O Leite em Minas Gerais

Transcrição

O Leite em Minas Gerais
O
em Minas
Belo Horizonte
2010
Gerais
SXC / RF
Ao lado do sal, da salsa,
(A receita nunca é falsa)
Todos boiam na manteiga
De natural d oce e meiga.
E para ma ior deleite,
Um copo e meio de leite.
Carlos Drummond de Andrade
Poema Culinário
3 Tecnologia e qualidade
em construção
Apresentação 6
1 A expansão do gado leiteiro
Cá entre nós 26
Uma verdadeira especiaria 36
Maior produtor de leite do país 38
Sonho realizado no cerrado 48
Está no sangue 54
2 Evolução do mercado
56
O comércio de leite nas grandes cidades 60
Unidos, fazendo história 63
Do pequeno Laticínios Lagoa da Prata à gigante Embaré 71
O Brasil conquista a Nestlé 77
Apareceu a margarina 81
Equipamentos para laticínios 82
Fabricação mineira 83
Queijos finos 92
10
108
Renovação com a SuperAgro 125
Universidade Federal de Viçosa 140
Difundindo o saber 141
Da produção artesanal à industrializada 142
Doces prêmios 143
Instituto Cândido Tostes 147
O leite como prioridade 148
Ensinar inovando 149
A primeira laticinista do país 150
Alguns espinhos 151
Tradição nas letras e em eventos 152
A máquina em funcionamento 153
4
De mãos dadas
Projetos Educampo e Balde Cheio 156
Referências 174
Acervos fotográficos 178
Glossário de siglas 180
Ronaldo Guimarães
A
presentação
Tempos atrás, pesquisa sobre a agropecuária em Minas
Gerais mostrou que a produção de leite é a atividade
econômica rural mais frequente no estado. A constatação
surpreendeu muita gente, que, até por causa da origem no
campo, sempre teve a impressão de que a roça de milho
era a principal marca produtiva das fazendas mineiras. O
levantamento não deixou dúvidas, pois ninguém contestou
a predominância leiteira.
Esse resultado está intimamente ligado à história do
desenvolvimento rural de Minas Gerais, que lidera o
mercado nacional de leite e derivados, com quase 30%
da produção, um índice de enorme relevância social e
econômica. Numa nova parceria, destinada a resgatar,
registrar, divulgar e preservar as tradições mineiras, o
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas
Gerais (Sebrae-MG) e a Federação da Agricultura e Pecuária
de Minas Gerais (Faemg) decidiram unir esforços para
contar, nesta publicação, a história do leite no estado.
Evandro Fiuza
As duas instituições sempre incentivaram e apoiaram
projetos e programas que ajudam o agricultor a
entender sua realidade e a agir em benefício do negócio,
contribuindo para o bem-estar da população.
O Sebrae-MG desenvolve o Educampo, em diferentes
regiões do estado, com resultados tão positivos que avança
em direção a outros setores do agronegócio, como café e
frutas. A iniciativa se concentra na gestão de pequenas
propriedades rurais, capacitando o produtor com técnicas
e conhecimento sobre produtividade, controle de custos
e competitividade empresarial. O objetivo é a habilitação
para um novo modelo de negócio, na moderna fase de
exploração do leite.
A Faemg adotou o Balde Cheio, desenvolvido pela Embrapa,
em São Carlos (SP), sob coordenação do técnico Arthur
Chinelato. Já implantado Brasil afora, envolvendo parcerias
com cooperativas e entidades-âncoras, o programa contrata
técnicos, para orientar grupos de produtores nas fazendas.
Na coordenação geral do programa, a Faemg cuida
permanentemente da reciclagem dos especialistas que
ensinam atualizadas técnicas de gestão no campo.
Por tudo isso e, muito especialmente, por vivermos na
“era da informação e do conhecimento”, ressaltamos a
importância de O Leite em Minas Gerais.
Desde os tempos coloniais, a produção leiteira, sustentada
por alguns personagens conhecidos e uma legião de
anônimos, sempre teve de superar desafios, que não a
impediram de chegar à expressiva situação atual. Uma
realidade marcada pela exigência de alta produtividade
e competitividade, sem as quais não seria possível
sobreviver em um mercado globalizado, de concorrência
acirrada. Mais do que nunca, são imprescindíveis a gestão
do negócio, a produção eficiente e os cuidados com custos,
para alcançar melhor lucratividade.
Ao longo da trajetória, múltiplos fatos econômicos e
sociológicos determinaram as características atuais do
setor. Entre eles, a redução do número de produtores,
gerando aumento do volume da produção individual
dos que permanecem na atividade. Apesar de todas
as dificuldades, a gradual consolidação possibilita a
certeza de que o Brasil será um dos maiores exportadores
mundiais de leite, como já é de carne, porque pode elevar a
produção, por ter áreas e condições favoráveis à expansão.
Bastam apenas alguns ajustes.
Todos que participam dessa saga sabem a importância
que O Leite em Minas Gerais pode ter na modernização e
crescimento da atividade leiteira. O setor e o país ganham
referências de que podem orgulhar-se, porque resgatam
a origem e a história do negócio agropecuário que
sustentou sonhos e continua a se atualizar para garantir a
concretização de novos projetos do produtor rural. Trata-se
de obra indispensável à compreensão do passado, melhoria
do presente e projeção do futuro da atividade leiteira, de
fundamental importância para o agronegócio.
Roberto Simões
Presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae-MG
Presidente da Faemg
Ronaldo Guimarães
1
A expansão
do gado leiteiro
1 a expansão do gado leiteiro
12
3
Por todo
o território
De olhos no passado, é impossível imaginar
que a cadeia produtiva do leite seria um
dia, como é hoje, uma das maiores em
faturamento e geração de emprego e
renda no Brasil. É a única que cria emprego
no interior do país de maneira contínua,
porque envolve atividades intensivas em
mão de obra e está espalhada pelos 5.560
municípios brasileiros. É curioso lembrar
que a pecuária de leite não teve incentivos
estatais para se desenvolver no país
durante o período pré-colonial e colonial,
embora aqui estivesse praticamente desde
o início da presença europeia.
1
2
No período pré-colonial (1500/1530),
a Coroa portuguesa só se interessou
em investir naquilo que fosse possível
exportar, como madeira (pau-brasil).
Essa característica se manteve durante
o Brasil Colônia, com itens como açúcar,
metais preciosos, tabaco, couro etc.
O leite, dado seu caráter pere cível, não servia
ao propósito dos portugueses naquela época.
1. Foto Maurício Farias/Arquivo ABCZ
2. Foto Ronaldo Guimarães/Arquivo Sebrae-MG
3. Mapa produzido pelo cartógrafo piemontês Giacomo
Gastaldi, em 1565, para Delle Navigationi et Viaggi, um livro
sobre relatos de viagens do geógrafo veneziano Giovanni
Battista Ramusio (1485/1557). Arquivo Biblioteca Nacional
O frade dominicano Bartolomeu de Las Casas, que chegou
ao continente americano em 1503, escreveu em Historia
de las Indias que os primeiros bovinos a pisar o continente
americano foram trazidos por Cristóvão Colombo em 1493.
No Brasil, quem trouxe os primeiros animais foi a espanhola
Ana Pimentel, mulher do navegador português Martim
O to que feminino
Afonso de Souza. Ele desembarcou em São Vicente (considerada a
primeira vila brasileira, localizada em terras paulistas) na terceira
década do século XVI, à frente da primeira armada com objetivos
colonizadores enviada pelo rei de Portugal, que assim pretendia
garantir o domínio em terras brasileiras, cobiçadas por outros
países, sobretudo a França.
Martim Afonso tornou-se donatário da Capitania de São Vicente,
mas teve que voltar a Portugal em 1534, cerca de dois anos depois de
ter chegado, pois foi nomeado capitão-mor da armada da Índia. Ana
Pimentel foi então nomeada pelo marido procuradora da capitania, que
passou a governar. E em meados da década de 1530, ela trouxe para
São Vicente 32 bovinos.
Pintura do artista plástico Carlos Fabra que ilustra a
chegada ao Brasil das primeiras cabeças de gado, trazidas
por Ana Pimentel. Arquivo Prefeitura de São Vicente (SP)
1 a expansão do gado leiteiro
Apesar de pou co lembrada nos livros,
Ana Pimentel está entre as mulheres mais
importantes d a história brasileira.
Sua generosid ade deu origem à pecuária
16
1
2
no Rio Grande do Sul, pois, quando sua dama de companhia se casou com
um índio gaúcho, deu-lhe como dote algumas reses de sua fazenda. Levados
para a estância nos pampas, os animais se multiplicaram livremente e, já no
século XVIII, serviram de meio de transporte e de alimento para os mineiros
que retiravam ouro das Minas Gerais.
Nos primeiros tempos da colonização portuguesa, as terras férteis do
litoral foram usadas para a agricultura, principalmente para o plantio de
cana-de-açúcar. Martim Afonso de Souza proibiu os colonos de subirem a
Serra do Mar. O donatário temia conflitos com os índios que habitavam
as terras mais férteis e de clima mais ameno do planalto paulista. Em
1545, quando essa ordem foi revogada por Ana Pimentel, os moradores de
São Vicente puderam aventurar-se “dez a doze léguas pelo sertão e terra
adentro”, como contou o Padre Anchieta em seus relatos.
1. Óleo sobre tela de Benedicto Calixto (sem data), ilustrando
a praia de São Vicente, a primeira vila da Colônia, fundada
em 1532. Pinacoteca Benedicto Calixto (SP)
2. O navegador português Martim Afonso de Souza,
fundador da Vila de São Vicente (SP), pintado por
Benedicto Calixto. Arquivo Prefeitura de São Vicente (SP)
2
1 a expansão do gado leiteiro
No Nordeste, com as terras litorâneas ocupadas pelos canaviais e engenhos, a pecuária foi-se afastando
para o amplo sertão e, com o tempo, desceu até Minas Gerais, onde se multiplicou pelo Vale do São
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Francisco e se espalhou pelo Norte e Oeste do estado, pelo Triângulo, chegando a Goiás. Historiadores
concordam em que a ocupação do interior do Brasil foi sustentada pela pecuária, sendo o boi usado
como força de trabalho, meio de transporte e fonte de proteína.
Outra via de entrada do gado em Minas Gerais foi São Paulo, que recebia a manada
trazida por boiadeiros do Rio Grande do Sul. Esta era revendida para fazendeiros do Sul
do estado e também servia de alimento para a população das regiões ricas em ouro.
Estima-se que em 1770 o Brasil tinha dois milhões de habitantes, enquanto só nos pampas
gaúchos cerca de um milhão de bovinos viviam soltos, à disposição de quem os laçasse.
Caça aos bois
Os bandeirantes que tinham se dedicado à caça aos
índios, para ve ndê-los como escravos aos senhores
de engenho, d escobriram na caça aos bovinos um
negóc io mais rendoso e menos arriscado.
Depois de laçados, os animais eram levados até São Paulo, Minas Gerais
e Rio de Janeiro, em uma jornada que durava cerca de seis meses. Essas
expedições de caça ao boi nem sempre foram pacíficas, pois os animais
eram cobiçados por outros caçadores e pelos próprios gaúchos.
Gravura de Louis Julien Jacottet, de 1835, sobre
paisagem mineira, onde se veem carros de bois
usados para o transporte de mercadorias, na região
de Matosinhos (MG). Arquivo Biblioteca Nacional
8
2
1
3
De outras terras
O gado chegou a Minas Gerais também trazido do Rio de Janeiro, espalhando-se pela
Serra da Mantiqueira, pela região de Barbacena e por toda a Zona da Mata. Foi por
4
essa via que se introduziu no estado o gado Holandês, o pardo-Suíço e o gado Mestiço
proveniente do cruzamento dessas raças com o gado comum.
1, 2 e 3. Gado da raça Holandesa, na região da Mantiqueira.
Foto M. C. Vianna/Arquivo Público de Santos Dumont (MG)
4 e 5. Bezerras da raça Holandesa, malhadas de vermelho, que
pertenceram a fazendeiro da região da Mantiqueira, no
início do século XX. Foto M. C. Vianna/Arquivo Público de
Santos Dumont (MG)
6. Campeão da raça Holandesa na Exposição Agropecuária de
1920, realizada em Belo Horizonte. Pertencia ao fazendeiro
Jorge de Sá Fortes, da Fazenda Jacutinga, na região de
Santos Dumont. Arquivo Público de Santos Dumont (MG)
7 e 8. Desenho das características do touro Albert, da raça
7
Holandesa, importado no início do século XX por fazendeiro
da região de Santos Dumont e cópia do seu Certificado de
Exportação. Arquivo Público de Santos Dumont (MG)
6
5
1 a expansão do gado leiteiro
No século XVIII, o comér cio de gado em Minas Gerais
era bem organizado.
23
Quase três séculos depois de Ana Pimentel, outra mulher se tornou lenda nos
sertões mineiros ao substituir
o marido no comando de suas
fazendas espalhadas pelo
Centro-Oeste do estado.
Sede já demolida, da fazenda de Dona Joaquina de
Oliveira Campos, em Pompéu (MG). Reprodução do
livro Dona Joaquina de Pompéu, de Coriolano Ribeiro
e Jacinto Guimarães/Foto Sara Torres
Nascida Joaquina Maria Bernarda da Silva Abreu Castelo Branco SoutoMayor de Oliveira Campos, no Arraial Ribeirão do Carmo, hoje cidade de
Mariana, em 1752, Dona Joaquina de Pompéu (por causa do nome de
sua principal fazenda e do local da propriedade) era filha de advogado
português casado com uma açoriana. Ela se transformou em grande
criadora de gado, atuando no abastecimento de inúmeras vilas.
Um negócio e tanto
Dona Joaquina se destacou na sociedade também porque manteve relação próxima
com a Corte portuguesa, pois ajudou a alimentar a família real e outros portugueses
quando eles desembarcaram no Rio de Janeiro, em 1808 — a cidade sofreu falta de
abastecimento com o repentino crescimento da população. Ao morrer, em 1824, aos
72 anos, deixou aos numerosos herdeiros 11 fazendas e 40 mil cabeças de bovinos.
A organização do negócio de gado no estado, naqueles tempos, se refletia na estrutura
do comércio. Havia paragens de tropeiros em pontos determinados, travessias de
rios e áreas de venda de animais em pé ao longo dos “caminhos dos currais” que
ligavam as fazendas do sertão de Sete Lagoas e Curvelo a Ouro Preto. Uma das áreas
de passagem dos tropeiros era o arraial do Curral Del Rey, hoje Belo Horizonte; outra,
Ribeirão das Abóboras, atual Contagem, na Região Metropolitana da capital. Além
de funcionarem como ponto de venda, facilitavam o trabalho dos fiscais da Coroa na
cobrança de impostos. Como as taxas eram consideradas altas, o contrabando de gado
se desenvolveu quase tanto quanto o do ouro e dos diamantes.
1. Reprodução de cartas escritas por Dona Joaquina
de Pompéu/Sara Torres
2. Curral Del Rey, hoje Belo Horizonte, era rota de
tropeiros que levavam gado para outras regiões do
estado. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
1 a expansão do gado leiteiro
1
No começo do século XVIII, o bandeirante João Leite da Silva Ortiz (fundador do arraial
do Curral Del Rey) chegou à região de Sete Lagoas e resolveu cuidar do comércio de
gado. De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, o novo contrato para o comércio de
carne e leite, em condições pouco favoráveis à população, provocou ondas de protestos
que resultaram na chamada Guerra dos Emboabas, embora outros historiadores
prefiram atribuir esse conflito à disputa pelo direito de exploração de jazidas de ouro.
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De qualquer forma, o rebanho se
expandiu na mesma velocidade
com que jazidas de ouro e
diamante eram descobertas nas
Minas Gerais,
2
atraindo milhares de novos habitantes. No Brasil,
nos cem anos que se seguiram a 1770, a população
quintuplicou, chegando a 10 milhões de habitantes.
Ao mesmo tempo, crescia o rebanho bovino. O
mercado consumidor de leite foi-se formando
entre 1820 e 1930, período em que cerca de 4,5
milhões de imigrantes europeus desembarcaram
no país e em que o leite se transformou na
principal atividade econômica de boa parte das
fazendas mineiras. Exemplo dessa realidade foi a
efervescência econômica em torno dos laticínios
na Zona da Mata.
Continua na página 30
Cá entre nós
É referência também o texto bíblico sobre a saga
dos judeus que fugiram da escravidão no Egito
e se dirigiram a Canaã, a terra em que manam
leite e mel. Três séculos antes de Cristo, o grego
Hipócrates, “Pai da Medicina”, escreveu que
leite é alimento muito próximo da perfeição e
preventivo de várias doenças.
Desde a antiguidade, o leite está presente no
preparo de refeições. No Egito dos faraós, queijo
e leite compunham os tesouros guardados nas
pirâmides para que os mandatários falecidos
pudessem ter uma viagem bem alimentados ao
mundo dos mortos. Plínio, historiador grego,
relata que tribos sármatas fabricavam doce de
leite de camela e misturavam leite à farinha
de milho. Na Idade Média, o leite puro era
consumido quase exclusivamente pelas crianças.
No Brasil, a primeira referência escrita ao leite
é de 1552, feita pelo padre Manuel da Nóbrega,
em carta aos superiores em Portugal. Ele revelou
que vinha atraindo os indiozinhos para a
catequese e para o colégio instalado na vila que
deu origem a Salvador, na Bahia, oferecendolhes leite retirado de 12 vacas. Só bem mais
tarde, contudo, os adultos brasileiros adotaram
o hábito de beber leite.
Fabricado artesanalmente, o Queijo de Minas ganhou
fama e até se tornou patrimônio. Mas nem sempre foi
apreciado, especialmente pela falta de higiene em que
era produzido nas casas de fazendas que usavam formas
e queijeiras (mesas de madeira) pouco recomendáveis.
Foto Sara Torres/Museu de Artes e Ofícios
O viajante inglês John Barrow, que visitou
o Rio de Janeiro em 1792, escreveu que os
moradores das cidades raramente bebiam leite
e quase nunca comiam queijo e manteiga. Foi
difícil conseguir um pouco de leite para seu
chá. Quando encontrado, disse Barrow, era de
péssima qualidade.
1 a expansão do gado leiteiro
A importância do leite para o homem é
reconhecida desde a idade da pedra, tanto que
fazia parte de ritos da fecundidade, da literatura
clássica e das antigas lendas, como a de Rômulo
e Remo, fundadores de Roma. Eles teriam ficado
órfãos muito cedo e, abandonados à própria sorte,
sobreviveram porque uma loba os alimentou.
O queijo e a manteiga eram produzidos principalmente em Minas Gerais, em
pequenos cômodos nas fazendas, às vezes na própria residência da família. Não
havia máquinas apropriadas ou atenção à higiene, mesmo quando a produção era
destinada ao consumo doméstico. Em geral, a fabricação era dirigida pela mulher
do fazendeiro.
O autor de Viagens ao Interior do Brasil, John Mawe, um britânico
que esteve no país durante dois anos, a partir de 1809, escreveu
sobre o assunto. Na região de Juiz de Fora, ele chegou à Fazenda
do Capitão Rodrigo de Lima e se espantou ao visitar a “fábrica de
queijo”. Em vez de um compartimento apropriado à fabricação
do produto, encontrou um quarto sujo, de cheiro insuportável. E
ouviu, como explicação, que não era época de fabricação de queijo,
pois as vacas só produziam leite na estação das águas. Pela mesma
razão, ninguém tinha se preocupado em lavar os utensílios, desde
a última vez em que haviam sido usados.
Mawe se deu ao trabalho de
ensinar ao fazendeiro entediado
o modo correto da produção de
queijo, como se fazia em seu país.
Foi ouvido educadamente, mas não percebeu no ouvinte qualquer
demonstração de que seguiria suas orientações. Porém, em
outras regiões mineiras, suas lições foram bem aproveitadas. Ele
escreveu que a mulher do Conde de Linhares, proprietário da
Fazenda do Barro, a 80 quilômetros de Ouro Preto, “olhou nossos
preparativos e pareceu muitíssimo interessada neles”.
O britânico se encantou também com o interesse de uma mulher no Tijuco, atual
Diamantina: “A senhora se mostrou vivamente interessada na experiência: ela
mesma participou das tarefas, com a ajuda das filhas, convidou várias amigas
para ver como era fácil o processo e distribuiu entre elas o produto obtido. Um
raro exemplo de atividade e boa vontade.”
27
Quase não se produzia manteiga aqui, como observou o príncipe
alemão Maximilian Wied-Neuwied, autor de Viagem ao Brasil,
publicado em 1820. Ele viajou pelo Rio de Janeiro, Espírito Santo e
Bahia, durante os anos de 1815 e 1816, e constatou que a população
não sabia fabricar manteiga. A conservação do produto era
prejudicada pelo clima quente e pelo preço elevado do sal.
Ao contrário do inglês e do alemão, o conhecido naturalista francês Auguste de
Saint-Hilaire fez três viagens a Minas Gerais, entre 1817 e 1822, e não reclamou,
em seus vários escritos, da qualidade de nosso leite. Até fez comparações com o
produzido nas montanhas da Auvérnia, região francesa famosa pela indústria de
laticínios, principalmente a dos queijos AOC. 1 a expansão do gado leiteiro
2
29
1
Possivelmente, com a chegada ao Brasil da família real, os
produtores de leite ganharam ma is estímulo para melhorar
a qualidade. Os nobres portugues es faziam questão de queijo
e manteiga nas refeições. Os quei jos preferidos eram o
chester e o português da Serra da Estrela, feito com leite de
cabra, mas a fama do queijo Mina s chegara ao litoral.
1. Vista do Rio de Janeiro, em gravura de 1821, de John
Heaviside. Foi nessa época que o príncipe alemão
Maximilian Wied-Neuwied fez seus relatos de Viagem
ao Brasil, nos quais reclamou da qualidade da manteiga
nacional. Arquivo Biblioteca Nacional
2. Paisagem de Diamantina, em foto de Augusto Riedel, de
1868/69. Anos antes, pela cidade passou o britânico John
Mawe, que ensinou a fazendeiros, especialmente mulheres,
a produzirem queijo. Arquivo Biblioteca Nacional
1 a expansão do gado leiteiro
1
31
Continuação da página 25
O prim eiro laticínio
2
“A transparência do céu, a doçura do ar, a benigni dade do clima,
o encanto da paisagem, a beleza das flores, a graça das mulheres,
a excelência dos corações, a brandura dos costume s, a franqueza
da hospitalidade fazem de Palmyra a miniatura d e um paraíso
Rui Barbosa, em crônica de 1920
abrigado entre as austeras serranias mineiras.”
Quem não conhece a história de Santos Dumont, ex-Palmyra, cidade da Serra
da Mantiqueira, na Zona da Mata mineira, se surpreende ao saber que ali, ainda
no século XIX, na terra do “pai da aviação”, a indústria de laticínios era mais do
que uma promessa. Era uma realidade econômica que transformou o pequeno
município no maior polo brasileiro de produtos lácteos.
1. A primeira fábrica de laticínios da América Latina.
Arquivo Biblioteca ILCT
2 e 3. O gado Holandês foi introduzido nas fazendas da
região de Palmyra por Carlos Sá Fortes, avô do criador
do Laticínios Mantiqueira, o médico Sá Fortes, que
implantou o primeiro laticínio da América Latina.
Arquivo Público de Santos Dumont (MG)
Em 1888, antes mesmo de Palmyra ser reconhecida como município,
foi instalada ali a primeira fábrica de laticínios da América do Sul. O
proprietário era o médico Carlos Pereira de Sá Fortes, neto de Carlos Sá
Fortes, primeiro importador de gado Holandês na região. Nascido em
Barbacena em 1850, seu sonho era produzir queijos com a mesma qualidade
dos europeus. Para isso, foi à Europa visitar laticínios e comprou na Holanda
o maquinário da Companhia de Laticínios da Mantiqueira, erguida às
margens do Rio Pinho.
3
3
1 a expansão do gado leiteiro
2
Convivendo com
Santos Dumont
A família Sá Fortes fez história em Palmyra e deixou registros interessantes, além do
envolvimento com a produção de leite e derivados. Um deles é sobre a amizade entre o
coronel José Jorge Sá Fortes, também grande fazendeiro, e o inventor do avião. Santos Dumont
(1873/1936) nasceu na Fazenda Cabangu, localizada a 16 quilômetros da então vila de João
Gomes. Seu pai, o engenheiro Henrique Dumont, se instalou na propriedade em 1870, pois era
o construtor responsável pelo ramal da Estrada de Ferro Dom Pedro II que passaria pela região.
1
O coronel Sá Fortes foi uma
referência para Santos Dumont
quando se tratava de cuidar
da fazenda. Ele aconselhava o
amigo sobre a administração da
propriedade, criadora de gado
Holandês e fornecedora de leite
para laticínios como o Alberto
Boeke e Jong e Companhia.
Transformada em museu, a antiga
casa da Fazenda Cabangu guarda
rastros dessa história.
33
De funcionário
a patrão
Outro amigo de Santos Dumont também foi
importante personagem da história da então cidade
pólo de laticínios. O holandês João Kingma era gerente
do laticínio do também holandês Alberto Boeke,
quando constatou que fabricar coalho seria uma
grande oportunidade de negócio.
De certa forma, Kingma repetiu a história de seu patrão. Boeke
era um mecânico que veio para o Brasil montar os equipamentos
do laticínio de Carlos Pereira Sá Fortes. Anos depois, em 1907, se
tornou fabricante do queijo da marca Borboleta. Sua empresa,
fundada naquele ano com três sócios, chamava-se Alberto Boeke
e Jong e Companhia, nome mudado em 1922 para Companhia de
Lacticínios Alberto Boeke.
Pois não é que, em 1923, depois de trabalhar para
Boeke, Kingma resolveu também montar sua própria
indústria em sociedade com o maior pecuarista da
Mantiqueira, João Geraldo Freiks. Por mais de 50 anos,
a fábrica foi a única de coalho no Brasil.
1. Ferro de marcar gado, com as inscrições de Santos
Dumont. Museu Cabangu/Reprodução Ronaldo
Guimarães
2. Recibo do laticínio de Alberto Boeke e Jong mostra a
relação da fábrica com a administração de Palmyra.
Arquivo Câmara Municipal de Santos Dumont (MG)
3. Muito premiado, o laticínio de Alberto Boeke foi
adquirido, em 1960, pela Ribeiro Fonseca. Fruto
da compra de laticínios ainda na década de 1920,
o Ribeiro Fonseca foi, ao longo de muitos anos, o
maior de Santos Dumont. Arquivo Ribeiro Fonseca
A trajetória de Kingma é contada por seu neto,
o escritor Victor Kingma. Filho de uma família
tradicional de laticinistas da Frísia (região no
noroeste da Europa), João Kingma, que se formara
técnico em laticínios, leu num jornal holandês
anúncio que procurava um profissional para montar
o equipamento comprado na Europa pelo médico
Hermenegildo Vilaça, que estava instalando um
laticínio em Juiz de Fora, na longínqua Minas Gerais.
