2012 nº 3 - Febrasgo
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2012 nº 3 - Febrasgo
ISSN 0100-7203 2012 Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia Março Março 2012 volume 34 nº 3 volume 34 número 3 p. 99 - 142 Publicação mensal ISSN 0100-7203 Órgão Oficial de Divulgação Científica da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Rev Bras Ginecol Obstet v. 34, n. 3, p. 99-142, mar. 2012 Publicação indexada na Base de Dados Lilacs e SciELO. Disponível eletronicamente no Scielo www.scielo.br/rbgo nas versões português e inglês Indexada na Base de Dados Medline Acesso eletrônico através da Scopus: www.scopus.com/scopus/home.url Editor Científico Jurandyr Moreira de Andrade (Ribeirão Preto/SP) Editores Associados Eliana Martorano Amaral (Campinas/SP) Geraldo Duarte (Ribeirão Preto/SP) João Luiz Pinto e Silva (Campinas/SP) José Maria Soares Junior (São Paulo/SP) Marilza Vieira Cunha Rudge (Botucatu/SP) Rosiane Mattar (São Paulo/SP) Rossana Pulcinelli Vieira Francisco (São Paulo/SP) Sophie Françoise Mauricette Derchain (Campinas/SP) Editor Executivo Daniel Guimarães Tiezzi (Ribeirão Preto/SP) Conselho Editorial Antonio Alberto Nogueira (Ribeirão Preto/SP) Antonio Jorge Salomão (São Paulo/SP) Carlos Augusto Alencar Jr. (Fortaleza/CE) Eddie Fernando Candido Murta (Uberaba/MG) Edmund Chada Baracat (São Paulo/SP) Francisco Mauad Filho (Ribeirão Preto/SP) Geraldo Duarte (Ribeirão Preto/SP) Gutemberg Leão de Almeida Filho (Rio de Janeiro/RJ) Haroldo Capurro Alzola (Montevideo, Uruguay) Iracema de Mattos Paranhos Calderon (Botucatu/SP) Ivo Behle (Porto Alegre/RS) Jesus de Paula Carvalho (São Paulo/SP) Jon Oyvind Odland (Tromso, Norway) José Carlos Peraçoli (Botucatu/SP) José Geraldo Lopes Ramos (Porto Alegre/RS) José Guilherme Cecatti (Campinas/SP) José Meirelles Filho (Cuiabá/MT) Joseph A.Spinnato, II (Cincinnati, Ohio) Krikor Boyaciyan (São Paulo/SP ) Luiz Carlos Zeferino (Campinas/SP) Luiz Gerk de Azevedo Quadros (São Paulo/SP) Luiz Henrique Gebrim (São Paulo/SP) Manoel J. B. Castello Girão (São Paulo/SP) Manuel de Jesus Simões (São Paulo/SP) Marair Gracio Ferreira Sartori (São Paulo/SP) Marcelo Zugaib (São Paulo/SP) Marcos Felipe Silva de Sá (Ribeirão Preto/SP) Maria de Lourdes Brizot (São Paulo/SP) Marilza Vieira Cunha Rudge (Botucatu/SP) Melania Maria Ramos de Amorim (Campina Grande/PB) Nilma Antas Neves (Salvador/BA) Paulo Traiman (Botucatu/SP) Ricardo Mello Marinho (Belo Horizonte/MG) Roseli Mieko Yamamoto Nomura (Santo André/SP) Ruffo de Freitas Júnior (Goiânia/GO) Rui Alberto Ferriani (Ribeirão Preto/SP) Sebastião Freitas de Medeiros (Cuiabá/MT) Selmo Geber (Belo Horizonte/MG) Sérgio Hofmeister de Almeida Martins Costa (Porto Alegre/RS) Sérgio Mancini Nicolau (São Paulo/SP) Técia Maria de Oliveira Maranhão (Natal/RN) Victor Hugo de Melo (Belo Horizonte/MG) Wagner José Gonçalves (São Paulo/SP) Wellington de Paula Martins (Ribeirão Preto/SP) Secretária Executiva Rosane Aparecida Cunha Casula Revisora de Referências Bibliográficas Maria Cristina Manduca Ferreira Órgão Oficial de Divulgação Científica da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia RBGO – Editoria Av. Bandeirantes, 3900 – 8º andar – Campus Universitário 14049-900 – Ribeirão Preto/SP Fone (16) 3602-2803 – FAX (16) 3633-0946 Expediente Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, ISSN 0100-7203, é uma publicação mensal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. A responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos é de inteira responsabilidade de seus autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, desde que mencionada a fonte. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Presidente Etelvino de Souza Trindade (DF) Diretora Administrativa Vera Lúcia Mota da Fonseca (RJ) Diretor Financeiro Francisco Eduardo Prota (SP) Diretor Científico Nilson Roberto de Melo (SP) Diretor de Defesa Profissional Hélcio Bertolozzi Soares (PR) Vice-presidente da região Norte Júlio Eduardo Gomes Pereira (AC) Vice-presidente da região Nordeste Olímpio Barbosa Moraes Filho (PE) Vice-presidente da região Centro-Oeste Paulo Roberto Dutra Leão (MT) Vice-presidente da região Sudeste Hugo Miyahira (RJ) Vice-presidente da região Sul Jorge Saab Neto (SC) Presidência e Secretaria Executiva Avenida das Américas, 8445 – sala 711 Barra da Tijuca – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22793-081 Tel.: (21) 2487-6336 – Fax: (21) 2429-5133 www.febrasgo.org.br [email protected] [email protected] RBGO é uma revista mensal com entrega automática para os sócios da FEBRASGO. Remessa com devolução garantida em caso de erro postal. Assinaturas para pessoas jurídicas pelo fax (21) 2429-5133 Tiragem: 18.000 exemplares Os pedidos de separatas devem ser feitos pelo telefone: 0800 77 23023. As separatas reproduzirão fielmente o texto publicado, não podendo ser feitos acréscimos ou exclusões no mesmo. Produção Editorial Zeppelini Editorial Rua Bela Cintra, 178 Cerqueira César – São Paulo – SP – 01415-000 PABX: (11) 2978-6686 www.zeppelini.com.br [email protected] Publicação mensal ISSN 0100-7203 Órgão Oficial de Divulgação Científica da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Rev Bras Ginecol Obstet v. 34, n. 3, p. 99-142, mar. 2012 Sumário Editorial 99 Eduardo Leme Alves da Motta Thaís Sanches Domingues José Maria Soares Júnior O uso de sensibilizadores de insulina no tratamento de infertilidade em pacientes com síndrome dos ovários policísticos (SOP) Use of insulin sensitizers in the treatment of infertility in patients with polycystic ovary syndrome (POS) Artigos originais 102 Eliane Menezes Flores Santos Lídia Pereira de Amorim Olívia Lúcia Nunes Costa Nelson Oliveira Armênio Costa Guimarães 107 Roseli Mieko Yamamoto Nomura Letícia Vieira Paiva Verbênia Nunes Costa Adolfo Wenjaw Liao Marcelo Zugaib 113 Maria do Socorro Cavalcante Everardo de Macêdo Guanabara Camila Pinto de Nadai 118 Heleodoro Corrêa Pinto Lutero Koch Jung Eliana Wendland Simone da Cunha Heineck Perfil de risco gestacional e metabólico no serviço de pré-natal de maternidade pública do Nordeste do Brasil Profile of gestational and metabolic risk in the prenatal care service of a public maternity in the Brazilian Northeast Influência do estado nutricional materno, ganho de peso e consumo energético sobre o crescimento fetal, em gestações de alto risco Influence of maternal nutritional status, weight gain and energy intake on fetal growth in high-risk pregnancies Complicações maternas associadas à via de parto em gestantes cardiopatas em um hospital terciário de Fortaleza, CE Maternal complications related to the mode of delivery in pregnant women with heart disease in a specialist high risk delivery hospital in Fortaleza, CE Colpotomia no tratamento da gestação ectópica Treating ectopic pregnancy with colpotomy 122 João Rocha Vilela Maria Teresinha de Oliveira Cardoso José Gonçalves Franco Júnior Anaglória Pontes 128 Ana Gabriela Pontes Marta Francis Benevides Rehme Maria Thereza Albuquerque Barbosa Cabral Micussi Técia Maria de Oliveira Maranhão Walkyria de Paula Pimenta Acurácia da histerossonografia versus ultrassonografia transvaginal em mulheres inférteis candidatas às técnicas de reprodução assistida Sonohysterography accuracy versus transvaginal ultrasound in infertile women candidate to assisted reproduction techniques. A importância do teste de tolerância à glicose oral no diagnóstico da intolerância à glicose e diabetes mellitus do tipo 2 em mulheres com síndrome dos ovários policísticos The importance of oral glucose tolerance test in diagnosis of glucose intolerance and type 2 diabetes mellitus in women with polycystic ovary syndrome Lídia Raquel de Carvalho Anaglória Pontes Relato de Caso 133 Mariana de Almeida Pinto Borges Maria Lucia Elias Pires Denise Leite Maia Monteiro Suely Rodrigues dos Santos Forma atípica da síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser com malformação renal e displasia cervicotorácica (associação de MURCS) Atipical form of Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser syndrome with renal malformation and skeletal abnormalities (MURCS association) Agenda 139 Agenda Instruções aos Autores A Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Rev Bras Gincecol as respectivas publicações sobre o tema. Se houver interesse da revista, será enviado convite para apresentação do texto definitivo. Todos os autores devem ter publicações em periódicos regulares, indexados sobre o tema da revisão. O número de autores é limitado a quatro, dependendo do tipo de texto e da metodologia empregada. Devem ser descritos os métodos e procedimentos adotados para a obtenção do texto, que deve ter como base referências recentes, inclusive do ano em curso. Tratando-se de tema ainda sujeito a controvérsias, a revisão deve discutir as tendências e as linhas de investigação em curso. Apresentar, além do texto da revisão, resumo, abstract e conclusões. Ver a seção “Preparo do manuscrito” para informações quanto ao texto principal, página de rosto, resumo e abstract; Obstet., ISSN 0100 7203), publicação mensal de divulgação científica da Federação das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), é dirigida a obstetras, ginecologistas e profissionais de áreas afins, com o propósito de publicar contribuições originais sobre temas relevantes no campo da Ginecologia, Obstetrícia e áreas correlatas. É aberta a contribuições nacionais e internacionais. A revista aceita e publica trabalhos em português, inglês e espanhol. O material enviado para análise não pode ter sido submetido simultaneamente à publicação em outras revistas nem publicado anteriormente. Na seleção dos manuscritos para publicação, são avaliadas originalidade, relevância do tema e qualidade da metodologia utilizada, além da adequação às normas editoriais adotadas pela revista. O material publicado passa a ser propriedade da Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia e da Febrasgo, só podendo ser reproduzido, total ou parcialmente, com a anuência dessas entidades. 5. Comentários Editoriais, solicitados pelo editor; 6. Resumos de Teses apresentadas e aprovadas nos últimos 12 meses, contados da data de envio do resumo. Devem conter, aproximadamente, 300 palavras e, para serem aceitos, devem seguir as normas da revista quanto à estruturação, à forma e ao conteúdo. Incluir título em português e inglês e, no mínimo, três palavras ou expressõeschave. Não há revisão do texto dos Resumos de Teses. No arquivo enviado, informar: nome completo do autor e do orientador; membros da banca; data de apresentação e a identificação do serviço ou departamento onde a tese foi desenvolvida e apresentada. Lembramos que a publicação do resumo não impede a posterior publicação do trabalho completo em qualquer periódico. 7. Cartas dos Leitores para o Editor, versando sobre matéria editorial ou não, mas com apresentação de informações relevantes ao leitor. As cartas podem ser resumidas pela editoria, mas com manutenção dos pontos principais. No caso de críticas a trabalhos publicados, a carta é enviada aos autores para que sua resposta possa ser publicada simultaneamente. Os manuscritos submetidos à revista são analisados por pareceristas e o sigilo sobre a autoria e a identidade dos revisores é garantido durante todo o processo de edição. Os pareceres dos revisores e as instruções do editor serão enviados para os autores para que eles tomem conhecimento das alterações a serem introduzidas. Os autores devem reenviar o texto com as modificações solicitadas assim que possível, devendo justificar, na carta de encaminhamento, se for o caso, o motivo do não atendimento de alguma sugestão para modificação. Não havendo retorno do trabalho após três meses, presume-se que os autores não têm mais interesse na publicação. Os autores podem solicitar em qualquer ponto do processo de análise e edição do texto a sustação do processo e a retirada do trabalho. Os conceitos e as declarações contidos nos artigos são de responsabilidade dos autores. A revista publica contribuições nas seguintes categorias: 1. Artigos Originais, trabalhos completos prospectivos, experimentais ou retrospectivos. Manuscritos contendo resultados de pesquisa clínica ou experimental original têm prioridade para publicação. 2. Relatos de Casos, de grande interesse e bem documentados, do ponto de vista clínico e laboratorial. Os autores deverão indicar na carta de encaminhamento os aspectos novos ou inesperados em Informações gerais 1. A revista não aceita material editorial com objetivos comerciais. 2. Conflito de interesses: devem ser mencionadas as situações que podem influenciar de forma inadequada o desenvolvimento ou as conclusões do trabalho. Entre essas situações, menciona-se a participação societária nas empresas produtoras das drogas ou dos equipamentos citados ou utilizados no trabalho, assim como em concorrentes da mesma. São também consideradas fontes de conflito os auxílios recebidos, as relações de subordinação no trabalho, as consultorias etc. 3. No texto, deve ser mencionada a submissão e a aprovação do estudo por um Comitê de Ética em Pesquisa reconhecido pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). 