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VALDECITE ADVOCACIA 5 São Paulo 2009 VALDECITE ALVES DA SILVA A LEI Nº 11.343/2006 E O DEPENDENTE DE DROGAS Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Direito Penal e Processual Penal, pela Escola Paulista de Direito (EPD). Orientador: Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 6 São Paulo 2009 RESUMO O presente trabalho aborda a figura do usuário e do dependente de drogas ilícitas. Trata-se de problema cada vez mais presente em termos globais, posto que afeta praticamente todos os países, constituindo um grave problema social que preocupa o judiciário, as autoridades médicas, policiais e entidades políticas das nações. Tema complexo que necessita de uma abordagem multifacetada para ser compreendido, mostra-se pleno de contradições que ecoam no ordenamento jurídico, fazendo com que o tratamento dispensado à figura do usuário pelo nosso Direito Penal, tenha variado da condenação à pena de reclusão, até quase à descriminalização pela nova Lei de Tóxicos (Lei n. 11.343/2006), embora essa seja uma questão polêmica na doutrina. Concluindo, verificou-se que ocorreu uma evolução no tratamento dispensado ao usuário que, partindo do artigo 281, III, do Código Penal de 1940, que punia com pena de reclusão de 5 a 8 anos e multa, não só o traficante como, também, aquele que “traz consigo, para uso próprio, substâncias que determinem dependência física ou psíquica”. Seguindo as novas tendências mundiais, nosso ordenamento jurídico passou a olhar o problema do usuário de drogas sob uma perspectiva mais inclinada para encarar o problema sob o ângulo de constituir um problema social e de saúde pública do que criminal. Entretanto, apesar da polêmica instaurada pela Lei n. 11.343/2006, concordamos com a corrente doutrinária que considera não ter ocorrido a descriminalização e/ou despenalização com a nova Lei de Tóxicos que, realmente, minimizou em muito as conseqüências penais para o usuário. Palavras chave: usuário e/ou dependente, drogas, Lei n. 11.343/2006. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 7 ABSTRACT The present work approaches the figure of the user and the dependent of illicit drugs. Each more present time in global terms is about problem, rank that affects practically all the countries, constituting a serious social problem that the judiciary one worries, the medical, police authorities and entities politics of the nations. Complex subject that needs a multifaceted boarding to be understood, reveals full of contradictions that they echo in the legal system, making with that the treatment excused to the figure of the user for our Criminal law, has varied of the conviction to the punishment by confinement, until almost to the descriminalização for the new Toxic Law (Law N. 11,343/2006), even so this is an controversial question in the doctrine. Concluding, it was verified that an evolution in the treatment excused to the user occurred who, leaving of article 281, III, of the Criminal Code of 1940, that it punished with punishment by confinement of 5 the 8 years and fine, not only the dealer as, also, that one that “brings obtains, for proper use, substances that determine physical or psychic dependence”. Following the new world-wide trends, our legal system started to more look at the problem of the user of drugs under a perspective inclined to face the problem under the angle to constitute a social problem and of public health of what criminal. However, although the controversy restored for Law N. 11,343/2006, we agree to the doctrinal chain that consider not to have occurred the descriminalização and/or despenalização with the new Toxic Law that, really, it very minimized in the criminal consequences for the user. Words key: user and/or dependent, drugs, Law N. 11.343/2006. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1.PENAl,DIREITO PENAL, CRIMINOLOGIA 05 07 1.1Justificativas da punição 07 1.2 Iluminismo 10 1.3 Escola clássica 13 1.4 Criminologia científica 14 1.5 Escola positiva 15 1.6 Criminologia crítica 22 1.6.1 Criminologia abolicionista 23 1.6.2 Criminologia minimalista 24 1.6.3 Criminologia do neo-realismo 24 1.7 Considerações sobre a história da criminologia no Brasil 25 2. ENTORPECENTES E DROGAS AFINS 29 2.1 Breve relato histórico 29 2.2Conceito 31 2.3Toxicomanias 33 2.4 Entorpecentes, saúde pública: globalização 2.5 33 Psicotrópicos 36 2.6 Tóxicomania 40 2.7 Drogas: tendências político-criminais 48 3. O USUÁRIO E A LEGISLAÇÃO SOBRE TÓXICOS 50 3.1 Evolução legislativa 50 3.2 Lei n. 6.368/1976 51 3.3 Lei n. 10.409/2002 55 3.4 Nova lei de tóxicos: Lei nº 11.343, de 26 de agosto de 2006 55 3.5 Interpretação descriminalizante 60 3.6 Interpretação criminalizante 61 3.7Disposições processuais 63 3.8 STJ pode autorizar pena alternativa para pequeno traficante 64 CONCLUSÃO 66 Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 9 68 INTRODUÇÃO Entorpecentes, drogas, tóxicos são expressões diferentes que para efeito desta monografia têm um significado comum: qualquer substância, natural ou artificial, que pela sua natureza química altera a estrutura ou função do organismo, acarretando problemas de natureza física, mental ou social. O uso de drogas contém a noção de desaprovação social implica em problemas de saúde (lesões no organismo), em problemas individuais (dependência), em problemas familiares (desestruturação familiar) e em problemas sociais (delinqüência e outros comportamentos anti-sociais). As principais causas que levam uma pessoa a se drogar é a curiosidade, disponibilidade, pressões de grupos, uso anterior e dependência. Para a maioria das pessoas, o uso pela primeira vez é o passo principal. Parte-se da ilusão de que experimentar não tornará a pessoa um usuário, sendo este o primeiro passo para a dependência. Na dependência, as pessoas usam drogas porque se tornaram física ou psiquicamente dependentes não interessando se a droga é lícita, leve ou pesada. Algumas pessoas usam drogas para alívio de problemas emocionais. Outras tomam drogas porque estão entediadas. Adolescentes podem usar drogas como uma expressão de alienação ou de revolta, ou muitas vezes são influenciados por músicas populares, por cantores, músicos ou atletas famosos que são adeptos das drogas. Todas as drogas, no plano individual, são capazes de diminuir a coordenação física, distorcer os sentidos, debilitar a mente e produzir efeitos devastadores no organismo. As máfias brasileiras cuidam do transporte das drogas, cocaína e heroína, destinadas à Europa e aos Estados Unidos da América e provenientes da Colômbia, Bolívia e Peru. Fornecem os insumos químicos para os Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 10 clandestinos laboratórios de refino da região amazônica. Recebem, como parte do pagamento das despesas do transporte, a própria droga e armas pesadas. O Brasil definitivamente ingressou na rota do tráfico de drogas e do crime organizado. No plano social o tráfico, e o uso de drogas, causa aumento significativo da criminalidade violenta, uma vez que traficantes não medem conseqüência para atingir suas finalidades. No plano penal as discussões, no campo das drogas, têm sido polarizadas em torno da questão da resposta punitiva ao traficante e ao usuário/dependente. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 11 1. PENAL, DIREITO PENAL, BEM JURÍDICO PENAL,CRIMINOLOGIA 1.1 Justificativas da Punição Na aurora da civilização, nas comunidades mais antigas, aplicava-se a pena como imposição natural, decorrente de normas pressupostas, sem qualquer preocupação sobre a racionalidade, a proporcionalidade e sobre a necessidade de evitar, o quanto possível, a utilização desmedida do castigo da pena que, quase sempre, implicava na condenação do agressor à morte. Falou-se sempre da pena, desde a Antigüidade, como expiação do delito praticado, de pena como purificação, de pena como instrumento de correção, de pena vindicativa, de pena como reeducação do réu, para terminar, em nossos dias, com a pena sendo considerada como meio e pressuposto para o tratamento ressocializante e terapêutico do delinqüente. O fato é que a punição, como sentido da pena, caminhou junto com o homem desde o surgimento das primeiras comunidades humanas, representando, em sua origem remota, tão-somente a vingança, a retribuição à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem preocupação de justiça. A função punitiva pode ser encontrada nos mais distantes momentos da vida associativa. Nos grupos sociais dessa era, aponta-se o direito natural como antecedente do pensamento jurídico porque encontra sustentação no plano imaginário, mágico e religioso das comunidades que não dispunham do conhecimento científico acerca dos objetos, dos fatos e fenômenos naturais, de modo que a explicação do real era procurada em sentido abstrato, intangível e, principalmente, acima das forças humanas. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 12 Para Roberto Lyra Filho as justificativas do direito natural podem ser resumidas no direito natural cosmológico, no direito natural teológico e no direito natural antropológico. Todas essas formas de apresentação procuram estabelecer um modelo jurídico destinado a validar as normas eventualmente produzidas, ou a explicar por que elas são válidas.[1] A lei surgiu a princípio, como uma parte da religião. Os antigos códigos das cidades eram uma mistura de ritos, prescrições religiosas, de orações e, ao mesmo tempo, de disposições legislativas. Fustel de Coulanges ensina que existindo poucos atos na vida humana sem alguma relação com a religião, quase tudo era submetido às decisões dos sacerdotes (pontífices) e estes se consideravam os únicos juízes competentes em um número infinito de processos. Em Roma afirmava-se não poder ser bom pontífice quem não conhecesse o direito, e, a contrario sensu, não se poder conhecer o direito sem conhecer a religião (Cícero, De legibus, II, 19: Pontificem neminem bonum esse nisi qui jus civile cogoscit). O motivo pelo qual os mesmos homens eram ao mesmo tempo, pontífices e jurisconsultos, resulta do fato de direito e religião se confundirem formando um todo.[2] Essa confusão entre direito e religião derivava da crença de que os sacerdotes, por suas ligações com as divindades, eram as pessoas mais indicadas para encontrar soluções acertadas, de acordo com a vontade dos deuses. O resultado percebido pelo homem, como a doença, a seca, tempestades e todos os fenômenos naturais maléficos eram tidos como resultantes das forças divinas contrariadas pela prática de fatos que exigiam reparação. A punição seria o desejo transcendental, não obra humana, por isso mesmo a faculdade de punir era exercida pela autoridade terrena por delegação divina.[3] A função punitiva é encontrada nos mais remotos registros da vida em sociedade, pois, mesmo aqueles que sustentam que o homem tenha vivido uma fase evolutiva pré-jurídica, concordam que ubi jus ibi societas, isto é, que não há sociedade sem direito.[4] Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 13 Nas sociedades humanas onde há um ordenamento jurídico, ainda que de forma embrionária, suas primeiras manifestações ocorrem no campo do Direito Penal pela função punitiva e face à necessidade de assegurar a unidade e a organização do grupo. Nesse estágio inicial, percebe-se a perenidade das penas cruéis e a ausência de discussão ou avaliação do seu sentido, pois o homem não é considerado em sua individualidade, mas sim como mero componente de um todo, isto é, da natureza das coisas. Assim sendo, o direito existiu primeiro enquanto sanção, para depois, em sucessivas evoluções firmar-se como sistema de disciplina das complexas relações que se estabelecem entre os homens, entre os homens e as coisas, entre os homens e o Estado e entre Estados. Reinavam as forças da vingança. Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, desencadeava-se a reação da vítima, dos parentes e até da tribo, que agiam sem proporção à ofensa, alcançado não só o agressor, como também todo o seu grupo. Se o agressor pertencia ao mesmo clã da vítima, podia ser punido com a expulsão da paz (banimento do grupo social) que, na verdade, equivalia a sentença de morte, já que o banido ficava a mercê de outros grupos sem ter quem o defendesse. Posteriormente, surge a composição na qual uma das partes em conflito, ou ambas, abre mão do interesse ou de parte dele ou, ainda, se livrando do castigo através do pagamento em moeda, gado, armas etc., sendo esta a origem remota das formas modernas de indenização do Direito Civil e da multa do Direito Penal. No período conhecido por fase da vingança divina o Direito Penal foi tomado pelo misticismo, já que devia reprimir o crime como satisfação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social.[5] No direito teológico o direito surge como conjunto de normas eternas, universais e imutáveis, sendo que as normas positivadas tinham como pressuposto as normas de Deus. Daí a inexistência de um debate sobre a justiça da pena, aplicada como intervenção divina, essencialmente retributiva. O fundamento para a imposição da pena residia no que hoje chamamos teoria da retribuição. O sentido da pena era a compensação, isto é, para o mal Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 14 do crime, o mal da pena. Não se questionava o limite da sua aplicação, nem se impunha limite algum ao poder punitivo. Por salientar o castigo, ela se deixa tomar pelas concepções morais e religiosas, a criminalizar condutas materialmente inofensivas, sem estabelecer limites para o legislador. Conforme leciona Evandro Pelarin, Dada a radical inoperância limitadora da punição e a patente sobreposição de sentimentalismos sobre a pena, pode-se afirmar que a retribuição exala a irracionalidade marcante do momento anterior ao nascimento do direito penal moderno. O procedimento retributivo é revelador da vingança humana, que não atende à sensatez ou ao equilíbrio, mas estabelece uma relação de desregramento total da aflição a permitir que o manipulador do direito imponha um ato de vontade motivado por concepções morais ou religiosas”.[6] O fundamento teológico, que perdurou durante toda a Idade Média, só viria a ser contrariado com o Iluminismo. No contexto iluminista surge a necessidade do estabelecimento de normas, fundadas no próprio homem, produto da razão humana, e não na natureza ou na inspiração divina. Daí que as normas não são fundadas em Deus, mas sim produto da organização racional. Nessa perspectiva a pena deixa de ser retributiva, apresentando-se a prevenção geral, ou categoria psicológica da pena, como alternativa à retribuição. 