música para os bailes da corte.
Apesar do maior prestígio que um cargo oficial lhe trouxe e do alívio que a renda regular proporcionou,
de modo algum resolveu todos os seus problemas. No fim do ano teve de mudar-se de novo, agora
para os subúrbios, viu nascer em 27 de dezembro sua filha Theresia, que morreu em poucos meses, e
iniciou no ano seguinte um período de repetidos apelos por socorro financeiro ao seu amigo Michael
Puchberg. A correspondência trocada trai sua humilhação e um ânimo deprimido. Mesmo assim esse
período foi criativamente muito fértil, aparecendo uma notável sucessão de obras de grande
importância.
Últimos anos
No início de 1789 Mozart aceitou um convite para acompanhar o príncipe Karl Lichnowsky à
Alemanha, tocando em várias cidades no caminho. Seus pedidos de dinheiro continuavam e sua
esposa estava novamente grávida. A filha, Anna, nasceu em novembro e viveu somente um dia.
Escreveu nesse ano alguns quartetos e sonatas, mas se envolveu principalmente com uma nova ópera,
Così fan tutte, a terceira em colaboração com Da Ponte. Foi bem recebida mas ficou pouco em cartaz, e
o lucro resultante foi magro. Embora evidentemente pobres, os Mozart não estavam na miséria. Ele
ainda recebia o salário da corte, dava aulas, alguns concertos traziam renda e ainda vendia peças.
Suas necessidades básicas estavam supridas e podiam ainda dispor de um criado e uma carruagem.
Suas cartas dessa época oscilam entre lamentos e visões esperançosas de futura prosperidade. Com a
ascensão do novo imperador, Leopoldo II, esperava ser promovido, mas isso não aconteceu; solicitou o
cargo de mestre de capela da catedral e conseguiu ser designado como substituto, mas sem salário. No
início do verão de 1790 nasceu seu último filho, Franz Xaver Wolfgang, e Mozart passou a trabalhar
com o empresário Emanuel Schikaneder, cuja companhia fazia sucesso, na composição de sua ópera
em estilo singspiel, A Flauta Mágica. A reação do público foi inicialmente fria, mas logo se tornou
popular. Neste ínterim recebeu a encomenda de duas outras composições de vulto, o Réquiem, de um
solicitante que lhe exigiu sigilo sobre a composição e desejava permanecer anônimo (hoje se sabe que
foi encomendado pelo conde Walsegg-Stuppach), e a sua última ópera, A Clemência de Tito, estreada
em Praga com muito aplauso.
Em Praga caiu doente, e aparentemente não mais recobrou perfeita saúde. Relatos posteriores o
mostram de volta a Viena engajado em um ritmo intenso de trabalho, envolvido com a finalização do
Réquiem e assombrado com premonições da morte, mas muito dessa atmosfera pode ser lenda, e é
difícil conciliar essas descrições com várias de suas cartas do período onde mostra um humor jovial. Em
novembro de 1791 teve de recolher-se ao leito e receber atendimento médico. No início de dezembro
sua saúde pareceu melhorar, e pôde cantar partes do Réquiem inacabado com alguns amigos. No dia 4
seu estado se agravou; seu médico foi chamado às pressas mas pouco pôde fazer. Em torno da uma
da manhã de 5 de dezembro, expirou. A causa mortis foi diagnosticada como febre miliar aguda.[34] Se
formou um folclore sobre sua morte e foram propostos vários diagnósticos diferentes, surgindo inclusive
versões falando de conspirações e assassinato, a partir de suspeitas do próprio Mozart de ter sido
envenenado, mas todas são hipotéticas e algumas bastante fantasiosas. Possivelmente se tratou de
fato de um recrudescimento fatal da febre reumática que o atacara na infância; a descrição do mal como
febre miliar aguda servia para muitas febres inflamatórias com exantema, o que não exclui a febre
reumática.
Mozart foi velado na catedral em 6 de dezembro e no dia 6 ou 7 foi enterrado com discrição em
uma vala comum no cemitério da Igreja de São Marx, nos arredores de Viena, sem ninguém a
acompanhá-lo, o que, ao contrário das versões romantizadas que deram sua morte como em condições
abjetas e seu enterro solitário como uma indignidade e uma trágica traição dos vienenses ao grande
gênio, era um costume comum em seu tempo. Não foi erguida nenhuma lápide e o local exato da tumba
é até hoje desconhecido.[39][38][40] É possível, contudo, a partir de um relato de Jahn de 1856, que Salieri
e Van Swieten estivessem presentes, além de seu aluno Süssmayr e mais dois músicos não
identificados. Os obituários foram unânimes em reconhecer a grandeza de Mozart,[39] os maçons
fizeram celebrar uma missa suntuosa no dia 10 e publicaram o elogioso sermão proferido em sua honra,
vários concertos foram dados em sua memória, e alguns em benefício de Constanze. Em Praga as
homenagens fúnebres foram ainda mais grandiosas do que em Viena. Mozart deixou herança
considerável em manuscritos, instrumentos e outros objetos, mas a avaliação financeira dela foi
pequena.
