a criação da escola de aprendizes artífices do pará, a
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a criação da escola de aprendizes artífices do pará, a
1 A CRIAÇÃO DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DO PARÁ, A SOCIEDADE DA BORRACHA E A URBANIZAÇÃO DE BELÉM NO INÍCIO DO SÉCULO XX. Ricardo Afonso Ferreira de Vasconcelos. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA. GT04: História da Educação Profissional e Tecnológica. Artigo. RESUMO: Este artigo pretende discutir a gênese e estruturação da Escola de Aprendizes Artífices do Pará (E.A.A.PA) antecessora histórica do atual IFPA (Instituto Federal de Educação Tecnológica do Pará). A contextualização sócio-econômica desse processo de criação da Escola de Artífices no Pará remonta ao período histórico em que estava em curso o Ciclo da Borracha (1870-1920). Verificou-se em Belém do Pará na referida época, um processo de modernização urbana conservadora e autoritária caracterizada pela adoção de costumes e comportamentos ligados ao estilo de vida da Belle-Époque, bem como o reordenamento do espaço urbano especialmente do centro da cidade. Por conseguinte, a implantação do ensino profissional via Escola de Artífices ocorreu em um momento histórico onde coexistiam estruturas de dominação oligárquica e um processo de modernização autoritária e excludente que pode ter dialogado com o processo de implantação e estruturação do ensino técnico profissional em Belém. - PALAVRAS-CHAVE: História; Artífices; Amazônia. 1. Introdução O presente artigo pretende discutir as relações ou vínculos entre o surgimento da Escola de Aprendizes Artífices do Pará, o sentido de modernidade capitalista e o processo de urbanização de Belém ocorrido na época da economia da borracha. Num primeiro momento busca-se estabelecer a relação entre a expansão industrial e capitalista e o surgimento da mentalidade modernizante tanto nos países centrais como também no Brasil, exemplo de país periférico do capitalismo. A segunda parte discorre sobre o cenário sócio-econômico e político de nosso país - destacando a questão da origem e perfil da indústria – e também identifica algumas mudanças e permanências no Brasil da época. A terceira parte discute dois 2 aspectos ligados a esta modernidade urbana de nosso país: o reordenamento excludente do espaço urbano e o autoritarismo das medidas sanitárias aplicadas pelos governos oligárquicos da época nas áreas centrais das cidades, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo e especificamente em Belém onde predominava a hegemonia política e econômica da oligarquia da borracha. Já, na quarta e última parte será discutido o processo de implantação da Escola de Aprendizes Artífices do Pará inserido na dinâmica de uma capital da região amazônica – Belém do Pará - sob o domínio da elite da borracha e que vivenciou a expansão do processo de urbanização e reestruturação do seu espaço geográfico e sócio-econômico durante a primeira década do século XX. 2. Referencial Teórico A construção do referencial teórico desse trabalho se baseou na pesquisa e revisão bibliográfica de obras que discutem as mudanças sócio-econômicas e políticas relacionadas ao Brasil durante a virada do século XIX para o século XX, incluindo a questão da “modernidade” presente em autores como: Sérgio Silva, Foot Hardman, João Manoel Cardoso de Melo, Ladislaw Dowbor, Ângela Costa & Lilia Schwarcz, F. Iglesias, S. Mendonça, Sandra J. Pesavento. Quanto ao estudo sobre a economia da borracha, utilizamos os estudos de Prado e Capelato, e também autores que analisam as mudanças ocorridas no espaço sócioeconômico urbano de Belém do Pará no início do século XX, sendo referências principais os trabalhos de Maria de Nazaré Sarges. Também consta a análise de textos de autores que discutem o ensino profissional e a educação, como por exemplo: Mario Manacorda, Mariano Enguita, Demerval Saviani, Luiz Antônio Cunha e estudos anteriores que discorreram sobre dados referentes à criação da Escola de aprendizes Artífices do Pará, como o caso da pesquisa elaborada pelo professor/pesquisador Péricles Bastos vinculado à antiga Escola Técnica Federal do Pará. 3. Objetivos A implantação do ensino profissional através da Escola de Aprendizes Artífices do Pará ocorreu em um momento histórico onde coexistiam estruturas de dominação oligárquica e um processo de modernização autoritária e excludente que pode ter dialogado com o processo de implantação e estruturação do ensino técnico profissional em Belém. Isto posto, 3 constitui objeto desta pesquisa contextualizar a gênese e implantação do ensino profissional no Pará identificando quais as demandas sociais e interesses políticos que ensejaram a criação da E.A.A.PA. Ou seja, busca-se o resgate de aspectos envolvendo a discussão sobre o processo de estruturação da Escola de Aprendizes Artífices do Pará (E.A.A.PA) antecessora histórica da Escola do atual IFPA (Instituto Federal de Educação Tecnológica do Pará) inserida no contexto da economia da borracha e das transformações ocorridas no espaço urbano da cidade de Belém no início do século XX. 4. Metodologia O percurso metodológico realizado para a construção teórica do presente trabalho se deu por meio de pesquisa envolvendo a revisão bibliográfica dos temas abordados como: mudanças sócio-econômicas e políticas ocorridas no Brasil na virada do século XIX para o século XX, estudos sobre modernidade, os processos de urbanização e exclusão sociais nas principais cidades e capitais brasileiras no referido período. Num