1.2 Iluminismo É no decorrer do Iluminismo que se inicia o processo de construção da noção de bem-jurídico penal. É nesse período da história (século XVIII) que se procura estabelecer os mais importantes limites formais e materiais ao jus puniendi. Nesse momento passa-se a indagar a respeito dos fundamentos do direito de punir e da legitimidade das penas, no sentido da contenção do poder punitivo institucionalizado. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 15 A nova edificação do Direito Penal tinha origem nas bases ideológicas do contratualismo, do individualismo, do racionalismo, do legalismo-garantismo, da codificação das leis, a secularização e o utilitarismo. O contratualismo, como paradigma do Direito Penal do iluminismo, estabelece que pelo pacto da associação, vários indivíduos, que decidiram viver juntos, passam do estado de natureza ao estado social. O conteúdo do pacto associativo reside na manifestação de um genérico desejo de viver em sociedade. [7] Quanto ao individualismo e racionalismo, o iluminismo conduziu a posição do homem a um novo patamar, como sujeito de direitos, autonomamente considerado em relação ao Estado criado no contrato social, pois o “homem é medida de todas as coisas”, portador de “direitos inatos, invioláveis, pré-jurídicos”; direitos estes que fundamentam o “poder punitivo”, já que o “Estado está legitimado a intervir precisamente quando os direitos subjetivos são lesados”.[8] Do fundamento legalista-garantista, o iluminismo cunhou os denominados princípios de direito penal constitucional, qualificados como ”reitores limitativos da intervenção estatal no campo da liberdade e da integridade física individual”, sendo o princípio da legalidade o maior expoente. Mais adiante “são abarcados os princípios da irretroatividade das leis e da retroatividade benéfica, depois o da culpabilidade, das limitações das penas e outros”.[9] Como conseqüência do reconhecimento dos direitos naturais, préjurídicos, e da construção dos princípios reitores, limitativos da punição, procurava-se registrar esses direitos na lei e nas codificações. A secularização vinha como decorrência da valorização do homem, mesmo porque os desmandos anteriores ao iluminismo eram cometidos em nome da lei divina. Em 1764, Cesar Bonesana, Marquês de Beccaria, imbuído dos princípios pregados por Jean-Jacques Rousseau e Montesquieu, publicou a obra Dos Delitos e Das Penas, que se tornou um símbolo da reação liberal Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 16 contra a pena de morte e contra a ignomínia do tratamento dispensado aos prisioneiros nas masmorras. Demonstrando a necessidade de reforma das leis penais, Beccaria insurgia-se contra as leis “que deveriam ser convenções entre homens livres”[10], com o objetivo de direcionar as ações da sociedade em benefício da maioria. Dizia Beccaria, com base no contrato social, que “cansados de um liberdade cuja a incerteza de a manter tornava inútil”, os homens “sacrificaram uma parte dela para usufruir do restante com mais segurança”, revelar que o sacrifício tem por fim promover a defesa da sociedade “contra as usurpações de cada particular”, pois o homem tende ao despotismo, a “procurar, incessantemente, não só retirar da massa comum sua parte de liberdade, como também usurpar a dos outros”, de modo que o criminoso é aquele que viola a liberdade garantida no contrato geral, o fundamento e os limites do poder criminalizador.[11] Precursor da defesa dos direitos humanos Beccaria escreveu: A privação da liberdade, sendo uma pena, não pode preceder a sentença, senão quando a necessidade o requer. A prisão é, pois, a simples custódia de um cidadão até que seja julgado culpado; e esta custódia, essencialmente dolorosa, deve durar o menor tempo possível, e deve também ser o menos severa possível. A aflição da prisão deve ser a necessária para impedir a fuga ou para evitar a ocultação da prova dos delitos. O processo mesmo deve estar terminado no mais breve espaço de tempo possível.[12] E ainda: “É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”.[13] Depois de Beccaria surgiu toda uma elaboração doutrinária que ficou conhecida como Escola Clássica, sendo Francesco Carrara, autor do Programa do Curso de Direito Criminal, considerado seu maior expoente. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 17 As principais teorias modificadoras são as seguintes: “a) Benthan: ‘a pena é justa à medida que é útil’, o mal da pena é menor do que o crime; b) Kant:conceitua a pena como exemplaridade do delinqüente (dá-se um exemplo com ela); c) Hegel: o crime é um ato de negação do direito, em se condenando, recompõe-se o estado de direito; d) Roedi: a pena seria a correção do criminoso; e) Carrara: a pena é uma atitude política de reparo”.[14] 1.3 Escola Clássica A Escola Clássica (1764-1832), conforme ensina o Professor Antonio José Eça, tem como característica fundamental o livre arbítrio: “A liberdade de vontade é aqui o conceito fundamental; tudo e todos são livres: a bruxa, o louco, o animal. Considera que em possuindo capacidade psicológica (e tudo o que daí decorre), tinha também entendimento, determinação e condenação; o detalhe é que aqui a pena era a vingança, era a lei de talião”.[15] Carrara é considerado o continuador da obra de Beccaria, no que ela tem de aspiração e aperfeiçoamento do Direito Penal como ciência social e normativa.[16] A Escola Clássica, trilhando o caminho aberto por Carrara, considerou sempre o crime como um ente jurídico, conferindo especial relevo à infração da lei do Estado. A pessoa do criminoso pouco ou nada interessava ao Direito Penal, cabendo ao juiz autoridade apenas para dosar a pena conforme os graus fixados pela própria lei. Cálculos e operações aritméticas eram feitos, considerando agravantes e atenuantes legais, para determinar o quantum da pena. Assim sendo, os Códigos Penais estabeleciam penas nos graus máximo, médio e mínimo. Apesar de incompleto, o sistema representava um progresso, porque impunha limites ao arbítrio judicial, antes desconhecidos.[17] Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 18 Pietro Nuvolone, ressalta que Carrara é a expressão característica do pensamento jus-naturalista e as suas idéias se inspiram nestes critérios fundamentais: a) a possibilidade de construir um sistema de normas penais universalmente válido, sobre base de princípio de razão; b) distinção entre delitos ‘naturais’ e ‘políticos’; c)construção do delito como ente jurídico; d) validade geral das normas penais, independentemente da personalidade dos indivíduos singulares, com a única exceção da grande divisão entre imputáveis e inimputáveis; e) correlação necessária entre delito e pena.[18] 1.4 A Criminologia científica A Criminologia científica é uma disciplina de base empírica, que surge quando a denominada Escola Positiva italiana, cujos representantes mais destacados foram Cesare Lombroso, Henrico Ferri e Rafael Garofalo, generalizou o método de investigação empírico-indutivo. Por isso mesmo fala-se em dois momentos na evolução das idéias sobre o crime: o momento “pré-científico” e o momento “científico”, cujos limites foram estabelecidos pela Escola Positiva, isto é, pela passagem da especulação, da dedução, do pensamento abstrato-dedutivo à observação, à indução, ao método positivo. Nesta longa trajetória da idéias e teorias sobre o crime e o delinqüente constata-se um deslocamento dos centros de interesses e do próprio método empregado desde a Biologia à Psicologia e à Psiquiatria, e destas à Sociologia. O fato é que ocorreu uma progressiva evolução do pensamento criminológico, Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 19 pois em seu início se formulam teorias, depois genuínos modelos, que no princípio eram simples e mais tarde se tornaram cada vez mais complexos e integrados. [19] 1.5 Escola Positiva Na trajetória do Direito Penal outro acontecimento muito importante é o aparecimento da Escola Positiva. O positivismo passou a ser a base ideológica da construção da noção de bem jurídico-penal, pois se buscava a explicação dos fatos numa relação de causa e efeito, inclusive no campo do direito. Manoel Pedro Pimentel, em seu magistério, ensina: A Escola Positiva trouxe uma profunda modificação, introduzindo o conceito de perigosidade social, motivando radical alteração nos critérios punitivos, pois deslocou o enfoque do ente jurídico para a pessoa do criminoso. Esta é que passou ao primeiro plano, consoante a conhecida frase de Van Hammel: ‘Beccaria disse ao homem, nos dias de arbítrio: conhece a Justiça; Lombroso, na época das fórmulas clássicas, disse à Justiça: conhece o homem”.[20] Franz Von Liszt um dos mais proeminentes positivistas sociológicos, ressalta que “todo direito existe por amor dos homens e tem por fim proteger interesses da vida humana”. Essa função protetiva “é a essência do direito, a idéia finalística, a força que o produz”. A partir dessas premissas Liszt define bem jurídico da seguinte maneira: Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 20 Chamamos bens jurídicos os interesses que o direito protege. Bem jurídico é, pois, o interesse juridicamente protegido. Todos os bens jurídicos são interesses humanos, ou do indivíduo, ou da coletividade. É a vida, e não o direito, que produz o interesse, mas só a proteção jurídica converte o interesse em bem jurídico. A liberdade individual, a inviolabilidade do domicílio e o segredo epistolar eram interesses muito antes qua as cartas constitucionais os garantissem contra a intervenção arbitrária do poder público”.[21] O movimento positivista representou um grande avanço na evolução do Direito Penal, entendido o crime não mais como um ente jurídico abstrato, mas como uma ação humana determinada por circunstâncias de natureza predominantemente social ou, mais raramente, de caráter individual (os doentes psíquicos) Evandro Lins e Silva, destaca o importante papel desempenhado pela Escola Positiva: A Escola Positiva foi um movimento altamente criativo, dele nascendo e se desenvolvendo, não só a antropologia criminal, a criminologia e a sociologia criminal, mas também, a política criminal e a penalogia ou ciência penitenciária. Passou o acusado a ser o ‘protagonista da justiça penal’, como disse Ferri. Daí advieram contribuições muito ricas, como as noções da individualização da pena, da periculosidade e da medida de segurança, esta sem coloração punitiva, mas tendo por fim a prevenção do crime e, especialmente, da reincidência. Avançava-se. Tão ou mais importante que o ato incriminado era o exame da personalidade de seu autor. Iniciava-se o que depois veio constituir o atual movimento de defesa social”.[22] O movimento criminológico do Direito Penal tem seu início com as pesquisas de Cesare Lombroso (médico psiquiatra e professor italiano – 1835/1909), que publicou o livro L’uomo delinqüente studiato in rapporto all’antropologia,alta medicina legale e alte discipline carcerarie. Lombroso considerava o crime como manifestação da personalidade humana e produto de causas variadas, estudando o delinqüente do ponto de vista biológico. Criou com seus estudos a Antropologia Criminal e, nela, a figura do criminoso nato. A teoria da disposição natural criada por Lombroso, segundo a qual o criminoso, nato ou congênito (caracterizado pela presença constante de anomalias anatômicas e fisiopsicológicas), considera que o delinqüente, desde Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 21 o seu nascimento, por causa de seus caracteres hereditários, somáticos e psíquicos, tem uma disposição natural para o crime, que como fenômeno do mundo exterior, se realizará, inevitavelmente, desde que ocorra qualquer provocação (por mínima que seja) do ambiente social, ou meio social, ou mundo circundante.[23] A teoria lombrosiana evoluiu conforme o seguinte modelo: do criminoso nato, partiu-se para o criminoso louco-moral; deste para a epilepsia e daí para a doença mental. Lombroso deu-se conta que não havia elaborado um conceito totalmente verdadeiro, pois nem sempre existia uma “vontade determinada” (atavismo), do que ele recuou e elaborou a teoria da epilepsia; assim passou a tratar todos, considerando que se não era atávico, era epilético.[24] Lombroso, apesar de muito criticado, criou alguns conceitos básicos que deram origem a novas diretrizes e abriram novas perspectivas no estudo do crime e do criminoso, dando início a uma nova ciência hoje conhecida como Criminologia. A Escola Positiva tem em Henrico Ferri (dissidente de Lombroso) o seu maior expoente. Criador da Sociologia Criminal (publicou um livro que leva esse nome), ressaltou a importância de um trinômio causal do delito: os fatores antropológicos, sociais e físicos. Aceitando o determinismo, Ferri afirmava ser o homem “responsável” por viver em sociedade.[25] Contrapondo-se à Antropologia Criminal de Lombroso, contestou a Teoria do Atavismo, procurando demonstrar que os fatos geradores do crime são de ordem moral, econômica, política, racial, climática e, sobretudo, educacional. Ainda que admitindo, de passagem, que a hereditariedade seja causa de criminalidade, incursionou sobre a pobreza, a impulsividade, a hostilidade, a baixa escolaridade, os lares desfeitos, a vizinhança, a delinqüência, e a vadiagem, rotulando-as de sociopatias. Descartando, quase que na sua integralidade, os fatores biopsicológicos como causas da criminalidade, centrou seus estudos sobre fatores mesológicos, como de maior importância sociológica.[26] Enrico Ferri insistiu no enfoque sociológico do direito até fazer quase desaparecer o Direito Penal, absorvido pela sociologia, a asseverar que a Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 22 responsabilidade penal deriva do fato de se viver em sociedade e o fim do direito penal era a defesa social, desconsiderando a característica instrumental do Direito Penal, ou seja, a possibilidade dele se tornar mecanismo sistemático e institucional de controle social.[27] Desde Ferri, considera-se que o objeto da Criminologia não trata o crime como abstração jurídica, mas como ação humana. Rafael Garofalo, iniciador da chamada fase jurídica do positivismo italiano, em sua obra Criminologia, onde pela primeira vez se usou essa denominação para as ciências penais, é necessário estudar o delito, o delinqüente e a pena. Para Garofalo o delito natural seria uma ofensa ao senso moral da humanidade, isto é, aos sentimentos altruístas fundamentais de piedade e probidade.