Ele enviou carta a Vilaça pedindo o emprego e, só
depois de aceito, informou aos pais que ia viajar
para o Brasil. Concluído o serviço, preparava-se para
voltar à sua terra, mas foi convidado por Boeke, em
1909, a ser gerente de sua fábrica em Palmyra.
3
Fonseca Laticínios S/A teve sua origem na fábrica Santa Martha, fundada
em 1920 por Pedro José Ribeiro, produtora dos queijos das marcas Palmyra
35
e Chantecler. Em 1935, a empresa muda de nome, com a entrada de outro
1
O coalho nacional
O Coalho Frísia, de Kingma, era bem mais barato do que o importado, o que
possibilitou o surgimento de dezenas de pequenos laticínios na região. “Só
ele dominava a técnica de fazer coalho. Depois passou para um filho, meu
tio”, diz Victor. A empresa resistiu nas mãos da família por cerca de 80 anos,
antes de falir. Hoje, até o prédio da fábrica histórica desapareceu, como o de
tantas outras que deram a Palmyra o título de “capital do queijo”. Sobrevivem
ali poucas e pequenas fábricas.
Durante anos, a maior empresa do setor em Santos Dumont, a Ribeiro
1 a expansão do gado leiteiro
2
sócio, Galileu Fonseca.
Não basta ser grande
A Ribeiro Fonseca chegou a empregar mais de 500 pessoas em 60
laticínios espalhados pela região. Em 1960, morreu Albert Boeke,
e, cinco anos depois, o laticínio fundado por ele foi comprado pela
Ribeiro Fonseca. Esta, por sua vez, foi adquirida, em 1975, pelo paulista
Jorge Chammas Neto, dono do grupo Moinho São Jorge, do qual fazia
parte a Leite União. Em 1996, a Ribeiro Fonseca foi fechada.
Segundo a Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Econômico
de Santos Dumont, o município produz ainda cerca de 100 mil litros de
leite por dia e possui seis pequenos laticínios, nenhum fabricante de
queijo do Reino, que deu fama à região.
Não é à toa que, na época em que a Ribeiro Fonseca foi montada (ainda como Santa
Martha), Minas Gerais já era o maior produtor de lácteos do país, com seus 965 laticínios,
no fim da década de 1920. No estado, eram fabricados queijos, caseína, leite em pó, leite
condensado e leite pasteurizado, o que embalava o mercado consumidor nacional.
O estado nunca perdeu a liderança conquistada naquele início de século.
Atualmente, a produção diária de leite é calculada em 18 milhões de litros. A
produção ocorre em todos os municípios mineiros, mas alguns se destacam.
Patos de Minas, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), produziu em 2008 mais de 109 millhões de litros de leite,
só perdendo no país para Castro, no Paraná, com 138 millhões.
1. Kingma teve importância nacional, ao fabricar o
primeiro coalho no país, passando a fornecedora
para as dezenas de laticínios existentes na região
da Mantiqueira. Arquivo Víctor Kingma
2 e 3. Funcionários da fábrica Ribeiro Fonseca, a
que mais empregava na região da Mantiqueira.
Arquivo Ribeiro Fonseca
Continua na página 37
1 a expansão do gado leiteiro
“...Se as condições objetivas para o desenvolvimento
laticinista como atividade econômica foram
tão hostis, o mesmo não se pode dizer de seu
desenvolvimento culinário. Nesse verdadeiro
laboratório experimental em que se transformou
nossa culinária, o leite — é verdade, sempre como
um subproduto — mesclou-se com todos os demais
ingredientes locais ou estrangeiros. Sua culinária
floresceu e rendeu inúmeros pratos inesquecíveis.
Com o milho, deu origem a angus, broas e bolos de
fubá, a canjicas, a inúmeras receitas de milho verde
ou de seu derivado, a farinha de milho. Também se
transformou em queijo, outra forma de busca de
permanência, e com ele foram feitos pães de queijo,
pudins, bons-bocados, queijadinhas, além, é claro,
do célebre requeijão. Com o açúcar colonial, às
37
Continuação da página 35
Do café ao leite
A pecuária do Sul de Minas Gerais se beneficiou do crescimento do mercado
consumidor de leite na capital paulista, para onde o produto era transportado
Uma verdadeira especiaria
a partir da década de 1880, por vagões de carga, em latões de 50 litros. Quando
o Vale do Paraíba se viu castigado pela decadência da cafeicultura, no começo
do século XX, e seus fazendeiros começaram a substituir os cafezais por
pastagens de capim-gordura ou a vender terras, os do Sul do estado souberam
Foi na culinária que
o leite encontrou
seu espaço como
alimento do brasileiro.
Na descrição de
Maria Luiza de Brito
Ctenas e André
Constantim Ctenas,
essa característica se
evidencia:
Gravura A Nurse (Ama de Leite). Data provável entre
1846 e 1849. Arquivo Biblioteca Nacional
vezes na forma de rapadura, outras de melado,
o leite transmutou-se em bebidas, balas, doce de
leite e roscas doces. Em conjunto com a mandioca,
resultou talvez nos pratos mais originais do período
colonial. Começando pela própria farinha, que se
presta para bolos e doces; o polvilho, ótimo para
biscoitos; a tapioca e o carimã, para doces diversos
e mingaus. A mandioca rende tantos produtos e
combina tão bem com o leite que é um capítulo
especial na culinária brasileira, única e deliciosa.
Com os ovos, surgem as ambrosias, as babas de
moça, inúmeros cremes de ovos e pudins. Já com
o coco e seu subproduto, o leite de coco, o leite
participa de alguns de seus pontos altos da culinária
brasileira. Cuscuzes, manjares e docinhos de coco,
sempre com leite, continuam surpreendendo
paladares desavisados. Com a europeia farinha de
trigo, o leite surpreende menos, porém, modificado
por mãos negras e influências indígenas, rende
ótimos pães, bolos e doces. E, por último, o arroz
nos brinda com ótimos arrozes-doces, bolos, mãesbentas e alguns pratos salgados...”
aproveitar a oportunidade.
Eles compraram terras baratas pertencentes a fazendas de café em decadência,
passando a produzir leite mais perto da cidade de São Paulo, beneficiando-se também da
boa infraestrutura de transporte existente no Vale do Paraíba. Esses mineiros ajudaram
a construir ali, nos primeiros anos do século XX, a principal bacia leiteira paulista — um
movimento que se repetiria mais tarde no Paraná e em Goiás, entre outras regiões.
Continua na página 40
1 a expansão do gado leiteiro
A propriedade produz leite e café e ocupa terras dos dois estados. Os cafezais estão em território
mineiro, ao contrário do que diz a canção de Noel Rosa — “São Paulo dá café, Minas dá leite,
e a Vila Isabel dá samba”. Com cerca de 3.000 animais em lactação e uma produção média
de 25 litros por cabeça, a produção diária é de aproximadamente 75 mil litros de leite tipo A,
industrializados na própria fazenda e vendidos em grande parte na capital paulista, a 290
quilômetros de distância.
39
Olavo Barbosa, como é mais conhecido, nasceu em 1923, em
Guaxupé, onde começou a trabalhar, em 1940, na Companhia
Brasileira de Café, da qual adquiriu dez anos depois seu
primeiro armazém. Em 1960, comprou sua primeira fazenda. E
mais outras, até os atuais 1.400 alqueires. As áreas altas dessa
imensidão de terra foram reservadas à produção de café; as mais
planas, à pecuária leiteira.
Maior produtor de leite do país
A ligação de produtores de leite do Sul de
Minas Gerais com São Paulo, o principal
mercado consumidor do país, continua
até hoje. Um exemplo é Orostrato Olavo
Barbosa, de Guaxupé, que instalou
na cidade vizinha de Tapiratiba, em
território paulista, a sede da Fazenda São
José, maior produtora de leite do Brasil.
A Fazenda São José tem cerca de 6.000 animais,
ordenhados mecanicamente. Arquivo Fazenda Bela Vista
A fazenda produz leite desde 1960, quando iniciou com
vacas Gir e touros Holandeses vermelho e branco. Em 1966,
introduziu gado Dinamarquês, criando animais tri-cross.
Na década de 1980, a fazenda fez opção pelo gado Holandês
preto e branco, importando 300 novilhas dos Estados Unidos
e trocando o pasto pelo confinamento free-stall (baia livre),
inventado na Califórnia, e o leite B pelo tipo A, comercializado
com a marca Fazenda Bela Vista. A sala de ordenha, construída
em aço inoxidável, tem capacidade para 500 animais por hora.
A ordenha é toda mecanizada, sem qualquer contato manual,
bem como todo o resto da linha de produção, até o envasamento
feito na própria fazenda, que também fabrica as embalagens.
O rebanho é formado por 6.000 animais. A São José produz ração e tem
laboratório próprio. Foi pioneira no país em contagem de células somáticas
do leite. Em 1990, montou um laboratório de transferência de embriões,
o que possibilita a reposição de animais e o aprimoramento genético do
rebanho. Ate 2005, eram realizadas cerca de 3.600 transferências de
embriões. Atualmente, a fazenda importa embriões dos Estados Unidos
e realiza um programa de fertilização in vitro, no qual os embriões são
transferidos para receptoras meio-sangue Simental/Nelore, multiplicando
assim os melhores animais e fazendo o aprimoramento genético.
Continuação da página 37
Na Zona da Mata, a pecuária leiteira também se desenvolveu à medida que a
produção de café entrava em decadência. Curiosamente, o poeta Olavo Bilac,
em crônica publicada em 1902, no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro,
culpa o hábito de se tomar café com leite pela crise da cafeicultura, alegando
que a população havia perdido o costume de tomar café puro, o que teria
reduzido seu consumo.
2
3
4
Bilac chegou ao a bsurdo de pedir punição a quem
insistisse em beb er café com leite no Brasil, mas
ninguém levou a sério esse delírio do poeta.
Um barão dos trilhos
1
A chegada da ferrovia à Zona da Mata, em meados do século XIX, possibilitou o transporte do
leite in natura para a capital federal, em latões de 50 litros. Isso prosseguiu até meados do século
seguinte. Meireles (1983) revela que na década de 1950 a Cooperativa de São João Nepomuceno
enviava sua produção para a CCPL, no Rio de Janeiro, em vagão-tanque de 15 mil litros da Estrada
de Ferro Leopoldina, mas esse tipo de transporte mais eficiente não chegou a ser usado em outras
regiões. Nos Estados Unidos, porém, era comum o uso de composições frigoríficas especialmente
fabricadas para o leite — a primeira foi inaugurada em 1838.
Os avanços observados na Europa e nos Estados Unidos
demoravam a aportar em terras brasileiras. O primeiro trecho
ferroviário no país só foi inaugurado no Rio de Janeiro em
1854, a partir de iniciativa do industrial Irineu Evangelista
de Souza, o Barão de Mauá. Denominada Estrada de Ferro de
Petrópolis, tinha apenas 14,5 km, entre a Estação Guia de Pacobaíba, na praia de Estrela
(no Porto de Mauá), até Fragoso, localidade de Inhomirim, hoje município de Magé. Os
poucos quilômetros foram percorridos pela locomotiva Baronesa, fabricada na cidade
inglesa de Manchester, que levou Dom Pedro II na viagem inaugural. No dia seguinte,
iniciou-se o transporte regular de passageiros, mas o de mercadorias demorou ainda
sete meses para acontecer.
Em 1881, Dom Pedro II viajou para a Zona da Mata mineira em trens da Leopoldina e da
Companhia União Mineira. Almoçou na casa do Barão de Cataguazes, escreveu em seu
diário que Juiz de Fora deveria arborizar sua bela avenida, passou por Serraria e percorreu
mais 84 quilômetros até o arraial de São João de Nepomuceno.
1. Primeira a ser inaugurada no Brasil, em 1854, a Estrada
de Ferro de Petrópolis saía da Estação de Pacobaíba
(foto) e seguia para Fragoso, ambas no Rio de Janeiro.
2. O feito do Barão de Mauá só subiu a Serra de
Petrópolis, entretanto, 30 anos mais tarde, quando foi
instalada a estação na cidade.
Arquivo CBTU
3. Trabalhadores na Estrada de Ferro de Petrópolis.
4. Locomotiva Baronesa
Arquivo CBTU
1 a expansão do gado leiteiro
1
5
43
“A estra da para subir parte da serra do Macuco
tem 2 z iguezagues com plataformas. Tem 7
estaçõe s pequenas porém bem construídas
confor me a aparência.
Vista muito bela assim como mato viçoso de Bicas para diante. Descobre-se
amplo vale fechado por altas montanhas, e perto de S. João avista-se
a alta serra do descoberto de contorno original.
”
Dom Pedro II
em seu diário, durante viagem de trem à Zona da Mata mineira
1. Dom Pedro II. Arquivo Biblioteca Nacional
2. Desenho das características de touro da raça
Holandesa. Arquivo Público de Santos Dumont (MG)
2
Em meados da década de 1950, um levantamento da situação da bacia leiteira de
Belo Horizonte mostrou que 94% do rebanho era constituído por gado azebuado ou
comum. Meio século depois, registrava-se evolução significativa, conforme estudo da
A primeira rodovia
Personagem da história das estradas de ferro no Brasil, Dom Pedro II também foi quem
inaugurou a primeira rodovia macadamizada do país, em junho de 1861. O imperador
percorreu toda a estrada de 144 quilômetros, entre Petrópolis e Juiz de Fora, viajando em
diligência puxada a cavalo.
A história da Estrada União Indústria começou em 1854, quando o
engenheiro Mariano Procópio Ferreira Lage ganhou a concessão para
construí-la, em troca da cobrança de pedágio por 50 anos. Para arrecadar
fundos, criou a Companhia União e Indústria e trouxe artífices alemães
para ajudar na construção.
Os imigrantes e suas famílias foram morar na Colônia Dom Pedro II, nos
arredores de Santo Antônio do Paraibuna, atual Juiz de Fora. Desde 1840,
o governo brasileiro incentivava a imigração, prometendo terras para
europeus empobrecidos pelas guerras napoleônicas.
E assim, com o tempo, as rodovias tomaram o lugar dos trens no transporte de leite. O
uso de caminhões-tanque começou provavelmente em 1955, quando a Cooperativa de
Laticínios de São José dos Campos instalou, sobre um chassi Mercedes-Benz adaptado,
um tanque de aço inox revestido com chapas de ferro, mas sem isolamento térmico,
com capacidade para 17.500 litros. A ideia foi aperfeiçoada por algumas indústrias
1
Federação da Agricultura de Minas Gerais: 62% do rebanho era formado, em 2004,
1 a expansão do gado leiteiro
2
45
por gado mestiço, com predominância de raças especializadas na produção de leite.
Os números ao
longo de décadas
Mas a situação em todo o estado revelava manutenção de estruturas inadequadas de produção,
com o leite sendo extraído de rebanhos de corte, com a proliferação de pequenos produtores que
consideravam o leite alternativa de sobrevivência e de complementação da renda familiar. Assim,
perpetuava-se “uma conjuntura favorável à manutenção de baixa produtividade e sedimentação
de atividade não tecnificada, até hoje disseminada por todo o estado”, conforme atestam os
pesquisadores Vidal Pedroso de Faria e Paulo do Carmo Martins.
Apesar dos problemas provocados pela política governamental
para o abastecimento das grandes cidades, como veremos
mais adiante, a produção de leite brasileira cresceu 43%
na década de 1960, chegando a 4,8 bilhões de litros anuais,
enquanto a de Minas Gerais aumentava 157%, atingindo 2,4
bilhões, de acordo com pesquisas do IBGE. Não obstante esse
incremento acima da média nacional, a participação mineira
nessa década recuou de quase 35% para 33,2% devido à entrada
mais forte de outras regiões na atividade.
3
produtoras de semirreboque, que substituíram a cortiça usada para o isolamento com
lã de vidro por placas de isopor e, finalmente, por poliuretano.
A Estrada União Indústria, construída pelo mineiro Mariano
Procópio, ligava Petrópolis a Juiz de Fora (1). Ela foi percorrida
por Dom Pedro II e família, passeio registrado pelo fotógrafo
do Império Revert Klumb (2). Arquivo Mapro
3. Transporte de leite em carroça, na região da Mantiqueira.
Foto Ronaldo Guimarães
1 a expansão do gado leiteiro
1
2
46
Na década de 1970, técnicas para aproveitamento do cerrado chegaram ao
conhecimento dos fazendeiros, iniciando-se nova migração da produção de
leite e a ocupação da região.
O cerrado como alternativa
Quando o então secretário da Agricultura de Minas Gerais no governo Rondon Pacheco, Alysson
Paulinelli, promoveu a desapropriação de 60 mil hectares de áreas de cerrado na região de São
Gotardo, no Alto Paranaíba, o proprietário, Antônio Luciano Pereira Filho, mantinha no local
apenas gado de corte, empregando seis pessoas para seu trato. Paulinelli implantou ali o Padap —
Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba, que garante hoje milhares de empregos.
Segundo Martins, não é possível falar em tecnologia no cerrado sem citar
Paulinelli. Foi na sua época como ministro da Agricultura que a Embrapa
(Empresa Brasleira de Pesquisa Agropecuária) e a Epamig (Empresa de Pesquisa
Agropecuária de Minas Gerais) se desenvolveram e deram ao cerrado as
vantagens de hoje.
1. Monte Azul, na região do cerrado, Norte do estado.
Foto Giselle Fagundes
2. O ex-ministro Alysson Paulinelli é considerado um
dos principais articuladores do aproveitamento
do cerrado no Brasil. Foi ele quem criou o
Centro de Pesquisa Agropecuária do Cerrado, a
Embrapa Cerrados, localizada em Planaltina, a 35
quilômetros de Brasília. Arquivo Embrapa Cerrados
O aproveitamento do cerrado se deu muito em
função de políticas implantadas por Paulinelli, que
ocupou o cargo de ministro no período de 1974/1979.
Ele foi homenageado, em 2006, com o The World
Food Prize (Prêmio Mundial de Alimentação), por sua
contribuição ao aproveitamento das extensas áreas
do cerrado brasileiro. São 297 milhões de hectares,
o segundo maior bioma nacional, que, até a década
de 1970, era improdutivo ou servia apenas para a
criação extensiva de gado, cultivo de arroz, extração
de madeira e produção de carvão vegetal.
Tendo iniciado o trabalho em 1971, como secretário da Agricultura de Minas Gerais, Paulinelli foi
bem além quando no governo federal. Criou políticas para o setor, instituições e infraestrutura
para estimular o desenvolvimento. Concentrou recursos consideráveis nos projetos e atraiu
financiamentos privados, nacionais e estrangeiros para as regiões de cerrado. Promoveu, por
exemplo, a instalação do Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados (CPAC) da Embrapa,
responsável pelo amadurecimento e avanço de tecnologias para utilização da área. O cerrado se
transformou nas décadas seguintes, ganhando em aproveitamento e diversidade de produção.
Segundo dados da Embrapa, 42% do rebanho brasileiro estão no cerrado, que é responsável por
55% da produção de carne. Em Minas Gerais, um estudo da Faemg e do Sebrae, publicado em 2006,
revelou que já em 2005 as regiões de cerrado no Alto Paranaíba e Triângulo lideravam a produção
mineira de leite, com 24,7%, enquanto a Zona da Mata, que no passado ocupara a primeira posição,
caíra para apenas 9,9%. Entre as 12 mesorregiões que compõem o estado, a que abrange o Triângulo
e o Alto Paranaíba mantinha, em 2007, a maior produção de leite, com cerca de 1,8 bilhão de litros.
A segunda, Sul e Sudoeste, produziu 1,3 bilhão no mesmo ano, ficando a Zona da Mata em terceiro
lugar, com 762 milhões. No período de 1998 a 2008, as mesorregiões que mais cresceram em
volume de leite foram duas outras de cerrado, o Noroeste e o Norte de Minas.
Continua na página 50
1 a expansão do gado leiteiro
A Fazenda São João, situada em Inhaúma, a 85 quilômetros da capital mineira,
em região de cerrado, tem 1,2 mil hectares e produz em média 40 mil litros de
leite por dia. É banhada pelo Rio São João numa extensão de aproximadamente
quatro quilômetros, tendo água suficiente para irrigar 400 hectares e produzir
milho e aveia para alimentação do rebanho.
49
Sonho realizado
A propriedade começou a ser formada
em 1994, depois que o empresário Flavio
Guarani resolveu produzir leite em
escala comercial. Filho único de Antônio
Luiz Noronha Guarany — que foi sócioproprietário do Banco Mercantil do Brasil
e da Remil (Refrigerantes Minas Gerais),
engarrafadora da Coca-Cola em Belo
Horizonte —, Flavio começou a trabalhar
muito cedo nas empresas do pai, mas
sempre se interessou pela atividade rural.
Quando resolveu trocar o lazer rural pela produção de leite em escala comercial,
encontrou em Inhaúma a fazenda dos sonhos de Dona Huguette, sua mulher e
sócia, outra apaixonada pela vida no campo. A fazenda foi adquirida pela holding
da família, a True Type, nome que designa, em inglês, um animal perfeito. Antes
dos investimentos na área, foi encomendado a especialistas o projeto detalhado da
futura fazenda leiteira, que tem como meta produzir 80 mil litros por dia. Para isso,
Huguette e Flávio apostaram no aperfeiçoamento genético do rebanho.
Com o projeto pronto, iniciou-se experiência pioneira no Brasil de se montar
toda uma infraestrutura antes de trazer o primeiro animal para a fazenda. Foram
cinco anos de trabalho, desde a preparação da terra para plantio até a construção
de galpões, plataformas de ordenha e dois tanques de resfriamento de leite com
capacidade para 20 mil litros cada, entre outras benfeitorias.
Em janeiro de 2002, a Fazenda São João entrou em operação, com o nascimento da
primeira bezerra no local. Seis meses depois, produzia 30 mil litros/dia, em média.
Em 2009, o número de animais havia aumentado para 3.120, sendo 1.600 vacas em
lactação. A cada ano, a reposição é feita com cerca de 500 novilhas parindo.
O confinamento dos animais é do tipo free-stall (baia livre). O
setor de produção de leite conta com quatro galpões para 3.800
vacas e mais três para 40 a 50 animais em cada. Todas as camas
são repostas a cada quatro dias com areia nova. A taxa de ocupação
é de 80% a 90%. Para resfriar o ambiente nessa região quente do
cerrado mineiro, o sistema de aspersão fica ligado por um minuto
e desligado por cinco minutos, de maneira rotativa. É acionado
sempre que a temperatura ambiente fica acima de 19ºC, o que
assegura conforto para as vacas Holandesas. O leite é pesado
individualmente em todas as três ordenhas diárias, de 220 vacas por
hora. A média de produção diária por animal é de cerca de 28 litros.
Na propriedade, são adotadas práticas de preservação ambiental,
que garantem a qualidade da água das nascentes. Não é permitido o
despejo de qualquer tipo de dejeto nos mananciais da fazenda, que
também emprega as mais avançadas técnicas de plantio direto para
conservar o solo e garantir a agricultura sustentável.
O conforto das vacas da Fazenda São João,
localizada em Inhaúma, é garantido por sistemas
de ventilação, resfriamento do ambiente e limpeza
das áreas. Arquivo True Type
1 a expansão do gado leiteiro
Continuação da página 47
O IBGE, na Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM) de 2008, calculou a produção nacional em 27,5
bilhões de litros de leite, apontando um aumento de 5,5% em relação ao ano anterior, sendo que, de
Apesar da produtividade ainda baixa e da qualidade deficiente, o
1996 a 2006, se apurou um aumento de 19,5%.
aumento do rebanho possibilitou que o país se posicionasse entre
os grandes produtores mundiais de leite no final do século XX. A
Avanço nacional
partir de 1970, em apenas 14 anos, a área de pastagens do Brasil
aumentou de 147 milhões de hectares para 179 milhões.
Os números fazem do Brasil o q uinto maior
produtor do mundo, atrás apen as dos
Estados Unidos, Índia, China e Rússia.
O consumo per capita, entretanto, é baixo, de
146 litros/ano. Em Minas Gerais, a produção
leiteira chegou, em 2008, a 7,6 bilhões de
litros, ou 37% a mais que em 1998.
De 2007 para 2008, cresceu também o
número de vacas ordenhadas no país (2,3%
mais), sendo que Minas Gerais tem a maior
parcela desse contingente, com 5,1 milhões
de cabeças. O certo é que a fronteira da
pecuária de leite avançou no estado,
repetindo o fenômeno que aconteceu em
outras regiões do país, como resultado
das novas tecnologias e da melhoria da
infraestrutura que, embora ainda precária,
foi suficiente para a expansão da atividade
por todo o território nacional.
Censo Agropecuário de 2006 mostrou que as
áreas de pastagem diminuíram, mas o rebanho
cresceu. Foto Xará
O Censo Agropecuário de 2006 constatou mudanças
importantes nos números. Contabilizou 5,2 milhões de
estabelecimentos agropecuários, que ocupavam 36,7%
do território nacional e tinham, como atividade mais
comum, a criação de bovinos. Em relação ao Censo de
1995, a área diminuiu em 23,7 milhões de hectares, ou
-6,7%, com a criação de novas Unidades de Conservação
Ambiental e demarcação de terras indígenas. Houve
também redução das áreas de florestas nesses
estabelecimentos agropecuários (-11%) e de pastagens
naturais (-6,6%), mas aumentou em quase 2% a área de
pastagens plantadas, sobretudo na região Norte.
No entanto, no período entre os dois censos, a área de pastagens diminuiu cerca de
3% no país, embora o rebanho bovino tenha aumentado 11%, somando 169,9 milhões
de cabeças (em 2008, o número subiu para 202 milhões de bovinos, conforme a
PPM), o que mostra avanço na produtividade por hectare. Foram ocupadas novas
áreas no Leste do Pará, Noroeste do Maranhão e Rondônia, com a pecuária bovina
aparecendo também na faixa ao longo do Rio Amazonas e de alguns afluentes
importantes, do Norte do Pará ao Norte do Acre.
A concentração da distribuição das terras permaneceu
praticamente inalterada: 43% da área eram ocupados por
estabelecimentos com mais de 1.000 hectares e 47% por
estabelecimentos com menos de dez hectares. Entre os
proprietários entrevistados pelo IBGE, mais de 80% tinham baixa
escolaridade ou eram analfabetos. Isso, sem dúvida, dificulta a
apreensão de práticas voltadas para o aumento da produtividade.
51
1 a expansão do gado leiteiro
Com base no Censo Agropecuário 2006,
a Fundação Getúlio Vargas divulgou um
estudo, em 2010, no qual afirma que
os 3,3 milhões de produtores de leite
53
enquadrados no Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) representam 64,4% dos
estabelecimentos rurais e geram 47,1% do
valor do leite produzido no país, contra
52,5% dos que não pertencem ao programa
e que somam 1,6 milhão de produtores.
