a criação da escola de aprendizes artífices do pará, a

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a criação da escola de aprendizes artífices do pará, a
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A CRIAÇÃO DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DO PARÁ, A
SOCIEDADE DA BORRACHA E A URBANIZAÇÃO DE BELÉM NO
INÍCIO DO SÉCULO XX.
Ricardo Afonso Ferreira de Vasconcelos.
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA.
GT04: História da Educação Profissional e Tecnológica. Artigo.
RESUMO: Este artigo pretende discutir a gênese e estruturação da Escola de Aprendizes Artífices do
Pará (E.A.A.PA) antecessora histórica do atual IFPA (Instituto Federal de Educação Tecnológica do
Pará). A contextualização sócio-econômica desse processo de criação da Escola de Artífices no Pará
remonta ao período histórico em que estava em curso o Ciclo da Borracha (1870-1920). Verificou-se
em Belém do Pará na referida época, um processo de modernização urbana conservadora e autoritária
caracterizada pela adoção de costumes e comportamentos ligados ao estilo de vida da Belle-Époque,
bem como o reordenamento do espaço urbano especialmente do centro da cidade. Por conseguinte, a
implantação do ensino profissional via Escola de Artífices ocorreu em um momento histórico onde
coexistiam estruturas de dominação oligárquica e um processo de modernização autoritária e
excludente que pode ter dialogado com o processo de implantação e estruturação do ensino técnico
profissional em Belém.
- PALAVRAS-CHAVE: História; Artífices; Amazônia.
1. Introdução
O presente artigo pretende discutir as relações ou vínculos entre o surgimento da
Escola de Aprendizes Artífices do Pará, o sentido de modernidade capitalista e o processo de
urbanização de Belém ocorrido na época da economia da borracha. Num primeiro momento
busca-se estabelecer a relação entre a expansão industrial e capitalista e o surgimento da
mentalidade modernizante tanto nos países centrais como também no Brasil, exemplo de país
periférico do capitalismo. A segunda parte discorre sobre o cenário sócio-econômico e
político de nosso país - destacando a questão da origem e perfil da indústria – e também
identifica algumas mudanças e permanências no Brasil da época. A terceira parte discute dois
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aspectos ligados a esta modernidade urbana de nosso país: o reordenamento excludente do
espaço urbano e o autoritarismo das medidas sanitárias aplicadas pelos governos oligárquicos
da época nas áreas centrais das cidades, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo e
especificamente em Belém onde predominava a hegemonia política e econômica da oligarquia
da borracha. Já, na quarta e última parte será discutido o processo de implantação da Escola
de Aprendizes Artífices do Pará inserido na dinâmica de uma capital da região amazônica –
Belém do Pará - sob o domínio da elite da borracha e que vivenciou a expansão do processo
de urbanização e reestruturação do seu espaço geográfico e sócio-econômico durante a
primeira década do século XX.
2. Referencial Teórico
A construção do referencial teórico desse trabalho se baseou na pesquisa e revisão
bibliográfica de obras que discutem as mudanças sócio-econômicas e políticas relacionadas ao
Brasil durante a virada do século XIX para o século XX, incluindo a questão da
“modernidade” presente em autores como: Sérgio Silva, Foot Hardman, João Manoel Cardoso
de Melo, Ladislaw Dowbor, Ângela Costa & Lilia Schwarcz, F. Iglesias, S. Mendonça,
Sandra J. Pesavento. Quanto ao estudo sobre a economia da borracha, utilizamos os estudos
de Prado e Capelato, e também autores que analisam as mudanças ocorridas no espaço sócioeconômico urbano de Belém do Pará no início do século XX, sendo referências principais os
trabalhos de Maria de Nazaré Sarges. Também consta a análise de textos de autores que
discutem o ensino profissional e a educação, como por exemplo: Mario Manacorda, Mariano
Enguita, Demerval Saviani, Luiz Antônio Cunha e estudos anteriores que discorreram sobre
dados referentes à criação da Escola de aprendizes Artífices do Pará, como o caso da pesquisa
elaborada pelo professor/pesquisador Péricles Bastos vinculado à antiga Escola Técnica
Federal do Pará.
3. Objetivos
A implantação do ensino profissional através da Escola de Aprendizes Artífices do
Pará ocorreu em um momento histórico onde coexistiam estruturas de dominação oligárquica
e um processo de modernização autoritária e excludente que pode ter dialogado com o
processo de implantação e estruturação do ensino técnico profissional em Belém. Isto posto,
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constitui objeto desta pesquisa contextualizar a gênese e implantação do ensino profissional
no Pará identificando quais as demandas sociais e interesses políticos que ensejaram a criação
da E.A.A.PA. Ou seja, busca-se o resgate de aspectos envolvendo a discussão sobre o
processo de estruturação da Escola de Aprendizes Artífices do Pará (E.A.A.PA) antecessora
histórica da Escola do atual IFPA (Instituto Federal de Educação Tecnológica do Pará)
inserida no contexto da economia da borracha e das transformações ocorridas no espaço
urbano da cidade de Belém no início do século XX.
4. Metodologia
O percurso metodológico realizado para a construção teórica do presente trabalho se
deu por meio de pesquisa envolvendo a revisão bibliográfica dos temas abordados como:
mudanças sócio-econômicas e políticas ocorridas no Brasil na virada do século XIX para o
século XX, estudos sobre modernidade, os processos de urbanização e exclusão sociais nas
principais cidades e capitais brasileiras no referido período. Num segundo momento foram
analisados autores que discutem a economia da borracha e as mudanças ocorridas no espaço
sócio-econômico urbano de Belém do Pará no início do século XX, bem como, a consulta a
alguns relatórios e documentos da época e a análise de estudos anteriores que discorrem sobre
dados referentes a criação da Escola de aprendizes Artífices do Pará.