segundo momento foram analisados autores que discutem a economia da borracha e as mudanças ocorridas no espaço sócio-econômico urbano de Belém do Pará no início do século XX, bem como, a consulta a alguns relatórios e documentos da época e a análise de estudos anteriores que discorrem sobre dados referentes a criação da Escola de aprendizes Artífices do Pará. 5. Desenvolvimento 5.1- A modernidade capitalista-industrial européia e novas tecnologias A segunda metade do século XIX corresponde ao período de transição do capitalismo concorrência e liberal para o capitalismo monopolista. Após um primeiro período de expansão industrial clássica têm início uma nova fase de industrialização – conhecida como Segunda Revolução Industrial - que atinge países como: Alemanha, Itália, Japão e Rússia, constituindo estes, o primeiro grupo de países de industrialização tardia. E, em torno deste segundo “boom” industrial desenvolveram-se novas tecnologias entre elas: a eletricidade, o petróleo, ferrovias e telefonia. Na segunda metade do século XIX, o capitalismo do norte atinge uma maturidade e um grau de evolução tecnológica 4 impressionante. Em particular tomam importância determinante a siderurgia, metalurgia, a mecânica pesada, o setor ferroviário (Dowbor, 1994: 40). Nesta fase do capitalismo monopolista engendrou-se a condição histórica para o surgimento do Imperialismo/ Neocolonialismo que, por sua vez, estabeleceu específicas relações entre os países com um duplo resultado: Por um lado, com a capacidade produtiva crescente da indústria do Norte, aumenta tento a necessidade de mercados para o seu escoamento como a necessidade de matérias-primas baratas juntando os fins e os meios, os países do Norte passaram a fornecer aos do Sul estradas de ferro e pequeno equipamento industrial: conseguiam assim exportar produtos que já se haviam tornado o eixo principal de expansão do Norte, e modernizavam a extração de matérias-primas, racionalizando e dinamizando as orientações expansivas dos países subdesenvolvidos. (Idem, 41). A dominação imperialista sobre a América Latina se deu de forma singular, pois, se a expansão sobre a África e Ásia ocorreu por meio da corrida neocolonial permitindo a partilha de extensos territórios desses continentes, no caso dos países latino-americanos, a estratégia imperialista priorizou “o apoio irrestrito das classes dirigentes locais” por meio de alianças. Dotadas de classes dirigentes neocoloniais cujas raízes são justamente as produção para o exterior e a divisão clássica do comércio internacional, estas sociedades são suficientemente dependentes nas suas estruturas para não precisar de colonização direta. O colonialismo será, de certa maneira, nosso. (Idem, p. 42). A dominação imperialista, por sua vez, produziu valores culturais e ideológicos que buscavam justificar a dominação sobre vastas regiões coloniais e comerciais sendo que a idéia de progresso científico e tecnológico era um dessas mais significativas, pois representava o triunfo da razão e da ciência produzido pelas diversas potências capitalistas do século XIX. Pelos olhos da burguesia, o progresso era desejável, o desenvolvimento da técnica produzia um mundo melhor e o futuro se apresentava como a concretização do bem-estar social. Sem dúvida alguma, o progresso técnico fora obtido pelo pensamento racional. O personagem símbolo da racionalidade era também, sem sombra de discussão, a burguesia triunfante que, com seu gênio criativo e sua racionalidade fora capaz de produzir a moderna sociedade industrial. Desenvolviase assim uma particular forma de concepção da razão libertadora: a racionalidade fora capaz de romper as barreiras da ignorância e produzir a ciência. O conhecimento científico, por sua vez, aplicado à técnica, concebera as máquinas e os novos e surpreendentes inventos (Pesavento, 1997:47). 5 Foram estas idéias de progresso econômico-tecnológico associadas aos interesses da burguesia dominante, sob a bandeira do discurso de modernidade, que se difundiram no Brasil durante as primeiras décadas do século XX. Tais idéias foram incorporadas por vários tecidos sociais e grupos políticos e serviram a determinados interesses ideológicos. Tanto nos EUA como na Europa se desenvolveu um clima de otimismo e de confiança absoluta que saiu da economia e ganhou a cultura, os costumes e a moral. Era uma sociedade de sonhos ilimitados, mais conhecida como Belle-Époque. Também no Brasil do início do século XX se difundiu uma atmosfera igual a outras partes do mundo, ou seja, de modernização a qualquer custo, tendo como base um discurso cientificista e racionalista. Também estavam em voga idéias ligadas ao evolucionismo, positivismo e etnocentrismo nas ciências que estavam em pleno processo de formação como por exemplo: a Antropologia, a Sociologia, a Geografia, a História e a Medicina e Engenharia Sanitária. Para o entendimento destas questões referentes ao processo de construção do sentido de modernidade torna-se necessário analisar o cenário político e sócio-econômico do Brasil da época tentando identificar mudanças e permanências presentes no cenário de nosso país do início do século passado. 