Tamanho é documento
Esses números demonstram que existe amplo espaço de atuação para
programas de capacitação de produtores e de gestão das propriedades, como
os desenvolvidos no estado pelo Sebrae-MG e pela Faemg — Educampo e
Balde Cheio, respectivamente. Para o engenheiro agrônomo Roberto Simões,
presidente da Faemg (2006/2011) e do Sebrae-MG (2007/2010), os programas
das entidades são importantíssimos, mas o país precisa também de uma
profunda mudança de mentalidade em relação aos produtores rurais,
sobretudo em relação aos médios, que não contam hoje com assistência
técnica do governo nem com financiamentos específicos.
Segundo a Pesquisa Pecuária Mu nicipal, o valor da
produção do leite em 2008 foi de R $ 17,5 bilhões no Brasil
e R$ 7,6 bilhões em Minas Gerais, estado que respondia,
naquele ano, por 27,8% da produç ão nacional.
São os médios produtores que
levaram o Brasil a ser um grande
produtor e exportador de alimentos,
afirma Simões, mas eles não são
valorizados na cadeia produtiva e
ainda sofrem discriminação, pois
não recebem a atenção devida
do governo, como os pequenos,
nem podem sobreviver como os
grandes. “Os agricultores da Europa
e dos Estados Unidos recebem
300 bilhões de dólares por ano de
subsídio, enquanto os brasileiros,
sem ajuda dos governos, fazem a
agricultura mais barata e mais farta
As propriedades de médio porte sofrem com a falta de
assistência e de financiamentos específicos. Programas
como o Educampo, implantado pelo Sebrae-MG, ajudam
o produtor a ter mais conhecimento da gestão de sua
fazenda. Foto Ronaldo Guimarães
do mundo inteiro”, afirma Simões.
1 a expansão do gado leiteiro
Entre abril e setembro ou outubro, todo o gado é alimentado no
Está no sangue
estábulo, à base de silagem e milho. No restante do ano, parte do
55
gado fica no pasto. O sistema utilizado por Gontijo não é o freestall: “É um sistema em que faço pistas de tráfego. O animal tem
uma área para andar no pasto, mas come no cocho. Meu gado é
de meio sangue a 7/8 Holandês”.
Um dos que atenderam ao apelo
do governo pelo desenvolvimento
do cerrado em Minas Gerais foi
José Álvares Filho, presidente da
Faemg de 1969 a 1981. Ele pediu
ao filho, o engenheiro civil Jacques
Gontijo Álvares, que o ajudasse a
desenvolver a propriedade familiar
de 1.500 hectares, no município
de Bom Despacho, no CentroOeste do estado. “Quando saíram
aqueles financiamentos do governo
para aproveitamento do cerrado,
já tínhamos começado a mexer na
fazenda”, lembra o atual presidente
da Itambé, contando que foram
aproveitados 1.200 hectares com
pastagens e capineiras, ficando o
restante como reserva legal.
Antes de ser eleito presidente da Itambé em 2007, Jacques Gontijo
foi presidente da Cooperativa Agropecuária de Bom Despacho,
da Comissão de Leite da Faemg e da Comissão de Pecuária de
Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),
além de coordenar a Câmara Temática do Leite da Organização
das Cooperativas Brasileiras (OCB). Em 1993, passou a integrar a
diretoria da Itambé, como vice-presidente Comercial.
Como a maioria dos produtores mineiros de leite, Gontijo vem de
uma família de fazendeiros. O bisavô materno, Altino Teodoro,
era dono da Fazenda do Sapé, também em Bom Despacho. A casa
da sede, construída por volta de 1800, ainda existe, mas a grande
gameleira que havia no meio do curral caiu. Quando essa casa foi
erguida, a fazenda tinha cerca de 7 mil alqueires ou quase 17 mil
hectares, mas certamente já era bem menor na época de seu Altino,
morto em meados da década de 1950. “Ele falava que só comprava sal
e querosene”, conta o bisneto. O presidente da Itambé era menino,
mas se lembra de algumas observações de Altino, entre elas, “uma
Jacques Gontijo possui atualmente cerca de 200 hectares da fazenda, pois a
maior parte foi dividida entre os demais herdeiros de José Álvares Filho. Para
arroba de boi vale 100 litros de leite” e “uma vaca vale o leite que ela
dá numa cria”. Não é muito diferente de hoje em dia, observa Gontijo.
produzir 3.500 litros de leite por dia, ele utiliza apenas 70 hectares, o que
significa alta produtividade e elevada utilização de tecnologia. Parte dessa
área é formada por pastagens, e parte é irrigada para produção de silagem. As
demais áreas são ocupadas por reflorestamento com eucalipto. “Eu tenho uma
produtividade boa por área. É um regime mais estabulado do que de pasto”, diz.
Jacques Gontijo, hoje presidente da Itambé, foi criado
em ambiente de rica referência rural. Arquivo Itambé
Arquivo Prefeitura de Santos Dumont (MG)
57
2
Evolução
do mercado
Arquivo Itambé
2 evolução do mercado
1
Faltando dez anos para terminar o século XIX, a maior cidade brasileira,
o Rio de Janeiro, tinha 522 mil moradores. Em 1940, já eram 990 mil.
Em apenas 50 anos, de 1890 a 1940, o número de habitantes na capital
paulista subiu de 65 mil para 1,32 milhão, ultrapassando o da então
capital federal. Mais 30 anos, e São Paulo se aproximava dos 6 milhões
de moradores, em 1970, e o Rio dos 4,26 milhões, um aumento bem
acima dos 126% de crescimento da população brasileira, que chegou a
93 milhões naquela época. Nesse período, o percentual de moradores
nas cidades saltou de 31% para 56% da população brasileira.
Belo Horizonte não escapou dessa realidade. Inaugurada em 12 de dezembro de 1897, com
cerca de 10 mil moradores, estava com 211 mil em 1940 e 1,2 milhão em 1970. Os mineiros que
moravam na zona rural somavam aproximadamente 5 milhões, contra 1,7 milhão nas cidades,
em 1940. Trinta anos depois, 6 milhões nas cidades e 5 milhões no campo.
59
O país se urbanizou rapidamente,
as grandes cidades incharam e seus
problemas se multiplicaram, entre
eles o do abastecimento, inclusive o
de leite. A urbanização vigorosa se
refletiu no mercado de laticínios. Nos
anos de 1950, a produção brasileira
de leite cresceu 107%, chegando a 4,6
bilhões de litros em 1959.
Para fazer frente à ocupação urbana, aumentar
a rentabilidade dos produtores e melhorar a
distribuição do produto no país, foram criadas
cooperativas, individuais e centrais (de São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Goiás). O
grande impulso para isso ocorreu ainda na década
2
3
de 1930, motivado pelo descontentamento dos
produtores com o preço pago pelos laticínios.
1. O crescimento do Rio de Janeiro foi vertiginoso ainda na
primeira metade do século XX. Foto Luiz Pedro Gomes
2 e 3. A formação de cooperativas vinculadas a uma cooperativa
central foi um passo muito importante no processo de
distribuição do leite.Nas fotos, leite sendo coletado, ainda
em latões, em cooperativa ligada à CCPR. Arquivo Itambé
Continua na página 62
2 evolução do mercado
No começo do século XX, Francisco Andrade, morador de
Belo Horizonte, foi autorizado pelo governo estadual a sair
com suas vacas pelas ruas, vendendo de porta em porta o
leite tirado na hora. Foi a forma encontrada por ele para
que o freguês não se sentisse enganado, por temer água
adicionada ao produto, como se dizia ser hábito na época.
61
O comércio de leite nas grandes cidades
2
Em 1910, entretanto, os habitantes
Aos poucos, a Itambé, que comandava as “vaquinhas”, mudou
da capital já podiam comprar leite
esse hábito, lançando mão da confiança conquistada por
pasteurizado, vendido pela Arthur
seus entregadores, que distribuíam o leite no comércio, em
Savassi Laticínios & Cia., fundada
garrafas de vidro, com alto custo para a empresa. O problema
na Rua Goiás, pelo empresário
das garrafas foi resolvido quando a cooperativa adotou
Arthur Savassi. A empresa publicava
pioneiramente os sacos plásticos de um litro para embalar
anúncios nos jornais garantindo
o leite. Reduzindo custos, foi possível vender produto mais
que era a única a distribuir leite
barato e aumentar o número de consumidores de leite tipo C.
pasteurizado — e fazia isso numa
carroça, puxada por dois cavalos.
Mais tarde, a venda nas ruas das grandes cidades
passou a ser feita por pequenos caminhões. Em Belo
Horizonte, eram apelidados de “vaquinhas”. Até a
3
década de 1970, podiam ser vistos nas ruas centrais.
Chegavam apitando. Atrás do caminhãozinho se
1
formavam filas de pessoas que levavam suas próprias
garrafas e leiteiras. Era produto pasteurizado, mas a
dona de casa ainda fervia o leite.
1. No início do século XX, o imigrante italiano Arthur Savassi
vendia leite pasteurizado nas ruas de Belo Horizonte. Ele
também estava à frente de padarias e uma cerâmica.
Reprodução Livro Belo Horizonte & o Comércio
2. As “vaquinhas” marcaram época ao venderem leite
diretamente ao consumidor. Na foto, a “vaquinha” e
alunos de escolas públicas. Arquivo Itambé
“Os carreteiros da CCPR/Itambé tinham as chaves das padarias e, todas as noites,
envolvidos pela escuridão e o silêncio da madrugada, entravam, colocavam o
leite nas geladeiras, pegavam o dinheiro em uma caixinha, fechavam a porta e
iam embora. Naquela época, o leite chegava à mesa do consumidor em garrafas
de vidro, o que tornava o processo de distribuição muito oneroso. As garrafas,
distribuídas nas primeiras horas do dia, eram recolhidas à tarde. Portanto,
havia o custo de distribuir e recolher as garrafas todos os dias. Somem-se a isso
as perdas com as garrafas que quebravam e, ainda, o custo de lavá-las, com
dispêndio elevado de energia, já que eram higienizadas por meio de vapor.”
Revista Laticínios, maio de 2009
3. Serviço de entrega da Itambé ao comércio
em Belo Horizonte. Arquivo Itambé
2 a evolução do mercado
62
Continuação da página 59
A Cooperativa Central de Laticínios do Estado de São Paulo (CCL) foi a primeira
das cooperativas centrais de produtores de leite a ser criada no país, em 17
Unidos, fazendo história
de setembro de 1933, durante assembleia que reuniu representantes de sete
cooperativas. À CCL se filiaram inclusive cooperativas mineiras.
O processo
de organização
Pouco tempo antes, surgira em São Paulo a Federação dos Produtores de Leite, também a
primeira do setor no país. Para resolver o problema do abastecimento de leite na cidade do Rio
de Janeiro, ainda capital da República, o governo federal estimulou a criação da Cooperativa
Central dos Produtores de Leite (CCPL). Começou pela formação, em julho de 1940, da Comissão
Executiva do Leite (CEL). Os cinco entrepostos existentes no Rio, sem recursos para ampliar
o parque industrial, não conseguiam atender ao aumento do consumo dos cariocas e às
necessidades de remuneração dos fornecedores.
A primeira coisa que a CEL fez foi comprar todos eles e adquirir terreno para construir
uma usina central, iniciando-se também a formação das cooperativas que mais tarde
criariam a CCPL. Em 1946, o governo extinguiu a CEL e transferiu seu patrimônio para
a recém-criada cooperativa central. Nessa época, o Rio de Janeiro era abastecido por 69
usinas. Entre elas, 42 estavam localizadas em Minas Gerais e forneciam mais de 55%
do leite consumido na capital federal. As cooperativas mineiras e fluminenses que
abasteciam o Rio se filiaram, em sua maioria, à CCPL.
Em Minas Gerais, o surgimento, em 1948, da Cooperativa Central dos Produtores
de Leite Ltda. (CCPL, como a sigla do Rio de Janeiro, mudada mais tarde), recebeu
impulso inicial do governo do estado. A capital tinha 295 mil moradores e
enfrentava problemas, apesar de a Secretaria da Agricultura ter criado em 1944 uma
estatal que construiu a Usina Central de Leite para garantir o abastecimento local.
Continua na página 64
No começo do século XX, João Pinheiro, presidente de
Minas Gerais, implantou um programa agrícola que tinha
a formação de cooperativas como propósito. Arquivo
Público Mineiro
A primeira cooperativa de que se tem
notícia foi criada na Inglaterra, em
1844, por um grupo de 28 tecelões, em
Manchester, cidade onde se iniciou
a industrialização britânica. Era a
Sociedade dos Probos Pioneiros de
Rochdale, que lançou os princípios do
cooperativismo no mundo.
No Brasil, a primeira cooperativa foi criada no Paraná, por um
grupo de colonos europeus, sob a liderança do médico francês Jean
Maurice Faivre. No setor agropecuário, Minas Gerais saiu à frente. O
presidente do estado, João Pinheiro, estabeleceu em 1907 o programa
agrícola que priorizava a constituição de cooperativas para reduzir a
intermediação nas transações comerciais, sobretudo de café.
Naquele ano, foi aprovada a primeira legislação brasileira sobre sociedades
cooperativas. Estipulava em 30 anos a vida máxima de qualquer cooperativa e
adotava o voto democrático nas assembleias: cada sócio teria direito a um único
voto, independentemente de quantas cotas possuísse, e não poderia votar em
nome de outro sócio. Essa lei permitia a associação das cooperativas em centrais
ou federações. Ela foi alterada em 1932, e a nova legislação acabou com o limite de
duração das cooperativas. Em 1966, o governo criou por decreto-lei o Conselho
Nacional de Cooperativismo (CNC).
2 a evolução do mercado
64
Continuação da página 62
Dentro de algum tempo, o prédio da Rua Itambé, número 40, será apenas um retrato na parede. Foi
construído para abrigar uma indústria e adaptado na década de 1970 para servir de sede administrativa.
Recentemente, foi condenado pelos bombeiros, pois não tem saída de emergência, as escadas são
estreitas, há pavimentos com pé direito de cinco metros, entre outros problemas de segurança. A saída
2
3
encontrada foi erguer uma nova sede, na área ao lado, até então destinada a estacionamento.
Da CCPL à Itambé
A obra já foi iniciada. O projeto prevê a construção de um prédio de
cinco pavimentos, com área eq uivalente à da sede atual, que será
transferida para ele. Depois, o velho prédio será demolido e no lugar
será erguido um novo, que pod erá servir à própria Itambé.
A capacidade instalada da Usina Central de Leite era de 60 mil
litros, mas só distribuía a metade, por falta de fornecedores,
pois os produtores sofriam com os baixos preços pagos pelo
produto e ainda recebiam com atraso. No final da década
de 1940, Belo Horizonte produzia apenas 900 litros de leite
por dia, e a usina precisava buscar sua matéria-prima nos
municípios vizinhos e até em outros mais distantes, como
Carmo do Cajuru, a mais de 120 quilômetros, que fornecia
4.500 litros por dia, transportados em latões, por ferrovia.
1
O secretário estadual da Agricultura era Américo Renné
Giannetti, que se elegeria prefeito de Belo Horizonte em 1950,
ficando no cargo por quatro anos, período em que o ex-prefeito
Juscelino Kubitschek governava Minas Gerais. Empresário
e político habilidoso, Giannetti reuniu, em 1948, no Parque
Municipal, que hoje tem seu nome, um grupo de produtores de
leite, para propor que organizassem cooperativas e fundassem
uma cooperativa central, para que esta assumisse a Usina
Central de Leite e a distribuição na cidade.
Em Sete Lagoas, a 60 quilômetros da capital, a ideia de criar
cooperativas fora lançada dois anos antes, em 1946, pelo
jovem líder ruralista João Raimundo Dutra Reis, durante
1. Na década de 1970, a bacia leiteira de atuação da CCPR.
Revista Realidade Rural nº35
churrasco oferecido por ele a produtores na Fazenda
Mata Grande. Com o empurrão de Giannetti, 65
produtores se reuniram para constituir a Cooperativa
Regional de Produtores Rurais de Sete Lagoas
(Coopersete).
Mês depois da reunião de Giannetti com os
produtores, nascia, em 10 de novembro de 1948, a
Cooperativa Central dos Produtores de Leite Ltda.
(CCPL), formada pela Coopersete e pelas cooperativas
de Pará de Minas, Pedro Leopoldo, Itaúna, Matozinhos
e Esmeraldas, além de cinco produtores individuais:
Armindo Caixeta, José Alvarenga Costa, Sebastião
Fernandes, Manoel da Fonseca Viana e Vitor de
Freitas Figueira. Seu primeiro presidente foi Alcides
4
Teixeira França, associado da Coopersete.
Para se diferenciar da central carioca, a CCPL
mudou seu nome, em 1956, para Cooperativa
Central dos Produtores Rurais Ltda. (CCPR).
Entretanto, ficou mais conhecida por
Itambé, marca por ela lançada em 1950 para
comercialização do leite e subprodutos. O nome,
que em tupi significa pedra afiada, ficou tão forte
que se tornou também o nome de fantasia da
cooperativa central. Itambé é também nome do
monumento natural localizado no Parque Estadual
Pico do Itambé, entre Serro e Santo Antônio do
Itambé, municípios famosos por seus queijos
artesanais.
2. Nascida em 1948, a Cooperativa Central viveu
momentos difíceis, mas criou estrutura e se
consolidou como empreendimento de sucesso ao
longo das décadas. Arquivo Itambé
3. Américo Renné Giannetti lançou a semente da
Cooperativa Central, quando secretário estadual de
Agricultura, no final dos anos 40. Arquivo Fiemg
4. A constituição da CCPR foi um marco para os
produtores mineiros. Revista Realidade Rural nº70
2 evolução do mercado
66
Pouco depois de sua criação, o governo estadual arrendou para a CCPR a Usina Central
de Leite. Nos anos seguintes, a cooperativa central enfrentou muitos desafios, gerados
sobretudo pelas intervenções do governo federal no setor. Em 1967, José Pereira Campos
Filho, o doutor Pereira, assumiu a presidência da cooperativa central, aos 32 anos de idade,
sete anos após se formar em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Um homem e quatro décadas
2
Doutor Pereira era p residente da Cooperativa
de Pará de Minas e a cumulou os dois cargos
durante um ano e m eio.
1
A CCPR se encontrava em situação de grande
No começo de sua gestão, doutor Pereira subia algumas vezes, às
fragilidade financeira. Quando deixou o cargo
duas horas da madrugada, na boleia de um caminhão de entrega de
40 anos depois, ela era exemplo de sucesso
leite, para ver de perto como era feita a distribuição para as padarias
no cooperativismo brasileiro. Em 2005, a
de Belo Horizonte. Logo no primeiro ano, ele introduziu os sacos
Itambé recebeu o prêmio Primeira Empresa
plásticos para substituir os vidros, revolucionando a embalagem
no Setor de Laticínios do Brasil, resultado de
do leite fluido no Brasil. Conseguiu reduzir estoques de leite em pó,
análise realizada pela revista Globo Rural,
vendendo-o em embalagens plásticas de 250 gramas, visando às
que seleciona anualmente as 500 maiores
classes C e D, décadas antes de se tornarem alvo do marketing das
empresas do país no setor de agronegócios.
grandes indústrias brasileiras.
3
3. A Cooperativa Agropecuária de Araxá (Capal) foi
1 e 2. Construída na Floresta, a antiga Usina Central do
Leite se transformou na Cooperativa Central dos
Produtores Rurais, que usou a marca Itambé para se
projetar e ganhar o mercado. Arquivo Itambé
fundada em 1958 e hoje é uma das filiadas à CCPR. A
entidade, com estrutura privilegiada, atua também com
café e outros grãos. Possui ainda uma fábrica de ração,
que dá suporte a atividade leiteira dos seus cerca de
1200 cooperados. Arquivo Itambé
2
Dr. Pereira dizia que a cooperativa tem de ser competente na venda do leite do cooperado, procurando
obter o maior valor possível e dando lucro. Sua estratégia deu tão certo que, quatro anos após assumir
a presidência, a Itambé pôde isentar os cooperados do pagamento da taxa de 3% do valor do leite,
recurso que era destinado à formação de capital para investimentos.
O então presidente da Itambé se preocupava também em oferecer serviços aos
cooperados. Investiu na rede de armazéns, para preencher um vazio na venda de
insumos no interior de Minas Gerais e Goiás. A rede conta hoje com 24 lojas, que
do gênero no país. Em sua gestão, a Itambé se tornou pioneira na produção de rações
da pecuária leiteira para o cerrado e
expandidas e peletizadas e líder em vendas no mercado mineiro.
direcionou a Itambé para a área. Foi
pioneiro ao se deslocar da região central
Em vários momentos da história, doutor Pereira assumiu a liderança do setor. Um exemplo
— primeiro para o Triângulo, depois para
muito citado é a carta que escreveu ao presidente Costa e Silva, em 1967, denunciando a
Goiás, construindo ali novas fábricas. Em
difícil situação em que as cooperativas e os produtores de leite se encontravam, em razão
da política governamental. Defendeu que as taxações impostas aos produtores nacionais
2006, foram inauguradas as de Uberlândia
equivaliam a um subsídio dado aos produtos lácteos importados pelo Brasil. “A pesada carga
e Goiânia, que exigiram investimentos de
tributária incidente sobre o leite in natura aniquila a atividade do pecuarista, mormente
R$ 270 milhões.
agora com a instituição do imposto sobre circulação de mercadorias”, escreveu.
Arquivo Itambé
2. Ao abandonar o processo de envase do leite em
garrafas de vidro, implantando o saco plástico como
embalagem, a Itambé aumentou sua capacidade de
distribuição do produto. Arquivo Itambé
69
Ele também percebeu a movimentação
vendem aos cooperados cerca de 5 mil itens de produtos agropecuários. É a maior rede
1. Ao longo de 40 anos, doutor Pereira presidiu a Itambé.
2 evolução do mercado
1
Sua liderança ultrapassou
as divisas de Minas Gerais,
ao presidir a Organização
das Cooperativas Brasileiras
e a Confederação Brasileira
das Cooperativas de
Laticínios.
3
3. Itambé, uma marca que se consolidou com
a união das cooperativas e com o símbolo
da vaquinha. Revista Realidade Rural
2
Na década de 1960, o carioca Haroldo Antônio Antunes e o
alemão Herbert Schmidt se juntaram para participar de um
negócio que nasceu quase do acaso. Tentaram negociar, para uma
empresa produtora de leite em pó, a aquisição do Laticínios Lagoa
da Prata, localizado na cidade de mesmo nome, no Oeste mineiro.
Por força de divergências na empresa que representavam, os dois
acabaram comprando o laticínio em próprio nome, formando
então a sociedade que ainda perdura.
Do peque no Laticínios Lagoa da Prata
à gigante Embaré
1
Cooperativas e laticínios em números
Ao contrário da Itambé, muitas cooperativas centrais não entenderam a situação criada pela abertura
do mercado em 1991 e, como muitos laticínios, fecharam as portas ou entraram em sérias dificuldades.
Entretanto, as cooperativas agropecuárias ainda são fundamentais no cenário da produção agrícola e
pecuária do estado. Em 2009, representaram cerca de 10,67% do PIB do agronegócio mineiro, sendo o
leite e o café responsáveis por cerca de 43,7% e 44,7% da produção estadual.
Dados de 2010 mostram que 101 cooperativas de leite in natura e 46 cooperativas de
laticínios possuem registro na Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais
(Ocemg). No Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), órgão responsável pela inspeção
e fiscalização sanitária oficial do estado, foram listadas 68 usinas de beneficiamento de
leite e 131 fábricas de laticínios.
Continua na página 72
1. Ronaldo Scucato, presidente da Ocemg desde 2001.
Entidade reúne 46 das 101 cooperativas de leite in
natura de Minas Gerais. Arquivo Ocemg
2. Rótulos antigos usados pela Embaré. Arquivo Embaré
Sob o comando de Haroldo e Herbert, o Laticínios Lagoa da Prata
reforçou suas vendas para o Norte e Nordeste do país, especialmente
da marca Camponesa, e exibiu resultados que mostrariam um futuro
promissor. A empresa foi, por exemplo, pioneira na produção de
leite em pó embalado em sacos plásticos.
Em 1963, os dois sócios foram a Taubaté, no interior paulista,
adquirir o controle acionário da Produtos Laticínios Embaré S.A.
(hoje Embaré Indústrias Alimentícias S.A.), dando novo rumo a
uma empresa que tinha décadas de existência e havia sido criada
com o nome de Inglez de Souza Filho & Cia Ltda.
Fundada em 1935, na Granja Embaré, na zona rural de Taubaté,
a Inglez de Souza vendia seus produtos (doces, geleias, sopas e
derivados de tomate) para São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1947,
comprou equipamentos modernos e importados para fabricação de
caramelos, criou esta nova linha de produção, agora na região urbana
de Taubaté, adotou o nome de Embaré e desativou a antiga fábrica.
A Embaré se despediu de Taubaté em 1969, quando a unidade industrial foi
transferida para Lagoa da Prata. Conquistou, nas décadas seguintes, posição de
destaque no cenário nacional, com a produção de doces, caramelos, manteiga e
leite em pó. A empresa exporta seus produtos para vários países.
A moderna fábrica, instalada em terreno de mais de 35 mil metros quadrados,
trabalha com matéria-prima vinda de postos de resfriamento de leite em
Divinópolis, Dores do Indaiá e Bambuí (Oeste), Araxá, Sacramento e Santa
Juliana (Triângulo Mineiro) e Coromandel (Alto Paranaíba), captando cerca de
300 mil litros de leite por dia. A empresa emprega mais de mil funcionários e
tem filiais comerciais em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.
2 a evolução do mercado
72
Continuação da página 70
Sob controle.
De Vargas a Collor
O setor leiteiro enfrentou no controle de preços pelo governo uma verdadeira
pedreira, formada por números, cálculos e tabelas, que emperrou por quase meio
Por longo tempo
século o seu desenvolvimento, algo inesquecível para produtores e para a indústria.
Essa regulação foi bem recebida por consumidores e, inadvertidamente,
A intervenção do governo começou quando a ditadura do Estado Novo chegava
ao fim. Getúlio Vargas, que a propaganda oficial apresentava como o pai dos
pobres, renunciou em 29 de novembro de 1945, pressionado por políticos e
militares. No começo de abril daquele mesmo ano, entrara em vigor a Resolução
nº 102, que fixava preços para o leite in natura. Vargas caiu oito meses depois,
mas a intervenção estatal no setor leiteiro permaneceu até 1991, quando o
presidente Fernando Collor de Mello acabou com a regulação sobre o leite.
