Encontro de Indígenas Brasileiros e Canadenses

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Encontro de Indígenas Brasileiros e Canadenses
Centro de Estudos em Segurança Alimentar
Ryerson University
Toronto - Canadá
1. INTRODUÇÃO
Este é o relatório da viagem de intercâmbio de três indígenas brasileiros que
estiveram em Toronto – Canadá, no período de 20 a 27 de Junho de 2007. Toê Pankararu,
Itxai e Yamany Pataxó da Aldeia Cinta Vermelha Jundiba, município de Araçuaí ( 716 Km
de Belo Horizonte), viajaram a convite do Centro de Estudos em Segurança Alimentar e
Nutricional da Ryerson University. Nesta oportunidade, o grupo foi acompanhado pela
pesquisadora e pedagoga mineira, Geralda Soares.
O objetivo principal deste projeto (Anexo I) foi fomentar o encontro destes Pataxós
e Pankararu com alguns integrantes da comunidade dos indígenas Mi’Kmaq (Canadá) e
identificar como o alimento e a segurança alimentar impactam a identidade cultural desses
jovens indígenas. Para tanto, foram consideradas algumas diferenças existentes como
localização geográfica, questões sociais, políticas, meio ambiente, etc.
Para atingir este objetivo, várias atividades foram cuidadosamente planejadas (Anexo
II). O seminário Jovens Indígenas Explorando Idenidades através da Segurança Alimentar e Nutricional
(Anexo III), nos dias 26 e 27, coordenado pela Dra. Cyndy Baskin (Ryerson University),
arrematou uma temporada de muitas visitas orientadas e eventos, já que aconteceram neste
período uma série de celebrações em torno do National Aboriginal Day, celebrado na semana
do dia 21 de Junho.
Por certo, mais que atividades acadêmicas e exploratórias, comuns àqueles que alçam
um vôo dessa proporção, este projeto foi um marco na expansão do projeto Construindo
Capacidades em Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil e Angola, desenvolvido desde
2004 pela Ryerson University, sob direção da professora Cecília Rocha.
Com esta ação de intercâmbio, o projeto Contruindo Capacidades em Segurança
Alimentar e Nutricional transcendeu uma ação já em desenvolvimento em Araçuaí, com as
parcerias da Fevale e Instituto Fênix, sob financiamento da Canadian International
Development Agency – CIDA/UPCD, passando a alcançar uma perspectiva ainda mais
ampliada, trazida à tona, pela inserção dos termos Permacultura e Identidade Indígena, nos
Projetos-Pitoto.
Estima-se que este desdobramento alcance também os outros municípios onde o
projeto já está em desenvolvimento desde 2004: Juazeiro- Bahia e Fortaleza-Ceará.
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Buscando uma constituição mais descritiva deste relatório, o dividimos em cinco
partes. A primeira trata das atividades desenvolvidas de 20 a 25 de Junho. São visitas
orientadas e encontros com algumas personalidades no Canadá. Na segunda parte, trata-se
do Seminário realizado de 26 e 27 de Junho.
Já na terceira, encontra-se a repercussào na imprensa. Em seguida, nos Anexos,
apresentamos os documentos relativos a esse trabalho, como Projeto, Agenda Geral,
Programação do Seminário, etc. Na última, mas não menos importante, adicionamos a
clipagem dos Jornais de Toronto, que publicaram matérias relativas ao projeto.
Por certo, os indígenas brasileiros e suas atitudes positivas diante de uma série de
desafios, como o desta própria viagem (eles não haviam sequer entrado anteriormente em
um avião), inspiraram a todos que os conheceram a fazer um mergulho nas entrelinhas do
poeta brasileiro Oswald de Andrade, quando afirmou em 1928: “Antes dos portugueses
descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”.
II. ATIVIDADES DE 20 A 25 DE JUNHO, 2007
2.1. Quarta-feira, 20 de Junho de 2007
- A viagem a Toronto
Toê Pankararu, Itxai e Yamany Pataxó, chegaram em Toronto numa quarta-feira, vindos
de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Eles foram recebidos pela professora Cecília
Rocha e suas duas Assistentes de Pesquisa, Bernadete Nóbrega e Rita Simone Liberato. Dois
jornalistas Gabi Veras e Marcelo Paolinelli também estavam presentes no Pearson Airport,
gravando imagens para a elaboração de um documentário sobre esta viagem.
O atraso do vôo não tirou o ânimo desse grupo, que acompanhado pela
pesquisadora Geralda Soares, chegou entusiasmado com a viagem e os planos da semana. “É
bom demais viajar de avião, agora que eu já sei, não quero outra vida”, disse com um largo
sorriso o jovem Cacique da Aldeia Cinta Vermelha Jundida, Toê Pankararu.
Os visitantes foram levados para seu endereço em Toronto 2387 Yonge Street ,
Hotel Glengrove. Na chegada, Itxai reconheceu o símbolo do Canadá quando se sentou à
sombra de uma Maple Tree. Como não poderia deixar de ser, estavam atentos a cada detalhe
ao redor, principalmente aos da natureza, exuberantes no início do verão canadense.
Sobre a expectativa da viagem, a pesquisadora Geralda Soares afirmou, ainda na
chegada que considerava importante conhecer os povos canadenses, suas estruturas, a
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alimentação. “A vida toda é ritual, mas a sociedade por ser tão invasora, tão absorvedora,
destruidora desses costumes, passou a discriminar. O diferente não tem lugar mais”, disse.
