A Interação entre as Forças de Operações de Paz e as
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A Interação entre as Forças de Operações de Paz e as
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO Maj Inf PEDRO AIRES PEREIRA JUNIOR A Interação entre as Forças de Operações de Paz e as Organizações de Assistência Humanitária em Áreas Atingidas por Desastres Naturais (INTENCIONALMENTE EM BRANCO) Rio de Janeiro 2014 1 Maj Inf PEDRO AIRES PEREIRA JUNIOR A Interação entre as Forças de Operações de Paz e as Organizações de Assistência Humanitária em Áreas Atingidas por Desastres Naturais Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares. Orientador: Ten Cel Cav Marcelo Milward de Albuquerque Rio de Janeiro 2014 2 P43i Aires, Pedro Pereira. A Interação entre as Forças de Operações de Paz e as Organizações de Assistência Humanitária em Áreas Atingidas por Desastres Naturais. 76 f.: il; 30 cm. Trabalho de Conclusão de Curso – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2014. Bibliografia: f. 74-76. 1. Coordenação Civil-Militar. 2. CIMIC. 3. Exército Brasileiro. 4. Missão de Paz. I. Título. CDD 355.3433 3 Maj Inf PEDRO AIRES PEREIRA JUNIOR A Interação entre as Forças de Operações de Paz e as Organizações de Assistência Humanitária em Áreas Atingidas por Desastres Naturais Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares. Aprovado em____de______________de 2014. COMISSÃO AVALIADORA ____________________________________________ Marcelo Milward de Albuquerque – Ten Cel - Pres Escola de Comando e Estado-Maior do Exército ________________________________________ Rovian Alexandre Janjar – Ten Cel - Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exército ________________________________________ João Luiz de Araujo Lampert – Maj - Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exército 4 “É verdade que, por vezes, os militares, exagerando da impotência relativa da inteligência, descuram servir-se dela.” (Charles de Gaulle) 5 RESUMO A elevada complexidade do ambiente que envolve as operações de paz exige cada vez mais que forças militares e atores civis operem no mesmo espaço e ao mesmo tempo. Essa coexistência se faz necessária uma vez que os novos desafios impostos na resolução dos conflitos apontam para uma abordagem multidisciplinar e multidimensional, cujos objetivos vão muito além de um simples monitoramento de acordo de cessar fogo entre partes beligerantes. Todavia, militares e civis possuem características distintas em função de suas próprias vocações naturais, fomentando comportamentos peculiares que dificultam o processo de integração entre esses importantes agentes promotores da paz. Nesse contexto, as lições aprendidas no emprego do Batalhão de Infantaria de Força de Paz (BRABATT) em parceria com as Organizações de Assistência Humanitária (OAH), na contingência aos efeitos do Terremoto no Haiti em 2010, evidenciam a necessidade de aperfeiçoamento na relação entre militares e civis, notadamente nas situações emergenciais que exigem um elevado grau de interdependência entre ambos atores, no sentido de tornar mais efetiva a resposta da ajuda humanitária. Sendo assim, o propósito deste trabalho é explorar a estrutura de Cooperação Civil-Militar (CIMIC) no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), desde a formulação das políticas de relacionamento Civil-Militar, até a aplicação prática da cooperação entre esses atores no contexto da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). Além disso, procurou-se levantar os óbices existentes na interação entre o Batalhão de Infantaria de Força de Paz e os agentes humanitários a serviço das Nações Unidas naquele País, permitindo apresentar possíveis soluções que potencializam a efetividade das ações dos capacetes azuis brasileiros. Palavras-chave: Cooperação Civil-Militar, MINUSTAH, Terremoto, Organização de Assistência Humanitária, Forças de Operações de Manutenção da Paz, Organização Não Governamental, e ajuda humanitária. 6 ABSTRACT The high complexity of the environment that involves peace operations demands increasingly that military and civilian actors operating in the same space at the same time. This coexistence is essential to face the new challenges presents in conflict resolution, that point to a multidisciplinary and multidimensional approach, whose objectives go far beyond a simple monitoring cease-fire agreement between warring parties. However, military and civilians have distinct characteristics because of their own natural vocation, whose peculiar behaviors don’t contribute to the process of integration between these important agents of peace. In this context, the lessons learned between the BRABATT 1 and the Humanitarian Assistance Organizations (OAH) in response to the effects of the earthquake in Haiti in 2010, demonstrate the need for improvement in the relationship between military and civilians, mainly in emergency situations that require a high degree of interdependence between both actors, in order to make more effective the response of humanitarian aid. Thus, the purpose of this paper is to explore the CIMIC structure within the UN, since the formulation of the policies of Civil-Military relations, to the practical implementation of cooperation between these actors in the context of the MINUSTAH. In addition, this paper searched identify the obstacles that exist in the interaction between the infantry battalion of peacekeeping force and humanitarian workers serving the United Nations in that country, allowing to present possible solutions that maximise the effectiveness of the actions of brazilians peacekeepers. Keywords:Civil Military Cooperation, Peacekeeping Force, Non-governmental Organization, humanitarian aid. 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Níveis de autoridade, Comando e Controle em Operações de Manutenção da Paz…..................................................................…. 45 Figura 2 Organograma Original da MINUSTAH……………….……………..… 46 Figura 3 Organograma da Força Militar da MINUSTAH………………….....… 48 Figura 4 Fluxograma funcional do JOTC……………………………………….. Figura 5 Representação Gráfica da Magnitude do Terremoto no Haiti……… 64 Figura 6 Organograma do Estado-Maior do BRABATT………………….……. 66 57 8 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Quadro Comparativo de Atividades Humanitárias 2009/2010.......... 58 Tabela 2 Tabela de Assistência Humanitária/2010 ..……….……..……....…... 67 9 LISTA DE ABREVIATURAS ACISO Ação Cívico Social AOR Área de Responsabilidade (sigla em inglês) BI F Paz Batalhão de Infantaria de Força de Paz BRABATT Batalhão Brasileiro de Força de Paz (sigla em inglês) C2 Comando e Controle C3 Comando, Controle e Computadores CCOPAB Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil CIMIC Cooperação Civil-Militar (sigla em inglês) CMCoord Coordenação Civil-Militar (sigla em inglês) CMO Operações Civis Militares (sigla em inglês) COS Chefe do Estado-Maior (sigla em inglês) COTER Comando de Operações Terrestre DICA Direito Internacional dos Conflitos Armados DPKO Departamento de Operações de Manutenção de Paz (sigla em inglês) EB Exército Brasileiro ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército ERC Coordenador de Operações Emergenciais (sigla em inglês) EUA Estados Unidos da América FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (sigla em inglês) FHQ Estado-Maior (sigla em inglês) FOMP Força de Operações de Manutenção da Paz FORPRONU Força de Proteção das Nações Unidas para a Iugoslávia Gpt Op Fuz Nav Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais HC Coordenador Humanitário (sigla em inglês) 10 HCT Comunidade Humanitária no país residente (sigla em inglês) HIV Síndrome da Imune Deficiência (sigla em inglês) IASC Comitê Permanente Interangências (sigla em inglês) IDP Campo de deslocados (sigla em inglês) IOM Organização Internacional para Migração (sigla em inglês) MCDA Assistência Militar - Civil (sigla em inglês) MD Ministério da Defesa MINUSTAH Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (sigla em inglês) NATO Organização do Tratado do Atlântico Norte (sigla em inglês) OAH Organização de Assistência Humanitária OCHA Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assistência Humanitária (sigla em inglês) OI Organizações Internacionais O Lig Oficial de Ligação OM Organização Militar ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas ONUSAL Missão das Nações Unidas em El Savador (sigla em inglês) ONUMOZ Missão das Nações Unidas de Apoio a Moçambique (sigla em inglês) OPORD Ordem de Operações (sigla em inglês) OSOCC Centro de Coordenação de Operações Locais (sigla em inglês) OSP Órgãos de Segurança Pública OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PNH Polícia Nacional do Haiti QIP Projeto de Rápido Impacto (sigla em inglês) 11 ROE Regras de Engajamento (Sigla em inglês) SOP Procedimentos Operacionais Padronizados (sigla em inglês) SRSG Representante Especial do Secretário Geral da ONU (sigla em inglês) TO Teatro de Operações UNAVEM Missões das Nações Unidas em Angola (sigla em inglês) U9 UNDP Seção de Estado-Maior responsável pela Cooperação Civil-Militar (sigla em inglês) Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (sigla em inglês) UNDAC Equipe de Avaliação de Desastre Natural (sigla em inglês) UNEF Força de Emergência das Nações Unidas (sigla em inglês) UNHABITAT Programa das Nações Unidas para Habitação (sigla em inglês) UNHCR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (sigla em inglês) UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância (sigla em inglês) UNIFIL Força Interina das Nações Unidas no Líbano (sigla em inglês) UNMIT Missão Integrada das Nações Unidas no Timor-Leste (sigla em inglês) UNPREDEP Missão de Paz da ONU na Macedônia (sigla em inglês) UNTAC Missão das Nações Unidas no Camboja UNTAET Missão das Nações Unidas de Apoio no Timor Leste (sigla em inglês) UNTAG Missão das Nações Unidas na Namíbia URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas WFP Programa Alimentar Mundial (sigla em inglês) WHO Organização Mundial de Saúde (sigla em inglês) 12 SUMÁRIO 1 INTRODUÇAO....................................................................................... 16 1.1 O PROBLEMA........................................................................................ 20 1.2 OBJETIVOS............................................................................................ 22 1.3 HIPÓTESE.............................................................................................. 22 1.4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO................................................................. 1.5 RELEVÂNCIA DO ESTUDO................................................................... 23 2 METODOLOGIA..................................................................................... 25 2.1 TIPO DE PESQUISA.............................................................................. 26 2.2 UNIVERSO E AMOSTRA....................................................................... 25 2.3 COLETA DE DADOS.............................................................................. 26 2.4 TRATAMENTO DOS DADOS................................................................ 26 2.5 LIMITAÇÃO DO MÉTODO..................................................................... 27 3 A ONU E AS OPERAÇÕES DE PAZ.................................................... 28 3.1 ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS................. 28 3.1.1 A Assembleia Geral.............................................................................. 28 3.1.2 O Conselho de Segurança................................................................... 29 3.1.3 O Secretariado...................................................................................... 29 3.1.3.1 Departamento de Operações de Manutenção da Paz........................... 30 3.1.3.2 Escritório para Coordenação de Ajuda Humanitária.............................. 31 3.1.3.3 Comitê Permanente Interagências......................................................... 31 3.2 AS OPERAÇÕES DE PAZ SOB ÉGIDE DAS NAÇÕES UNIDAS......... 32 3.2.1 Diplomacia Preventiva.......................................................................... 32 3.2.2 Estabelecimento da Paz....................................................................... 23 32 13 3.2.3 Manutenção da Paz............................................................................ 33 3.2.4 ... Consolidação da Paz............................................................................ 3.2.5 Imposição da Paz.................................................................................. 34 3.2.6 Proteção de Operações Humanitárias................................................ 34 3.2.7 Sanções................................................................................................. 35 3.2.8 Desarmamento...................................................................................... 35 3.3 CONCLUSÃO PARCIAL ........................................................................ 35 4 A COOPERAÇÃO CIVIL - MILITAR (CIMIC), SUAS APLICAÇÕES E FINALIDADES........................................................................................ 34 36 4.1 ANTECEDENTES DA CIMIC EM OPERAÇÕES DE PAZ....................... 36 4.2 O EMPREGO DA CIMIC EM OPERAÇÕES MILITARES....................... 37 4.3 O EMPREGO DA CIMIC NO EXÉRCITO BRASILEIRO.......................... 38 4.4 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DOS AGENTES DE ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA....................................................................................... 40 4.5 ORGANIZAÇÃO DAS FORÇAS MILITARES.......................................... 41 4.6 CONCLUSÃO PARCIAL......................................................................... 43 5 A ESTRUTURA DE CIMIC NA MINUSTAH E O APOIO HUMANITÁRIO EM RESPOSTA AOS EFEITOS DO TERREMOTO DE 2010.................................................................................................. 44 5.1 ORGANIZAÇÃO DA MINUSTAH............................................................ 44 5.1.1 Componente Militar............................................................................... 46 5.1.1.1 Estado-Maior da Força Militar da MINUSTAH......................................... 46 5.1.1.2 Batalhões de Infantaria de Força de Paz................................................. 48 5.1.1.2.1 Comando, Controle e Comunicações (C3).............................................. 49 5.1.1.2.2 Poder de Fogo......................................................................................... 49 5.1.1.2.3 Mobilidade............................................................................................... 49 5.1.1.2.4 Proteção da Força................................................................................... 50 14 5.1.1.2.5 Informações Táticas................................................................................ 50 5.1.1.2.6 Sustentação............................................................................................ 50 5.1.1.2.7 Interoperabilidade................................................................................... 51 5.1.1.2.8 Interação com o meio Civil....................................................................... 51 5.1.2 Componente Humanitário.................................................................... 5.1.2.1 Atuação do OCHA no Haiti...................................................................... 