5.2 - Economia: Origem e Perfil da industrialização brasileira. Em sua origem, a modernidade que se constituiu no Brasil a partir do final do século XIX e início do século XX apresenta relação direta com o advento da indústria. De modo geral, ocorreram surtos de industrialização mais especificamente nos períodos de: 1850-1860, década de 1890, 1914-1920. Portanto, o Brasil pode ser identificado como um país de industrialização tardia1. Durante o período colonial (1530-1822), a vigência do pacto colonial impunha ao Brasil a condição de colônia de exploração, portanto, responsável em gerar matérias-primas e gêneros tropicais para a metrópole. Além disso, a instalação e funcionamento de manufaturas 1 O conceito de capitalismo e industrialização tardios é discutido com detalhes em: Mello, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio: Contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. 9ª edição. S. Paulo: Brasiliense, 1994. 6 na colônia eram proibidos, com exceção das de metais e panos de algodão. Alertada pelo significado da produção local, que punha em risco o comércio de portugueses (...) chegava-se ao famoso Alvará de 5 de janeiro de 1785, de D. Maria I, proibindo as manufaturas. O documento não só as proibia como ordenava a destruição dos teares[...]” (Iglésias, 1994:24). Foi somente, a partir da chegada da família Real ao Brasil em 1808, que o pacto colonial sofreu uma ruptura, pois, com a Abertura dos portos (1808) os produtos ingleses passaram a ingressar na colônia sem a intermediação dos comerciantes portugueses e com o Tratado de Comércio, Amizade e Navegação de 1810, os produtos manufaturados ingleses passaram a ter preferência de entrada no território nacional “com a tarifa de 15% inferior as portuguesas – 16% - e mais ainda às de outras nações – 24%” (Iglésias, 1994: 36). Somente sob a vigência da Tarifa Alves Branco2 e a partir do fim do Tráfico Negreiro (1850) que surgiram as condições favoráveis ao primeiro surto de industrialização no Brasil conhecido como Era Mauá. Mas, o que provocaria essas mudanças? A principal de todo esse processo foi o fim do tráfico de africanos para o Brasil, estipulado pela Lei Eusébio de Queirós, fruto das pressões britânicas, em 1850. com ela, inúmeros capitais, até então empatados na compra de escravos, seriam desviados para outras atividades, tais como serviços urbanos, bancos e também a indústria (Mendonça, 2005: 15). Outros surtos industriais ocorreram durante a Velha República (1889-1930) já sob a hegemonia do poder econômico e político da oligarquia cafeeira. Na verdade, ao examinarmos os diferentes aspectos da questão concluímos que as relações entre o comércio exterior e a economia cafeeira, de um lado, e a indústria nascente, de outro, implicam ao mesmo tempo, a unidade e a contradição. A unidade está no fato de que o desenvolvimento capitalista baseado na expansão cafeeira provoca o nascimento e um certo desenvolvimento da indústria; a contradição, nos limites impostos ao desenvolvimento da indústria pela própria posição dominante da economia cafeeira na acumulação de capital. (Silva, 1976: 103). Por conseguinte, foi o capital acumulado na economia do café que alavancou a industrialização, especialmente àquela ocorrida no estado de S. Paulo. Dessa forma, surge como primeira característica da industrialização brasileira, nessa fase inicial, a sua subordinação ao capital cafeeiro. A grande indústria não só dependeu da diversificação desse complexo agrário-exportador como dele beneficiou-se em vários aspectos essenciais [...] toda a infra-estrutura urbana e de transporte desenvolvida em função da cafeicultura também favoreceu a industrialização, quer pelos seus serviços já implantados – como o de energia 2 A tarifa Alves Branco aumentou os percentuais de taxa de importação aumentando a arrecadação fiscal do governo monárquico e dificultando a entrada de produtos estrangeiros. 7 elétrica, por exemplo -, quer pela concentração de consumidores urbanos em número considerável para a época (Mendonça, 2005: 22). Efetivamente, a partir do início do século XX os estabelecimentos industriais concentravam-se no Rio de Janeiro (Capital Federal), São Paulo e Rio Grande do Sul. Porém, a partir da década de 1920 o estado de São Paulo tornou-se o centro industrial de maior porte em decorrência da maior infra-estrutura de transporte, comunicações, energia e mão-de-obra barata – sendo esta última proveniente do contingente de imigrantes - muitos deles egressos das fazendas de café do interior paulista. Até os anos 1920, os imigrantes de origem estrangeira são em maior número. Eles não aceitam sem luta a exploração à qual são submetidos. Essas lutas tomam as formas mais diversas, e muitas vezes violentas, dada a repressão exercida pelos fazendeiros que proíbem, por exemplo, aos trabalhadores todo direito de associação (...) Em razão das condições sociais e da remuneração, os trabalhadores abandonam voluntariamente as plantações ao fim do contrato (1 ano), para procurar uma situação mais vantajosa nas novas plantações, nas cidades, ou em outros países da América Latina, como a Argentina. (Silva, 1976:53). Portanto, foi este processo de industrialização em andamento durante as primeiras décadas do século XX que permitiu a maior urbanização de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo que por sua vez criaram uma atmosfera de modernidade e progresso técnico e científico e que serviram de suporte para processos de reordenamento dos espaços urbanos através de medidas sanitárias e de reestruturação dos centros dessas principais capitais. 