No Brasil, declarou Soares, há uma luta muito grande desses povos para manter sua
cultura. “A ocupação das terras indígenas, ainda é um problema grave e ultimamente com
esses projetos de desenvolvimento do país, quem está sofrendo mais é a população indígena,
pois os territórios estão sendo diminuídos por hidroelétricas, por monoculturas de eucalipto,
soja, etc. Tudo isso em função do ‘desenvolvimento’, mas que não é o desenvolvimento que
os índios querem, pois a maioria dos povos indígenas não pensa em produczir para o
mercado, mas para a vida, sustenção, partilha, alegria. Acho que essa é a grande diferença de
projetos de vida dos indígenas e de um projeto capitalista, que é destruidor e uniformizador
de tudo”, comentou.
Sobre os objetivos do projeto, Soares declarou serem muito importantes para que se
possa mater a riqueza cultural dos indígenas. “No dia em que o mundo virar um
supermercado, vai ser uma tristeza. Tudo igual, todas as latinhas na pratileira. Acho que a
beleza é a diversidade. A riqueza é a diferença, isso que é importante. Eu tenho aprendido
muito a ver o mundo dessa forma, aprendi muito a entender o mundo nosso, a partir dos
indígenas”, disse a pesquisadora.
Comentando sobre alimentação, Soares disse que essa aldeia dos Pataxó e Pankararu
é rica em identidade cultural. Seus alimentos a base mandioca, suas bebidas, suas ervas
medicinais, matém a vida plena. “Tudo isso é muito bonito e talvez com essa invasão dos
grandes projetos de alimentos, toda essa diversidade de conhecimentos milenares porde ir
por água abaixo”, ressaltou.
Geralda disse ainda que esse convite da Ryerson University foi muito enriquecedor,
pois apesar de conhecer outros povos da América Latina, essa convivência com os
canadenses enriquece muito o grupo, pois a questão indígena é um problema no mundo
inteiro, ela não está reduzida à América, ao Brasil. “É uma situação que perpassa a relação
dos povos com o Estado, que foi construído em cima dos territórios. Essa questão da terra
vai atravessar séculos e vai continuar, pois a tendência da sociedade e do Estado é se
estruturar, crescer e querer se organizar, para sustentar essa população toda que está aí. E
quem sofrem são os povos indígenas, que são originários nessas terras”, disse. Ressaltou que
no Brasil há um direito que é pouco cumprido que é o direito dos originários, reconhecido
na Constituição aos povos indígenas. A pesquisadora disse também que espera que os
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indígenas com este intercâmbio se fortaleçam mais no movimento indígena, pois às vezes os
grupos ficam muito ligados aos problemas das aldeias e não conseguem perceber que esse é
um problema universal, pois há indígenas em todo o planeta. Espero que eles se fortaleçam e
tenham uma compreensão mais ampla do que é ser indígena. Pessoalmente penso que essa é
uma oportunidade de aprender muito para continuar ajudando ao movimento e ter mais
forças para as lutas futuras e presentes.
No Brasil, comentou, temos o projeto de educação escolar indígena na Universidade.
E essa oportunidade da Ryerson University pode nos favorecer o desenvolvimento das
propostas em relação a questão da alimentação. Eles têm um projeto muito especial em
relação ao trabalho na terra, como produzir, como se organizar, como estruturar a aldeia de
forma que ela dê sustentalidade às famílias. Nós poderíamos ter mais informação sobre a
agricultura ecológica que eles propõem, para que isso seja um exemplo para as outras aldeias
também.
Concluiu dizendo que a universidade é muito importante, pois o saber que existe
nela deve ser socializado. “O mundo está mudando muito e esses jovens organizando uma
aldeia, tentando recuperar as línguas, as tradições, precisam de apoio. Sei que a universidade
está fora da aldeia, mas ela pode ajudar os indígenas a reforçar a proposta deles, o
movimento, fornecer mais informações”, ressaltou.
2.2. Quinta-feira, 21 de Junho de 2006
- Caminhada O Pulo do Búfalo (Buffalo Jump)
- Reunião na Ryerson University
Neste dia do Solstício de Verão, Toê, Yamany e Itxai acordaram “junto com o sol” e
começaram o ritual de pintura, preparando-se para a Caminhada do Pulo do Búfalo (Buffalo
Jump), que saiu às 9h da Prefeitura de Toronto (Toronto City Hall) para o Parque TrinityBellwoods, a cerca de cinco km do ponto inicial. A caminhada liderada pelos povos das
Primeiras Nações (First Nations) foi ritimada por tambores, cantos, animais gigantes e por
performistas em perna de pau. Neste evento intergeracional, todos caminharam juntos:
idosos, crianças, homens e mulheres.
Durante o percurso, foram distribuídos broches com quatro fitas: vermelha, amarela, branca
e preta, que representavam os quatro caminhos e todas as raças humanas. De acordo com os
coordenadores, quando você usa este broche, você mostra orgulho por sua própria
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cultura e boa vontade em dividir a sabedoria e ensinamentos dos ancestrais. Além disso,
você demonstra o compromisso com todas as culturas do mundo.
E foi neste clima de tambores e cores, que os indígenas brasileiros foram abraçados
pelos seus “parentes” do Canadá, dentre eles a professora Cyndy Baskin. Eles empunharam
seus maracás e participando da comissão de frente da caminhada, cantaram e se
emocionaram por toda a jornada. Ao chegar ao destino, Parque Trinity-Bellwoods, eles
participaram do Círculo em torno do Fogo Sagrado e ouviram as palavras dos respeitados
anciãos Homem Estrela (Starman) e do Chefe Asin.
Em seguida, participaram do círculo da comunhão (vermelho, amarelo, preto e
branco). Na oportunidade, os indígenas brasileiros interagiram com os seus parentes do
Canadá, conheceram seu artesanato, sua alimentação e suas danças tradicionais. Pela primeira
vez, eles tomaram o “suco sagrado de morango”, que foi oferecido pelo indígena Mi’Kmaq
Daniel ao chefe Toê (Fogo) Pakararu e seu grupo. Retribuindo a oferta, Toê o presenteou
com um colar feito por indígenas da Aldeia Cinta Vemelha Jundiba com sementes do Brasil.