A resolução nº 102, do Serviço de Abastecimento, tinha uma tabela de preços válida
apenas para a capital da República. O preço do litro de leite pago ao produtor subiu
de 70 centavos para 90 centavos de cruzeiro, equivalente a 60% do valor pago
pelo consumidor. O aumento foi justificado por José Milliet, membro da Comissão
Consultiva do Serviço de Abastecimento. Ele reconheceu que o produtor recebia
preço insuficiente para cobrir os custos da produção e criticou a “plena liberdade”
concedida à indústria, que, segundo ele, podia vender seus produtos pelo maior
preço possível, causando desequilíbrio entre a produção agropecuária e a industrial.
Milliet afirmou ainda que a produção de leite, por causa do preço,
estava desestimulada, pois o boi de corte solto no campo, criado sem
qualquer trabalho, valia muito mais. Alegou que o governo gostaria
de dar reajuste maior para o produtor de leite, para estimular mais
a produção, mas, por outro lado, teria de servir a “uma população
assoberbada” pelo encarecimento dos gêneros de primeira
necessidade e que já não suportava qualquer aumento de preços.
O controle do preço do leite foi proposto no fim do
primeiro governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945). Ele
voltou a governar o país de 1951 a 1954. Arquivo FGV
pelos representantes dos produtores de leite. O fim do governo Vargas
não impediu que a Coordenação da Mobilização Econômica continuasse,
como órgão responsável por essa política na época, alterando os preços do
leite de 1946 a 1949.
Nos anos 50, o primeiro reajuste
ocorreu em 1952, um ano depois de
Getúlio Vargas voltar ao poder.
Em janeiro, foi baixada portaria estabelecendo o preço mínimo a
ser pago ao produtor das zonas geoeconômicas que abasteciam
as capitais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O produtor
recebia mais pelo leite entregue na plataforma da usina ou dos
postos de refrigeração do interior.
2 a evolução do mercado
74
2
Variação de preço
Desde 1957, segundo ano do governo Juscelino Kubitschek, o preço pago ao produtor
correspondia a 60% do preço final, ficando a margem de intermediação em 40%. A
maior preocupação do governo, por razões políticas, era manter o preço final pago
pelo consumidor relativamente baixo.
Para isso, ora achatava o
preço do produtor, ora a
margem de intermediação.
1
Em 1959, fez as duas coisas. Em
seu último ano no governo, JK
estabeleceu que o produtor receberia
pelo leite fornecido à indústria preço
mínimo correspondente a 77% do
preço do leite de consumo. Esse
percentual foi aumentado para 80%
em 1961, por Jânio Quadros. Dois
anos depois, com João Goulart na
presidência da República, essa política
foi abandonada, e o preço passou a
ser igual para indústria e consumo.
1. Juscelino Kubitschek assumiu a presidência em 1955. Fez
muitas mudanças no país, mas manteve o controle dos preços
do leite. Foto Mario Fontenelle/Arquivo Público Distrito Federal
Bacia leiteira
Dois meses antes de Jânio renunciar à presidência da República, foi assinada portaria
aumentando o controle para o leite destinado à industrialização nas regiões fornecedoras das
capitais. Em dezembro de 1963, quase 12 meses após a volta do presidencialismo, o governo
de João Goulart publicou outra resolução definindo como bacia leiteira, em Minas Gerais, as
zonas da Mata, Metalúrgica, Campos de Mantiqueira Mineira, Sul, Rio Doce e Oeste. Foram
incluídos na bacia leiteira dois municípios do Alto São Francisco (Corinto e Curvelo) e quatro
do Alto Jequitinhonha (Monjolos, Diamantina, Gouveia e Serro). Essa classificação foi mudada
em 1966. A bacia leiteira no Brasil passou a ser os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São
Paulo, Espírito Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O regime militar já havia deixado, em novembro de 1964, de fixar preço para leite de
indústria e acabara com a tabela de preços de venda dos derivados. O leite em pó e
demais subprodutos e derivados do leite foram incluídos no regime do tabelamento.
Outra portaria, no início do governo do presidente Emílio Garrastazu
Médici, em 1969, voltou com o regime de preço de leite-quota e de leiteexcesso. Com isso, o governo esperava conseguir maior regularidade na
produção, desvalorizando gradativamente o preço de leite-excesso.
Com tantas mudanças na década de 1960, a margem de intermediação
diminuiu. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a margem do produtor
variou de 61% a 68% nos primeiros cinco anos da década. Nos quatro
anos seguintes, a margem aumentou para 72% e caiu até 68%, em 1969.
2. Cidade do Serro, que foi incluída no mapa da bacia leiteira de
Minas Gerais durante o governo João Goulart. Arquivo Setur
A empresa foi fundada em 1867, na Suíça, pelo farmacêutico Henri Nestlé, inventor da farinha láctea,
mas apenas sete anos depois ele a vendeu, por cerca de 1 milhão de francos, e foi ser empresário de
hotelaria e turismo. Em 1905, a Nestlé se juntou à Anglo Swiss Condensed Milk, que se tornou, com o
tempo, empregadora de aproximadamente 265 mil pessoas em quase todos os países do mundo, sob
o controle da holding suíça Nestlé Alimentana.
O grupo iniciou suas atividades no Brasil em 1921 e, por muito tempo, não teve aqui
concorrente multinacional na área de produtos lácteos. Ainda em 1921, a Nestlé
inaugurou sua primeira fábrica brasileira, em Araras (SP). A segunda só surgiu em
1937, em Barra Mansa (RJ).
2
O Brasil conquista a Nestlé
1
Importação permitida
O achatamento de suas margens de preço trouxe graves distorções para os laticínios, mas a
produção aumentou e o governo não teve que recorrer à importação e à reidratação de leite
para a regularização do abastecimento. No entanto, permitiu que grandes empresas privadas
importassem leite, para aumentar seus lucros.
Os produtores, apesar dos percalços, faziam de tudo para continuarem
na atividade. Durante a década de 1960, as empresas de laticínios
concentravam suas operações em seus mercados regionais, excetuandose as multinacionais estruturadas para atingir os melhores mercados
brasileiros, como a Nestlé.
Continua na página 78
1. Caminhão de leite em pó, usado pela assistência social da prefeitura
de Belo Horizonte, em 1957. Arquivo Público de Belo Horizonte
2. A primeira fábrica dos produtos Aviação foi criada em Passos (foto),
no Sul de Minas Gerais, na década de 1920. Hoje está instalada em
São Sebastião do Paraíso, e sua principal produção continua sendo a
“manteiga da latinha”. Arquivo Aviação
3. A Nestlé chegou ao Brasil em 1921. A empresa lançou produtos
voltados para as classes C e D, usando como apelo em suas
propagandas a economia usufruída pelos consumidores. Livro Belo
Horizonte e o Comércio/Fundação João Pinheiro
Em 1953, a Nestlé começou a diversificar sua produção, com o Nescafé, primeiro
produto fora da linha de lácteos. Cinco anos depois, inaugurou fábrica de leite em
pó em Três Corações, no Sul de Minas. Era a maior da América Latina. Na década de
1960, o número de fábricas no Brasil subira para cinco, sendo três em Minas Gerais
— as outras duas em Ibiá, inaugurada em 1964, e Ituiutaba, em 1966.
Foi no início da década de 1960 que chegou a primeira concorrente
multinacional da Nestlé: a Fleischmann Royal; depois, em 1968, a Yakult S.A.
Mas essa concorrência não atrapalhou os planos da Nestlé no país. Em 1983,
inaugurou a fábrica de Montes Claros, atualmente a maior do mundo. Sete anos
depois, a de Teófilo Otoni iniciou suas atividades. E passou a engarrafar água
mineral em São Lourenço, de fonte vendida pelo governo de Minas Gerais.
No começo do novo século, a Nestlé formou uma joint venture com a
Fonterra, cooperativa da Nova Zelândia e maior exportadora de lácteos do
mundo. É a DPA (Dairy Partners America), em que cada sócia tem 50% de
participação no capital. A nova empresa começou a operar em janeiro de
2003, com uma fábrica na Argentina, uma na Venezuela e sete no Brasil,
estendendo-se depois para outros países do continente americano. Antes,
a Nestlé já havia feito aliança com a General Mills, na área de cereais, e com
a Coca-Cola, na de bebidas. Agora atua também no segmento de leite longa
vida premium, com as marcas Ninho e Molico.
Em março de 2010, o presidente da Nestlé, Ivan Zurita, informou ao governo de Minas Gerais que
seriam investidos mais R$ 525 milhões no estado, até 2015. Dos 2,3 bilhões de litros de leite que a
empresa processava no Brasil, 800 milhões (34,7%) eram captados em Minas Gerais. A filial mineira
representa 16% da operação da Nestlé no Brasil e, com os novos investimentos, vai superar os 20%.
O Brasil é hoje o segundo país em volume e faturamento da Nestlé no mundo, atrás apenas dos
Estados Unidos. Há dez anos, o Brasil era o nono no ranking da empresa. O salto se deu com a
entrada no mercado de produtos lácteos das classes C e D, que já representavam 82% dos R$16
bilhões faturados pela Nestlé no Brasil em 2009.
3
transporte no chamado segundo percurso, entre a usina e o entreposto ou a indústria, passou a ser
deduzido do preço mínimo tabelado. O Sul de Minas Gerais e outras regiões demoraram a reagir
à baixa de preços, mas a produção de leite em São Paulo também vinha caindo, causando sérios
problemas no abastecimento.
2 a evolução do mercado
O produtor de leite viu o preço do produto cair ainda mais após maio de 1970, pois o custo de
79
Continuação da página 76
Dança de cadeiras na Agricultura
Para tentar resolver o problema, a Cooperativa Central dos Produtores de
Laticínios do Estado de São Paulo ampliou sua atuação em Minas Gerais. Foram
admitidas 15 novas cooperativas no quadro de sócias nessa década. A primeira,
em agosto de 1970, foi a Cooperativa Agropecuária de Jacutinga, no Sul de
Minas Gerais, após oito anos de funcionamento independente.
Quando em março de 1974, Alysson Paulinelli foi nomeado ministro da
Agricultura pelo presidente Ernesto Geisel — em quase 30 anos, nada menos
que 35 pessoas haviam ocupado o cargo, mas ele permaneceu ministro por
cinco anos —, o preço do leite ao produtor subiu 59%, contra a inflação de
31% medida pelo Índice Geral de Preços (IGP) da Fundação Getúlio Vargas.
Mas essa recuperação não se manteve constante nos anos seguintes.
Pouco depois de sua posse, o ministro divulgou as Diretrizes para a Pecuária
Bovina de Leite, que esclareciam: “A política de preços do governo não visa
tão-somente manter a renda real do setor, mas também proporcionar os
estímulos necessários para que o verdadeiro produtor de leite melhore a sua
produtividade e mantenha um fluxo regular de leite enviado para as usinas
durante o ano todo”. No entanto, faltaram recursos para implementar as
diretrizes. De acordo com Meireles (1983), Paulinelli analisou adequadamente
o setor, mas esbarrou no excesso de centralização de poder decisório nos
ministérios da área econômica, que sacrificaram a política de leite em prol de
outros interesses.
Na década de 1970, as cooperativas enfrentaram as dificuldades
da variação dos preços realizando investimentos e ampliando o
espaço de atuação. Revista Realidade Rural
2 a evolução do mercado
Produzida com gorduras vegetais misturadas ao leite
desnatado, ao sal e a emulsionantes, a margarina foi
inventada na França pelo químico Hippolyte Mège-Mouriés.
Ele venceu o concurso lançado, em 1866, pelo imperador
Napoleão III, para estimular a invenção de uma gordura
sadia, econômica e de boa conservação, a ser fornecida ao
exército francês e à marinha.
80
Salto nas importações
Para contornar o problema da escassez de leite, foi instituído, em outubro de 1974, subsídio para
Apareceu a margarina
O invento foi comprado, em 1871, por uma empresa holandesa
fabricante de manteiga, que passou a vender margarina
o transporte do produto do interior para as capitais. Dez meses depois, o subsídio foi alterado,
passando a ser dado à usina desde que o leite fosse distribuído in natura nas regiões metropolitanas.
pela metade do preço de seu produto tradicional. Em 1895,
a produção atingiu a marca de 300 mil toneladas, ou 10%
Isso provocou redução do capital de giro das empresas que vendiam à vista a maior parte do leite in
do mercado da manteiga. A firma foi um dos pilares para a
natura, agravando o problema da pequena margem de comercialização.
fundação da Unilever, que lidera esse mercado na Europa e nos
Estados Unidos.
Outra medida de Paulinelli foi reduzir, em junho de 1974, o teor de gordura do
leite C, de 3% para 2%. A gordura assim obtida seria usada na reidratação do leite
em pó. Naquele ano, o Brasil importou 14.261 toneladas de leite em pó; o número
aumentou para 18.241 no ano seguinte; e pulou para 55 mil em 1977. Esse salto
nas importações foi provocado por acordos firmados na Alalc (Associação LatinoAmericana de Livre Comércio) e resultou, em 1978, em elevados estoques de
manteiga, leite em pó e queijo, agravados pelo crescimento da produção brasileira.
O foco do governo era o abastecimento. Ele próprio se tornara grande comprador de leite em pó
para atender aos programas assistenciais. Desse modo, também como comprador, o governo
passou a ter grande influência no mercado.
Entre as consequências da intervenção estatal, destacam-se a falta de crescimento vertical da
produção de leite e o enfraquecimento ou desaparecimento de empresas nacionais no setor de
laticínios. Sem condições para crescer verticalmente, por meio de investimentos para aumentar a
produtividade, registrou-se forte expansão horizontal das bacias leiteiras (com o aproveitamento
de outras regiões), aumentando as despesas de transporte a grandes distâncias. Para reduzir
custos, algumas cooperativas passaram por processos de fusão.
Continua na página 84
Os anos de intervenção governamental nos preços
do leite prejudicaram pequenos produtores e
laticínios, atingindo também as cooperativas. Foto
Ronaldo Guimarães/Arquivo Sebrae
Em 2007, a Unilever fechou acordo com a Perdigão para
aumentar sua fatia no mercado brasileiro, estimado em 330
mil toneladas anuais. Somente no século atual fabricantes de
margarina se animaram a construir unidades em Minas Gerais
para concorrer com os produtores mineiros de manteiga.
Em junho de 2006, a Sadia, que entrou nesse segmento em
1991, inaugurou em Uberlândia a primeira dessas fábricas,
com capacidade para produzir 4.500 toneladas por mês de
margarinas das marcas Qualy, Deline e Bom Sabor. Antes, ela
já havia montado fábrica em Paranaguá, no estado do Paraná.
Em 2009, a Sadia se juntou à Perdigão, nascendo dessa fusão a
BRF (Brasil Foods).
Equipamentos
para laticínios
83
Fabricação mineira
2
Até praticamente meados do século XX, os laticínios
brasileiros eram muito dependentes da importação de
máquinas produzidas na Europa e nos Estados Unidos.
Meireles (1983) cita trabalho da Financiadora de Estudos e
Projetos (Finep), de setembro de 1977, que analisa a demora
de se instalar no país um setor produtor de bens de capital
para a indústria de laticínios. O estudo afirma que o marco
inicial é a instalação, em 1952, em São Paulo, da APV do
Brasil, subsidiária da APV inglesa, mantendo-se mesmo
assim baixo índice de nacionalização.
2 a evolução do mercado
Meireles e Finep não levaram em consideração a existência
em Lambari, desde 1913, da Biasinox, que atualmente fabrica
tanques automáticos para produção de queijos, tanques de
prensagem e dessoragem de massa e prensas pneumáticas.
Mais recentemente, a importante estância hidromineral do Sul
de Minas Gerais vem-se destacando nessa área.
Ali foi oficialmente estabelecido, em 2005, o
Arranjo Produtivo Local (APL) de fabricação de
equipamentos em inox para laticínios, com apoio do
Sebrae-MG e Federação das Indústrias do Estado de
Minas Gerais (Fiemg).
Quatro anos depois, a Fibrav, a Inoxul, a Injesul
Plásticos e a Lambari Inox, integrantes do APL,
participaram em Juiz de Fora da 37ª Expomaq e do
26º Congresso Nacional de Laticínios, realizados
pelo Instituto de Laticínios Cândido Tostes. As
quatro empresas foram incluídas no Projeto
“É provável que a lentidão da expansão da produção interna
por parte da APV tenha-se devido aos conhecidos subsídios à
importação de bens de capital na década de 1950 e que a APV
internacional a tenha usado como estratégia para o Brasil manter
um baixo índice de nacionalização, apenas compatível com um
fortalecimento de sua posição no mercado brasileiro, que até
então ela dividia basicamente com a Alfa-Laval e a Silkborg”.
1
1 e 2. Multinacionais, como a APV e a Alfa-Laval,
investiam no Brasil praticamente sem concorrentes.
Revista Realidade Rural
A Alfa Laval, fundada no século XIX pelo engenheiro sueco Carl
Gustaf Patrik de Laval, inventor do centrifugador e separador
de leite e creme, chegou ao Brasil em 1962. A presença da
dinamarquesa Silkborg ocorreu dois anos antes, ao conceder à
empresa nacional Inoxil, de São Paulo, licença para fabricação de
equipamentos de sua linha de produção.
Extensão Industrial Exportadora, do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e
da Agência Brasileira de Promoção de Exportações
3
e Investimentos. Também a Inoxmilk faz parte do
APL, com uma linha de cerca de três dezenas de
equipamentos.
Em Além Paraíba, na Zona da Mata, foi fundada, em 1981, a Emil
(Empresa Mineira Ltda.), que fabrica máquinas de envasamento
de leite e outros produtos, já tendo vendido mais de duas mil
unidades, inclusive para o exterior.
3. Equipamentos fabricados pela Biasinox, em
Lambari, no Sul de Minas Gerais. Arquivo Biasinox
2 a evolução do mercado
Que mau humor!
84
O presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil (CNA), Rodrigo Alvim, recorda que a Parmalat — cuja falência foi decretada na Itália em 2003 e
a filial brasileira vendida, entrando em processo de recuperação judicial — começou a comprar o leite
diretamente dos produtores, desestabilizando as cooperativas.
Continuação da página 80
O avanço das
multinacionais
As empresas procuravam superar problemas, ao longo da década de 1970,
Parecia bom negócio, mas quando a
coopera tiva fechava por falta de fornecedores,
a situaç ão para o produtor regredia ao tempo
em que ela não havia ainda sido criada.
recorrendo ao marketing, com lançamento de novos produtos lácteos em
embalagens coloridas e atraentes. Passaram a prestar mais atenção às
técnicas de comercialização e à posição de seus produtos no mercado.
Mas nada disso evitou o aumento da concentração de capital, com as
grandes comprando as pequenas e médias empresas e se posicionando
em todos os principais mercados do país.
No fim da década de 1970, havia sete multinacionais atuando no mercado de
laticínios no país: Nestlé (suíça), Fleischmann Royal (americana), Yakult (japonesa),
Danone (francesa), Polenghi/Bongrain Gerard (francesa), Anderson Clayton
(americana) e Parmalat (italiana).
Com fama de turrão e estourado, o ex-presidente
general João Batista Figueiredo (o terceiro da esquerda
para a direita; na foto, em campo da Embrapa) deixou
os gaúchos irritados com declarações ofensivas aos
produtores de leite. Arquivo FGV
Ele se via obrigado a entregar o leite à Parmalat pelo preço que ela
impunha, pois não havia opção: a multinacional comprara todos os
pequenos e médios laticínios da região, fechando praticamente todos.
Essa situação parecia inevitável, pois as empresas nacionais não tinham capital para investir
na fabricação de produtos mais rentáveis que dependem de vendas em grande escala e grandes
investimentos em publicidade. E o problema piorou para muitas delas, na década de 1990, após a
abertura do mercado brasileiro pelo governo Collor.
Se os anos de 1970 foram difíceis para as cooperativas de leite e os laticínios nacionais, a situação
foi ainda pior na década seguinte. No governo de João Batista Figueiredo, o produtor de leite do Rio
Grande do Sul — e do restante do país — se viu atingido por uma declaração injuriosa lançada na
imprensa pelo próprio presidente do Brasil: “Durante muito tempo, o gaúcho foi gigolô de vaca”.
Independentemente do mau humor do último general na presidência do
país diante das críticas dos produtores de leite ao seu governo, deve-se
reconhecer que, quando ele assumiu o cargo, em março de 1979, a existência
de estoques enormes em mãos do governo e dos laticínios justificava a
manutenção de preços ainda mais baixos ao produtor.
2 a evolução do mercado
Desse modo, a produção de leite no estado de São Paulo e Sul de Minas, no começo da década
de 1980, cairia para a metade do volume da década de 1960, de acordo com Meireles (1983). De
fato, entre 1977 e 1984, os preços reais recebidos pelos produtores de leite haviam se reduzido
87
anualmente, chegando ao fim desse período a 66% do que eram em 1977.
O tabelamento
Em razão disso, no governo de José Sarney, logo depois
de inaugurado o Plano Cruzado, quando a população se
viu livre provisoriamente do imposto inflacionário, o país
viveu um período de forte escassez de leite. Para tentar
se contrapor à queda da produção por falta de incentivo,
foi criada a Planilha de Custo de Produção de Leite da
Embrapa, em 1987, com novos parâmetros para o reajuste
do preço recebido pelo produtor, mas sem resultados
O governo brasileiro não agia de forma isolada no mundo, quando intervinha no mercado do leite.
Em seu estudo de 2004, em que analisa as políticas públicas e o mercado do leite, Paulo Martins
conclui que a atividade láctea é intensamente regulamentada em todo o mundo, o que a situa
distante dos postulados de livre comércio. “Isso leva a distorções sólidas nos mercados domésticos,
com reflexos apreciáveis no mercado internacional, que é estreito, por consequência”, escreveu.
Um salto nos anos 90
concretos no aumento da produção.
Na realidade, depois de 1964, o Estado
passara a intervir dir etamente na
economia, estendend o para outros
setores o controle de p reços.
Criou novas estatais, tabelamentos e confiscos. No setor agropecuário, aqueles problemas
Apesar disso, e da desorganização inicial do mercado,
que se seguiu à desregulamentação ocorrida em
1991, a produção nacional de leite cresceu cerca de
36% na década de 1990 em relação à década anterior,
o que não é um grande feito, dada a tragédia que
foram os anos 80 para a economia brasileira como
um todo. Esse movimento foi impulsionado em parte
pelo aumento da produtividade nas fazendas, com
a adoção de novas tecnologias de produção, para
enfrentar a concorrência externa.
Ficou mais fácil importar derivados lácteos, com
a simplificação burocrática e a adoção de câmbio
identificados por Milliet em 1945 nunca foram resolvidos, e se agravaram com os anos.
sobrevalorizado. Até a abertura do mercado, só o
Conforme Faria e Martins (2008), o tabelamento do leite não deixou de ser um programa de
grandes cooperativas centrais espalhadas pelo país.
políticos junto aos consumidores, e não à causa da pecuária leiteira. Sem dúvida, no início, o
para poder importar. Até borracharia comprou leite
governo importava leite e distribuía a cota para as
garantia de preços mínimos, apesar de que os valores estabelecidos visavam os resultados
Quando se afastou desse mercado, bastava ter CNPJ
fim do tabelamento criou problemas para adaptação dos produtores, pois eles não estavam
no exterior, lembra Rodrigo Alvim. “Era uma festa!
preparados para entrar na economia de mercado, e essa fase difícil não se apagou ainda da
memória de muitos deles.
Importavam com 560 dias para pagar, e os juros
cobrados pelos exportadores estrangeiros eram
insignificantes em comparação aos juros cobrados
pelos bancos no Brasil.”
No início do Plano Cruzado, instituído no governo do presidente
José Sarney, houve escassez de leite no mercado, que já vinha
sofrendo com a queda da produção. Agência Brasil
2 a evolução do mercado
88
Nesse cenário de competição muitas vezes desleal, as empresas que sobreviveram
foram aquelas, como a Itambé, que perceberam as mudanças e tiveram tempo e
condições para se adaptar à frenética busca por ganhos de escala e produtividade
que se verificava no mercado após 1991.
Investir para competir
De acordo com Martins (2004), os laticínios brasileiros mais bem
administrados adotaram o conceito de logística integrada, visando à redução
de custos, à melhoria da qualidade e à diversificação dos produtos lácteos,
tendo em vista o aumento da competição no setor.
Investiram para que os produtores a dotassem
tecnologias modernas, oferecendo b ônus para
incentivar a qualidade e a produtivi dade.
A Itambé seguiu esse movimento, adaptando-se bem aos
novos tempos. Em 1991, contratou a empresa de consultoria
externa McKinsey & Company para fazer o diagnóstico
empresarial, criou um fundo para implantação do programa
de aumento da qualidade e produtividade das cooperativas
associadas, lançou novos produtos, de maior valor agregado.
Ao contrário de outras cooperativas centrais, a Itambé
se fortaleceu no mercado, investindo em tecnologia e
produtos. Foto Xará
Nos anos seguintes, iniciou a pasteurização e o envase
de leite C em Goiânia (que ganhou outra unidade),
encomendou duas máquinas para embalar leite longa vida,
construiu novas fábricas em Brasília e nas cidades mineiras
de Pará de Minas e Uberlândia, ampliou e modernizou
outras e seguiu investindo muito em produtos.
No começo da década de 1990, a Itambé tinha oito linhas
de produtos e 45 itens. No ano 2000, já eram 19 e 152,
respectivamente, o que refletia seu planejamento estratégico.
A meta era ampliar o raio de atuação e se consolidar
como empresa de caráter nacional, conquistando mais
consumidores pela qualidade e diversidade dos produtos
oferecidos ao mercado.
Dentro desse espírito, depois de ter promovido várias ações para
profissionalizar e melhorar a gestão, foi criada em agosto de 2000 a Itambé
S.A., que elegeu como objetivo a busca de parceiro estratégico do ramo
alimentício que deveria trazer novas tecnologias e recursos financeiros. O vicepresidente administrativo financeiro da Itambé, Marcos Elias, informou que na
época apareceram muitos interessados, mas, devido à situação política do país
e ao risco Brasil elevado, o projeto foi adiado.
2 a evolução do mercado
1
2
90
3
Resfriamento nas fazendas
Um dos marcos mais importantes para o setor leiteiro no Brasil data de 2002, quando
o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, tomou a decisão histórica de aprovar a
polêmica Instrução Normativa 51. Os produtores seriam obrigados a fazer o que 95%
deles nunca tinham feito: resfriar o leite na fazenda, para ser levado às usinas em
tanques isotérmicos de caminhões.
Uma das consequências da IN 51 foi a criação, em 2005, da Rede Brasileira de
Laboratórios de Qualidade. Atualmente, são oito laboratórios credenciados
formalmente pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da
Agricultura. Eles realizam análises para cerca de 1.300 laticínios e produtores.
Os dois laboratórios localizados em Minas Gerais analisam mais de 70 mil
amostras de leite por mês.