[28] Em resumo, os princípios básicos da Escola Positiva são os seguintes: 1) O crime é fenômeno natural e social, sujeito às influências do meio e de múltiplos fatores, exigindo o estudo pelo método experimental; 2) A responsabilidade penal é responsabilidade social, por viver o criminoso em sociedade, e tem por base a sua periculosidade; 3) A pena é medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso ou à sua neutralização; 4) O criminoso é sempre, psicologicamente, um anormal, de forma temporária ou permanente”.[29] Garófalo definiu a Criminologia como “a ciência do delito que estuda as causas que atuam sobre os criminosos, na determinação dos crimes, e os meios de evitar essas causas e demover estes crimes, para a segurança e defesa da sociedade”, procurando, ainda, classificar os criminosos em natos, loucos, habituais, de ocasião e por paixão.[30] Os estudos de Lombroso, Ferri e Garofalo reformularam o conceito de delinqüência, principalmente no que diz respeito ao criminoso. Passou-se a capitular o delito não como um fato jurídico, porém como um fenômeno natural e social em que se examinam, primeiramente, o autor e o ambiente no qual o Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 23 crime ocorreu, para, depois, estudar juridicamente o delito como manifestação da estrutura orgânica e psíquica do delinqüente.[31] Passou-se a entender a pena não mais como vingança social, mas, sim, como tendo a função de defesa social, reforma do indivíduo e de reparação dos ofendidos. Francisco Muñoz Conde explica que o positivismo científico baseava-se na experiência e nos fatos incontestáveis que podiam ser apreendidos com um método puramente causal e explicativo. À atividade jurídica negava-se o caráter de ciência, justamente pela falta destas qualidades. Portanto, a consideração jurídica do delito devia ser substituída por uma sociológica ou antropológica, as únicas a garantir resultados seguros e autenticamente científicos. Surgiu assim uma nova ciência a criminologia para o estudo científico do delito, como fenômeno social ou antropológico, com exclusão total de seus aspectos jurídicos. Diante desse positivismo científico, surgiu concomitantemente um positivismo jurídico que, como reação, prescindiu das dimensões sociais e políticas do delito, alijando-as do seu âmbito e estruturando o delito de um ponto de vista exclusivamente jurídico, com a ajuda de um método também puramente científico.[32] Nos dias de hoje, como reação ao positivismo jurídico, em que se propugnava pela redução do Direito ao estudo da lei vigente, os penalistas passaram a preocupar-se com a pessoa do condenado em uma perspectiva humanista, instituindo-se a doutrina da Nova Defesa Social, onde se considera que a sociedade só pode ser defendida na medida em que proporciona a adaptação do condenado ao convívio social. O movimento de Defesa Social (idealizado por Filippo Gramática – advogado e professor italiano), consistia na ação do Estado destinada a garantir a ordem social, mediante meios que importassem a própria abolição do Direito Penal e dos sistemas penitenciários vigentes. Os males da prisão levaram à pregação da abolição do próprio Direito Penal, por Filippo Gramática e seus seguidores. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 24 Hilário Veiga de Carvalho ensina que as idéias de Filippo Gramática (Príncipes de défense sociale, 1963) podem ser enumeradas, como segue: 1o. A atividade do Estado tendente a garantir a ordem jurídica e social deve-se exercer por meios que contenham, neles mesmos, a abolição do direito penal e dos sistemas penitenciários, mesmo nas suas formas mais progressivas. 2o. Ela deve repousar sobre o critério da anti-socialidade subjetivamente avaliada, o que conduz a fazer perder, o processo, o caráter puramente formal e jurídico que ele tem no sistema penal, e a lhe dar um caráter fundamente psicológico, dominado pela pesquisa científica e antropológica. 3o. Esta pesquisa relativa a cada homem em particular deve conduzir à aplicação de uma medida adequada de defesa social segundo os seguintes princípios: a) nenhuma medida para aquele que – a despeito do fato cometido – não revele anti-sociabilidade subjetiva; b) medida educativa para aquele cuja anti-sociabilidade subjetiva não é senão a manifestação de uma inadaptação social; c) medida curativa para aquele cuja anti-sociabilidade subjetiva é de origem patológica”.[33] Os exageros do pioneirismo de Filippo Gramática seriam mitigados pela intervenção de Marc Ancel que, em seu livro A Nova Defesa Social, esmiuçou os mais importantes problemas da política criminal de nossos dias, defendendo o estado de direito, a legalidade e um sistema regular de processo judicial, com a garantia dos direitos individuais.[34] Marc Ancel opôs-se à proposta de Gramática por entender que a abolição do Direito Penal conduziria ao “ao arbítrio mais absoluto ou mesmo para uma espécie de caos social”, advertindo, contudo, que “o penalista sente hoje que não mais pode ser simplesmente um jurista” e “o criminalista mais avisado sente igualmente que não pode reconhecer, sem distinção, ao médico, ao sociólogo ou ao psicólogo o direito de substituí-lo”.[35] O pensamento da Nova Defesa Social valorizando, primordialmente, os componentes sociais e psicológicos da criminalidade, conduz à idéia de que o criminoso pode ser reintegrado ao convívio social desde que adequadamente educado. Sob essa perspectiva exige total reformulação do sistema carcerário, pois considera que a cadeia é a “universidade do crime”, e a pena de prisão é um remédio opressivo/repressivo e violento, de conseqüências devastadoras Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 25 sobre a personalidade humana, e que deve ser aplicada tão-somente como verdadeira medida de segurança, aos reconhecidamente perigosos.[36] O fato é que o desenvolvimento da psicologia, da sociologia, e, por conseqüência o da criminologia, situou o delinqüente sob uma nova perspectiva. As novas ciências contribuíram para considerar o criminoso, mais do que um culpado, um sujeito total ou em parte, psiquicamente anormal, um associal, um desviado, uma vítima de suas próprias distorções intrapsíquicas, ou seja, das más influências ambientais quer na infância, quer na adolescência, quer na idade adulta. Resta, todavia, o problema das causas profundas da criminalidade, e, portanto, da procura de meios e métodos para combatê-la, questão que tem se revelado muito mais complexa e de difícil solução, do que originalmente se supunha. Desde a Antigüidade, que os homens se preocupam em descobrir as causas da delinqüência buscando, a princípio, uma explicação filosófica ou teológica, e depois científica. Dos estudos iniciais centralizados sobre o criminoso passou-se ao estudo sistemático do fenômeno criminal. Do antropologismo de Lombroso à sociologia criminal de Ferri, a Criminologia ampliou progressivamente o seu campo, despertando novos interesses e novas indagações sobre o porquê da atuação do meio social sobre o indivíduo. No entendimento de Ivette Senise Ferreira, Não somente tornou-se essencial para a Criminologia moderna a Sociologia Criminal, cujas pesquisas procuram determinar de que maneira a sociedade contribui para moldar a mentalidade de um indivíduo que talvez não possua nenhuma disposição pessoal para o crime, mas também revelaram-se de enorme valia, no que se refere à criminogênese, as pesquisas referentes à psicologia do delinqüente para determinar-se o processo que conduz um indivíduo a trilhar a via do crime, seja ele predestinado ou não por características constitucionais.[37] Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 26 1.6 Criminologia Crítica A Criminologia Crítica concebe o crime como conveniência da classe dominante e que os tipos penais são elaborados pelos detentores do poder para submeter a população em geral. Embora a Criminologia Crítica trace, nos dias de hoje, seus próprios caminhos, considera-se como seu fundamento inicial a Teoria Criminológica de Karl Marx, que dissertava que a criminalidade é manifestação exclusiva do regime capitalista, tese que a história se encarregou de desmentir. [38] Alessandro Baratta, um dos maiores expoentes da Criminologia Crítica e da Política Penal Alternativa, defende o seguinte ponto de vista: A plataforma teórica alcançada pela criminologia crítica e preparada pelas correntes mais avançadas da sociologia criminal liberal, pode-se sintetizar numa dupla contraposição à velha criminologia positiva que se servia da abordagem biopsicológica. Esta buscava, em primeiro lugar, a explicação da criminalidade, na ‘diversidade’ ou anomalia dos autores dos comportamentos criminalizados. Em segundo lugar, a velha criminologia partia da criminalidade como dado ontológico preconstituido à reação social e ao direito penal, que podia ser estudado em suas ‘causas’, independentemente do estudo da reação social e do direito penal. Em ambos os casos a velha criminologia estava subordinada ao direito penal positivo. Deste recebia as definições da realidade que pretendia estudar através do método científiconaturalista e os indivíduos que observava para a elaboração das teorias das causas da criminalidade. Eram indivíduos caídos na engrenagem judicial e administrativa da justiça penal e, sobretudo clientes do cárcere e do manicômio judiciário; ou seja, indivíduos selecionados do complexo sistema de filtros, que é o sistema penal. Os mecanismos seletivos utilizados, desde a criação da norma até sua aplicação, eram semelhantes ao processo de seleção de classes, que se verifica na sociedade.[39] Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 27 E diz mais: Na perspectiva da criminologia crítica, a criminalidade não é mais uma qualidade ontológica de determinados indivíduos, mas, sim, se revela como um estado atribuído a determinados indivíduos através de uma dupla seleção. Em primeiro lugar, a seleção dos bens protegidos penalmente e dos comportamentos ofensivos desses bens, tipificados na norma penal. Em segundo lugar, a seleção dos indivíduos estigmatizados entre os indivíduos que cometem infrações às normas penalmente sancionadas. A criminalidade é ‘um bem negativo’ distribuído desigualmente segundo a hierarquia dos interesses, fixada no sistema econômico e segundo a desigualdade social entre os indivíduos. Criminoso’ é, efetivamente, na opinião pública, quem esteve sujeito a sanções estimagtizantes e isto significa, quem é ou foi parte da população carcerária”.[40] Ressalte-se que a expressão Criminologia Crítica tem sentido amplo abrigando outras denominações: Nova Criminologia, Criminologia Radical, Economia Política do Crime e Criminologia Moderna.[41] A Criminologia Crítica dividiu-se em três correntes: Criminologia Abolicionista; Criminologia do Minimalismo ou do Direito Penal Mínimo; e Criminologia do Neo-Realismo de Esquerda.[42] 1.6.1Criminologia Abolicionista A Criminologia Abolicionista tem como proposta abolir as prisões e o próprio Direito Penal, substituindo-o por intervenções comunitárias e institucionais de caráter alternativo. Seus defensores entendem que numa sociedade marcada pela desigualdade nas relações de poder, o sistema penal se destina apenas a consolidar essas diferenças. Por outro lado, um sistema informal e comunitário de solução de situações problemáticas e conflitivas contribuiria para diminuir essas tensões e desigualdades.[43] Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 28 1.6.2Criminologia Minimalista A Criminologia Minimalista defende a idéia de um Direito Penal de conteúdo mínimo (intervenção mínima e subsidiária) e atuando somente em último caso (ultima ratio), tendo a norma penal a função de tutelar somente os bens jurídicos fundamentais da sociedade, vale dizer, apenas os mais relevantes. A corrente minimalista se subdivide em duas outras tendências. Uma defendendo a necessidade de manutenção da lei penal, para a defesa dos mais fracos, além de evitar reações indesejáveis, seja por parte do Estado, seja por parte da vítima ou de parte de outros atores sociais. A segunda tendência entende que o Direito Penal teria por finalidade limitar a violência institucional, representada pela pena e pelo sistema carcerário. O sistema punitivo é absolutamente inadequado para desenvolver as funções socialmente úteis (prevenção, reeducação, reabilitação, reinserção) declaradas em seu discurso oficial. 1.6.3Criminologia do Neo-Realismo O denominado movimento neo-realista surgiu em reação ao pensamento idealista que dominava o ideário da Criminologia Crítica, atuando através do “Movimento Lei e Ordem” que advoga medidas repressivas de grande severidade e a formulação de novos tipos penais.[44] Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA João Marcello Júnior destaca as principais características 29 do pensamento dominante no Movimento Lei e Ordem: 1. A pena se justifica como castigo e retribuição, no velho sentido, não devendo a expressão ser confundida com o que, hoje, denominamos retribuição jurídica. 2. Os chamados crimes atrozes devem ser punidos com penas severas e duradouras (morte e privação de liberdade longa)”. [45] 1.7Considerações sobre a história da criminologia no Brasil No final do século XIX a Criminologia desfrutava de grande prestígio no meio jurídico brasileiro, sendo grande o número de criminalistas que se dedicavam aos estudos criminológicos.