5.3. Política e Sociedade O final do século XIX marcou o processo de transição da Monarquia para a República no Brasil. Tal transição ocorreu por meio de um golpe militar resultado da aliança de militares positivistas do Exército e setores da burguesia cafeeira do Oeste Paulista organizadas no Partido Republicano, por conseguinte, sem revolução e sem participação das camadas populares. Os dois primeiros governos da República - de Deodoro e Floriano refletiram a hegemonia dos setores militares reformistas, autoritários e ligados aos interesses das classes médias urbanas. Porém, a partir da eleição de Prudente de Morais, em 1898, a hegemonia política desloca-se para os grupos oligárquicos, sendo o mais representativo o dos cafeicultores do Oeste Paulista. 8 A consolidação do poder oligárquico ocorreu durante o governo de Campos Sales (1898-1902). Durante seu governo foi realizado o processo de saneamento econômicofinanceiro do país e no âmbito político foram estruturadas: a política do café - com - leite e a política dos governadores. Tais políticas articulavam-se no âmbito municipal com a estrutura de dominação do Coronelismo e permitiram a consolidação de uma hegemonia política nas mãos das oligarquias, que salvo alguns períodos de crise, somente foi abalada nos anos de 1920 com o advento de novos movimentos sociais e crises políticas, como por exemplo, o caso das revoltas tenentistas. Portanto, até o início dos anos de 1930, o poder dos oligarcas e coronéis era ostensivo e hegemônico em nosso país. A sociedade brasileira, por conta da expansão urbano-industrial vivenciou nas primeiras décadas do século XX um processo maior de estratificação e complexização social. As classes médias urbanas cresceram em quantidade e participação sócio-política. Da mesma forma, também surge neste cenário das cidades um combativo proletariado industrial. Porém, nas áreas rurais pouca mudou, pois, grande maioria da população ainda vivia nestas áreas e sob domínio do poder dos chefes políticos locais, longe, portanto, da atmosfera de modernidade dos centros urbanos. Tal cenário rural era uma permanência do passado colonial ostensivamente presente na sociedade da época. Latifúndio, semi-escravidão e exploração dos camponeses, conflitos agrários – seja na forma de movimentos messiânicos e/ou revoltas -, autoritarismo e mandonismo local, eram expressões dessa sociedade rural e agrária. Em resumo: agrarismo, ruralismo e conservadorismo contrastavam com o desenvolvimento de uma modernidade que tentava se instalar em nosso país. 5.4 A modernidade industrial e tecnológica excludente: a exclusão social espaço urbano e as políticas sanitárias da época. O sentido de modernidade no Brasil teve como palco principal as áreas urbanas, especialmente as cidades beneficiadas pela industrialização e expansão da atividade cafeeira, ou como no caso de Manaus e Belém, em decorrência do impulso econômico propiciado pela economia da borracha. Eram, pois, “duas faces da mesma moeda. De um lado a vertigem da modernidade com seus ganhos; de outro, a exclusão e o autoritarismo de medidas disciplinares” (Costa; Schwarcz, 2002: 30) com transformações socioeconômicas, 9 urbanísticas, físicas e demográficas e com alterações profundas nas funções e espaços da cidade. As principais cidades brasileiras – São. Paulo, Rio de Janeiro, Belo horizonte, e outras – reproduziam o cenário de um Brasil como cartão-postal, ou seja, vitrines de uma modernidade que estava em “harmonia com o progresso e a civilização mundiais” (Idem: 27). E quais os sinais de modernidade tecnológica visíveis no cenário desses centros urbanos? No aspecto da urbanização, a modernidade tecnológica foi personificada através de mudanças como: crescimento de projetos urbanísticos para os centros e embelezamento de áreas de moradia e circulação da elite, iluminação e bondes elétricos, ampliação dos serviços de telegrafia e telefonia. As indústrias tomaram conta do cenário urbano com suas chaminés e efeitos poluidores. “Surgem também fábricas de máquinas de beneficiamento e material para as estradas de ferro” (Idem: 37), bem como, fábrica de novos tipos de produtos, antes importados, tias como: bebidas, panelas, vidros, cimento, pregos e outros. E no setor cafeeiro, ocorrem mudanças tecnológicas especificamente no âmbito da mecanização do beneficiamento deste produto e inovações agrícolas nas áreas de plantio, especialmente, no Oeste Paulista a partir de 1870. Novos cenários urbanos surgem em torno do fluxo de imigrantes e de trabalhadores nacionais que buscam novas formas de sobrevivências no trabalho fabril. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro constituíram dois exemplos emblemáticos de centros urbanos, nos quais a estruturação ou reestruturação do espaço urbano obedeceu à lógica da segregação social: bairros planejados para as elites, bairros insalubres para as camadas populares e embelezamento dos centros removendo tudo àquilo que é considerado sujo, feio, desestruturado e popular para as áreas periféricas das urbes. E, neste cenário de modernidade urbana, dois importantes exemplos de exclusão estavam presentes no cotidiano: o reordenamento do espaço urbano definindo as condições de moradia e ainda determinando a exclusão de determinados espaços urbanos para as camadas sociais populares e, o autoritarismo das medidas sanitárias através das campanhas de vacinação e higienização das áreas urbanas. No primeiro caso, os patrões buscaram estruturar as vilas proletárias geralmente próximas aos complexos industriais, buscando desenvolver os laços de dependência e de paternalismo em relação a este mesmo patronato. A vida operaria nessas vilas era um prolongamento da rígida disciplina imposta no regime de trabalho fabril. Em vários casos, os 10 salários eram substituídos por vales que eram trocados por mercadorias nos armazéns da empresa. Reinava a