5. Desenvolvimento
5.1- A modernidade capitalista-industrial européia e novas tecnologias
A segunda metade do século XIX corresponde ao período de transição do
capitalismo concorrência e liberal para o capitalismo monopolista. Após um primeiro período
de expansão industrial clássica têm início uma nova fase de industrialização – conhecida
como Segunda Revolução Industrial - que atinge países como: Alemanha, Itália, Japão e
Rússia, constituindo estes, o primeiro grupo de países de industrialização tardia. E, em torno
deste segundo “boom” industrial desenvolveram-se novas tecnologias entre elas: a
eletricidade, o petróleo, ferrovias e telefonia. Na segunda metade do século XIX, o
capitalismo do norte atinge uma maturidade e um grau de evolução tecnológica
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impressionante. Em particular tomam importância determinante a siderurgia, metalurgia, a
mecânica pesada, o setor ferroviário (Dowbor, 1994: 40).
Nesta fase do capitalismo monopolista engendrou-se a condição histórica para o
surgimento do Imperialismo/ Neocolonialismo que, por sua vez, estabeleceu específicas
relações entre os países com um duplo resultado:
Por um lado, com a capacidade produtiva crescente da indústria do Norte, aumenta tento a
necessidade de mercados para o seu escoamento como a necessidade de matérias-primas baratas
juntando os fins e os meios, os países do Norte passaram a fornecer aos do Sul estradas de ferro e
pequeno equipamento industrial: conseguiam assim exportar produtos que já se haviam tornado o
eixo principal de expansão do Norte, e modernizavam a extração de matérias-primas,
racionalizando e dinamizando as orientações expansivas dos países subdesenvolvidos. (Idem,
41).
A dominação imperialista sobre a América Latina se deu de forma singular, pois, se a
expansão sobre a África e Ásia ocorreu por meio da corrida neocolonial permitindo a partilha
de extensos territórios desses continentes, no caso dos países latino-americanos, a estratégia
imperialista priorizou “o apoio irrestrito das classes dirigentes locais” por meio de alianças.
Dotadas de classes dirigentes neocoloniais cujas raízes são justamente as produção para o
exterior e a divisão clássica do comércio internacional, estas sociedades são suficientemente
dependentes nas suas estruturas para não precisar de colonização direta. O colonialismo será, de
certa maneira, nosso. (Idem, p. 42).
A dominação imperialista, por sua vez, produziu valores culturais e ideológicos que
buscavam justificar a dominação sobre vastas regiões coloniais e comerciais sendo que a
idéia de progresso científico e tecnológico era um dessas mais significativas, pois
representava o triunfo da razão e da ciência produzido pelas diversas potências capitalistas do
século XIX.
Pelos olhos da burguesia, o progresso era desejável, o desenvolvimento da técnica produzia um
mundo melhor e o futuro se apresentava como a concretização do bem-estar social. Sem dúvida
alguma, o progresso técnico fora obtido pelo pensamento racional. O personagem símbolo da
racionalidade era também, sem sombra de discussão, a burguesia triunfante que, com seu gênio
criativo e sua racionalidade fora capaz de produzir a moderna sociedade industrial. Desenvolviase assim uma particular forma de concepção da razão libertadora: a racionalidade fora capaz de
romper as barreiras da ignorância e produzir a ciência. O conhecimento científico, por sua vez,
aplicado à técnica, concebera as máquinas e os novos e surpreendentes inventos (Pesavento,
1997:47).
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Foram estas idéias de progresso econômico-tecnológico associadas aos interesses da
burguesia dominante, sob a bandeira do discurso de modernidade, que se difundiram no Brasil
durante as primeiras décadas do século XX. Tais idéias foram incorporadas por vários tecidos
sociais e grupos políticos e serviram a determinados interesses ideológicos.
Tanto nos EUA como na Europa se desenvolveu um clima de otimismo e de
confiança absoluta que saiu da economia e ganhou a cultura, os costumes e a moral. Era uma
sociedade de sonhos ilimitados, mais conhecida como Belle-Époque. Também no Brasil do
início do século XX se difundiu uma atmosfera igual a outras partes do mundo, ou seja, de
modernização a qualquer custo, tendo como base um discurso cientificista e racionalista.
Também estavam em voga idéias ligadas ao evolucionismo, positivismo e etnocentrismo nas
ciências que estavam em pleno processo de formação como por exemplo: a Antropologia, a
Sociologia, a Geografia, a História e a Medicina e Engenharia Sanitária.
Para o entendimento destas questões referentes ao processo de construção do sentido
de modernidade torna-se necessário analisar o cenário político e sócio-econômico do Brasil da
época tentando identificar mudanças e permanências presentes no cenário de nosso país do
início do século passado.
5.2 - Economia: Origem e Perfil da industrialização brasileira.
Em sua origem, a modernidade que se constituiu no Brasil a partir do final do século
XIX e início do século XX apresenta relação direta com o advento da indústria. De modo
geral, ocorreram surtos de industrialização mais especificamente nos períodos de: 1850-1860,
década de 1890, 1914-1920. Portanto, o Brasil pode ser identificado como um país de
industrialização tardia1.
Durante o período colonial (1530-1822), a vigência do pacto colonial impunha ao
Brasil a condição de colônia de exploração, portanto, responsável em gerar matérias-primas e
gêneros tropicais para a metrópole. Além disso, a instalação e funcionamento de manufaturas
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O conceito de capitalismo e industrialização tardios é discutido com detalhes em: Mello, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio:
Contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. 9ª edição. S. Paulo: Brasiliense, 1994.