[46] O então denominado “Direito Criminal” abrigava extensas considerações pertinentes à Criminologia, sobretudo no campo das indagações sobre a etiologia do delito e à classificação dos criminosos. Doutrinas como as de Lombroso, Ferri, Garofalo e outros, atrairam os estudiosos, conduzindo-os ao terreno das especulações na busca de fórmulas definitivas que explicassem a origem dos comportamentos delituosos e que permitissem enquadrar as classes de criminosos em compartimentos estanques e bem definidos. Em lugar da ciência penal, com predominância da dogmática pura, imperava a Criminologia, ainda não sistematizada plenamente como ciência, mesclando com os conceitos jurídicos as teorias enunciadas no campo da antropologia, da psiquiatria, da sociologia etc. Os penalistas brasileiros dessa época recebiam a influência da Escola Positiva, considerando de maior importância o conhecimento da pessoa do Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 30 criminoso e, conseqüentemente, dedicando menor atenção ao estudo do fenômeno jurídico do crime. Nesse ambiente criou-se a condição propícia para que as teorias antropológicas, sociológicas, psiquiátricas, endocrinológicas e outras se tornassem dominantes no campo da ciência penal, misturando-se com as teorias jurídicas embasadas na dogmática, desfigurando-as. A reação contra essa ”invasão” da ciência penal surgiu através do movimento técnico-jurídico. A propósito, Manoel Pedro Pimentel escreveu : A Escola Técnico-Jurídica, chamada por Ugo Spirito de Concepção Técnico-Jurídica, nasceu de uma reação contra a intromissão excessiva, no campo da ciência penal, das ciências afins ou colaboradoras: filosofia, sociologia, antropologia etc. Seus principais postulados foram sintetizados por Arturo Rocco quando, aos 15.01.1910, proferiu a aula inaugural dos cursos da Universidade de Sassari. Não é esta a sede própria para analisar criticamente os seus fundamentos, mas cumpre destacar essa aversão extrema às indagações filosóficas e ao jusnaturalismo. Manzini e Massari secundaram as críticas que, nesse sentido, Rocco formulara, e defenderam a posição por ele firmada no sentido de que o único objeto da ciência do direito é o direito positivo. [47] O eminente mestre Nelson Hungria, em conferência proferida na sessão inaugural do 1o Congresso Nacional do Ministério Público, em São Paulo, em 15 de junho de 1942, assim se pronunciou: No Brasil, onde o estudo do direito penal tem sido tão descuidado, ensejando-se a difusão de idéias superficiais e graúdos equívocos, precisamos, agora que o advento do novo Código veio trazer oportunidade e estímulo para uma revisão geral de conhecimentos, traçar, uma vez por todas, a linha de fronteira ou de circunvalação da ciência jurídico-penal. Notadamente, já não é mais tolerável, em face de uma legislação nova que mandou para o limbo as denominadas ‘ciências criminológicas’, que ainda se continue a falar delas como de ciências penais”.[48] Esse pronunciamento de Nelson Hungria teve enorme peso, porque é notória a posição de alto relevo que ocupava na Comissão Revisora do Projeto Alcântara Machado, que se converteu no Código Penal brasileiro de 1940. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 31 Por outro lado, também notória, a influência exercida pelas idéias técnico-jurídicas no Código Penal, calcado que foi no Código Penal italiano de 1933, cujo projeto fora elaborado por Rocco e ostentava cunho eminentemente técnico-jurídico. O Código Rocco calcado no pensamento penal fascista, conforme ensina Evandro Lins e Silva, representou um acentuado retrocesso em relação à política criminal renovadora do começo do século XX: O nosso Código Penal de 1940, ainda em vigor, se bem que reformado para melhor, na parte geral teve como modelo imediato o código italiano. Daí os fortes resíduos autoritários incrustados em nossa legislação. Não tem sido fácil expurgalos. O mais grave é que a mentalidade de grande parte de nossos jurispenalistas – magistrados, professores e advogados – se formou sob a égide do Código Rocco e de seu substrato filosófico, a chamada escola tecnojurídica, cujos áridos pressupostos constituem o que nos parece uma nociva contribuição do fascismo à ciência do direito penal.[49] A escola técnico-jurídica gerou um sistema essencialmente dogmático, esquecendo-se do homem e encarando o delito sob o aspecto essencialmente jurídico, relegando a finalidade primordial do ordenamento penal, consubstanciada no sentido preventivo geral e especial da pena, a plano secundário. O delito, encarado sob o aspecto estritamente jurídico, distanciavase de seu ator, fenômeno humano.[50] O próprio Nelson Hungria criticaria mais tarde a corrente dogmática, combatendo aqueles que querem distanciar o Direito Penal de sua realidade humana e social, dizendo: O crime não é apenas uma abstrata noção jurídica, mas um fato do mundo sensível, e o criminoso não é um impessoal ‘modelo de fábrica’, mas um trecho flamejante da humanidade. A ciência que estuda e sistematiza o Direito Penal não pode fazer-se cega à realidade, sob pena de degradar-se num formalismo vazio, numa platitude obsedante de mapa mural de geometria. Ao invés de librar-se aos pináculos da dogmática, tem de vir para o chão do átrio, onde ecoa o rumor das ruas, o vozeio da multidão, o estrépito da vida, o fragor do mundo, o bramir da tragédia humana.[51] Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 32 Assim sendo, como relata Manoel Pedro Pimentel, quase que banida da órbita jurídica, a Criminologia encontrou abrigo nas Faculdades de Medicina, nos laboratórios, nos manicômios, nas penitenciárias, comparecendo nas aulas de Medicina Legal ou nos pretórios, para auxiliar no esclarecimento de alguns casos de homicídio. Por outro lado, nesse período, algumas obras notáveis foram publicadas nesse campo, escritas algumas por insignes juristas como, por exemplo, a obra do ilustre Roberto Lyra que sempre se mostrou preocupado com os aspectos criminológicos das questões penais, ventilando em todos os seus livros as idéias que defendeu com afinco e que estavam radicadas na busca de soluções para os problemas da criminalidade e do tratamento do criminoso. De fato, em uma sociedade agudamente alterada pelo progresso técnico e científico, a criminalidade surge com novas roupagens, apresentando-se, também, sob formas ligadas ao desenvolvimento econômico e social. Às formas clássicas de criminalidade (ligadas à pobreza, ao alcoolismo, à prostituição, à mendicância), acrescenta-se novas modalidades ligadas à propagação da violência e ao abuso de drogas, fenômeno gerado pela própria sociedade através dos estímulos criminógenos que ela mesma propicia e multiplica.[52] Com base nessas diferentes concepções, os usuários de drogas receberam, inicialmente, tratamento penal criminalizante, até que teve início o movimento de distinguir, e tratar penalmente de maneira diferenciada, o usuário de drogas e o traficante. 2. ENTORPECENTES E DROGAS AFINS 2.1 Breve relato histórico O uso de drogas pelo homem não é um hábito moderno. Desde a mais remota antiguidade, praticamente em todo tipo de cultura, o uso de drogas Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 33 sempre esteve presente no cotidiano do ser humano. Inicialmente o uso dessas substâncias estava relacionada a atividades mágicas ligadas a cultos religiosos, cerimônias rituais e atividades místicas por parte de feiticeiros e curandeiros das tribos. Essas drogas antes somente encontradas na natureza, e que só podiam ser identificadas e usadas pelos ‘iniciados’ nos mistérios da religião ou da atividade curativa primitiva, hoje são produzidas através de sofisticadas técnicas farmacêuticas e químicas, em escala jamais vista. Genival Veloso França faz um relato histórico do uso de drogas na antiguidade: A mais antiga dessas drogas é o álcool, conhecido pelo menos há seis mil anos a.C. Os assírios, gregos e egípcios nos deixaram textos que testemunham o uso do ópio. Homero relata, na Odisséia, que a formosa Helena de Tróia deu a Telêmaco uma bebida denominada Nephenthes para esquecer a dor e a desgraça. Heródoto, o historiador, e Hipócrates, o médico, referem-se ao uso do ópio, assim como Aristóteles, Virgílio e Plínio, o velho.[53] O consumo de drogas é um hábito milenar e universal. Os padrões de consumo são reveladores da organização de uma determinada sociedade, seus sistemas, crenças e mitos. Paulo Alves Franco considera o uso de drogas como: Como a droga é um sucedâneo da cultura ele segue as evoluções culturais, havendo períodos onde o espaço participativo para a droga é cada vez menor, sua inserção ritualística comunitária se enfraquecer e, o único espaço no qual consegue penetrar se situa no vazio cultural interno de indivíduos isolados, que se tornam marginalizados daquelas sociedades cujas expressões culturais perdem a sua coesão integradora”.[54] Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 34 O uso massivo de entorpecentes e drogas afins é um fenômeno relativamente recente. Nos anos que se sucederam à década de 50, sucessivos movimentos como os beatiniks, hippies, contestavam a organização social, a guerra do Vietnã, pregando um novo estilo de vida onde se misturavam política, ideais de amor livre, experiências sensoriais com drogas psicodélicas. A droga associava-se ao surgimento de um novo misticismo e assumia o caráter de propiciar uma nova percepção do universo e, ao mesmo tempo, significava repúdio ao sistema capitalista. As mudanças na conjuntura econômica e, principalmente, na estrutura familiar também contribuíram significamente para o aumento do número de dependentes de drogas. Esse aumento indiscriminado de dependentes a partir passou a representar um problema social e de saúde pública. 2.2 Conceito Segundo de Plácido e Silva, entorpecente é: “Substância tóxica de efeito inicial agradável, mas que, devido à continuidade do uso, provoca alterações físicas e morais”.[55] A Lei nº 6.368/76 - Lei Antitóxicos - definiu substância entorpecente como aquela que determina dependência física ou psíquica. O artigo 36, da referida lei, conceituava entorpecente nos seguintes termos: Art. 36. Para os fins desta Lei serão consideradas substâncias entorpecentes ou capazes de determinar dependência física ou psíquica aquelas que assim forem especificadas em lei ou relacionadas pelo Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia, do Ministério da Saúde. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 35 Parágrafo único: O serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia deverá rever, sempre que as circunstâncias assim o exigirem, as relações a que se refere este artigo, para fim de exclusão ou inclusão de novas substâncias”. Trata-se de uma norma penal em branco, dependente de complemento (lei, decreto, portaria ou regulamento). Somente é considerada substância entorpecente ou que determina dependência física ou psíquica a que estiver especificada em lei ou relacionada pelo Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia do Ministério da Saúde. Do exposto nota-se que para definir entorpecente faz-se uso da palavra tóxico, que segundo De Plácido e Silva é: Do latim toxicum (veneno), é a denominação dada, genericamente, a toda substância ou a todo ingrediente que, por ser venenoso, possa produzir no organismo humano uma alteração grave, ou mesmo a morte. Na forma adjetiva, exprime, assim, o que é venenoso, letífero ou mortífero. Os tóxicos podem provir de qualquer substância mineral, vegetal, ou animal, como se podem produzir em conseqüência de fermentações, infecções e outras causas portadoras de toxinas endógenas, isto é, geradas no próprio organismo. Tecnicamente, pois, o tóxico possui sentido lato, de modo que o veneno, embora classificado como tóxico, é tomado em sentido estrito, pois que nem todo tóxico é reputado como veneno. A rigor gramatical, portanto, o que é tóxico entende-se o que é prejudicial, pernicioso, ou mortal, à saúde ou ao organismo dos seres viventes.[56] A OMS - Organização Mundial de Saúde definiu toxicomania ou toxicolofilia: “como um estado de intoxicação periódica ou crônica, nociva ao indivíduo ou à sociedade, produzida pelo repetido consumo de uma droga natural ou sintética”.[57] Para Genival Veloso de França o uso de substâncias tóxicas ou entorpecentes: “caracterizam-se pela compulsão irresistível e incontrolável que têm suas vítimas de continuar seu uso e obtê-los a todo custo; dependência psíquica; tendência a aumentar gradativamente a dosagem da droga; efeito nocivo individual e coletivo”.[58] Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 36 2.3 Toxicomanias O Professor Odon Ramos Maranhão discorrendo sobre toxicomanias assim se manifesta: Certas substâncias possuem a propriedade de aliviar a dor e proporcionar bem-estar e euforia. Usadas com a finalidade terapêutica, podem também ser procuradas por pessoas que se tornam ‘viciadas’ ou ‘toxicômonas’. Enquadram-se entre os ‘venenos’. Modernamente, a nomenclatura desses estados passou para ‘toxidependência’.(como já se registrou, a dependência pode ser física ou psíquica).[59] O desenvolvimento da dependência, ainda de acordo com o Professor Odon Ramos Maranhão, passa pelas seguintes fases: a) eufórica - quando ocorre excitação psíquica e intelectual. É chamado período de ‘lua de mel’; b) estado de necessidade - a sensação angustiosa de necessidade da droga obriga o indivíduo a repetir o uso: ‘tortura de privação’. Podem ocorrer manifestações físicas e até a morte; c) hábito - já ocorre resistência à ação dos tóxicos e sempre necessidade de aumento progressivo das doses (chega a ocorrer variação de dia a dia para se obter o mesmo efeito); d) estado de déficit - físico, psíquico, moral: tal é o estado final a que chega o toxidependente. Freqüentemente ocorrem infrações penais (variadas para a obtenção da droga: violência de todo tipo). Aqui surge o problema médico-legal da imputabilidade e do tratamento compulsório”.[60] A toxicomania é um estado de intoxicação crônica ou periódica, prejudicial ao indivíduo e nociva à sociedade, pelo consumo repetido de determinada droga, seja ela natural ou sintética. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 37 2.4 Entorpecentes, saúde pública : globalização O progresso e a globalização foram responsáveis pelo surgimento de novos tipos de doenças e vícios, tornando necessária intervenção do Estado no sentido de tutelar novos interesses jurídicos ligados ao meio ambiente, saúde pública, qualidade de vida, etc. Damásio E. de Jesus comenta os efeitos nocivos do progresso nos seguintes termos: Com o progresso da sociedade, entretanto, surgiram novos interesses jurídicos de difícil apreciação e determinação. Assim, v.g., a saúde pública, no que se relaciona especialmente com o crime de tráfico de entorpecentes e drogas afins, cujo interesse de prevenção e repressão se encontra previsto nas Consituições Federais da maioria dos países (arts. 5º, XLIII, 108, V, E 200, VII da CF brasileira), traduzindo a pretensão de o Estado garantir o normal funcionamento do sistema no que diz respeito à observância dos direitos dos cidadãos em todos os atributos de sua personalidade, em que se inclui o referente à saúde.[61] Em face do exposto o objeto principal da proteção penal nos crimes de tráfico ilícito e uso indevido de entorpecentes e drogas afins é a saúde pública. Vicente Greco Filho considera a toxicomania como problema social, a saber: A toxicomania, além da deterioração pessoal que provoca, projeta-se como problema eminentemente social, quer como fator criminógeno, quer como enfraquecedora das forças laborativas do país, quer como deturpadora da consciência nacional.