52 5.1.2.2 Abordagem cluster.................................................................................. 53 5.1.3 Estrutura de Coordenação Humanitária em Caso de Desastres Naturais.................................................................................................. 5.1.3.1 54 Desdobramento Emergencial dos Órgãos da ONU em regiões afetadas por Desastres Naturais........................................................................... 5.1.3.2 51 56 Desdobramento Emergencial no Haiti após o Terremoto de 2010.......... 56 5.1.3.2.1 Operações Humanitárias........................................................................ 57 5.2 CONCLUSÃO PARCIAL......................................................................... 58 6 A INTERAÇÃO ENTRE O BRABATT E AS ORGANIZAÇÕES DE ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA EM RESPOSTA AOS EFEITOS DO TERREMOTO DE 2010.......................................................................... 6.1 O BRABATT E A INTERAÇÃO CIVIL-MILITAR ANTES 60 DO TERREMOTO DE 2010.......................................................................... 60 6.1.1 Pacificação de Áreas em Porto Príncipe............................................. 60 6.2 ATIVIDADE CIMIC DO BRABATT.......................................................... 62 6.2.1 Consequências dos Efeitos do Terremoto na AOR do BRABATT.... 64 6.2.2 O Apoio do BRABATT 1 às OAH........................................................... 65 6.2.2.1 Adequações na Estrutura do BRABATT 1............................................... 65 6.2.2.2 Dinâmica dos Trabalhos Humanitários.................................................... 66 15 6.3 CONCLUSÃO PARCIAL......................................................................... 69 7 CONCLUSÃO......................................................................................... 71 REFERÊNCIAS...................................................................................... 73 16 1 INTRODUÇÃO O conceito de operação de manutenção da paz, sob a tutela de um organismo internacional, teve origem na Liga das Nações, no período compreendido entre os anos de 1920 e 1930. Neste primeiro momento, os objetivos pretendidos eram basicamente a contenção dos conflitos armados, a fim de evitar as elevadas perdas humanas vivenciadas por ocasião da Primeira Guerra Mundial. Embora a Liga se mostrasse como uma organização capaz de resolver litígios entre potências menos importantes e de promover um grande leque de atividades humanitárias e econômicas, ela não era capaz de lidar com atos agressivos de seus membros mais importantes, não conseguindo manter a coesão, mesmo tendo os fundamentos jurídicos para contornar os conflitos entre Estados. O fracasso trouxe consequências nefastas para o mundo, sendo evidenciada pela Segunda Guerra Mundial, que se desenvolveu de 1939 a 1945. Após o conflito militar global, a devastação dos países envolvidos contabilizaram milhares de mortes, orientando os esforços da comunidade internacional para a construção de um organismo multilateral que pudesse garantir um ambiente menos instável em relação à segurança. Nesse contexto, em 25 de abril de 1945, cinquenta países presentes à Conferência sobre Organização Internacional, dos quais o Brasil tomou parte, assinaram a Carta das Nações Unidas, dando início a criação da Organização das Nações Unidas. Segundo LESSA (2007), a expressão “Nações Unidas”, cunhada pelo presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), foi utilizada pela primeira vez na “Declaração das Nações Unidas”, em 1º de janeiro de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, quando representantes de 26 nações expressaram a intenção de continuar lutando contra os países do Eixo (Alemanha, Japão e Itália). Dois anos depois, líderes da China, da União Soviética, do Reino Unido e dos Estados Unidos esboçaram uma proposta de estatuto para uma organização internacional de países. 17 Sob a égide da ONU, a primeira operação de manutenção da paz ocorreu no ano de 1948 no Oriente Médio, cuja finalidade era garantir a paz entre judeus e árabes, durante o assentamento das populações sionistas na região da Palestina. Cabe ressaltar, que o brasileiro Osvaldo Aranha presidiu a sessão da Assembleia Geral da ONU com a finalidade de solucionar a questão do conflito. Desde então, ao longo dessas operações, verifica-se que no período da Guerra Fria (1945-1989) a demanda de segurança global foi marcada pelos conflitos indiretos entre os Estados Unidos da América (EUA) e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que polarizavam blocos políticos e ideológicos antagônicos. Dessa forma, a atuação das Forças de Paz se voltavam basicamente para a fiscalização de acordos interestatais e para intervenções militares no intuito de buscar o equilíbrio entre a influência capitalista e comunista no mundo. As questões humanitárias ocupavam posição secundária na agenda do Organismo de Segurança Internacional. (FONTOURA, 1999). A partir da década de 1990, com o arrefecimento da tensão bipolar, o cenário internacional passou a ser marcado por um ordenamento hegemônico dos EUA, acarretando a redução do choque ideológico e, consequentemente, a diminuição dos conflitos militares entre países. Entretanto, o novo arranjo de poder acarretou a deterioração de estados fragilizados que se mantinham com o apoio externo. Dessa forma, os conflitos internos se ampliaram de forma significativa, cujas consequências mais graves ficaram evidenciadas pelos diversos genocídios ocorridos em diferentes regiões do planeta. Desses eventos, destacam-se pela grande repercussão o massacre de Ruanda em 1994, com estimativa de 800 mil mortos; o massacre de Kosovo, de 1997 a 1999, com estimativa de 300 mil mortos; e o massacre de Dahfur, de 2003 até os dias atuais, contabilizando aproximadamente 400 mil mortos1. O elevado número de óbitos, além de sensibilizar a comunidade internacional acerca das violações dos direitos humanos, mostrou que a abordagem da ONU na condução das operações de paz não atendiam a segurança das populações situadas nas áreas de instabilidade, levando a organização a redesenhar uma forma de atuação mais eficiente para atender a demanda de segurança, notadamente naqueles 1 http://hannaharendt.wordpress.com/2009/11/20/antecedentes-historicos-do-estabelecimento-dotribunal-penal-internacional/. Acessado em 18 de agosto de 2013 18 estados fragilizados.das operações de paz não atendiam a segurança das populações situadas nas áreas de instabilidade, levando a organização a redesenhar uma forma de atuação mais eficiente para atender a demanda de segurança, notadamente naqueles estados fragilizados. De acordo com MALAN (1998), a segunda geração 2de operações de paz foi desenvolvida em associação com o fim dos conflitos remanescentes da Guerra Fria, em que a ONU buscava a negociação de soluções políticas baseadas no compromisso mútuo dos adversários. Exemplos inequívocos da concepção dessas operações de paz ocorreram na Namíbia (UNTAG), no Camboja (UNTAC), em Angola (UNAVEM), em El Salvador (ONUSAL) e em Moçambique (ONUMOZ). Nestes casos, o processo de paz foi iniciado com o estabelecimento de um cessar fogo determinado por amplos acordos de paz, em que as tropas de manutenção da paz seriam desdobradas para as áreas afetadas com o consentimento das partes envolvidas nos acordos. Sendo assim, as operações de paz passaram a realizar uma grande variedade de tarefas, desde ajudar a instituir governos, monitorar o cumprimento dos direitos humanos, assegurar reformas setoriais até o desarmamento, desmobilização e reintegração de ex-combatentes. Por ocasião do sexagésimo aniversário da ONU, AMORIM (2008) ressaltou 3que a agenda internacional evoluiu e ampliou-se, tratando de assuntos tão diversos como meio ambiente, tecnologias da informação, direitos humanos ou o combate à fome e à pobreza. Questões como a manutenção da paz e da segurança internacionais adquiriram novos contornos, seja pela natureza interna de alguns dos conflitos, seja pelo envolvimento de atores não estatais. Como membro fundador da ONU, o Brasil tem participado de operações de paz com presença de tropa, desde o ano de 1957, quando um Batalhão do Exército Brasileiro (Batalhão Suez) passou a integrar a Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF). 2 As operações de manutenção de paz são classificadas por gerações: as de primeira geração (1948-1988) são caracterizadas por operações interestatais de observação militar criadas para monitorar ou supervisionar cessar-fogos, tréguas ou acordos armistícios e limites de fronteiras em áreas conflituosas; as de segunda geração (final dos anos 80 até os dias atuais) se baseiam em ações multifuncionais ou multidisciplinares compreendendo as funções tradicionais, além de incorporar às tarefas militares e de caráter civil e humanitário. 3 http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/ministro-estadorelacoes-exteriores/a-onu-aos-60-artigo-do-embaixador-celso-amorim/print-nota. Acessado em 18 de Agosto de 2013. 19 A partir da década de 1990, o País passou a aumentar a sua participação em missões de paz, com destaque para as operações de estabilização realizadas em Moçambique (ONUMOZ), no ano de 1994; em Angola (UNAVEMIII), de 1995 a 1997; e no Timor Leste (UNTAET/UNMISET), de 1999 a 2000. Desde o ano de 2004, forças de paz brasileiras atuam no Caribe, integrando a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). Além disso, o Brasil também participa da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), por meio de uma fragata, componente de uma Força Tarefa Naval (FTN). No contexto das operações conduzidas pela ONU, as tropas brasileiras atuam em um ambiente multidimensional de manutenção da paz, interagindo com diferentes agências da organização ou mesmo com organizações não governamentais (ONGs), exigindo um eficiente canal de comunicação com os atores civis relacionados. Segundo HOLSHEK (2012), a Coordenação Civil-Militar (CIMIC) fornece a interface entre o componente militar de uma operação de paz com os componentes político, humanitário, jurídico, de desenvolvimento e administrativo da mesma operação, bem como os outros atores no sistema de construção da paz. O autor destaca, ainda, que essa interface é crucial na obtenção dos resultados da operação. Interagindo com diferentes agências da ONU e demais estruturas vocacionadas para a construção de um ambiente de paz, as tropas brasileiras a serviço das Nações Unidas se deparam frequentemente com atividades de assistência humanitária ou de proteção as operações humanitárias, destacando o papel da CIMIC. Dentre as diversas missões atribuídas ao BRABATT, o apoio as ações humanitárias em resposta aos efeitos de desastres naturais exigem um grande esforço dos militares brasileiros, devido a elevada frequência de tempestades e ciclones tropicais que atingem o país, localizado na região do Mar do Caribe, uma zona que apresenta instabilidades atmosféricas sazonais. Além disso, o Haiti está situado sobre a falha geológica Enriquillo Plantain Garden, que apresenta uma potencial ameaça de ocorrências de terremotos, que ficou evidencido pelo desastre ocorrido em 12 de janeiro de 2012, como aponta VEJA (2010). (…) A falha Enriquillo Plantain Garden "segue representando um grande perigo sísmico para o Haiti, em particular para a região de Porto Príncipe", adverte um estudo publicado pela Nature Geoscience. A inquietação é 20 particularmente importante sobre uma faixa de 110 quilômetros que passa ao sul da capital, entre o lago Miragoane, a oeste, e Dumay, a leste (…). A experiência adquirida nos trabalhos de apoio às vítimas do terremoto de 2010 revelou a grande dimensão de uma operação de assistência humanitária, que envolveu o esforço conjunto, em grande escala, de militares e civis. Conforme apontou Keen (2011). A finalidade da Força-Tarefa Conjunta no Haiti era apoiar os esforços dos Estados Unidos naquele país para minimizar o sofrimento humano no curto prazo e acelerar os esforços de socorro para facilitar a transição para o governo. As forças militares possuem capacidades significativas que são úteis em situações de emergência, mas é melhor deixar planos de socorro e reconstrução de longo prazo a cargo de agências governamentais civis. Com a finalidade de mitigar os efeitos dos desastres naturais ocorridos no Haiti, o BRABATT atuou e continua atuando em conjunto com diversas organizações civis voltadas para a assistência humanitária, tendo, eventualmente, encontrado dificuldades em convergir objetivos com os diversos agentes que buscam a integração com o componente militar. Com base na experiência do trabalho conjunto entre o BRABATT e as Organizações de Assistência Humanitária (OAH), a pesquisa irá discorrer sobre o papel de cada um desses componentes, no contexto de uma operação de manutenção da paz em região atingida por um desastre natural. Por fim, pretende-se levantar os óbices existentes nessa relação, procurando apontar medidas que possam reduzir as divergências existentes entre os componentes militar e civil, a fim de aumentar a capacidade operativa de um batalhão em operação de manutenção da paz. 1.1 O PROBLEMA A grande extensão do dano causado pelo terremoto no Haiti mobilizou a comunidade internacional para o envio de ajuda humanitária ao país caribenho. Assim sendo, milhares de toneladas de alimentos, remédios, roupas, entre outros materiais desembarcaram na capital Porto Príncipe, com a finalidade de diminuir o sofrimento 21 da população local. Da mesma forma, diversas organizações de assistência humanitária se deslocaram para a área, a fim de trabalharem em proveito da população atingida. A capacidade da ONU para gerenciar a coordenação dos trabalhos estava seriamente comprometida, uma vez que a sede da MINUSTAH havia sido atingida, acarretando a morte de 101 funcionários, entre militares e civis. De acordo com ESTADÃO (2010), (…) Aviões com ajuda, provenientes da Venezuela e da China também chegaram. Equipes mexicanas, britânicas, dinamarquesas, cubanas e francesas estão a caminho de Porto Príncipe. Outro navio procedente dos EUA também chegou ao Haiti com mantimentos e remédios para ajudar os desabrigados e feridos pela tragédia. Além disso, outras três unidades militares procedentes dos Estados Unidos chegarão ao Haiti nas próximas horas. Emergencialmente, a ONU reforçou as equipes desdobradas em Porto Príncipe, dando início aos trabalhos de ajuda humanitária que contou com a participação expressiva do componente militar da MINUSTAH e das organizações presentes na área. Nesse sentido, o BRABATT passou a atuar em conjunto com centenas de Organizações Não Governamentais que se apresentavam com a finalidade de ajudar a população atingida. Entretanto, ao longo das operações de ajuda humanitária, verificou-se que alguns atores civis, mesmo atuando sob a tutela das agências da ONU, apresentavam objetivos difusos aos propósitos estabelecidos pela MINUSTAH. Esta constatação levou o Comando do Batalhão a adotar procedimentos na relação com as organizações civis, a fim de não ferir os princípios das operações de paz, Conforme descreve PINHEIRO (2010): Houve um momento em que tínhamos tantas instituições civis cadastradas, que houve necessidade de se fazer uma verificação para atestar sua idoneidade. Várias deixaram de ser apoiadas por nós por estarem se aproveitando da situação caótica em que se encontrava o Haiti para desviar e comercializar as doações. Havia um processo natural de ajuste de procedimentos. Certas exigências feitas por algumas ONGs não eram aceitas por nós por comprometerem a segurança ou da tropa ou da população civil. 