4. Artigo que trate de pesquisa clínica com seres humanos deve incluir a declaração, na seção Métodos, de que os sujeitos do estudo assinaram o termo de consentimento livre e informado. Os autores relação aos casos já publicados. O texto das seções Introdução e Discussão deve ser baseado em revisão bibliográfica atualizada. O número de referências pode ser igual ao dos trabalhos completos. 3. Técnicas e Equipamentos, para apresentação de inovações em diagnóstico, técnicas cirúrgicas e tratamentos, desde que não sejam, clara ou veladamente, propaganda de drogas ou outros produtos. Valem para essa categoria todas as normas aplicadas para trabalhos completos. 4. Artigos de Revisão, incluindo avaliação crítica e sistematizada da literatura, meta-análises ou revisões sistemáticas. A seleção dos temas e o convite aos autores têm como base planejamento estabelecido pela editoria. Contribuições espontâneas podem ser aceitas. Nesse caso, devem ser enviados inicialmente um resumo ou roteiro do texto, a lista de autores e v devem informar, também, que a pesquisa foi conduzida de acordo com a Declaração de Helsinque revisada em 2008. 5. No caso de trabalhos envolvendo experimentação animal, os autores devem indicar na seção Métodos que foram seguidas as normas contidas no CIOMS (Council for International Organization of Medical Sciences) Ethical Code for Animal Experimentation (WHO Chronicle 1985; 39(2):51-6) e os preceitos do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal - COBEA (www.cobea.org.br). 6. Todos os ensaios controlados aleatórios (randomized controlled trials) e clínicos (clinical trials) submetidos à publicação devem ter o registro em uma base de dados de ensaios clínicos. Essa é uma orientação da Plataforma Internacional para Registros de Ensaios Clínicos (ICTRP) da Organização Mundial da Saúde (OMS), e do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE). As instruções para o registro estão disponíveis no endereço eletrônico do ICMJE (http://www.icmje.org/clin_trialup.htm) e o registro pode ser feito na base de dados de ensaios clínicos da National Library of Medicine, disponível em http://clinicaltrials.gov/ct/gui. Preparo dos manuscritos As normas que seguem foram baseadas no formato proposto pelo ICMJE e publicado no artigo “Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals”, atualizado em Outubro de 2008 e disponível no endereço eletrônico: http://www.icmje.org/. Apresentação do texto 1. Os trabalhos devem ser digitados em espaço 2 em todas as seções, da página de rosto às referências bibliográficas, tabelas e legendas. Cada página deve conter aproximadamente 25 linhas em uma coluna. Usar preferencialmente o processador de texto Microsoft Word® e a fonte Times New Roman 12. Não dar destaque a trechos do texto: não sublinhar ou usar negrito. Numerar todas as páginas, iniciando pela de rosto. Não usar maiúsculas nos nomes próprios (a não ser a primeira letra) no texto ou nas referências bibliográficas. Não utilizar pontos nas siglas (DPP em vez de D.P.P.). Quando usar siglas ou abreviaturas, descrevê-las por extenso na primeira vez que mencionadas no texto. Iniciar cada seção em uma nova página: página de rosto; resumo e palavras ou expressões-chave; abstract e keywords; texto; agradecimentos; referências; tabelas individuais e legendas das figuras. 7. O número de autores de trabalhos completos e relatos de casos é limitado a sete. Trabalhos de autoria coletiva (institucionais) devem ter os responsáveis especificados. Trabalhos e estudos multicêntricos podem ter número de autores compatível com o número de centros (cada situação será avaliada pela editoria e pelos revisores). Os investigadores responsáveis pelos protocolos aplicados devem ser especificados. Todos os autores devem ter conhecimento do texto enviado para a revista. 2. 8. O conceito de coautoria é baseado na contribuição de cada um, para a concepção e planejamento do trabalho, análise e interpretação dos dados, para a redação ou revisão crítica do texto. A inclusão de nomes cuja contribuição não se enquadre nos critérios citados ou que tenham fornecido apenas suporte material não é justificável. Página de rosto 9. Os autores serão informados, por correspondência eletrônica, do recebimento dos trabalhos. Os trabalhos que estiverem de acordo com as Instruções aos Autores e se enquadram na política editorial da revista serão enviados para análise por revisores indicados pelo editor. Os originais em desacordo com os objetivos da revista ou com essas instruções são devolvidos aos autores para as adaptações necessárias antes da avaliação pelo Conselho Editorial ou recusados sem análise por revisores. 10. Junto dos arquivos originais, deve ser enviada uma carta de encaminhamento, na qual deve ficar explícita a concordância com as normas editoriais, com o processo de revisão e com a transferência de copyright para a revista. 11. Para manuscritos originais, não ultrapassar 25 páginas de texto digitado ou aproximadamente 30.000 caracteres. Limitar o número de tabelas e figuras ao necessário para apresentação dos resultados que são discutidos (como norma geral, limitar a cinco). Para manuscritos do tipo Relato de Caso, não ultrapassar 15 páginas de texto ou 18.000 caracteres (ver “Preparo do manuscrito”, “Resultados”). 12. O trabalho deve ser enviado pelo sistema de submissão online no portal SciELO. O endereço eletrônico de todos os autores deve ser fornecido. Desta forma, os coautores receberão informação sobre a submissão do vi trabalho e, assim, não será necessária a assinatura de todos na carta de encaminhamento. O endereço eletrônico para correspondência com a revista é [email protected]. O arquivo correspondente ao trabalho deve ser único e deve conter texto, referências, tabelas e figuras. Apresentar o título do trabalho em português e em inglês; nomes completos dos autores sem abreviaturas; endereços eletrônicos válidos de todos os autores (opcional, em substituição à carta de encaminhamento); nome da instituição onde o trabalho foi desenvolvido; afiliação institucional dos autores; informações sobre auxílios recebidos sob forma de bolsas de estudos, financiamento, fornecimento de drogas, reagentes ou equipamentos. Obrigatoriamente deve ser fornecido o endereço da instituição onde o trabalho foi desenvolvido, o qual é publicado na página inicial do trabalho. Devem ser indicados nome, endereço, telefone/fax e e-mail do autor para o qual a correspondência deve ser enviada. Essas informações pessoais são empregadas apenas para correspondência com a revista e somente são publicadas se houver pedido do(s) autor(es). Resumo O resumo do trabalho deve aparecer na segunda página. Para trabalhos completos, redigir um resumo estruturado, que deve ser dividido em seções identificadas: objetivo, métodos, resultados e conclusões. Deve ter aproximadamente 300 palavras. O resumo deve conter as informações relevantes, permitindo que o leitor tenha uma ideia geral do trabalho. Deve incluir descrição resumida de todos os métodos empregados e da análise estatística efetuada. Expor os resultados numéricos mais relevantes, e não apenas indicação de significância estatística. As conclusões devem ser baseadas nos resultados do trabalho e não da literatura. Evitar o uso de abreviações e símbolos. Não citar referências bibliográficas no resumo. Abaixo do texto do resumo indicar o número de registro e/ou identificação para os ensaios controlados aleatórios e ensaios clínicos (ver item 5 das “Informações Gerais”). Na mesma página do resumo, citar pelo menos três palavras ou expressões-chave que serão empregadas para compor o índice anual da revista. Devem ser baseadas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) publicado pela Bireme, que é uma tradução do Medical Subject Headings (MeSH) da National Library of Medicine e está disponível no endereço eletrônico: http://decs.bvs.br. O abstract deve ser versão fiel do texto do resumo estruturado (purpose, methods, results e conclusions). Deve ser também acompanhado da versão para o inglês das palavras ou expressões-chave (keywords). O resumo e o abstract dos Relatos de Casos e dos Artigos de Revisão e de Atualização não devem ser estruturados e são limitados a 150 palavras. Introdução Repetir, na primeira página da introdução, o título completo em português e inglês. Nessa seção, mostre a situação atual dos conhecimentos sobre o tópico em estudo, divergências e lacunas que possam eventualmente justificar o desenvolvimento do trabalho, mas sem revisão extensa da literatura. Para Relatos de Casos, apresentar um resumo dos casos já publicados, epidemiologia da condição relatada e uma justificativa para a apresentação como caso isolado. Expor claramente os objetivos do trabalho. Métodos Iniciar essa seção indicando o planejamento do trabalho: se prospectivo ou retrospectivo; ensaio clínico ou experimental; se a distribuição dos casos foi aleatória ou não etc. Descrever os critérios para seleção das pacientes ou Grupo Experimental, inclusive dos Controles. Identificar os equipamentos e reagentes empregados (fabricante, cidade e país). Se a metodologia aplicada já tiver sido empregada, indicar as referências, além da descrição resumida do método. Descrever também os métodos estatísticos empregados e as comparações para as quais cada teste foi empregado. Os trabalhos que apresentam como objetivo a avaliação da eficácia ou a tolerabilidade de tratamentos ou drogas devem, necessariamente, incluir Grupo Controle adequado. Para informações adicionais sobre o desenho de trabalhos desse tipo, consultar ICH Harmonized Tripartite Guideline - Choice of Control Group and Related Issues in Clinical Trials (http://www.hc-sc.gc.ca/hpfb-dgpsa/tpd-dpt/e10_e.html). Ver também itens 4 e 5 das “Informações Gerais”. Resultados Apresentar os resultados em sequência lógica, no texto, nas tabelas e nas figuras. Expor os resultados relevantes para o objetivo do trabalho e que são discutidos. Não repetir no texto dessa seção todos os dados das tabelas e figuras, mas descrever e enfatizar os mais importantes, sem interpretação dos mesmos (ver também “Tabelas”). Nos Relatos de Casos, as seções “Métodos” e “Resultados” são substituídas pela “Descrição do caso”, mantendo-se as demais. Discussão Devem ser realçadas as informações novas e originais obtidas na investigação. Não repetir dados e informações já mencionados nas seções “Introdução” e “Resultados”. Evitar citação de tabelas e figuras. Ressaltar a adequação dos métodos empregados na investigação. Comparar e relacionar suas observações com as de outros autores, comentando e explicando as diferenças. Explicar as implicações dos achados, suas limitações e fazer as recomendações decorrentes. Para Relatos de Casos, basear a discussão em ampla e atualizada revisão da literatura. As informações sobre os casos já publicados podem ser tabuladas e exibidas nessa seção para comparações. Agradecimentos Dirigidos a pessoas que tenham colaborado intelectualmente, mas cuja contribuição não justifica coautoria, ou para aquelas que tenham provido apoio material. Referências Todos os autores e trabalhos citados no texto devem constar dessa seção e vice-versa. Numerar as referências bibliográficas por ordem de entrada no trabalho e usar esses números para as citações no texto. Evitar número excessivo de referências, selecionando as mais relevantes para cada afirmação e dando preferência para os trabalhos mais recentes. Não empregar citações de difícil acesso, como resumos de trabalhos apresentados em congressos, teses ou publicações de circulação restrita (não indexados). Não empregar referências do tipo “observações não publicadas” e “comunicação pessoal”. Artigos aceitos para publicação podem ser citados acompanhados da expressão: “aceito e aguardando publicação” ou “in press”, indicando-se periódico, volume e ano. Trabalhos aceitos por periódicos que estejam disponíveis online, mas sem indicação de fascículos e páginas, devem ser citados como “ahead of print”. Outras publicações dos autores (autocitação) devem ser empregadas apenas se houver necessidade clara e forem relacionadas ao tema. Nesse caso, incluir entre as referências bibliográficas apenas trabalhos originais publicados em periódicos regulares (não citar capítulos ou revisões). O número de referências bibliográficas deve ser aproximadamente 35. Os autores são responsáveis pela exatidão dos dados constantes das referências bibliográficas. Para todas as referências, citar os autores até o sexto. Se houver mais de seis autores, citar os seis primeiros, seguidos da expressão et al., conforme os seguintes modelos: Formato impresso • Artigos em revistas - Ceccarelli F, Barberi S, Pontesilli A, Zancla S, Ranieri E. Ovarian carcinoma presenting with axillary lymph node metastasis: a case report. Eur J Gynaecol Oncol. 