[62] Quer seja nos Estados Unidos da América – o país mais rico e poderoso do mundo -, quer seja nos países do terceiro mundo, onde a miséria e a falta de oportunidades de certo modo conduzem ao vício, o consumo de drogas faz parte do contexto global, transformando-se em um dos desafios mais graves Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 38 aos governos e aos organismos internacionais que cuidam de combater esse problema. Damásio E. de Jesus ressalta: A saúde pública como interesse jurídico difuso, não resulta da soma das saúdes individuais dos membros que compõem a coletividade. Realmente, o nível de saúde dos membros do corpo social é algo mais que a saúde de seus integrantes. Esse interesse superior é garantido pela CF (arts. 196 e s.) e protegido pelas normas incriminadoras da Lei nº 6.368/76 (arts. 12 a 17).[63] As desigualdades na distribuição da riqueza continuaram e se agravaram com o advento de tecnologias avançadas, que marginalizaram a economia dos países em desenvolvimento. Apesar do aumento sem precedentes da prosperidade após a Segunda Guerra Mundial, a diferença em entre os países mais ricos e os mais pobres aumentou. Os ricos tornaram-se mais ricos e os pobres mais pobres. O fraco desempenho econômico dos países em desenvolvimento pode ser atribuído a causas diversas como o rápido crescimento da população, não acompanhado de um adequado crescimento de renda. O processo resultante da globalização afetou o mundo em desenvolvimento, especialmente porque a concorrência econômica deslocou-se, no final dos anos 80, do comércio para o capital. Políticas protecionistas dos países desenvolvidos impedem o acesso dos países em desenvolvimento a seus mercados, ao mesmo tempo que o preço dos produtos agrícolas desses países despencava no mercado internacional. Nessa perspectiva desalentadora de desemprego a produção de drogas passa a ser uma fonte vital de dinheiro e emprego. O comércio ilegal de drogas prosperou na economia globalizada. Ao mesmo tempo se beneficiava da desregulamentação financeira que facilitou a chamada “lavagem” de dinheiro proveniente do tráfico ilícito de drogas e entorpecentes. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 39 Diversos países do sudeste asiático e da América do Sul se destacaram como produtores e fornecedores de tóxicos em escala mundial. Em países como Peru, Colômbia, Bolívia a dependência econômica com relação às drogas é notória. Na Colômbia a situação chegou a tal ponto que os traficantes chegaram a se instalar como única autoridade em diversas regiões do país, disputando o poder com o governo constituído. O Brasil, pelas fronteiras em comum com esses países, passou a figurar como rota do tráfico e, também, como mercado consumidor. A sociedade dos traficantes com o crime organizado tornou-se evidente envolvendo, inclusive, instituições financeiras na lavagem de dinheiro e um impressionante poder de corrupção. 2.5 Psicotrópicos O conceito de toxicomania envolve o vício em entorpecentes, mas também o de outras drogas de efeitos psíquicos que, também, determinam dependência física ou psicológica. Não existe uma classificação perfeita para os entorpecentes e outras substâncias causadoras de dependência. Apenas uma parte dessas substâncias (denominadas venenos, de modo amplo) interessa para a legislação brasileira: são os entorpecentes e as substâncias causadoras de dependência física ou psíquica, expressamente relacionadas em lei ou portarias administrativas. Sergio de Oliveira Médici adota uma classificação dos entorpecentes, levando em consideração os principais efeitos por eles produzidos: Os tranqüilizantes, cientificamente chamados de psicolépticos, são os calmantes, drogas de efeito inibitório, que deprimem as Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 40 tensões emocionais e diminuem o tono psíquico. Entre eles estão os barbitúricos. Os estimulantes, ou psicoanalépticos, possuem efeito oposto: estado de alerta eliminando a fadiga e o sono. Basicamente são constituídos pelas anfetaminas. Os alucinógenos e euforizantes , ou psicodislépticos, causam delírios, alucinações, euforia e desestruturam a personalidade do dependente. Os mais conhecidos são LSD (ou ácido lisérgico), o ópio, a dolantina e outras substância de efeito morfínico, a cocaína, a maconha etc.[64] A farmacologia identifica as drogas que causam efeitos psíquicos como psicotrópicos. O termo psicotrópico é usado, principalmente, para designar produtos sintéticos, mas que pode corresponder aos naturais cujos efeitos sejam assemelhados. Os psicotrópicos, quanto aos efeitos, podem ser divididos em três categorias: psicoanalépticos, psicolépticos e psicodeslépticos. Os psicoanalépticos são os estimulantes psíquicos com base nas anfetaminas. São antidepressivos e sua ação elimina o cansaço e o sono. Os psicoanalépticos apresentam-se segundo o quadro seguinte:[65] a) Grupo das Anfetaminas Pervitin Dexedrina Benzedrina b) Grupo da Ritalina Piperidina PSICOANALÉPTICOS c) Grupo dos Inibidores da MonoAmino-Oxidase (MAO) d) Derivados Fenazina (Nardil) Feniprazina (Masilid) Nialamid (Niamid) etc Imipramina (Tofranil) Tricíclicos Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 41 Desipramina (Pertrofran) etc. Psicolépticos são os tranqüilizantes, hipnóticos, deprimidores das tensões emocionais. Provocam depressão respiratória, decréscimo do tono muscular e diminuição da secreção gástrica. Com o tempo e o uso prolongado desorganiza o sistema nervoso autonômo. Divisão dos psicolépticos (ou tranqüilizantes):[66] a) Barbituratos (fenobarbitais) Hipnossedativos b) Opiatos ou opiáceos e seus dervados naturais e sintéticos: heroína, morfina, codeína, dionina etc. a) Meprobameto Tranqüilizantes b) Diazepan c) Oxazepam PSICOLÉPTICOS Derivados fenotiazínicos Clorpromazina Alcalóides da Raúwolfia Reserpina Butirofenas Haloperidol Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 42 Os psicodislépticos são drogas desestruturadoras da personalidade sendo chamadas, também, de despersonalizantes ou alucinógenos, causando delírios e alucinações. Agem no sistema nervoso central com intensidade. Psicodislépticos principais:[67] Maconha Mescalina PSICODISLÉPTICOS alucinogênicos) (Alucinógenos ou LSD (ácido lisérgico) Psilocibina e Psilocina Os psicotrópicos segundo análise de Vicente Greco Filho: Os barbituricos, nos dias que correm, ganharam foros de verdadeira calamidade pública, pela dependência que criam, pela potencialização de seus efeitos quando associados ao álcool pelo seu abuso, que leva à morte ou, intencionalmente, ao suícidio.[68] De acordo com a origem das drogas são classificadas em três grupos: a) os produtos de origem natural, encontrados na natureza em plantas, folhas, raízes etc.; b) os produtos sintetizados, os fármacos, pela química farmacêutica; e c) os produtos descobertos para ou pelos toxicômanos, que podem ser produto de combinações de substâncias não sujeitas a controle e cujo uso ou Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 43 finalidade médica é desvirtuada. Exemplo: vasoconstritores nasais, colírios, xaropes etc. Diante desse quadro e do avanço constante da tecnologia, que todos os dias elabora ou descobre novos produtos farmacêuticos, torna-se impossível tipificar todas as substâncias que necessitam de controle. A divulgação de novas listas de substâncias cujo controle é recomendado está sempre defasada. 2.6 Toxicomania A Organização Mundial de Saúde definiu toxicomania ou toxicofilia "como um estado de intoxicação periódica ou crônica, nociva ao indivíduo ou à sociedade, produzida pelo repetido consumo de uma droga natural ou sintética". Em geral, esses tóxicos caracterizam-se pela compulsão irresistível e incontrolável que têm suas vítimas de continuar seu uso e obtê-los a todo custo; dependência psíquica: tendência aumentar gradativamente a dosagem da droga; efeito nocivo individual e coletivo. O aumento assustador do número de viciados em tóxicos tem assumido proporções alarmantes no mundo inteiro, tanto sob o ponto de vista social como o de saúde pública. Diversos fatores têm contribuído para esse aumento vertiginoso: os laboratórios, que passaram a produzir, graças ao avanço tecnológico, um número cada vez maior de alcalóides e seus derivados; a expansão do comércio internacional pela facilidade dos transportes, diminuindo as distâncias; a relação entre o tráfico de narcóticos com a vida miserável e o crime organizado. Mesmo sendo a toxicofilia um problema médico, sob o ponto de vista de tratamento, nenhum país pode defender-se sozinho, principalmente pelo tráfico organizado cada vez mais intenso e de ramificações internacionais. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 44 Parece que quanto mais se criam campanhas de prevenção a esta forma de vício, piores são suas conseqüências. Tanto maior a repressão policial, maior é o número de viciados que vão surgindo cotidiamente. A droga é um problema fundamentalmente urbano e mais comum na juventude. Sua maior incidência é na faixa etária de 14-25 anos. Não existem cifras absolutas sobre a situação atual da toxicofilia no Brasil e no mundo. Além de os viciados viverem, em sua maioria, na clandestinidade, muitos países ainda não dispõem de mecanismos administrativos capazes de precisar com exatidão o percentual de drogados. Há, inclusive, necessidade de que os laboratórios do mundo inteiro suspendam a fabricação de psicoestimulantes que são usados como meio de viciar. Não há justificativa para continuar usando as anfetaminas, como anorexígenos no tratamento da obesidade, pois, como se sabe, esse tratamento deve-se voltar para a esfera endócrina e psíquica, uma vez que ninguém poderá tomar essas drogas a vida inteira. Nos dias de hoje o uso indiscriminado de tranqüilizantes é devido ao estilo de vida estressante. Mas, ninguém pode viver de forma apática e indiferente, longe das emoções e dos estresses da vida, pois essas manifestações fazem parte do mundo moderno. Por que o homem encontra satisfação nos tóxicos? Antes de tudo, é necessário que se diga ser a toxicofilia uma compensação, um remendo a um espírito débil e a uma vontade fraca. Uma forma ilusória de enganar um viver frustrado e carente. Vivemos numa sociedade sem valores, onde a família não se encontra, absorvida em seus próprios problemas, tentando dar soluções às coisas materiais como maneira ilusória de alcançar a felicidade, enganada por certos valores que à primeira vista parecem conduzi-la em seu intento. Um novo modelo familiar com. filhos órfãos de pais vivos. A historicidade do indivíduo é fator preponderante em suas possibilidades sociais. A herança familiar é muitas vezes mais forte que a herança biológica. A família é o ventre social que condiciona o homem nos seus primeiros anos de vida. Ninguém nasce homem, mas com a possibilidade Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 45 de o ser. Sozinho ninguém é nada, por isso será ele o resultado de muitos encontros. Há milhares de anos que o homem usa drogas psicotrópicas. Antes, produzidas pela natureza, hoje, através dos meios mais sofisticados da técnica farmacêutica. As principais substâncias utilizadas pelos viciados são: MACONHA Também conhecida como marijuana, diamba, liamba, fumo-de-angola, erva maldita, erva-do-diabo, canábis, birra, haxixe e maria-joana, é conhecida na China e na Índia ha 9 mil anos. É extraída de certas partes das folhas da Canabis sativa, planta dióica, erecta, de cheiro acre e inflorescência verdeescura. Nativa das regiões equatoriais e temperadas, é a droga mais consumida no mundo inteiro. Seus maiores exportadores são a Birmânia, a África do Norte, o México e o Líbano. No Brasil, está bastante difundida, principalmente no Norte e Nordeste, nos Estados de Alagoas, Maranhão, Piauí e Pernambuco. Seu assunto é através de xaropes, pastilhas, infusões, bolos de folhas para mascar e, mais acentuadamente, em forma de cigarros (baseados, dólar, fininho) ou em cachimbos especiais chamados "maricas". Alguns não a consideram propriamente um tóxico por não trazer dependência nem crises de abstinência. Mas é um excitante de graves perturbações psíquicas e leva o viciado a associar outro tipo de droga. Muitos viciados permanecem em compita prostração, enquanto outros se tornam agitados e agressivos. Traz, como regra, a lassidão, o olhar perdido a distância, um comportamento excêntrico, uma memória afetada e uma falta de orientação no tempo e no espaço. Perdem a ambição, valorizam apenas o presente. Têm uma ilusão de prolongamento de vida e uma sensação de flutuar entre nuvens. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 46 Sua percepção é deformada e surgem problemas psicológicos como: fuga à realidade, indiferença e desligamento completo na fase mais aguda. Sua nocividade é relativa, pois não leva à dependência, não cria crises de abstinências e podem os viciados ser recuperados com certa facilidade. MORFINA Morfinomania ou morfinofilia é o uso vicioso de tomar morfina. Os mais fracos, com predisposição ao vício, com uma primeira dose dessa droga facilmente se escravizam. Por outro lado, há profissões que facilitam a aquisição da substância, como médicos, farmacêuticos e enfermeiras. O viciado começa aos poucos, com pequenas doses quase homeopáticas. E cada vez mais o organismo vai exigindo vai exigindo dose maior. Chegam, alguns deles, a tomar a cifra inacreditável de 6 g por dia. Na fase final, chegam a tomar doses de 30 em 30 min. A morfina é um alcalóide derivado do ópio e apresenta-se em forma de líquido incolor. Esse narcótico é utilizado sob a forma de injeção intramuscular, aplicada nas mais diferentes regiões do corpo, principalmente nos braços no abdome e nas coxas. O viciado mesmo aplica suas injeções. Na fase final, premido pela necessidade da droga, aplica-se sem assepsia e vai criando, ao longo do corpo, uma série de pequenos abscessos. Ou então, esteriliza a agulha na chama de uma vela ou de um fósforo, produzindo nas regiões picadas inúmeras tatuagens provenientes da fuligem. No início do uso da droga, o paciente sente-se eufórico, disposto, extrovertido, loquaz e alegre. Esta fase é chamada de "lua-de-mel da morfina". Com o passar dos tempos, o viciado emagrece, torna-se pálido, de costas arqueadas e cor de cera. Envelhece precocemente, a pele se enruga e o cabelo cai. Surgem a insônia, os suores, os tremores, a angústia, o desespero, a inapetência, a impotência sexual e os vômitos. Entra no "período Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 47 de estado", passa à fase de caquexia, vindo a falecer quase sempre de tuberculose ou de problemas cardíacos. O processo de intoxicação é rápido. Em pouco tempo, perde o controle, e a necessidade o obriga a se picar com freqüência e em qualquer ambiente. A inteligência, a memória e a vontade do drogado enfraquecem cedo. Os homens, quando se viciam por esse narcótico, para obter meios que propiciem a compra da droga, roubam, furtam, saqueiam, exploram, extorquem, enganam e matam. As mulheres, na fase de abstinência e de excitação, cometem atos incríveis, descem ao mais baixo nível de prostituição a fim de adquirirem o tóxico. HEROÍNA É um produto sintético (éter diacético da morfina). Tem a forma de pó branco e cristalino. Após a diluição, ele é injetado. Pode, ainda, ser misturado ao fumo do cigarro. O aspecto do intoxicado é semelhante ao da morfina. Sua decadência é a maior mais rápida, pois a heroína é cinco vezes mais potente que a morfina. Em poucas semanas, o drogado torna-se um dependente; com 30 dias de uso, o viciado já necessita de tomar uma injeção em cada duas horas. Provoca náuseas, vômitos, delírios, convulsões, bloqueios do sistema respiratório, e a morte sobrevém muito rápida. Tão nociva é essa droga, que muitos países já proibiram sua fabricação e, inclusive, o seu emprego pelos médicos. COCAÍNA É um alcalóide de ação estimulante, extraído das folhas da coca. Esse vegetal é um arbusto sul-americano. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 48 Apresenta-se na forma de pó branco para ser aspirado como rapé, por fricção da mucosa gengival ou diluído e aplicado como injeção. Colocado na mucosa nasal, inalado por aspiração, é esse alcalóide absorvido rapidamente para o organismo. A continuação do uso da cocaína pro via nasal termina perfurado o septo nasal, lesão esta muito significativa para o diagnóstico da cocainomania. Um dos fatos que mais chama a atenção num viciado por essa droga é o contraste arrasador entre uma decadência física lamentável e um humor imoderado e injustificável. Os olhos do drogado por cocaína são fundos, brilhantes, de pupilas dilatadas. Há um tremor quase generalizado, mais predominante nos lábios e nas extremidades dos membros. Tiques nervosos e excitações repentinas. É tão grave a nocividade dessa droga que, mesmo depois da cura pela desintoxicação, o viciado não se recupera das lesões mais graves do sistema nervoso. Tem estados depressivos e de angústia, alucinação visuais e tácteis, delírios de perseguição e complexo de culpa. Envelhece muito precocemente, e a morte é quase sempre por perturbações cardíacas. LSD 25 É uma droga eminentemente alucinógena, um produto semi-sintético, extraído da ergotina do centeio (dietilamina do ácido lisérgico). Consome-se em tabletes de açúcar ou num fragmento de cartolina manchado sutilmente da droga, dissolvido na água é ingerido. É a droga de maior poder alucinógeno conhecido. O viciado tem o aspecto de uma pessoa com náuseas. Mostra uma intensa depressão, tristeza e fadiga. O comportamento transforma-se transitoriamente, como se observa nas doenças mentais. Perturbações da percepção do mundo exterior, delírios e alucinações. Crises constantes de convulsões, chegando até ao estado cromatoso. Surgem pesadelos terríveis, dos quais a vítima pode ficar prisioneira para sempre. É o suicídio do drogado. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 49 O mais trágico é que esses produtos alucinógenos, como LSD, mescalina silobina entre outros, não apenas seduzem, os jovens desajustados e de personalidade desarmônica, mas também arrastam grande parte de uma juventude que poderia ser a esperança de um povo na tentativa de edificar um mundo melhor. Um Comitê Especial criado pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas vem-se mostrando profundamente preocupado com a generalização desta forma de vício e passou a exigir das autoridades uma fiscalização mais rigorosa. Recomenda aquele comitê que o uso do LSD ficasse limitado aos fins médicos de investigação científica e que fosse administrado apenas quando sob vigilância estritamente médica. Instituiu ainda junto aos governos de todos os países membros da ONU na luta contínua e sem tréguas para impedir qualquer outra utilização desse produto. Em estudos mais recentes, chegou-se à conclusão de que o LSD produz quatro grupos de reações. O primeiro grupo de manifestações caracteriza-se pela consciência do drogado de que suas forças e suas possibilidades aumentam sem limites. Sente-se um "todo-poderoso". Chama-se a esse estado de reação megalomaníaca. Como exemplo, cita-se o caso de uma jovem de 18 anos que, depois de haver tomado essa droga, convenceu-se de que podia voar como um pássaro atirando-se pela janela do edifício. O segundo grupo de reações é de conotações complemente opostas às primeiras: estado de depressão profunda, angústia e solidão. Sente-se como um ser indigno, pescador, incapaz, tendendo, na maioria das vezes, ao suicídio. As reações do terceiro grupo compreendem as perturbações paranóicas. Sentem-se perseguidos por pessoas que tentam contra sua vida, principalmente aquelas que o rodeiam. E, assim, partem logo para o ataque, causando lesões graves ou a morte daquelas. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 50 O quarto grupo de reações é caracterizado por um estado de confusão geral cujos sintomas se assemelham aos das doenças mentais: ilusões, alucinações, idéias irracionais, sentimentos absurdos, incapacidade de se orientar no tempo e no espaço. Esses estados geralmente duram pouco e podem prolongar-se por muito tempo. Uma criança de 8 anos que, acidentalmente, comeu um torrão de açúcar com uma gota de LSD dissolvido teve uma crise de loucura que demorou nove meses para se recuperar. BARBITÚRICOS Chama-se barbiturismo ao uso abusivo e vicioso dos barbitúricos. Os barbitúricos são drogas muito usadas pelos viciados, na falta de outro tóxico. Quando utilizadas em doses adequadas e por indicação médica, estas drogas não chegam a trazer incômodos e são benéficas ao paciente. Porém, quando ingeridas de forma imoderada e sem controle médico, acarretam sérios distúrbios ao organismo. A embriaguez barbitúrica caracteriza-se por tremores, perturbação da marcha, disartria, sonolência, estado confusional, apatia e bradipsiquia. A retirada repentina dessa substância traz desordens psíquicas e convulsões. ANFETAMINAS O consumo abusivo de anfetaminas - "bolinhas" - constitui, no momento, o maior problema médico e social no que se refere aos tóxicos no país. Têm sido usadas essas drogas por todos os viciados que não dispõem do seu tipo de tóxico. Usam para evitar a sonolência, para desinibir, para euforizar. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 51 A intoxicação aguda pelas anfetaminas caracteriza-se pela inquietação psicomotora, incapacidade de atenção, obnubilação da consciência, estado de confusão com manifestações delirantes. Seu uso é por ingestão com água, dissolvidas em bebidas alcoólicas ou dissolvidas e injetadas na veia. Essa é a droga mais usada e mais facilmente adquirida no Brasil. CRACK O crack tem um efeito muito semelhante ao da cocaína, entretanto, percebido mais rapidamente e com poder maior de viciar e produzir danos. Praticamente ele é constituído da pasta base da cocaína, como um subproduto, e por isso é muito mais usado entre os viciados de poder aquisitivo reduzido. Seu uso é através da aspiração em cachimbos improvisados e é apontado como a droga mais usada nas cidades do Sul e Sudeste do Brasil. Os efeitos tóxicos e os efeitos sobre o cérebro são muito parecidos com os da cocaína: dilatação das pupilas, irritabilidade, agressividade, delírios e alucinações. Com o tempo, o usuário de crack começa a apresentar uma sensação de profundo cansaço e de grande ansiedade. COGUMELO É um alucinógeno natural que leva ao delírio e às alucinações. O usuário refere à percepção de sons incomuns e cores mais brilhantes. Seu uso é através de infusão. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 52 COLA A cola é constituída de hidrocarbonetos de efeitos muito rápidos sobre o sistema nervoso, embora de pouca duração. Podem levar à euforia e à alucinação. Numa fase mais avançada, a cota pode causar lesões graves na medula, nos rins, fígado e nervos periféricos. Seu uso é por inalação. 2.7 Drogas: tendências político-criminais Conforme leciona o Professor Luiz Flávio Gomes, nos dias de hoje, é possível distinguir quatro tendências político-criminais em relação às drogas e, “paralelamente, ao usuário de droga”: (d) Justiça terapêutica: propugna pela disseminação do tratamento como reação adequada para o usuário ou usuário dependente. É patente a confusão que faz entre o usuário e o dependente. “Assim como nem todos que tomam um copo de uísque são alcoólatras, também há quem use drogas sem(a) modelo norte-americano: prega abstinência e a tolerância zero. De acordo com a visão norteamericana, as drogas constituem problema policial e particularmente militar, para resolver o assunto, adota-se o encarceramento massivo dos envolvidos com drogas, “diga não às drogas” é um programa populista, de eficácia questionável, mas bastante reveladora da política norte-americana. O paradoxo: na Guerra do Vietnã os EUA trocaram apoio por drogas. De outro lado, a solução “militar” para o problema da droga não vem produzindo bons efeitos: a interminável guerra na Colômbia, v.g., evidencia a dificuldade enorme dessa política exageradamente repressiva. (b) Modelo liberal radical (liberalização total): a famosa revista inglesa “The Economist”, com base nos clássicos pensamentos de Stuart Mill, vem enfatizando a necessidade de liberar totalmente a droga, sobretudo frente ao usuário, salienta que a questão da droga provoca distintas conseqüências entre ricos e pobres, realçando que só os pobres vão para a cadeia. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 53 (c) Modelo de “redução de danos” (sistema europeu): em oposição à política norte-americana, na Europa adota-se uma outra estratégia, que não se coaduna com a abstinência ou mesmo com a tolerância zero. A “redução dos danos” causados aos usários e a terceiroa (entrega de seringas, demarcação de locais adequados para consumo, controle do consumo, assistência médica etc) seria o correto enfoque para o problema. Esse mesmo modelo, de outro lado, propugna pela descriminalização gradual das drogas assim como por uma política de controle (“regulamentação”) e educacional, droga é problema de saúde pública. ser dependente. Em termos médicos, é risível condena-lo a tratamento compulsório” (Lei descuidada “Folha de São Paulo”, 6 jan. 02, p. A-2). A postura da legislação penal brasileira: a legislação penal brasileira, tradicionalmente, sempre tratou o simples usuário de droga como criminoso (quando o certo seria enfocá-lo algumas vezes como vítima – usuário dependente, que carece de atenção e tratamento -, outras vezes como simples cidadão que num determinado momento optou dentro do seu livre arbítrio por fazer uso momentâneo de uma substância entorpecente, sem prejudicar terceiros – usuário ocasional).[69] 3. O USUÁRIO E A LEGISLAÇÃO SOBRE TÓXICOS 3.1 Evolução legislativa O Brasil acolheu, no artigo 281 do Código Penal, de 1940, a figura do comércio clandestino ou facilitação de entorpecentes. O artigo 281 punia o delito com a pena de reclusão de cinco a oito anos e multa de 50 a 100 vezes o maior salário vigente no país para quem: Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 54 Importar ou exportar, preparar, produzir, vender, expor à venda, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, ministrar ou entregar, de qualquer forma, substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização, ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. § 1o. Nas mesmas penas incorre quem ilegalmente: [...] III – Traz consigo, para uso próprio, substâncias que determinem dependência física ou psíquica. Como se pode constar o legislador de então, colocava no mesmo patamar o traficante e o viciado, tratando-os da mesma forma e dando-lhes a mesma pena. A necessidade de reprimir, com mais vigor o tráfico de entorpecentes, motivou a Lei n. 4.451, de 4.11.1964, que modificou o citado dispositivo do Código Penal. Nova modificação foi feita pelo Decreto n. 159, de 1967, e pelo Decreto-lei n. 385, de 26.12.1968, em que o legislador ampliou o campo de incidência do delito. O Decreto-lei n. 385/68, ao dar nova redação ao artigo 281 do Código Penal, colocou no mesmo plano o delito de tráfico de entorpecentes e a conduta de trazer consigo para uso próprio, equiparando-os. Pela Lei n. 5.726, de 29.10.1971, que dispôs sobre medidas preventivas e repressivas ao tráfico de entorpecentes e uso de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, foi o referido artigo 281 do Código Penal novamente alterado. Conforme leciona Fernando Whitaker da Cunha, Finalmente, surgiu a Lei n. 5.726, de 1971, com interessantes coordenadas criminológicas e educacionais, procurando recuperar o viciado e punir rigorosamente o traficante, criando um procedimento sumário, com um despacho saneador (art. 18) acolhido expressamente, em matéria penal, anteriormente, apenas pelos arts. 538, do Código de Processo, 23, IV, da Lei n. 1.521 de 1951 (Economia Popular) e 39, da Lei n. 2.083, de Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 55 1953 (Imprensa). O art. 281, do Código Penal, passou a ter como nova redação, maior amplitude, sendo sua rubrica “comércio, posse ou uso de entorpecente ou substância que determina dependência física ou psíquica”. Estamos diante de um crime de extenso conteúdo e de perigo abstrato, “presumindo em qualquer das hipóteses, sublinha Heleno Fragoso (“Lições de Direito Penal”, vol. 3o, 2a ed., pág. 877), o perigo da saúde pública).[70] Revogando expressamente a Lei n. 5.726/71, a tipificação dos crimes referentes à matéria passou a ser feita pela Lei n. 6.368, de 21.10.1976. 3.2 Lei n. 6.368/1976 A Lei n. 6.368/76, regulamentada pelo Decreto n. 78.992, de 21 de dezembro de 1976, estabeleceu distinção entre o dependente e o traficante ou produtor. Entretanto, não estabeleceu nenhuma distinção entre o usuário e o dependente. De acordo com Sérgio de Oliveira Médici, dependente é:”Aquele que está subordinado às substâncias entorpecentes, sujeito às drogas, sob o poder dos tóxicos”.[71] Usuário, no dizer de Renato Flávio Marcão, “deve ser considerado aquele que faz uso de produtos, substâncias ou drogas ilícitas, que causem dependência física ou psíquica, sem estar submetido às mesmas, possuindo, ainda, o completo domínio de suas vontades e de seus atos”.