Vida privada
Formação, ideias e personalidade
Segundo Steptoe, todas as considerações sobre a personalidade de Mozart e o ambiente familiar
onde cresceu devem passar pela análise da figura do seu pai, Leopold. Sua mãe, Anna Maria,
permaneceu um personagem obscuro, em tudo secundário, na vida de seu filho, mas Leopold exerceu
uma influência sobre ele que perdurou até a maturidade. Ele nascera em Augsburgo e se mudou para
Salzburgo para estudar Filosofia e Direito, mas não chegou a concluir os cursos. Voltou-se para a
música e assumiu o cargo de violinista e professor de violino na capela do príncipe-arcebispo de
Salzburgo, dedicando-se também à composição. Mais tarde ascendeu à posição de mestre de capela
substituto, e conquistou considerável fama com a escrita de um tratado sobre a técnica do violino
intitulado Versuch einer gründlichen Violinschule (1756), que teve várias reedições e traduções e
permanece como uma das obras referenciais em seu gênero escritas no século XVIII. Leopold era um
representante típico do racionalismo de seu tempo. Possuía uma inteligência aguçada, interessava-se
pelas artes e ciências, correspondia-se com literatos e filósofos como Wieland e Gellert, e era um
homem conhecedor dos caminhos tortuosos do mundo cortesão de seu tempo.
A educação musical que Leopold, um professor de primeira linha, proveu para seu filho foi em
todos os aspectos completa e a presença da música na vida familiar era constante, tanto pela prática
doméstica como pelas inúmeras atividades sociais em que a família se engajava, frequentemente
envolvendo a música. O pequeno Mozart aprendeu desde os quatro anos teclado, com cinco iniciou no
violino e órgão, e já passou à composição. A educação de Mozart além da música não é bem
documentada, mas aparentemente Leopold providenciou para que ele aprendesse francês, italiano,
latim e aritmética. As viagens internacionais, além de objetivarem lucro financeiro e buscarem a fama,
também serviram para expor Mozart aos mais variados estilos, para que formasse o seu gosto e
aprendesse técnicas novas. Leopold se preocupou também em contratar professores nessas viagens
para complementar algum aspecto que lhe pareceu necessário. Em Londres procurou o castrato
Giovanni Manzuoli para dar lições de canto ao menino, e em Bolonha o levou ao Padre Martini para
aulas de contraponto, além de adquirir partituras que dificilmente seriam encontradas em Salzburgo. As
viagens também foram úteis para uma expansão de horizontes em outros aspectos da cultura, e sempre
que possível os Mozart frequentavam o teatro e liam literatura estrangeira. Além disso, recreação ao ar
livre, interação social e exercícios faziam parte integral dos valores educacionais e higiênicos de
Leopold, de modo que a imagem de Mozart como uma criança solitária em um mundo de adultos,
fechada entre quatro paredes, é um mito.
Durante o período itinerante Leopold ocupou um lugar central na vida do filho, sendo seu
secretário, professor, colaborador, empresário, relações-públicas e seu maior incentivador, planejando
meticulosamente os roteiros, explorando cada contato em prol das vantagens que pudessem trazer, e
organizando todas as apresentações do filho, incluindo a divulgação sensacionalista de seu gênio.
Leopold exercia forte pressão sobre Mozart no sentido de tentar incutir nele um senso de
responsabilidade e profissionalismo, e durante um bom tempo foi seu maior conselheiro estético. A
natureza e a repercussão positiva ou negativa dessa presença dominante sobre Mozart têm sido motivo
para muito debate entre a crítica, mas parece certo que, apesar de existir um afeto real e profundo entre
pai e filho, e de Leopold ser visivelmente um pai orgulhoso, quando o menino entrou na maturidade a
índole controladora paterna e sua tendência ao sarcasmo e a manipular os sentimentos para fazer o
filho curvar-se às suas ideias começaram a ser fonte de crescente tensão entre ambos. Com o passar
dos anos Mozart aprendeu a ignorar as frequentes censuras do pai a seu comportamento e escolhas,
mas sobrevivem cartas de Leopold em que fica clara sua raiva e decepção impotentes, e cartas de
Mozart em que ele, entre a culpa e a impaciência, se esforça por justificar-se e assegurar que sabia o
que fazia.[44][45] Depois que Mozart se mudou para Viena eles se encontraram apenas duas vezes. Uma
quando Leopold foi apresentado a Constanze em Salzburgo, e a segunda delas quando ele os visitou
em Viena em 1785, quando parece ter-se dado como satisfeito, testemunhando o sucesso e prestígio
profissional do filho e vendo que vivia em uma situação confortável.
O pai também parece ter sido o responsável pela modelação de parte das ideias religiosas,
sociais e políticas do filho. Leopold, apesar de ser um homem do mundo era profundamente devoto; em
uma das viagens interrompeu o roteiro para convencer um apóstata a voltar ao Catolicismo, era um
ávido colecionador de relíquias de santos e em várias cartas expressou sua preocupação com a
salvação da alma de Mozart. Entretanto se relacionava com iluministas e outros anticlericais, e em
várias ocasiões manifestou seu desprezo pelos valores corrompidos dos príncipes da Igreja. Por outro
lado, recomendava ao filho que se aproximasse dos altos hierarcas e se afastasse dos seus colegas
músicos, ao mesmo tempo em que dava mais valor ao mérito pessoal do que aos títulos de nobreza.
Mozart em alguma medida ecoou todas essas crenças e opiniões, como sua correspondência atesta.
Condenava os ateus - chamou Voltaire de "ímpio arquipatife" - e fez em muitos momentos menções
devotas a Deus. Tinha grande sensibilidade para as desigualdades sociais e um agudo senso de amor
próprio, e uma carta que escreveu após seu confronto com o patrão Colloredo é ilustrativa nesse
sentido. Nela ele diz:
"O coração nobilita o homem e, se seguramente não sou conde, talvez tenha em mim mais honra
do que muitos condes; e, lacaio ou conde, na medida em que ele me insulta, ele é um canalha".
Seu engajamento mais íntimo com a política se refletiu no ingresso, junto com seu pai, na
Maçonaria, uma organização que naquela época fazia aberta campanha pela sistematização legal de
princípios humanos fundamentais, da educação, da liberdade de expressão política e religiosa e do
acesso ao conhecimento, buscando criar, na fórmula então usada, uma "sociedade esclarecida".