2011;32(2):237-9. - Jiang Y, Brassard P, Severini A, Goleski V, Santos M, Leamon A, et al. Type-specific prevalence of Human Papillomavirus infection among women in the Northwest Territories, Canada. J Infect Public Health. 2011;4(5-6):219-27. • Artigos com título em inglês e texto em português ou outra língua Utilizar o titulo em inglês, entre colchetes e no final da referência, indicar a língua na qual o artigo foi publicado. - Prado DS, Santos DL. [Contraception in users of the public and private sectors of health]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011;33(7)143-9. Portuguese. - Taketani Y, Mizuno M. [Application of anti-progesterone agents for contraception]. Rinsho Fujinka Sanka. 1988;42(11):997-1000. Japanese. • Livro - Baggish MS, Karram MM. Atlas of pelvic anatomy and gynecologic surgery. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders; 2006. vii • Capítulos de livro - Picciano MF. Pregnancy and lactation. In: Ziegler EE, Filer LJ, editors. Present knowledge in nutrition. Washington (DC): ILSI Press; 1996. p. 384-95. Formato eletrônico Apenas para informações estatísticas oficiais e citação de referências de periódicos não impressos. Para estatísticas oficiais, indicar a entidade responsável, o endereço eletrônico, o nome do arquivo ou entrada. Incluir o número de tela, data e hora do acesso. Termos como “serial”, “periódico”, “homepage” e “monography”, por exemplo, não são mais utilizados. Todos os documentos devem ser indicados apenas como [Internet]. Para documentos eletrônicos com o identificador DOI (Digital Object Identifier), este deve ser mencionado no final da referência, além das informações que seguem: - Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS [Internet]. Informações de Saúde. Estatísticas vitais. Mortalidade e nascidos vivos: nascidos vivos desde 1994. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008. [citado 2007 Fev 7]. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def > Legendas Digitar as legendas usando espaço duplo, acompanhando as respectivas figuras (gráficos, fotografias e ilustrações). Cada legenda deve ser numerada em algarismos arábicos, correspondendo a cada figura, e na ordem em que foram citadas no trabalho. Abreviaturas e siglas Devem ser precedidas do nome completo quando citadas pela primeira vez no texto. Nas legendas das tabelas e figuras, devem ser acompanhadas de seu nome por extenso. As abreviaturas e as siglas não devem ser usadas no título dos artigos e nem no resumo. Empregar o seguinte endereço para correspondências não previstas nas instruções: Jurandyr Moreira de Andrade Editor Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – Editoria – Avenida Bandeirantes, 3.900, 8º andar – Campus Universitário – CEP 14049-900 – Ribeirão Preto (SP) – Fone: (16) 3602-2803 – Fax: (16) 3633-0946 – E-mail: [email protected]. • Monografia na Internet ou livro eletrônico - Foley KM, Gelband H, editors. Improving palliative care for cancer [Internet]. Washington: National Academy Press; 2001 [cited 2002 Jul 9]. Available from: http://www.nap.edu/books/0309074029/html/. Tabelas Apresentar as tabelas em páginas separadas, com espaço duplo e preferencialmente fonte Arial 8. A numeração deve ser sequencial, em algarismos arábicos, na ordem em que foram citadas no texto. Todas as tabelas devem ter título e todas as colunas da tabela devem ser identificadas com um cabeçalho. A legenda deve conter informações que permitam ao leitor entender o conteúdo das tabelas e figuras, mesmo sem a leitura do texto do trabalho. As linhas horizontais devem ser simples e limitadas a duas no topo e uma no final da tabela. Não empregar linhas verticais. Não usar funções de criação de tabelas, comandos de justificação, tabulações decimais ou centralizadas. Utilizar comandos de tabulação (tab) e não o espaçador para separar as colunas e, para nova linha, a tecla enter. No rodapé da tabela, deve constar legenda para abreviaturas e testes estatísticos utilizados. Figuras (gráficos, fotografias e ilustrações) As figuras devem ser apresentadas em páginas separadas e numeradas sequencialmente, em algarismos arábicos, conforme a ordem de aparecimento no texto. Todas as figuras devem ter qualidade gráfica adequada e apresentar título e legenda. Para evitar problemas que comprometam o padrão da revista, o processo de digitalização de imagens (scan) deve obedecer aos seguintes parâmetros: para gráficos ou esquemas, usar 300 dpi/bitmap para traço; para ilustrações e fotos (preto e branco), usar 300 dpi/RGB ou grayscale. Em todos os casos, os arquivos devem ter extensão .tif e/ou .jpg. Também são aceitos arquivos com extensão .xls (Excel), .eps, .psd para ilustrações em curva (gráficos, desenhos e esquemas). São aceitas, no máximo, cinco figuras. Se as figuras já tiverem sido publicadas, devem vir acompanhadas de autorização por escrito do autor/editor e constando a fonte na legenda da ilustração. viii Itens para a conferência para a submissão do manuscrito Antes de enviar o manuscrito, conferir se as Instruções aos Autores foram seguidas e verificar o atendimento dos itens listados a seguir: 1. carta de encaminhamento assinada por todos os autores (escaneada e anexada como documento suplementar ou enviada pelo correio) ou informação dos endereços eletrônicos válidos de todos os autores na página de rosto; 2. citação da aprovação do projeto do trabalho por Comissão de Ética em Pesquisa, assinatura do termo de consentimento livre e informado (na seção “Métodos”) e informação sobre o atendimento das exigências para pesquisa em animais; 3. número ou código do registro do estudo, se necessário, na página de rosto (item 5 das “Informações Gerais”); 4. conflito de interesses: informar se há ou não. Se houver, explicar sem omissão de informações relevantes; 5. página de rosto com todas as informações solicitadas; 6. resumo e abstract estruturados e compatíveis com o texto do trabalho; 7. três ou mais palavras-chave relacionadas ao texto e respectivas keywords baseadas no Decs; 8. verificar se todas as tabelas e figuras estão corretamente citadas no texto e numeradas, e se as legendas permitem o entendimento das mesmas; 9. referências bibliográficas: numeradas na ordem de aparecimento e corretamente digitadas. Verificar se todos os trabalhos citados estão na lista de referências e se todos os listados estão citados no texto. Eduardo Leme Alves da Motta1 Thaís Sanches Domingues2 José Maria Soares Júnior3 O uso de sensibilizadores de insulina no tratamento de infertilidade em pacientes com síndrome dos ovários policísticos (SOP) Use of insulin sensitizers in the treatment of infertility in patients with polycystic ovary syndrome (POS) Editorial Introdução A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma condição heterogênea, que apresenta grande variedade de sintomas clínicos e alterações endócrinas e metabólicas. É a mais frequente endocrinopatia da população feminina jovem. Afeta cerca de 5–10% das mulheres em idade reprodutiva1, sendo a maior causa de infertilidade nas pacientes anovuladoras2. Seu tratamento é baseado na sintomatologia preponderante, mas muitas controvérsias existem, principalmente envolvendo a resistência periférica à insulina. Estima-se que essa condição esteja presente em cerca de 50% das mulheres com SOP e, sobretudo, nas obesas, atingindo quase 70%3,4. Nas últimas duas décadas, foi demonstrado o papel crucial da resistência periférica à insulina, com consequente hiperinsulinemia compensatória, como importante fator fisiopatológico. A hiperinsulinemia contribui ao estimular diretamente as células da teca-ovariana, ativando os receptores de IGF-15, corroborando assim para a maior secreção androgênica e, ao mesmo tempo, suprimindo a produção da globulina carreadora de hormônios sexuais (SHBG), levando a uma maior disponibilidade das frações livres dos androgênios6. Desse modo, a indução ovariana na mulher infértil é muito variável e instável, com um limiar muito tênue entre o hiperestímulo ovariano e a baixa resposta, pois é comum o excessivo recrutamento folicular típico da SOP, mas a elevação androgênica também contribui para sua precoce atresia. Logo, os agentes sensibilizadores de insulina vêm sendo avaliados desde meados dos anos 1990, tendo a metformina (MTF) como o seu representante mais estudado, ao impedir a excessiva ação insulínica nas células da teca, chegando, inclusive, a restabelecer os ciclos ovulatórios7. Assim, muitos pesquisadores se dispuseram a utilizar essa medicação como opção inicial no tratamento da SOP8. Posteriormente, demonstrou-se que esses resultados eram contraditórios, pois incorriam em diversos vícios metodológicos, sobretudo a falta de critérios para determinar a resistência periférica à insulina, além do pequeno número de pacientes e a extrema heterogeneidade dos grupos8,9. Dessa forma, para que os hipoglicemiantes orais tenham relevância no tratamento da SOP, é fundamental a pesquisa da resistência insulínica e a determinação de quais mulheres realmente irão se beneficiar de sua administração. É importante ainda salientar que sua eficácia na melhoria dos sintomas geralmente ocorre somente após três a seis meses de uso7. Correspondência José Maria Soares Júnior Rua Napoleão de Barros 715 – 7º andar Vila Clementino CEP: 04024-002 São Paulo (SP), Brasil Recebido 23/11/2011 Aceito com modificações 04/01/2012 Disciplina de Ginecologia Endocrinológica do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil; Huntington Medicina Reprodutiva – São Paulo (SP), Brasil. 2 Programa de Pós-graduação (Doutorado) do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil; Huntington Medicina Reprodutiva – São Paulo (SP), Brasil. 3 Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. Conflito de interesses: não há. 1 Motta ELA, Domingues TS, Soares Júnior JM Opções de tratamento na infertilidade Além da investigação inicial do casal infértil, a perda de peso deve ser encorajada antes de se iniciar qualquer tratamento, sobretudo nas mulheres obesas que desejam engravidar10,11, já que a indução da ovulação é menos efetiva quando o índice de massa corpórea (IMC) é maior que 28–30 kg/m2 (Tang et al.)2. Ademais, a perda de peso de cerca de 5–10% da massa corpórea melhora a sensibilidade à insulina e, em grande parte, restaura a ovulação12. Assim, a principal atitude inicial a ser tomada deve ser a mudança no estilo de vida, a prática de exercícios13 e a restrição dietética14. Além dessas medidas, se comprovada laboratorialmente a resistência à insulina, é aconselhável o uso da MTF, pois poderá contribuir com a melhor foliculogênese e até ao retorno aos ciclos ovulatórios, além da diminuição do IMC14,15. Nas mulheres anovuladoras com SOP, o citrato de clomifeno (CC) ainda é a droga de escolha; entretanto, também aumenta a chance de multiparidade em 10%15,16. Cerca de 80% irão responder ao estímulo ovariano com clomifeno, mas apenas 50% irão engravidar em até seis meses de tratamento17. Aquelas consideradas resistentes ao clomifeno (falta de ovulação após dois ciclos) ou com ausência de gestação após seis meses de CC, podem se beneficiar da associação com a MTF, sobretudo, as obesas e aquelas com comprovada hiperinsulinemia18,19. Nesses casos, se comprovada a resistência à insulina, o uso da MTF, na dose de 1,5 g ao dia, por três meses, tende a melhorar o estímulo ovulatório. Vale ressaltar que a MTF não deve ser utilizada como indutor isolado20. Nos casos de insucesso, devemos utilizar as gonadotrofinas, de preferência o FSH recombinante, pela não atividade junto às células da teca, associados não só a ciclos de coito programado, mas também de inseminação intrauterina. As doses iniciais devem ser mínimas, com contínua monitorização ultrassonográfica e aumento gradual de doses, se comprovada a falta de crescimento folicular. Em geral, os resultados com a administração do FSH são superiores, não só pela melhor atividade folicular, mas corrobora ainda pelo sincronismo endometrial, que o CC não apresenta. O uso da MTF também é benéfico, se corretamente indicado em associação às gonadotrofinas, por aprimorar o desenvolvimento folicular, tornando-o mais fisiológico e, assim, melhorando as taxas de gestação, sem elevar o risco de multiparidade21. Devemos considerar a fertilização in vitro (FIV), para aquelas pacientes sem sucesso com as táticas anteriormente descritas. A atividade da MTF ainda é escassa e controversa quanto à gestação22, mas auxilia na prevenção da síndrome de hiperestímulo ovariano23. Em síntese, a resistência insulínica deve sempre ser avaliada nas mulheres com SOP, pois é reconhecida sua ação deletéria junto às células da teca-granulosa, sobretudo nas obesas, quando é mais prevalente. Seu uso, quando apropriado, por, pelo menos, três a seis meses, em doses de 1,5 g/dia, tende a restabelecer a ovulação24. Além disso, o aconselhamento pré-concepcional, com a modificação do estilo de vida e a redução de peso, por meio de atividade física e dieta, é eficaz em reaver os ciclos ovulatórios. Referências 1. Carmina E, Azziz R. Diagnosis, phenotype, and prevalence of polycystic ovary syndrome. Fertil Steril. 