Itxai (Grande Estrela) disse que o “Espírito do Pássaro” parecia estar com eles. Já
Yamany (Mãe da Água) disse que ainda não tinha visto um ritual tão grande. “Em nossa
aldeia nós temos os nossos próprios, mas aquele momento do Grande Círculo foi muito
especial. Eu não entendi o que aquela indígena da Sibéria falou quando me benzeu, por
exemplo, mas eu senti uma energia muito positiva vindo dela. O medo que eu senti com essa
viagem, pois eu nunca havia saído do Brasil, já não existe. Terei muito que contar aos meus
alunos da Aldeia,” disse a Pataxó.
Após as atividades do Parque, eles tomaram um street car e se dirigiram à sala KHS
363B da Ryerson University, lugar onde teriam uma reunião às 16h, com alguns convidados
da professora Cecília Rocha. Cyndy Baskin, (Indígena Mi’kmaq - Professora da Faculdade de
Serviço Social da Ryerson), Wayne Roberts (Conselho de Segurança Alimentar de Toronto e
jornalista da revista Now Magazine), Judy New (Nutricionista Comanche - trabalha no
governo de Ontário para Centros Indígenas), Vânia Freire, Evelyn Gere, Bernadete Nóbrega
e Rita Simone (Assistentes de Pesquisa do Centro de Estudos em Segurança Alimentar) e
Christy Brissette (Estudante de Nutrição da Ryerson que estaria em seguida viajando para
fazer um intercâmbio no Brasil).
A reunião foi conduzida pela professora Cecília Rocha, que utilizando slides em Power Point
apresentou a Aldeia Cinta Vermelha Jundiba, o projeto de intercâmbio e então,
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abriu espaço para que os visitantes Pankararu e Pataxós, bem como Geralda Soares, se
apresentassem.
Tôe, o cacique da Aldeia Cinta Vermelha Jundiba, agradeceu ao convite recebido e
falou que desde o início de sua viagem ao Canadá, começou a perceber as diferenças. “Hoje
foi um dia importante, pois nós encontramos nossos parentes e nos sentimos em casa.
Percebemos que a luta indígena está em toda parte do mundo, são as mesmas lutas pela
sobrevivência. Apesar da gente não falar inglês a gente pôde construir algumas amizades,
pois a gente tem esse costume de sempre presentear um convidado. Talvez pelos laços, por
causa da energia da nossa Mãe Terra ou pelo Espírito, a gente tem facilidade em se
comunicar”, disse. Em seguida, entregou a Yamani um presente para ser dado a Judy, que
agradeceu e retribuiu com outro presente.
Tôe comentou sobre a viagem que Cyndy fez ao Brasil e a curiosidade que foi
despertada. Afirmou que eles têm um compromisso sério, pois a comunidade quer ter um
retorno sobre essa viagem. “Quando o convite foi oficializado ficamos preocupados em
definir quem viria, pois Itxai e Yamany, professores da escola da Aldeia, estão estudando na
Universidade Federal de Minas Gerais”, ressaltou.
Em seguida, Itxai (Grande Estrela) se apresentou dizendo que sua origem é baiana,
mas que eles foram ainda crianças para Minas Gerais (Fazenda Guarani), em uma reserva
onde havia diferentes etnias. Eles se casou com uma Pankararu e então, juntamente com Toê
resolveram juntar os dois povos (Pataxó e Pankararu) para formar uma aldeia. Daí nasceu
em Julho de 2005, a Aldeia Cinta Vermelha Jundiba. Cinta Vermelha por parte dos
Pankararus e Jundiba por parte dos Pataxós, simbolizando a união entre os povos.
Formado em Técnicas Agrícolas, Itxai disse que eles têm o sonho de desenvolver um
projeto de Permacultura em sua Aldeia. E comentou que eles não querem destruir a
natureza, mas trabalhar para restaurá-la. “Nossa região é bastante seca e o solo foi muito
degradado pela ação humana. Não temos água suficiente, por isso queremos fazer represas,
recolhermos água da chuva, para desenvolvermos nosso projeto”, comentou.
Itxai falou da alegria da Aldeia, especialmente de seu pai, quando Cyndy os visitou. “Quando
o convite chegou para virmos ao Canadá, ficamos numa felicidade muito grande”, frisou.
Nossa expectativa de encontrarmos nossos parentes era muito grande. “Quando nós
encontramos o pessoal na caminhada de hoje, e ouvimos o som das músicas de nossos
parentes, deu vontade até de chorar. Tinha uma mulher que cantava e quando ela soltava os
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gritos em seu canto, me dava vontade de chorar e eu tinha que abaixar a cabeça, pois aquele
parecia um grito pelo direito a educação, a saúde e um direito de ser livre.
Yamany se apresentou e disse que fez o curso de magistério indígena e que está
também estudando na Universidade o programa para indígenas. Ela disse que é importante
ser uma mulher e olhar ao redor e ver tantas mulheres à mesa, pois muitas mulheres
indígenas no Brasil estão desenvolvendo lideranças, especialmente lutando pela terra. “A
gente quer fazer uma Aldeia com nosso retrato mesmo”. Ela disse que está formando
indígenas, mas também reforçando o valor de respeitar os outros para que se possa viver em
comunidade.