Em outros pontos tinha pensamentos bem diversos do pai. Apenas um adolescente de catorze
anos pôde ironizar em carta à irmã as visões de Leopold sobre estética, que se inclinavam aos modelos
estabelecidos por Gellert e Wieland e que buscavam para a arte uma função social moralizante e
nobilitante dentro de uma expressão austera e virtuosa. Essas opiniões já lhe pareciam antiquadas, e
em carta ao pai em torno de 1780 defendeu a validade da opera buffa e rejeitou sua conformação aos
ditames da opera seria.[48] Também não se nota em sua correspondência um amor às outras artes além
da música - sequer eram citadas e seu inventário não incluía uma única pintura - nem o atraía
especialmente a paisagem natural. Não parece ter sido um grande leitor, mas conhecia em alguma
medida Shakespeare, Ovídio, Fénelon, Metastasio e Wieland, além de provavelmente ter lido obras
sobre história, educação e política, mas muitas dessas leituras aparentemente foram feitas tendo em
vista mormente a elaboração de textos para óperas ou canções.[49] Entretanto, sobrevivem rascunhos
de duas comédias em prosa de sua autoria, alguns poemas e foi um grande escritor de cartas, cujo
conteúdo veicula uma larga variedade de sentimentos e ideias, apresentados de forma profunda e
exuberante, que se equiparam em qualidade literária à correspondência dos mais distinguidos escritores
de sua época.
Tendo passado os anos formadores de sua personalidade sempre em viagens extenuantes,
pressionado de várias formas pelo pai, e pelo público que exigia sempre novas proezas de um menino
prodígio, e sem receber uma educação padrão, Mozart surpreendentemente emergiu como um homem
maduro sem problemas psicológicos graves, mas sua passagem para uma vida autônoma não
transcorreu isenta de repercussões negativas, um fenômeno comum a outras crianças-prodígio.
Enquanto pequeno, sua vivacidade e espontaneidade, aliadas ao seu talento indiscutível e espantoso,
ganharam-lhe as boas graças e os mimos da alta nobreza e permitiram-lhe entreter com ela uma
intimidade em enorme desproporção com as suas insignificantes origens burguesas. Quando cresceu o
apelo do gênio infantil desapareceu, ele se tornou apenas mais um entre milhares de músicos
talentosos em atividade na Europa - ainda que fosse superiormente talentoso -, e as facilidades de
penetração em todas as esferas sociais que conhecera antes também desapareceram. Seu sucesso
precoce desenvolvera nele um considerável orgulho por suas realizações, com um consequente
desprezo pela mediocridade, mas ao ver-se privado dos antigos privilégios e passando a rejeitar
Leopold como o organizador de sua vida - função que antes o pai desempenhara muito bem -, sendo
obrigado a ganhar seu sustento primeiro como músico cortesão subalterno, e depois se aventurando em
uma incerta vida de músico independente, teve dificuldades de manter sua rotina doméstica em boa
ordem, de equilibrar seu orçamento, de se adaptar ao mercado e de socializar diplomática e
igualitariamente com seus pares.[51][52][53] Uma carta escrita de Paris a seu pai por seu antigo amigo, o
Barão von Grimm, exprime em linhas gerais a visão dos seus contemporâneos sobre ele:
"Ele é demasiadamente confiante, demasiadamente inativo, demasiadamente fácil de apanhar,
demasiadamente pouco atento para os meios que podem levar à fortuna. Para causar uma impressão
aqui, deve-se ser arguto, empreendedor, ousado. Para fazer fortuna, eu desejaria que ele tivesse
metade do seu talento e duas vezes mais astúcia."
Também tem sido um ponto de muita curiosidade o conhecidamente grosseiro senso de humor de
Mozart, um traço que ele compartilhava com toda a família, incluindo sua mãe. Caçoadas chulas,
envolvendo situações sexuais e descrições literais das atividades excretórias do corpo, eram comuns
entre eles, sua correspondência está cheia delas, e o interesse jocoso de Mozart pelo ânus e pela
defecação se mantiveram por toda a sua vida. Tal comportamento chocava os hábitos dos círculos
elegantes que ele frequentava, ainda que isso não interferisse no reconhecimento e apreciação de seu
refinado talento musical.[55][56] Entretanto, esse tipo de humor às vezes extravasava para a sua música.
Como exemplo pode-se citar o cânone Leck mich im Arsch, que, em português, literalmente significa
Beije-me o Traseiro.[57] Esta polaridade de temperamento se manifestava também de outras maneiras.
Há relatos de frequentes mudanças súbitas de humor, num instante dominado por uma ideia sublime,
no outro entregue a gracejos e ao ridículo, e depois alimentando sentimentos sombrios. Contrastando
com essas oscilações, permaneceu sempre inabalada sua confiança em suas próprias capacidades
musicais, exultando com elas, e não há traço em parte alguma de sua correspondência, nem nas
memórias de seus contemporâneos, que acusem qualquer dúvida ou insegurança de sua parte neste
aspecto. Contudo, em linhas gerais seu temperamento era bem disposto. Quando se dedicava ao
trabalho de composição as circunstâncias externas pareciam não afetá-lo. Como exemplo, ele trabalhou
em seu quarteto de cordas K421 enquanto a esposa dava à luz o primeiro filho do casal no quarto ao
lado; no verão de 1788, em meio à morte de sua filhinha Theresia e críticas dificuldades financeiras, que
os levaram a se mudar para uma casa barata, compôs nada menos do que as suas três últimas
sinfonias, obras de grande importância, além de um trio, uma sonata e outras peças notáveis. Isso
entretanto não significa que sua vida musical e a pessoal estivessem de todo desvinculadas, e em
várias ocasiões sua saúde e, principalmente, sua relação com a esposa, que moldou grande parte de
sua personalidade adulta, se refletiram no seu trabalho.