2006;86(Suppl 1):S7-8. 2. Tang T, Glanville J, Hayden CJ, White D, Barth JH, Balen AH. Combined lifestyle modification and metformin in obese patients with polycystic ovary syndrome. A randomized, placebo-controlled, double-blind multicentre study. Hum Reprod. 2006;21(1):80-9. 3. Ugarte CM, Bartolucci AA, Azziz R. 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A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials on metformin co-administration during gonadotrophin ovulation induction or IVF in women with polycystic ovary syndrome. Hum Reprod. 2006;21(6):1387-99. 9. Creanga AA, Bradley HM, McCormick C, Witkop CT. Use of metformin in polycystic ovary syndrome: a meta-analysis. Obstet Gynecol. 2008;111(4):959-68. 10. Thessaloniki ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS Consensus Workshop Group. Consensus on infertility treatment related to polycystic ovary syndrome. Hum Reprod. 2008;23(3):462-77. 11. Hirschberg AL. Polycystic ovary syndrome, obesity and reproductive implications. Womens Health (Lond Engl). 2009;5(5):529-40. 100 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):99-101 O uso de sensibilizadores de insulina no tratamento de infertilidade em pacientes com síndrome dos ovários policísticos (SOP) 12. Kiddy DS, Hamilton-Fairley D, Bush A, Short F, Anyaoku V, Reed MJ, et al. Improvement in endocrine and ovarian function during dietary treatment of obese women with polycystic ovary syndrome. Clin Endocrinol (Oxf). 1992;36(1):105-11. 13. Harrison CL, Lombard CB, Moran LJ, Teede HJ. Exercise therapy in polycystic ovary syndrome: a systematic review. Hum Reprod Update. 2011;17(2):171-83. 14. Moran LJ, Hutchison SK, Norman RJ, Teede HJ. Lifestyle changes in women with polycystic ovary syndrome. Cochrane Database Syst Rev. 2011(7):CD007506. 15. Nieuwenhuis-Ruifrok AE, Kuchenbecker WK, Hoek A, Middleton P, Norman RJ. Insulin sensitizing drugs for weight loss in women of reproductive age who are overweight or obese: systematic review and meta-analysis. Hum Reprod Update. 2009;15(1):57-68. 16. Ladson G, Dodson WC, Sweet SD, Archibong AE, Kunselman AR, Demers LM, et al. The effects of metformin with lifestyle therapy in polycystic ovary syndrome: a randomized double-blind study. Fertil Steril. 2011;95(3):1059-66.e1-7. 17. 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A randomized controlled trial evaluating metformin pre-treatment and co-administration in non-obese insulin-resistant women with polycystic ovary syndrome treated with controlled ovarian stimulation plus timed intercourse or intrauterine insemination. Hum Reprod. 2005;20(10):2879-86. 22. Tang T, Glanville J, Orsi N, Barth JH, Balen AH. The use of metformin for women with PCOS undergoing IVF treatment. Hum Reprod. 2006;21(6):1416-25. 23. Tso LO, Costello MF, Albuquerque LE, Andriolo RB, Freitas V. Metformin treatment before and during IVF or ICSI in women with polycystic ovary syndrome. Cochrane Database Syst Rev. 2009(2):CD006105. 24. Sinawat S, Buppasiri P, Lumbiganon P, Pattanittum P. Long versus short course treatment with metformin and clomiphene citrate for ovulation induction in women with PCOS. Cochrane Database Syst Rev. 2008(1):CD006226. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):99-101 101 Eliane Menezes Flores Santos1 Lídia Pereira de Amorim1 Olívia Lúcia Nunes Costa2 Nelson Oliveira3 Armênio Costa Guimarães4 Perfil de risco gestacional e metabólico no serviço de pré-natal de maternidade pública do Nordeste do Brasil Profile of gestational and metabolic risk in the prenatal care service of a public maternity in the Brazilian Northeast Artigo original Resumo Palavras-chave OBJETIVO: Descrever a prevalência dos fatores de risco gestacionais e sua associação com desfechos materno-fetais desfavoráveis. MÉTODOS: Estudo longitudinal, descritivo e analítico, levando em conta 204 gestantes atendidas no ambulatório de pré-natal de maternidade pública entre maio de 2007 e dezembro de 2008. Os fatores de risco incluíram aspectos sociodemográficos, antecedentes pessoais, obstétricos e familiares, índice de massa corpórea (IMC) pré-gestacional elevado, excesso de ganho de peso gestacional e anemia. Desfechos adversos incluíram pré-eclâmpsia (PE), diabetes mellitus gestacional (DMG), parto cesariano, prematuridade e recém-nascido (RN) com peso alterado. RESULTADOS: A média de idade foi 26±6,4 anos, predominando as pardas (59,8%), com segundo grau completo e superior incompleto de escolaridade (51,8%), união estável (67,2%) e ocupação remunerada (51,0%). A maioria foi admitida no segundo trimestre (63,7%) e 16,7% no primeiro; 42,6% eram primíparas. Hipertensão arterial crônica (2,9%), pré-eclâmpsia (9,8%), excessivo ganho de peso na gestação (15,2%) e diabetes mellitus gestacional (1,0%) foram relatados em gestações anteriores. Na atual gestação foi encontrado IMC pré-gestacional elevado em 34,6% e ganho excessivo de peso em 45,5%, bem como anemia em 25,3% e dislipidemia em 47,3%. O rastreamento para diabetes mellitus gestacional indicado em 17,5% foi confirmado em 3,4% das mulheres. A proteína urinária elevada em amostra única ocorreu em 16,4%. Resultados materno-fetais adversos incluíram PE (4,5%), DMG (3,4%), prematuridade (4,4%) e partos cesarianos (40,1%). RNs grandes para a idade gestacional (GIG) somaram 9,8% e pequenos para a idade gestacional (PIG), 13,8%. A análise de regressão de Poisson multivariada identificou IMC pré-gestacional elevado (≥25 kg/m²) como preditor independente para PE (risco relativo (RR) de 17,2 e intervalo de confiança (IC) 95% 2,1–137,5) e parto cesariano (RR=1,8; IC95% 1,1–2,8). A cesárea prévia mostrou-se preditora para novo parto cirúrgico (RR=2,3; IC95% 1,3–3,9). Ganho de peso gestacional excessivo e anemia foram preditores de risco para RN com peso aumentado (RR=4,7; IC95% 1,6–14,0 e RR=3,4; IC95% 1,4–8,1, respectivamente). CONCLUSÃO: O sobrepeso e a obesidade pré-gestacionais, o ganho excessivo de peso na gestação e a anemia foram fatores de risco para pré-eclâmpsia, parto cesariano e alteração de peso do RN. Fatores de risco Gravidez Resultado da gravidez Pré-eclâmpsia Peso fetal Sobrepeso Keywords Risk factors Pregnancy outcome Pre-eclampsia Fetal weight Overweight Abstract PURPOSE: To assess the prevalence of obstetric risk factors and their association with unfavorable outcomes for the mother and fetus. METHODS: A longitudinal, descriptive and analytical study was conducted on 204 pregnant women between May 2007 and December 2008. Clinical and laboratory assessments followed routine protocols. Risk factors included socio-demographic aspects; family, personal and obstetric history; high pre-gestational body mass index (BMI); excessive gestational weight gain and anemia. Adverse outcomes included pre-eclampsia (4.5%), gestational diabetes mellitus (3.4%), premature birth (4.4%), caesarian birth (40.1%), high birth weight (9.8%) and low birth weight (13.8%). RESULTS: The average age was 26±6.4 years; the mothers were predominantly non-white (84.8%), 51.8% had incomplete or complete secondary level schooling, 67.2% were in a stable marital relationship and 51.0% had a regular paid job; 63.7% were admitted to the prenatal clinic during the second trimester and 16.7% during the first, with 42.6% being primiparous. A past history of chronic hypertension was reported by 2.9%, pre-eclampsia by Correspondência Eliane Menezes Flores Santos Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública Avenida D. João VI 275 – Brotas CEP: 40290-000 Salvador (BA), Brasil Recebido 26/09/2011 Aceito com modificações 11/01/2012 Programa de Pós-graduação (Mestrado) da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Brotas (BA), Brasil. Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia – UFBA – Salvador (BA), Brasil. 3 Departamento de Bioestatística da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS – Feira de Santana (BA), Brasil. 4 Coordenadoria do Curso de Pós-Graduação da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Brotas (BA), Brasil. 1 2 Perfil de risco gestacional e metabólico no serviço de pré-natal de maternidade pública do Nordeste do Brasil 9.8%, excessive gestational weight gain by 15.2% and former gestational diabetes mellitus by 1.0%. In the current pregnancy, elevated pre-gestational BMI was found in 34.6%; 45.5% presented with excessive gestational weight gain, 25.3% with anemia and 47.3% with dyslipidemia. Of the 17.5% of cases with altered blood glucose, gestational diabetes mellitus was confirmed in 3.4% and proteinuria occurred in 16.4% of all cases. Adverse maternal fetal outcomes included pre-eclampsia (4.5%), gestational diabetes mellitus (3.4%), premature birth (4.4%), caesarean birth (40.1%) and high and low birth weight (9.8% and 13.8%, respectively). Independent predictors of adverse maternal fetal outcomes were identified by Poisson multivariate regression analysis: pre-gestational BMI≥25 kg/m² was a predictor for pre-eclampsia (RR=17.17; 95%CI 2.14–137.46) and caesarian operation (RR=1.79; 95%CI 1.13–2.85), previous caesarean was a predictor for present caesarean operation (RR=2.28; 95%CI 1.32–3.92) and anemia and high gestational weight gain were predictors for high birth weight (RR=3.38; 95%CI 1.41–8.14 and RR=4.68; 95%CI 1.56–14.01, respectively). CONCLUSION: Pregestational overweight/obesity, previous caesarean, excessive weight gain and anemia were major risk factors for pre-eclampsia, caesarean operations and high birth weight. Introdução Gravidez e parto são processos normais na vida feminina e geralmente culminam em desfechos bem sucedidos. Apesar disso, fatores relativos à assistência inadequada, seja no pré-natal ou na condução do parto, podem culminar em óbito ou sequelas definitivas para a mãe e o concepto. A obesidade, importante fator de risco para complicações materno-fetais, hoje é considerada um problema de saúde pública. Ocorrendo em mulheres em idade reprodutiva, pode elevar o número de resultados obstétricos e neonatais desfavoráveis, gerando hipertensão, aumento dos partos cirúrgicos, prematuridade e recém-nascidos com peso alterado1-7. É fato que eclampsia e demais quadros hipertensivos na gestação têm liderado as causas de mortalidade materna em nosso meio8. Fatores familiares, sociodemográficos e econômicos também podem contribuir para o aparecimento de doenças relativas ao ciclo gravídico-puerperal9. O presente estudo tem por objetivo descrever, além das características dessa população, a incidência de desfechos materno-fetais adversos e a prevalência dos principais fatores de risco a eles relacionados. As informações obtidas por esses resultados podem trazer benefícios a um grande número de mulheres que buscam assistência pré-natal na rede pública. Métodos Trata-se de um estudo prospectivo, longitudinal, descritivo e analítico envolvendo 204 gestantes matriculadas em ambulatório de pré-natal de baixo risco, em maternidade pública, atendidas entre maio de 2007 e maio de 2008. O critério de inclusão foi o encaminhamento delas para atendimento pela autora do trabalho, até o número indicado pela estimativa do cálculo amostral10. O critério de exclusão foi a gestante ter definição de risco obstétrico. Foram investigados antecedentes pessoais de diabetes mellitus gestacional, hipertensão arterial, pré-eclâmpsia, ganho de peso em gestação anterior e ocorrência de cesáreas prévias. Na gravidez atual, obteve-se o Índice de massa corpórea (IMC) pré-gestacional e, no ingresso no estudo, por meioda fórmula de Quetelet (peso em quilogramas/ quadrado da altura em metro)3 e aferição da pressão arterial, o que foi repetido a cada consulta subsequente até o parto. Considerou-se sobrepeso pré-gestacional quando o IMC inicial, e até 16 semanas de gestação, estava acima de 25 kg/m². O cálculo do ganho de peso materno foi obtido utilizando-se o IMC inicial, a partir do qual o ganho permitido (total no primeiro trimestre e semanal médio no segundo e terceiro trimestres) classificava o estado nutricional da gestante em baixo peso, adequado, sobrepeso ou obesidade11. Foi considerada hipertensão arterial na gravidez quando a pressão arterial sistólica (PAS) esteve maior ou igual a 140 mmHg e/ou a pressão arterial diastólica (PAD) maior ou igual a 90 mmHg em pelo menos duas aferições, com intervalo superior a quatro horas e início após 20 semanas de gestação, na ausência de proteinúria anterior12; hipertensão crônica (HC), se a pressão arterial estivesse acima de 140/90, de início anterior à gestação ou antes da 20ª semana; pré-eclâmpsia leve se a elevação tem início