disciplina e o controle sobre os trabalhadores destas áreas de moradia onde existiam muros e cercados e as entradas eram guardadas, sendo proibidos e reprimidos os casos de brigas, jogatina e consumo de bebidas alcoólicas. Já, no caso dos bairros operários surgidos sem a intervenção dos patrões, predominava o crescimento desordenado e espontâneo. Eram bairros sem infra-estrutura, insalubres, à mercê da poluição e de doenças e epidemias - a gripe espanhola e a febre amarela, por exemplo - foram doenças muito presentes neste cenário dos bairros operários. Dentre os vários problemas sociais, as doenças e epidemias tiveram grande peso [...] óbitos ocorridos em 1888 e 1892 revelavam um alto índice de mortalidade infantil e de moléstias como tuberculose e outras ligadas diretamente às condições de higiene e de alimentação (Foot Hardman, 1991: 158). No caso específico do Rio de Janeiro sob a administração do prefeito Pereira Passos foi realizada o processo de reurbanização do centro da cidade tendo como modelo o projeto de reforma urbana de Paris realizada por Haussmann. Tal política pública na abertura de largas avenidas no centro da capital e na demolição dos cortiços implicando no despejo de grande quantidade de famílias e o conseqüente remanejamento destas para áreas periféricos e morros do Rio de Janeiro. Mal acabavam as grandes demolições e expulsões da gestão Rodrigues Alves, já começava a surgir a maior parte das favelas do centro e da zona sul do rio de Janeiro (Marins, In: SEVCENKO, 1998:1561). Em São Paulo, a riqueza propiciada pelo café patrocinou o planejamento e reordenamento urbano da cidade privilegiando o centro e as áreas de moradia da elite ligada ao café e a nascente indústria. “Campos Elísios, porções de Santa Ifigênia e da Liberdade, e, sobretudo o emblemático bairro arruado em 1893, Higienópolis, passaram a abrigar as famílias mais abastadas ligadas aos negócios da cafeicultura. Em 1891 foi inaugurada a Avenida Paulista...” (Idem, p. 175). Sob o governo provincial de João Theodoro Xavier de Mattos altera-se a “infra-estrutura local: abre novas ruas, prolonga velhas estradas, amplia largos, reforma a Várzea do Carmo, cria jardins públicos... em suma, após três anos de gestão, a nova administração prepara a cidade para a entrada dos capitalistas...” (Costa; Schwarcz, 2002: 30). O reverso desta reurbanização em São Paulo, diz respeito aos bairros operários onde: 11 As condições precárias das habitações populares generalizavam-se tanto nas antigas construções de taipa e tijolos da área central quanto nas casinhas que pipocavam nos bairros e arrabaldes localizados ao longo das linhas férreas [...] e também das terras alagadiças que cercavam a área urbanizada da cidade a leste, ao norte e a sudeste. O abrupto inchaço habitacional agudizava o perigo das epidemias... (Marins, In: SEVCENKO, 1998:173). No segundo caso, que diz respeito à questão sanitária, tal política governamental refletia os avanços deste setor a partir de conceitos de engenharia, demografia e medicina concebidos na Europa, especialmente na França. Avanços nas ciências e medicina permitiram, por exemplo, a introdução da anestesia com cocaína e o uso de radiografias. E já, em 1895, a Revista Brasil Médico publica os primeiros dados estatísticos sobre moléstias contagiosas no Brasil. As doenças mais ameaçadoras eram: a febre amarela, a varíola, a malária, a cólera. Porém, a tuberculose e a febre amarela mereceram maior destaque, pois, no primeiro caso, os mais atingidos eram negros e mestiços, já que, a tuberculose era a doença que provocava mais óbitos. No caso da febre amarela, era a moléstia que mais assustava os imigrantes europeus, fato este que justificou a ação sanitária do governo por intermédio da vacinação obrigatória. Tais medidas autoritárias desencadearam uma resistência da população do Rio de Janeiro sendo que a revolta da vacina de 1904 responde a essa lógica. O estopim da revolta popular foi o decreto que regulamentava a aplicação da vacina obrigatória contra a varíola. O sanitarista Oswaldo Cruz transformou-se no alvo das acusações e essas medidas profiláticas eram vistas popularmente como uma ditadura sanitária. Isto representou a supremacia de um modelo de medicina intervencionista, pois, estes profissionais da área sanitarista ajudavam a criar a idéia de que seria possível sanear o país através de uma ciência supostamente “do bem capaz de corrigir desvios e redimir problemas”... (Idem, p. 123). Em ambos os casos citados, percebe-se que o objetivo principal destas políticas governamentais implantadas na época era o controle social. Ou seja, disciplinar o espaço urbano controlando e moldando o comportamento das camadas populares buscando manter a harmonia social através da combinação de medidas autoritárias, excludentes e marginalizadoras, daí, a necessidade de uma série de regulamentações oficiais e códigos de posturas necessários, para manter a ordem e criar hábitos salutares. Da mesma forma, a estruturação do ensino técnico respondeu as necessidades de disciplinar e controlar os indivíduos de classes exploradas, bem como, gerar um contingente de trabalhadores especialistas em determinados ofícios plenamente adaptados aos interesses da elite e da sociedade excludente da época. Além do que, a constituição do ensino técnico através das 12 Escolas de Artífices consolidou o modelo educacional baseado na dualidade de ensino, ou seja, ensino propedêutico para os filhos da elite em oposição ao ensino técnico destinado a crianças e jovens oriundos das camadas populares. 