22 Com base na experiência brasileira no Haiti, em que o BRABATT atuou em resposta aos efeitos de um desastre natural, como as forças militares podem apoiar as Organizações de Assistência Humanitária (OAH) sem perder sua eficiência? 1.2 OBJETIVOS O objetivo geral desse estudo foi descrever possíveis soluções para os óbices existentes na relação entre as forças de operação de manutenção de paz e as organizações de assistência humanitária, no trabalho conjunto em resposta aos efeitos de um desastre natural. O objetivo acima foi atingido, por meio de objetivos específicos essenciais para a realização da pesquisa, os quais a seguir encontram-se listados: a. Descrever a estrutura da ONU, destacando os conceitos básicos das operações de paz. b. Descrever as características da Cooperação Civil-Militar (CIMIC). c. Descrever a estrutura de CIMIC na MINUSTAH, destacando o papel dos agentes responsáveis em prestar apoio humanitário em resposta aos efeitos dos desastres naturais. c. Identificar as funções das agências da ONU que atuam em operações de ajuda humanitária e suas relações com diferentes organizações civis que atuam como parceiro. d. Explicar a relação entre o Batalhão de Força de Manutenção de Paz (BRABATT) e as OAH, no trabalho conjunto em resposta aos efeitos de um desastre natural. e. Identificar os óbices da relação entre os atores em questão, apontando possíveis soluções para fortalecer a sinergia entre as partes. 1.3 HIPÓTESE Este trabalho levou em consideração o problema anteriormente formulado e utilizou como base a busca em se validar a seguinte hipótese em estudo: Os ensinamentos colhidos pelo contingente brasileiro no Haiti contribuirão para o desenvolvimento da doutrina da Força Terrestre, levando-se em conta a hipótese de emprego do Exército Brasileiro em novas missões de paz. 23 1.4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO O presente trabalho analisou os ensinamentos colhidos pelos militares brasileiros que atuaram na MINUSTAH, integrando o corpo de staff da missão ou compondo os quadros do Batalhões de Infantaria de Força de Paz 1 e 2 (BRABATT1 e 2), examinando se esses ensinamentos poderão ser utilizados para o desenvolvimento da Doutrina Militar Terrestre. Além disso, a pesquisa abrangeu a atuação das tropas brasileiras na MINUSTAH no trabalho conjunto com as principais OAH que operaram sob a coordenação da OCHA, tanto em resposta aos danos causados pelo terremoto, quanto pelos ciclones tropicais. Em relação ao tempo, o conteúdo pesquisado iniciou a partir de 12 de janeiro de 2010 e se prolongou até 31 de dezembro de 2012. 1.5 RELEVÂNCIA DO ESTUDO As operações de manutenção da paz possibilitam ao Brasil projetar poder no cenário internacional, tornando-se um importante vetor de política externa do país. Por outro lado, o desdobramento de tropas além de suas fronteiras tem se tornado um excepcional meio de adestramento operacional e aperfeiçoamento logístico. Esses fatores são elementos estratégicos que reforçam a disponibilidade do País a ceder forças militares para atuar a serviço da ONU. Nesse contexto, as Forças Armadas Brasileiras devem se manter atualizadas às constantes mudanças ocorridas no âmbito das missões de paz, a fim de reunir dados que permitam capacitar os capacetes azuis a cumprirem suas atribuições com o máximo de eficiência. Cabe ressaltar, que as Forças de Operação de Manutenção da Paz brasileiras são reconhecidas internacionalmente pelo seu elevado grau de profissionalismo, conforme se pode constatar nas declarações do Secretário-Geral e Chefe da UNMIT, Finn Reske-Nielsen, ao elogiar a significativa participação das tropas brasileiras no 24 processo de pacificação do Timor Leste4. Entre as inúmeras atividades desempenhadas por uma FOMP, as ligações com as OAH têm se tornado cada vez mais importante no contexto das operações de paz. Por esse motivo a ONU possui uma estrutura robusta que gerencia o segmento operacional relacionado à ajuda humanitária. Não obstante, as dificuldades de coordenação entre esses dois elementos tem sido objeto de estudo por parte de muitos exércitos do mundo, o que proporciona um grande repertório de conhecimentos a respeito do assunto. No cenário de um desastre natural, os efeitos da tragédia torna essa relação mais sensível, uma vez que a interdependência entre esses dois atores aumenta. Logo, presume-se que as dificuldades recorrentes da relação civil-militar poderá se acentuar na situação considerada. Não pode se descartar que nessa condição de adversidade, a demanda sobre as FOMP irão aumentar de forma significativa, devendo haver um planejamento racional das suas ações. Destaca-se, ainda, que as FOMP brasileiras atuam no Haiti, uma área de instabilidade sísmica e atmosférica, exigindo uma preparação específica para sua atuação em resposta aos efeitos de um desastre natural. Além disso, as demais treze regiões do mundo sob intervenção de forças de paz da ONU também estão suscetíveis a desastres naturais, notadamente o continente africano que tem sido assolado por secas e enchentes desde 20125. Desta forma, o trabalho pretende ampliar o cabedal de conhecimentos acerca de atividades CIMIC, com destaque para a interação entre um Batalhão de Operações de Manutenção da Paz e as OAH no trabalho conjunto em resposta aos efeitos de um desastre natural, servindo de pressuposto teórico para outros estudos que sigam neste caminho. Aspira-se, também, contribuir para o aperfeiçoamento de futuros contingentes designados para compor FOMP, notadamente em relação ao desempenho de atividades CIMIC. Para tanto, visualiza-se o Centro Conjunto de Operação de Paz do Brasil (CCOPAB) como um importante cliente do produto final desta pesquisa. 4 Discurso proferido em 31 de dezembro de 2012, por ocasião do encerramento da missão de paz no Timor Leste, ver http://www.onu.org.br/missao-de-paz-da onu-encerra-operacoes-no-timor-leste. (Nações Unidas no Brasil, 2013). 5 Ver em http://noticias.uol.com.brqqcheiasesecasafrica-em-2012. 25 2 METODOLOGIA Nesta seção será apresentada a metodologia que foi utilizada para desenvolver o trabalho, evidenciando-se o tipo de pesquisa a ser realizada, o universo e amostra, a coleta de dados, o tratamento de dados e as limitações do método. O método utilizado foi o histórico, uma vez que foi realizado um estudo exploratório, tendo em vista o trabalho do BRABATT 1 e 2 realizado em conjunto com as OAH e coordenado pela MINUSTAH. 2.1 TIPO DE PESQUISA Esta pesquisa foi qualitativa, privilegiando relatos, a história da participação brasileira na MINUSTAH, a análise de documentos e para entender de que forma a experiência brasileira no Haiti poderá contribuir para o desenvolvimento da Doutrina Militar Terrestre. De acordo com a taxionomia de Vergara (2009), essa pesquisa foi descritiva, explicativa, documental, bibliográfica e histórica. Descritiva porque caracterizou a participação de militares brasileiros em atividades de CIMIC na MINUSTAH, correlacionando essa participação com a possibilidade de contribuição com a Doutrina Militar Terrestre. Explicativa porque buscou detalhar as características da missão da qual os brasileiros participam no Haiti, principalmente no ramo das atividades de CIMIC. Documental porque buscou documentos, manuais, notas de coordenação doutrinária, fotografias e relatórios relacionados às atividade dos Batalhões Brasileiros de Força de Paz 1 e 2 (BRABATT 1 e 2) e do CCOPAB. Bibliográfica, pois baseou-se também na pesquisa de revistas, jornais e sites que falam sobre a participação brasileira na MINUSTAH e sobre Coordenação Civil-Militar no âmbito da ONU. Por fim, esta pesquisa foi histórica, porque buscou estudar uma experiência do passado, no caso, a experiência brasileira no Haiti. 2.2 UNIVERSO E AMOSTRA O universo desta pesquisa foi representado por oficiais e praças (subtenentes e sargentos), com conhecimento adequado acerca do emprego conjunto entre os BRABATT 1 e 2 e as OAH, nas atividades de assistência humanitária em resposta 26 aos efeitos de desastres naturais. A amostra foi não probabilística (VERGARA, 2009) e definida pelo critério da tipicidade, sendo constituída por militares que serviram nos BRABATT 1 e 2 e no Estado-Maior da MINUSTAH. 2.3 COLETA DE DADOS Esta etapa se iniciou com a busca de bibliografias baseadas em toda sorte de documentos como, manuais, revistas especializadas, jornais, artigos científicos ou não-científicos, internet, teses, dissertações, palestras e qualquer outro dado pertinente relacionado ao assunto. Assim sendo, pretendeu-se, inicialmente, conhecer as funções exercidas pelos BRABATT e pelas OAH e a respectiva relação entre esses dois atores, no contexto de uma operação de paz. Em prosseguimento, buscou-se explicar a relação desses dois atores no contexto de um desastre natural. A pesquisa foi realizada em documentos da ONU e suas agências, da MINUSTAH, nos arquivos do EB, buscando as fontes disponíveis no Ministério da Defesa, no Comando de Operações Terrestres (COTER), no CCOPAB e nos BRABATT 1 e 2. O objetivo foi levantar informações, inclusive nos documentos não publicados, como relatórios, ordens de operações, estudos doutrinários, simpósios ou outros que agregaram valor a este trabalho. 2.4 TRATAMENTO DE DADOS Fruto do tipo de problema levantado a linha de pesquisa escolhida é a de realizar uma abordagem fenomenológica, uma vez que esta dá mais ênfase nos procedimentos qualitativos de pesquisa. A partir desta escolha, foram utilizados três métodos de pesquisa distintos para o tratamento dos dados a serem coletados. Inicialmente, foi empregada a análise de conteúdo, que VERGARA (2008) define como sendo, “uma técnica para o tratamento de dados que visa identificar o que está sendo dito a respeito de determinado tema”. Com isso foi realizado uma análise das funções exercidas pelos BRABATT e pelas OAH, no contexto de um desastre natural; posteriormente, uma análise para a relação entre esses dois componentes, nas condições citadas; e por fim, foi feita uma análise pormenorizada dos dados obtidos, procurando levantar os óbices dessa relação e suas possíveis soluções. 27 2.5 LIMITAÇÃO DO MÉTODO A metodologia escolhida para esta pesquisa se apresenta limitada no que diz respeito à coleta e ao tratamento dos dados, uma vez que foi amparada tão somente nas pesquisas bibliográfica e documental, bem como na experiência do autor e de pessoas que possuem conhecimento adequado acerca do emprego conjunto entre os BRABATT 1 e 2 e as OAH. Quanto à coleta de dados, o método foi limitado inicialmente às informações ostensivas disponíveis para consulta em bibliotecas virtuais, sítios da rede mundial de computadores e documentação de domínio público. Demais documentos de caráter reservado ou considerado sensível das três Forças Armadas, do MD e até mesmo de outros países (relatórios, manuais, ordens de operações etc.) não foram citados, a fim de evitar qualquer classificação sigilosa no trabalho. De forma prática e simplificada esta seção apresentou a metodologia utilizada, evidenciando, de forma objetiva e clara, os seus tipos, universo e amostra, formas de coleta e tratamento de dados e, por fim, as limitações dos métodos elencados. Mesmo com limitações, acredita-se que a metodologia escolhida foi acertada uma vez que possibilitou alcançar o objetivo final desta pesquisa. 28 3 A ONU E AS OPERAÇÕES DE PAZ 3.1 ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕS UNIDAS Para cumprir sua destinação, a ONU se organiza por meio de seis órgãos principais: a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Secretariado, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e a Corte Internacional de Justiça. Considerando os objetivos deste trabalho, procurou-se destacar o papel da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança e do Secretariado, por tratar de questões mais afetas às operações de paz. 3.1.1 A Assembleia Geral A Assembleia Geral é o principal órgão deliberativo da Organização das Nações Unidas. Seus Estados-membros (193 países) têm direito a um voto, atendendo o princípio da igualdade nas decisões do organismo. As principais fun6ções da Assembleia são: - Discutir e fazer recomendações sobre todos os assuntos em pauta na ONU; - Discutir questões ligadas a conflitos militares – com exceção daqueles na pauta do Conselho de Segurança; - Discutir formas e meios para melhorar as condições de vida das crianças, dos jovens e das mulheres; - Discutir assuntos ligados ao desenvolvimento sustentável, meio ambiente e direitos humanos; - Decidir as contribuições dos Estados-Membros e como estas contribuições devem ser gastas; - Eleger os novos Secretários-Gerais da Organização. Tendo em vista o grande número e a diversidade de assuntos discutidos, a Assembleia é estruturada em comitês, dos quais pode-se destacar o Comitê Especial para Operações de Manutenção da Paz, destinado a discutir, analisar e elaborar recomendações referentes aos principais aspectos relacionados às operações de paz. 6 Disponível em: http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/como-funciona/. Acessado em 13 de novembro de 2013. 29 3.1.2. O Conselho de Segurança O Conselho de Segurança (CS) é o órgão de maior projeção das Nações Unidas, tendo a responsabilidade primária de manter a paz e a segurança internacional. Constituído por cinco membros permanentes (Estados Unidos da América, França, Inglaterra, Rússia e China), o Conselho tem poder decisório, determinando que todos os membros das Nações Unidas devam acatar e cumprir suas decisões. Cabe ao Órgão estabelecer Mandatos e Resoluções para as operações de manutenção da paz, com base nos capítulos VI, VII e VIII da Carta, conforme aponta DPKO (2008). O Capítulo VI trata da solução pacífica dos conflitos, o Capítulo VII contém as disposições relativas à ação de promoção da paz, ruptura da paz e atos de agressão e o Capítulo VIII prevê a participação de arranjos e agências regionais na manutenção da paz e segurança internacionais. 3.1.3. O Secretariado O Secretariado é o órgão executivo da ONU composto pelo Secretário-Geral e pelo pessoal internacional necessário à condução das atividades administrativas do dia-a-dia da ONU. O Secretário-Geral é indicado pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança, por um período de cinco anos. É o responsável pelo funcionamento da ONU e pode alertar o Conselho de Segurança sobre qualquer problema que julgue estar afetando a paz mundial. Subordinado ao Secretariado existem departamentos e agências que tratam dos diversos assuntos de caráter executivo, permitindo, atualmente, a condução de 16 operações 7de paz em quatro continentes. (LESSA, 2008). Nesse contexto, torna-se essencial a esse trabalho aprofundarmos o nível de conhecimento sobre o Departamento de Operações de Manutenção da Paz (Department of Peace-keeping Operations – DPKO”), sobre o Escritório para Coordenação de Ajuda Humanitária(“Office for the Coordination of Humanitarian 7 Disponível em http://www.un.org/en/peacekeeping/. Acessado em 13 de novembro de 2013. 