Relacionamentos
Constanze foi ao longo do tempo sujeita às mais diversas apreciações, mas em grande parte
delas foi retratada como inculta, vulgar, caprichosa, astuta por ter enredado Mozart num casamento que
ele não estava, ao que parece, tão ansioso por concretizar, e como incapaz de apoiá-lo e ajudar na
administração doméstica, induzindo-o a uma vida displicente e irresponsável, que em várias ocasiões
os conduziu a sérias dificuldades financeiras. Também foi sugerido que ela lhe foi infiel, embora não
haja provas disso. O que parece certo é que ela, tendo ou não os defeitos que lhe foram imputados, se
tornou o principal suporte emocional do marido até sua morte, foi objeto de sua verdadeira paixão e o
fez feliz. Nas várias ausências de Constanze para tratamento de saúde as cartas de Mozart expressam
perene preocupação pelo seu bem estar e revelam o ciúme que sentia dela, fazendo-lhe mil
recomendações a respeito do comportamento decoroso que ela deveria manter em público. E sua
alegada incompetência como dona de casa é difícil de conciliar com a perspicaz administração da
herança e do nome do marido que ela levou a cabo após enviuvar.
Vários amores foram atribuídos a Mozart em sua juventude, mas é incerto o grau de seu
envolvimento. Entre eles estavam sua prima Anna Thekla, com quem pode ter tido sua primeira
experiência sexual, Lisel Cannabich, Aloysia Weber e a Baronesa von Waldstätten. Mesmo depois de
casado ele pode ter continuado a cortejar outras mulheres, entre elas as cantoras Nancy Storace,
Barbara Gerl, Anna Gottlieb e Josepha Duschek, sua aluna Theresia von Trattner e Maria Pokorny
Hofdemel, mas não há provas de que foi concretamente infiel a Constanze. Correu um boato depois de
sua morte de que ele engravidara Maria Hofdemel.
Mozart teve muitos mecenas em sua carreira, e alguns deles lhe devotaram legítima amizade. O
primeiro protetor que teve ao chegar a Viena foi a Condessa von Thun, frequentando assiduamente sua
casa. Outros amigos da nobreza foram Karl Lichnowsky, August von Hatzfeld, Gottfried von Jacquin e
sobretudo o Barão Gottfried van Swieten, de todos talvez o mais leal e que possivelmente influiu na
obra do amigo despertando-lhe um interesse pela fuga. Entre os compositores e outros profissionais do
mundo artístico desenvolveu uma amizade mais íntima, embora às vezes efêmera, com Johann
Christian Bach, Thomas Linley, Christian Cannabich, Ignaz Holzbauer, Michael Puchberg, que o
socorreu em diversas crises financeiras, os atores Joseph Lange, Gottlieb Stephanie e Friedrich
Schröder, os instrumentistas Anton Stadler e Joseph Leutgeb, e os membros da companhia teatral de
Emanuel Schikaneder, incluindo o próprio. Sua amizade com Joseph Haydn se tornou intensa, ainda
que não convivessem regularmente. Entretanto desenvolveram profunda admiração um pelo outro, e a
obra de Mozart revela influência do compositor mais velho. Sua ambivalente relação com Antonio Salieri
se tornou outro pomo de discórdia para a crítica, e muitas lendas se formaram em seu redor, incluindo
uma que o acusava de ser o assassino de Mozart. Mozart possivelmente invejava sua alta posição na
estima do imperador e de início suspeitou dele, supondo que buscasse prejudicá-lo com intrigas. Mais
tarde estabeleceu um relacionamento cordial com o concorrente, convidando-o para uma récita de A
Flauta Mágica e ficando encantado com os elogios que Salieri lhe fez. Salieri também manifestou sua
deferência quando incluiu obras de Mozart ao reger a música da coroação de Leopoldo II em Praga.
Relatos deixados por amigos de Salieri dizem que em sua velhice ele teria confessado o
envenenamento de Mozart, mas nessa época ele já havia tentado o suicídio e entrado em um estado
mental delirante, e hoje a crítica considera a suspeita infundada.
Aparência e iconografia
Tinha baixa estatura, era magro e pálido, a varíola deixara marcas em seu rosto e Nannerl disse
que ele não tinha nenhum atrativo físico, circunstância de que ele era consciente. Hummel e outros,
contudo, lembravam de seus grandes e brilhantes olhos azuis, e o tenor Michael Kelly, que ele era
vaidoso de seus cabelos bastos, finos e louros. Sua orelha esquerda era deformada, e a mantinha
escondida sob o cabelo. Seus dedos também tinham deformidades, mas isso podia se dever à prática
continuada no teclado. Em anos finais adquiriu uma papada e seu nariz se tornou proeminente, o que
deu origem a piadas nos jornais. Embora essas descrições possam ser exageradas, em vários
momentos se registrou sua preocupação de compensar sua falta de beleza física com a elegância nos
trajes, sapatos e no penteado, e mesmo em suas roupas íntimas.[69]
Mozart foi retratado várias vezes em vida. Restam cerca de catorze retratos considerados
autênticos, e mais de sessenta cuja identificação é duvidosa.[70] Dentre os autenticados a grande
maioria foi realizada por pintores de escasso mérito, mas são importantes o de Barbara Kraft, pintado
postumamente a partir de fontes anteriores e segundo Landon talvez o que mais se aproximou da sua
real fisionomia, e o pintado por seu cunhado Joseph Lange, muito poético mas deixado inconcluso.