Por sua vez, a Itambé lançou um programa de qualidade. Amostras são coletadas nas
fazendas fornecedoras e analisadas em seu laboratório. Dependendo do resultado, o
produtor recebe bônus por qualidade. A Itambé se antecipara à exigência da IN 51 sobre
o resfriamento do leite. Até 1997, ele era coletado nas fazendas, em latões, por caminhões
abertos das cooperativas, e só depois resfriado. Da unidade de resfriamento da cooperativa,
era levado em caminhões isotérmicos até a usina mais próxima.
O plano da Itambé previa que até 2007 todo o leite seria resfriado nas fazendas e recolhido a
granel, em caminhões isotérmicos. De acordo com alguns estudos, a coleta a granel reduz em
mais de 30% o custo do frete, em relação ao transporte por latão. Por outro lado, a introdução
do conceito de logística integrada pelos laticínios resultou no fechamento de postos de
resfriamento, na redução de rotas de coletas e na demissão de pessoal.
A meta de dez anos estabelecida pela Itambé foi alcançada em apenas três, pois os cooperados
se apressaram a tomar financiamento em condições vantajosas e comprar o tanque resfriador,
para poder fazer duas ordenhas por dia e elevar assim a produção de leite em 30%, em média.
Para incentivar o uso correto do resfriamento, a Itambé criou também a bonificação pela
temperatura do leite. Em 2003, implantou um modelo de participação nos lucros, mediante a
distribuição de sobras, com o objetivo de fidelizar o produtor.
1 e 2. O transporte do leite em latões é uma realidade rural cada
vez mais distante. Na foto, leiteiros da comunidade de Rio
Acima. Foto Oswaldo Filho/Prefeitura de Alagoa
3. A Itambé já recolhe o leite diretamente em algumas
cooperativas, em caminhões próprios, como na Cooperativa
Agropecuária de Araxá. Arquivo Capal
Continua na página 95
2 a evolução do mercado
A fabricação de queijos especiais é a principal atividade
de Minduri e municípios vizinhos que fazem parte
do Circuito do Queijo, no Sul de Minas Gerais, de lá
saem cerca de 80% desse tipo de produção nacional,
que concorre em qualidade com os produtos franceses
e italianos. A atividade foi iniciada no começo do
século passado por colonos dinamarqueses, entre eles
Thorvald Nielsen, que chegou ao Brasil em 1913.
1
Queijos finos
Nove anos depois de estabelecido no país, Thorvald buscou a família
na Dinamarca e arrendou uma pequena queijaria da Fazenda Campo
Lindo, em Aiuruoca, entre as cidades de Cruzília e Minduri, e começou
a fabricar no local queijos finos, que “exportava” para o Rio de Janeiro.
Para trabalhar com Thorvald, chegaram na Campo Lindo
alguns técnicos dinamarqueses em laticínios, ainda na década
de 1920. Entre eles, Leif Kai Godtfredsen — que adotou
o nome de Godofredo e também se tornou empresário,
comprando, em 1942, uma fábrica de queijos em Itutinga e,
três anos depois, uma outra fábrica que pertencia ao ex-patrão
Thorvald, em Seritinga, onde fundou a Laticínios Skandia.
Foi ali que Godofredo fabricou o primeiro queijo roquefort do Brasil,
conhecido atualmente como gorgonzola. Ele chegou a possuir 13
laticínios na região. Muitas décadas depois de sua iniciativa, em
93
2
Outro jovem técnico dinamarquês, Axel Sorensen, depois de malsucedidas experiências para obtenção de um queijo tradicional
de seu país, chegou a um produto novo que teve boa aceitação no
mercado: o queijo prato. Mas quem passou para a história como o
inventor do novo queijo foi o patrão, Thorvald.
Ao descrever o novo produto, fiscais do Ministério
da Fazenda registraram ser ele “um queijo grande,
circular, com formato de prato.” O nome pegou. Podiam
ter dito também que o queijo tem cor amarelo-ouro,
consistência untuosa e sabor e aroma suaves. Seria mais
apropriado às condições atuais, pois, além dessa forma
tradicional, o queijo prato se apresenta ao mercado em
outros formatos e com outros nomes.
Axel se tornou sócio de Thorvald e acabou comprando a participação
do ex-patrão em uma de suas empresas. Na década de 1930, ele
hospedou por três dias na Fazenda Encruzilhada, em Cruzília, o
presidente Getúlio Vargas, que aproveitou para conhecer, numa
viagem a cavalo de cerca de 10 quilômetros, a Fazenda Campo Lindo.
1983, a Skandia foi comprada pelo grupo francês Bongrain, que se
tornou dono também da empresa fundada por Thorvald.
1. Thorvald Nielsen foi o pioneiro entre os dinamarqueses
e o responsável pela vinda de compatriotas que fizeram
a história do queijo no Sul de Minas Gerais. Arquivo
Prefeitura de Minduri
2. Em torno de Minduri, a produção de queijos
finos se desenvolveu a partir do envolvimento de
imigrantes dinamarqueses que vieram para o Brasil
tentar a sorte. Arquivo Prefeitura de Minduri
Ele inventou o queijo estepe quadrado e abriu queijarias em
Andrelândia, Madre de Deus e Carrancas, que produziam
queijos finos, como o port-salut, o gorgonzola, o camembert
e o gruyère. Na década de 1980, os herdeiros venderam o
laticínio para o grupo Polenghi.
O também dinamarquês Hans Norremose Petersen
desembarcou no Rio de Janeiro no final de 1929,
com 21 anos. De lá, partiu para a fabriqueta de
Campo Lindo, de Thorvald. Sua trajetória como
grande empresário começou quando propôs ao
patrão fundar uma fábrica na beira da Ferrovia
Oeste de Minas, em Minduri, o que facilitaria o
transporte dos queijos Dana para o Rio de Janeiro.
Na sociedade, ele entraria com o trabalho.
1
O único vivo dos dinamarqueses pioneiros do queijo fino do Sul do estado,
Norremose se casou, em 1935, com Paulina, filha de Paul Bartholdy, um
ano antes de o sogro ter arrendado a Campo Lindo. Não demorou muito e
ele comprou a parte do patrão na fábrica de Minduri, adquirindo também a
produção de Sorensen, que passaria a ser comercializada como Dana.
Norremose criou ainda a marca Luna, avançou com as vendas por São Paulo,
e lançou no mercado o primeiro o camembert fabricado no hemisfério sul,
entre outros tipos de queijo. Ele chegou a ter 21 fábricas de queijos espalhadas
por fazendas de oito municípios da região de Minduri e, em 1975, vendeu-as
para a Anderson Clayton. Na década de 1980, a Luna foi comprada pela Gessy
Lever. Uma cooperativa de Cruzília adquiriu a marca Dana.
1. Hans Norremose, casado com Paulina, chegou a ter 21 fábricas de
queijos na região de Minduri, entre elas a da marca Dana. Depois
vendeu o patrimônio para multinacionais, mas se tornou uma lenda
na cidade, onde ainda vive, e que há décadas organiza torneios entre
produtores. Arquivo Prefeitura de Minduri
Continuação da página 91
Selo de qualidade
2 a evolução do mercado
Antes de Thorvald, outro dinamarquês, Paul Bartholdy,
desembarcara no Brasil em 1911, instalando-se também no
Sul de Minas Gerais. Em 1936, Bartholdy, que uns dez anos
antes ganhara o primeiro prêmio da loteria federal, comprou
a queijaria da Fazenda Campo Lindo e a Companhia Oeste de
Laticínios, criada em 1912 por ricos fazendeiros de São Vicente
de Minas, fundando o Laticínio Campolindo.
95
O governo de Minas Gerais vem se preocupando também com a qualidade do leite. Em março de
2010, criou o Programa de Qualidade para Certificação, desenvolvido pelo Polo de Excelência do
Leite da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. A empresa alemã TÜV Rheinland é
parceira nesse projeto, fazendo treinamentos, preparações para certificação e auditoria.
Os produtores recebem orientações sobre limpeza de latas e latões e
aprendem a usar um kit de ordenha. É um cinturão com uma solução
para limpeza das mãos e das tetas das vacas e papel-toalha. O objetivo
é reduzir a contagem bacteriana total. A Instrução Normativa 51 (IN 51)
prevê que em janeiro de 2011 o número de bactérias por mililitro deve
cair de 700 mil para 100 mil.
O programa envolve também os laticínios. O governo
iniciou o processo de certificação e criou o selo Cert
Leite, em três categorias (bronze, prata e ouro), que exige
a adoção de boas práticas e diferentes procedimentos.
Quando um laticínio cumpre todas as exigências, seu
produto final atinge padrões europeus.
Em julho de 2010, foi certificado o primeiro, o
Laticínios MB Ltda., na categoria prata, produtor
dos queijos da marca Jong, em Lima Duarte, na
Zona da Mata. O laticínio processa até 90 mil
litros de leite por dia. Seu principal mercado é o
Nordeste brasileiro, mas, com o selo, o laticínio
pretende exportar. A origem do MB remete a
Jong, um dos pioneiros da indústria de laticínios
naquela região. Sócio de Albert Boeke, em
Santos Dumont, eles tinham também a fábrica
de Lima Duarte, que permaneceu com Jong
depois do fim da sociedade.
2
2. Em Lima Duarte, na Zona da Mata, o MB Laticínios, produtor
dos queijos da marca Jong, foi o primeiro a conquistar o Cert
Leite, selo de qualidade instituído pelo governo estadual. O
fundador Jong é um dos pioneiros da indústria de laticínios
na Zona da Mata. Arquivo MB Laticínios
2 a evolução do mercado
2
Além de estimular a melhoria da qualidade, a IN 51 amplia a possibilidade de exportação dos
96
produtos nacionais. Em 1998, o Brasil importava US$508 milhões em produtos lácteos e leite em pó e
exportava US$8 milhões. O consumo interno havia subido significativamente após o Plano Real. O de
iogurte, por exemplo, aumentou 180% de 1994 para 1995, comprovando que a elevação da renda das
famílias tem reflexo positivo sobre o consumo de lácteos.
Perturbação na
economia mundial
1
Rodrigo Alvim lembra que em 2001, durante o mandato do
presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo anunciou
que o PIB cresceria 4,5%. Prevendo o aumento da renda
dos consumidores, os fazendeiros começaram a melhorar
a nutrição e o manejo das vacas, e a produção de leite
aumentou quase 12% naquele ano.
Porém, ninguém previu, continua o presidente da Comissão
Nacional de Pecuária de Leite da CNA, que na mesma época
haveria a crise econômica da Argentina, a crise do “apagão”
elétrico no Brasil e, ainda, que em 11 de setembro as torres
gêmeas do World Trade Center, em Nova York, seriam
derrubadas por terroristas. Em consequência, a economia
mundial viria abaixo, por um período. Para o setor leiteiro no
Brasil, a crise só não foi mais grave por causa das medidas
antidumping adotadas em fevereiro de 2001.
A economia brasileira só cresceu 1,5% e, “no fim do ano, havia 2 bilhões
de litros de leite em excesso no mercado, derrubando os preços.
A indústria resolveu experimentar exportar e, para sua surpresa,
Potencial de consumo
3
A produção de leite em 2001 aumentara cerca de 12%, mas o consumo per capita no Brasil continuava
no patamar tradicional de 130 litros por ano, bem inferior aos 210 litros por ano recomendados pela
Organização Mundial de Saúde. A situação não havia mudado muito em 2005, quando o país produziu
24,6 bilhões de litros e o consumo per capita passou a 134 litros. A expectativa do aumento de consumo
do leite e seus derivados indicava um grande potencial de crescimento para a pecuária leiteira.
Apesar do consumo baixo, não era a primeira vez em nossa história que o país enfrentara
problemas de estoques elevados. Na década de 1970, a Itambé teve que recorrer ao mercado
externo para escoar estoques acumulados de leite em pó e manteiga. Por meio de uma trading,
vendeu os produtos para países da Europa e da África, em embalagens industriais. De outra vez,
no começo da década de 1990, exportou cerca de 4 mil toneladas de leite em pó para a Argélia.
descobriu que éramos competitivos no mercado internacional. Por sorte,
o mercado estava comprador, apesar de toda a crise que se estabeleceu
no mundo”, lembra Alvim.
1. O atentado que jogou no chão as torres do WTC, em 2001,
deixou fortes marcas não só no coração dos Estados
Unidos, mas na economia mundial. Arquivo Wikimedia
2. Consumo baixo interno estimulou a venda para o exterior
de produtos Itambé em 1972. Arquivo Itambé
3. Foto Xará
2 a evolução do mercado
2
Mas o grande passo nessa área ocorreu no início dessa década. “Em 2002, criamos
98
a Serlac Trading S/A, unindo cinco empresas brasileiras: três cooperativas — Itambé,
Central Paulista e Confepar, do Paraná —, a Embaré e a alagoana Iupiza. Criamos
a trading exatamente para não brigar lá fora e tentar exportar juntos”, lembra,
Jacques Gontijo. O presidente da Itambé conta que ao longo de cinco anos as outras
empresas exportaram pouco e, por isso, se retiraram da Serlac.
Serlac contra a crise
A Itambé assumiu 50% do capital da trading, ficando a outra metade com a Sertrading,
controlada por especialistas em comércio internacional que trabalhavam na Cotia
Trading e cujo principal acionista é o mineiro Paulo Brito, de Uberaba. “No decorrer
desses anos, exportamos muito, e a Itambé foi a maior exportadora”, diz Gontijo.
1
A atuação da Serlac no mercado externo é notável. No mesmo
ano em que foi criada, a trading negociou contratos de venda
de 5 mil toneladas de leite em pó para o World Food Program, da
Organização das Nações Unidas (ONU), para serem enviadas ao
Iraque. O contrato foi mantido no ano seguinte, com igual volume.
Nessa época, a Itambé exportava 8 mil toneladas de leite em pó,
leite condensado e leite evaporado para 13 países. Em 2004, eram 15
mil toneladas, para 28 países.
As exportações aumentaram no ano seguinte, quando a Itambé conseguiu vender
também para os Estados Unidos, após associação com grande distribuidor local
de produtos lácteos. Pela primeira vez, as exportações eram feitas em embalagens
individuais com a marca Itambé. Em 2005, as exportações chegaram a 45 países
e representaram 5% do faturamento total da Itambé, de R$ 1,4 bilhão. Era a maior
indústria brasileira de laticínios de capital nacional. Em 2008, os produtos chegavam
a 62 países, e a Itambé era, desde o ano anterior, a maior exportadora brasileira de
produtos lácteos.
Apesar do excelente desempenho na exportação, desde a criação da
Serlac, o negócio não escapou à crise financeira mundial. Em 2009,
a Itambé exportou apenas cerca de US$ 50 milhões, contra US$ 220
milhões em 2008. As exportações continuaram caindo ao longo de 2010.
Gontijo destaca que os preços lá fora baixaram muito no final da década,
enquanto o mercado interno absorvia quase toda a produção.
Junto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e
Investimentos (Apex), as empresas estão revendo acordos sanitários e
barreiras tarifárias. “Leite é um produto muito protegido no mercado
internacional e o mais subsidiado no mundo inteiro”, lembra Gontijo,
ressalvando que no Brasil não existe tal subsídio, mas prevalece certa
proteção contra a importação.
1. Produto Itambé. Arquivo Itambé
2. A Confepar era uma das cooperativas que
integravam a trading Serlac, criada para
enfrentar o mercado externo. Arquivo Confepar
2 a evolução do mercado
100
O mercado internacional de leite é limitado e tem poucos players. Há muitos anos,
Canadá, Estados Unidos, Japão e União Europeia se protegem com sobretaxas
variando de 230% a 300%, contrariando a defesa que fazem do livre comércio.
Poucos na disputa
Em 2008, do Brasil saíam apenas 2% do leite em pó e 16% do leite
condensado comercializado entre países. O volume exportado de lácteos
representou faturamento de US$ 541 milhões, praticamente o dobro do
resultado do ano anterior.
Nesses dois anos, os
estoques europeus e dos
Estados Unidos estavam
praticamente zerados.
Mas em 2009, com a crise financeira mundial, a União Europeia voltou
a conceder mais fortemente subsídios aos criadores de gado leiteiro,
para aumentar a produção e as exportações, e os preços do leite em pó
desabaram no mercado internacional.
Produtos da Itambé são exportados para mais de 60
países. A crise econômica mundial de 2008 afetou
os negócios e, em 2010, a produção foi quase toda
absorvida pelo mercado interno. Arquivo Itambé
Para complicar, ocorreu forte desvalorização do real frente ao dólar, prejudicando
as exportações brasileiras como um todo e facilitando a entrada de lácteos em
nosso mercado. No segundo semestre de 2009, o governo suspendeu as licenças
automáticas para importações de leite do Uruguai e Argentina e negociou cotas
com os países do Mercosul.
Nos últimos meses de 2009, os preços internacionais de produtos lácteos iniciaram tendência
de alta. A produção mundial de leite, durante o ano, aumentou 1%, superando 700 milhões de
toneladas, com destaque para os países em desenvolvimento.
2 a evolução do mercado
102
Em todo o mundo, continua forte o movimento de concentração de capital, observa
Roberto Simões. “Para ganhar escala, as empresas se reúnem, e as cooperativas também.
O fundamental é aumentar o nível de produtos trabalhados por cooperativas. Estamos
hoje ao redor de 40%, quando sabemos que nos Estados Unidos, por exemplo, 85% do
leite é cooperativado. É caminhar nessa linha, com cooperativas modernas, funcionais, que
retornem benefício ao produtor. Já temos exemplos fora.
Cooperativismo é o caminho
Unidas em um novo negócio
Nos Estados Unidos, a DFA — Dairy Farmers of América, a
maior cooperativa captadora de leite do mundo, que vende
cerca de 27 bilhões de litros por ano, mais do que toda a
Na Europa, existem cooperativas ch amadas de terceira ou
quarta geração, eficientes, que disp utam preço e trazem
retorno aos seus cooperados”, anali sa o presidente da
Faemg e do Sebrae-MG.
Ele ressalta que a Itambé, meritoriamente, sobreviveu como
cooperativa central. “Tínhamos centrais no Rio de Janeiro,
São Paulo, Rio Grande do Sul etc, e elas quebraram. A Itambé
prevaleceu e hoje está tentando crescer ainda mais, associarse a outras para ganhar volume e condições de competição.
Esse é o caminho, é o futuro”, assinala Simões, destacando
ainda que para disputar mercado é preciso ter tamanho
e modernizar o sistema cooperativo, no qual a decisão é
geralmente muito lenta, o que . prejudica a competitividade.
“É preciso evoluir nesses processos, porque o caminho é o
cooperativismo. Montar uma S/A associada que seja mais ágil,
algo nessa linha”, defende.
A Itambé é a terceira maior captadora de leite do Brasil, com 1,125 bilhão de litros em
2009. Já foi a segunda, mas foi superada pela BR Foods, que é a união da Perdigão e da
Sadia e está no mercado de lácteos há pouco tempo. Se houver a fusão das cooperativas
centrais de Minas Gerais, Goiás e Paraná, a Itambé ficará em primeiro lugar. Essa posição
é ocupada atualmente pela DPA/Nestlé, que em 2009 captou 2,05 bilhões de litros.
No setor de leite, o cooperativismo fortalece os produtores
e garante possibilidades de grandes negócios.
atual produção brasileira — nasceu da fusão de quatro
cooperativas. No Brasil, dirigentes de três cooperativas se
tornaram protagonistas, em 2009, de ambicioso projeto
de fusão da CCPR com outras quatro cooperativas: Cemil
e Minas Leite, de Minas Gerais; Centroleite, de Goiás; e
Confepar, do Paraná. Segundo Jacques Gontijo, a união das
cooperativas é uma ideia antiga.
Mas a oportunidade de concretizá-la surgiu apenas em agosto de 2009. Um
ano depois, ele relata os avanços obtidos, manifestando a esperança de que o
processo seja brevemente concluído. A Cemil desistiu de participar do projeto,
o que reduziu de cerca de 7 milhões para perto de 6,5 milhões por dia a previsão
de captação de leite pela nova cooperativa, dos quais 3,5 milhões vindos de
produtores ligados à Itambé.
Uma empresa especializada foi contratada para avaliar
cada cooperativa, e estavam acertados, praticamente,
os percentuais de cada uma no empreendimento. O
Memorando de Entendimento definiu as premissas, e
as assembleias de cada cooperativa deverão aprová-las.
além de gestão profissional da cooperativa. É proibida a competição entre cooperativas associadas
e cooperativas centrais, o que representa inovação para as sócias no empreendimento, mas não
para a CCPR. “Esse é o modelo que a Itambé vem seguindo”, afirma Gontijo.
Modelo único e nosso
Com esse modelo único, a captação de leite seria
unificada na nova grande cooperativa, acabando
com o sistema de dupla intermediação, no qual a
cooperativa compra o leite do produtor e depois
fornece para a central. “É um modelo mais
moderno de cooperativa, sempre visando criar
valor para o produtor. O objetivo final é esse, e a
cooperativa deixará de ser um meio oneroso para
ele”, explica o presidente da Itambé, lembrando
que é assim que funciona a cooperativa da Nova
Zelândia, que, para ele, representa um grande
avanço no mercado internacional de leite.
“Estamos copiando muita coisa da DFA e da
Fonterra”, salienta.
De acordo com Jacques Gontijo, a nova grande cooperativa de leite vai atuar em condições
diferentes daquelas em que operava a Fonterra, que capta 95% do leite produzido na
Nova Zelândia, onde as cooperativas locais têm o monopólio da comercialização do leite
no mercado interno. “A Fonterra está instalada aqui, mas nem a Itambé nem a Nestlé
nem ninguém pode ir para lá. Eles reservaram o mercado deles. Tinham monopólio na
exportação. Era um órgão do governo que exportava. Privatizaram, passaram para a
cooperativa, mas continuou o monopólio”, critica Gontijo.
A nova cooperativa brasileira pretende também conseguir um sócio importante.
“Ela precisa, para crescer, de um parceiro. Pode ser estratégico ou financeiro”,
explica o presidente da Itambé. “Precisamos de alguém para capitalizar, porque
o problema maior do produtor é que ele tem dificuldade de capitalização.”
O modelo prevê a criação de uma sociedade anônima controlada pela nova
cooperativa central.
A Fonterra, uma das maiores cooperativas de leite do
mundo, instalada na Nova Zelândia, serve de exemplo
para um novo modelo de negócio de cooperativas
brasileiras. Arquivo Wikimedia
Ranking disputado
2 a evolução do mercado
As premissas do novo negócio estabelecem a proporcionalidade de volume de leite, capital e voto,
105
Apesar do otimismo do idealizador da nova grande cooperativa, que prevê que o Brasil
será o quarto maior produtor de leite do mundo em 2020 — depois dos Estados Unidos,
Índia e China — dificilmente o país conseguirá avançar ainda mais nesse ranking. A Índia
é o segundo maior produtor de leite de vaca, animal sagrado no país, e, se for incluída a
produção de leite de búfala, já ultrapassa os Estados Unidos. No entanto, a Índia não é
exportadora de leite e ainda precisa importar da Oceania para alimentar sua população.
A produção de leite da China,
por sua vez, cresce muito, de 15%
a 20% ao ano; enquanto o PIB
aumenta 10%.
Nos primeiros cinco anos deste século, os chineses produziam menos que
o Brasil, e hoje se aproximam dos 40 bilhões de litros de leite por ano. O
que ainda é muito pouco, considerando a população da China.
O esforço do país para aumentar a produção é bem maior que o do Brasil, pois
há hoje na China o entendimento de que o leite é alimento essencial, o que não
ocorria até recentemente. Tanto que a China vem importando grandes volumes da
Nova Zelândia e da Austrália.
Aurélie Trouvé citam, em artigo publicado pelo Le Monde Diplomatique, previsão do GEB–Institut de L’élevage de
que haverá expressiva redução no número de produtores franceses de leite em razão do aumento da produtividade,
entre outros fatores. Seu número cairia dos atuais 88 mil para 60 mil em 2015 e para 20 mil em 2030.
Realidade europeia
1
Os autores lembram o ocorrido na Inglaterra, depois que o governo de Margaret
Thatcher suprimiu, em 1994, as Milk Marketing Boards, agências governamentais
criadas em 1933 para garantir aos produtores um preço mínimo negociado com
seus parceiros da indústria de transformação. Para enfrentar a redução dos preços,
os produtores recorreram à mão-de-obra proveniente do Leste Europeu, que se
submetia a trabalhar, em condições difíceis, mais de 50 horas por semana. O
mesmo ocorreu nos Estados Unidos, com os trabalhadores mexicanos, e em outros
países. O Brasil não foi citado.
Para Cassez e Trouvé, o problema dessa modernização está em como garantir
a alimentação de 9 bilhões de pessoas no mundo até 2050 sem destruir os
recursos naturais. Empreendimentos de grandes dimensões vêm adotando
o sistema de pastagem zero. Os autores argumentam que esse modelo
produtivista induz ao aumento do número de animais por hectare e à redução
das pastagens extensivas, consumindo mais energia e insumos de produção e
elevando a emissão de protóxido de nitrogênio, poderoso gás de efeito estufa.
A alimentação animal à base de soja geneticamente modificada provoca em
vários países, como o Brasil, a abertura de novas fronteiras para o plantio,
à custa de desmatamentos e de eliminação de pequenos produtores rurais,
afirmam Cassez e Trouvé. Acrescentam que a União Europeia é ainda a maior
produtora mundial de leite, mas não mais desempenha o papel de “estocadora
pública”. Não mais existem, segundo os autores, instrumentos para ajustar os
preços e volumes frente à evolução dos mercados internacionais.
Em 2007, quando os preços explodiram por causa do crescimento da demanda dos
países asiáticos e da queda da produção de alguns exportadores, a UE esgotou seu
estoque. Com isso, ocorreu um movimento para aumentar a produção, provocando
nova queda brutal de preços, agravada pela crise financeira mundial e pela
desregulamentação dos mercados.
Na União Europeia, com o fim dos limites de produção, os excedentes voltaram
a aparecer e foram dirigidos “de maneira desleal aos países do Sul, em operações
incentivadas pelas subvenções dadas às exportações e financiadas pelos
contribuintes europeus”, criticam Cassez e Trouvé.
Mudar o perfil brasileiro
2 a evolução do mercado
Enquanto isso, na Europa, as perspectivas são menos otimistas. Os pesquisadores franceses Matthieu Cassez e
107
Se o governo brasileiro vai insistir na “política de alimentos baratos” adotada
em relação ao leite, conforme Martins (2004), ele deveria tomar algumas
2
medidas. Nos fóruns de negociações internacionais de comércio, o leite
requer atenção maior, pois a redução de subsídios internacionais significa
mais emprego e mais renda no Brasil. Mesmo na situação atual, inexiste no
país, segundo o autor, atividade que empregue mais pessoas que a produção
de leite, presente em todo o território nacional. Acrescenta que, por sua
importância como produtor mundial de leite, o Brasil não pode deixar que a
Nova Zelândia exerça sozinha o papel que vem desempenhando hoje no setor.