30 Affairs – OCHA), e o Comitê Permanente Interagências (“Inter-Agency Standing Committtee” – IASC). Todos esses organismos atuam de forma interdependente na relação Civil-Militar no mais alto nível da ONU. 3.1.3.1 Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DPKO) De acordo com os propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, o Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DPKO) é dedicado a ajudar os Estados-Membros e o Secretário-Geral em seus esforços para manter a paz e a segurança internacional. O Departamento planeja, prepara, administra e dirige as operações de paz da ONU para que possam efetivamente cumprir os seus mandatos sob a autoridade do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral. O Departamento constitui um elo essencial entre o Conselho de Segurança e os atores envolvidos diretamente na execução da operação de paz (contingente militar, policiais, partes em litígio, países contribuintes, e organizações civis), conforme descreve ALVES (2009): (...) Dessa forma, a ação cotidiana do binômio DPKO-DFS deve ser entendida como uma série de processos de curto e longo prazos, desdobrados nos níveis político, estratégico, operacional e tático, que fazem parte de um esforço internacional conjunto dentro e fora da área da missão. Uma fotografia panorâmica, demonstrando como esses processos acontecem no terreno, incluiria atividades como: • apoio ao processo político local, ações de governo e assistência eleitoral • operações militares robustas para defesa do mandato e controle de ameaças ao processo de paz; • ações de proteção e segurança (vias, autoridades, instalações, comboios, refugiados); • proteção de civis e defesa de direitos humanos; • desarmamento, desmobilização e reintegração de ex-combatentes; • desminagem e auxílio humanitário a populações carentes; • condução de atividades de segurança e apoio à segurança pública ; • recuperação de instituições da administração pública, jurídicas e penais; • recuperação de infraestruturas e provisão de serviços básicos; 31 3.1.3.2 Escritório para Coordenação de Ajuda Humanitária (OCHA) O OCHA foi criado em 1991, por meio da Resolução 46/182, cujo propósito foi a de aumentar a capacidade de resposta da ONU a emergências e desastres naturais. Um dos principais pilares do mandato deste Órgão é o de coordenar as ações humanitárias executivas em parceria com atores nacionais e internacionais. Além disso, promove a prevenção aos desastres naturais e atua como facilitador de soluções sustentáveis. O Escritório é membro do Comitê Permanente Interagências (“Inter-Agency Standing Committtee” – IASC). (BURNS, 2012). 3.1.3.3 Comitê Permanente Interagências O IASC é o único grupo de tomada de decisão no âmbito do Secretariado que inclui as principais agências da ONU (OCHA, FAO, WFP, UNICEF, UNDP, UNHABITAT, UNHCR E WHO); o Banco Mundial; outras agências de ajuda humanitária, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha; e as ONGs. Sua função principal é integrar de forma coordenada todos os agentes que atuam no ambiente humanitário, incluindo o componente militar. Cabe ressaltar que o IASC é o fórum de coordenação responsável por elaborar as políticas de CIMIC e de Coordenação CivilMilitar (CMCoord8) no âmbito das Nações Unidas. Este Comitê é liderado por um Subsecretário Geral, que também é o Coordenador de Operações Emergenciais - Emergency Relief Coordinator (ERC). O Secretário Geral da ONU destacou9 a importância do IASC, durante o lançamento das comemorações do primeiro Dia Mundial Humanitário, em 19 de agosto de 2009: (…) Um ator-chave na coordenação desta assistência é o Comité InterAgency Standing (IASC), que reúne todas as principais agências humanitárias, dentro e fora do sistema das Nações Unidas. Presidido pelo Coordenador de Operações Emergenciais, desenvolve políticas, coordena a divisão de responsabilidades entre as agências humanitárias, e trabalha para 8 CM Coord é um conceito operacional desenvolvido pela comunidade humanitária para reger a sua relação de trabalho com os atores militares. 9 Disponível em http://www.un.org/en/globalissues/humanitarian/, acessado em 20 de janeiro de 2014 32 tornar o processo o mais eficiente possível. Sua abordagem cluster4 para a divisão de responsabilidades em face de desastre, revolucionou a prestação de ajuda humanitária. 3.2 AS OPERAÇÕES DE PAZ SOB ÉGIDE DAS NAÇÕES UNIDAS Considerando que a Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral não definem claramente o conceito de operação de paz, a literatura disponível aponta uma classificação baseada na “Agenda para a Paz”, apresentada pelo Secretário-Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, em 17 de Junho de 1992; e pelo “Suplemento de Uma Agenda para a Paz”, de 3 de Janeiro de 1995. (NEVES, 2009). 3.2.1 Diplomacia Preventiva A Diplomacia Preventiva (Preventive Diplomacy) consiste nas medidas destinadas a evitar o surgimento ou o acirramento das controvérsias entre duas ou mais partes, englobando a consolidação da confiança, por intermédio do intercâmbio de missões diplomáticas e militares. Um dos exemplos de diplomacia preventiva foi a Missão de Paz da ONU na Macedônia (UNPREDEP) em 1995-1999, considerada a primeira ação preventiva da ONU. 3.2.2 Estabelecimento da Paz O Estabelecimento da Paz – peacemaking são ações diplomáticas empreendidas após o início do conflito que visam a negociação entre as partes para a suspensão das hostilidades. De acordo com o BRASIL (1998): o Capítulo VI da Carta da ONU inclui como medidas a serem adotadas para o “estabelecimento da paz”, entre outras, as seguintes: (a) recurso à Corte Internacional de Justiça, eficaz quando todos os envolvidos acatam as deliberações e a competência do Organismo, sem reservas; (b) mediação ou negociação por intermédio de autoridades designadas pelo CS, pela Assembléia-Geral ou pelo Secretário-Geral; 33 (c) prestação de assistência às partes em conflito, ou a grupos hostis, de modo a minorar as circunstâncias que contribuíram para o surgimento da controvérsia ou do conflito. 3.2.3 Manutenção da Paz Operação de Manutenção da Paz (peacekeeping) são ações multidimensionais empreendidas por militares, policiais e civis com o objetivo de manter a paz ou de incentivar a solução pacífica dos conflitos existentes. Tem como princípios básicos: o consentimento das partes, a imparcialidade, o uso mínimo da força limitado à autodefesa, e o caráter voluntário de participação dos Estados-Membros. Segundo DPKO (2008), as Operações de paz das Nações Unidas têm sido tradicionalmente associados com o Capítulo VI da Carta. No entanto, “o Conselho de Segurança não precisa se referir a um capítulo específico da Carta ao deliberar um Mandato que autoriza a implantação de uma operação de manutenção da paz das Nações Unidas”. O Manual formulado pelo DPKO estabelece ainda que a vinculação da operação de manutenção da paz com um determinado capítulo da Carta pode ser enganosa para efeitos de planejamento, treinamento e execução. Conceitualmente o CS da ONU avalia a natureza de cada operação de manutenção da paz e as capacidades necessárias para apoiá-la. Dessa forma, o Mandato e as Resoluções poderão dar o embasamento realista para a formulação dos Procedimentos Operacionais (“Standart Operating Procedure” – SOP), das regras de engajamento (“Rules of Engangement” – ROE) para o componente militar, bem como as diretivas sobre o uso da força para o componente policial. BRASIL (1998) aponta uma condição fundamental para o sucesso de uma operação de manutenção da paz: O sucesso de uma “peace-keeping operation” também demanda a elaboração de um Mandato claro e pragmático que defina objetivos explícitos e realistas, de tal forma que a operação e o seu indispensável apoio político e material seja orientado para fins consensualmente reconhecidos e acordados. 34 3.2.4 Consolidação da Paz Consolidação da Paz consiste de ações pós-conflito, destinadas a afirmar a paz e evitar o ressurgimento de controvérsias. Este modelo de operação pode ser encontrado atualmente no Timor Leste por meio da Missão Integrada das Nações Unidas no Timor-Leste (UNMIT), criada em 2006. Este processo assinala uma nova fase do desenvolvimento da PNTL (Polícia Nacional de Timor-Leste), o início da fase de reconstituição, durante a qual a polícia da UNMIT se concentrará principalmente num maior reforço institucional e no reforço de capacidades da PNTL", (Ameerah Haq)10, 3.2.5 Imposição da Paz Imposição da paz são operações militares (ações de combate) em apoio aos esforços diplomáticos para restaurar a paz entre os beligerantes que não admitem a intervenção das Forças de Operações de Paz. Seu principal objetivo é o estabelecimento de um cessar fogo entre as partes em conflito. 3.2.6 Proteção de Operações Humanitárias A Proteção de Operações Humanitária consiste no emprego de Forças de Operações de Paz com a finalidade de assegurar um ambiente seguro para os atores humanitários levarem a ajuda necessária a população vítima da violência do conflito ou impactada por situações emergenciais como os desastres naturais. Este tipo de operação poderá ser desencadeada tanto num quadro de “imposição da paz” quanto de “manutenção da paz”. 10 Palavras de Ameerah Haq, Representante Especial do Secretário-Geral, ao Conselho de Segurança. Disponível em http://www.unric.org/pt/actualidade/30612-consolidacao-da-paz-e-desenvolvimentoprosseguem-em-timor-leste-diz-enviada-da-onu, acessado em 16 de janeiro de 2014 35 3.2.7 Sanções São medidas repressivas de caráter político- econômico que não envolvem o uso de força armada, com o objetivo de pressionar a(s) parte(s) para resolução do conflito, antes do emprego da força. (C 95-1, 1998) 3.2.8 Desarmamento O Desarmamento normalmente inclui uma sanção de embargo de armas. Pode também ser desencadeado durante ou após uma ação de imposição da paz. 3.3 CONCLUSÃO PARCIAL As operações de paz conduzidas pela ONU cada vez mais exigem a integração de capacidades no intuito de promover um ambiente estável para a retomada do desenvolvimento daqueles países ou regiões afetadas por conflitos de diferentes naturezas. Nesse sentido, o Secretariado das Nações Unidas, como órgão executivo de mais alto nível, desenvolve um importante papel na convergência das competências de seus departamentos e agências, procurando gerar capacidades que possam atender as demandas das operações de paz multidimensionais, que atuam desde o auxílio aos órgãos governamentais até a condução de operações militares de alta complexidade. No amplo espectro dessas operações, em que atores militares e civis possuem uma forte interdependência no cumprimento de suas tarefas, o Comitê Permanente Interagências (IASC) estabelece políticas que orientam a relação entre as FOMP e as OAH. Portanto, as atividades CIMIC conduzidas pelas Unidades militares a serviço da ONU devem obedecer critérios estabelecidos por autoridades civis de vocação humanitária, considerando que o IASC é liderado pelo Subsecretário Geral da ONU, também Coordenador de Operações Emergenciais. 36 4 A COOPERAÇÃO CIVIL-MILITAR, SUAS APLICAÇÕES E FINALIDADES 4.1 ANTECEDENTES DA CIMIC EM OPERAÇÕES DE PAZ A proliferação dos conflitos armados, após a Guerra Fria obrigou a ONU e demais organismos de segurança a conduzirem operações de paz com o intuito de promover um ambiente menos instável. Entretanto, a abordagem classificada como operações de paz de primeira geração não apresentava resultados satisfatórios, principalmente para a comunidade internacional. Segundo RATNER (1995), a Manutenção da Paz rapidamente evoluiu de um papel limitado de dissuasão simbólica, encarregada principalmente de monitorar um cessar-fogo existente, para um papel ativo que envolveu em profundidade as estruturas existentes no ambiente das operações de paz. Nessa reengenharia, verificou-se que a resolução de problemas subjacentes ao conflito armado impactava positivamente a sustentabilidade do processo de paz. Sendo assim, os diversos componentes das operações de paz foram levados a buscar soluções políticas para os impasses, apoiar governos de transição, fornecer ajuda econômica para os países pós-conflito, e principalmente, assumir a responsabilidade pela assistência humanitária durante o período de transição (FONTOURA, 1999). As Nações Unidas começaram a reconhecer a responsabilidade de não só proteger o Estado, mas também os cidadãos do Estado vitimados pelo conflito. Forças de Operações de Paz da ONU perceberam que o fornecimento de alívio adequado para os refugiados e pessoas deslocadas era um componente indispensável para processo de paz. A nova abordagem das operações foi testada na Força de Proteção das Nações Unidas (FORPRONU), que teve como objetivo proteger as populações civis atingidas pela dissolução violenta da Iugoslávia. Neste cenário, as Forças de Operações de Paz atuaram com Agências da ONU, Organizações de Assistência Humanitária, tropas da OTAN, entre outros organismos. Apesar de não obter o efeito multiplicador esperado, devido a precária estrutura de coordenação, o novo modelo se mostrou bastante eficaz devido o estabelecimento de um ambiente seguro, que proporcionou uma fase de transição política para os países daquela região. 37 Segundo FRANKE (2006), ao nível do processo de construção da paz, a coexistência de atores militares e civis não-governamentais que prestam ajuda humanitária em cenários onde recentemente existiram conflitos, poderá observar-se um constante dilema que resulta da distância existente entre estes dois tipos de atores e que foi diminuindo consideravelmente durante as missões no Teatro de Operações dos Balcãs. O período que se segue, especificamente os anos de 1999 a 2001 é marcado pelo estudo e surgimento de novas doutrinas, no que se refere aos Assuntos Civis e à CIMIC. Em 1999, verifica-se o surgimento de um novo conceito no seio da Aliança Atlântica, baseado na experiência que as forças armadas dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) obtiveram em diversos teatros de operações, confirmando-se que a conjugação das forças militares com o ambiente civil tem uma grande importância no sucesso das operações militares. Como consequência, a doutrina CIMIC no âmbito da ONU passou a sofrer uma série de mudanças como aponta o DPKO (2008): As experiências colhidas com aquele conflito, aliado ao conhecimento acerca de CIMIC, desenvolvidos principalmente pelos países da OTAN, levaram o Departamento a elaborar uma política própria, cujo objetivo foi a promoção da paz duradoura. 4.2 O EMPREGO DA CIMIC EM OPERAÇÕES MILITARES No campo militar, a CIMIC é considerada uma função de apoio ao combate, enquadrando as atividades que contribuem para o cumprimento da missão principal da unidade a que pertencem. Nesse sentido, o USA (2013) definiu as operações civis-militares da seguinte forma: Operações civis-militares (CMO) são as atividades de um comandante realizada por agentes de assuntos civis designados ou outras forças militares que estabelecem, mantém influência ou exploram as relações entre as forças militares, as populações locais e as instituições, apoiando diretamente a realização de objetivos no contexto do restabelecimento ou manutenção da estabilidade dentro de uma região ou país anfitrião. Nos níveis estratégico, operacional e tático da guerra, e durante todas as operações militares, as CMO são essenciais para o instrumento militar, a fim 38 de coordenar a integração dos componentes militares e não militares do poder nacional, particularmente no apoio de estabilidade, de contrainsurgência e outras operações que envolvem ameaças assimétricas e irregulares. Deve-se considerar que a doutrina de defesa dos EUA considera a relação civilmilitar no nível político, estratégico e tático como um instrumento para influenciar o ambiente civil em apoio as Forças Armadas. Dessa forma, as Operações CivisMilitares (CMO) englobam a CIMIC sem desqualificar sua definição, uma vez que as tarefas de CIMIC se enquadram dentro das atribuições das CMO. Por outro lado, NATO (2003) define CIMIC como a coordenação e cooperação em proveito da missão, realizada entre o comandante de uma força da OTAN e os atores civis, incluindo a população nacional e as autoridades locais, bem como, organizações nacionais e internacionais não governamentais e agências. Segundo FRANKE (2006), as ações CIMIC desenvolvidas diretamente por militares junto as populações locais são em regra definidas de forma aleatória, com base na observação pontual que decorre dos reconhecimentos nas áreas de responsabilidade. “É importante ter presente que as atividades desenvolvidas neste âmbito são de apoio à missão militar e não constituem ações de ajuda humanitária propriamente dita”. Com base no conceito apresentado para NATO (2003, citado por FREITAS 2008), a finalidade da CIMIC está diretamente ligada com objetivo final da missão, ou seja, a CIMIC “deverá contribuir para criar e manter as condições que possibilitem atingir o estado final desejado para a operação”. A longo prazo, a ação militar em coordenação ou cooperação com atores civis deve contribuir para serem atingidos os objetivos da política nacional. 