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na colônia eram proibidos, com exceção das de metais e panos de algodão. Alertada pelo
significado da produção local, que punha em risco o comércio de portugueses (...) chegava-se
ao famoso Alvará de 5 de janeiro de 1785, de D. Maria I, proibindo as manufaturas. O
documento não só as proibia como ordenava a destruição dos teares[...]” (Iglésias, 1994:24).
Foi somente, a partir da chegada da família Real ao Brasil em 1808, que o pacto
colonial sofreu uma ruptura, pois, com a Abertura dos portos (1808) os produtos ingleses
passaram a ingressar na colônia sem a intermediação dos comerciantes portugueses e com o
Tratado de Comércio, Amizade e Navegação de 1810, os produtos manufaturados ingleses
passaram a ter preferência de entrada no território nacional “com a tarifa de 15% inferior as
portuguesas – 16% - e mais ainda às de outras nações – 24%” (Iglésias, 1994: 36).
Somente
sob a vigência da Tarifa Alves Branco2 e a partir do fim do Tráfico Negreiro (1850) que
surgiram as condições favoráveis ao primeiro surto de industrialização no Brasil conhecido
como Era Mauá.
Mas, o que provocaria essas mudanças? A principal de todo esse processo foi o fim do tráfico de
africanos para o Brasil, estipulado pela Lei Eusébio de Queirós, fruto das pressões britânicas, em
1850. com ela, inúmeros capitais, até então empatados na compra de escravos, seriam desviados
para outras atividades, tais como serviços urbanos, bancos e também a indústria (Mendonça, 2005:
15).
Outros surtos industriais ocorreram durante a Velha República (1889-1930) já sob
a hegemonia do poder econômico e político da oligarquia cafeeira.
Na verdade, ao examinarmos os diferentes aspectos da questão concluímos que as relações entre
o comércio exterior e a economia cafeeira, de um lado, e a indústria nascente, de outro, implicam
ao mesmo tempo, a unidade e a contradição. A unidade está no fato de que o desenvolvimento
capitalista baseado na expansão cafeeira provoca o nascimento e um certo desenvolvimento da
indústria; a contradição, nos limites impostos ao desenvolvimento da indústria pela própria
posição dominante da economia cafeeira na acumulação de capital. (Silva, 1976: 103).
Por conseguinte, foi o capital acumulado na economia do café que alavancou a
industrialização, especialmente àquela ocorrida no estado de S. Paulo.
Dessa forma, surge como primeira característica da industrialização brasileira, nessa fase inicial,
a sua subordinação ao capital cafeeiro. A grande indústria não só dependeu da diversificação
desse complexo agrário-exportador como dele beneficiou-se em vários aspectos essenciais [...]
toda a infra-estrutura urbana e de transporte desenvolvida em função da cafeicultura também
favoreceu a industrialização, quer pelos seus serviços já implantados – como o de energia
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A tarifa Alves Branco aumentou os percentuais de taxa de importação aumentando a arrecadação fiscal do governo monárquico e
dificultando a entrada de produtos estrangeiros.
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elétrica, por exemplo -, quer pela concentração de consumidores urbanos em número
considerável para a época (Mendonça, 2005: 22).
Efetivamente, a partir do início do século XX os estabelecimentos industriais
concentravam-se no Rio de Janeiro (Capital Federal), São Paulo e Rio Grande do Sul. Porém,
a partir da década de 1920 o estado de São Paulo tornou-se o centro industrial de maior porte
em decorrência da maior infra-estrutura de transporte, comunicações, energia e mão-de-obra
barata – sendo esta última proveniente do contingente de imigrantes - muitos deles egressos
das fazendas de café do interior paulista.
Até os anos 1920, os imigrantes de origem estrangeira são em maior número. Eles não aceitam
sem luta a exploração à qual são submetidos. Essas lutas tomam as formas mais diversas, e muitas
vezes violentas, dada a repressão exercida pelos fazendeiros que proíbem, por exemplo, aos
trabalhadores todo direito de associação (...) Em razão das condições sociais e da remuneração, os
trabalhadores abandonam voluntariamente as plantações ao fim do contrato (1 ano), para procurar
uma situação mais vantajosa nas novas plantações, nas cidades, ou em outros países da América
Latina, como a Argentina. (Silva, 1976:53).
Portanto, foi este processo de industrialização em andamento durante as primeiras
décadas do século XX que permitiu a maior urbanização de cidades como Rio de Janeiro e
São Paulo que por sua vez criaram uma atmosfera de modernidade e progresso técnico e
científico e que serviram de suporte para processos de reordenamento dos espaços urbanos
através de medidas sanitárias e de reestruturação dos centros dessas principais capitais.
5.3. Política e Sociedade
O final do século XIX marcou o processo de transição da Monarquia para a
República no Brasil. Tal transição ocorreu por meio de um golpe militar resultado da aliança
de militares positivistas do Exército e setores da burguesia cafeeira do Oeste Paulista
organizadas no Partido Republicano, por conseguinte, sem revolução e sem participação das
camadas populares. Os dois primeiros governos da República - de Deodoro e Floriano refletiram a hegemonia dos setores militares reformistas, autoritários e ligados aos interesses
das classes médias urbanas. Porém, a partir da eleição de Prudente de Morais, em 1898, a
hegemonia política desloca-se para os grupos oligárquicos, sendo o mais representativo o dos
cafeicultores do Oeste Paulista.