Também são dignos de nota uma litografia de Lange feita possivelmente a partir de uma pintura
perdida, o desenho de Dora Stock em ponta de prata, o retrato familiar de Johann Nepomuk della Croce
e os retratos infantis de Saverio dalla Rosa e Pietro Lorenzoni.[71] Quando Mozart faleceu foi feita uma
máscara de cera de seu rosto, que infelizmente se perdeu.[72] Ao longo do século XIX foram produzidos
diversos outros retratos, mas se tratam de recriações românticas que mais revelam as ideias da
burguesia da época do que os verdadeiros traços do compositor.[73]
Obra musical
(Contexto)
Depois de um início influenciado pela estética Rococó, Mozart desenvolveu a maior parte de sua
carreira durante o período da história da música conhecido como Classicismo, assim chamado em vista
de seu equilíbrio e perfeição formal. O movimento teve paralelos nas outras artes sob o nome de
Neoclassicismo, que nasceu de um renovado interesse pela arte da Antiguidade clássica, ocorrendo em
meio a importantes descobertas arqueológicas e tendo como um de seus principais mentores
intelectuais o alemão Johann Joachim Winckelmann.[75] O Neoclassicismo deveu sua origem também a
uma influência dos ideais do Iluminismo, que tinham base no racionalismo, combatiam as superstições
e dogmas religiosos, e enfatizavam o aperfeiçoamento pessoal e o progresso social dentro de uma forte
moldura ética. Sem o conhecimento de relíquias musicais da Antiguidade, ao contrário do que acontecia
com as outras artes, o Classicismo musical foi em larga medida uma evolução contínua, sem quebras
bruscas, a partir de raízes barrocas e rococós. Gluck tentou atribuir ao coro, no campo da ópera, uma
importância equivalente ao que ele possuía na tragédia clássica, mas os principais gêneros musicais
consolidados no Classicismo, a sinfonia, a sonata e o quarteto de cordas, tiveram precursores desde o
início do século XVIII.[75] Junto com Haydn, foi Mozart quem os levou a um alto nível de excelência e
consistência. Apesar de os primeiros compositores desses gêneros terem sido invariavelmente nomes
do segundo ou terceiro escalão, sem eles a música instrumental de Mozart seria impensável.[77]
Salzburgo, que tinha uma antiga tradição em música, na época de nascimento de Mozart se
tornara um centro de algum relevo no mundo musical da Áustria, tendo contado ao longo do século
XVIII com a presença de nomes importantes como Muffat e Caldara. Na altura do nascimento de
Mozart, seu próprio pai, Leopold, era um dos líderes de uma escola local que adquirira contornos
caracteristicamente germânicos, suplantando a influência dos estilos francês e italiano antes
predominantes. Nesta época a vida musical se tornou rica; a orquestra e coro da corte alcançaram
alguma fama além das fronteiras locais e atraíram notáveis instrumentistas e cantores; várias famílias
burguesas abastadas começaram a formar seus próprios grupos, alguns podendo competir em
qualidade e tamanho com o da corte. Contudo, quando Colloredo ascendeu ao trono do principado,
embora fosse ele mesmo um amante da música e um violinista, impôs uma significativa redução no
número de seus músicos e enxugou o ritual do culto religioso, alinhando-se à filosofia do imperador
José II. Com essa severa limitação, as perspectivas de futuro profissional de Mozart na cidade se
tornaram reduzidas.
Viena, por sua vez, como capital do império era um centro musical muito mais importante. Mesmo
com as limitações na música sacra, a capela da corte ostentava um alto padrão, e música profana era
produzida em quantidade em casas de ópera, concertos públicos e nos saraus de inúmeras famílias que
mantinham orquestras e grupos de câmara privados. Algumas delas possuíam pequenos teatros em
seus palácios e eram até capazes de prover condições para apresentações camerísticas de óperas.
Além disso, a cidade contava com editoras de música, inúmeros copistas e renomados fabricantes de
instrumentos, e um grande trânsito de músicos estrangeiros visitantes que faziam circular novas ideias e
composições. Com a atuação de Haydn, do próprio Mozart e logo em seguida a de Beethoven, se
tornou uma das maiores referências musicais de toda a Europa.
Visão geral
Mozart adotou, como todos os compositores clássicos, a forma-sonata como estrutura básica
para a grande maioria dos movimentos mais importantes de suas composições. Esta forma tivera
origens nas estruturas bipartidas de Domenico Scarlatti, que foram desenvolvidas por Carl Philipp
Emanuel Bach e levadas a um estado de consolidação por Joseph Haydn, ora transformadas em uma
estrutura simétrica e dividida em três seções bem definidas e contrastantes: uma exposição onde dois
temas distintos são apresentados, o primeiro na tônica da peça, e o segundo na dominante; um
desenvolvimento, onde os dois temas são explorados e combinados de várias maneiras, e uma
recapitulação, onde o material da exposição é retomado na forma de uma conclusão. Os compositores
clássicos não somente levaram a forma-sonata a um estágio de perfeição como contribuíram para
aperfeiçoar também a sonata em vários movimentos, definida como uma peça em geral em quatro
movimentos: o primeiro rápido, em forma-sonata, seguido de um movimento lento, um adagio ou
andante que tinha um caráter de canção. Depois vinha um minueto, uma peça leve derivada da música
para dança, e encerravam a estrutura um rondò ou variações, novamente em andamento rápido. As
formas da forma-sonata e da sonata foram empregadas em todos os gêneros de composição, da
música sacra à profana, instrumental ou vocal, na música para solo ou para grupos.[81]
A música de Mozart é basicamente homofônica, definida em poucas palavras como uma linha
melódica suportada por uma harmonia vertical,[82] com um uso econômico de modulações e de
dissonâncias, estas colocadas em pontos estratégicos e logo resolvidas.[83] Sua harmonia, sempre clara,
é extremamente rica em sutilezas e soluções originais, e seu uso da dissonância, do desenho motívico
e das dinâmicas atende a propósitos eminentemente expressivos. Seus ritmos são vivazes e sua
compreensão das possibilidades texturais dos instrumentos é imensa.[84][85] Ao mesmo tempo, usou
recursos polifônicos abundantemente, incluindo o mais estrito deles, a fuga, em particular em suas
missas. Contudo, seu uso da fuga podia se abrir para liberdades formais, dependendo das
características dos sujeitos (temas). As fugas com sujeitos longos são mais propensas a exibir feições
tradicionais, enquanto as de sujeitos curtos são mais experimentais e seus perfis melódicos se
encaixam melhor na estética clássica. Elas raramente cobrem todo um movimento, antes são comuns
nas seções de conclusão, um procedimento entendido como uma enfatização retórica do discurso
musical. Na música instrumental as fugas rigorosas são raras, e os recursos polifônicos são
estruturados como episódios dentro do arcabouço da forma-sonata. Mozart estudou com interesse as
fugas de Bach e compôs diversas, e também entrou em contato com a música de Händel, igualmente
rica em polifonia, de onde recebeu importante influência.