5.5 O contexto sócio-econômico regional em torno da economia gomífera e o processo de urbanização de Belém no início do século XX A expansão da economia da borracha propiciou ao Pará durante algumas décadas o posto de maior produtor nacional de látex. Em decorrência dessa expansão econômica desenvolveu-se uma modalidade de próspera oligarquia regional composta por seringalistas proprietários de seringais e comerciantes “aviadores” que forneciam gêneros necessários ao funcionamento dos seringais e se responsabilizavam pela aquisição e transporte da borracha para Belém entregando-a as grandes firmas exportadoras dessa matéria-prima. Tal prosperidade advinda do circuito da borracha permitiu a esta elite a construção de um estilo de vida que imitava os hábitos, valores e conceitos vigentes nos grandes centros urbanos europeus e nacionais, ou seja, “a cidade procurou se modernizar como que estivesse se preparando para ser o porto de escoamento da produção da borracha que em dado momento assumiu o segundo lugar na pauta de exportação brasileira” (Sarges, 2000:23). A modernização da cidade de Belém também se traduziu na forma da expansão de estabelecimentos industriais. De acordo com Sarges (2000:23) no “período que vai de 1890 a 1900 surgiram 25 novas fábricas” que produziam desde biscoitos, açúcar refinado, caramelo, pão café, fibras, cordas, cerveja e até licores. O processo de urbanização e modernização em curso na época encontrou na administração municipal do Intendente Antônio Lemos a sua expressão mais eficiente. A cidade estava cheia de símbolos que sinalizavam um projeto modernizador ao gosto das elites enriquecidas com economia da borracha. Não bastava, no entanto, apreciar esse invólucro – monumentos, mercados, prédios; era preciso proteger todos os elementos que representavam o sonho burguês da modernidade.. (Sarges, 2002:143). Isto posto, torna-se necessário uma breve reflexão sobre o período “Lemista” e as reformas por ele empreendidas. Antônio Lemos governou a cidade de Belém durante o período de 1897 até 1910 e sobre o seu perfil Sarges (2002:23) afirma que: 13 Antônio José de Lemos, considerado o responsável pela feição de belle-époque que se instaurou em Belém, foi intendente municipal durante 14 anos, tendo sido eleito pela primeira vez em 1897 e renunciado ao mandato, após várias reeleições em junho de 1911. Tão logo assumiu o comando da governança municipal, Lemos se deparou com uma realidade marcada pelo crescimento demográfico elevado e acelerado da população municipal em virtude do afluxo de numeroso contingente de imigrantes nordestinos chegados ao estado para trabalhar nas atividades ligadas a economia da borracha. Por isso, objetivando disciplinar a vida desses trabalhadores que chegavam e se tornavam moradores da cidade e arredores Antônio Lemos passou a adotar uma “política saneadora preventiva”. Tais medidas objetivavam [...] cuidar de certos aspectos da vida urbana, como, saneamento, saúde pública, estética da cidade, etc., par que não fossem prejudicados pelos maus hábitos de uma população indisciplinada e fétida (Sarges, 2000: 97). Por isso, visando disciplinar a população municipal foram criadas a Polícia municipal e Códigos de Postura com forte componente fiscalizador. Por conseguinte, obedecendo a esta lógica imposta pela sua gestão municipal, o intendente Antônio Lemos promoveu entre outras obras, a importação de equipamentos objetivando combater incêndios, a criação da banda de música do município, concessão a grupos capitalistas para execução de obras de saneamento, aberturas de avenidas e ruas; concessão para instalação de “Entreposto de Inflamáveis e Explosivos” regulamentando o manuseio e armazenamento desses utensílios “destinados à venda e retalho” sendo que os mesmos “deveriam ser dispostos em lugar arejado, seguro e isolado por muros”. (Sarges, 2002: 145). Atrelado a este processo de regulamentação e reordenamento das relações sociais e jurídicas no espaço urbano de Belém, a intendência de Antônio Lemos também promoveu medidas autoritárias, de conotação excludente e segregacionista no que se refere a maioria da população de camadas populares. O projeto de urbanização da cidade com a construção de praças, jardins, quiosques, belos palacetes, largas avenidas, emaranhava-se com o cotidiano do bota-abaixo de cortiços, da proibição de ambulantes de determinadas vias da cidade, do controle de trabalhadores através da obrigatoriedade matrículas e da multa ao carroceiro que conduzia mal a sua carroça, enfim, uma série de medidas que marcavam esse dia-a-dia com confrontos entre a população e os representantes da municipalidade. (Idem: 147). 14 No que se refere às medidas sanitárias e de saneamento adotadas durante a gestão do referido intendente, as principais medidas foram: a criação do Código de Posturas visando disciplinar os hábitos dos cidadãos, dos proprietários de estabelecimentos comerciais, hotéis, restaurantes, botequins, alem de atividades como dos barbeiros, cabeleireiros. Foram feitas legislações para regular a produção e consumo de carne verde e no sentido de evitar ou conter o avanço de doenças como: febre amarela, tuberculose, varíola, hanseníase, beribéri, diarréia e esterite infantil. A limpeza urbana e a cremação do lixo – eleitas como prioridades da administração municipal - teriam o “papel de afastar do centro da cidade os ares fétidos causados pela emanação mal cheirosa do lixo urbano” (Sarges, 2000: 104). Quanto ao processo de reestruturação urbanística da cidade de Belém ocorrido