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A consolidação do poder oligárquico ocorreu durante o governo de Campos Sales
(1898-1902). Durante seu governo foi realizado o processo de saneamento econômicofinanceiro do país e no âmbito político foram estruturadas: a política do café - com - leite e a
política dos governadores. Tais políticas articulavam-se no âmbito municipal com a estrutura
de dominação do Coronelismo e permitiram a consolidação de uma hegemonia política nas
mãos das oligarquias, que salvo alguns períodos de crise, somente foi abalada nos anos de
1920 com o advento de novos movimentos sociais e crises políticas, como por exemplo, o
caso das revoltas tenentistas. Portanto, até o início dos anos de 1930, o poder dos oligarcas e
coronéis era ostensivo e hegemônico em nosso país.
A sociedade brasileira, por conta da expansão urbano-industrial vivenciou nas
primeiras décadas do século XX um processo maior de estratificação e complexização social.
As classes médias urbanas cresceram em quantidade e participação sócio-política. Da mesma
forma, também surge neste cenário das cidades um combativo proletariado industrial. Porém,
nas áreas rurais pouca mudou, pois, grande maioria da população ainda vivia nestas áreas e
sob domínio do poder dos chefes políticos locais, longe, portanto, da atmosfera de
modernidade dos centros urbanos. Tal cenário rural era uma permanência do passado colonial
ostensivamente presente na sociedade da época. Latifúndio, semi-escravidão e exploração dos
camponeses, conflitos agrários – seja na forma de movimentos messiânicos e/ou revoltas -,
autoritarismo e mandonismo local, eram expressões dessa sociedade rural e agrária.
Em resumo: agrarismo, ruralismo e conservadorismo contrastavam com o
desenvolvimento de uma modernidade que tentava se instalar em nosso país.
5.4 A modernidade industrial e tecnológica excludente: a exclusão social espaço urbano
e as políticas sanitárias da época.
O sentido de modernidade no Brasil teve como palco principal as áreas urbanas,
especialmente as cidades beneficiadas pela industrialização e expansão da atividade cafeeira,
ou como no caso de Manaus e Belém, em decorrência do impulso econômico propiciado pela
economia da borracha. Eram, pois, “duas faces da mesma moeda. De um lado a vertigem da
modernidade com seus ganhos; de outro, a exclusão e o autoritarismo de medidas
disciplinares” (Costa; Schwarcz, 2002: 30) com transformações socioeconômicas,
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urbanísticas, físicas e demográficas e com alterações profundas nas funções e espaços da
cidade.
As principais cidades brasileiras – São. Paulo, Rio de Janeiro, Belo horizonte, e
outras – reproduziam o cenário de um Brasil como cartão-postal, ou seja, vitrines de uma
modernidade que estava em “harmonia com o progresso e a civilização mundiais” (Idem: 27).
E quais os sinais de modernidade tecnológica visíveis no cenário desses centros urbanos?
No aspecto da urbanização, a modernidade tecnológica foi personificada através de
mudanças como: crescimento de projetos urbanísticos para os centros e embelezamento de
áreas de moradia e circulação da elite, iluminação e bondes elétricos, ampliação dos serviços
de telegrafia e telefonia. As indústrias tomaram conta do cenário urbano com suas chaminés e
efeitos poluidores. “Surgem também fábricas de máquinas de beneficiamento e material para
as estradas de ferro” (Idem: 37), bem como, fábrica de novos tipos de produtos, antes
importados, tias como: bebidas, panelas, vidros, cimento, pregos e outros.
E no setor
cafeeiro, ocorrem mudanças tecnológicas especificamente no âmbito da mecanização do
beneficiamento deste produto e inovações agrícolas nas áreas de plantio, especialmente, no
Oeste Paulista a partir de 1870.
Novos cenários urbanos surgem em torno do fluxo de imigrantes e de trabalhadores
nacionais que buscam novas formas de sobrevivências no trabalho fabril. As cidades de São
Paulo e Rio de Janeiro constituíram dois exemplos emblemáticos de centros urbanos, nos
quais a estruturação ou reestruturação do espaço urbano obedeceu à lógica da segregação
social: bairros planejados para as elites, bairros insalubres para as camadas populares e
embelezamento dos centros removendo tudo àquilo que é considerado sujo, feio,
desestruturado e popular para as áreas periféricas das urbes. E, neste cenário de modernidade
urbana, dois importantes exemplos de exclusão estavam presentes no cotidiano: o
reordenamento do espaço urbano definindo as condições de moradia e ainda determinando a
exclusão de determinados espaços urbanos para as camadas sociais populares e, o
autoritarismo das medidas sanitárias através das campanhas de vacinação e higienização das
áreas urbanas.
No primeiro caso, os patrões buscaram estruturar as vilas proletárias geralmente
próximas aos complexos industriais, buscando desenvolver os laços de dependência e de
paternalismo em relação a este mesmo patronato. A vida operaria nessas vilas era um
prolongamento da rígida disciplina imposta no regime de trabalho fabril. Em vários casos, os
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salários eram substituídos por vales que eram trocados por mercadorias nos armazéns da
empresa. Reinava a disciplina e o controle sobre os trabalhadores destas áreas de moradia
onde existiam muros e cercados e as entradas eram guardadas, sendo proibidos e reprimidos
os casos de brigas, jogatina e consumo de bebidas alcoólicas.
Já, no caso dos bairros operários surgidos sem a intervenção dos patrões,
predominava o crescimento desordenado e espontâneo. Eram bairros sem infra-estrutura,
insalubres, à mercê da poluição e de doenças e epidemias - a gripe espanhola e a febre
amarela, por exemplo - foram doenças muito presentes neste cenário dos bairros operários.