Outra ação prioritária está relacionada com a política fiscal.
Ela precisa ser reformada, para que o leite e derivados
deixem de ser sobretaxados, proporcionalmente, mais do que
outros setores da economia. “Preço mínimo, treinamento de
produtores e financiamentos assegurados são instrumentos
relevantes a merecer a atenção de formuladores de políticas
públicas”, conclui Martins.
No Brasil, são muitas ainda as barreiras que precisam
ser superadas para melhorar o perfil do setor leiteiro.
Há grande número de pequenos produtores que
apenas subsistem nessa atividade, com precária
situação sanitária, sendo que 30% da produção
sequer é inspecionada pelo governo. Porém, em
Minas Gerais e em outros estados com tradição na
produção de leite, há muitos produtores com gado de
qualidade que primam pelos cuidados higiênicos e
pela tecnologia, chegando a alcançar produtividade
comparável à dos Estados Unidos.
1. Margareth Thatcher, conhecida como a “dama de ferro”,
introduziu reformas polêmicas na Inglaterra quando
primeira-ministra, na década de 1980. Arquivo Nato
Pequenos produtores brasileiros precisam de maior
atenção, pois são parte de um contingente que faz da
pecuária leiteira a atividade de maior permanência no país.
2. Foto Maurício Farias/Arquivo ABCZ
3. Foto Xará
3
Tela de Marc Chagal, O Vendedor de Gado. Masp
3
Tecnologia e qualidade
em construção
Um alimento
de longa data
3 tecnologia e qualidade em construção
2
111
O leite faz parte da história da humanidade. Por
volta do oitavo milênio antes de Cristo, comunidades
nômades se estabeleceram em terras férteis,
começaram a cultivar alimentos e descobriram como
ordenhar fêmeas de animais domesticáveis, como
cabras e vacas, que deixaram de ser apenas caça.
Conforme alguns autores, a origem mais remota da
Alguns estudiosos acreditam que os homens aprenderam a fazer queijo no sétimo milênio
antes de Cristo, antes de terem inventado a cerâmica. Eles guardavam o leite dentro de bolsas
feitas com estômago de animais e, portanto, em contato com a renina — que é uma enzima
existente no estômago e que serve de catalisadora para a formação de coalho e queijo.
palavra leite é associada ao termo mirjati, que, na
1
língua indo-europeia, falada antes do latim, significa
acariciar ou esfregar. Em inglês, milk derivaria
do germânico melki ou melkan, traduzido como
ordenhar. Essas comunidades pré-históricas foram,
certamente, as primeiras a descobrir que o leite,
quando vira coalhada por efeito de alguns tipos de
bactérias, continua servindo de alimento.
1. Também na antiguidade, o leite de cabra foi usado
como alimento pelo homem. RF/SXC
Com ajuda dos animais
O uso dessas bolsas teria conduzido a outra descoberta valiosa: a da manteiga. Os homens
perceberam que a manteiga se formava na medida em que o leite era sacudido, durante longas
viagens. O passo seguinte significou um avanço tecnológico: alguém teve a ideia de remexer
o leite dentro de um vasilhame até que ele se transformasse em manteiga, um alimento mais
durável. Há algumas referências à manteiga em escritos antigos, como num provérbio de
Salomão, que reinou de 1009 a 922 antes de Cristo, nos textos do Deuteronômio, o quinto livro da
Bíblia, e em Samuel. Ao que parece, a manteiga não era alimento comum na Grécia antiga e até
mesmo na Idade Média, na Europa, era raridade, só consumida em banquetes. Ao contrário do
queijo, alimento sempre presente nas mesas de assírios, caldeus, egípcios, gregos e romanos. Eles
produziam diversas variedades de queijos. Para coagular leite, os romanos usavam flores de cardo
e suco de figo verde.
2. O queijo é um alimento antigo, consumido por assírios,
caldeus, egípcios, gregos e romanos. RF/SXC
3 tecnologia e qualidade em construção
1
Sabedoria asteca
113
O mesmo acontecia quando o leite era
misturado ao chocolate, mas isso ocorreu
muito tempo depois de o chocolate ser
cultuado pelos astecas, no México, e maias,
na América Central.
Vem da França, o moderno
Na Idade Média, as técnicas de maturação do leite, aumentando sua durabilidade, foram
aperfeiçoadas pelos monges, nos conventos. Essa experiência acumulada chegou aos nossos
dias, e hoje existem milhares de variedades de queijo. Acredita-se que os precursores dos
modernos laticínios surgiram no ano de 1267 de nossa era, na região francesa de Doubs,
onde eram produzidos grandes queijos conhecidos por beaufort, emental e comte. Antes da
invenção dos refrigeradores e de outros métodos de conservação do leite, os queijos tinham
a grande vantagem de poder ser estocados por mais tempo sem estragar.
Tais civilizações produziam a bebida
moendo a semente de cacau e
adicionando o pó na água, misturado
ao mel ou ao açúcar e a algumas
especiarias. Em 1528, o conquistador
do México, Hernan Cortés, levou
o chocolate para a Espanha e,
progressivamente, a bebida foi-se
espalhando pela Europa, mas era
consumida apenas pelos mais ricos.
2
1. As dificuldades de conservar alimentos não impediram,
mesmo na antiguidade, que as técnicas de fabricação
de queijo se desenvolvessem. Foto da gravura: Duas
mulheres no interior da cozinha, de Guillaume Duvivier,
século XVII. Arquivo Masp
2. A partir do cultivo do cacau, as civilizações asteca e maia
conheceram o chocolate, foi levado para a Espanha pelo
conquistar do México, Hernan Cortés. Foto de uma réplica
da “pedra do sol” asteca. Wikimedia Foundation.
3 tecnologia e qualidade em construção
4
Das delícias suíças
Na segunda década do século XIX, o suíço François-Louis Cailler teve a ideia de fabricar
chocolate em barras. Em 1875, seu filho, Daniel Peter Cailler, criou o chocolate ao leite
e, mais tarde, juntou sua empresa à de Charles-Amédé Kohler, o inventor do chocolate
Hazelnut. A empresa resultante da fusão acabou nas mãos da Nestlé. Ainda no século
XIX, outros fabricantes suíços se destacaram, como Philippe Suchard, Jean Tobler e
Rodolphe Schifferli, e novos processos de fabricação foram sendo introduzidos. Em
1900, eram consumidas 115 mil toneladas de chocolate no mundo.
114
1
3
O século XIX foi marcado por grande progresso científico e pelo rápido
crescimento das cidades. As populações se distanciavam das tradicionais
fontes de alimentos, e os cientistas buscavam técnicas de conservação, para
que alimentos perecíveis, como o leite, pudessem ser produzidos em grande
escala e estocados, para a venda aos moradores nas cidades.
Vivendo uma nova era
Logo no começo do século, o francês Denis Papin, inventor
da máquina a vapor, fez experiências com a conservação de
alimentos e verificou que a durabilidade aumentava muito
quando cozidos e mantidos em vidros hermeticamente
fechados. A descoberta foi aproveitada pelo confeiteiro
francês Nicolas Appert, em 1804, para conservar alimentos
em latas. Napoleão Bonaparte empregou o método de Appert
para abastecer suas tropas em terra e também a marinha,
nas longas viagens por mar. Em 1809, o imperador francês
concedeu prêmio de 12 mil francos franceses a Appert, para
que suas descobertas fossem tornadas públicas, surgindo
assim o livro A Arte de Conservar Todas as Substâncias
Animais e Vegetais, logo traduzido para o alemão e o inglês.
5
Um filho de Appert, Chevallier-Appert, foi o inventor das
autoclaves modernas. Com base no método de Appert, o
2
inventor francês Malbec criou em 1828 o leite condensado. E
o suíço J. B. Meyenberg usou, em 1880, o sistema de autoclave
para aperfeiçoar o método de fabricação desse tipo de leite.
Os suíços, como Jean Tobler e Charles-Amédé Kohler, se
destacaram na produção de chocolate, uma história que
começou com Françoise-Louis Cailler, fundador da fábrica
de mesmo nome.
4. A descoberta de Papin foi aproveitada com êxito por
1. Arquivo Tobler
5. A ebulição vivida pela França no século XIX produziu
2. Arquivo LTM
3. Arquivo Chocolates Cailler
Nicollas Appert e ainda mais por Napoleão Bonaparte, que
conseguiu abastecer suas tropas com alimentos em lata.
Arquivo Palácio Pitti/Florença
inventores como Denis Papin (na reprodução) que, ao
fabricar a máquina a vapor, incentivou métodos que
permitiram a conservação de alimentos por muito tempo.
Em 1851, o cientista francês Louis Pasteur descobriu os fundamentos teóricos
que sustentam as experiências feitas pelo confeiteiro Appert. Pasteur
mostrou que o processo de tratamento baseado na elevação da temperatura
Vida longa com o UHT
do alimento a até 57ºC por alguns minutos era eficaz na prevenção da
fermentação anormal do vinho e da cerveja. Em sua homenagem, o método
utilizado também para o leite ficou conhecido como pasteurização.
Pasteur entra em cena
1
2
No começo do século XVIII, grandes casas
europeias tinham compartimentos subterrâneos
para armazenar gelo durante o inverno e desse
modo conservar carnes e peixes por mais tempo.
No século seguinte, cientistas como Gay-Lussac
descobriram que a expansão de gases subtrai calor
do ambiente e que um método de compressão
de gás, seguido pela sua liberação, promovia
refrigeração. Com isso, as câmaras poderiam criar
ambientes frios, e não apenas conservar o frio. O
gelo artificial foi fabricado pela primeira vez em
1834, pelo americano Jacob Perkins. Dezessete
anos depois, outro americano, John Gorrie, obteve
a patente do primeiro compressor de ar movido
a vapor para refrigerar câmaras de hospitais. Em
1879, foi lançado o refrigerador para uso doméstico,
inventado pelo alemão Carl Von Linde, o que
possibilitou que o leite pasteurizado fosse vendido
em grande escala. Surgiam os grandes laticínios.
Para pasteurizar, os laticínios aqueciam o leite por meia hora, à temperatura
de 31°C. Vendido em garrafas de vidro, o leite não podia ficar estocado por
3 tecnologia e qualidade em construção
3
117
muitos dias, o que impossibilitava seu transporte a grandes distâncias. Para
quem não tinha refrigerador em casa, a grande maioria da população, o leite
continuava sendo produto altamente perecível.
Novas experiências mostraram que era possível eliminar
micro-organismos aumentando a temperatura e
4
diminuindo o tempo gasto no processo de pasteurização
e, assim, ampliar a capacidade dos laticínios, que
passaram a aquecer o leite a 72ºC por 15 segundos. Outra
descoberta: resfriando o leite logo após o aquecimento, a
carga calórica residual cozinhava o alimento. As pesquisas
avançaram. Em 1913 surgiu na Inglaterra o método
HTST (High Temperature — Short Time). Esse processo
foi aperfeiçoado mais tarde. Com o processo UHT (Ultra
High Temperature), o leite é aquecido por três segundos,
com temperaturas variando entre 138ºC e 150ºC. Essa
tecnologia é usada também para conservar outros
alimentos, como leites aromatizados, iogurtes, bebidas à
base de soro de leite, cremes, sorvetes, pudins e tortas.
5
1. Carl Von Linde foi o inventor do refrigerador doméstico.
Arquivo Carrier Commercial Refrigeration
2 e 3. O cientista francês Louis Pasteur. Wikimedia Foundation
4 e 5. O leite de “caixinha” conquistou o mercado de vez
com a tecnologia UHT. Arquivo Sig Combibloc
3 tecnologia e qualidade em construção
118
Mas não bastava eliminar rapidamente todos os micro-organismos patogênicos. Para
que o leite fosse conservado por muito tempo, era preciso mantê-lo em ambiente estéril.
O leite longa vida surgiu em meados do século XX. O empresário sueco Ruben Rausing
lançou a embalagem “Tetra Pak”, capaz de conservar o leite UHT na prateleira por quatro a
seis meses, em temperatura ambiente.
Longa vida ao leite
A nova tecnologia chegou a Minas Gerais na década de 1970, embora
a Tetra Pak tenha iniciado suas atividades no Brasil em 1957, para
vender embalagens importadas. Inaugurou sua primeira fábrica
brasileira em 1978, no município paulista de Monte Mor. A segunda só
foi inaugurada em 1999, em Ponta Grossa, no Paraná.
Por causa do preço , a nova embalagem demorou
a ser usada pelas i ndústrias e cooperativas
brasileiras para a venda do leite no varejo.
As pioneiras, em 1961, foram os laticínios paulistas Vigor e Leco. Mesmo
assim, só embalavam com Tetra Pak o leite tipo B, que não era tabelado,
e apenas o destinado ao mercado paulistano.
Em 1964, para incentivar o comércio do leite longa vida, o governo permitiu
que o custo da embalagem fosse repassado ao consumidor do leite C, mas a
iniciativa não teve êxito, porque indústrias e cooperativas relutavam em fazer
os investimentos necessários para embalar automaticamente o leite tabelado.
As embalagens Tetra Pak, hoje usadas pelos laticínios e
outras indústrias no mundo inteiro, viraram sinônimo
de embalagem cartonada. A fábrica foi fundada pelo
sueco Ruben Rausing. Arquivo Tetra Pak
3 tecnologia e qualidade em construção
120
A opção que se verificou nos últimos anos pela embalagem cartonada, praticamente
imposta pelos supermercados, eleva o preço do leite pago pelo consumidor, de acordo
com estudo feito por Paulo Martins (2004). Segundo o economista, embalagem
cartonada é o item que mais onera a cadeia produtiva do leite, correspondendo a mais de
50% de todos os custos variáveis consolidados. “Para a indústria, o custo da embalagem
está próximo do custo de obtenção do leite não beneficiado, posto na plataforma de
processamento”, escreveu ele.
Em julho de 2010, o Laticínio Cordilat,
de Santa Catarina, anunciou que seria
o primeiro no Brasil a envasar leite
Tudo na caixinha
Recentemente, chegou ao Brasil uma concorrente
da Tetra Pak, a Sig Combibloc. Em outubro de
2007, a Cemil, de Patos de Minas, anunciou ter se
tornado a primeira cliente brasileira do ramo de
leite dessa empresa do Grupo Rank, sediado na
Nova Zelândia e que está presente em 40 países.
Em junho de 2010, a Sig Combibloc anunciou
investimentos de 90 milhões de euros, até 2016, para
construir em Campo Largo, no Paraná, sua primeira
longa vida em saquinhos de polietileno
com capacidade para um litro. Fundado
em 2003, é hoje o sexto maior laticínio
catarinense, com duas fábricas no
estado e uma arrendada em Sergipe.
O Cordilat afirma que o sachê garante
vida útil do produto por até seis meses
sem refrigeração e custa a metade do
preço da embalagem cartonada. Além
disso, o número de fornecedores da
embalagem é maior, sendo possível,
portanto, negociar preços.
fábrica brasileira, que terá capacidade para produzir
dois bilhões de embalagens cartonadas por ano.
Empresas mineiras já têm acordo comercial com
a Sig Brasil, concorrente no país da Tetra Pak no
fornecimento de embalagens. Arquivo Sig Combibloc
2
Terra de muitas raças
3
Não adiantaria muito avançar nas técnicas de conservação do leite e seus derivados e no
próprio marketing desses produtos se o país não evoluísse na cadeia de produção, começando
pela melhoria do rebanho leiteiro. Esse esforço já era observado no começo do século XIX. Um
4
dos pioneiros foi Dom Pedro I. O imperador era proprietário, no Rio de Janeiro, da Fazenda
Real de Santa Cruz, que pertencera aos jesuítas. A Santa Cruz chegou a ter 1.600 vacas. Para
administrá-la, Dom Pedro I contratou o inglês John Mawe. Ele deveria transformá-la numa
espécie de fazenda-modelo, com lavouras irrigadas, pastagens artificiais, solos fertilizados,
açougue e fábrica de queijo e manteiga.
Em 1826, o imperador importou gado Zebu do
Egito. Esses animais se espalhavam pela Eurásia
há pelo menos seis milênios, mas aqueles
comprados por Dom Pedro I não ultrapassaram
as porteiras de sua fazenda, pois os criadores
não se interessaram. Eles preferiam o gado
europeu. Animais da raça Holstein, símbolo
mundial do leite, eram criados em Portugal na
época do descobrimento do Brasil, de acordo
com Cotrim (1913). Por isso, o autor acredita que
exemplares dessa raça tenham sido trazidos
para o Brasil ainda no século XVI, com o nome
de turina, juntamente com animais das raças
Algárvia, Alentejana, Minhota, Andalusian
Black, Andalusian e Galican Blond. Do
cruzamento dessas raças, teriam resultado gado
Crioulo, Curraleiro, China, Sertanejo, Caracu
Manchado e Franqueiro. No distrito de Palmyra
(atual Santos Dumont), o coronel Carlos de
Sá Fortes fez importações a partir de 1852 que
deram origem ao gado Holandês na região da
Mantiqueira.
Porteira aberta
para o Zebu
O Brasil se tornou a Meca do gado Zebu, de acordo com Dias (2006), começando
por Minas Gerais. A dispersão dessa raça se iniciou em 1906, cerca de 80 anos
depois da primeira importação feita por Dom Pedro I. Mas, desde fins do século XIX,
a iniciativa privada buscava alternativas para suas fazendas de criação de gado.
Animais das raças Guzerá, Nelore, Gir, Sindi e Kangayam, que eram selecionados
em fazendas de marajás indianos, entraram no Brasil. Foram
importados, principalmente, por criadores mineiros, que desafiaram a
preferência nacional por raças europeias. O primeiro brasileiro a viajar
à Índia para comprar gado foi Teófilo de Godoy, fazendeiro em Araguari,
no Triângulo Mineiro. Isso aconteceu em 1893. Outro pioneiro na
importação de Zebu, João Martins Borges, morreu em Calcutá, na Índia.
Só meio século depois, em 1975, os restos mortais dele foram transferidos
para Uberaba, sua terra natal. Os que conseguiram voltar ao Brasil
trazendo gado enfrentaram outras dificuldades.
1. Carta Real Fazenda Santa Cruz. Data provável entre
1811 e 1822. Arquivo Biblioteca Nacional
1
O Brasil é um dos maiores criadores de gado Zebu (2)
no mundo. Outras raças que convivem no país, como
Nelore (4) e Sindi (3), foram importadas inicialmente
da Índia. Foto Jadir Bison/Arquivo ABCZ
2
Queda de braço
nas exposições
No começo do século XX, havia disputa acirrada
entre criadores de gado originário da Europa e da
Renovação com a SuperAgro
1
A SuperAgro resultou de um esforço da Faemg para fazer
com que a tradicional feira de exposições agropecuárias
da Gameleira, em Belo Horizonte, se tornasse realmente a
vitrine do agronegócio mineiro. A primeira foi realizada em
2005. Quando a Faemg assumiu a coordenação financeira
da exposição, em parceria com o governo e o IMA (Instituto
Mineiro de Agropecuária), a operação ficou mais ágil, o evento
cresceu muito e se tornou talvez o mais diversificado do
estado, atraindo milhares de visitantes — 75 mil em 2010.
Índia. Na primeira exposição paulista, em 1925,
foi proibida a presença de Zebu. Os criadores
de gado europeu alegavam que Zebu não era
nada além de aventura genética que não trazia
qualquer contribuição à pecuária brasileira. A
proibição vigorou até 1934, quando a exposição
do Parque da Água Branca, na capital paulista,
ganhou forte presença do gado Indubrasil, para
grande regozijo dos criadores de Uberaba.
As exposições foram importantes para a propagação de raças e para avanços genéticos.
Naquele tempo havia grande interesse dos criadores por novos conhecimentos. Em 1936,
por exemplo, a Semana do Fazendeiro, promovida pelo Departamento de Zoologia da
Universidade Federal de Lavras, teve 340 participantes.
Eles se inscreveram em cursos que se iniciavam às seis e meia da manhã e iam até as onze da noite. Os
professores eram estimulados a participar das exposições para orientar os criadores. A primeira exposição
estadual ocorreu em Porto Alegre, em 1901, e a segunda foi marcada para ser realizada em Minas Gerais,
em outubro de 1907, mas os organizadores enfrentaram problemas e precisaram adiar para o dia 24 de
fevereiro de 1908. Foi realizada no Prado Mineiro, onde funcionava um clube de turfe. Para a exposição, foram
construídos estábulos para cavalos, bovinos e caprinos, rotundas para suínos e pavilhões para restaurantes.
Participaram 94 criadores, que inscreveram 224 animais, a maioria bovinos e equinos. Um dos premiados foi
o coronel Francisco Libânio de Sá Fortes, grande criador de gado Holandês na região de Santos Dumont, na
Zona da Mata. Quase cinco mil pessoas compareceram à inauguração. Atualmente, ocorrem no Brasil cerca de
1.500 exposições de criadores de gado por ano, número provavelmente não ultrapassado por nenhum país.
Um destaque do evento foi a II Conferência Nacional
sobre Defesa Agropecuária, um dos mais importantes
espaços para orientação da produção. Mas a SuperAgro
se qualifica também como fonte de bons negócios,
inclusive com a exibição de maquinários e produtos
alimentícios. “Em 2010, tivemos quase a capacidade
máxima no número de leilões, todos eles com resultados
muito positivos”, afirma Roberto Simões. O presidente
da Faemg lembra que os 12 leilões resultaram na venda
de 380 animais, no valor total de R$ 6,1 milhões. Foram
mais de 3.000 animais expostos, todos em julgamento. É
uma exposição diferente de todas as outras no seu aspecto
cultural e social, porque a população mais jovem de Belo
Horizonte conhece pouco o que é a produção agrícola, a
origem dos alimentos. “Muitas crianças só alcançam o
supermercado, dali em diante não sabem nada. Então,
nessa ocasião, recebemos milhares de estudantes, que
visitam a fazendinha, montada no espaço, com animais e
produtos agrícolas”, conta Roberto Simões.
3
Continua na página 126
1. No início do século XX, as exposições de gado já
mostravam ser importantes para propagação das
raças e avanços genéticos. Na foto, exposição de 1908,
em Belo Horizonte. Arquivo Público Mineiro
2 e 3. No Parque da Gameleira, em Belo Horizonte, a
Superagro estimula negócios e também conhecimento
para os mais jovens. Arquivo Superagro
3 tecnologia e qualidade em construção
126
Continuação da página 124
Equívoco certeiro
Outro marco importante da pecuária de leite é a chegada do gado Gir
em 1910, trazido por criadores mineiros que foram à Índia em busca de
Zebu puro sangue. Equivocados, acabaram escolhendo o Gir por causa do
tamanho de suas orelhas, mas, apesar disso, foram bem-sucedidos.
A raça foi tão apreciada pelos criado res que,
na década de 1960, já existiam 105 m il animais
registrados, contra 48 mil Nelores.
Paulo Martins, que foi chefe-geral da Embrapa
Gado de Leite, esclarece que o Gir trazido da Índia
não era animal especializado na produção de
leite. A especialização resultou de processo de
seleção, com teste de progênie, dando origem a
uma raça brasileira. A pesquisa foi coordenada,
durante mais de 20 anos, por Mário Luiz Martinez
(morto em 2006), engenheiro-agrônomo e PósDoutor pela Iowa State University (EUA) e pelo
Animal Research Center, do Canadá.
O trabalho começou em 1983 e, logo depois, a Embrapa
Gado de Leite e a Associação Brasileira dos Criadores de
Gir Leiteiro (ABCGIL) lançaram o Programa Nacional de
Melhoramento do Gir Leiteiro (PNMGL). Martinez também
coordenou estudos com marcadores genéticos, para
identificar no genoma bovino características de interesse
econômico, como a produção de carne e leite e a resistência
aos carrapatos e ao estresse térmico.
As grandes orelhas do gado Gir confundiram os
criadores, que acabaram acertando na importação
da raça. Arquivo ABCZ
O Gir no país tropical
Mesmo antes das pesquisas de Martinez, o Gir já ocupava lugar de
destaque na pecuária brasileira, conforme Dias (2006), tendo o primeiro
núcleo de criação sido formado em Minas Gerais. A primeira vaca
inscrita no registro genealógico, a Moreninha, pertencia ao criador
Rodolfo Machado Borges. O registro foi feito em 1938 pelo ministro da
Agricultura Fernando Costa, durante solenidade na Exposição Nacional
do Parque da Gameleira, em Belo Horizonte. O registro genealógico
passou a ser realizado pela Associação Brasileira de Criadores de Zebu
(ABCZ), com sede em Uberaba (Triângulo), depois de vencer a disputa
com uma associação paulista fundada em 1950.
De acordo com a ABCGIL, atualmente é grande o interesse por animais dessa
raça. Em 2008, por exemplo, foram vendidas mais de 805 mil doses de sêmen,
ocupando o segundo lugar entre as raças leiteiras com maior comércio desse
produto. O Gir leiteiro está presente em praticamente todos os estados brasileiros
e vem tendo preferência para cruzamentos com gado leiteiro europeu, como
Holandês, Jersey e Pardo Suíço, resultando em um animal mestiço rústico, fértil,
de alta conversão alimentar e produtividade de leite.
O Gir é raça menos sujeita a doenças e infestações de ecto e endoparasitas do que
outras de clima temperado, exigindo menos uso de carrapaticidas, vermífugos e
antibióticos. Portanto, produz leite mais saudável. Como são animais resistentes e
adaptados ao clima tropical, sua alimentação tem como base as pastagens, o que
implica menor custo de produção.
3 tecnologia e qualidade em construção
128
Também está sediada em Uberaba a Associação Brasileira dos Criadores de Girolando.
A raça Girolando foi desenvolvida principalmente em Minas Gerais, pelo cruzamento
das raças Bos Taurus e Bos Indicus. Ela nasceu oficialmente em 1996, com o surgimento
da Associação e a aprovação do padrão morfológico. Vice-presidente da entidade, o
médico-veterinário Maurício Silveira Coelho, do Grupo Cabo Verde, é sócio-proprietário e
administrador da Fazenda Santa Luzia, em Passos, no Sul de Minas Gerais.
Girolando
Com área de 900 hectares, ela produz cerca de 18 mil litros de leite por dia. Dispõe de modelo
próprio de produção a pasto, empregando alta tecnologia. Com 300 hectares de pastagem
intensificada e 60 hectares de capineira e 150 hectares de milho para silagem, a fazenda consegue
manter 3.500 fêmeas. As vacas Girolando, na Fazenda Santa Luzia, produzem em média 4.800
kg de leite na lactação. Silveira Coelho diz que a tecnologia de produção de leite a pasto vem
evoluindo muito, possibilitando alta produtividade, com oito a dez animais por hectare.