ainda durante a intendência de Lemos, o estudo de Sarges (2000:114) afirma que: A remodelação da cidade tornou-se um projeto das elites locais que a propunha em nome do progresso e do interesse coletivo. Esta proposta urbanística, em decorrência da movimentação do porto de Belém, exigiu abertura e calçamento de ruas, tornando o bairro comercial altamente valorizado e ocupado, concorrendo para a transferência das residências das famílias abastadas para outros locais como os bairros de Nazaré, Umarizal e batista Campos. Em suma, a administração de Lemos para o contexto da então sociedade da borracha assumiu o significado histórico de estabelecer as bases de um processo de urbanização pautado pela redefinição de espaços que deveriam ser freqüentados e vivenciados pela elite local e outros previamente definidos para as camadas populares. Ademais, concluise que o processo de modernização beneficiou áreas do centro da cidade que constituíam o habitat dos indivíduos ligadas as camadas privilegiadas, daí surgindo a necessidade de regular via decretos e códigos de conduta os trabalhadores pertencentes as camadas sociais mais pobres, objetivando transformar Belém num centro urbano comparável as grandes cidades do Brasil e não tão distante do estilo de vida presente em capitais européias como Paris, onde se respirava a atmosfera da Belle-Époque. “De fato, tendo Paris como modelo, Antônio Lemos procurou transformar as feições da urbe, reformando basicamente o centro da cidade, considerando o lócus econômico e cultural por onde circulava o capital, as rendas e naturalmente os seus possuidores” (Idem: 115) 15 5.6 A gênese do ensino técnico: significado para o capitalismo e a criação das escolas de artífices em âmbito nacional e local No que diz respeito à função desempenhada pela Escola nos primórdios da sociedade capitalista, constata-se que esta instituição foi - e ainda é - utilizada como instrumento para socialização ou “ajustamento” de indivíduos de camadas sociais “desfavorecidas” e que causavam incômodo aos grupos sociais dominantes. Segundo Enguita, a escola desempenha a função de moldar o trabalhador de acordo com os novos interesses da indústria capitalista. Isto significa manusear o processo educacional visando doutrinar os trabalhadores nos valores de “ordem e trabalho” e também estabelecer padrões de uma inovadora educação moral, capaz de moldar novos hábitos de subordinação e disciplina. E estes padrões de disciplina, segundo Enguita, visam inculcar valores como “pontualidade, precisão e obediência” além da “docilidade, aplicação ao trabalho e reverência aos deveres sociais e religiosos”. Este era o quadro vigente na virada do século XVIII para o início do século XIX. Quanto a questão do processo de aquisição de conhecimento profissional no capitalismo industrial o estudo de Manacorda (2001: 270-271), reconhece que o trabalhador (ex-artesão) é transformado em moderno proletário, “desprovido de lugar de trabalho, matérias-primas e instrumentos de produção”, por isso, também se torna expropriado de sua “pequena ciência”, tendo que adotar a “ciência moderna, força produtiva da fábrica. Já o estudo de Saviani (2006:12) sobre “Trabalho e Educação” postula que a revolução industrial processada ao longo dos séculos XVIII e XIX estabelece novas necessidades no que diz respeito ao processo de qualificação da mão-de-obra e, portanto, redimensiona a função da escola numa perspectiva de dualidade do modelo de ensino, ou seja, “escolas profissionais para os trabalhadores” e “escolas de ciências e humanidades” para os futuros dirigentes” pertencentes as elites capitalistas. No caso específico do Brasil, o estabelecimento do ensino técnico-profissional durante o início da república se deu por meio do Decreto 7.566 de 23 de setembro de 1909 durante o governo de Nilo Peçanha. O referido decreto criou “19 escolas situadas uma em cada estado” (Cunha, 2000:17). De acordo com Cunha, de uma forma geral as escolas de aprendizes apresentavam as seguintes características: a) Todas as escolas, exceto a do Rio de Janeiro localizavam-se nas capitais; b) A localização nas capitais revela mais uma preocupação no sentido de atender demandas políticas; c) “As escolas de aprendizes artífices constituíram uma presença do 16 governo federal nos estados, oferecendo cargos aos indicados pelos políticos locais e vagas para meninos a serem preenchidas com os encaminhados por eles”; d) “A finalidade manifestamente educacional das escolas de aprendizes artífices era a formação de operários e contramestres, através de ensino prático e conhecimentos técnicos necessários aos menores que pretendessem aprender um ofício em "oficinas de trabalho manual ou mecânico que forem mais convenientes e necessários ao estado em que funcionar a escola”; e) “Cada escola de aprendizes artífices deveria possuir até cinco oficinas de trabalho manual ou de mecânica, conforme a capacidade do prédio escolar e as especialidades das indústrias locais”[...] (Cunha,2000: 19). De acordo com Queluz (2000, p. 17) as Escolas de Artífices surgiram num momento de transição marcado pela reestruturação da produção e das relações de dominação. Neste contexto entraram vários elementos: o avanço do pensamento liberal, a necessidade de controle das camadas baixas especialmente os miseráveis, pobres e desvalidos da sorte. Também se deve considerar a questão da libertação do escravo e o perigo da ociosidade para este contingente populacional. Portanto, tornou-se necessário disciplinar os pobres, especialmente as crianças e