após 20 semanas, desaparecendo em até seis semanas após o parto, podendo ou não ser acompanhada de proteinúria13; pré-eclâmpsia grave se a pressão arterial foi igual ou maior que 160/110, podendo ocorrer proteinúria e sintomas clínicos de iminência de convulsão. A pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica cursa com piora ou aparecimento da proteinúria após 20 semanas (acima de 300 mg/24 horas)14. O critério diagnóstico para diabetes mellitus gestacional (DMG) foi a glicemia de jejum maior ou igual a 110 mg/dL, ou glicemia igual ou maior a 140 mg/dL após duas horas do teste oral de tolerância à glicose (TOTG) com 75 g de glicose anidra. O ponto de corte para o rastreamento foi a glicemia de jejum maior ou igual a 85 mg/dL, após a 20ª semana15,16. O tabagismo foi considerado quando houve uso independente da quantidade17,18, e etilismo se o consumo foi de pelo menos nove drinques por semana19. A proteinúria, considerada quando maior que 30 mg/dL, foi avaliada em amostra única de urina matinal obtida na primeira consulta, pelo método vermelho de pirogalol, na ausência de sintomas de infecção do trato urinário (ITU) ou atividade sexual recente. Os exames laboratoriais realizados foram: hemograma, colesterol total, HDL-c, LDL-c, triglicérides, glicemia, Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):102-6 103 Santos EMF, Amorim LP, Costa OLN, Oliveira N, Guimarães AC teste oral de tolerância à glicose com 75 g, com ponto de corte da glicemia de jejum em 85 mg/dL, após a 20ª semana, além de testes sorológicos de rotina e proteína urinária em amostra matinal isolada. Como a maioria dos partos aconteceu em maternidades variadas, os dados referentes aos desfechos materno-fetais (tipo do parto, número de semanas em que ocorreu, peso do recém-nascido e possíveis complicações) foram obtidos por contato telefônico. Para a análise estatística, utilizou-se o programa SPSS versão 12, sendo descrita a frequência dos achados sociodemográficos, a prevalência dos principais fatores de risco e a incidência dos desfechos materno-fetais desfavoráveis. A análise bivariada utilizou tabelas de contingência entre preditores e respectivos desfechos, enquanto a regressão multivariada de Poisson incluiu variáveis com seis ou mais desfechos e valor p<0,1. O nível de significância foi menor que 0,05 e o intervalo de confiança 95%. Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Maternidade Climério de Oliveira e todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Resultados Na população, a média de idade encontrada foi 26 anos, variando de 13 a 42. Houve predomínio da cor parda (59,8%) e escolaridade com 2º grau completo (51,8%). Do total, 51,0% exerciam atividade remunerada e a maioria convivia em regime de união estável. Dentre os antecedentes familiares, houve predomínio de hipertensão (61,8%) sobre diabetes (41,2%) e, dentre os pessoais, seis (2,9%) gestantes disseram ser portadoras de hipertensão arterial crônica e uma (0,5%) de anemia falciforme. Tabagismo anterior e atual foi referido por oito (3,9%) delas e etilismo (uso de bebida alcoólica no mínimo três vezes por semana) por 46 (22,1%) (Tabela 1). IMC pré-gestacional elevado ocorreu em 70 gestantes (34,6%) e o ganho de peso acima do esperado em 87 de 191 gestantes acompanhadas (45,5%) (Tabela 2). Dentre os desfechos, a anemia foi encontrada em 47 (25,3%) de 186 pacientes que realizaram hematimetria e glicemia com indicação para rastreamento de DMG, e em 32 (17,5%) das 183 que fizeram glicemia de jejum, tendo seis delas (3,4%) confirmado o diagnóstico pelo teste oral de tolerância à glicose. Nove de 201 gestantes (4,5%) tiveram pré-eclâmpsia, e de 182 gestantes, oito (4,4%) tiveram partos prematuros, 73 (40,1%) cesarianos, 20 (9,8%) recém-nascidos com peso excessivo para a idade gestacional (acima do percentil 90 ao nascer) e 27 (13,8%) com peso abaixo do percentil 10 (Tabela 3). 104 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):102-6 Tabela 1.Características demográficas e clínicas de 204 gestantes obtidas na consulta inicial de pré-natal em uma maternidade pública Variáveis Idade (média±dp) 26,5±6,4 n (%) Cor Parda 122 (59,8) Escolaridade Analfabeto/1º grau incompleto 29 (14,4) 1º grau completo/2º grau incompleto 60 (29,4) 2º grau completo/Superior incompleto 106 (51,8) Superior completo 9 (4,4) Ocupação Remunerada 104 (51,0) Não remunerada 100 (50,9) Estado civil União estável 147 (57,2) Solteira 67 (32,8) Antecedentes médicos Hipertensão crônica 6 (2,9) HG em gestação anterior 20 (9,8) DMG em gestação anterior 2 (1,0) Ganho de peso em gestações anteriores 65 (15,2) Tabagismo 8 (3,9) Etilismo Dados físicos iniciais 45 (22,1) (média±dp) Circunferência obstétrica 92,3±10,0 Peso 65,7±12,5 Índice de massa corpórea 25,4±4,6 Pressão arterial sistólica 110,0±13,0 Pressão arterial diastólica 66,7±10,8 HG: hipertensão gestacional; DMG: diabetes mellitus gestacional; DP: desvio padrão. Tabela 2. Distribuição das informações clínicas e antecedentes em gestantes de pré-natal de uma maternidade pública Fatores de risco Total n % Índice de massa corpórea pré-gestacional elevado 204 70 34,6 Ganho de peso acima do esperado 191 87 45,5 Pré-eclâmpsia 201 9 4,5 Anemia 186 47 25,3 Cesáreas prévias 204 25 12,3 Tabela 3. Incidência de desfechos materno-fetais adversos ocorridos em gestantes de pré-natal de uma maternidade pública Desfechos materno-fetais Total n % Pré-eclâmpsia 201 9 4,5 Diabetes mellitus gestacional 183 6 3,4 Prematuridade 182 8 4,4 Cesáreas 182 73 40,1 Recém-nascido grande para a idade gestacional* 182 20 9,8 Recém-nascido pequeno para a idade gestacional** 182 27 13,8 *Peso ao nascer maior que o percentil 90 para a idade gestacional; **Peso ao nascer menor que o percentil 10 para a idade gestacional. Perfil de risco gestacional e metabólico no serviço de pré-natal de maternidade pública do Nordeste do Brasil Tanto a análise bivariada quanto a regressão multivariada de Poisson mostraram que o IMC prégestacional elevado associou-se significativamente com pré-eclâmpsia (p<0,003, Risco Relativo (RR) de 17,7, com Intervalo de Confiança (IC) de 95% 2,1–137,5) e com parto cesariano (p<0,002, RR=1,7; IC95% 1,1–2,8). A escolaridade de 2º grau completo com parto cesariano pela análise bivariada (p<0,02), associação essa não confirmada pela regressão multivariada (p=0,69). A cesárea prévia com novo parto cirúrgico (p<0,001, RR=2,3; IC95% 1,3–3,4). O ganho de peso excessivo durante a gestação mostrou associação com recém-nascido de peso acima do percentil 90 (p<0,009, RR=4,7; IC95% 1,6–14,0). A anemia esteve associada tanto ao RN de peso acima do esperado (p<0,049, RR=3,4; IC95% 1,4–8,1) quanto ao com peso menor que o percentil 10 (p<0,010), significância não confirmada quando pela análise bivariada. Esses recém-nascidos de baixo peso para a idade gestacional, no entanto, guardaram associação com prematuridade (p<0,019, RR=2,8; IC95% 0,8–9,5) (Tabela 4). Discussão A amostra do presente estudo obtida em uma maternidade pública de ensino universitário mostra que a maioria das gestantes tinha 2º grau completo, superior à escolaridade observada em unidades da mesma região20,21. Apesar disso, a maior parte ingressou no pré-natal no segundo trimestre de gestação, com perda do principal período do acompanhamento, quando algumas medidas preventivas necessárias poderiam ser mais eficazes, principalmente em relaçãoao peso e à anemia. Vale salientar que 42,6% eram primigestas, com média de idade de 23 anos. O fator idade também justificaria o fato de que a maioria com diagnóstico de hipertensão crônica tinha de 31 a 41 anos, predispondo à hipertensão não gestacional22. O principal fator de risco encontrado para alterações materno-fetais que resultaram em desfechos desfavoráveis esteve relacionado com o peso aumentado da gestante. Esse grupo contou com número significativo de mulheres que iniciaram a gestação com sobrepeso e ganharam acima do preconizado ao longo do pré-natal, expondo-as ao desenvolvimento de desfechos materno-fetais evitáveis e concordante com a literatura como importante fator de risco para complicações obstétricas e neonatais3,23-25, o que também é corroborado pela literatura de outros países26. É amplamente divulgado, portanto, que na gestação a obesidade é vista como cofator para diversas outras patologias que afetarão diretamente os resultados20,25,27-30. Na população geral, a obesidade pode justificar o fato de que quase metade das gestantes avaliadas tinha parentes próximos portadores de diabetes mellitus31. Tabela 4. Associação entre desfechos materno-fetais desfavoráveis e fatores de risco por meioda análise bivariada e da regressão multivariada de Poisson em gestantes do pré-natal de uma maternidade pública Fatores de risco IMC pré-gestacional Desfechos Valor p RR (IC95%) Pré-eclâmpsia 0,003 17,2 2,1–137,5 Cesárea 0,002 1,8 1,1–2,8 RN acima do peso 0,009 4,7 1,6–14,0 RN acima do peso 0,040 3,4 1,4–8,1 RN abaixo do peso 0,010 0,1 0,0–1,0 Prematuridade RN abaixo do peso 0,010 2,8 0,8–9,5 Cesárea prévia Nova cesárea 0,001 2,3 1,3–3,9 Ganho de peso Anemia Como o estudo foi realizado em região com predominante miscigenação racial, de maioria parda, observou-se 61,8% de familiares do primeiro grau portadores de hipertensão arterial, patologia prevalente na raça negra22. Pelo mesmo motivo, o achado de 6,4% de anemia falciforme entre os familiares das gestantes se aproxima dos dados encontrados no estado da Bahia por Naoum32. A incidência de 4,5% de pré-eclâmpsia é concordante com trabalho de Buga et al.33, em que a população guarda semelhança racial. A anemia ocorreu em 25,3% do grupo, apontando benefício para o diagnóstico e correção precoces da patologia34,35. Este trabalho tem como objetivo descrever as características da população de gestantes assistidas em serviço público de pré-natal de maternidade universitária e identificar os fatores de risco associados a desfechos materno-fetais adversos. Foram importantes os resultados, mostrando que em gestantes com peso elevado ao ingressar no pré-natal o risco de pré-eclâmpsia foi 17 vezes maior quando comparado às gestantes de IMC normal, e que as com ganho excessivo de peso ao longo da gravidez tiveram cinco vezes mais chances de partos debebês com peso acima do esperado. Por fim, há validade em priorizar o parto natural, diante do aumento da necessidade de repetição cirúrgica nas pré-cesariadas. O estudo mostra a importância da identificação precoce dos fatores de risco e sua correção, trazendo benefícios para um dos setores da saúde pública mais abordados no momento, por meio dos programas de assistência materno-infantis. Modificar as condutas com medidas preventivas e assistenciais, na maioria das vezes com protocolos simples e pouca tecnologia, pode refletir positivamente, logrando êxito ao objetivo de preservação da saúde materno-infantil. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pela concessão de bolsa de mestrado para Eliane Menezes Flores Santos. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):102-6 105 Santos EMF, Amorim LP, Costa OLN, Oliveira N, Guimarães AC Referências 1. Andersen CS, Gamborg M, Sorensen TI, Nohr EA. Weight gain in different periods of pregnancy and offspring’s body mass index at 7 years of age. 