[72] De caráter preventivo a Lei cria oportunidade para a recuperação do viciado. Exige uma participação mais efetiva de todos os envolvidos na questão, dando a entender que um problema dessa magnitude não pode ser resolvido apenas pelas normas legais, mas, também, por meio de um trabalho permanente realizado pelo conjunto da sociedade (“Art. 1o. É dever de toda pessoa física ou jurídica colaborar na prevenção e repressão ao tráfico ilícito e Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 56 uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determine dependência física ou psíquica”). A Lei proibiu as fontes de matérias tóxicas (“Art. 2o. Ficam proibidos em todo território nacional o plantio, a cultura, a colheita e a exploração, por particulares, de todas as plantas das quais possa ser extraída substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica”), e regulou a aquisição de medicamentos controlados mediante e a exigência de prescrição médica (art. 2o, §§ 3o e 4o). Criou o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão de Entorpecentes, no âmbito Federal, Estadual e Municipal (art. 3o). Obriga os dirigentes de estabelecimentos e de entidades sociais e culturais a adotarem, na prevenção e na batalha contra o uso de tóxicos, inclusive nos programas de formação profissional, ensinamentos a respeito do tema (art. 4o). No Capítulo II, referente ao Tratamento e Recuperação, determinava (art. 9o) que “as redes dos serviços de saúde dos Estados, Territórios e Distrito Federal contarão, sempre que necessário e possível, com estabelecimentos para tratamento de dependentes de substâncias a que se refere a presente Lei”. No artigo 10, determinava a Lei: “O tratamento sob regime de internação hospitalar será obrigatório quando o quadro clínico do dependente ou a natureza de suas manifestações psicopatológicas assim o exigirem”. No artigo 16 a Lei preceitua: Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena – Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 30 (trinta) a 100 (cem) dias multa. Criou a inimputabilidade para o infrator que, em razão da dependência, ou sob efeito de substância entorpecente, era ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Portanto, a Lei n. 6.368/76, em seu artigo 19, estabeleceu os critérios de inimputabilidade, preceituando: Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 57 Art. 19. É isento de pena o agente que em razão da dependência, ou sob o efeito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou força maior era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz e entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se, por qualquer das circunstâncias previstas neste artigo, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. A seu turno, conforme o artigo 29 da Lei: “Quando o juiz absolver o agente, reconhecendo por força de perícia oficial, que ele, em razão de dependência, era, ao tempo de ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ordenará seja o mesmo submetido a tratamento médico”. Como se pode constatar a Lei n. 6.368/76 já previa que a condição adequada ao usuário de tóxicos era o tratamento terapêutico. Nos dias de hoje, a questão central, no que concerne aos avanços da lei, é despenalizar o usuário de drogas. Assim, no caso exclusivo de usuário dependente de drogas, ao invés de processo e conseqüente prisão, lhe seria oferecida uma alternativa de participação em um programa terapêutico de desintoxicação e, se possível, de integral recuperação. Contudo, embora os artigos 19 e 29 mencionem tão-somente o dependente, há quem entenda que os benefícios previstos nos mencionados artigos possam ser estendidos ao traficante dependente. Nesse sentido, a lição de Salo de Carvalho[73]: Inequívoco que, em sendo constatado o nexo de causalidade entre dependência e o delito (qualquer que seja) praticado, duas possibilidades são impositivas: (a) absolvição sucedida de Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 58 avaliação criteriosa para individualização do tratamento, em caso de exclusão de culpabilidade; (b) condenação à sanção penal, com a devida redução da pena, quando verificada a semi-imputabilidade. Importantes precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça amparam o argumento: Hábeas corpus. Tráfico de entorpecente. Traficante dependente de droga. Vício constatado através de laudo pericial. Art. 19, parágrafo único, da Lei n. 6.368/1976. O traficante dependente de droga sujeita-se, desde que configurado seu estado de semi-imputabilidade – dependência constatada em laudo pericial -, ao disposto no art. 19, parágrafo único, da Lei n. 6.368/1976. Precedentes do STF. Ordem parcialmente concedida. (SSTF, HC 70.898/SP, 2a. Turma, Rel. Francisco Rezek, j. 06.06.1995, DJ 22.09.1995, p. 30590) Penal. Recurso Especial. Entorpecente. Redução capacidade de entendimento e de autodeterminação. da 1. Se o réu, condenado por tráfico de entorpecente, é pessoa dependente de droga e se, em razão da dependência, não possuía, ao tempo da ação, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de autodeterminar-se, impõese a redução da pena como prevê o parágrafo único do art. 19 da Lei n. 6.368/1976. 2. Recurso provido. (STJ, REsp 52.209-9, 6a. Turma, Rel. Anselmo Santiago, j. 18.12.1995, DJU 01.04.1996, p. 9947. 3.3 Lei n. 10.409/2002 A Lei n. 10.409/2002 estabelece, sem fazer nenhuma distinção, que o dependente de produtos, substâncias ou drogas ilícitas, que causem dependência física ou psíquica, relacionados pelo Ministério da Saúde, pode ser submetido à internação ou tratamento ambulatorial (artigo 11). De acordo com que preceitua o artigo 12, § 1o, da Lei, “o tratamento do dependente ou do usuário será feito de forma multiprofissional e sempre que possível, com a assistência da família”. Quando da edição da Lei n. 10.409/2002 a pretensão era a de substituir integralmente as disposições da Lei n. 6.368/76. Tal não aconteceu, posto que Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 59 grande parte da nova lei tivesse seu texto vetado pela Presidência da República, originando vários questionamentos acerca de sua aplicação, isto é, da parte que escapou do veto presidencial, em conjunto com os dispositivos mantidos na Lei n. 6.368/76. Com a edição da Lei n. 11.343/2006, a questão da aplicabilidade das duas leis anteriores restou superada, posto que o artigo 75 da Lei revogou expressamente os diplomas legais anteriores. 3.4 Nova lei de tóxicos: Lei n. 11.343, de 24 de agosto de 2006. A nova Lei, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas– Sisnad, adotou medidas e atividades para prevenção do uso indevido de drogas (Capítulo I), atenção e reinserção social de usuários e dependentes (Capítulo II) e, entre outras providências, trata dos crimes e das penas (capítulo III), e estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas. Primeira observação a ser feita é sobre a opção da Lei em substituir a expressão substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica pelo termo drogas. No parágrafo único do artigo 1o a Lei n. 11.343/2006 estabelece os tipos de substâncias ou produtos que devem ser enquadradas na categoria drogas: Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. Conforme ressalta o Professor João José Leal: Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 60 Temos, a partir de agora, um conceito legal desta categoria jurídica chamada drogas, que não ficou restrito à categoria dos entorpecentes, nem das substâncias causadoras de dependência física ou psíquica. Drogas serão todas as substâncias ou produtos com potencial de causar dependência, com a condição de que estejam relacionadas em dispositivo legal competente. A verdade é que o termo drogas é de uso corrente no discurso acadêmico-científico. Isso já poderia justificar a opção modificadora. Ma é, também a nomenclatura preferencial da Organização Mundial de Saúde-OMS, que há muito abandonou o uso dos termos ou das expressões “narcóticos”, “substâncias entorpecentes” e “tóxicos”. Além disso, a Convenção Única sobre Entorpecentes da ONU, promulgada em 1961 e a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de Viena, de 1988, ao se referirem às substâncias tóxicas ou entorpecentes utilizam simplesmente o termo drug. [...] Por isso era necessário e válido o ajuste terminológico.[74] Preceitua a Lei: Art. 18. Constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e para promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção. Entre as medidas de prevenção, incluem-se, exemplificativamente, as seguintes: a) orientação escolar nos três níveis de ensino; b) manter nos estabelecimentos de ensino serviços de apoio, orientação e supervisão de professores e alunos; c) incentivar a prática de atividades esportivas, artísticas e culturais; d) promover debates relacionados a questões ligadas à saúde, cidadania e ética; e) manter nos hospitais atividades de recuperação de dependentes e de orientação de seus familiares etc.[75] Os princípios e diretrizes, que devem nortear as atividades de prevenção, estão fixados no artigo 19 da Lei: Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem observar os seguintes princípios e diretrizes: I – o reconhecimento do uso indevido de drogas como fator de interferência na qualidade de vida do indivíduo e na sua relação com a comunidade à qual pertence; Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 61 II – a adoção de conceitos objetivos e de fundamentação científica como forma de orientar as ações dos serviços públicos comunitários e privados e de evitar preconceitos e estigmatização das pessoas e dos serviços que as atendam; III – o fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas; IV – o compartilhamento da responsabilidade e a colaboração mútua com as instituições do setor privado e com os diversos segmentos sociais, incluindo usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares, por meio do estabelecimento de parcerias; V – a adoção de estratégias preventivas diferenciadas e adequadas às especificidades socioculturais das diversas populações, bem como das diferentes drogas utilizadas; VI – o reconhecimento do “não-uso”, do “retardamento do uso” e da redução de riscos como resultados desejáveis das atividades de natureza preventiva, quando da definição dos objetivos a serem alcançados, VII – o tratamento especial dirigido à parcelas mais vulneráveis da população, levando em consideração as suas necessidades específicas; VIII – a articulação entre os serviços e organização que atuam em atividades de prevenção do uso indevido de drogas e a rede de atenção aos usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares; IX – o investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas, profissionais, entre outras, como forma de inclusão social e de melhoria da qualidade de vida; X – o estabelecimento de políticas de formação continuada na área da prevenção do uso indevido de drogas para profissionais de educação nos 3 (três) níveis de ensino; XI – a implantação de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas, nas instituições de ensino público e privado, alinhados às Diretrizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas; XII – a observância das orientações e normas emanadas do CONAD; XIII – o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais e específicas. Parágrafo único. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas dirigidas à criança a o adolescente deverão estar em consonância com as diretrizes emanadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA. A seu turno, o artigo 20 da Lei cuida das atividades de atenção e reinserção social de usuários ou dependentes de drogas, preceituando: Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 62 Art. 20. Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da qualidade devida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas. Como se pode notar grande o empenho do legislador em cercar de cuidados e de diferenciar o tratamento dispensado ao usuário ou dependente de drogas, do traficante. Aqui, ele é tratado praticamente como vítima de um mal social que atinge indiscriminadamente milhares de cidadãos e seus familiares. Entretanto, as diretrizes estabelecidas na Lei estão de certo modo comprometidas em razão das carências gerais do sistema de saúde e, em particular, dos recursos que podem ser disponibilizados para o tratamento especializado dos problemas relacionados ao uso e dependência de drogas. Seja como for, ninguém discorda do acerto dessas e de outras medidas que visam a prevenção e a recuperação dos usuários e dependentes de drogas. Contudo, edição da Nova Lei de Entorpecentes – Lei n. 11.343/2006 -, trouxe nova discussão a respeito do porte de drogas para consumo próprio, ao não prever a pena de prisão para o crime previsto no revogado artigo 16 da Lei n. 6.368/1976, que era punido com pena de detenção de 6 meses a 2 anos e a pena de multa, de 20 a 50 dias multa. Contudo, tratavase de crime de menor potencial ofensivo, sujeito ao procedimento da Lei n. 9.099/1995, desde que preenchidos os requisitos legais. A divergência, no campo doutrinário, criou duas correntes de interpretação dos dispositivos da Lei: 1- a primeira, afirma que houve descriminalização em relação à conduta do usuário, isto é, a Lei não tipificou como crime o “uso indevido de droga”; 2 – a segunda, no sentido de que não aconteceu descriminalização. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 63 Vejamos o que estabelece a Lei, Capítulo III, DOS CRIMES E DAS PENAS, artigo 28: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1o. Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2o. Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. §3o. As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4o. Em caso de reincidência, as penas previstas nos inciso II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5o. A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6o. Para a garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetêlo, sucessivamente a: I – admoestação verbal; II – multa. § 7o. O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. 3.5 Interpretação descriminalizante Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 64 O Professor Luiz Flávio Gomes defende que a Lei n. 11.343/2006 descriminalizou a conduta de usuário. De acordo com o acima citado autor, a conduta de usuário revela um fato ilícito, mas não penal, e sim “sui generis”, fundamentando sua tese, com base no artigo 1o da Lei de Introdução do Código Penal. Diz o mestre: Ora, se legalmente (no Brasil) “crime” é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova Lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – artigo 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova lei de tóxicos, no art. 28, descriminalizou a conduta de posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de “infração penal” porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração “penal” no nosso país. Infração “sui generis”: diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração “sui generis”. Não se trata de “crime” nem de “contravenção penal” porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recorde-se: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, não penal, sim “sui generis”. Não se pode de outro lado afirmar que se trata de um ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa, sim, por um juiz (juiz dos juizados ou da vara especializada). Em conclusão nem é ilícito “penal” nem “administrativo: é um ilícito “sui generis.