4.3 O EMPREGO DA CIMIC NO EXÉRCITO BRASILEIRO O Exército Brasileiro realiza atividades civis-militares com o intuito de apoiar suas operações desde a fase do Império. A estratégia de conquistar “corações e mentes” foi amplamente utilizada por Caxias nas campanhas internas do Período Regencial, com destaque para a Balaiada (1838 a 1840) e a Revolução Farroupilha 39 (1840 a 1845), que foram extintas e estabilizadas contando com amplo apoio da população. Durante a Primeira República (1889 a 1930), verifica-se que as ações militares isoladas que não contaram com o apoio de organizações civis, notadamente aquelas de assistência social, proporcionaram um elevado desgaste das tropas regulares nas campanhas de Canudos (1896 a 1897) e do Contestado (1912 a 1916). Dessa forma, o componente militar foi levado a ampliar suas atribuições no campo de batalha, por meio do emprego de elementos civis como elo de ligação com a população ou exercendo funções tipicamente não militares, como a prestação de assistência médica, distribuição de alimentos, construção de vilas, entre outras. Nas operações contra movimentos insurgentes ocorridas na região Sul do Pará, no período compreendido entre os anos de 1972 e 1974, as Ações Cívico Sociais11 (ACISO) foram empregadas na terceira e última fase da campanha. O seu resultado foi significativo para a mudança de atitude daquela população, que passou a dar mais apoio as ações do Exército. Nesse sentido, desde o início da década de 1990, a Força Terrestre tem aumentado sua participação em operações de Garantia da Lei e da Ordem, principalmente em apoio aos Órgãos de Segurança Pública (OSP), que apresentam dificuldades em manter o policiamento ostensivo, a ordem pública e a repressão aos ilícitos. Tal condição vem determinando o emprego frequente de tropas em missões subsidiárias, contribuindo para a formulação de doutrina específica para operações desta natureza. Neste cenário, a CIMIC ganhou um papel mais relevante, principalmente por estabelecer uma interface essencial entre o comandante da Força militar em presença, os OSP e as agências civis que atuam em sua área de responsabilidade. A Doutrina Militar Terrestre descreve os objetivos da relação civil militar por meio do conceito de Assuntos Civis, que deve ser desenvolvida em proveito da missão. Nesse recorte, BRASIL (1997) descreve: 11 Conjunto de atividades de caráter temporário, episódico ou programado de assistência e auxílio às comunidades, promovendo o espírito cívico e comunitário dos cidadãos, no país ou no exterior, desenvolvidas pelas organizações militares das forças armadas, nos diversos níveis de comando, com o aproveitamento dos recursos em pessoal, material e técnicas disponíveis, para resolver problemas imediatos e prementes. Além da natureza assistencial, também se insere como assunto civil e colabora nas operações psicológicas. BRASIL (2008). 40 (...) O comandante emprega as operações de assuntos civis para obter a cooperação e o apoio essenciais dos civis, ou para reduzir sua interferência no cumprimento da missão. Tais operações envolvem as relações entre as forças militares e as autoridades civis e a população do país ou da área em que as forças são empregadas. Deve-se considerar que apesar da sua importância no contexto atual, a atividade de CIMIC não possui uma doutrina própria como aponta CORRÊA NETO (2013): O Exército Brasileiro, até o presente momento ainda não definiu exatamente a relação entre Assuntos Civis e CIMIC e tampouco possui uma doutrina estabelecida para emprego dessas ferramentas em operações, sejam elas Operações Militares de Guerra ou de Não-Guerra. 4.4 ESTRUTURA HUMANITÁRIA ORGANIZACIONAL DOS AGENTES DE ASSISTÊNCIA Conceitualmente as Organizações de Assistência Humanitária pertencem as Organizações Internacionais (OI), que incluem as agências da ONU e as organizações não-governamentais internacionais, regionais ou locais (ONGs). Nesse contexto, as OI interagem efetivamente com os órgãos do governo local, procurando facilitar as ações de ajuda humanitária no nível político. Por outro lado, as ONGs possuem uma grande penetração na sociedade local, normalmente facilitada pela presença de nativos daquela região em seus quadros de colaboradores. A estrutura organizacional da maioria das ONGs é horizontal e possui fluidez com base na abordagem consensual. A autoridade para tomada de decisão é delegada ao grupo e não a pessoa. Este modelo cooperativo e colaborativo pressupõem uma gestão informal e uma elevada capacidade de se ajustar rapidamente as mudanças advindas das novas demandas do grupo social. RUBINSTEIN (2003, citado por Franke 2006) chamou de " camaradagem de comando”, diferentemente de “unidade de comando” o conjunto de ações tomadas por agências humanitárias, que muitas vezes operam com objetivos diferenciados. Segundo FRANKE (2006), por causa de sua compreensão da realidade no terreno, representantes de ONGs são capazes de “chegar a todo os seus homólogos 41 de outros órgãos em uma eficiente rede de funcionários e recursos locais, a fim de construir e manter uma infraestrutura sustentável, com grandes chances de amenizar o sofrimento e colaborar com o processo de paz. Buscando ampliar o efeito de suas ações, os agentes humanitários, via de regra, precisam negociar com grupos hostis para obter o acesso necessário a todas populações em estado de emergência. Com este propósito, ONU (2003) torna claro o seguinte: (...) pode ser taticamente importante para o pessoal humanitário manter um diálogo estreito com uma facção em detrimento de outra para garantir o acesso aos civis sob seu controle. Estrategicamente , em locais de conflito ativo ou onde o acesso é contestado, é fundamental para os agentes humanitários negociarem com grupos radicais, a fim de alcançarem as populações atingidas. Tal ação não fere a Resolução do CS. Não menos importante, os agentes humanitários e em particular as ONGs necessitam manter um elevado nível de transparência em suas ações, considerando que sua atuação depende efetivamente da captação de recursos baseado em resultados humanitários. 4.5 ORGANIZAÇÃO DAS FORÇAS MILITARES A estrutura de comando nas Forças Armadas é centralizada e se desenvolve hierarquicamente de cima para baixo. A cadeia de comando é normalmente estruturada para promover a tomada de decisão de forma rápida e eficiente. As decisões são emitidas por meio de ordens, que incluem prazos e detalhamentos orientando toda a estrutura operacional. O método militar procura facilitar a aplicação das diretrizes do comandante da força, oferecendo pouca flexibilidade aos escalões subordinados para alterar a missão recebida. Nesse contexto, tradicionalmente o militar é preparado para cumprir missões de interesse político nacional, cuja finalidade é a de alcançar os objetivos governamentais através do uso da força. Como tal, a ação militar é sempre de natureza política. 42 RUBINSTEIN (2003, citado por FRANKE 2006) conceitua que as missões militares são legitimadas por meio do processo político, preferencialmente à luz do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) e de amplo apoio internacional. Do ponto de vista cultural, mesmo sob a égide das Nações Unidas, forças militares procuram legitimar seu emprego por meio de um arcabouço de normas que se desdobram do CS até o Chefe Militar da missão. Essa estrutura verticalizada e hierarquizada exige um posicionamento de equilíbrio, não oferecendo espaço para tratar casos específicos com critérios particulares. Nesse recorte, ONU (2003) torna claro o seguinte: (...) imparcialidade pode significar que todas as partes em um conflito são tratados da mesma forma com base no direito internacional e nas resoluções do Conselho de Segurança e que as sanções podem ser impostas ou ação de execução tomada contra transgressores. Para o pessoal humanitário , no entanto , a imparcialidade significa que a assistência e a proteção salva-vidas de emergência deve ser fornecida à população civil necessitada, independente da política. Em relação a disponibilidade de meios, deve-se considerar que a estrutura militar é concebida para mobilizar recursos maciços, garantindo a implementação de ações diferenciadas, em diversos locais e de maneira contínua. Esta capacidade singular garante um efetivo estado de presença, agregando notável valor às Forças Armadas. Como característica da estrutura militar, ressalta-se ainda que a transparência é obviamente limitada por interesses de segurança nacional. Dessa forma, os acontecimentos envolvendo o componente militar tendem a ser pouco divulgados, existindo baixo compartilhamento de informações. Para exemplificar, MINEAR (2000, citado por FRANKE 2006) descreveu que durante as operações de paz no Kosovo, tropas da Arábia Saudita desdobraram um hospital de campanha com a finalidade de atender a população local. Entretanto, os dados epidemiológicos não foram compartilhados com agentes humanitários de saúde, uma vez que os militares entenderam que aquelas informações poderiam fragilizar sua estrutura de segurança. 43 4.6 CONCLUSÃO PARCIAL Conceitualmente, a finalidade da relação Civil-Militar no âmbito das Forças Armadas ao redor do mundo visa facilitar suas operações e, consequentemente, a conquista dos seus objetivos. Por outro lado, para as FOMP da ONU essa mesma relação deve buscar a integração necessária para se atingir o objetivo de promoção da paz, estabelecido pelo Mandato do Conselho de Segurança. Sendo assim, as operações de paz conduzidas pelas Nações Unidas exigem uma mudança de atitude dos seus componentes militares, normalmente preparados e instruídos, no âmbito dos seus países, para exercerem funções protagonistas em um quadro de conflito. Essa necessidade de transformação se deve ao caráter multidimensional das operações de paz, em que a resolução de questões adjacentes ao conflito, como educação; proteção à criança; segurança alimentar; habitação; entre outras ações humanitárias, se fazem mais eficazes que o simples emprego militar no intuito de mitigar a violência. Neste novo cenário operativo, as Organizações Internacionais, com destaque para as ONGs possuem um relevante papel junto as populações atingidas, tendo em vista sua notável proximidade com o componente humano. De forma complementar, as FOMP exercem funções transversais aos segmentos da atividade humanitária, garantindo um ambiente estável para que os agentes civis possam cumprir o seu papel. 44 5 A ESTRUTURA DE CIMIC NA MINUSTAH E O APOIO HUMANITÁRIO EM RESPOSTA AOS EFEITOS DO TERREMOTO DE 2010 5.1 ORGANIZAÇÃO DA MINUSTAH A aprovação, por unanimidade, pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), da Resolução de nº 154212, de 30 de abril de 2004, estabeleceu a Operação de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH) por um período inicial de 6 (seis) meses, com a previsão de renovação por períodos adicionais. Segundo a resolução, o objetivo do seu mandato prevê o seguinte: - (...) Apoiar o processo constitucional e político em andamento no Haiti e manter um ambiente seguro e estável; - Dar assistência ao Governo de Transição no monitoramento e reforma da Polícia Nacional Haitiana consistente com os padrões democráticos de policiamento; - Dar assistência à Polícia Nacional Haitiana com um Programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) abrangente e sustentável para todos os grupos armados; - Prover apoio à realização de eleições municipais, parlamentares e presidenciais; - Promover e proteger os direitos humanos. A missão será multidimensional e ajudará o Haiti a cuidar de uma variedade complexa de questões de forma sustentável, alcançar a paz e a estabilidade, formar e fortalecer as instituições democráticas de funcionamento, apoiar o restabelecimento do estado de direito; e promover o desenvolvimento social e econômico assim como boa governança. A Missão realizará estas atividades em estrita cooperação e coordenação com as autoridades haitianas nos níveis nacional, regional e local, bem como com os atores da sociedade civil e a população como um todo. Para atender os propósitos estipulados pelo CS, a MINUSTAH vem adotando uma estrutura organizacional que abrange uma série de órgãos integrados nos níveis estratégico, operacional e tático (figuras 1 e 2). 12 NACIONES UNIDAS (2004). 45 No primeiro nível, estabelecendo a ligação direta com o Secretário Geral da ONU, com a comunidade internacional e com as autoridades políticas locais encontrase o Representante Especial do Secretário Geral (SRSG) com seu respectivo corpo de assessoramento. Posteriormente, no nível operacional, estão situados o Force Commander, o Principal deputy do SRSG e o deputy do SRSG e no último nível desta classificação encontram-se os órgãos executivos vinculados àquelas lideranças operacionais da missão. Figura 1 – Níveis de autoridade, Comando e Controle em Operações de Manutenção da Paz. Fonte: DPKO (2012) 5.1.1 Componente Militar A Organização da Força Militar da MINUSTAH, a semelhança das outras estruturas militares verticalizadas, se constitui do Force Commander (FC), do Deputy do FC, de um Estado-Maior e das Unidades de Força de Paz, que podem ser os Batalhões e Companhias de Infantaria de Força de Paz ou as unidades de apoio às operações de paz. Nesse contexto, o componente militar antes do terremoto de 2010 compreendia um efetivo de aproximadamente sete mil homens, divididos em nove Unidades de Infantaria de Força de Paz, duas Companhias de Engenharia, duas Unidades de 46 Aviação (helicópteros), um Hospital de Campanha, uma Companhia de Polícia Militar e uma Companhia de Apoio ao Comando do HQ (figura 3). Verifica-se que essa estrutura possui um amplo desdobramento de unidades operativas, exigindo um sistema de comando e controle (C2) capaz de facilitar a tomada de decisões e a emissão de ordens em todos os níveis. Nesse sentido, vale ressaltar que várias unidades se localizam fora da capital Porto Príncipe, sendo afetadas diretamente pela precária infraestrutura de comunicações e de transporte existentes no País. Em relação a CIMIC, deve-se considerar que todas as unidades de Forças de Paz precisam atuar de forma integrada com diferentes agentes civis, exigindo uma interface que facilite a relação da unidade com os atores não militares. Figura 2 - Organograma Original da MINUSTAH . Fonte: Lessa (2007) 5.1.1.1 Estado-Maior da Força Militar da MINUSTAH A função do Estado-Maior da Força Miltar da MINUSTAH – Force Head Quarter (FHQ) é o apoio ao comando e controle das missões de operações de paz em proveito da implementação do mandato. Segundo UN (2012), independente da natureza da 47 operação de paz, todas FHQ possuem grupos funcionais comuns, a fim de atender sua finalidade. Sendo assim, a FHQ da MINUSTAH se organiza por meio de nove seções de Estado-Maior, coordenados pelo Chefe do Estado-Maior- Chief of Staff (COS). A principal interface com as organizações civis se dá por meio da seção U-9, responsável pelas atividades CIMIC no âmbito das agências que operam sob a coordenação da Missão. UN (2010) estabelece os propósitos desta seção de EstadoMaior: A função integrada de um FHQ que lida com a interação entre os agentes civis e militares, incluindo as populações locais, deve ser intitulada "UN CIMIC". A estrutura de pessoal de UN-CIMIC fornece o principal portal para o componente militar em ajuda humanitária e atores de desenvolvimento, bem como a população civil local. A estrutura de UN-CIMIC também pode constituir um elo chave para os agentes civis de uma missão integrada. Ele aumenta, mas não substitui as estruturas de interação de civis e militares estabelecidas funcionalmente, por exemplo: agentes de inteligência, coordenação de planos, operações atuais e funções de logística. Outro significativo canal de relacionamento com os atores civis que impacta diretamente as missões do componente militar é o Centro de Operações ConjuntasJoint Operation Tasking Centre (JOTC), que funciona sob a coordenação do Chefe dos Staffs da MINUSTAH. Esta célula de coordenação integra os diversos agentes que operam na construção da paz, procurando viabilizar a atuação das OI, notadamente as ONGs. Segundo OCHA (2011): JOTC é uma plataforma de coordenação civil-militar que garante o emprego mais eficiente e coordenado entre militares, policiais e demais atores da missão, permitindo uma eficaz troca de informações entre os atores humanitários, militares e policiais. O JOTC funciona frequentemente, tendo como participantes o componente militar da MINUSTAH, particularmente o U9-CIMIC, U3-Operações e U4Logística, o Centro de Apoio à Missão MINUSTAH (MSC), o Componente Policial da MINUSTAH, a célula integrada de Análise da Missão (JMAC), bem como agentes de ligação do OCHA, da WFP e demais agências da ONU no País. Organizações solicitantes também podem assistir às reuniões. 