Falando de seu trabalho na escola da Aldeia, Yamani disse que ensina a grade
comum, como português, matemática, mas também as disciplinas relacionadas à cultura
indígena. “Linguagem é muito importante nesse processo, pois nossos ancestrais foram
proibidos de falar Pataxó. Então nós desenvolvemos um dicionário com 1.500 palavras e
estamos ensinando para as crianças e para os mais velhos. Nós também estamos aprendendo
muito”, comentou.
Yamany falou também do valor do casamento em sua cultura, pois eles estão se
casando com Pankararus e portanto, consideram importante o desenvolvimento do
entendimento entre essas duas culturas. Informou também que eles trabalham na escola com
a preservação dos hábitos de alimentação, como a mandioca, o peixe e a bebida cauim.
O artesanato também foi pontuado tanto como tradição cultural, como fonte de
renda. “Ele é vendido aos visitantes da Aldeia, em viagens a Belo Horizonte, e em atividades
das quais eles são convidados a participar”, disse.
Na oportunidade, Geralda Soares afirmou que é uma alegria conviver com os
indígenas. Quando um povo se propõe a viver junto, respeitando as diferenças isso nos
entusiasma muito. Afirmou que para ela é um orgulho estar convivendo e acompanhando
essa experiência, pois cada povo tem sua identidade, seus costumes, modo de trabalhar, ser,
pensar e ver o mundo. “Eu nunca falei isso para eles, estou dizendo agora, eu acho que eles
são fundadores de um povo novo, que vai ter muito de Pankararu e Pataxó”, ressaltou. Disse
ainda que já viu várias situações de moças indígenas que se casam com outros povos,
desistindo de sua identidade e vivendo em submissão a cultura do parceiro. Ela vê, no
entanto, que nessa Aldeia há algo diferente nascendo no Brasil, pois há um respeito tanto a
cultura Pataxó, quanto Pankararu, e não submissão de uma cultura a outra.
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Respondendo a pergunta de Judy sobre o patriarcalismo junto aos povos indígenas
no Brasil, Geralda disse que nos povos antigos do Jequitinhonha havia uma influência das
mulheres muito grande. “Hoje predomina ainda nos Krenaks, que vivem na região do Rio
Doce a importância das mulheres. Nos demais é sempre a família e toda a organização
familiar que vai se reproduzindo. Ultimamente há uma discussão sobre o cacicado, uma
invenção norte americana, enquanto que no Brasil havia sempre a tradição das famílias”,
ressaltou.
Geralda destacou que para quem não é indígena e vive naquela região- de muito
pouca chuva, foi uma surpresa a chegada dos indígenas, inclusive com muitas críticas, as
pessoas diziam “eles vieram morrer aqui, pois esse lugar não produz nada”. De fato, afirma,
eles abriram um janela para a região, pois a maioria das pessoas pobres dessa região migra
para São Paulo e Mato Grosso para trabalharem no corte de cana. E eles estão dando um
exemplo, mostrando que com o projeto de Permacultura, a terra pode ser produtiva sim.
“Até para os demais indígenas que vivem no sistema de coleta, agricultura familiar e caça,
essa persectiva da Aldeia Cinta Vermelha-Jundiba é uma lição, pois é uma afirmação de que
com o reflorestamento e com o tratamento adequado da terra, ela dá frutos.
Nesse momento, a professora Cyndy Baskin disse que a lição pode também servir
para os povos indígenas do Canadá.
Wayne Roberts aproveitou a oportunidade para perguntar se eles tinham
conhecimento do conceito de soberania alimentar. Tôe informou que eles têm um programa
de saúde por parte do Governo brasileiro para os indígenas, assegurado na Constituição, mas
que de fato quando se refere a alimentação, isso vai totalmente contra a cultura dos
indígenas. “A gente investe não na medicina, na química, mas na alimentação sem
agrotóxicos e saudável que a gente tem na Aldeia. Também acreditamos na força do
maracá”, disse o cacique.
Para Geralda, esses projetos do Governo têm um impacto muito forte. Informou que a
hidroelétrica mais alta do mundo está no Jequitinhonha e quando as comportas são abertas,
as águas trazem toda a sujeira para o baixo-Vale, além de muita areia. O peixe então quase
que desaparece. Há também o envenenamento por agrotóxicos, pela prática de monocultura
das plantações de eucalipto, que já ocupou 90% das terras do Espírito Santo e agora está
entrando pelo Jequitinhonha. As grandes empresas de celulose estão comprando as terras
que ainda sobraram e destruindo as chapadas, para plantar eucalipto. “Nós estamos
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abaixo das montanhas. Entre o rio e as montanhas estão as aldeias e isso, agora, é muito
perigoso”.
No Brasil, disse Toê, temos também agora um problema sério que é a transposição
de um importante rio, que é o São Francisco, e vamos perder muito. “É triste a gente falar
coisas ruins de um país que a gente gosta, mas não depende da gente. Os mais velhos estão
falando que estão ficando cansados de lutar, porque estão ficando muito tristes com tudo
que eles estão vendo. E há muito suicídio. Essa noção de desenvolvimento a qualquer preço,
é muito triste e a gente não entende porque, pois poderíamos produzir para termos alimento
para toda a população”, declarou.
“A mídia é contra a gente e tem alguns jornais que dizem que a gente é o atraso do
país. Há um preconceito muito grande. No Espírito Santo as empresas de eucalipto trazem o
desenvolvimento e a Funai traz os indígenas, é o que o povo pensa, por causa da mídia”,
frisa.
Comentando sobre as diferenças alimentares entre os Pataxós e Pankararus eles
informaram que os primeiros, por serem originários do litoral, têm uma dieta formada por
mariscos, peixes, madioca, etc. Já os segundos, consomem alimentos originários das matas,
como cobras, por exemplo. “Mas respeitamos um o hábito do outro”, disse Tôe.