Sabe-se que Mozart entendia o processo de composição como uma atividade consciente, que
devia ser empreendida com um propósito definido e de acordo com uma necessidade específica.
Devaneios à espera de inspiração, ou um entendimento da inspiração como uma força externa, não
tinham lugar no seu método. Contudo, isso não excluía a fantasia, nem impedia que seus sentimentos
excercessem influência em seu trabalho. Seus contemporâneos não conheceram seus procedimentos
de composição, sabiam apenas que ele compunha muito e rápido. Criou-se porém um folclore, a partir
de seus grandes dotes como improvisador e de algumas observações esparsas que ele mesmo fez, de
que ele escrevia de forma instintiva, ou de que as músicas lhe vinham prontas à mente e depois apenas
as transcrevia mecanicamente à partitura, sem necessidade de correções, ou que compusesse sem
qualquer ajuda de instrumentos, mas essa percepção, confrontada com um grande corpo de outras
evidências contrárias, em grande parte não sobrevive. É certo, por outro lado, que ele possuía uma
memória e capacidades intelectuais prodigiosas. Em uma carta afirmou que elaborava uma composição
mentalmente enquanto escrevia outra já pronta no papel, mas em outras deu detalhes a respeito de
meditações prolongadas planejando obras, e de seu esforço considerável até que elas resultassem a
contento. Seu estado de consciência agudamente ativo quando se tratava de música é relatado em
carta a seu pai, dizendo que pensava em música todo o dia, e que gostava de experimentar, estudar e
refletir. Seu procedimento padrão, a partir das análises dos manuscritos e de seus relatos, era o
seguinte: em primeiro lugar concebia uma ideia e usava sua fantasia para defini-la, em seguida
experimentava-a ao piano - dizia que sem um piano não conseguia compor, ou só o fazia com
dificuldade. A próxima etapa envolvia a comparação de sua ideia como modelos de outros
compositores, e então anotava um primeiro esboço no papel, muitas vezes de forma críptica, para que
ninguém entendesse o que ele estava planejando. Outros esboços mais completos se seguiam,
detalhando a progressão harmônica da estrutura e suas linhas melódicas principais, bem como
delineando a linha de baixo, sobre a qual o restante era construído. Anotava temas subsidiários para
futuro aproveitamento, e dali a obra começava a tomar sua forma definitiva. A última etapa consistia na
orquestração, que definia a sonoridade final da peça.
Ao contrário das lendas que descreveram Mozart como um prodígio inato, o vasto conhecimento
que tinha da cultura musical europeia de seu tempo e de épocas anteriores foi decisivo para a formação
de seu estilo pessoal. Seu gosto pelas nuanças sutis e delicadas, seu hábil uso do espectro tonal para
dar cores mais ricas à harmonia, e a flexibilidade de seu estilo evitaram que sua forte veia lírica
penetrasse nos excessos do Romantismo. Mesmo em ocasiões em que expressou a tragédia da
existência humana, temperou o drama recusando qualquer afetação. Cultivando o equilíbrio, o charme e
a graça característicos do Classicismo, sua obra não obstante possui grande vivacidade, expressividade
e força, apresentando suas ideias sempre uma forma clara e direta. Sua produção é enorme,
multifacetada e aqui só pode ser abordada sumariamente em seus gêneros principais, incluindo cerca
de vinte óperas, dezessete missas, um réquiem, 29 concertos para piano, vários concertos para
instrumentos diversos, 27 quartetos e seis quintetos de cordas, 41 sinfonias e grande número de
composições menores em várias formações.[89] O Catálogo Köchel lista 630 peças de sua autoria,[90]
mas ocasionalmente outras têm sido redescobertas.[91]
Os Mitos
A primeira biografia substancial de Mozart foi um obituário escrito por Friedrich Schlichtegroll em
1793, basicamente a partir de relatos obtidos da irmã de Mozart, Nannerl, e algum material adicional de
amigos do músico. As histórias pitorescas que eles narraram ao biógrafo foram apresentadas com uma
importância exagerada, criando uma imagem do músico como uma criança que nunca crescera,
irresponsável e incompetente em tudo o que ficava fora do mundo da música, às expensas do estudo
de sua vida como homem adulto. Essa abordagem foi mais ou menos imitada nas outras que se
seguiram imediatamente, como as de Arnold, Nissen, Niemetschek, Novello e Rochlitz, todas em graus
variáveis inclinadas à romantização, falseamento puro ou interpretação tendenciosa dos fatos, e elas
foram a base para o nascimento de toda uma tradição biográfica distorcida, que ainda nos dias de hoje
faz notar sua influência, misturando lenda e fato indiscriminadamente. Constanze também teve um
papel nessa tradição, pois dispondo de acesso a muito material autógrafo de Mozart, não hesitou em
destruir ou censurar correspondência do marido para que a imagem dele, e por extensão da sua,
fossem apresentadas a público de maneira respeitável. Sua vida adulta sempre em apertos
econômicos, sua morte ainda na flor dos anos, seu enterro numa vala comum, se tornaram objeto de
muita fantasia, sendo pintadas em cores trágicas ou melodramáticas e fazendo dele uma espécie de
herói incompreendido e abandonado quando mais precisava. Por outro lado, parte dos biógrafos
românticos, a partir de sugestões de Schlichtegroll, desenvolveram a teoria de que Mozart fora o
responsável pela sua própria ruína por ter um caráter supostamente dissoluto e extravagante, tendo-se
envolvido com inúmeras mulheres, se entregado à bebida e se comportado com arrogância diante de
potenciais patrões. Não bastando isso, Constanze passou a ser sistematicamente vilipendiada por se
julgar que ela teria sido uma influência maligna e contribuído ativamente para a desgraça do marido.