48 As decisões tomadas naquele centro que envolvam a participação das FOMP são processadas pelo Estado-Maior e transformadas em ordens para os elementos subordinados. Figura 3 - Organograma da Força Militar da MINUSTAH Fonte: Lessa (2007) 5.1.1.2 Batalhões de Infantaria de Força de Paz A principal função do componente militar na operação de manutenção da paz é fornecer um ambiente seguro para que outros elementos do processo de paz possam implementar suas ações, incluindo o monitoramento dos direitos humanos, a reconciliação nacional e o desenvolvimento do país beneficiado. Nesse contexto, DPKO (2012) destaca que o papel principal de um Batalhão de Infantaria da ONU é restaurar e manter um ambiente estável e seguro dentro de sua Área de Responsabilidade (AOR), conforme a missão precípua contida nas Ordens de Operações (OPORD). A delimitação dessa AOR deve considerar as capacidades e limitações da unidade em relação às ameaças existentes no espaço geográfico a ser pacificado. Os meios (pessoal e material) a disposição de um BIFPaz devem ser suficientes para 49 atender os requisitos operacionais necessários a implementação de um ambiente seguro e estável. Nesse sentido, DPKO (2012) clarifica os oito requisitos mínimos, na ordem de prioridade, para o BI FPaz implementar o mandato de promoção da paz: 5.1.1.2.1 Comando, Controle e Comunicações (C3) a) Exercer o comando e controle efetivo de todos os elementos subordinados, utilizando equipamentos convencionais adaptados ao ambiente de paz, que ofereçam confiabilidade e agilidade; b) Estabelecer canais claros de comando e controle com atribuições de responsabilidades; c) Manter o controle efetivo das operações em curso, em conformidade com os planos, diretrizes e políticas; d) Capacidade de operar sob quaisquer condições meteorológicas 24h por dia, 7 dias por semana. 5.1.1.2.2 Poder de fogo a) Ter armas orgânicas para proteger, intimidar, dominar, ou atenuar ameaças prováveis em sua AOR de forma letal ou não letal; b) Auto-suficiência em armas de apoio, a fim de proteger as Bases permanentes ou temporárias, sendo capaz de empregá-las em plataformas móveis; c) Flexibilidade no apoio de fogo, para fazer face aos diferentes níveis de ameaça; 5.1.1.2.3 Mobilidade a) Garantir a livre circulação dentro da AOR, tendo a capacidade permanente de transportar pessoal da ONU e elementos civis a serviço da paz; b) Realizar deslocamentos táticos e não-táticos, a fim de posicionar a força militar de forma oportuna, empregando meios aquáticos, motorizados ou mecanizados; 50 c) Realizar operações móveis proativas para controlar a AOR, mantendo uma presença visível nas áreas que apresentam ameaças potenciais, fortalecendo a confiança com a população local por meio da redução do nível de violência; d) Manter um permanente nível de mobilidade, a fim de garantir uma resposta rápida no desdobramento de forças de reação. 5.1.1.2.4 Proteção da Força a) Prover meios de proteção individual e coletiva para todos os elementos da Missão na respectiva AOR. b) Estabelecer medidas de proteção por meio da combinação efetiva da análise de risco, segurança física, ações táticas e medidas sanitárias preventivas. c) Sensibilização de todo o pessoal da missão para adotar as medidas de proteção necessárias, a fim de evitar os efeitos colaterais decorrentes do ambiente operativo 5.1.1.2.5 Informações táticas a) Capacidade de adquirir, processar, analisar e passar informações táticas com oportunidade para os diversos canais dedicados a essa função. b) Manter a consciência situacional permanente acerca do planejamento e da execução das tarefas de manutenção da paz, da proteção da força e da proteção dos civis c) Integrar e otimizar recursos tecnológicos para ganhar vantagem tática e operacional, a fim de apoiar a tomada de decisão com oportunidade e coerência com os objetivos da missão. 5.1.1.2.6 Sustentação a) Ter capacidade logística autossuficiente e independente para sua permanência na AOR; 51 b) Manter a operacionalidade da unidade por meio de um eficiente sistema logístico que permita receber, armazenar e distribuir as diversas classes de suprimento. 5.1.1.2.7 Interoperabilidade a) Operar com eficiência e eficácia, em um contexto multinacional inserido num ambiente interagências. b) Possuir sistemas de C3 compatíveis com os demais atores da Missão. c) Possuir expertise em habilidades linguísticas com a população local e com os demais atores da missão. d) Enquadrar-se aos Procedimentos Operacionais Padronizados – Standard Operating Procedure (SOP), buscando promover uma visão compartilhada do ambiente. 5.1.1.2.8 Interação com o meio civil a) Implementar um engajamento com a população local, incluindo grupos de mulheres e outros atores da sociedade civil, por meio de uma estruturante atividade CIMIC. Essa aproximação com a população se faz através da promoção de atividades que garantam o bem-estar social e o desenvolvimento local com Projetos de Rápido Impacto – Quick Impact Project - (QIP). Se requisitado pelo Coordenador Humanitário Humanitarian Coordinator (HC), apoiar as operações de ajuda humanitária. b) Prover uma efetiva liderança por meio dos comandantes e dos oficiais de ligação, coordenando ações com outros elementos civis enquadrados pela missão, como as agências da ONU, agentes do governo local, as ONGs e demais agentes humanitários. c) Estabelecer ligação com os conselheiros de questões de gêneros da missão, a fim de fortalecer a proteção às mulheres e as crianças, buscando o apoio desse importante segmento social. 52 5.1.2 Componente Humanitário O Componente Humanitário da MINUSTAH é constituído de um sistema integrado que inclui as organizações da Missão, as agências de desenvolvimento e as agências humanitárias. O Representante Especial do Secretário-Geral (SRSG) supervisiona o sistema das Nações Unidas no Haiti. Entretanto, ele é apoiado pelo seu Deputy (DSRSG), que é o Coordenador Humanitário (HC). Entre outras atribuições, o HC supervisiona as seguintes seções da MINUSTAH: - Assuntos civis; - Redução de violência comunitária; - Coordenação de ajuda humanitária e desenvolvimento; - HIV-AIDS; - Igualdade de gênero; e - Proteção da criança Além da supervisão das estruturas executivas da Missão, o HC também preside a Comunidade Humanitária no País Residente - Humanitarian Country Team (HCT). Esta equipe é composta por agências das Nações Unidas com um mandato humanitário e as principais organizações humanitárias não-governamentais que atuam no Haiti. Para essa função, o HC é apoiado pelo gabinete para a coordenação de assuntos humanitários do OCHA. 5.1.2.1 Atuação do OCHA no Haiti Como um elemento de catalisação das ações humanitária no âmbito da MINUSTAH, o OCHA opera em quatro áreas: - Na promoção do diálogo e na construção de consenso entre os diferentes parceiros humanitários sobre questões normativas afetas a coordenação humanitária; - Na expansão do potencial humanitário desenvolvido pelo HC; - Na melhoria da capacidade de liderança do HC em relação aos atores humanitários; e - Na promoção de medidas que tornem as ações humanitárias efetivas. 53 Para atender suas atribuições mandatárias, o OCHA procura facilitar os trabalhos dos diferentes atores humanitários, em especial as ONGs que atuam diretamente com as populações afetadas. Dessa forma, são estabelecidos critérios para todos agentes humanitários solicitarem apoio a MINUSTAH, principalmente aqueles que envolvam o componente militar. (OCHA, 2011). Cabe ao Escritório Humanitário, por meio do HCT exercer o papel de intermediador das OI, a fim de filtrar suas necessidades, procurando compatibilizá-las com as capacidades dos demais componentes da missão. Nesse contexto, o JOTC tem exercido um importante papel, por ser um fórum de diálogos em que o componente militar e o componente humanitário podem estabelecer seus enlaces funcionais. 5.1.2.2 Abordagem cluster Tendo em vista a grande quantidade de agentes humanitários presentes no País, principalmente pela grande dimensão dos efeitos do terremoto, o trabalho desenvolvido pelo HCT na MINUSTAH, tem procurado organizar células funcionais, a fim de racionalizar o esforço humanitário da missão. Esse modelo, conhecido como abordagem cluster se baseia em segmentos de atividades humanitárias lideradas por agências da ONU presentes no Haiti. Os clusters mais apoiados pelo componente militar foram a Organização Internacional para Migração – International Organization for Migration (IOM), que gerenciava os campos de deslocados - Internally Displaced Person (IDP); a UNICEF que liderava questões afetas a educação e proteção de crianças; a Cruz Vermelha (IFRC) que tratava de questões ligadas a saúde e abrigo; e a WFP que gerenciava o apoio humanitário ligado a alimentação e logística. Cada cluster reunia todos os agentes humanitários, incluindo as ONGs, a fim de tratar questões afetas a execução da ajuda e as possíveis necessidades advindas dos seus respectivos planejamentos. De acordo com OCHA (2011), O coordenador de cluster fornece orientação e trabalha em nome do cluster como um todo, facilitando todas as atividades do cluster para desenvolver e 54 manter uma visão estratégica com planos de respostas operacionais. Ele também assegura a coordenação com outros clusters em relação a temas transversais e em conformidade com os princípios de parceria. A Coordenação do cluster deve atender as responsabilidades nacionais considerando as demais lideranças. 5.1.3 Estrutura de Coordenação Humanitária em Caso de Desastres Naturais A elevada demanda humanitária proveniente dos efeitos de um desastre natural levou a Comunidade Internacional, liderada pela ONU, a elaborar protocolos de entendimentos estabelecendo políticas de emprego de recursos militares e civis em situações de emergência. Destaca-se que essa atividade, denominada como Assistência Militar-Civil Military and Civil Defence Assets (MCDA) foi definida em 1994, através do Oslo-Guide Line, que estabelece a prontidão de pessoal e material militar e de defesa civil para a assistência humanitária internacional. Quando esses recursos de contenção ficam atribuídos aos elementos da ONU desdobrados no terreno, denomina-se UN MCDA. Mesmo nos casos de contingência em que se faz necessário o emprego rápido e maciço de organizações militares e não militares, a fim de mitigar os efeitos de um desastre, os papéis entre o componente militar e civil devem ser bem definidos, como aponta OCHA (2007). O Guide Line em questão também clarifica que o emprego de MCDA pelas agências da ONU deve ser orientado por seis padrões de conduta: i. Os pedidos para a MCDA apoiar as agências da ONU devem ser feitos pelo Coordenador Humanitário, com o consentimento do estado afetado e com base exclusivamente em critérios humanitários. ii. A MCDA deve ser empregada por agências humanitárias das Nações Unidas como um último recurso, ou seja, apenas na ausência de qualquer outra alternativa civil disponível para apoiar as necessidades humanitárias urgentes no tempo necessário. iii. Uma operação humanitária da ONU, usando meios militares deve manter sua natureza civil. Enquanto a MCDA pode permanecer sob controle militar. A operação como um todo deve permanecer sob a autoridade e o controle da organização humanitária responsável. Isto 55 não interfere qualquer ascendência funcional civil sobre o componente militar. iv. O Trabalho humanitário deve ser realizado por organizações humanitárias. As organizações militares têm um papel a desempenhar no apoio aos trabalhos humanitários, que, na medida do possível, não deve abranger a assistência direta, a fim de manter uma distinção clara entre as funções dos atores humanitários e militares. v. Qualquer emprego da MCDA deve ser definida com limite no tempo apresentando uma estratégia de saída que define claramente como as funções desempenhadas poderiam ser realizadas por pessoal civil. vi. Países fornecendo MCDA para apoiar as operações humanitárias da ONU devem garantir que eles respeitem os códigos de conduta das Nações Unidas e os princípios humanitários. Fica bastante destacado pelo documento que regula os princípios de emprego da MCDA, que os meios de Assistência Emergenciais ficam condicionados a temporalidade, devendo os estados-membros investirem na estruturação de um sistema civil de contingência, evitando o uso do ad hoc do componente militar em apoio às operações humanitárias. Sob os auspícios da ONU, a UN MCDA sempre deve permanecer sob controle civil. No entanto, as agências humanitárias, sendo apoiadas pela MCDA devem compreender que a segurança dos meios (pessoal e material) é da responsabilidade do comandante militar designado. Esse aspecto cresce de importância na medida que as FOMP da MINUSTAH possuem a atribuição de garantir a segurança física do pessoal e do material empregados na Missão. A utilização de recursos militares ou civis para prover segurança aos meios da MCDA devem obedecer rigorosos critérios para não ferir princípios basilares das operações de paz, como a neutralidade e a imparcialidade. Assim sendo, apenas o HC ou o SRSG da Missão poderá requisitar os meios militares destinados a prestarem segurança à MCDA. Entretanto, a atuação do componente militar para este fim, deverá obedecer os parâmetros estabelecidos pelo Coordenador de Operações Emergenciais Emergency Relief Coordinator (ERC), que elabora um guia de conduta baseado em diretrizes do IASC. 56 5.1.3.1 Desdobramento Emergencial dos Órgãos da ONU em regiões afetadas por Desastres Naturais Em resposta a maioria das catástrofes naturais de grandes proporções, as Nações Unidas, de imediato, desdobram uma equipe de avaliação da extensão do desastre conhecida por United Nations Disaster Assessment and Coordination (UNDAC). Sua função precípua é estabelecer uma consciência situacional ampla acerca dos efeitos da catástrofe. Quando a situação exige implementar grandes operações de busca e salvamento, esta equipe irá estabelecer um Centro de Coordenação de Operações Locais - On-Site Operations Coordination Centre (OSOCC). Estas ferramentas de coordenação do socorro são implantadas para apoiar diretamente o HC da Missão. Áreas críticas para coordenação incluem segurança, logística, saúde, transporte e comunicações. Nestas áreas, o fluxo constante de informação oportunas é essencial para o sucesso das missões humanitárias. Segundo OCHA (2007), pela complementaridade, estas áreas apresentam oportunidades para o planejamento conjunto entre as agências da ONU e os militares, a fim de evitar a ausência de apoio ou a duplicidade de esforço. 