[76] Em resumo o usuário não vai preso, nem mesmo em flagrante. Entretanto, não é suficiente o indivíduo afirmar sua condição de usuário para se livrar da prisão, quando de posse de quantidade maior de droga. Ressalte-se que o § 2o do artigo 28 determina claramente: “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 65 às circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e aos antecedentes do agente”. Por outro lado, há quem discorde afirmando que não houve a pretendida descriminalização do crime previsto no revogado artigo 16 da Lei n. 6.368/76. 3.6 Interpretação criminalizante Ao que tudo indica, a tendência majoritária na doutrina é pela manutenção da criminalização na nova Lei. O Professor Luiz Flávio Gomes estaria defendendo a descriminalização em posição numericamente inferior, apesar da sua reconhecida autoridade e dos argumentos jurídicos que invoca. Defendendo entendimento contrário, isto é, que a pretendida descriminalização não ocorreu, Fernando Capez, em defesa de seu posicionamento, argumenta: Entendemos, no entanto, que não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capítulo referente aos crimes e as penas (Capítulo III); além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do artigo 48, § 1o, da nova Lei). A Lei de Introdução ao Código Penal está ultrapassada nesse aspecto e não pode ditar os parâmetros para a nova tipificação legal do século XXI.[77] No mesmo sentido, a explanação de João Carlos Carollo: Mais uma vez, deixamos claro que concordamos com que, realmente, o abrandamento da pena foi demasiado, chegando ao ponto de quase atingir o princípio da fragmentariedade, isto é, aquela linha tênue que separa o Direito Penal de outros ramos do Direito. Mas dizer que houve a descriminalização achamos exacerbado. O que ocorreu, na verdade, foi uma adoção de nova valoração de condutas, com base em nova Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 66 política criminal; por mais que possamos não concordar com ela, não podemos dizer que não possui amparo legal. Podemos buscar outros fundamentos na própria lei para afirmar a nossa posição, como a localização do artigo 28, ou seja, no Capítulo III – Dos crimes e das penas, o que, por si só, já seria sugestivo da intenção do legislador em não descriminalizar tais condutas. [78] Não houve a aludida descriminalização, concordando, portanto, com a posição daqueles que, como Fernando Capez, afirmam estar mantida a criminalização da conduta. O que ocorreu foi uma mitigação dos rigores da lei, tendo em vista as modernas tendências que se inclinam no sentido de considerar o usuário de drogas como um indivíduo que necessita de tratamento e apoio médico/psicológico para que se recupere, e que, portanto, não pode ser tratado pela lei do mesmo modo que o traficante. Entretanto, sua conduta continua sendo reprovada pela lei penal e pela sociedade. 3.7 Disposições processuais O artigo 48 da Lei n. 11.343 dispõe sobre o procedimento penal preceituando, no caput, a aplicação subsidiária das disposições contidas no Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal – LEP. Em seus cinco parágrafos o artigo 48 dispõe: § 1o – Estabelece que em face do crime do artigo 28 o autor fica jungido ao procedimento estabelecido na Lei n. 9.099/95, salvo se houver concurso com outro crime (aqueles definidos pelos artigos 33 a 37 da Lei n. 11.343/2006); § 2o – Impede a prisão em flagrante e, ao mesmo tempo, determina o imediato encaminhamento do agente ao juízo competente. Na impossibilidade do encaminhamento imediato, deverá o imputado se comprometer formalmente, em sede de termo circunstanciado, a comparecer perante o Juízo competente; § 3o – estabelece que as providências do § 2o serão prontamente tomadas pela autoridade policial; § 4o - Aborda, exclusivamente, o exame de corpo de delito, que será realizado a requerimento do próprio imputado ou se a Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 67 autoridade de polícia judiciária assim determinar, sendo, em seguida, liberado; § 5o – Determina que, para os fins do disposto no artigo 76 da Lei n. 9.099, de 1995, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata da pena prevista no artigo 28, a ser especificada na proposta. Na nova ordem incriminadora, em face do usuário de drogas, estabelece-se: a) isoladamente, o consumo de drogas fica atrelado às práticas determinadas pela Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais); b) impossibilidade de prisão em flagrante; c) apresentação imediata do sujeito ativo ao juízo de Direito competente; na impossibilidade de pronta apresentação, o autor deve comprometer-se em se apresentar, fato que deverá ficar registrado em termo circunstanciado, devendo o delegado de polícia, ainda, requisitar os exames necessários, bem assim, se for o caso, o de corpo de delito. 3.8 STJ pode autorizar pena alternativa para pequeno traficante A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça iniciou o julgamento de uma Arguição de Inconstitucionalidade que, se acolhida, poderá permitir a conversão de penas de prisão aplicadas a condenados por tráfico de drogas em penas restritivas de direitos. O relator do Habeas Corpus que debate a questão, ministro Og Fernandes, votou no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade material de expressões contidas nos artigos 33 e 44 da nova Lei de Tóxicos (Lei 11.343/2006). Nesses artigos consta que, ao condenado pelos crimes previstos naquela norma, é vedada a conversão em penas restritivas de direitos, ainda que esta tenha sido fixada em menos de quatro anos. O julgamento foi suspenso em razão de pedido de vista do ministro Ari Pargendler, para melhor exame do caso. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 68 O ministro Og Fernandes concluiu que a proibição à substituição viola os princípios da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena e da proporcionalidade. Para o ministro relator, permitir a conversão da pena não é uma chancela à impunidade. Segundo ele, distinguir o grande traficante daquele que comete o crime para sustentar o vício tem sido um desafio para os juízes aplicarem com Justiça penas pelos crimes relacionados ao tráfico de drogas, sendo oportuno diferenciarem a punição que cabe a cada um. As penas restritivas de direito, “apelidadas” de penas alternativas, existem no Brasil desde 1984. Entre elas estão a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, a interdição temporária de direitos, a limitação de fim de semana, a prestação pecuniária e a perda de bens e valores. O caso O Habeas Corpus em julgamento diz respeito a um sul-africano condenado a três anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, preso em flagrante em maio de 2007, no aeroporto de Guarulhos (SP), por tráfico internacional de drogas. Ele ingressou com pedido de Habeas Corpus no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, mas teve o pedido negado. Recorreu, então, ao STJ. Sua defesa alegou que o condenado é primário, tens bons antecedentes, não faz parte de organização criminosa, e o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, tanto que aplicada a causa especial de redução da pena, sendo cabível a substituição da pena. O caso foi julgado, inicialmente, na 6ª Turma. O ministro Og Fernandes negou o pedido de substituição da pena. Porém, após voto-vista do ministro Nilson Naves, a 6ª Turma decidiu levar à Corte Especial a questão da inconstitucionalidade da regra que proíbe a conversão da pena. Foi então que o ministro Og Fernandes acolheu a arguição e votou para conceder o Habeas Corpus ao condenado. Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça. HC 120.353 Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 69 CONCLUSÃO Verificamos que o tratamento do nosso ordenamento penal dispensado ao usuário ou dependente de drogas tem variado o longo do tempo e, também, em termos mundiais, porque se trata de um problema global, seguindo uma linha evolutiva que se inicia com abordagem igual para o traficante e para o usuário. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 70 A partir dos anos 70 começa a ocorrer uma modificação nessa abordagem, separando-se a figura do traficante da do usuário. Para o primeiro, a lei penal reserva todos os seus rigores e para o usuário começa a dispensar um enfoque mais condizente com a sua condição de provável vítima a quem se deve dar a oportunidade de tratamento e recuperação, finalidade impossível de se obter com o encarceramento. Muito embora se diga que traficante e usuário são as duas faces de uma mesma moeda, já que um não existe sem o outro, fato é que fatores econômicos, sociais, psicológicos podem levar o indivíduo a se tornar um usuário ocasional, um usuário regular ou um dependente das drogas. Trata-se de um drama que envolve cada vez mais, principalmente, os jovens de todas as camadas sociais, com efeitos muitas vezes graves, não só para o usuário como, também, para seus familiares e amigos. A tendência de atenuar os rigores da lei penal para os usuários parece correta, pois não se trata só de um problema penal e também porque são notórias as deficiências do sistema penal brasileiro que, raramente recupera aquele que é encarcerado, muito pelo contrário agrava a condição e demoniza com a repulsa social todos aqueles que ostentam a condição de condenados ou de ex-condenados. Não existe uma solução definitiva para o problema das drogas e dos usuários. Alguns países já tentam, ou tentaram a legalização das drogas, outros como os EUA praticam uma política de encarceramento massivo de traficantes e usuários. Ao que tudo indica nenhum deles conseguiu resolver a questão de modo satisfatório. Em nosso país, oscilamos da aplicação da pena em estabelecimento prisional até quase, nos dias atuais, a uma política liberal no tratamento dispensado ao usuário. Acreditamos que agiu bem o legislador ao manter o porte de drogas para consumo próprio no Capítulo referente aos crimes e às penas. Vítima ou não, o usuário precisa saber que sua condição, embora tenha sido diferenciada do mero traficante, não é aprovada pelo ordenamento jurídico e nem pela sociedade. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 71 Ressalte-se que apesar do legislador não ter previsto condenação de pena privativa de liberdade para o usuário de drogas, não afasta a conclusão de que a conduta é ilícita e suficientemente relevante para enquadrá-la no Direito Penal, como último recurso utilizado para reprimir condutas indesejáveis e socialmente danosas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAPEZ, Fernando. Nova lei de tóxicos – Das modificações legais relativas à figura do usuário. Disponível em: http://www.oabsp.or.br/noticias/2006/12/07/3962/ Acesso em: 19.08.2007. CAROLLO, João Carlos. Sucintos comentários à Lei n. 11.34/2006. Jus Navegandi, Teresina, ano 11, n. 1242, 25 nov. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9213 Acesso em: 19.08.2007. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 72 CARVALHO, Salo de; CANTERJI, Rafael Braude; REOLON, Lílian Christine; RAMOS, César Gustavo Moraes. 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[14] EÇA, Antonio José. Roteiro de psicopatologia forense. Rio de Janeiro: Forense,2002, p. 66. [15] Ibid, p. 66. [16] SILVA, Evandro Lins e. História das penas. Revista Jurídica Consulex, Brasília, nº 104, maio, 2001, p. 15. [17] PIMENTEL, Manoel Pedro. Breves notas para a história da criminologia no Brasil. Revista Ciência Penal, Rio de Janeiro, v. 5, 1979, p. 11. [18] NUVOLONE, Pietro. Trent’Anni di Diritto e Procedure Penale, vol. I, 1969, pp. 432-433, apud, SILVA, Evandro Lins e, op cit, p. 15 [19] MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de, GOMES, Luiz Flavio. Criminologia, 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pp. 157-158. [20] PIMENTEL, Manoel Pedro. Op cit, p. 12. [21] LISZT, Franz von. Tratado de direito penal allemão. Tradução J. H. Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet e editores, t. I, apud PELARIN, Evandro, op cit, p. 57. [22] SILVA, Evandro Lins e. Op cit, pp.16-17. [23] MELLO, Marco Aurélio Alves Vaz de. Estudos de criminologia – violência: um enfoque criminológico. 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[52] FERREIRA, Ivette Senise. Op cit, p. 159. [53] FRANÇA, Genival Veloso.Op cit, p. 264. [54] FRANCO, Paulo Alves. Tóxico tráfico e porte: comentário à lei nº 6.368/76, São Paulo: LED, 1999, p. 358. [55] SILVA, De Plácido e.Op cit,. p. 309. [56] SILVA, De Plácido e. Op. cit. p. 822. [57] FRANÇA, Genival Veloso Op cit, p. 264. [58] Ibid, p. 264. [59] MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 312. [60] Ibid, p. 312. [61] JESUS, Damásio E. de. Lei antitóxicos anotada. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 12. [62] GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção – repressão: comentários à lei nº 6.386, de 21.10.1976. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 01. [63] JESUS, Damásio E. de. Lei antitóxicos anotada,p. 14. [64] MÉDICI, Sergio de Oliveira. Tóxicos: doutrina, prática, jurisprudência, legislação. Bauru-SP:Jalovi, 1977, pp 20-21. [65] GRECO FILHO, Vicente. Op cit, p. 04. [66] GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p. 05. Contatos [email protected] VALDECITE ADVOCACIA 75 [67] GRECO FILHO, Vicente. Op cit, p. 05. [68] GRECO FILHO, Vicente. Op cit, p. 06. [69] GOMES, Luiz Flávio. Nova lei de tóxicos não prevê prisão para usuário. Jus Navegandi, Teresina, ano 10. n. 1141, 16 ago. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8790 Acesso em: 27.11.2009. [70] CUNHA, Fernando Whitaker da. Os venenos sociais e a nova lei de tóxicos, Arquivos do Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 4, nº 6, 1972, p.10. [71] MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Op cit, p. 36. [72] MARCÃO, Renato Flávio. O dependente e o usuário na Lei n. 10.409 (nova lei antitóxicos). Jus Navegandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2820 Acesso em: 27.11.2009. [73] CARVALHO, Salo de; CANTERJI, Rafael Braude; REOLON, Lílian Christine; RAMOS, César Gustavo Moraes. 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