Dentre os vários problemas sociais, as doenças e epidemias tiveram grande peso [...] óbitos
ocorridos em 1888 e 1892 revelavam um alto índice de mortalidade infantil e de moléstias
como tuberculose e outras ligadas diretamente às condições de higiene e de alimentação (Foot
Hardman, 1991: 158).
No caso específico do Rio de Janeiro sob a administração do prefeito Pereira Passos
foi realizada o processo de reurbanização do centro da cidade tendo como modelo o projeto de
reforma urbana de Paris realizada por Haussmann. Tal política pública na abertura de largas
avenidas no centro da capital e na demolição dos cortiços implicando no despejo de grande
quantidade de famílias e o conseqüente remanejamento destas para áreas periféricos e morros
do Rio de Janeiro. Mal acabavam as grandes demolições e expulsões da gestão Rodrigues
Alves, já começava a surgir a maior parte das favelas do centro e da zona sul do rio de Janeiro
(Marins, In: SEVCENKO, 1998:1561).
Em São Paulo, a riqueza propiciada pelo café patrocinou o planejamento e
reordenamento urbano da cidade privilegiando o centro e as áreas de moradia da elite ligada
ao café e a nascente indústria. “Campos Elísios, porções de Santa Ifigênia e da Liberdade, e,
sobretudo o emblemático bairro arruado em 1893, Higienópolis, passaram a abrigar as
famílias mais abastadas ligadas aos negócios da cafeicultura. Em 1891 foi inaugurada a
Avenida Paulista...” (Idem, p. 175). Sob o governo provincial de João Theodoro Xavier de
Mattos altera-se a “infra-estrutura local: abre novas ruas, prolonga velhas estradas, amplia
largos, reforma a Várzea do Carmo, cria jardins públicos... em suma, após três anos de gestão,
a nova administração prepara a cidade para a entrada dos capitalistas...” (Costa; Schwarcz,
2002: 30). O reverso desta reurbanização em São Paulo, diz respeito aos bairros operários
onde:
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As condições precárias das habitações populares generalizavam-se tanto nas antigas construções
de taipa e tijolos da área central quanto nas casinhas que pipocavam nos bairros e arrabaldes
localizados ao longo das linhas férreas [...] e também das terras alagadiças que cercavam a área
urbanizada da cidade a leste, ao norte e a sudeste. O abrupto inchaço habitacional agudizava o
perigo das epidemias... (Marins, In: SEVCENKO, 1998:173).
No segundo caso, que diz respeito à questão sanitária, tal política governamental
refletia os avanços deste setor a partir de conceitos de engenharia, demografia e medicina
concebidos na Europa, especialmente na França. Avanços nas ciências e medicina permitiram,
por exemplo, a introdução da anestesia com cocaína e o uso de radiografias. E já, em 1895, a
Revista Brasil Médico publica os primeiros dados estatísticos sobre moléstias contagiosas no
Brasil. As doenças mais ameaçadoras eram: a febre amarela, a varíola, a malária, a cólera.
Porém, a tuberculose e a febre amarela mereceram maior destaque, pois, no primeiro caso, os
mais atingidos eram negros e mestiços, já que, a tuberculose era a doença que provocava mais
óbitos. No caso da febre amarela, era a moléstia que mais assustava os imigrantes europeus,
fato este que justificou a ação sanitária do governo por intermédio da vacinação obrigatória.
Tais medidas autoritárias desencadearam uma resistência da população do Rio de
Janeiro sendo que a revolta da vacina de 1904 responde a essa lógica. O estopim da revolta
popular foi o decreto que regulamentava a aplicação da vacina obrigatória contra a varíola. O
sanitarista Oswaldo Cruz transformou-se no alvo das acusações e essas medidas profiláticas
eram vistas popularmente como uma ditadura sanitária. Isto representou a supremacia de um
modelo de medicina intervencionista, pois, estes profissionais da área sanitarista ajudavam a
criar a idéia de que seria possível sanear o país através de uma ciência supostamente “do bem
capaz de corrigir desvios e redimir problemas”... (Idem, p. 123).
Em ambos os casos citados, percebe-se que o objetivo principal destas políticas
governamentais implantadas na época era o controle social. Ou seja, disciplinar o espaço
urbano controlando e moldando o comportamento das camadas populares buscando manter a
harmonia social através da combinação de medidas autoritárias, excludentes e
marginalizadoras, daí, a necessidade de uma série de regulamentações oficiais e códigos de
posturas necessários, para manter a ordem e criar hábitos salutares.
Da mesma forma, a
estruturação do ensino técnico respondeu as necessidades de disciplinar e controlar os
indivíduos de classes exploradas, bem como, gerar um contingente de trabalhadores
especialistas em determinados ofícios plenamente adaptados aos interesses da elite e da
sociedade excludente da época. Além do que, a constituição do ensino técnico através das
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Escolas de Artífices consolidou o modelo educacional baseado na dualidade de ensino, ou
seja, ensino propedêutico para os filhos da elite em oposição ao ensino técnico destinado a
crianças e jovens oriundos das camadas populares.