5.1.3.2 Desdobramento Emergencial no Haiti após o Terremoto de 2010 Em 12 de janeiro de 2010, o Haiti sofreu um forte terremoto, cujo epicentro foi localizado na capital Porto Príncipe. Segundo o Governo local, mais de 220 mil pessoas morreram e cerca de 400 mil ficaram feridas. Além disso, estima-se que 2,3 milhões de pessoas – quase um quarto da população do país – passaram a situação de deslocados. O desastre contabilizou ainda a perda de milhares de funcionários públicos do País e de 102 servidores da ONU (entre civis e militares), que trabalhavam a serviço da MINUSTAH. Ressalta-se que a infraestrutura local ficou seriamente comprometida, notadamente o aeroporto e o porto da capital haitiana, trazendo impactos negativos para a logística humanitária. 57 Apesar das circunstâncias, a resposta da comunidade internacional foi rápida e de grande amplitude, como pôde ser verificado na deliberação da Resolução 1908, de 19 de janeiro de 2010, da ONU, que autorizava o acréscimo de 2.000 soldados e de 1.500 policiais para apoiar a recuperação imediata, a reconstrução e os esforços de estabilidade no Haiti. (MINUSTAH, 2010). A mobilização internacional levou a MINUSTAH a coordenar uma extensa operação de ajuda humanitária no maior desastre natural em área urbana já registrado. Nesse contexto, deve-se ressaltar a participação brasileira com a criação do Segundo Batalhão de Infantaria de Força de Paz (BRABATT 2). 5.1.3.2.1 Operações Humanitárias Aproximadamente uma semana após o acidente, a MINUTAH em parceria com todas as agências da ONU efetivou uma rotina para coordenar as operações de ajuda humanitária. O centro de coordenação passou a funcionar no JOTC, que reunia, além dos seus integrantes habituais, um grande número de agentes humanitários e oficiais de ligação da Força Tarefa Haiti - Joint Task Force – Haiti, do Comando Sul dos EUA (USSOUTHCOM); da Força Tarefa do Canadá - Canadian Task Force; do Centro de Situação da União Europeia - The Joint European Union Situation Centre (Sit Cen); e da Comunidade Caribenha. (Figura 4) De acordo com o Relatório da MINUSTAH (2010), o JOTC tornou-se o centro operacional chave, uma vez que fornecia orientações e suporte aos parceiros humanitários, apesar das limitações impostas pelo elevado número de solicitações de apoio. Figura 4 – fluxograma funcional do JOTC Fonte: Lessa (2007) 58 Nesse diapasão, constata-se que mais de sessenta Organizações Internacionais entraram em Porto Príncipe, além daquelas já existentes no País. Somado a isso, um elevado número de unidades militares, totalizando mais de dez mil pessoas vocacionadas às atividades de socorro. Da mesma forma, o volume de doações foi extremamente elevado, sobrecarregando a capacidade operacional da MINUSTAH, conforme destaca o quadro comparativo de atividades humanitárias (Tabela 1). KLARREICH (2012), aponta em seu artigo que existiam mais de setenta reuniões semanais de grande porte entre as agências humanitárias e demais partícipes. No entanto, a pesquisadora enfatiza que apesar da grande quantidade de atividades humanitárias, a participação das instituições haitianas foi pouco significativa, ficando o trabalho assistencial a cargo das OI. Tabela 1 – quadro comparativo de atividades humanitárias 2009/2010 Fonte: MINUSTAH (2010) 5.2. CONCLUSÃO PARCIAL Na ampla estrutura organizacional da MINUSTAH o componente militar é liderado pelo Force Commander, enquanto o segmento humanitário possui à sua frente o Deputy do SRSG. Apesar de ocuparem o mesmo nível funcional na estrutura da Missão, o líder humanitário exerce uma forte influência nas decisões tomadas, uma vez que o seu trabalho impacta diretamente os indicadores de desenvolvimento humano monitorado pela comunidade internacional. 59 Por ocasião das operações emergenciais em resposta aos efeitos do terremoto de 2010, o nível de influência do Deputy do SRSG foi ampliado, pois além das questões humanitárias, também exerceu a função de Coordenador Local de Operações Emergenciais. Sendo assim, as decisões tomadas no JOTC da MINUSTAH tinham um forte viés humanitário, muitas vezes colocando questões de segurança em um segundo plano. As unidades militares da MINUSTAH, notadamente os Batalhões de Infantaria de Força de Paz se mostraram bastante eficientes no apoio às ações de contingência, uma vez que possuíam capacidade de atuar com autonomia, permitindo descentralizar as ações de apoio as OAH. Destaca-se portanto que essa capacidade foi alcançada pelo cumprimento aos rigorosos protocolos e memorandos que regulam o desdobramento de unidades militares no âmbito de uma operação de manutenção da paz. Por outro lado, boa parte das centenas de OAH atuantes naquele País não eram fiscalizadas com o mesmo rigor, trazendo consequências negativas para as ações de socorro e, consequentemente, comprometendo o trabalho das FOMP. 60 6 A INTERAÇÃO ENTRE O BRABATT E AS ORGANIZAÇÕES DE ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA EM RESPOSTA AOS EFEITOS DO TERREMOTO DE 2010 6.1 O BRABATT E A INTERAÇÃO CIVIL-MILITAR ANTES DO TERREMOTO DE 2010 6.1.1 Pacificação de Áreas em Porto Príncipe O Batalhão de Infantaria de Força de Paz Brasileiro, também conhecido pelo acrônimo BRABATT, foi desdobrado em Porto Príncipe ao final do primeiro semestre do ano de 2004, após tratativas políticas envolvendo o Secretário Geral das Nações Unidas e os Governos da França e do Brasil, conforme aponta SILVA (2011): O convite ocorreu em 4 de março de 2004, a partir de uma ligação telefônica do Presidente da França, Jacques Chirrac, para o Presidente Lula. Nesse contato, o Presidente Chirrac teria dito que era a vontade do Secretário-Geral, Senhor Kofi Annam, que o Brasil assumisse o Comando da Força de Paz para o Haiti, a qual seria criada. A tropa brasileira seguiu para o país caribenho após cerca de três meses do contato. A missão do Batalhão brasileiro foi a de contribuir com a MINUSTAH na condução de operações de estabilidade, a fim de assegurar as condições de segurança para o prosseguimento do processo político e constitucional do País, conforme orienta o Mandato contido na resolução 1542, do CS da ONU. Nesse sentido, o BRABATT foi empregado em Porto Príncipe, uma área que apresentava um complexo ambiente operativo devido a atuação ostensiva de gangues armadas que impediam a presença de Forças de Paz nos diversos bairros da Capital. Não menos importante para a composição do cenário, ressalta-se que a população daqueles locais apresentava um elevado nível de carência em recursos básicos, como alimentação, saúde, habitação e educação. Essas deficiências eram agravadas pela dificuldade de acesso encontrada pelas agências humanitárias, impossibilitando o apoio às comunidades carentes. Embora já tenha sido abordado neste trabalho, deve-se considerar que a presença das OI junto às populações em 61 situação de emergência é uma condição determinante para o processo de pacificação. (CUNHA, 2008) Devido a credibilidade depositada no contingente brasileiro, coube ao BRABATT a atribuição de estabilizar as áreas mais sensíveis da capital haitiana, como os bairros de Bel Air, Cité Militaire e Cité Soleil13. A conquista dessas regiões abriria o prosseguimento para um amplo emprego dos agentes humanitários, atendendo o objetivo operacional da Missão. De acordo com o General de Exército Augusto Heleno Ribeiro Pereira, antigo Comandante da Força Militar da MINUSTAH, citado por Lessa (2007), a capital Porto Príncipe deveria ser totalmente pacificada para que a MINUSTAH pudesse empregar todos os seus vetores de promoção da paz. Em função dos desafios apresentados, os seis primeiros contingentes do batalhão brasileiro dedicaram-se a repressão às gangues armadas, procurando garantir a livre circulação em toda sua AOR e, consequentemente, contribuir com o processo de pacificação. Para atender os objetivos impostos pela MINUSTAH, o BRABATT conduziu operações de caráter ofensivo com um elevado potencial de letalidade, como pode ser verificado num relatório da ONG Médicos Sem Fronteiras, que apresenta um saldo de 3 mortos e 27 feridos ao final de uma operação conduzida pelo BRABATT em Cité Soleil, no dia 21 de dezembro de 2006. Apesar da existência de efeitos colaterais não desejados, o sucesso das ações militares abriu caminho para a que os atores civis pudessem dar continuidade ao processo de pacificação em uma etapa subsequente. Verifica-se, portanto, que inicialmente os militares brasileiros não puderam contar com uma quantidade adequada de agentes civis capazes de conduzirem ações de promoção do desenvolvimento ou mesmo de ajuda humanitária. Sendo assim, as ações emergenciais de apoio a população eram conduzidas predominantemente pela FOMP, o que não configura uma situação ideal. General Heleno, citado por LESSA (2007) descreve: (...) de fato não é tarefa da Força Militar promover ações civis e humanitárias; entretanto, se a Missão não o fizer, não haverá quem o faça. Assim, a ordem 13 Em 2004, Cité Soleil era a maior favela de Porto Príncipe, possuindo 300mil habitantes. 80% dos moradores da área — cerca de 240 mil pessoas — estavam desempregados. Avalia-se que 7 em cada 10 haitianos daquele bairro sobreviviam com uma renda diária de apenas US$ 2. (CUNHA, 2008). 62 dada pelo General Heleno era que toda operação militar deveria vir acompanhada de uma ação humanitária, pois esta seria uma das formas de se buscar o equilíbrio e o apoio da população. O cuidado de realizar ações dessa natureza, constituiu uma preocupação de todos os contingentes no Haiti. Ao final de 2007, a significativa melhoria no status de segurança do País levou a MINUSTAH a modificar a abordagem para implementar o Mandato. A nova postura procurou intensificar o papel das agências promotoras da paz e do componente policial, que passou a atuar na capacitação da Polícia Nacional do Haiti (PNH). Atendendo as novas diretrizes, o BRABATT passou a fornecer o devido apoio aos atores civis sem abandonar o controle da segurança em sua AOR. Em consequência, a dinâmica das atividades do Batalhão também sofreu modificações, reduzindo as operações de caráter ofensivo e aumentando os procedimentos que destacariam a ação de presença na AOR. Neste cenário, CUNHA (2008) explica que as frações do batalhão passaram a realizar frequentemente operações tipo-polícia, tais como: patrulhamento a pé, motorizado, mecanizado e aéreo; estabelecimento de ponto de segurança estático (PSE); emprego de pontos de bloqueio e controle de vias urbanas (Check Points); manutenção de Pontos-Fortes; segurança de autoridades; e escoltas. 6.2 ATIVIDADE CIMIC DO BRABATT A atividade CIMIC no BI FPaz brasileiro, antes da consolidação do processo de pacificação em 2007, era pouco dinâmica devido a reduzida quantidade de atores civis existentes no País, por questões já tratadas no item anterior. Sendo assim, o Batalhão enquadrava os assuntos de natureza civil-militar na esfera de atribuições da Seção de Comunicação Social, conforme indicava a doutrina militar terrestre no manual de campanha C 101-5: Estado-Maior e Ordens (BRASIL, 2003c, p. 3-4), que denomina o “Chefe da 5ª seção, E5, oficial de comunicação social e assuntos civis”. Com a melhoria dos níveis de segurança, a Capital Porto Príncipe passou a ser visitada por muitas organizações e até mesmo indivíduos que desejavam conhecer as 63 políticas adotadas no bem sucedido processo de pacificação. CUNHA (2008) descreve que Cité Soleil, bairro situado dentro da AOR do BRABATT, era o principal destino das autoridades internacionais, que tinham interesse em presenciar as transformações alcançadas. A maior favela da Capital, embora estivesse pacificada, ainda apresentava sinais do baixíssimo nível de desenvolvimento humano, chamando a atenção não apenas das autoridades, mas também da mídia internacional que passou a realizar uma intensa campanha de difusão da precária situação do País. O sucesso do processo de pacificação, a presença da mídia internacional, e o reconhecimento das necessidades daquela população pelas autoridades transformaram o Haiti um terreno fértil para o trabalho das ONGs. De acordo com SCHULLER (2012), a República do Haiti tornou-se a República das ONGs. “Bill Clinton estimou que 10.000 estavam no Haiti mesmo antes do terremoto”, mas ninguém sabe realmente. Um dos maiores atrativos era obter financiamento a partir de um programa de incentivo do governo dos EUA, que procurava estimular o desenvolvimento do País caribenho. Desta forma, verificou-se uma entrada maciça dessas OI no País, facilitada em parte pelo aumento dos encargos operacionais das agências da ONU presentes na Missão. A consequência imediata da presença dessas ONGs foi a ampliação da Comunidade Humanitária no País Residente (HCT), configurando um vetor de pressão na MINUSTAH, por meio do Coordenador Humanitário. Apesar do incremento das ações Civis-Militares na AOR do Batalhão, os assuntos afetos a CIMIC não receberam um tratamento exclusivo por meio de uma seção CIMIC do Estado-Maior do Batalhão, como orienta ONU (2008). Assim sendo, não foi observado uma postura de aproximação funcional do batalhão com as diferentes OI em presença, o que impediu o conhecimento mútuo das capacidades e das limitações de ambos atores. Da mesma forma, verifica-se que a maioria das ONGs também não buscavam a aproximação com o componente militar no intuito de estabelecer uma parceria em prol das ações afirmativas em benefício da população. SCHULLER (2012) aponta que muitas ONGs no Haiti não querem trabalhar em parceria com a MINUSTAH ou qualquer instituição internacional, pois evitam sofrer qualquer tipo de controle. 