jovens. E foi neste cenário que se estabeleceu a criação das Escolas de aprendizes e Artífices durante a presidência de Nilo Peçanha. O decreto de criação dialogava com o contexto sócio-econômico descrito, considerando: Que o aumento da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades, sempre crescentes da luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da sorte com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do governo da República formar cidadãos úteis à nação ( Decreto n° 7566 apud Queluz, 2000, p. 29). Por conseguinte, a principal função do decreto de criação dessas escolas de artífices, foi o de disciplinar a mão-de-obra da época as novas demandas do crescente mercado de trabalho capitalista em expansão no Brasil, especialmente no contexto urbano. No caso específico da Escola de Aprendizes Artífices do Pará, segundo Bastos (1988: 20) foi implantada em 19 de agosto de 1910 tendo como público-alvo os “desprovidos de fortuna que um ofício, os conhecimentos rudimentares e a prática”. Durante os dois primeiros anos de funcionamento estavam matriculados respectivamente: vinte e noventa e cinco aprendizes. Quanto ao aspecto das instalações a E.A.A.PA inicialmente funcionou em um prédio pertencente ao governo estadual cedido para a União, sendo que neste prédio funcionavam 17 cinco oficinas: marcenaria, alfaiataria, funilaria, sapataria, ferraria. Tais oficinas funcionavam “precariamente por falta de máquinas e ambiente. Foram alojadas em barracões de madeira, cobertos de palha com piso de chão batido” (Idem: 22). No que se refere aos critérios de recrutamento dos aprendizes, definiu-se como faixa etária o atendimento a meninos com idade entre 10 e 13 anos, sendo obrigatória a apresentação de dois atestados ou certidões que comprovassem que os mesmos não eram portadores de doenças infecto-contagiosas e/ou de defeitos físicos. De acordo com o referido estudo de Bastos desde o início era alta a taxa de evasão ou retenção, sendo apontadas várias causas ou motivações para este fenômeno entre elas: a não conclusão do curso devido à baixa renda das famílias fazendo com que o aprendiz procurasse emprego tão logo aprendia os primeiros rudimentos da profissão. Segundo o regulamento das Escolas de Aprendizes Artífices instituído pelo decreto 9.070 de 25 de outubro de 1911 insistia-se na formação de contra-mestre e operários mantendo obrigatório o curso primário para os alunos que não soubessem ler, escrever e contar, e o curso de desenho extensivo e obrigatório a todos os alunos aprendizes. Estipulavase a duração do curso em quatro anos como período de aprendizado nas oficinas, sendo que o período escolar anual perfazia a duração de dez meses. A análise do trabalho de Bastos nos remete a algumas importantes deduções: - Sincronia entre as necessidades ou demandas profissionais presentes numa região urbana em expansão e a oferta de cursos condizentes com tais necessidades. Daí a oferta de cursos como funilaria, alfaiataria, marcenaria, etc. - A clientela constituída essencialmente por aprendizes de origem nas camadas populares destinados, pois, ao aprendizado de ofícios que lhes possibilitasse a integração ao mundo do trabalho através da disciplina e perfeita adaptação aos interesses da elite dirigente capitalista. - Predominância de aulas práticas voltadas para o adestramento, ou seja, ensino de ofícios e técnicas, destinando uma carga horária menor para as aulas teóricas as quais se restringem ao ensino de rudimentos de cálculos e de aprendizado da escrita e leitura. 18 6. Considerações finais Questões importantes estavam em jogo no cenário brasileiro do início do século XX. O governo republicano buscava se auto-justificar por meio de um discurso ideológico de modernização. Setores sociais dominantes – burguesia cafeeira e burguesia industrial necessitavam dos pressupostos ideológicos de modernidade para também justificar seu ideário de dominação sobre as camadas populares: camponeses, trabalhadores fabris urbanos. E, no caso específico das cidades, percebe-se que as medidas sanitárias e as obras de reurbanização faziam parte desse esforço exercer controle social e moldar o espaço urbano de acordo com os interesses de dominação política e econômica das elites nativas e manter o vínculo entre os interesses dominantes locais e os interesses expansionistas e imperialistas das potências capitalistas centrais, interesses estes também justificados por um discurso de modernidade científica e tecnológica. E inserida nesse contexto no qual predominava a idéia de modernidade autoritária e excludente, presente tanto nas capitais mais industrializadas – Rio de Janeiro e São Paulo – como em Belém do Pará uma das capitais da região amazônica que estava no epicentro da então hegemônica economia gomífera, estava a Escola de Aprendizes Artífices criada no decorrer da década de 1910 e em cuja lógica de funcionamento predominava o interesse de agregar filhos de trabalhadores permitindo uma formação profissional estritamente voltada para atividades manuais e de ofícios com vistas a plena adaptação da força de trabalho oriunda das oficinas-escolas ao mercado capitalista em expansão. Enfim, o ensino de ofícios dialogava se combinava com a prática de exclusão e autoritarismo presentes na sociedade da época. 5. Referências COSTA, Ângela Marques; SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1890-1914: No tempo das certezas. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. CUNHA, Luiz Antônio. 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