Inspeção sanitária
Além do manejo eficiente de fêmeas em propriedades leiteiras, a atenção às condições
sanitárias é essencial para o crescimento do rebanho e da produção leiteira, uma exigência
Extraoficialmente, segundo Dias (2006), a raça Girolando começou a aparecer na
perseguida há muito no país. No governo Getúlio Vargas, o Ministério da Agricultura criou, em
segunda metade do século XIX, principalmente nas bacias leiteiras de Minas Gerais
1952, o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, visando
e São Paulo, depois que criadores promoveram o cruzamento de animais Zebu e
melhorar a qualidade do leite. Antecipando-se a isso, em 1934, o governo paulista se inspirou
Holstein, interessados em produzir leite com baixo custo. O autor acredita que existam
atualmente no Brasil, não registradas, 20 milhões de vacas Girolando produzindo leite
e formando o maior rebanho originado desse cruzamento no mundo.
no Código Sanitário de Nova York para publicar o Regulamento de Fiscalização Sanitária do Leite e
Derivados. Como resultado dessa legislação, autoridades paulistas se viram obrigadas a sacrificar
milhares de cabeças de bovinos, pois cerca de 40% do rebanho estava atacado pela tuberculose.
Pressionado pelos produtores, o governo indenizou os donos dos animais abatidos. Essa
legislação também criou a tipologia A, B e C para o leite e proibiu que os “vaqueiros” vendessem
nas ruas leite não pasteurizado.
Gado na fazenda Santa Luzia, do Grupo Cabo
Verde, em Passos (MG), onde se produzem 20 mil
litros de leite por dia. Arquivo Grupo Cabo Verde
3 tecnologia e qualidade em construção
130
A atividade dos produtores de leite ficou mais fácil com a chegada ao país da ordenha
mecânica, lançada pioneiramente no mundo pela sueca Alfa Laval, quando a empresa
fundada em 1883 por Gustaf Laval se chamava ainda AB Separator. A máquina foi
lançada na Europa em 1918, mas a primeira desembarcou no Brasil por volta de 1930.
Demorou, mas não tanto quanto se gastou para inventá-la. A primeira referência à
máquina que substituiria a mão do homem na ordenha do gado data de 1819, no jornal
Avanço das técnicas
de reprodução
New England Farmer. Entre 1877 e 1898, foram patenteadas 80 dessas máquinas, mas
quase nenhuma veio a ser fabricada.
Já a inseminação artificial foi introduzida no país por um
de seus inventores, o professor inglês Christopher Polg,
Substituindo
as mãos humanas
1
1. Ordenha mecânica: uma realidade, mas ainda pouco
usada nas pequenas e médias fazendas mineiras.
Ronaldo Guimarães/Arquivo Sebrae
2 e 3. Técnicas de melhoramento e seleção genética
foram introduzidas no país, aprimorando a qualidade
do rebanho nacional. Arquivo ABS Pecplan
A primeira ordenha mecânica a ter sucesso
surgiu em 1917. Foi inventada pelo neozelandês
Norman John Daysh, contratado pela empresa
fundada por Laval, que morreu quatro anos
antes de a máquina chegar ao mercado. Filho
de fazendeiro, Daysh partiu do princípio de
que mais importante do que dar conforto ao
homem era construir algo que não causasse
incômodo à vaca. Em 1995, apenas 6% dos
produtores de leite em Minas Gerais tinham
adotado a ordenha mecânica, segundo
levantamento realizado pelo Sebrae. Dez
anos depois, pesquisa da Faemg mostrou que
o percentual subira para 17% na média das
fazendas produtoras de leite, mas naquelas
com produções mais elevadas o índice
ultrapassava 80%.
2
do National Institute of Medical Specialties in Mill-Hill,
de Londres. Ele foi convidado, em 1953, pelo Ministério da
Agricultura, para fazer a primeira demonstração do processo
na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e a segunda
exibição na Faculdade de Medicina Veterinária da USP
(Universidade de São Paulo). Mas o uso prático do sêmen
congelado só teve início em 1974, com o surgimento da
Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia). Após
o fim do tabelamento do leite, o método foi muito usado
para elevar a produtividade das fazendas.
Em fins de 2005, cerca de 5% do rebanho leiteiro
nacional era inseminado, sendo metade das vendas
por sêmen da raça Holandesa. Dois anos depois,
o Brasil deu mais um passo na seleção genética,
com o primeiro transplante de embrião, feito em
Sorocaba (SP), numa fazenda do banqueiro Pedro
Conde. Em Jaboticabal, também em São Paulo,
realizou-se em 1992 a primeira fertilização in
vitro, nascendo um bezerro Zebu, apenas 14 anos
desde o nascimento do primeiro bebê de proveta
do mundo — Louise Brown, em 1978, na Inglaterra
— e dez anos após o primeiro bezerro produzido
por fecundação in vitro nos Estados Unidos.
Atualmente, quase metade da produção in vitro de
embriões no mundo, principalmente na pecuária
de corte, ocorre no Brasil.
3
3 tecnologia e qualidade em construção
2
Genética na Embrapa
132
Em 1998, a Embrapa apresentou o protocolo para a produção de embrião das
raças Zebuína, Gir e Guzerá. Esse procedimento laboratorial dá aos criadores
resultados mais seguros em relação à multiplicação de reprodutores. Em
1977, a instituição iniciou os primeiros testes de progênie em touros mestiços
resultados do cruzamento de Holandês e Gir, para mostrar aos criadores seu
valor para o aperfeiçoamento da raça. Pesquisas
De acordo com o professor Geraldo Carneiro, da Escola Superior de Agricultura de
de alta tecnologia às vezes levam décadas para dar
Viçosa, em 1924 a produção média em Minas Gerais foi de 346 litros por vaca por ano.
resultados e, para atingir seus objetivos, a Embrapa
No início da década de 1970, a produtividade do rebanho leiteiro nacional era inferior
Gado de Leite tem mantido mil animais em teste. A
a 700 litros por vaca ordenhada por ano. Essa produção vinha principalmente de vacas
instituição foi criada três anos após o surgimento,
em abril de 1973, da estatal Embrapa. Naquela época,
a pesquisa era ineficiente, e apenas 12% dos técnicos
do Ministério da Agricultura eram graduados
(atualmente, só a Embrapa Gado de Leite emprega
mais de 60 pesquisadores com PhD). A mortalidade
1
de bezerros ultrapassava 20%, contra os atuais 5%.
A mortandade diminuiu depois que a Embrapa Gado de Leite passou a divulgar métodos
corretos de alimentação e a orientar os criadores para abrigar os bezerros em casinhas
minúsculas, como as que existem hoje em sua fazenda de Coronel Pacheco, na Zona da
Mata. Seus técnicos verificaram que o modelo americano de currais coletivos não servia
para climas quentes, pois tais currais podiam se transformar em focos permanentes de
doenças dos bezerros, como diarreia e pneumonia.
1. Na Embrapa Gado de Leite são realizadas importantes
pesquisas para o setor. Foto Ronaldo Guimarães
de raças zebuínas de baixa produtividade, de alguns nichos de gado Holandês e de
raças originadas do cruzamento de Holandês e Zebu.
Produção em baixa
Enquanto nos Estados Unidos, na década de 1920, algumas vacas Holandesas forneciam 55 litros de
leite por dia, nossas melhores vacas, meio século depois, não produziam o suficiente para encher
um balde. Em meados da década de 1970, poucos produtores se preocupavam com alternativas de
alimentação para o período da seca, com a vacinação do rebanho e a qualidade do leite. Os criadores
de gado controlavam as doenças empiricamente, queimando as pastagens secas uma vez por ano,
no fim da entressafra, e ainda lutavam contra as saúvas, essa praga brasileira que por sua voracidade
já chamava a atenção de frei Manuel da Nóbrega, em seus escritos de 1549. Os fazendeiros também
recorriam ao permanganato de potássio para tratar do problema causado pela retenção da placenta
das vacas após o parto e a métodos primitivos para cuidar das bicheiras e de outras doenças.
2. Casarão da Embrapa. Foto Ronaldo Guimarães
3 tecnologia e qualidade em construção
Essa situação começou a mudar em 26 de outubro de 1976, quando o ministro
da Agricultura Alysson Paulinelli inaugurou, em Coronel Pacheco, o Centro
134
Nacional de Pesquisa de Gado de Leite (CNPGL), que, na década de 1990 ganhou
o atual nome Embrapa Gado de Leite.
Suporte essencial
Faria e Martins (2008) observam que o início da pesquisa científica
mais elaborada se deu após 1980. Antes, ela foi pouco eficiente
no Brasil por inexistência de pessoal treinado e capacitado
para equacionar não só ensaios experimentais, mas também os
problemas encontrados nas fazendas leiteiras.
Só em 1962 iniciaram-se no país cursos de pós-graduação com o objetivo de
preparar pessoal qualificado para pesquisa e ensino, e também o treinamento
de brasileiros em cursos de mestrado e doutorado no exterior. Atualmente,
várias universidades, entidades de pesquisa e empresas privadas contribuem
para a formação de pessoal capacitado e o país conta com corpo técnico
razoavelmente numeroso e de boa qualidade.
O acervo da Embrapa, em suas várias áreas, incluindo gado de corte, é
formado por 2.000 animais em campos de pesquisa, 2.850 hectares de terra
e 12 laboratórios, que representam investimentos de 10 milhões de dólares
para sua montagem. Não é preciso dizer, porém, que o maior patrimônio da
Embrapa são os recursos humanos.
Ao comemorar os 37 anos de existência, a Embrapa apresentou
o Balanço Social 2009, defendendo que suas atividades deram
lucro social de R$ 18,84 bilhões, tendo em conta os resultados de
104 tecnologias e 140 cultivares desenvolvidas pela empresa e
seus parceiros e transferidas para a sociedade.
Hoje praticamente todos os pesquisadores da Embrapa têm mestrado ou
doutorado, e cerca de 70% das pesquisas públicas sobre gado de leite se
originam na estatal. A performance da Embrapa é comparada à de países
desenvolvidos, embora os investimentos brasileiros em pesquisa estejam
no nível de países do Terceiro Mundo. A instituição mantém acordos de
cooperação técnica com meia centena de países e com mais de 150 instituições
de pesquisa. O trabalho da Embrapa em relação ao melhoramento genético de
bovinos e de forrageiras fez com que o Brasil se tornasse referência para países
de clima tropical. Aqui os custos de produção são dos mais baixos do mundo.
Pesquisas feitas na Embrapa Gado de Leite,
em Coronel Pacheco, na Zona da Mata, foram
essenciais para a evolução do setor leiteiro no
país. Foto Ronaldo Guimarães
3 tecnologia e qualidade em construção
A Embrapa recuperou erosões nas colinas, ao associar capim braquiária com
leguminosas, em fileiras sucessivas, distantes dez metros uma da outra,
deixando entre elas o capim nativo que desapareceria completamente
depois de algum tempo. Esse processo foi acelerado pelos fazendeiros que
se apressaram a retirar o capim gordura com arados. O capim gordura era
bastante usado nas fazendas mineiras, porque transfere para o leite um sabor
136
muito apreciado, mas ele só garante boa lactação durante três meses por ano.
O capim faz a diferença
A introdução em Minas Gerais de sementes selecionadas de capim foi mais um marco
importante na pecuária leiteira. Antes, entraram no Brasil, por outros meios, vários tipos de
sementes africanas. Dias (2006) supõe que, na época da escravidão, navios negreiros tenham
transportado inadvertidamente sementes de capim-angola, marmelada, gordura e jaraguá,
presas em cabelos, roupas e colchões dos escravos. De fato, em 1829, o viajante alemão Carl von
Martius observou capim-angola em Salvador, na Bahia, e capim-de-guiné no Rio de Janeiro.
Em 1885, atuavam no Brasil empresas importadoras de sementes de capim e
leguminosas, como a grama-estrela e a alfafa, entre outras, trazidas da Guiana, Estados
Unidos, Austrália e Venezuela. Oficialmente, o brachiaria decumbens entrou no Brasil
em 1952, quando técnicos do Instituto de Pesquisa da Amazônia, em Belém, trouxeram
sementes da Colômbia, mas sua propagação pelo país ocorreu de fato após 1965.
Hoje, existem no Brasil cerca de 110 espécies de forrageiras. São aproximadamente 70
espécies de capins e 40 tipos de ervas leguminosas. O capim nativo havia perdido o vigor
natural tão admirado no passado pelos portugueses recém-chegados ao país, mas o plantio
das sementes importadas era caro e difícil, como se verifica no Manual Prático de Criação de
Gado Bovino no Brasil, escrito em 1918, em Castro, no Paraná, por Fernand Ruffier.
Campo de capim. RF/SXC
Renovação
de pastagem
Em 1977, a Embrapa Gado de Leite se tornou a primeira empresa do mundo
a cultivar napiê para formação de pastagens. Atualmente, o napiê é muito
usado como pasto de reserva para alimentação verde e para silagem.
Esse capim alcança até cinco metros de altura — daí o apelido de capim
elefante. É muito nutritivo e se adapta bem a qualquer tipo de clima.
Cinco anos depois, a Embrapa começou a divulgar as vantagens de
rotação de pastagem com naipê. Na época, a bibliografia mundial ainda
se restringia às forragens cortadas. No ano seguinte, a Embrapa lançou
campanha nacional, com apoio da Petrobras, defendendo a adoção da cana
misturada com ureia para alimentação do gado bovino.
Paulo Martins afirma que o que mais diferencia o Brasil, em termos de pecuária de
leite, é o capim. “O capim que existe na África, naturalmente, nós o transformamos em
algo produtivo. Fizemos seleção genética com os capins e hoje temos uma produção
altamente qualificada. E estamos exportando. Existem empresas brasileiras que estão
vendendo sementes para a África.”
Os adubos minerais não eram produzidos no Brasil e só foram importados a
partir do fim do século XIX, mas seu uso se intensificou em meados da década
de 1920. Os precursores foram os produtores de café e algodão de Campinas. Esse
município paulista contava com polo agroindustrial importante e desenvolveu
bacia leiteira equiparada à de poucos países. Foi ali que se iniciou a produção no
Brasil do leite tipo A e B.
3 tecnologia e qualidade em construção
138
1
No Brasil, estudos sobre agricultura eram feitos nas academias desde o século XVIII,
mas, em meados do século XIX, o imperador Dom Pedro II estabeleceu uma política para
modernização do setor no país, preocupado com o atraso tecnológico visto nas diferentes
regiões. Foram criados então vários institutos imperiais agrícolas, como os de Pernambuco
(1859), Sergipe (1860), do Rio de Janeiro (1860) e do Rio Grande do Sul (1861).
O aprendizado nas escolas
Os institutos imperiais tinha m a missão de criar escolas
agrícolas, estudar as causas d a decadência da agricultura
brasileira, introduzir máqui nas e equipamentos na
realidade dos agricultores.
Um dos marcos dessa política foi o Imperial Instituto Bahiano de Agricultura (que
Até 1929, foram criadas 20 escolas de agricultura e veterinária
ciências agrárias do Brasil), criado em 1859, e a assemelhada Imperial Estação Agronômica
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), de 2008,
Tecnologia dos Agronegócios), em 1887.
engenharia florestal e silvicultura, 24 de engenharia agrícola
precedeu a Imperial Escola Agrícola da Bahia, responsável pelo primeiro curso superior de
no país. Quase 80 anos depois, o último censo do Instituto
de Campinas (hoje Instituto Agronômico de Campinas, órgão da Agência Paulista de
registrou 200 cursos de Agronomia, 156 de veterinária, 48 de
e 95 de zootecnia.
Outro curso importante surgiu em 1891, na Escola Superior de Agricultura Eliseu
Maciel, em Pelotas (RS). Em Minas Gerais, o primeiro curso data de 1908, na Escola
Agrícola de Lavras (hoje Universidade Federal de Lavras), criado nesse município
do Sul de Minas Gerais por uma instituição religiosa presbiteriana, o Instituto
Gammon. A UFLA ocupa área de mais de 600 hectares, sendo cerca de 160 mil
metros quadrados de área construída, e dedica-se ao ensino, à pesquisa e à extensão.
1. Ruínas do antigo prédio do Imperial Instituto Bahiano,
antes um mosteiro. Instalado na localidade de São
Bento das Lages (Recôncavo), foi criado no século XIX,
por Dom Pedro II. Foto Eugênio Junqueira Ayres
2 e 3. Os institutos imperiais tiveram grande importância
na estrutura acadêmica brasileira e muitos, como o de
Campinas, se transformaram em entidade de grande
valor para pesquisa agrícola. Arquivo Histórico IAC
Continua na página 144
2
3
3 tecnologia e qualidade em construção
Universidade Federal de Viçosa
141
A Universidade Federal de Viçosa
(UFV), na cidade de mesmo nome,
na Zona da Mata, foi criada em
1922, como Escola Superior de
Agricultura e Veterinária, mas
começou a funcionar apenas cinco
anos depois. Em 1948, seu nome foi
mudado para Universidade Rural
do Estado de Minas Gerais e, em
1969, se tornou instituição federal.
1
Em 1955, a Escola Média de Agricultura de
Florestal, localizada a 70 quilômetros da capital
mineira e dedicada ao ensino técnico, foi
encampada pela UFV, funcionando como um
segundo campus. O terceiro foi implantado em
2006, em Rio Parnaíba, no Alto Paranaíba.
Difundindo saber
Foi o presidente de Minas Gerais Arthur Bernardes,
nascido em Viçosa, em 1875, quem decidiu criar a escola
Na década de 1960, a UFV iniciou programas de formação
que se tornou referência nas pesquisas agrícolas para
de pessoas em cursos de pós-graduação, lançando bases
o país. Em 1995, a UFV comprou a casa do político,
sólidas para a pesquisa em bovinocultura de leite. Nos anos
tombada pelo Instituto Estadual de Patrimônio
70, a Embrapa contratou centenas de jovens universitários,
Histórico e Artístico, e hoje o espaço abriga um museu e
inclusive de Viçosa, e os encaminhou ao exterior para se
eventos artísticos e culturais.
tornarem PhDs.
Para dirigir a escola, foi contratado o professor Peter
Os resultados começaram a surgir na década seguinte, quando
Henry Rolfs, que nos cinco anos anteriores dirigira o
os pesquisadores voltaram ao Brasil e começaram a adaptar
Florida Agricultural College, da University of Florida.
tecnologias desenvolvidas em outros países para a realidade
Rolfs chegou à cidade em 1921, disposto a aplicar
brasileira. Essa movimentação foi muito importante após
métodos americanos de ensino em ciências agrárias.
1991. Se o governo não tivesse se antecipado, gerando oferta de
Contratou professores de várias partes do mundo e de
diversos estados brasileiros.
serviços antes de haver demanda dos produtores, o país seria
2
hoje um dos maiores importadores de leite do mundo.
1. O então presidente de Minas Gerais, Arthur Bernardes, foi
quem criou a escola que se tornaria a Universidade Federal de
Viçosa. Na antiga e suntuosa casa do político, naquela cidade,
funciona hoje um museu pertencente a UFV. Wikimedia
2.Arthur Bernardes. Wikimedia
A Usina Piloto de Laticínios
da UFV foi fundada
em julho de 1971, pelo
professor dinamarquês Beck
Anderson, com o objetivo de
apoiar as aulas práticas do
Departamento de Tecnologia
de Alimentos. Fabricados
artesanalmente, os produtos
tiveram grande aceitação
entre consumidores, o que
obrigou a universidade
a criar estrutura
administrativa e industrial
para o laticínio.
1
Doces prêmios
3 tecnologia e qualidade em construção
Da produção artesanal à
industrializada
143
O Doce de Leite Viçosa conquistou, por
quatro vezes, o prêmio de melhor do Brasil,
no Concurso Nacional de Produtos Lácteos,
promovido pelo Instituto de Laticínios
Cândido Tostes.
Desde que começou a participar
do concurso, em 2000, o principal
produto do laticínio da Funarbe tem
sido destacado entre os três primeiros,
tornando-se o doce de leite mais
premiado nas 36 edições do evento, até
2009. Em 2006, o Requeijão Viçosa
ganhou o título de melhor do Brasil nesse
No começo, a UFV assinou contrato
com a CCPL, que passou a gerenciar
concurso, depois de subir ao pódio por
4
a usina; depois, foi a vez da Funarbe
três vezes em outras posições.
(Fundação Arthur Bernardes),
ligada à universidade, que adotou a
marca Viçosa para os produtos em
1992. O laticínio processa cerca de
13 mil litros por dia, produzindo
leite pasteurizado C e B, iogurtes,
requeijão, manteiga e doces de leite
2
puro e com chocolate e queijo.
3
1 e 2. A usina piloto de laticínios da UFV foi em
grande parte responsável pelo amadurecimento
do setor na instituição. Arquivo Funarbe
3 e 4. Linha de produtos Viçosa, entre eles o
premiado Doce de Leite. Arquivo Funarbe
Continuação da página 139
Espaço para as
estatais e entidades
As iniciativas governamentais na área de
pesquisa e ensino indicam que se sabia da
importância da agropecuária para a economia
brasileira. Contudo, o governo demorou a criar um
serviço público de extensão rural, algo que existia
nos Estados Unidos desde a década de 1880.
Naquele país, os resultados das pesquisas feitas em centros de
experimentação e em colégios agrícolas eram divulgados pelo
Extention Service, com demonstrações realizadas diretamente nas
fazendas. Em certas datas, reuniam-se, numa fazenda, produtores
rurais da vizinhança, para aprender a “fazer fazendo”.
No Brasil, esse serviço começou em 1948, em Minas Gerais, com
a criação da Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar), que
em 1976 passou a se chamar Emater-MG (Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais).
1. Carta sindical de criação da Faemg. Arquivo Faemg
O exemplo
em Minas Gerais
Os bons resultados obtidos pela Acar levaram o governo federal a criar, em
1956, a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar). Com
sede no Rio de Janeiro, a entidade também ganhou novo nome em 1974,
passando a se chamar Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão
Rural (Embrater), que durou até 1991, quando foi extinta pelo governo do expresidente Fernando Collor.
1
O Sistema Brasileiro Descentralizado de Assistência Técnica e
Expansão Rural (Sibrater) foi criado em substituição à Embrater,
ainda no começo da década de 1990, e atualmente é coordenado
pela Embrapa. Tem entre seus objetivos a transferência de
tecnologia e a articulação entre as instituições geradoras de
tecnologia e as transferidoras.
A Emater-MG, porém, continuou existindo e, em 2009, contava com 2.700
funcionários, espalhados em escritórios em 805 municípios do estado.
Ainda assim, para suprir as deficiências da estatal, cooperativas passaram a
oferecer serviços de assistência técnica aos associados.
Com o tempo, também sindicatos e federações mantidos por produtores rurais se
tornaram atuantes em extensão rural. Em 1951, surgiu a Faemg, que hoje reúne quase
400 sindicatos, que congregam mais de 400 mil pequenos, médios e grandes produtores.
A entidade integra o Sistema Sindical Patronal Rural, liderado pela Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
A Faemg oferece aos sindicatos e produtores filiados diversos serviços nas áreas
jurídica, econômica, sindical, contábil e ambiental. Seu trabalho é subsidiado por
comissões técnicas, formadas por produtores representativos de cada setor.
3 tecnologia e qualidade em construção
1
Instituto
Cândido Tostes
146
A primeira instituição especializada no ensino de
laticínios da América do Sul foi criada oficialmente
em 1935, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Seu nome
homenageia o maior produtor mineiro de café no
começo do século XX, Cândido Teixeira Tostes.
Ao lado do esforço governamental e de entidades ligadas aos produtores
na área de extensão rural, a iniciativa privada teve papel importante na
evolução da produção de leite no país.
Empresas à frente
2
Nascido em 1842 e morto em 1927, Cândido Tostes era
formado em Direito, mas se tornou um grande fazendeiro
e diretor do Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Ele
A maior indústria multinacional de laticínios no Brasil criou, em 1952,
o programa Assistência Nestlé aos Produtores de Leite (ANPL). Seus
fornecedores passaram a contar com a ajuda de técnicos especializados
em todos os aspectos da produção, sem ônus. A empresa, além de
receber produto de melhor qualidade, era contemplada com vantagens
tributárias para manter esse serviço.
Em um cenário mais recente, grandes cooperativas têm trabalhado
para que seus fornecedores aumentem a produtividade e melhorem
a qualidade do leite. Em 1992, a Itambé, por exemplo, lançou
morava no Solar dos Tostes, na Fazenda São Mateus, para
onde foi transferida, em maio de 1935, a sede do governo
de Minas, para que Benedito Valadares assinasse o
Decreto nº 50, que criou a Escola de Indústrias Agrícolas
3
Cândido Tostes.
Na Fazenda da Tapera, lugar bastante ermo, onde havia apenas um
batalhão da Polícia Militar e um presídio de segurança máxima em
construção — cujo projeto foi adaptado para receber a Fábrica-Escola
pioneiramente o programa de pagamento de leite por qualidade e
volume, que envolvia a definição de parâmetros de qualidade e a
de Laticínios Cândido Tostes, inaugurada em setembro de 1940 —, foi
instalada a instituição de ensino.
premiação de produtores pelos resultados.
A Itambé apoia o melhoramento genético do rebanho dos fornecedores de
leite. Periodicamente, promove entre os associados leilões de reprodutores
de alta qualidade genética das raças Holandesa, Jersey, Girolando e Gir.
Continua na página 154
1. Foto Elias Kfouri
2. Cândido Tostes foi um importante plantador de café em
Minas Gerais. Foto Ronaldo Guimarães
3. O Instituto Cândido Tostes é um patrimônio da história
dos laticínios mineiros. Por ele, passaram centenas de
pesquisadores que contribuíram para a pesquisa nacional.
Foto Ronaldo Guimarães
O método de atuação do instituto, que se baseia no
modelo de ensino-pesquisa-extensão, se antecipou
à atual concepção social de educação, que propõe a
vinculação da escola ao mundo do trabalho.
Quatro dos primeiros professores vieram da
Dinamarca, durante a construção da escola, para
instalar os equipamentos industriais, laboratórios
e demais instalações. Ela foi instituída nos moldes
da escola profissionalizante em laticínios da cidade
dinamarquesa de Dalun.
Ensinar inovando
3 tecnologia e qualidade em construção
2
149
Em 2009 foi lançado o curso de pós-graduação em Ciência e
Tecnologia do Leite e Derivados, com dez vagas a cada ano.
É pioneiro no Brasil em mestrado profissional na cadeia
produtiva do leite. A Universidade Federal de Juiz de Fora e a
Embrapa Gado de Leite são parceiras nesse curso.
O leite como prioridade
Foi no Cândido Tostes que surgiu o Queijo Minas
padrão, além de adaptações para a fabricação
de queijos gorgonzola (Queijo Azul de Minas),
Em setembro de 1956, a Lei 1.476 mudou o nome
Camembert, Saint Paulin, Morbier, entre outros; e
da escola para Instituto de Laticínios Cândido
de queijos de leite de cabra, como o chabichou. Ali é
Tostes, integrado à estrutura da Secretaria de
desenvolvida também a tecnologia de fabricação do
Estado da Agricultura. Em 1974, com a criação
leite de cabra em pó.
da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária
1
de Minas Gerais), ele passou a fazer parte da
nova estatal, institucionalizando sua atividade
de pesquisa.