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Roseli Mieko Yamamoto Nomura1 Letícia Vieira Paiva2 Verbênia Nunes Costa3 Adolfo Wenjaw Liao1 Marcelo Zugaib4 Influência do estado nutricional materno, ganho de peso e consumo energético sobre o crescimento fetal, em gestações de alto risco Influence of maternal nutritional status, weight gain and energy intake on fetal growth in high-risk pregnancies Artigo original Resumo Palavras-chave Estado nutricional Obesidade Gravidez Desenvolvimento fetal Gravidez de alto risco Keywords Nutritional status Obesity Pregnancy Fetal development Pregnancy, high-risk OBJETIVO: Analisar a influência do estado nutricional materno, ganho de peso e consumo energético sobre o crescimento fetal em gestações de alto risco. MÉTODOS: Estudo prospectivo de agosto de 2009 a agosto de 2010, com os seguintes critérios de inclusão: puérperas até o 5º dia; gestação de alto risco (caracterizada por complicações médicas ou obstétricas durante a gravidez); feto único e vivo no início do trabalho de parto; parto na instituição; peso materno aferido no dia do parto, e presença de intercorrência clínica e/ou obstétrica caracterizando a gravidez como de alto risco. O estado nutricional foi avaliado pelo índice de massa corporal pré-gestacional e no final da gestação, sendo as pacientes classificadas em: baixo peso, adequado, sobrepeso e obesidade. Para avaliação do consumo energético foi aplicado o Questionário de Frequência de Consumo Alimentar. Foram investigados o ganho de peso materno, dados do parto e resultados perinatais, investigando-se o crescimento fetal pela ocorrência de neonatos pequenos para a idade gestacional e grandes para a idade gestacional. RESULTADOS: Foram incluídas 374 gestantes que constituíram 3 grupos de estudo, de acordo com a adequação do peso do recém-nascido: idade gestacional adequada (270 casos, 72,2%), pequenos para a idade gestacional (91 casos, 24,3%) e grandes para a idade gestacional (13 casos, 3,5%). Na análise univariada, as mulheres com neonatos pequenos para a idade gestacional apresentaram média significativamente menor do índice de massa corporal pré-gestacional (23,5 kg/m2, p<0,001), do índice no final da gestação (27,7 kg/m2, p<0,001) e maior proporção de baixo peso materno pelo índice no final da gestação (25,3%, p<0,001). As mulheres com neonatos grandes para a idade gestacional apresentaram média significativamente maior do índice de massa corporal pré-gestacional (29,1 kg/m2, p<0,001), do índice no final da gestação (34,3 kg/m2, p<0,001) e maior proporção de sobrepeso (30,8%, p=0,02), e obesidade (38,5%, p=0,02) pelo índice pré-gestacional, e obesidade pelo índice no final da gestação (53,8%, p<0,001). Pela análise multivariada, foram identificados como fatores independentes para neonatos pequenos para a idade gestacional o valor do índice de massa corporal no final da gestação (OR=0,9; IC95% 0,8–0,9, p<0,001) e a presença de hipertensão arterial (OR=2,6; IC95% 1,5–4,5, p<0,001); e identificados como fatores independentes para neonatos grandes para a idade gestacional o diagnóstico de diabetes mellitus (OR=20,2; IC95% 5,3–76,8, p<0,001) e a obesidade pelo índice de massa corporal no final da gestação (OR=3,6; IC95% 1,1–11,7, p=0,04). CONCLUSÃO: O estado nutricional materno no final da gravidez de alto risco está associado de forma independente ao crescimento fetal, sendo o índice de massa corporal materno no final da gestação um fator protetor para o neonato pequeno para a idade gestacional e a obesidade fator de risco para o neonato grande para a idade gestacional. Abstract PURPOSE: To analyze the influence of maternal nutritional status, weight gain and energy consumption on fetal growth in high-risk pregnancies. METHODS: A prospective study from August 2009 to August 2010 with the following inclusion criteria: puerperae up to the 5th postpartum day; high-risk singleton pregnancies (characterized by medical or obstetrical complications during pregnancy); live fetus at labor onset; delivery at the institution; maternal weight measured on Correspondência Roseli Mieko Yamamoto Nomura Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Avenida Doutor Enéas de Carvalho Aguiar 255 10º andar – sala 10037 CEP: 05403-000 São Paulo (SP), Brasil Recebido 23/12/2011 Aceito com modificações 16/01/2012 Trabalho realizado na Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 1 Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 2 Programa de Pós-graduação (Mestrado) da Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 3 Programa de Pós-graduação (Doutorado) da Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. 4 Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. Conflito de interesses: não há. Nomura RMY, Paiva LV, Costa VN, Liao AW, Zugaib M the day of delivery, and presence of medical and/or obstetrical complications characterizing pregnancy as high-risk. Nutritional status was assessed by pregestational body mass index and body mass index in late pregnancy, and the patients were classified as: underweight, adequate, overweight and obese. A food frequency questionnaire was applied to evaluate energy consumption. We investigated maternal weight gain, delivery data and perinatal outcomes, as well as fetal growth based on the occurrence of small for gestational age and large for gestational age neonates. RESULTS: We included 374 women who were divided into three study groups according to newborn birth weight: adequate for gestational age (270 cases, 72.2%), small for gestational age (91 cases, 24.3%), and large for gestational age (13 cases, 3.5%). Univaried analysis showed that women with small for gestational age neonates had a significantly lower mean pregestational body mass index (23.5 kg/m2, p<0.001), mean index during late pregnancy (27.7 kg/m2, p<0.001), and a higher proportion of maternal underweight at the end of pregnancy (25.3%, p<0.001). Women with large for gestational age neonates had a significantly higher mean pregestational body mass index (29.1 kg/m2, p<0.001), mean index during late pregnancy (34.3 kg/m2, p<0.001), and a higher proportion of overweight (30.8%, p=0.02) and obesity (38.5%, p=0.02) according to pregestational body mass index, and obesity at the end of pregnancy (53.8%, p<0.001). Multivariate analysis revealed the index value during late pregnancy (OR=0.9; CI95% 0.8–0.9, p<0.001) and the presence of hypertension (OR=2.6; 95%CI 1.5–4.5, p<0.001) as independent factors for small for gestational age. Independent predictors of large for gestational age infant were the presence of diabetes mellitus (OR=20.2; 95%CI 5.3–76.8, p<0.001) and obesity according to body mass index during late pregnancy (OR=3.6; 95%CI 1.1–11.7, p=0.04). CONCLUSION: The maternal nutritional status at the end of pregnancy in high-risk pregnancies is independently associated with fetal growth, the body mass index during late pregnancy is a protective factor against small for gestational age neonates, and maternal obesity is a risk factor for large for gestational age neonates. Introdução O estado nutricional e o adequado ganho de peso materno são fatores importantes para o bom resultado da gravidez, bem como para a manutenção da saúde, a longo prazo, da mãe e da criança. A obesidade materna e o ganho de peso acima do recomendado aumentam os riscos para uma série de resultados adversos, tais como: diabetes gestacional, parto prolongado, pré-eclâmpsia, cesárea e depressão1-4. Para o recém-nascido, verifica-se maior morbidade neonatal e maior incidência de obesidade, sobrepeso e distúrbios metabólicos na infância e adolescência5-7. O ganho de peso materno abaixo das recomendações foi associado a maiores taxas de baixo peso ao nascer (<2.500 g) e recém-nascidos pequenos para a idade gestacional (PIG)8-10. O crescimento fetal é influenciado positivamente pelo estado nutricional materno. As anormalidades nos padrões do crescimento fetal resultam em recém-nascidos grandes para a idade gestacional (GIG) ou PIG. Ambos apresentam maior risco de agravos na saúde, tais como: baixos índices de Apgar, aspiração de mecônio, convulsões, complicações respiratórias, hospitalização prolongada e sequelas a longo prazo, incluindo a obesidade, hipertensão arterial e síndrome metabólica11. O estado nutricional é resultado do equilíbrio entre o consumo de nutrientes e o gasto energético do organismo para suprir as necessidades metabólicas. A obesidade materna associa-se a maior ganho de peso durante a gestação12. Os parâmetros adotados para a vigilância nutricional em gestantes são: índice de massa corporal (IMC) por semana gestacional e ganho de peso gestacional. Pela avaliação do IMC materno, é possível identificar gestantes em risco nutricional, quando classificadas como baixo peso, sobrepeso ou obesidade. Nessas condições, recomenda-se realizar uma orientação nutricional13. A alteração de peso materno na gravidez pode ser considerada como indicador do balanço de energia ingerida e 108 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):107-12 estado nutricional. Estudar a influência do ganho de peso e das mudanças do estado nutricional materno nos resultados da gravidez irá auxiliar na compreensão da relação estreita entre o estado nutricional materno e o crescimento fetal. A maioria dos estudos aborda análise de gestações de baixo risco ou sem morbidades associadas. É de grande interesse conhecer o papel do IMC materno em gestações de alto risco e sua associação com resultados perinatais adversos. O objetivo deste estudo foi analisar gestações de alto risco, buscando a influência do estado nutricional e do ganho de peso materno e do consumo energético no crescimento fetal. Métodos Este estudo prospectivo e transversal foi desenvolvido na Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FM-USP, no período entre agosto de 2009 e agosto de 2010. O Protocolo de Pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição. Foram convidadas a participar da pesquisa mulheres que tiveram o parto realizado na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da FM-USP, com os seguintes critérios de inclusão: puérperas até o 5º dia, cuja gestação foi considerada de alto risco; idade materna maior ou igual a 18 anos; feto único e vivo no início do trabalho de parto; parto na instituição; peso e altura maternos aferidos no dia do parto. Foram caracterizadas como de alto risco as que apresentaram alguma intercorrência clínica ou obstétrica, complicando a gravidez. Foram identificadas as seguintes intercorrências: hipertensão arterial (34,8%); diabetes mellitus (15,8%); cardiopatia materna (15,2%); rotura prematura de membranas (11,0%), colagenoses (6,2%) e outras complicações (17,1%). Os dados foram coletados por meio de entrevista aplicada pela pesquisadora executante, utilizando-se do Influência do estado nutricional materno, ganho de peso e consumo energético sobre o crescimento fetal, em gestações de alto risco. protocolo previamente elaborado, contendo: dados da paciente, dados da internação, intercorrências obstétricas, diagnósticos clínicos, dados do parto e do recémnascido. Foram pesquisadas nos prontuários da paciente as informações referentes às intercorrências clínicas e/ou obstétricas; tipo de parto (vaginal ou cesárea) e dados de idade gestacional no parto e peso do recém-nascido. Para avaliação do consumo energético, foi aplicado o modelo de Questionário de Frequência de Consumo Alimentar (QFCA) validado por Ribeiro et al.14, desenvolvido para a população adulta. Por meio desse questionário, foi possível avaliar o consumo dietético das gestantes, bem como, analisar a ingestão calórica diária. Os dados sobre alimentos consumidos (em gramas) foram analisados pela sua composição nutricional, utilizando-se de tabelas de composição química de alimentos, que formam o software Nutwin (CIS EPM, versão 2.5 nº 2380). O estado nutricional materno no final da gravidez foi avaliado pelo IMC, tendo como base a altura e o peso corporal da paciente, ambos aferidos na internação para o parto. Quando a internação ocorreu em período anterior à data do parto, foi utilizado o peso do dia do parto para o cálculo do IMC final. Foram utilizados os valores limites do IMC por semana gestacional da curva de Atalah Samur et al.15 para a classificação do estado nutricional materno final em: baixo peso, adequado, sobrepeso e obesidade. Para o cálculo do IMC pré-gestacional foi considerado o peso corporal da mulher antes da gravidez ou no seu início, até a 13ª semana, autorreferido ou anotado no cartão de pré-natal e classificado em baixo peso (IMC<18,5 kg/m2), adequado (18,5–24,9 kg/m2), sobrepeso (25,0–29,9 kg/m2) e obesidade (≥30 kg/m2), segundo a recomendação do Institute of Medicine (IOM)16. A idade gestacional foi calculada a partir da data da última menstruação (DUM), quando era compatível com a idade gestacional estimada pela ultrassonografia realizada, no máximo, até a vigésima semana de gestação. Nos casos em que não foi observada tal concordância, a idade gestacional foi calculada pelos dados da primeira ultrassonografia. O peso do recém-nascido, em gramas, aferido na sala de parto, foi comparado à curva de normalidade de Alexander et al.17, de forma que foram classificados como PIG os com o peso inferior ao 10º percentil da faixa correspondente, adequados para a idade gestacional (AIG) quando entre os percentis 10 e 90, e GIG quando acima do percentil 90. Foram incluídas 374 gestantes, que constituíram 3 grupos de estudo, de acordo com a adequação do peso do recém-nascido: AIG (270 casos, 72,2%), PIG (91 casos, 24,3%) e GIG (13 casos, 3,5%). As características da população, nos grupos analisados, estão apresentadas na Tabela 1. Não se constatou diferença significativa na média da idade materna, na proporção de mulheres brancas, na proporção de nulíparas ou quanto ao tabagismo. Os resultados foram analisados com o programa Medcalc, versão 11.5.1.0 (Medcalc Software, Bélgica). As variáveis categóricas foram analisadas descritivamente, calculando-se frequências absolutas e relativas. Para análise das variáveis contínuas, os resultados foram expressos em médias e desvios-padrão. Para a comparação entre proporções foi aplicado o teste de χ2, e, quando pertinente, o teste exato de Fisher. Foi utilizado o teste ANOVA para a comparação das médias entre os grupos, nas variáveis com distribuição normal, e o teste de KruskalWallis para as variáveis de distribuição não normal. Foi utilizado o modelo de regressão logística múltipla para a identificação das variáveis independentes, associadas aos desfechos: recém-nascido