64 6.2.1 Consequências dos Efeitos do Terremoto na AOR do BRABATT De acordo com MINUSTAH (2010), os eventos de 12 de janeiro de 2012 não destruíram as conquistas de estabilização alcançadas pela Missão até aquele momento. Entretanto, o Desastre Natural criou novos obstáculos para a implementação do Mandato devido as demandas emergenciais surgidas, aliado ao grave comprometimento das instituições haitianas. Nesse contexto, destaca-se que a AOR do BRABATT englobava os bairros de Bel Air, Cité Militaire e Cité Soleil, uma região densamente povoada e localizada a menos de 10 Km do epicentro do Abalo Sísmico. (Figura 5). Figura 5 – Representação Gráfica da Magnitude do Terremoto no Haiti Fonte: Veja (2010) PINHEIRO (2010) descreve que a partir daquele momento tudo mudara para o Batalhão: (...) Se antes o principal desafio era a garantia da ordem das eleições previstas para fevereiro de 2010, agora sabíamos que elas não mais ocorreriam e que outras missões inopinadas surgiriam (...) Ao analisar os fatores clássicos da decisão, afirmei que quanto à missão, conforme descrito anteriormente, tudo mudara. As forças adversas (em combate teriam a denominação de inimigo) haviam alcançado uma dimensão igual ou maior do que a que se apresentava no início da missão em 2004. Em torno de 4.500 presidiários estavam soltos e espalhados pelo país, a maioria se concentrando em Porto Príncipe, armados com o que furtaram da guarda 65 penitenciária. (...) O terreno também havia mudado. Bel Air estava intransitável. Só com muita dificuldade os blindados conseguiam circular em algumas vias (...) Aliado a esse cenário, atores que não estavam presentes no Haiti antes do terremoto começavam a chegar, o que exigia uma nova forma de atuação. Organizações Não Governamentais (ONGs) de todo o mundo desembarcavam na capital após o restabelecimento dos voos (...) O BRABATT foi empregado, em sua AOR, prestando o apoio em segurança à Assistência Militar-Civil - Military and Civil Defence Assets (MCDA) nas suas diferentes vertentes de ações humanitárias, que englobavam operações de busca e salvamento, distribuição de alimentos e outros itens, montagem de IDPs, desobstrução de ruas, vacinação da população, entre outras atividades. Além disso, o Batalhão se deparou com uma rápida escalada dos níveis de violência na Capital, motivada, principalmente, pela fuga de importantes líderes de gangues armadas que passaram a reestruturar suas facções criminosas. Deve-se registrar, ainda, que além das atribuições mandatárias inerentes às unidades que integram a MINUSTAH, o BI FPaz brasileiro foi sobrecarregado com a execução de tarefas humanitárias coordenadas pela Embaixada do Brasil naquele País, demandando um grande esforço dos militares. 6.2.2 O Apoio do BRABATT 1 às OAH 6.2.2.1 Adequações na Estrutura do BRABATT 1 Antes de abordar as mudanças promovidas no âmbito do batalhão, deve-se salientar que a Resolução nº 1908, da ONU, de 19 Jan 2010, aliada à disposição do governo brasileiro em reforçar a ajuda ao Haiti determinou a mobilização, o desdobramento e o emprego do 2º Batalhão de Infantaria de Força de Paz no Haiti. Esta FOMP reforçou a presença de tropas da MINUSTAH na Capital haitiana, possibilitando uma distribuição mais equilibrada das AOR em Porto Príncipe. Deve-se ressaltar que a região de Bel Air passou a integrar a Área do BRABATT 2, permanecendo os bairros de Cité Soleil e Cité Militaire sob o controle do BRABATT 1. Em função do novo cenário, o BRABATT 1 teve que adequar a composição do seu Estado-Maior, deixando as atividades CIMIC a cargo de uma seção exclusiva, conforme indica o organograma a seguir. (Figura 6). 66 Além disso, a Seção de Operações do Batalhão destacou um Oficial de Ligação junto a Seção de Operações da FHQ da MINUSTAH, a fim de otimizar o processamento das Ordens Fragmentárias (Tasking Order) endereçadas ao BRABATT 1. Figura 6 – Organograma do Estado-Maior do BRABATT . Fonte: Corrêa Netto (2013) 6.2.2.2 Dinâmica dos Trabalhos Humanitários Como uma FOMP integrante da MINUSTAH, o BRABATT1 era um elemento executivo que deveria cumprir as missões de acordo as diretrizes e as ordens emitidas pelo FC. Entretanto, a complexidade das ligações entre os diferentes atores envolvidos nas ações de socorro alterou os fluxos de coordenação e controle, extrapolando os limites estabelecidos nos guide lines que regulam as situações emergenciais. Nesse sentido, o HC sofrendo pressão da Comunidade Humanitária (HCT) e da opinião pública mundial, que exigia uma resposta rápida e efetiva da Missão, não conseguiu filtrar as solicitações das ONGs que operavam diretamente a distribuição de donativos. Em consequência, o JOTC não conseguia sincronizar as atividades das ONGs com as capacidades do componente militar, gerando conflitos que muitas vezes retardavam a ajuda humanitária. Nesse sentido, SCHULLER (2012) esclarece que as ONGs eram indenizadas pelos serviços de distribuição de itens básicos para a 67 população afetada, gerando um lucrativo comércio pautado na proporção direta de quanto mais se distribui mais se ganha. A solução encontrada pelo BRABATT 1 foi empregar um Oficial de Ligação dentro do JOTC, em coordenação com a Seção de Operações da FHQ. Essa relação funcional acelerou a resposta do Batalhão às demandas existentes na sua AOR, uma vez que as tarefas estabelecidas eram negociadas entre a ONG e o O Lig, sem a interferência de intermediários. Essa interface foi muito importante, pois a maioria das ONGs recém-chegadas não conheciam as características locais. Cabia ao militar brasileiro indicar as condições de apoio, determinando o local de distribuição, o dispositivo de distribuição, o volume de material a ser distribuído, a quantidade de pessoas atendidas, entre outros aspectos que visavam garantir a segurança da população e dos trabalhadores da ONG. As decisões tomadas no JOTC, portanto, eram transformadas em ordens e transmitidas ao Batalhão. Internamente, a Seção de Operações realizava um estudo de situação e indicava uma SU ou o Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais (Gpt Op Fuz Nav) para executar diretamente a segurança das operações humanitárias, normalmente envolvendo distribuição de itens básicos. (Tabela 2). Tabela 2 – Tabela de Assistência Humanitária/2010 Fonte: MINUSTAH (2010) O desdobramento de meios do BRABATT 1 era significativo em função de uma abordagem que pudesse garantir a segurança dos recursos humanos e materiais das ONGs, assim como da população beneficiada, em particular das mulheres idosas 68 normalmente interceptadas por criminosos que tentavam roubar seus donativos. (BRABATT1, 2010). Apesar das coordenações prévias realizadas no JOTC e das condições de execução da operação, estabelecidas em Tasking Order, verificou-se que uma quantidade significativa de ONGs não atendia as tratativas realizadas e tão pouco os requisitos mínimos para execução das tarefas. Os Relatórios Diários de Situação do Batalhão registram problemas recorrentes como condução de suprimentos humanitários muito acima da capacidade de transporte dos veículos, reduzida quantidade de trabalhadores recrutados para realizarem descarga e distribuição dos produtos, demora no carregamento e transporte dos caminhões e etc. As irregularidades observadas normalmente redundavam em atrasos na execução da operação, trazendo consequências negativas para a manutenção da ordem nos pontos de distribuição. Frequentemente os militares brasileiros precisavam conter brigas nas filas de espera, ajudar pessoas que se sentiam mal pela excessiva exposição ao sol, entre outras contingências que convergiam para um descontentamento coletivo. O baixo nível de comprometimento das ONGs contribuiu para situação mais grave como o ocorrido na operação realizada na região de Jean Marrie Vicent, no dia 02 de fevereiro de 2010, em que militares do Batalhão tiveram que empregar a força, por meio de armamento não letal, a fim de conter a multidão14. Numa perspectiva de interação entre OAH e FOMP, deve-se registrar também operações bem sucedidas, como foi o caso da distribuição de alimentos no mesmo local citado acima em 31 de março de 2010. Nessa ocasião, por solicitação do BRABATT 1, a ONG Samaritans Purse realizou um trabalho proativo junto às lideranças daquela comunidade, procurando conhecer as necessidades emergenciais da população. De forma conjunta, militares e civis a serviço da paz planejaram e executaram uma grande operação humanitária, atendendo 20 mil famílias, por meio da distribuição de 350 toneladas de alimentos. (BRABATT1, 2010) Em outro segmento da ação humanitária, a Seção de Assuntos Civis/CIMIC atuava com parceiros fora do ambiente MINUSTAH, procurando atender os trabalhos liderados pela Embaixada do Brasil. Apesar dessas atividades serem de menor vulto 14 Informações obtidas no Relatório Diário de Situação de 02 de fevereiro de 2010 (BRABATT1, 2010). 69 que as operações mandatárias das Nações Unidas, os resultados junto a população eram mais efetivos, pois o BRABATT1 atuava integrado às OAH tradicionalmente parceiras como Viva Rio, Care Brasil, Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Não menos importante, o Oficial CIMIC (G-9) também coordenava operações pontuais de ACISO procurando atender aquelas famílias não contempladas nas grandes operações de socorro conduzidas pela MINUSTAH. Essa estratégia procurava manter as características da CIMIC nas operações militares, buscando o apoio da população com a finalidade de facilitar a conquista dos objetivos táticos, operacionais ou estratégicos. As Ações Cívico Sociais conduzidas na AOR do BRABATT 1 traziam respostas altamente positivas, pois conseguiam atender aquelas comunidades desassistidas pelas operações humanitárias de grande vulto. CABRAL (2012) aponta que “além da distribuição de itens básicos, o Batalhão também procurava incrementar atividades que pudessem favorecer a interação entre os militares e a população local”. 6.3 CONCLUSÃO PARCIAL Apesar do Contingente Brasileiro atuar no Haiti desde o ano de 2004, a atividade CIMIC foi pouco priorizada até a reestruturação do BRABATT ocorrida após o terremoto de 2010. Portanto, o nível de integração entre os militares e os agentes humanitários não passava de um simples apoio de segurança às ações de ajuda a população necessitada. Este cenário foi alterado de forma significativa, uma vez que o BRABATT 1 teve uma grande participação nas ações de socorro às vítimas do desastre, apoiando operações humanitárias de diferentes naturezas. Os desafios enfrentados surgiram, principalmente, pelo esgotamento da capacidade de coordenação e controle da MINUSTAH, que ficou pressionada pelo elevado contingente de vítimas do desastre e pelo excessivo volume de apoio humanitário recebido. Esse ambiente foi favorável ao surgimento de um lucrativo comércio humanitário, atraindo OI que trabalhavam em busca de produção sem desempenhar o seu papel de indutora do desenvolvimento local. 70 Coube ao BRABATT 1 estabelecer critérios próprios para a cooperação com as ONGs, visando atender a população afetada, dentro de parâmetros de segurança aceitáveis. A ajuda humanitária em grande escala trouxe efeitos colaterais graves que degradavam o nível de credibilidade do BRABATT 1 em sua AOR. Sendo assim, o Batalhão passou a conduzir operações humanitárias complementares, a fim de mitigar a insatisfação da população local. As ações adotadas por iniciativa do BRABATT 1 contou com o apoio de ONGs tradicionalmente parceiras, evidenciando a eficácia na conjugação de esforços entre FOMP e OAH. Os resultados alcançados foram altamente positivos, revelando que ambos atores se complementam na tarefa de construir a paz de forma sustentável. 71 7 CONCLUSÃO As Operações de Manutenção da Paz conduzidas pela ONU, a partir da década de 1990, apontam que o emprego da ação militar de forma unidimensional apresenta resultados contraproducentes, considerando a elevada complexidade do ambiente de estabilização dos conflitos. Dessa forma, as Nações Unidas compreendem que todo esforço de promoção da paz deva ser alcançado por meio de ações integradas que permitam adotar abordagens de amplo espectro, favorecendo a retomada do desenvolvimento sustentável. Os novos conceitos exigem um processo de transformação dos diferentes componentes que integram o ambiente de estabilização de um conflito, destacando principalmente a necessidade de conhecimento mútuo acerca das capacidades e limitações. No curso dessa evolução, constata-se que militares e civis a serviço da paz precisam se aproximar, aumentando os níveis de interação na busca de soluções eficazes aos novos desafios. Essa premissa tem convergido um grande esforço dos departamentos e agências da ONU, no sentido de identificar o papel de cada um desses atores na construção de um ambiente estável. Sendo assim, os ensinamentos colhidos pelo BRABATT 1 nas ações em resposta aos efeitos do terremoto de 2010 apontam oportunidades de melhorias para as FOMP apoiarem as OAH sem perderem sua eficiência. Em primeiro lugar, o componente militar deve ter o completo entendimento que as políticas que estabelecem a relação Civil-Militar no âmbito da ONU emanam do Comité Interagências (IASC), órgão liderado pelo Subsecretário Geral das Nações Unidas. Portanto, as atividades CIMIC não visam facilitar a conquista de objetivos militares, o que pode contrariar expectativas de comandantes preparados para utilizarem a CIMIC como um instrumento para se alcançar o Estado Final Desejado de uma operação. Em segundo lugar, os militares devem reconhecer a capacidade natural que as OI possuem de se aproximar das populações atingidas por desastres naturais. Cabe ressaltar, que as ONGs normalmente são integradas por representantes das comunidades locais, permitindo realizar levantamentos mais adequados em relação 72 as reais necessidades existentes. Sendo assim, as FOMP precisam estreitar os laços de cooperação com esses agentes humanitários, o que poderá trazer resultados mais significativos em relação ao apoio prestado à população em sua AOR. Deve-se considerar ainda que os BI F Paz precisam incrementar suas seções CIMIC com pessoal especializado e com capacidade linguística para se comunicar com os diferentes atores civis que atuam no ambiente de estabilização. É essencial que o oficial CIMIC conheça os principais atores de coordenação Civil-Militar no âmbito da Missão. Tal condição garante flexibilidade para adoção de condutas, bastante frequentes nas operações emergenciais em que não se pode depender de apenas um canal de comunicação. Além disso, as FOMP devem compreender sua função transversal no apoio aos diferentes segmentos da ajuda humanitária, evitando tornar sua missão um fim em si mesmo. Cabe ressaltar, que os BI F Paz devem exercer a liderança em suas AOR, procurando apoiar os agentes humanitários sem permitir a degradação dos níveis de segurança. Portanto, o trabalho emergencial deve ser controlado pelo componente militar tanto na fase de planejamento quanto na execução. Não menos importante, deve-se entender que nas operações em resposta aos efeitos de um desastre natural as ONGs atuam muito acima de suas capacidades, podendo não atender adequadamente as populações atingidas. Nesse contexto, as FOMP devem ter a capacidade de conduzir ajuda humanitária de forma complementar em suas AOR, a fim de reduzir as distorções causadas pela ajuda humanitária em grande escala. Por fim, conclui-se que a sinergia alcançada nas ações integradas por militares e civis, no contexto das operações de paz, sempre apresentará soluções mais eficazes aos problemas cada vez mais complexos. Nesse sentido, torna-se inevitável ao Exército Brasileiro, como um importante player a serviço da ONU, capacitar seus militares a compreenderem melhor o papel dos atores civis na construção de um ambiente de paz. ___________________________________ PEDRO AIRES PEREIRA JUNIOR – Maj Inf 73 REFERÊNCIAS ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas. Informação e documentação – trabalhos acadêmicos – apresentação (ABNT NBR 14724:2011). Rio de Janeiro: ABNT, 2011. 11 p. ALVES, Harley. O Departamento de Operações de Manutenção da Paz. Brasília, edição especial, outubro de 2009, Verde Oliva. Nr 202 p. 13-15. BRABATT 1. Relatório de Final de Missão: 12º Contingente. Haiti, agosto de 2010. BRABATT 1. Relatórios Diários de Situação: 12º Contingente, Haiti, janeiro a agosto de 2010. BRASIL. Exército. Estado-Maior. Manual de Campanha C 95-1 - Operações de Manutenção da Paz. 2ª ed. 1998. ______. ______. ______. Manual de Campanha C 101-5 – Estado-Maior e Ordens. 2ª ed. 2003. ______. 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