A Cândido Tostes se tornou uma enorme referência em ensino, pesquisa e
difusão de tecnologia em leite e derivados, no setor laticinista nacional e até
fora do Brasil. Há ex-alunos trabalhando em 40 países e em todos os estados
3
brasileiros. Não existe um laticínio grande ou médio no Brasil que não tenha
uma pessoa formada no Instituto Cândido Tostes.
4
3. Os alunos da Fábrica-Escola de Laticínios Cândido Tostes
1. Antigos produtos do ILCT. Arquivo Cândido Tostes
2. Alunos e professores do ILCT, nas primeiras décadas de
funcionamento da instituição. Arquivo Cândido Tostes
aplicavam nos laboratórios as teorias aprendidas em sala
de aula. Arquivo Cândido Tostes
4. Ao longo dos tempos, a produção de queijo evoluiu muito
e a variedade atraiu apreciadores nos quatro cantos do
mundo. Wikimedia
Numa sala do instituto passou a
funcionar, a partir de 1976, o Centro de
Organização e Assistência Laticinista
Ltda. (Coal), fundado pela primeira
laticinista brasileira, Pautilha
Guimarães de Carvalho, que vive em
Juiz de Fora.
A primeira laticinista do país
O Coal assessorou a construção de uma centena de
fábricas de queijo em todo o Brasil. Aos 80 anos,
Pautilha ainda viajava pelo país, dando assessoria
na montagem de novos laticínios.
3 tecnologia e qualidade em construção
2
1
151
Alguns espinhos
O instituto também enfrentou graves problemas em 1987,
e quase teve seus equipamentos vendidos em leilão, por
decisão judicial. No final da década de 1990, só restavam cinco
pesquisadores no Cândido Tostes. Vários pediram demissão ou
se aposentaram, mas em 2005 foi aberto concurso e o quadro
técnico foi se recuperando.
Nascida na Fazenda Estrela do Norte, em Bocaina de Minas, na Zona da Mata,
A equipe ainda está em formação, com a maioria fazendo
ela estudou química no Rio de Janeiro. Em 1948, fez o curso de especialização em
cursos de mestrado ou doutorado. Todos os pesquisadores
laticínios do Cândido Tostes e se tornou gerente do laticínio do pai, o Estrela do
também dão aulas no Cândido Tostes. O instituto faz pesquisa
Norte. Na década de 1950, Pautilha foi cursar doutorado nos Estados Unidos, um
aplicada, demandada por outras instituições ou empresas de
feito raro entre as mulheres naqueles anos.
laticínios que precisam resolver algum problema específico em
equipamentos ou na fabricação de queijos.
Como técnica especialista em laticínios do Escritório Técnico
de Agricultura Brasil-Estados Unidos (ETA), criado pela
Aliança para o Progresso (Usaid), ela percorreu o Brasil,
avaliando as condições para instalação de novos laticínios e
treinando extensionistas para assessorar pequenos produtores
de queijo na zona rural.
1. Pautilha Guimarães de Carvalho
primeira laticinista brasileira. Epamig
2. Alunos fabricando queijos no
ILCT. Arquivo Cândido Tostes
3 tecnologia e qualidade em construção
Tradição nas letras e em eventos
Em meados de 2010, eram realizados 38
projetos de pesquisas financiados por
órgãos de fomento, num total de cerca
de R$ 1,4 milhão. A revista do instituto,
que começou a ser publicada em 1946,
é veiculada a cada três meses, sem
interrupção há mais de 60 anos; o Cândido
Tostes já publicou mais de 50 livros.
1
153
3
A Semana do Laticinista foi realizada pela primeira vez em julho de 1950
e deu origem ao Congresso Nacional de Laticínios, considerado marco na
história do agronegócio do leite no Brasil e referência na América Latina.
4
É um fórum privilegiado para apresentação de
pesquisas e debates, que recebe participantes
A máquina em funcionamento
de vários países do mundo. Ao mesmo tempo,
são realizadas a Exposição de Máquinas,
Equipamentos, Embalagens e Insumos para
Laticínios, a Exposição de Produtos Lácteos e o
Concurso Nacional de Produtos Lácteos.
Em 2011 o Cândido Tostes deverá processar em seus laboratórios cerca
de 8.000 litros de leite por dia, em modernos laboratórios que foram
reformados e ampliados no final da década — juntamente com outras
unidades da instituição —, tornando-se não o maior, mas certamente o
mais moderno laticínio mineiro.
2
1. O evento, idealizado por um grupo de técnicos e
professores do ICT, conquistou reconhecimento junto
à comunidade científica e atualmente é considerado
um marco no agronegócio do leite no Brasil. Arquivo
Congresso Nacional de Laticínios/ Fernando Priamo
2. Degustação dos queijos durante edição de 2010 do
Concurso Nacional de Produtos Lácteos. Epamig/
Fernando Priamo
3 e 4. Equipamentos dos laboratórios
modernizados do ILCT. Foto Ronaldo Guimarães
3 tecnologia e qualidade em construção
Continuação da página 146
Relatório do Sebrae e da Faemg, publicado em 2006, sobre a pecuária leiteira no estado
mostra que os problemas estruturais encontrados são muitos: 35% dos rebanhos são
constituídos por vacas, e somente 23,7% delas produziam leite, enquanto 28,4% são
155
machos destinados à venda como animais de corte ou para reprodução.
Passado rico e
futuro próspero
O chamado rebanho leiteiro é muito grande para uma produção
pequena. A lotação média de 1,24 cabeça por hectare exige áreas e
investimentos grandes em infraestrutura. As fazendas com produção
acima de 500 litros por dia mantêm mais de três animais improdutivos
para cada vaca que produz leite durante o ano.
É inegável o avanço e o sucesso d a pecuária de
leite nos últimos anos no Brasil e, em especial,
em Minas Gerais.
Mas os mesmos números que identificam os esforços, a evolução e a
performance vencedora de toda a cadeia produtiva no estado comprovam
também que há ainda muito a realizar.
Comprovam ainda que, quando coletivos, os esforços constroem
uma realidade mais próspera e incentivadora de boas práticas
na produção, na organização e na administração dos negócios, e
também consolidam as bases necessárias aos avanços científicos
e tecnológicos capazes de brindar consumidores com uma
variedade formidável de produtos de qualidade inquestionável.
A evolução do rebanho nacional preconiza um cenário
próspero para a pecuária leiteira. Foto Ronaldo Guimarães
Pintura “Duas Vacas” de Alexandre Default. Masp
Pr ojetos Educampo e Balde Cheio
4
De mãos dadas
4 de mãos dadas — projeto educampo
158
Com foco no desenvolvimento de pessoas e na administração da propriedade rural,
vem-se consolidando no país um novo modelo de extensão rural, o projeto Educampo.
Lançado em 1997 pelo Sebrae-MG, para a cadeia produtiva do leite, o projeto obteve
grande visibilidade no meio e resultados muito positivos, estendendo-se, então, ao
café, cana-de-açúcar e fruticultura.
Novas lições no campo
O Educampo, t al como existe em Minas Gerais,
foi um marco n a história do leite, um salto
enorme, tanto que outros seguiram, país afora,
esse caminho aberto pelo Sebrae-MG.
A entidade ousou sair da trilha assistência técnica tradicional
ao produtor rural e descobriu novos caminhos que levam a
resultados mais duradouros para toda a cadeia produtiva do leite.
Por meio do projeto, o Sebrae-MG viabiliza consultoria
gerencial e técnica ao produtor de leite, para que ele modernize
processos de produção agropecuária e se integre ao complexo
agroindustrial. O Educampo difunde inovações, de modo a elevar
a produtividade e o lucro das propriedades participantes, além de
torná-las referência para outros produtores, estimulando o senso
cooperativo, com atividades em grupo.
O Educampo proporciona aos produtores
técnicas de gestão que transformam as
propriedades. Foto Ronaldo Guimarães
4 de mãos dadas — projeto educampo
3
1
2
160
Empresas agroindustriais são parceiras do Educampo. Elas apostam no
projeto como forma de receberem retorno imediato no próprio processo
Parceria com a
agroindústria
O modelo adotado é o de consultoria gerencial e técnica intensiva, para grupos de
produtores da mesma atividade econômica, vinculados a uma agroindústria. Ele
procura agregar a gestão de negócio ao conceito da assistência técnica tradicional,
em propriedades onde os administradores demonstrem, antes de tudo, vontade de
fazer melhor e diferente. O foco está, fundamentalmente, no controle dos custos e
no acompanhamento dos resultados.
produtivo, já que passam a trabalhar com matéria-prima mais adequada
às necessidades do mercado, em quantidade e qualidade. Além disso, ao
se aproximarem dos fornecedores, as empresas ganham no processo de
planejamento, reduzindo as incertezas em torno do negócio. O presidente
do Sebrae-MG, Roberto Simões, acredita que o sucesso do Educampo está em
seu formato, por apostar, ao longo dos anos, que o atendimento a programas
coletivos oferece mais resultados do que o individual.
Até julho de 2010, o Sebrae-MG realizou 59 projetos, compreendendo 942 fazendas,
localizadas em 194 municípios, que somam 4% da produção de leite de vaca em
Minas Gerais. Foram formados 58 grupos, com os parceiros Itambé, Danone, Embaré,
Coopa (Cooperativa Agropecuária de Patrocínio Ltda.), Coolvam (Cooperativa de
Laticínios do Vale do Mucuri), Nestlé, Copervale (Cooperativa de Produtores de
Leite de Uberaba), Tirolez, Laticínio Santo Antônio (Yema), Agroverde (Cooperativa
Agropecuária Vale do Rio Verde), Laticínios Bom Gosto, BR Foods, Copril (Cooperativa
dos Produtores Rurais de Itambacuri Ltda.), Cooproleite (Cooperativa de Produtores
de Leite da Bacia do Rio Paranaíba Ltda.), Cooperonça (Cooperativa dos Empresários
1 e 2. A Cooperativa de Produtores de Leite de Uberaba
(Copervale) é um dos parceiros do Educampo na
região do Triângulo. Arquivo Copervale
3. O leite sendo reservado para a adição de fermentos
e coalho. Arquivo Tirolez
Rurais de Onça do Pitangui) e Cooperman-Terra Boa.
4 de mãos dadas — projeto educampo
163
O Sebrae-MG é responsável p ela sensibilização,
implementação e coordenaçã o geral do projeto, capacitando
e atualizando os consultores de campo e gerenciando seus
resultados para os participa ntes.
O funcionamento do projeto parte de uma estrutura simples. Por meio de um
coordenador técnico, o Sebrae-MG avalia a aplicação da metodologia e seus resultados
sistematicamente. Consultores técnicos de campo, treinados pelo Sebrae-MG e
contratados pelas propriedades e pelas agroindústrias, atuam diretamente junto
aos produtores, transferindo conhecimento sobre gestão do negócio e tecnologias
adequadas à empresa rural.
Para o Educampo não importa o tamanho da
propriedade e sim o comprometimento dos
produtores. Foto Ronaldo Guimarães
4 de mãos dadas — projeto educampo
Empreendedores
nas fazendas
164
Dinâmico, o Educampo se adapta às características dos grupos e
das cadeias produtivas e está em constante evolução. Os resultados
alcançam segmentos da cadeia produtiva na qual o produtor está
inserido, antes e depois da porteira da fazenda.
Para participar do Educampo, é i mportante que o
produtor tenha perfil empreend edor e disposição para
aprender e adotar as orientações sobre as melhores
técnicas de produção e de control e gerencial.
Ao contratar os serviços de consultoria, os produtores constroem um plano de trabalho,
que conta com a participação também dos parceiros do projeto e atende às prioridades
de cada grupo de produtores, identificados por diagnósticos individuais. O Educampo
se pauta ainda pelo cumprimento de metas, estabelecidas de acordo com a capacidade
de investimento e com as características produtivas de cada propriedade.
Os resultados de rentabilidade e lucratividade alcançados no negócio
são monitorados pela Central de Processamento de Dados do Educampo
(CPDE) e pelos consultores que atendem diretamente aos produtores. Para
tanto, contam com apoio de um software do Sebrae-MG desenvolvido
exclusivamente para avaliar e controlar os custos nas empresas rurais
participantes do Educampo. Essa tecnologia de informação faz parte do dia
a dia dos produtores e consultores de campo.
Educampo. Foto Ronaldo Guimarães
fazendas que são tratadas como únicas. O produtor aumenta sua renda e recupera,
especialmente, a dignidade como trabalhador do campo, gerador de desenvolvimento
e empregos para o país. Em parte, o programa Balde Cheio pode ser assim definido.
Tecnicamente, entretanto, se caracteriza por um trabalho exaustivo, apoiado na
transferência de tecnologia aos técnicos extensionistas, de entidades públicas ou
privadas, responsáveis por levarem às pequenas propriedades o conhecimento necessário
a uma produção de leite intensiva e sustentável.
Transferir tecnologia é o princípio
O Balde Cheio foi criado, em 1998, pela Embrapa Pecuária Sudeste, sediada em São
Carlos (SP), em parceria com a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati),
órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Teve
vários nomes até ser, como hoje, um programa nacional, presente em 23 estados.
Produtores de Carmo do Cajuru são atendidos
pelo projeto Balde Cheio. Foto Xará
4 de mãos dadas — projeto balde cheio
Os resultados mostram uma produção que pode sair de 20 para 200 litros por dia, em
167
apoiadores do projeto, do qual participam 1.200 produtores. A metodologia se
baseia na escolha de uma propriedade de pequeno porte e de base familiar, cuja
principal atividade é a produção leiteira, que serve de exemplo no município
para as demais que se interessam pelo projeto.
O autor do projeto, professor Arthur Chinelato de Camargo, desenvolveu a ideia
motivado pelo questionamento de produtores que queriam saber como poderiam
realmente transformar suas propriedades leiteiras em negócios rentáveis, adotando
técnicas e tecnologia difundidas nas palestras proferidas pelo próprio Chinelato.
O espelho como
ponto de partida
O presidente das Comissões de Pecuária de Leite da Faemg e da CNA,
Rodrigo Alvim, acompanhou de perto o processo de desenvolvimento do
Balde Cheio e lembra que, só em Minas Gerais, foram realizados entre
1997 e 1999, 56 encontros regionais, reunindo 22 mil produtores, em 56
lugares diferentes.
A essência do Balde Cheio é a transferência de
conhecimento, estimulada pelo convívio de donos
de diferentes propriedades. Foto Xará
A propriedade é acompanhada pelo
especialista técnico do projeto no
estado e pelo técnico extensionista
contratado, a partir de um questionário
sobre o sistema de produção, aspectos
da situação socioeconômica da família
e questões sobre o ambiente.
O produtor, que cumpre tarefas e orientações que norteiam o
projeto, recebe em sua fazenda (identificada como uma Unidade
de Demonstração) a visita do extensionista, pelo menos uma vez
por mês, e do especialista técnico do Balde Cheio a cada quatro
meses, durante quatro anos.
Ao integrar o projeto, o produtor admite que sua propriedade
será exemplo para outras na região e, portanto, se compromete
a incentivar a presença de outros produtores no local durante as
reuniões técnicas, como forma de repassar o aprendizado.
4 de mãos dadas — projeto balde cheio
No estado, a Faemg e o Serviço Nacional de Aprendizagem (Senar) Minas são os
169
4 de mãos dadas — projeto balde cheio
2
3
171
1
Ao apresentar tecnologias de baixo custo, pelas quais os produtores podem
realmente pagar, aplicando em suas pequenas fazendas ou sítios, o Balde Cheio
envolve o produtor de uma maneira diferente. Ribeiro se lembra de um produtor
do Vale do Jequitinhonha que, ao receber o técnico do projeto, foi logo avisando
que não teria condições de adubar a pastagem, uma das orientações técnicas.
Baixo custo e
grandes resultados
Em Minas Gerais, o coordenador do programa, contratado pela Faemg, é o engenheiro
agrônomo Walter Miguel Ribeiro, um discípulo de Chinelato. Ele explica que o trabalho
começa pela recuperação da auto-estima dos produtores, que geralmente é muito
baixa pelos inúmeros problemas enfrentados na atividade.
Mas o mesmo produtor acabou se convencendo de que poderia passar seis meses
limpando curral de vizinhos a troco do esterco e, com isso, criar condições para
adubar meio hectare de pastagem com cinco quilos de esterco de curral por
metro quadrado, para substituir toda a adubação inicial de correção da área. O
importante é que a área serviu para que o produtor aprendesse como manejar sua
pastagem, enfrentando os problemas financeiros de uma outra maneira.
Os conceitos do Balde Cheio são os mesmos, mas o técnico precisa encarar cada
propriedade como se fosse única, levando tecnologias aplicáveis de acordo
com a condição financeira do proprietário. “Se o dono de pequena propriedade
consegue bons resultados com pouco dinheiro, passa a servir de exemplo a
outros, bem mais do que aqueles que investiram muito dinheiro para tornar
uma grande fazenda mais produtiva”, ressalta o coordenador em Minas Gerais.
1 e 2. O Balde Cheio cativa os produtores,
discutindo com eles tecnologias de baixo
custo e viáveis nas propriedades. Foto Xará
3. Foto Ronaldo Guimarães
4 de mãos dadas — projeto balde cheio
173
O desafio de todos os participantes do projeto é fazer com que
diferentes propriedades se sintam motivadas a aderir ao Balde
Cheio a partir dos exemplos de resultados positivos.
O programa começou em Minas Gerais em maio de 2007. Três anos depois,
está presente em 132 municípios, em todas as regiões, com a participação de
150 técnicos — engenheiros agrônomos, veterinários, zootecnistas e técnicos
agrícolas —, cedidos pela entidade que for parceira no município.
São normalmente sindicatos rurais, cooperativas, laticínios, prefeituras e
Ribeiro conta que, em Inhapim, na Região do Rio Doce passou
praticamente um ano treinando o técnico, para que ele atendesse
inicialmente a apenas uma propriedade.
associações de produtores. As entidades disponibilizam o profissional para
Quando esta começou a mostrar resultados, no entanto, outros produtores se
município interessados em aderir ao projeto.
técnicos contratados pela prefeitura. Esse é apenas um dos muitos exemplos que
que ele faça parte do treinamento e possa atender aqueles produtores do
As propriedades rurais ainda sofrem muito com
assistência técnica deficiente e por isso valorizam
projetos como o Balde Cheio. Foto Xará
interessaram e, ao fim de três anos, o Balde Cheio atendia 57 produtores com dois
o projeto coleciona em Minas Gerais.
referências
Ronaldo Guimarães
175
BAER, Werner. A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico do Brasil. 3ª
edição. Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1977.
BICALHO, Renata de Almeida; MACHADO, Márcia Cristina da Silva; PAÇOCUNHA, Elcemir. Estudo das Relações Laticínios-Pequenos Produtores na Região
de Juiz de Fora. Apresentado no XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de
Economia, Administração e Sociologia Rural. 2008.
referências
BOLETIM DA COMISSÃO EXECUTIVA DO LEITE. Ano IV, nº 44, agosto de 1945
BOLETIM DA COMISSÃO EXECUTIVA DO LEITE. Ano IV, nº 47, novembro de 1945.
CANAL RURAL. “Criadores — Flávio Guarani, o guardião do ouro branco”.
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ABS Pecplan (Delta/MG)
Agência Brasil (DF)
Arquivo Pessoal Luíza
Carvalhaes Albuquerque
Arquivo Pessoal
Pedro Henrique Gomes
acervos fotográficos
Arquivo Pessoal
Victor Kingma
Arquivo Pessoal
José Dimas Teixeira
Arquivo Público
de Belo Horizonte (MG)
Arquivo Público
de Minas Gerais
Arquivo Público
de Santos Dumont (MG)
Arquivo Público
do Distrito Federal
Arquivo Secretaria de Turismo
do Estado de Minas Gerais
Ronaldo Guimarães
Arquivo SuperAgro
Associação Brasileira
de Criadores de Zebu
(Uberaba/MG)
Biblioteca do Instituto
de Laticínios Cândido Tostes
(Juiz de Fora/MG)
Biblioteca Nacional (RJ)
Centro de Memória da Federação
das Indústrias de Minas Gerais
Laticínios Aviação
(São Sebastião do Paraíso/MG)
Centro de Memória Unilever (SP)
MB Laticínios
(Lima Duarte/MG)
Chocolates Cailler (Suíça)
Chocolates Tobler
Museu Palácio Pitti
(Florença/Itália)
Companhia Brasileira de Trens
Urbanos (DF)
Museu Abílio Barreto
(BH/MG)
Cooperativa Agropecuária
de Araxá Ltda (MG)
Museu de Arte de São Paulo
Embaré (BH/MG)
Embrapa Cerrado
Embrapa Sudeste
Empresa de Assistência Técnica
e Extensão Rural do Estado
de Minas Gerais
Empresa de Pesquisa
Agropecuária de Minas Gerais
Museu de Artes e Ofícios
(BH/MG)
Museu de Cabangu
(Santos Dumont/MG)
Museu Mariano Procópio
(Juiz de Fora/MG)
Pinacoteca Benedicto Calixto
(São Vicente /SP)
Prefeitura de Alagoa (MG)
Fazenda Bela Vista (Itajubá/MG)
Prefeitura de Minduri (MG)
Federação da Agricultura
e Pecuária de Minas Gerais
Prefeitura de São Vicente (SP)
Fundação Getúlio Vargas (RJ)
Fundação João Pinheiro(MG)
Grupo Cabo Verde
(Passos/MG)
Instituto Agronômico
de Campinas (SP)
Câmara Municipal
de Santos Dumont (MG)
Instituto de Laticínios
Cândido Tostes
(Juiz de Fora/MG)
Carrier Commercial Refrigeration
Itambé/CCPR (BH/MG)
Revista Realidade Rural/
Acervo Itambé
Ribeiro Fonseca Laticínios
(Santos Dumont/MG)
Sebrae-MG
Sig Combibloc do Brasil
Tetra Pak
True Type/
Fazenda São João (MG)
Wikimedia
glossário de siglas
181
Ronaldo Guimarães
glossário de siglas
abcgil Associação Brasileira
dos Criadores de Gir Leiteiro
Faemg Federação de Agricultura
e Pecuária de Minas Gerais
abcz Associação Brasileira
de Criadores de Zebu
Fiemg Federação das Industrias
do Estado de Minas Gerais
Apex Agência Brasileira de Promoção
de Exportações e Investimentos
Finep Financiadora de Estudos e Projetos
(Ministério da Ciência e Tecnologia)
Asbia Associação Brasileira
de Inseminação Artificial
ibge Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística
ccl Cooperativa Central de
Laticínios do Estado de São Paulo
ilct Instituto de Laticínios
Cândido Tostes
ccpl Cooperativa Central
dos Produtores de Leite Ltda.
(Rio de Janeiro)
ima Instituto Mineiro
de Agropecuária
ccpr-Itambé Cooperativa Central dos
Produtores Rurais de Minas Gerais
cna Confederação da Agricultura
e Pecuária do Brasil
cnc Conselho Nacional de
Cooperativismo
in nº 51 Instrução Normativa nº 51
ocb Organização das
Cooperativas Brasileiras
Ocemg Organização das Cooperativas
do Estado de Minas Gerais
oms Organização Mundial da Saúde
cnpgl Centro Nacional de
Pesquisa de Gado de Leite
onu Organização das Nações Unidas
Coopersete Cooperativa Regional
de Produtores Rurais de Sete Lagoas
Pronaf Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar
cpac Centro de Pesquisa
Agropecuária dos Cerrados
Sebrae-mg Serviço Brasileiro de
Apoio às Micros e Pequenas Empresas
de Minas Gerais
Emater-mg Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural do Estado
de Minas Gerais
Embrapa Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária
Epamig-mg Empresa de Pesquisa
Agropecuária de Minas Gerais
pib Produto Interno Bruto
ufmg Universidade Federal
de Minas Gerais
ufla Universidade Federal de Lavras
ufv Universidade Federal de Viçosa
Sebrae-MG
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas de Minas Gerais
Presidente do Conselho Deliberativo
Roberto Simões
Diretor-superintendente
Afonso Maria Rocha
Diretor de Operações
Matheus Cotta de Carvalho
Diretor-técnico
Luiz Márcio Haddad P. Santos
Unidade de Agronegócios
Gerente
Priscilla Magalhães Gomes Lins
O Leite em Minas Gerais
2010 Sebrae-MG
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida — em
qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação, etc. — nem apropriado ou estocado em sistema de banco
de dados, sem prévia autorização, por escrito, do Sebrae-MG
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Castro, José de Souza
O leite em Minas Gerais / José de Souza Castro.
— Belo Horizonte: Medialuna Editora, 2010.
ISBN 978-85-63051-03-5
1. Agroindústrias — Minas Gerais (Estado)
2. Indústria leiteira — Minas Gerais (Estado)
3. Leite — Aspectos econômicos — Minas Gerais
(Estado) 4. Leite — Comercialização — Minas Gerais
(Estado) 5. Leite — Produção — Minas Gerais
(Estado) 6. Planejamento estratégico I. Título.
10-13186
CDD-338.47641371098151
Índices para catálogo sistemático:
1. Minas Gerais : Estado : Leite : Planejamento
e gestão estratégica : Economia
338.47641371098151
Equipe Técnica (Leite)
Franklin Ireno Aquino
Ricardo Augusto Boscaro
Rogério Nunes Fernandes
Assessoria de comunicação
Assessor
Lauro Diniz
Coordenação Editorial
Aline de Freitas
Faemg
Federação da Agricultura e Pecuária
do Estado de Minas Gerais
Presidente
Roberto Simões
Diretor-secretário
Marcos de Abreu e Silva
Diretor-tesoureiro
João Roberto Puliti
Produção Editorial
Consultoria Técnica da Edição
Medialuna Comunicação e Editora
Roselena Nicolau
Maria Carmen Lopes
Priscilla Magalhães Gomes Lins
Gerente de Agronegócios do Sebrae-MG
Assistente de Edição
Gabriela Carvalho
Texto
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Fotografia
Ronaldo Guimarães
Xará
Elias Kfoury
Gisele Fagundes
Jadir Bison
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Marcelo Prates
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Osvaldo Filho
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Revisão de Texto
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Projeto Gráfico
Assessoria Técnica
Guili Seara Design
Coordenador
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Direção de criação
Guili Seara
Equipe
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Yannick Falisse
Rodrigo Sant’Anna Alvim
Presidente da Comissão Nacional
do Leite da Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
Presidente da Comissão Técnica
do Leite da Faemg
Rodrigo França Padovani
Analista de Agronegócio da Assessoria
Técnica da Faemg

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