Wayne Roberts informou que a dieta da população indígena, na América do Norte,
com a chegada dos europeus, mudou muito e causou muitos problemas de saúde. Toê então
frisou que a alimentação dos indígenas brasileiros também mudou muito. “A colonização foi
muito triste no Brasil. Hoje são mais de 200 povos no país, mas poucos deles estão
guardando ainda os costumes. Eles foram forçados, quando os portugueses chegaram, a
deixar seus territórios, como é o caso do meu povo. Acabou tudo! Tem rio que não tem mais
peixe, não temos caças das matas e as nascentes de água estão comprometidas. Tudo mudou
muito e nós fomos orbrigados a consumir uma alimentação que a gente não era acostumado.
Muitos dos mais velhos morreram por recusar o alimento que eles não eram habituados a
ingerir”, comentou.
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2.2. Sexta-feira, 22 de Junho de 2006
- Visita às Organizações Não Governamentais (ONGs) Indígenas em Toronto
- Subindo a CN Tower
O terceiro dia da agenda foi composto pelas visitas às ONG’s e foi dividido em dois
momentos.
Pela manhã o grupo, acompanhado pela professora Cyndy Baskin, as assistentes de
pesquisa e a jornalista Gabi Veras visitou o Conselho de Fogo (Council Fire - 439 Dundas
St. East, fundado em Maio de 1997). Após o almoço, eles seguiram para o Centro de Saúde e
Programas para Jovens Anishnawbe (Anishnawbe Health and Youth Program - 225 Queen
Street East) e o Centro de Canadenses Nativos (Native Canadian Centre – 16 Spadina Road).
Na primeira visita (Council Fire), onde um dos principais objetivos é promover o
trabalho intergeracional, eles foram recebidos pela coordenação da organização, que através
de slides apresentou a estrutura do trabalho, seus objetivos e projetos nas áreas social, de
saúde, cultura, educação infantil, arte indígena, banco de alimentos, entre outros. Eles deram
presentes para seus anfitriões e, em seguida, foram levados a conhecer o edifício de dois
andares, que foi restaurado recentemente, a horta medicinal e o espaço para produção de
material de limpeza feito com ervas especiais, inclusive o “bom ar” – aromatizador, natural.
Os nomes dos indígenas brasileiros ficaram registrados no Conselho, para que na
próxima reunião geral a presença deles fosse divulgada e as fotografias apresentadas.
Os indígenas se despediram falando do privilégio em conhecer seus parentes de
outros países. “Para a gente, parece um sonho, temos que nos beliscar!”, disse Toê.
À tarde, eles visitaram o Centro de Saúde Anishnawbe (Anishnawbe Health and
Youth Program), dedicado a pesquisar e divulgar as práticas medicinais indígenas. Este
centro holístico possui inúmeros serviços disponíveis à comunidade, como dentistas,
médicos, enfermeiras, orientação sobre medicina indígena, entre outros.
Seguindo em frente, os indígenas conheceram o Centro Canadense de Nativos
(Native Canadian Centre), que visa promover a cultura e a filosofia dos povos indígenas no
país. Eles utilizam inúmeros recursos didáticos e visuais, e têm uma exposição permanente
sobre arte indígena. Em sua programação também estão incluidos diversos programas
intergeracionais, bem como visitas orientadas a estudantes.
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- CN Tower
Finalizando o dia, Itxai e Toê subiram a famosa CN tower em Toronto. De lá, eles
puderam ver toda a cidade de Toronto e o Lago Ontário. “Esse passeio vai ficar na história”,
disse o jovem cacique Toê.
2.3. Sábado, 23 de Junho de 2007
- Pow Wow
- Intercâmbio com pesquisadores Brasileiros
Neste quarto dia em Toronto, eles participaram do Pow Wow, um das mais antigas e
importantes cerimônias dos indígenas na América do Norte. Tradicionalmente, é um
agradecimento ao Criador por tudo que a Mãe Terra proporciona a Seus filhos. É uma das
principais atividades dentro do Festival Indígena no Canadá e conta com a participação de
visitantes de todas as partes do país e do planeta, a exemplo dos Pataxós e Pankararu.
Tambores, cantos, danças, artesanato e alimento, compõem a programação desse importante
evento.
E foi neste contexto que Yamani, Itxai e Toê foram integrados à programação no
Pow Wow. Eles participaram no círculo sagrado, com vários clãs que estavam no local.
Participaram também da dança que homenageou os anciãos de todas as partes do Canadá.
Ao final, os indígenas canadenses disseram que estavam muito comovidos com a
presença dos brasileiros e então, convidaram os Pataxós e Pankararu a se apresentarem.
Segundo Itxai Pataxó, “o encontro com os parentes fez o coração bater forte. Algumas vezes
tínhamos que respirar fundo quando estávamos cantando, pois a voz quase não saía. Eu tive
que me esforçar”. Comentou ainda que foi muito interessante este encontro, porque mesmo
já tendo visto no cinema os rituais dos parentes na América do Norte, ver tudo isso
pessoalmente foi muito emocionante.
A arte do povo da Aldeia Cinta Vermelha Jundida foi também divulgada também
através da estrutura que as voluntárias do Projeto Betinho da Ryerson University, Vânia
Freire, Bernadete Nóbrega, Evelyn Gere e Alison Clegg montaram, através de fotografias,
textos explicativos, colares, pulseiras, bolsas e demais peças de artesanato que os indígenas
trouxeram para o Canadá.