5.5 O contexto sócio-econômico regional em torno da economia gomífera e o processo de
urbanização de Belém no início do século XX
A expansão da economia da borracha propiciou ao Pará durante algumas décadas o
posto de maior produtor nacional de látex. Em decorrência dessa expansão econômica
desenvolveu-se uma modalidade de próspera oligarquia regional composta por seringalistas
proprietários de seringais e comerciantes “aviadores” que forneciam gêneros necessários ao
funcionamento dos seringais e se responsabilizavam pela aquisição e transporte da borracha
para Belém entregando-a as grandes firmas exportadoras dessa matéria-prima. Tal
prosperidade advinda do circuito da borracha permitiu a esta elite a construção de um estilo de
vida que imitava os hábitos, valores e conceitos vigentes nos grandes centros urbanos
europeus e nacionais, ou seja, “a cidade procurou se modernizar como que estivesse se
preparando para ser o porto de escoamento da produção da borracha que em dado momento
assumiu o segundo lugar na pauta de exportação brasileira” (Sarges, 2000:23).
A modernização da cidade de Belém também se traduziu na forma da expansão de
estabelecimentos industriais. De acordo com Sarges (2000:23) no “período que vai de 1890 a
1900 surgiram 25 novas fábricas” que produziam desde biscoitos, açúcar refinado, caramelo,
pão café, fibras, cordas, cerveja e até licores.
O processo de urbanização e modernização em curso na época encontrou na
administração municipal do Intendente Antônio Lemos a sua expressão mais eficiente.
A cidade estava cheia de símbolos que sinalizavam um projeto modernizador ao gosto das elites
enriquecidas com economia da borracha. Não bastava, no entanto, apreciar esse invólucro –
monumentos, mercados, prédios; era preciso proteger todos os elementos que representavam o
sonho burguês da modernidade.. (Sarges, 2002:143).
Isto posto, torna-se necessário uma breve reflexão sobre o período “Lemista” e as
reformas por ele empreendidas. Antônio Lemos governou a cidade de Belém durante o
período de 1897 até 1910 e sobre o seu perfil Sarges (2002:23) afirma que:
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Antônio José de Lemos, considerado o responsável pela feição de belle-époque que se instaurou
em Belém, foi intendente municipal durante 14 anos, tendo sido eleito pela primeira vez em 1897 e
renunciado ao mandato, após várias reeleições em junho de 1911.
Tão logo assumiu o comando da governança municipal, Lemos se deparou com
uma realidade marcada pelo crescimento demográfico elevado e acelerado da população
municipal em virtude do afluxo de numeroso contingente de imigrantes nordestinos chegados
ao estado para trabalhar nas atividades ligadas a economia da borracha. Por isso, objetivando
disciplinar a vida desses trabalhadores que chegavam e se tornavam moradores da cidade e
arredores Antônio Lemos passou a adotar uma “política saneadora preventiva”. Tais medidas
objetivavam [...] cuidar de certos aspectos da vida urbana, como, saneamento, saúde pública,
estética da cidade, etc., par que não fossem prejudicados pelos maus hábitos de uma
população indisciplinada e fétida (Sarges, 2000: 97). Por isso, visando disciplinar a população
municipal foram criadas a Polícia municipal e Códigos de Postura com forte componente
fiscalizador.
Por conseguinte, obedecendo a esta lógica imposta pela sua gestão municipal, o
intendente Antônio Lemos promoveu entre outras obras, a importação de equipamentos
objetivando combater incêndios, a criação da banda de música do município, concessão a
grupos capitalistas para execução de obras de saneamento, aberturas de avenidas e ruas;
concessão para instalação de “Entreposto de Inflamáveis e Explosivos” regulamentando o
manuseio e armazenamento desses utensílios “destinados à venda e retalho” sendo que os
mesmos “deveriam ser dispostos em lugar arejado, seguro e isolado por muros”. (Sarges,
2002: 145).
Atrelado a este processo de regulamentação e reordenamento das relações sociais e
jurídicas no espaço urbano de Belém, a intendência de Antônio Lemos também promoveu
medidas autoritárias, de conotação excludente e segregacionista no que se refere a maioria da
população de camadas populares.
O projeto de urbanização da cidade com a construção de praças, jardins, quiosques, belos
palacetes, largas avenidas, emaranhava-se com o cotidiano do bota-abaixo de cortiços, da
proibição de ambulantes de determinadas vias da cidade, do controle de trabalhadores através da
obrigatoriedade matrículas e da multa ao carroceiro que conduzia mal a sua carroça, enfim, uma
série de medidas que marcavam esse dia-a-dia com confrontos entre a população e os
representantes da municipalidade. (Idem: 147).
14
No que se refere às medidas sanitárias e de saneamento adotadas durante a gestão
do referido intendente, as principais medidas foram: a criação do Código de Posturas visando
disciplinar os hábitos dos cidadãos, dos proprietários de estabelecimentos comerciais, hotéis,
restaurantes, botequins, alem de atividades como dos barbeiros, cabeleireiros. Foram feitas
legislações para regular a produção e consumo de carne verde e no sentido de evitar ou conter
o avanço de doenças como: febre amarela, tuberculose, varíola, hanseníase, beribéri, diarréia e
esterite infantil. A limpeza urbana e a cremação do lixo – eleitas como prioridades da
administração municipal - teriam o “papel de afastar do centro da cidade os ares fétidos
causados pela emanação mal cheirosa do lixo urbano” (Sarges, 2000: 104).
Quanto ao processo de reestruturação urbanística da cidade de Belém ocorrido
ainda durante a intendência de Lemos, o estudo de Sarges (2000:114) afirma que:
A remodelação da cidade tornou-se um projeto das elites locais que a propunha em nome do
progresso e do interesse coletivo. Esta proposta urbanística, em decorrência da movimentação do
porto de Belém, exigiu abertura e calçamento de ruas, tornando o bairro comercial altamente
valorizado e ocupado, concorrendo para a transferência das residências das famílias abastadas para
outros locais como os bairros de Nazaré, Umarizal e batista Campos.