Essas histórias não só foram aceitas por vários estudiosos sérios como Alfred Einstein e Arnold
Schering, mas se tornaram extremamente populares, ainda que a crítica mais atualizada as considere
em larga medida desprovidas de qualquer fundamento.
Além desses aspectos, outras distorções em suas biografias surgiram de vê-lo como um gênio.
Certamente o enorme talento de Mozart abria espaço para isso, mas então todas as construções
biográficas românticas se estruturaram a partir de uma ideia preconcebida de como um gênio deveria
ser e se comportar. Como o próprio conceito de gênio se transformou desde o século XVIII para cá, o
resultado é que se formaram várias imagens diferentes de Mozart. Essa tradição foi lançada pelo seu
pai Leopold, de acordo com uma visão quase religiosa do gênio como um ser abençoado por Deus.
Com tal privilégio inato, cabia a Mozart consumar essa profecia. Biógrafos católicos como Adolphe
Boschot, Téodor de Wyzewa e Georges de Saint-Foix deram prosseguimento ao tema como se o gênio
fosse algo externo ao músico, como se falasse através dele, enfatizando a idéia de que Mozart não
precisara estudar, se esforçar ou refletir para compor, como se tivesse nascido do nada, já inteiramente
pronto, sem ter sofrido influências ou se relacionado com seu ambiente, mas é de notar que o próprio
Mozart, ainda que cônscio de suas habilidades excepcionais, jamais descreveu a si mesmo como um
gênio nesse sentido, e reconheceu seu débito para com outros músicos. Não obstante, chegou a se
divulgar em 1815 uma carta falsificada de Mozart onde ele descrevia seu processo compositivo como
uma inspiração próxima do sonambulismo. Essa visão fez de Mozart não apenas um ser especial, mas
verdadeiramente angélico, essencialmente bondoso, sadio e equilibrado, e por isso um clássico por
excelência.
Todo esse ideário distorcido ou fantástico sobre Mozart foi aproveitado também por outros artistas
românticos para inserí-lo na literatura ficcional. A prática iniciou com E. T. A. Hoffmann, que escreveu
em 1814 um conto, Don Juan, onde a ópera Don Giovanni é analisada como uma alegoria da queda de
um espírito em sua busca equivocada do divino através do amor da mulher.[158] Alexandre Pushkin
contribuiu com duas pequenas tragédias, Mozart e Salieri - transformada em ópera por RimskyKorsakov -, e O Convidado de Pedra, a primeira reforçando a lenda do envenenamento de Mozart, e a
outra uma releitura também do Don Giovanni original, encontrando no protagonista um alter ego do
compositor. Aliás esta ópera atraiu diversos outros escritores românticos, como Søren Kierkegaard,
Eduard Mörike e George Bernard Shaw, com uma variedade de interpretações filosóficas, morais e
psicológicas.
Difusão de sua música
Durante a vida de Mozart as composições eram difundidas através de cópias manuscritas ou
edições impressas. Na infância e juventude de Mozart seu pai administrou a divulgação, mas imprimiuse e copiou-se relativamente pouco a fim de proteger os interesses do filho, pois depois de saídas das
mãos do compositor não era raro que as obras fossem recopiadas e republicadas sem sua autorização.
O que apareceu impresso foram peças de câmara, pois óperas e obras orquestrais de grande porte só
circulavam em manuscritos. Na década de 1780 a difusão se ampliou. Viena se tornara então um
grande centro de publicação, e as necessidades financeiras de Mozart exigiam a venda de obras. Desta
forma, até sua morte um significativo número de suas composições foram oferecidas ao público,
totalizando cerca de 130, alcançando muitos países da Europa, a ponto de sua fama ser comparada
somente à de Haydn. Ele foi regularmente citado em obras teóricas e dicionários musicais e suas
óperas eram divulgadas por companhias itinerantes.