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À noite, os indígenas e Geralda Soares participaram de um encontro com estudantes
brasileiros de doutorado das universidades York (Carlos Liberato, José Cairus, Brigite
Cairus), Toronto (Roberta Cardoso e Renato Cardoso), com a coordenadora do Projeto
CIDA da York, socióloga Andréa Moraes e com os jornalistas Latino-Americanos Pedro
Valdez, Marcelo Paolinelli e Gabi Veras. Na oportunidade, eles contaram várias histórias e
lendas de seu povo.
O encontro aconteceu no bairro High Park. Sobre essa programação, Itxai comentou
que não sabia que ia encontrar tantos brasileiros. “Parecia que nós havíamos voltado ao
nosso país, que é muito alegre, onde a gente sorri sempre, mesmo que a gente tenha muita
tristeza a gente está com o coração aberto para a nossa mente sorrir”.
2.4. Domingo, 24 de Junho de 2007.
- Viagem às Cachoeiras de Niagara
Acerca de uma hora de Toronto existem as quedas de Niagara. Sua beleza atrai milhares
de visitantes de todas as partes do mundo. E foi para lá que os indígenas e Geralda Soares
foram conduzidos pelas assistentes de pesquisa da Ryerson U.
Um arco-íris os saldou na chegada. Após uma caminhada às margens das cachoeiras,
eles almoçaram e retornaram à Toronto para se prepararem para a segunda-feira, dia em que
visitariam a grande reserva Seis Nações (Six Nations).
2.5. Segunda-feira, 25 de Junho de 2007.
- Viagem à Reserva Seis Nações (Six Nations)
- Jantar com Cyndy Baskin
A viagem a uma das maiores reservas indígenas do Canadá estava sendo muito esperada
pelo grupo. Juntamente com Cecília Rocha, Cyndy Baskin, Bonnie Johnston, Bruce e as
assistentes de pesquisa da Ryerson, o grupo viajou quase duas horas para chegar a grande
reserva Seis Nações. Chegando por volta das 11 da manhã, o grupo foi recebido no Salão
Redondo da administração por uma das coordenadoras do trabalho Julie Bomberry, que
explanou sobre a arquitetura do espaço, objetos de arte, tradições e estrutura do trabalho.
Segundo a anfitriã, o nome Seis Nações se refere aos povos de seis diferentes tribos Seneca,
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Cayuga, Onondaga, Oneida, Mohawk and Tuscarora Nations. Com 20.435 habitantes em
46.500 acres de terra, esta se constitui na mais populosa reserva indígena do Canadá.
Julie descreveu a arquitetura do edifício e os objetos de arte que se encontravam em
exposição, como as esculturas que simbolizam os povos indígenas como a tartaruga e o urso.
Todo o edifício é constituído de objetos simbólicos, dos afrescos do teto às imagens
gravadas no piso. E foi caminhando pelo edifiício sede, que Yamany encontrou uma ponte
entre sua cultura e a dos povos indígenas do Norte, quando viu a relação entre as avós e a
lua, estampadas no chão. Para os povos tanto do Norte, quanto do Sul, a lua simboliza as
avós.
Judy também informou que na reserva existem dois tipos de governantes, um
escolhido pelo governo federal e outro eleito pelos indígenas. Nesta agência especificamente,
eles não seguem as orientações do governo federal, mas a do próprio povo.
Em seguida, o grupo foi conduzido a conhecer os diversos trabalhos que são
realizados nas Seis Nações: o centro de saúde holística, o abrigo para homens, mulheres e
crianças que sofrem violência doméstica, o centro de aconselhamento, o centro de educação
para a família e recuperação de pessoas com problemas com uso de drogas, o centro de
maternidade que desenvolve um trabalho com parteiras, o abrigo para jovens e adultos com
problemas familiares.
Após o almoço, o grupo seguiu para visitar a residência de uma das erveiras da
Reserva, que possui uma grande horta com diferentes ervas medicinais e alimentos. Por
último, o grupo visitou uma grande casa, que tradicionalmente era usada para a moradas das
famílias, principalmente durante o inverno.
Ao retornar a Toronto, por volta das 18h, todo o grupo foi convidado a jantar na
residência da Professora Cyndy Baskin, momento de desconstração e de muita interação
entre a anfitriã e os viajantes do Brasil.
3. Seminário realizado de 26 a 27 de Junho
“Jovens Indígenas Explorando Idenidades através da Segurança Alimentar e Nutricional”
O seminário Indígenas Explorando Idenidades através da Segurança Alimentar e
Nutricional
aconteceu na sala de reunião 433 do Graduate Studies da Ryerson University. A abertura foi
feita pela professora Cyndy Baskyn e sua assistente Bonnie Johnston. Estavam presentes Toê
Pankararu, Itxai Pataxó, Yamany Pataxó, Katrina Mi’Kmaq, Duma Dean Mi’kmaq, Elisa,
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Ann , Geralda Soares, professora Cecília Rocha e suas assistentes Bernadete Nóbrega e Rita
Simone Liberato.
Na oportunidade, a professora Baskyn apresentou a agenda e pediu que cada pessoa
à mesa, se apresentasse. Ann, que estava acompanhado os jovens Mi’kmaqs de New
Brunswick, falou que a presença deles fazia parte de um treinamento de lideranças jovens
que eles estavam fazendo e que as perguntas deveriam ser feitas para os indígenas.
Toê Pankararu se apresentou dizendo que estava feliz em ouvir os jovens falando das
questões de identidade e que eles também têm uma organização de jovens. Informou que
houve em 2006 um encontro com todos os jovens do Estado de Minas Gerais e lembrou
que política, identidade, cultura e educação estavam na agenda do encontro.
Yamany Pataxó falou que em sua Aldeia ela é professora das crianças de 5 a 8 anos e
que está estudando na Universidade Federal de Minas Gerais. Enquanto jovem líder, ela
disse que está aprendendo a lutar pela terra, comunidade e cultura. Lembrou que os mais
velhos estão deixando para os mais jovens essa busca. “Estamos saindo para aprender a
debater nossos direitos a educação e saúde”, afirmou.