Em suma, a administração de Lemos para o contexto da então sociedade da
borracha assumiu o significado histórico de estabelecer as bases de um processo de
urbanização pautado pela redefinição de espaços que deveriam ser freqüentados e vivenciados
pela elite local e outros previamente definidos para as camadas populares. Ademais, concluise que o processo de modernização beneficiou áreas do centro da cidade que constituíam o
habitat dos indivíduos ligadas as camadas privilegiadas, daí surgindo a necessidade de regular
via decretos e códigos de conduta os trabalhadores pertencentes as camadas sociais mais
pobres, objetivando transformar Belém num centro urbano comparável as grandes cidades do
Brasil e não tão distante do estilo de vida presente em capitais européias como Paris, onde se
respirava a atmosfera da Belle-Époque. “De fato, tendo Paris como modelo, Antônio Lemos
procurou transformar as feições da urbe, reformando basicamente o centro da cidade,
considerando o lócus econômico e cultural por onde circulava o capital, as rendas e
naturalmente os seus possuidores” (Idem: 115)
15
5.6 A gênese do ensino técnico: significado para o capitalismo e a criação das escolas de
artífices em âmbito nacional e local
No que diz respeito à função desempenhada pela Escola nos primórdios da
sociedade capitalista, constata-se que esta instituição foi - e ainda é - utilizada como
instrumento para socialização ou “ajustamento” de indivíduos de camadas sociais
“desfavorecidas” e que causavam incômodo aos grupos sociais dominantes.
Segundo Enguita, a escola desempenha a função de moldar o trabalhador de acordo
com os novos interesses da indústria capitalista. Isto significa manusear o processo
educacional visando doutrinar os trabalhadores nos valores de “ordem e trabalho” e também
estabelecer padrões de uma inovadora educação moral, capaz de moldar novos hábitos de
subordinação e disciplina. E estes padrões de disciplina, segundo Enguita, visam inculcar
valores como “pontualidade, precisão e obediência” além da “docilidade, aplicação ao
trabalho e reverência aos deveres sociais e religiosos”. Este era o quadro vigente na virada do
século XVIII para o início do século XIX.
Quanto a questão do processo de aquisição de conhecimento profissional no
capitalismo industrial o estudo de Manacorda (2001: 270-271), reconhece que o trabalhador
(ex-artesão) é transformado em moderno proletário, “desprovido de lugar de trabalho,
matérias-primas e instrumentos de produção”, por isso, também se torna expropriado de sua
“pequena ciência”, tendo que adotar a “ciência moderna, força produtiva da fábrica. Já o
estudo de Saviani (2006:12) sobre “Trabalho e Educação” postula que a revolução industrial
processada ao longo dos séculos XVIII e XIX estabelece novas necessidades no que diz
respeito ao processo de qualificação da mão-de-obra e, portanto, redimensiona a função da
escola numa perspectiva de dualidade do modelo de ensino, ou seja, “escolas profissionais
para os trabalhadores” e “escolas de ciências e humanidades” para os futuros dirigentes”
pertencentes as elites capitalistas.
No caso específico do Brasil, o estabelecimento do ensino técnico-profissional
durante o início da república se deu por meio do Decreto 7.566 de 23 de setembro de 1909
durante o governo de Nilo Peçanha. O referido decreto criou “19 escolas situadas uma em
cada estado” (Cunha, 2000:17).
De acordo com Cunha, de uma forma geral as escolas de aprendizes apresentavam as
seguintes características: a) Todas as escolas, exceto a do Rio de Janeiro localizavam-se nas
capitais; b) A localização nas capitais revela mais uma preocupação no sentido de atender
demandas políticas; c) “As escolas de aprendizes artífices constituíram uma presença do
16
governo federal nos estados, oferecendo cargos aos indicados pelos políticos locais e vagas
para meninos a serem preenchidas com os encaminhados por eles”; d) “A finalidade
manifestamente educacional das escolas de aprendizes artífices era a formação de operários e
contramestres, através de ensino prático e conhecimentos técnicos necessários aos menores
que pretendessem aprender um ofício em "oficinas de trabalho manual ou mecânico que
forem mais convenientes e necessários ao estado em que funcionar a escola”; e) “Cada escola
de aprendizes artífices deveria possuir até cinco oficinas de trabalho manual ou de mecânica,
conforme a capacidade do prédio escolar e as especialidades das indústrias locais”[...]
(Cunha,2000: 19).
De acordo com Queluz (2000, p. 17) as Escolas de Artífices surgiram num momento de
transição marcado pela reestruturação da produção e das relações de dominação. Neste
contexto entraram vários elementos: o avanço do pensamento liberal, a necessidade de
controle das camadas baixas especialmente os miseráveis, pobres e desvalidos da sorte.
Também se deve considerar a questão da libertação do escravo e o perigo da ociosidade para
este contingente populacional. Portanto, tornou-se necessário disciplinar os pobres,
especialmente as crianças e jovens. E foi neste cenário que se estabeleceu a criação das
Escolas de aprendizes e Artífices durante a presidência de Nilo Peçanha.
O decreto de criação dialogava com o contexto sócio-econômico descrito, considerando: Que o
aumento da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os meios de vencer as
dificuldades, sempre crescentes da luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só
habilitar os filhos dos desfavorecidos da sorte com o indispensável preparo técnico e intelectual,
como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício
e do crime; que é um dos primeiros deveres do governo da República formar cidadãos úteis à
nação ( Decreto n° 7566 apud Queluz, 2000, p. 29).