Imediatamente após sua morte apareceu uma grande quantidade de novas peças no mercado,
em parte pelo grande sucesso de A Flauta Mágica, pela fama do compositor e também pela provável
liberação de várias obras inéditas por Constanze. Em seguida as editoras Breitkopf & Härtel de Leipzig
e André de Paris procuraram a viúva para adquirir outras. O projeto de Breitkopf era ambicioso, tanto
que em 1798 se iniciou a primeira reunião de suas obras completas, embora isso não fosse conseguido
naquele momento. Porém em 1806 já haviam aparecido dezessete volumes. Em 1799 Constanze
vendeu a maior parte de sua herança em manuscritos a André, mas a venda não resultou em uma
publicação massiva. Mas como o editor se preocupava com a fidelidade aos originais, as obras que ele
imprimiu são valiosas e algumas delas são as únicas fontes para determinadas peças, cujos originais
mais tarde se perderam.
Em meados do século XIX o interesse pela música de Mozart reviveu, junto com uma
redescoberta generalizada da música do passado, mas o número de suas obras ouvidas não era
grande. Das óperas permaneciam viáveis Don Giovanni, Le nozze di Figaro e A Flauta Mágica, e da
música instrumental, as peças em clave menor e as últimas sinfonias, mas acessíveis à sensibilidade
romântica que a esta altura assumia a primazia estética na Europa, suplantando o Classicismo.[165]
Mozart passou a ser visto pelos críticos germânicos como um compositor tipicamente romântico, que
expressara com perfeição os mais profundos anelos da alma alemã, e se encontrou em sua música,
especialmente naquelas compostas em tonalidades menores e na ópera Don Giovanni, elementos
dionisíacos, perturbadores, passionais, destrutivos, irracionais, misteriosos, sombrios e mesmo
demoníacos, em diametral oposição aos ideais classicistas. Não obstante, para o século XIX europeu
em geral a imagem de Mozart como um compositor clássico prevaleceu, mas sua música tendeu a ser
entendida de forma ambivalente e muitas vezes estereotipada. Para uns o Classicismo era um estilo
formalista e vazio;[166] como Berlioz, que já não suportava as óperas mozartianas, achando-as todas
iguais e vendo nelas uma beleza gelada e tediosa. Outros, porém, como Brahms, podiam encontrar em
suas últimas sinfonias ou em seus melhores concertos obras mais importantes do que as de Beethoven
nos mesmos gêneros, ainda que estas fossem tidas como mais impactantes. Schumann, numa tentativa
de elevar a música de Mozart ao domínio da atemporalidade, disse que a claridade, serenidade e graça
eram as marcas distintivas das obras de arte da Antiguidade, e que eram também as da "escola
mozartiana", e descreveu a sinfonia K550 como de "esvoaçante graça grega". Outros como Wagner,
Mahler e Czerny viam Mozart mais como um precursor necessário para Beethoven, que teria levado a
arte da música à consumação profetizada mas não realizada por Mozart.[167]
As óperas de Mozart foram reapresentadas em festivais esporádicos em Salzburgo entre o fim do
século XIX e início do século XX, mas os festivais mozartianos modernos só iniciaram na década de
1920, depois de iniciativas de Hermann Bahr, Max Reinhardt, Richard Strauss e Hugo von
Hofmannsthal, e logo que se estabilizaram atraíram a participação dos melhores regentes do período,
como Bruno Walter, Clemens Krauss e Felix Weingartner. Fritz Busch desempenhou um grande papel
ao transpor para o Festival de Glyndebourne, no Reino Unido, aspectos da abordagem austrogermânica de Mozart, o que foi fundamental para a fixação do estilo de performances ao longo do
século, e com a atuação de John Christie e sua esposa Glyndebourne se tornou um festival quase
exclusivamente dedicado a Mozart, apresentando além disso as óperas em sua língua original, o que
era raro em países não-germanófonos.[168] Na década de 1950 Idomeneo e Così fan tutte entraram no
repertório operístico, e na década de 1970, com uma maior aceitação das convenções da opera seria,
outras de suas óperas passaram a ser ocasionalmente revividas. Outros gêneros cultivados por ele
também passaram para o repertório padrão, especialmente os concertos para piano e as sinfonias, e a
influência da divulgação de suas música em discos foi profunda em tornar Mozart um nome popular;
entre as décadas de 1960 e 1970 apareceram gravações completas de gêneros inteiros.
Em direção ao fim do século estudos especializados introduziram um estilo de prática musical que
tenta reconstruir meios e técnicas autênticos do século XVIII. A tendência recente dos intérpretes é
depurar toda a sua música da tradição interpretativa e orquestrativa típicos do Romantismo que ainda
sobreviviam inadequadamente na música classicista de Mozart.[170] Por outro lado, ainda nos dias de
hoje os estereótipos que se formaram em torno da música mozartiana a partir de leituras superficiais do
Classicismo, entendendo-o somente como algo "elegante", ou "tranquilo" ou "perfeito", embora possuam
algum fundamento, influem negativamente na correta apreciação de seus trabalhos, que são muito mais
ricos, surpreendentes e variados do que suportam as análises irrefletidas e desinformadas.[171] Segundo
Harnoncourt, atualmente a música de Mozart encarna para muitos o apogeu da harmonia serena e
luminosa, louvam-se as interpretações que se caracterizam por uma perfeição estilística, sem tensões,
sem nuanças, sem qualquer dureza, conflito ou desespero, reduzindo a substância musical a "um doce
sorriso", e o que se desvia dessa norma é rejeitado por aproximar demais Mozart da estética dramática
consagrada por Beethoven. Esse entendimento equivocado, ou pelo menos parcial, sobre o classicismo
mozartiano, contrasta com impressões registradas na sua própria época, que descreviam diversas
peças suas com expressões tais como "fogosa", ou "apaixonadamente emocionante", ou
"aterradoramente bela", ou "passando do mais melancólico ao mais sublime", e outros adjetivos
indicadores de intensidade, diversidade e dinamismo.
Páginas
do
caderno
de
anotações musicais de Mozart.
(British Library)

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