Itxai Pataxó ao se apresentar, informou que começou a dar aulas há um ano atrás e
que foi escolhido pela comunidade, que é quem elege os professores. Falou que é o
presidente da Asssociação Indígena Pankararu-Pataxó - AIPA –, que foi formada em 2005
com o objetivo de elaborar projetos de auto-sustentabilidade para que eles tenham uma vida
mais digna, na região semi-árida onde vivem. “Nossa região é muito seca e precisa de uma
atenção maior”, afirmou. Ao falar sobre a equipe que está sendo formada em Minas Gerais
pelos jovens caciques, ressaltou que hoje há a necessidade de se colocar uma liderança mais
jovem, que tenha responsabilidade dentro da comunidade, pois os mais velhos não têm
costume de comer diferentes alimentos e “correr atrás”de soluções para os problemas atuais.
Frisou ainda que também há várias mulheres indígenas em posição de liderança.
Geralda Soares se apresentou informando que desde a década de 80 vem trabalhando
com a causa indígena no Brasil, principalmente na região leste de Minas. “A escola no Brasil
não ensina a história indígena, então eu comecei a conhecer essa história a partir da
convivência com eles”, disse. Geralda afirmou ainda que quando eles chegaram na região que
estão hoje, havia mais de 200 anos que não se encontravam indígenas por lá. “Na década de
80, tempo da ditadura, fui morar com os Maxakalis e era uma época muito difícil, de muita
violência, mortes”, disse. Falou que nesse período entendeu um pouco da estrutura e da luta
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pela organização necessárias para a eficiênia desse embate. “Há organizações nacionais,
estaduais e locais, como essa Aldeia, que surgiu da necessidade dos indígenas aprenderem a
lidar com o projeto capitalista que está posto, e que parece querer engolir os povos
indígenas”, afirmou. Nesse processo, disse, vale tudo. Às vezes uma cartilha, um livro, pode
ajudar os mais jovens a entenderem o que se passou. Falou que trabalhou em duas entidades
(Igreja Católica e Cedefs) e que agora está por conta da amizade e solidariedade com esses
grupos. Disse da importância de Paulo Freire em sua educação e que formou um grupo
clandestino que trazia do Chile os textos de Freire em espanhol para estudá-los no Brasil, já
que a ditadura militar não permitia estes estudos nas Univerisidades brasileitas.
Ann neste momento, falou emocionada da importância de Freire em sua formação
também.Considera que a teoria de Paulo Freire é muito importante na região canadense em
que trabalha, já que há um grande índice de analfabetismo, inclusive funcional.
Toê disse que é muito importante a educação das crianças e já que eles não educam
as crianças com uma data marcada. “Quando nossas crianças nascem, elas já trazem
conhecimento e entram em outro processo de aprendizagem. Nós não separamos nossas
crianças dos jovens e adultos, elas aprendem conosco, no dia-a-dia”, disse.
Seguindo o círculo da mesa, Bernadete Nóbrega se apresentou e falou de sua
formação em nutrição e segurança alimentar entre o Brasil e Canadá. Cecília Rocha se
apresentou informando que dirige um projeto de construção de capacidades em segurança
alimentar no Brasil e Angola, financiado pela CIDA, e que foi através dele que Cyndy Baskin
esteve no Brasil. Falou de sua alegria em ver este projeto de intercâmbio e agradeceu o apoio
da Ryerson University e CIDA.
Elisa, que trabalha em uma organização a nível federal no Canadá, se apresentou e
falou que morou primeiro em uma reserva em Ontário e que depois sua família se mudou
para a reserva do pai dela, em outra província. Disse que quando foi para escola lá, eles
falavam Mi’kmaq e isso foi muito positivo. Disse ainda que estudou nutrição na Ryerson e
conheceu a professora Cecília Rocha. Fez o mestrado em segurança alimentar e quando foi
fazer a pesquisa na comunidade entrou em contato com o centro de saúde, e resolveu tomar
uma atitude mais positiva e se aproximou da comunidade e perguntou o que é a segurança
alimentar para você e como manter a segurança alimentar. Teve também a oportunidade de
participar de um intercâmbio no Brasil, coordenado por Cecília Rocha.
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Katrina se apresentou dizendo que trabalhava na ONG Quebrando Barreiras. Rita
Simone Liberato também se apresentou falando de sua formação em comunicação,
experiência em trabalhos com Ong’s no Brasil e estudos em segurança alimentar através do
programa de certificado do projeto CIDA.
A professora Cyndy Baskin deu início oficialmente aos trabalhos com uma cerimônia
religiosa de boas- vindas que pedia a bênção dos ancestrais ao projeto. “A benção com a
fumaça e objetos sagrados” foi feita por sua assistente Bonnie Johnston. Cyndy agradeceu a
presença de uma mulher que tem um espírito dentro dela (Yamany, grávida de dois meses),
“porque em nossa visão não existe presença mais forte que essa”, disse.
Cyndy abriu espaço para quem quisesse se pronunciar. O Mi’kmaq Duma Dean falou
um pouco mais sobre sua comunidade, dizendo que a população da comunidade é de 3 mil
pessoas, com coisas boas e ruins. As boas são a presença dos mais velhos, das tradições. As
coisas ruins são principalmente a entrada de drogas na comunidade.
Cecília explicou como se deu início a idéia desse projeto, não previsto inicialmente
no CIDA, mas que desde a participação dos indígenas na oficina do projeto em Araçuaí, seu
contato com Elisa, e outra aluna indígena, ela sentiu a importância de favorecer o encontro
das comunidades indígenas no Brasil e no Canadá para compartilharem suas experiências.