Por conseguinte, a principal função do decreto de criação dessas escolas de artífices,
foi o de disciplinar a mão-de-obra da época as novas demandas do crescente mercado de
trabalho capitalista em expansão no Brasil, especialmente no contexto urbano.
No caso específico da Escola de Aprendizes Artífices do Pará, segundo Bastos
(1988: 20) foi implantada em 19 de agosto de 1910 tendo como público-alvo os “desprovidos
de fortuna que um ofício, os conhecimentos rudimentares e a prática”. Durante os dois
primeiros anos de funcionamento estavam matriculados respectivamente: vinte e noventa e
cinco aprendizes.
Quanto ao aspecto das instalações a E.A.A.PA inicialmente funcionou em um prédio
pertencente ao governo estadual cedido para a União, sendo que neste prédio funcionavam
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cinco oficinas: marcenaria, alfaiataria, funilaria, sapataria, ferraria. Tais oficinas funcionavam
“precariamente por falta de máquinas e ambiente. Foram alojadas em barracões de madeira,
cobertos de palha com piso de chão batido” (Idem: 22).
No que se refere aos critérios de recrutamento dos aprendizes, definiu-se como faixa
etária o atendimento a meninos com idade entre 10 e 13 anos, sendo obrigatória a
apresentação de dois atestados ou certidões que comprovassem que os mesmos não eram
portadores de doenças infecto-contagiosas e/ou de defeitos físicos.
De acordo com o referido estudo de Bastos desde o início era alta a taxa de evasão
ou retenção, sendo apontadas várias causas ou motivações para este fenômeno entre elas: a
não conclusão do curso devido à baixa renda das famílias fazendo com que o aprendiz
procurasse emprego tão logo aprendia os primeiros rudimentos da profissão.
Segundo o regulamento das Escolas de Aprendizes Artífices instituído pelo decreto
9.070 de 25 de outubro de 1911 insistia-se na formação de contra-mestre e operários
mantendo obrigatório o curso primário para os alunos que não soubessem ler, escrever e
contar, e o curso de desenho extensivo e obrigatório a todos os alunos aprendizes. Estipulavase a duração do curso em quatro anos como período de aprendizado nas oficinas, sendo que o
período escolar anual perfazia a duração de dez meses.
A análise do trabalho de Bastos nos remete a algumas importantes deduções:
- Sincronia entre as necessidades ou demandas profissionais presentes numa região urbana em
expansão e a oferta de cursos condizentes com tais necessidades. Daí a oferta de cursos como
funilaria, alfaiataria, marcenaria, etc.
- A clientela constituída essencialmente por aprendizes de origem nas camadas populares
destinados, pois, ao aprendizado de ofícios que lhes possibilitasse a integração ao mundo do
trabalho através da disciplina e perfeita adaptação aos interesses da elite dirigente capitalista.
- Predominância de aulas práticas voltadas para o adestramento, ou seja, ensino de ofícios e
técnicas, destinando uma carga horária menor para as aulas teóricas as quais se restringem ao
ensino de rudimentos de cálculos e de aprendizado da escrita e leitura.
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6. Considerações finais
Questões importantes estavam em jogo no cenário brasileiro do início do século XX. O
governo republicano buscava se auto-justificar por meio de um discurso ideológico de
modernização. Setores sociais dominantes – burguesia cafeeira e burguesia industrial necessitavam dos pressupostos ideológicos de modernidade para também justificar seu ideário
de dominação sobre as camadas populares: camponeses, trabalhadores fabris urbanos. E, no
caso específico das cidades, percebe-se que as medidas sanitárias e as obras de reurbanização
faziam parte desse esforço exercer controle social e moldar o espaço urbano de acordo com os
interesses de dominação política e econômica das elites nativas e manter o vínculo entre os
interesses dominantes locais e os interesses expansionistas e imperialistas das potências
capitalistas centrais, interesses estes também justificados por um discurso de modernidade
científica e tecnológica. E inserida nesse contexto no qual predominava a idéia de
modernidade autoritária e excludente, presente tanto nas capitais mais industrializadas – Rio
de Janeiro e São Paulo – como em Belém do Pará uma das capitais da região amazônica que
estava no epicentro da então hegemônica economia gomífera, estava a Escola de Aprendizes
Artífices criada no decorrer da década de 1910 e em cuja lógica de funcionamento
predominava o interesse de agregar filhos de trabalhadores permitindo uma formação
profissional estritamente voltada para atividades manuais e de ofícios com vistas a plena
adaptação da força de trabalho oriunda das oficinas-escolas ao mercado capitalista em
expansão. Enfim, o ensino de ofícios dialogava se combinava com a prática de exclusão e
autoritarismo presentes na sociedade da época.
5. Referências
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São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
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estudo de caso, Dissertação de mestrado em educação, Rio de Janeiro, FGV/IESAE, 1980.
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______________.
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industrial: um estudo histórico. 1909/87. Belém: Gráfica Santo Antônio, 1988.
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MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação; da antiguidade aos nossos dias – 9ª.
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MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo Tardio: Contribuição à revisão crítica da
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições universais. São Paulo: Cultrix, 1997.
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QUELUZ, Gilson Leandro. Concepções de ensino técnico na República Velha (1909-1930).
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SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1920).
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_________________. Memórias do Velho Intendente. Belém: Paka-Tatu, 2002.
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SAVIANI, Dermeval. Trabalho e Educação: fundamentos ontológicos e históricos. Trabalho
encomendado pelo GT – Trabalho e Educação, apresentado na 29ª Reunião da ANPEd no dia
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