Após esta primeira estapa foi servido um almoço indígena aos participantes. Dentre a
diversidade dos alimentos, o que chamou a atenção do grupo foi o morango e o seu uso
como alimento medicinal. Bonnie fez o ritual de bênção da alimentação, “para alimentar os
espíritos”, como disse a professora Baskin, que questionou aos visitantes se eles tinham
alguma coisa parecida. Yamany disse que quando eles caçam no Brasil, eles dançam e cantam
para os espíritos antes de dividirem com a comunidade o alimento.
A segunda parte do seminário foi iniciada com a pergunta: “quando nós dizemos
jovens, identidade e alimento, o que você pensa sobre isso?”
O grupo respondeu:
- Identidade é a pergunta quem você é? Tem ligação com crenças, família e quando
se coloca a questão de alimento nisso você vê como está relacionado, pois traz essa
noção de família. Alimento tem o poder de aproximar as pessoas. (Elisa)
- Nosso costume é colocarmos a panela no meio e a gente se sentar ao redor. Acho
que isso chama o conjunto, sendo o encontro da família. (Itxai)
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- Nós dividimos juntos o alimento e comemos juntos, é a hora da partilha familiar.
(Yamany)
- katrina
Continuando na temática, os indígenas brasileiros falaram de sua bebida sagrada, o
Cauim, que os conecta com os espíritos. Falaram também de suas atividades familiares de
coleta de fruta, caça e pesca.
Katrina Mi’kmaq falou que a maioria das pessoas de sua comunidade depende de
assistência do governo. Apesar de poderem pescar ou caçar, eles não o fazem, pois no
primeiro caso, eles não têm barco. “A situação econômica é um desafio nessa área. Inclusive
para comprar alimentos eles precisam de automóvel”, disse.
Itxai lembrou que eles promovem algumas festas em torno do alimento, como a
festa da água, em outubro, para louvar a natureza e a chegada das chuvas. Nessa festa todos
se dirigem à cabana e cada família prepara seu alimento. Em seguida, eles fazem o ritual em
si, cantando e dançando com o maracá. Disse ainda, que eles estão planejando reflorestar
uma área na Aldeia com árvores frutíferas de suas tradições alimentares, para que as crianças
possam conhecer os rituais, já que eles se mudaram para esta área nova há dois anos, e a
alimentação tradicional não é de fácil acesso.
SEGUNDO DIA DO SEMINÁRIO
Após um breve resumo das questões colocadas no dia anterior, o grupo foi
encorajado a responder: o que você gostaria de saber sobre jovens, identidade e alimento que
poderia beneficiar sua comunidade?
Katrina comentou que sempre há a presença de uma cuia com alimentos nos rituais e
que estes alimentos são doados para os antepassados, para os espíritos.
Na oportunidade, Itxai apresentou o projeto de permacultura da Aldeia Cinta
vermelha Jundiba, que inclui entre inúmeras iciativas, o plantio de árvores frutíferas, o
cultivo de animais e peixes, horta, plantação de alimentos, reserva para a preservação da
floresta nativa e construção de residências.
Cyndy Baskin disse que quando visitou a Aldeia viu que eles não tinham quase nada
em termos materiais, mas o que impressionou ela de fato foi a visão, a generosidade e o
espírito forte que eles demonstraram e mais ainda, esta felicidade que eles demonstraram. Ao
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contrário, aqui no Canadá ela vê que os jovens tem mais condições materiais, mas eles estão
em desespero, e perguntou, o que os faz serem tão felizes.
Toê explicou que parte da resposta para ele é eles gostam mesmo é de viver e que o
conjunto da vida deles, a família, faz parte da vida e que o grupo vai onquistar as coisas que
vêm de fora. A identidade é muito importante. Então devemos gostar de sermos o que
somos: nos pintarmos, tomamos banho no rio juntos, isso que é felicidade. Na Aldeia tudo é
dividido, nossa vida é o conjunto. “A gente nunca foi de se apegar a bens materiais, nunca
pensamos em acumular riqueza. Hoje nós sentimos a falta do que a gente perdeu, mas não
do que a gente não possui. Sentimos falta do rio que morreu, da mata, de muita coisas da
natureza, mas não pensamos em acumulação de riqueza. A gente luta por um conforto
maior, porque se não temos o dinheiro para as compras, isso dificulta nossa vivência, mas se
a gente tiver tudo plantado em nossa Aldeia, o resto vem depois.”
Ann declarou estar muito impressionada com o projeto CIDA, com a vinda dos
indígenas, pois sabe que é muito difícil conseguir dinheiro do governo federal para
financiamento de projetos indígenas no Canadá.
No encerramento do Seminário uma carga de emoção foi trazida à mesa com a troca
dos presentes. Cyndy Baskin deu a Toê a pena branca dos grandes chefes, a Itxai, Yamany e
Geralda, peças especiais de artesanato feitos por sua família. Os Pataxó e Pankararu
responderam dando também presentes à Cyndy e aos demais indígenas.
O Cacique Toê na oportunidade agradeceu e falou da importância dessa viagem para
eles, como também da esperança de poderem construir um trabalho conjunto com os
parentes canadenses.
REPERCUSSÃO NA IMPRENSA
A presença dos indígenas brasileiros em Toronto recebeu uma especial atenção da
imprensa, especialmente a de língua portuguesa e destacamos:
- Entrevista feita pelo repórter Marzo e veiculada na Omni TV;
- Três matérias no Jornal Brazil News;
- Matéria no Jornal Gazeta
E ainda:
- Na importante revista canandense Now Magazine;
- No Jornal On Line Here We Are.
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