PIG e GIG. Foi adotado como nível de significância o valor 0,05 (α=5%). Com isso, níveis descritivos (p) inferiores a esse valor foram considerados significantes (p<0,05). Resultados Entre as morbidades identificadas como complicações da gravidez, houve associação significativa entre o diagnóstico de diabetes mellitus e o nascimento de GIG (Tabela 1). A análise do estado nutricional materno prégestacional e no final da gravidez, e a associação aos desvios do crescimento fetal estão apresentadas na Tabela 2. Verifica-se que ambos os parâmetros associam-se com a ocorrência de recém-nascido PIG ou GIG. As mulheres com neonatos PIG apresentaram média significativamente menor do IMC pré-gestacional (23,5 kg/m2, p<0,001), bem como do IMC no final da gestação (27,7 kg/m2, p<0,001) e maior proporção de casos classificados como de baixo peso materno pelo IMC no final da gestação (25,3%, p<0,001). As mulheres com neonatos GIG apresentaram média significativamente maior do IMC pré-gestacional (29,1 kg/m2, p<0,001), do IMC no final da gestação (34,3 kg/m2, p<0,001) e maior proporção de sobrepeso (30,8%, p<0,02) e obesidade (38,5%, p=0,02) pela classificação do IMC pré-gestacional, e obesidade pelo IMC no final da gestação (53,8%, p<0,001). No entanto, o ganho de peso materno e o consumo de calorias na dieta materna não mostraram relação significativa com anormalidades do crescimento fetal (Tabela 2). As variáveis foram estudadas para a predição da ocorrência de recém-nascido PIG e GIG por meio do modelo de regressão logística com seleção pelo procedimento stepwise. As seguintes variáveis foram incluídas no modelo: tabagismo, diagnóstico de hipertensão arterial, diabetes mellitus, ganho de peso materno, IMC pré-gestacional, IMC no final da gestação, classificação do estado nutricional materno pelo IMC pré-gestacional e classificação pelo IMC no final da gestação. Realizando-se a análise multivariada, as variáveis independentes que restaram no modelo final Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):107-12 109 Nomura RMY, Paiva LV, Costa VN, Liao AW, Zugaib M Tabela 1. Características maternas, dados do parto e do recém-nascido nas gestações de alto risco, de acordo com a adequação do peso do recém-nascido Características AIG (n=270) PIG (n=91) GIG (n=13) Valor p 29,2±6,7 30,3±8,5 0,7 Idade, anos, (média±DP) 29,7±6,1 Cor branca, n (%) 137 (50,7) 43 (47,3) 5 (38,5) 0,5 Nulíparas, n (%) 91 (33,7) 40 (44,0) 4 (30,8) 0,4 Tabagismo, n (%) 33 (12,2) 20 (22,0) 1 (7,7) 0,06 Hipertensão arterial 86 (31,9) 38 (41,8) 6 (46,2) 0,1 Diabetes mellitus 42 (15,6) 7 (7,7) 10 (76,9) <0,001 Cardiopatia materna 42 (15,6) 14 (15,4) 1 (7,7) 0,6 Rotura prematura de membranas 34 (12,6) 7 (7,7) 0 (0) 0,1 Colagenoses 15 (5,6) 7 (7,7) 1 (7,7) 0,7 Parto cesárea, n (%) 189 (70,0) 73 (80,2) 11 (84,6) IG no nascimento, semanas, (média±DP) 37,7±2,6 Intercorrências clínicas e/ou obstétricas, n (%) 36,4±3,0 Apgar de 1º min <7, n (%) 30 (11,1) 12 (13,2) Apgar de 5º min <7, n (%) 9 (3,3) 3 (3,3) 22 (8,2) 15 (16,5) UTI neonatal, n (%) Peso do RN, g, (média±DP) 3018±590 2095±573 38,4±1,0 0,1 <0,001 1 (7,7) 0,7 0 (0) 0,8 1 (7,7) 4166±21 0,07 <0,001 AIG: adequado para a idade gestacional; PIG: pequeno para a idade gestacional; GIG: grande para a idade gestacional; DP: desvio-padrão; IG: idade gestacional; UTI: unidade de terapia intensiva; RN: recém-nascido. Tabela 2. Estado nutricional, ganho de peso e consumo energético materno nas gestações de alto risco de acordo com a adequação do peso do recém-nascido Características AIG (n=270) PIG (n=91) GIG (n=13) Valor p IMC pré-gestacional, (média±DP) 25,7±6,0 23,5±4,5 29,1±5,6 <0,001 Classificação pelo IMC pré-gestacional, n (%) Baixo peso 16 (5,9) 5 (5,5) Adequado 131 (48,5) 59 (64,8) 4 (30,8) Sobrepeso 70 (25,9) 20 (22,0) 4 (30,8) Obesidade IMC no final da gestação, (média±DP) 53 (19,6) 30,6±6,1 7 (7,7) 27,7±4,5 0 (0) 0,02 5 (38,5) 34,3±5,9 <0,001 Classificação pelo IMC no final da gestação, n (%) Baixo peso 31 (11,5) 23 (25,3) Adequado 90 (33,3) 33 (36,3) 3 (23,1) Sobrepeso 78 (28,9) 24 (26,4) 3 (23,1) Obesidade 71 (26,3) 11 (12,1) 7 (53,8) 0 (0) <0,001 Ganho de peso materno, kg, (média±DP) 12,3±7,1 10,6±7,0 13,7±7,8 0,1 Consumo energético, kcal/d, (média±DP) 2422±758 2342±720 2196±645 0,4 AIG: adequado para a idade gestacional; PIG: pequeno para a idade gestacional; GIG: grande para a idade gestacional, IMC: índice de massa corporal; DP: desvio-padrão. para predição do recém-nascido PIG foram: diagnóstico de hipertensão arterial (OR=2,6; IC95% 1,5–4,5, p<0,001) e IMC no final da gravidez (OR=0,9; IC95% 0,8–0,9, p<0,001). Com o presente modelo, constatou-se que 76,5% dos casos são corretamente classificados. A análise multivariada para predição do recém-nascido GIG foi realizada incluindo-se as seguintes variáveis: tabagismo, diagnóstico de hipertensão arterial, diabetes mellitus, ganho de peso materno, IMC pré-gestacional, IMC no final da gestação, classificação do estado nutricional materno pelo IMC pré-gestacional e classificação pelo IMC no final da gestação. Foram identificadas como independentes as seguintes variáveis: diagnóstico de 110 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):107-12 diabetes mellitus (OR=20,2; IC95% 5,3–76,8, p<0,001) e obesidade na classificação pelo IMC no final da gravidez (OR=3,6; IC95% 1,1–11,7, p=0,04), com o modelo classificando corretamente 96,5% dos casos. Discussão Esta pesquisa constatou que existe associação entre o estado nutricional materno e as anormalidades no crescimento fetal. Para a predição de neonato PIG, identificou-se como fatores independentes: o diagnóstico de hipertensão arterial e o valor do IMC no final da gravidez; enquanto, para a predição do neonato GIG, foram identificados como Influência do estado nutricional materno, ganho de peso e consumo energético sobre o crescimento fetal, em gestações de alto risco. fatores independentes o diagnóstico de diabetes mellitus complicando a gravidez e o diagnóstico de obesidade pelo IMC no final da gestação. Existem limitações que dificultam a avaliação do IMC durante a gravidez pela influência de fatores como: retenção de líquidos; o próprio crescimento uterino; formação de tecidos fetais e da placenta, e o volume de líquido amniótico. No entanto, o IMC final parece ser fator comum que influencia de forma independente no crescimento fetal. A obesidade no final da gravidez é fator de risco para o neonato GIG e o valor absoluto do IMC final exerce efeito protetor para a ocorrência de neonato PIG. O controle do ganho de peso corporal durante a gestação é tão importante para a saúde materna quanto para o resultado do parto. Mantakas e Farrell18, analisando o resultado da gestação de nulíparas, observam que o maior IMC implica maior risco para cesarianas em obesas (RR=1,6; IC95%=1,4–1,7), quando comparadas com as de IMC normal. Esses autores também confirmam que o aumento do IMC materno durante a gravidez contribui de maneira negativa para os resultados perinatais, aumentando o risco de recém-nascido macrossômico (>4000 g), distocia de ombros e de óbito fetal. No presente estudo, não se constatou associação do tipo de parto à adequação do peso do recém-nascido. Pelo fato de a população estudada ser constituída apenas de gestantes de alto risco, é elevada a taxa de cesáreas, dificultando verificar a associação do crescimento fetal com o tipo de parto. A classificação do IMC pelo peso pré-gestacional é proposto pelo IOM16 para a determinação do estado nutricional materno e, a partir desse parâmetro, são estabelecidas as recomendações para o ganho de peso na gravidez. Entretanto, sabe-se que as gestantes podem mudar de classificação nutricional e, para melhor avaliação durante a gestação, Atalah Samur et al.15 desenvolvem instrumento baseado no IMC ajustado para a idade gestacional. Esse método de avaliação antropométrica abrange aplicação mais universal, podendo representar um método mais satisfatório de estimativa, permitindo a identificação de mudança de estado nutricional no decorrer da gravidez. Pela curva de Atalah Samur et al.15, o peso da gestante é acompanhado durante o seguimento pré-natal, e intervenções nutricionais podem ser propostas mediante a verificação de tendências crescentes ou decrescentes da curva da gestante. O metabolismo basal aumenta de forma importante durante a gravidez, para que não ocorra competição biológica entre a mãe e o feto, que poderia promover comprometimento da saúde fetal. Dessa forma, se torna necessário maior quantidade de energia e nutrientes. No primeiro trimestre, não há necessidade de aumentar aporte calórico, mas a alimentação deve ser equilibrada. Durante o segundo trimestre, recomenda-se o aumento de consumo dietético de energia em apenas 340 calorias por dia e, no terceiro, de 450 calorias por dia19. De acordo com IOM16, a ingestão recomendada de energia é de 2.403 calorias para o primeiro trimestre, 2.743 calorias para o segundo, e 2.855 calorias para o terceiro trimestre. Desses valores, devem ser subtraídas 7 calorias para cada ano de idade acima de 19 anos. No Brasil, estudo realizado em Porto Alegre com gestantes, verificou média de consumo dietético de 2.776 calorias/dia20. No Rio de Janeiro com 407 gestantes, os autores verificam média do consumo de 3.027 calorias21. No presente estudo, constataram-se menores valores de consumo energético, e esses parâmetros não mostraram associação significativa com o crescimento fetal. Pelo fato de esta casuística abordar especificamente gestantes de alto risco, com diferentes patologias, acompanhadas no contexto de suas intercorrências, é esperado que o perfil de consumo dietético sofra influências, resultando em valores relativamente inferiores aos apontados nos demais artigos da literatura. A longo prazo, recém-nascidos GIG de mães obesas ou diabéticas tem predisposição para o desenvolvimento de obesidade infantil e síndrome metabólica na vida adulta22. Nos estudo de Bhattacharya et al.23 verifica-se que mulheres com obesidade mórbida têm maior risco de terem filhos com peso ao nascer >4000 g (OR=2,1; IC95% 1,3–3,2). E a pesquisa HAPO24, estudo internacional, multicêntrico e epidemiológico realizado em 15 centros de 9 países, conclui que o IMC materno elevado, independente da alteração glicêmica, está fortemente associado a maior frequência de complicações relacionadas ao excessivo crescimento fetal e pré-eclâmpsia. Dessa forma, quanto ao fator de classificação de recém-nascidos GIG, no presente estudo, constatou-se maior associação à obesidade e ao diagnóstico de diabetes, visto na análise de regressão logística. O presente estudo permitiu concluir que o estado nutricional materno no final da gravidez de alto risco está associado de forma independente ao crescimento fetal, sendo o IMC materno no final da gestação um fator protetor para o neonato PIG e a classificação como obesidade um fator de risco para o neonato GIG. A existência de determinadas patologias influenciam de forma independente no crescimento fetal: a hipertensão arterial associa-se ao neonato PIG e a diabetes mellitus ao GIG. Isso demonstra a necessidade de acompanhamento mais eficiente de ganho de peso na gestação de alto risco, com o objetivo de minimizar as anormalidades no crescimento fetal. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP pelo auxílio recebido (bolsa de mestrado). Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):107-12 111 Nomura RMY, Paiva LV, Costa VN, Liao AW, Zugaib M Referências 1. Fortner RT, Pekow P, Solomon CG, Markenson G, Chasan-Taber L. Prepregnancy body mass index, gestational weight gain, and risk of hypertensive pregnancy among Latina women. Am J Obstet Gynecol. 2009;200(2):167.e1-7. 13. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e humanizada: manual técnico. 3a ed. Brasília DF; 2006. 2. Stotland NE, Hopkins LM, Caughey AB. Gestational weight gain, macrosomia, and risk of cesarean birth in nondiabetic nulliparas. 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Hyperglycaemia and adverse pregnancy outcome (HAPO) study: associations with maternal body mass index. BJOG. 2010;117(5):575-84. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):107-12 Maria do Socorro Cavalcante1 Everardo de Macêdo Guanabara2 Camila Pinto de Nadai3 Complicações maternas associadas à via de parto em gestantes cardiopatas em um hospital terciário de Fortaleza, CE Maternal complications related to the mode of delivery in pregnant women with heart disease in a specialist high risk delivery hospital in Fortaleza, CE Artigo original Resumo Palavras-chave OBJETIVO: Verificar a associação entre complicações maternas e tipo de parto em gestantes cardiopatas, assim como identificar os possíveis fatores clínicos e obstétricos, implicados na determinação da via de parto. MÉTODOS: Estudo retrospectivo e descritivo analisando prontuários médicos das gestantes cardiopatas internadas em Hospital de Referência terciário no município de Fortaleza, Ceará, no período de 2006 a 2007. A população do estudo incluiu todas as gestantes com diagnóstico anteparto de cardiopatias admitidas para realização do parto e excluiu as gestantes que tiveram o diagnóstico de cardiopatia após o parto, independente da idade e semana gestacional. Utilizou-se um questionário semiestruturado com variáveis demográficas, clínicas e obstétricas. Realizou-se, inicialmente, uma análise descritiva por meio de frequências simples e proporções das variáveis sociodemográficas, clínicas e obstétricas. Em seguida foram analisadas possíveis associações entre os aspectos clínicos, obstétricos e tipo de parto, verificando associação entre complicações maternas e tipo de parto. Para isso, foi aplicado o teste Exato de Fischer, considerando p<0,05 para o estabelecimento da significância estatística. Os dados coletados foram processados e analisados utilizando o software Epi-Info™, versão 6.04, Atlanta, USA. RESULTADOS: Foram incluídas 73 gestantes cardiopatas. Dentre as congênitas, a comunicação interatrial foi a mais observada (11,0%) e entre as adquiridas, a estone mitral a mais freqüente (24,6%). A proporção de partos cesáreos foi maior do que entre os vaginais, exceto para mulheres com cardiopatia adquirida. Foi encontrada associação entre tipo de cardiopatia e tipo de parto (p=0,01). Houve 13 complicações maternas (17,8%). Dentre as complicações, dez (76,9%) ocorreram por parto cesáreo e três por via vaginal. Não foi encontrada associação entre complicações maternas e tipo de parto em gestantes cardiopatas (p=0,74). CONCLUSÕES: Não houve associação entre a ocorrência de complicações maternas e a via de parto em gestantes cardiopatas. Cardiopatias Gestantes Complicações da gravidez Parto Mortalidade materna Keywords Heart disease Pregnant women Pregnancy, complications Parturition Maternal mortality Abstract PURPOSE: To determine the association between maternal complications and type of delivery in women with heart disease and to identify the possible clinical and obstetrical factors implicated in the determination of the route of delivery. METHODS: This was a retrospective and descriptive study of the medical records of pregnant women with heart disease admitted to a tertiary reference hospital in the municipality of Fortaleza, Ceará, from 2006 to 2007. The study population included all pregnant women with an antepartum diagnosis of heart disease admitted for delivery, while women who received a diagnosis of heart disease after delivery were excluded, regardless of age and gestational week. A semi-structured questionnaire regarding sociodemographic, clinical and obstetrical variables was used. A descriptive analysis was first performed based on simple frequencies and proportions of the sociodemographic variables. Next, possible associations between clinical and obstetrical aspects and type of delivery were analyzed, with the verification of association between maternal complications and type of delivery. The Fisher exact test was applied for this analysis, with the level of significance set at p<0.05. The collected data were processed and analyzed using the Epi-Info™ software version 6.04 (Atlanta, USA). RESULTS: Seventy-three pregnant women with heart disease were included in the study. Interatrial communication was the condition most frequently observed among congenital diseases (11.0%) and mitral calcification among the acquired ones (24.6%). Correspondência Maria do Socorro Cavalcante Avenida Imperador 372 – Centro CEP 60015-052 Fortaleza (CE), Brasil Recebido 22/08/2011 Aceito com modificações 25/01/2012 Trabalho realizado no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Geral Dr. César Cals – HGCC – Fortaleza (CE), Brasil. Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do Hospital Geral Dr. César Cals – HGCC – Fortaleza (CE), Brasil. 2 Programa de Residência Médica em Tocoginecologia do Hospital Geral Dr. César Cals – HGCC – Fortaleza (CE), Brasil. 3 Internato de Tocoginecologia do Hospital Geral Dr. César Cals – HGCC – Fortaleza (CE), Brasil. 1 Cavalcante MS, Guanabara EM, Nadai CP The proportion of cesarean deliveries was higher than the proportion of vaginal deliveries, except for women with acquired heart disease. An association was detected between type of heart disease and type of delivery (p=0.01). There were 13 cases of maternal complications (17.8%). Among them, ten (76.9%) occurred during cesarean section and three during vaginal delivery. No association mas detected between maternal complications and type of delivery in pregnant women with heart disease (p=0.74). CONCLUSIONS: There was no association between the occurrence of maternal complications and route of delivery among pregnant women with heart disease. 114 Introdução Métodos No Brasil, a incidência de cardiopatia na gravidez em centros de referência é de até 4,2% e universalmente é considerada a maior causa de morte materna indireta no ciclo gravídico-puerperal1. A gravidez representa um momento de grandes modificações no organismo materno. O sistema cardiovascular sofre alterações no débito cardíaco, frequência cardíaca, resistência vascular periférica e volemia, todas estas para possibilitar um fluxo útero-placentário satisfatório a nutrir e oxigenar o feto em desenvolvimento2,3. Estas mudanças solicitam um esforço maior do coração que, quando se apresenta com alguma disfunção, pode comprometer a evolução da gravidez, o parto e o puerpério3. A classificação funcional da New York Heart Association (NYHA) é usada para avaliar o estado clínico de pacientes com doença cardíaca e auxiliar no prognóstico materno apontando as complicações maternas. A mortalidade materna é diretamente proporcional à classe funcional específica4,5. Pacientes cardiopatas com classes funcionais I e II costumam tolerar a gravidez, enquanto as que possuem classes funcionais III e IV têm maiores riscos de complicações cardiovasculares5. Durante a gravidez de paciente cardiopata, a morbimortalidade materna e fetal aumenta, seja por complicações próprias da doença de base, como edema agudo de pulmão, fenômenos tromboembólicos, insuficiência cardíaca, seja como por complicações fetais6. O risco de complicações entre as gestantes cardiopatas aumenta muito, principalmente no período periparto devido ao aumento da demanda cardíaca no parto e pós-parto decorrente das contrações uterinas, ansiedade, autotransfusão do útero e perdas sanguíneas2,5,7. A determinação da via de parto, bem como do melhor momento para a resolução da gravidez, são ainda objetos de muitos questionamentos na gestação complicada pela cardiopatia materna8. Na literatura referente ao tema cardiopatia e gravidez existem poucos trabalhos focalizando complicações maternas e determinação da via de parto. Alguns autores associam o parto cesáreo ao maior risco de mortalidade e morbidade maternas8. Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi verificar a associação entre complicações maternas e via de parto em gestantes cardiopatas, assim como identificar os possíveis fatores clínicos e obstétricos implicados na determinação da via de parto em um Hospital de Referência para parto de alto risco no Nordeste do Brasil. Trata-se de um estudo transversal, descritivo e retrospectivo realizado em um hospital público, nível terciário com unidade de urgência e emergência em Ginecologia e Obstetrícia, referência para o atendimento à gestante de alto risco, no período de 2006 a 2007, no município de Fortaleza, Ceará. A população do estudo incluiu todas as gestantes com diagnóstico anteparto de cardiopatias admitidas para realização do parto e excluiu as gestantes que tiveram o diagnóstico de cardiopatia após o parto, independente da idade e período gestacional. A idade gestacional variou da 27ª a 42ª semanas, média de 37,3 (±3 semanas). Entre 2006 e 2007 no Hospital de Referência terciário no município de Fortaleza, Ceará, foram admitidas para parto 15.098 gestantes e destas, 73 (0,5%) eram cardiopatas. A idade variou de 14 a 46 anos, com média de idade de 26,4 anos (±7 anos). A faixa etária mais frequente no estudo foi de 20 a 29 anos, correspondendo a 36 pacientes (49,3%). Mais da metade (58,9%) eram residentes em Fortaleza e possuíam entre 4 a 11 anos de estudo (76,7%); iniciaram o pré-natal no 2º trimestre gestacional e apenas 37,0% realizaram sete ou mais consultas de pré-natal. A cesárea foi o tipo de parto mais frequente, com 69,9%, e três (4,1%) foram a óbito (Tabela 1). Os dados foram coletados em duas etapas: primeiramente foram identificadas todas as gestantes cardiopatas internadas no hospital a partir dos livros de registros existentes na sala de parto. Na segunda etapa, após a identificação dos casos realizou-se a coleta das informações nos prontuários de todas as gestantes cardiopatas arquivados na instituição. As informações referentes às condições clínicas e obstétricas foram transcritas da evolução médica e de exames de imagem contidos nos prontuários. Utilizou-se um questionário semiestruturado com variáveis categorizadas em aspectos demográficos (idade, escolaridade, procedência), clínicos (tipos de cardiopatia, ocorrência de comorbidades) e obstétricos (início do pré-natal, número de consultas, presença de intercorrências, presença de complicações maternas, tipo de parto, óbito materno). A variável complicação materna foi dividida em clínica e obstétrica, e definida como qualquer paciente que apresentasse um dos seguintes sintomas: descompensação do quadro clínico ou ocorrência de eventos cardiovasculares (disfunção de prótese, choque cardiogênico, parada cardiorrespiratória); anemia com necessidade de transfusão sanguínea; tromboembolismo pulmonar; edema agudo de pulmão; endocardite infecciosa. Quanto ao quadro obstétrico foram consideradas Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):113-7 Complicações maternas associadas à via de parto em gestantes cardiopatas em um hospital terciário de Fortaleza, CE complicações: sangramento aumentado no parto decorrente de hipotonia uterina; traumatismo do canal de parto; presença de hematomas intraperitoneais e em parede abdominal ou ainda de vulva ou períneo; infecção puerperal. Realizou-se, inicialmente, uma análise descritiva por meio de frequências simples e proporções das variáveis sociodemográficas, clínicas e obstétricas. Em seguida foram analisadas possíveis associações entre os aspectos clínicos, obstétricos e tipo de parto, verificando-se associação entre complicações maternas e tipo de parto. Para isso foi aplicado o teste exato de Fischer, considerando p<0,05 para o estabelecimento da significância estatística. As informações obtidas foram processadas e analisadas no software Epi-info™, versão 6.04, Atlanta, USA. Este trabalho foi avaliado e aprovado em reunião do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Geral Dr. César Cals, local do estudo, com parecer de nº 209/2008. Tabela 1. Características sociodemográficas, pré-natal das gestantes cardiopatas admitidas para parto Variáveis n % 14–19 11 15,1 20–29 36 49,3 30–39 24 32,9 40–49 2 2,7 Faixa etária (anos) Procedência Fortaleza 43 58,9 Outros municípios 30 41,1 Escolaridade (em anos de estudo) Analfabeta 3 4,2 1–3 7 9,6 4–7 20 27,4 8–11 36 49,3 12 e mais 5 6,8 Ignorado 2 2,7 Início pré-natal 1º trimestre 28 38,4 2º trimestre 32 43,8 3º trimestre 0 0,0 Ignorado 13 17,8 Nenhuma 1 1,4 1–3 8 11,0 4–6 37 50,7 7 ou mais 27 37,0 Nº consultas Tipo de parto Vaginal 22 30,1 Cesárea 51 69,9 Sim 3 4,1 Não 70 95,9 Óbito materno Fonte: Dados da pesquisa/Serviço de Obstetrícia/Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do HGCC. Resultados A Tabela 2 mostra os aspectos clínicos e obstétricos em relação ao tipo de parto. Observou-se que, para todos os tipos de cardiopatia, a proporção de partos cesáreos foi maior do que entre os vaginais, exceto na cardiopatia adquirida. Foi encontrada associação entre tipo de cardiopatia e tipo de parto (p=0,01). Entre o grupo das comorbidades clínicas, destaca-se a hipertensão arterial e anemia, tendo a cesárea como via de parto mais frequente. Dentre as intercorrências obstétricas, não foram encontradas diferenças nas proporções em relação ao tipo de parto. Neste estudo foram encontradas 13 complicações maternas (17,8%). Dentre as complicações, dez (76,9%) ocorreram pós-parto cesáreo e três pós via vaginal. Não foi encontrada associação entre tipo de parto e complicações maternas em gestantes cardiopatas (p=0,7). As complicações obstétricas observadas neste estudo foram: hipotonia uterina com sangramento transvaginal intenso com necessidade de transfusão sanguínea (dois casos) e hematoma de parede abdominal (dois casos). As complicações clínicas encontradas foram: infecção de sítios Tabela 2. Aspectos clínicos e obstétricos entre gestantes cardiopatas e tipo de parto, admitidas para parto Tipo de parto Dados clínicos Vaginal (n=22) Cesárea (n=51) n % n % 1 14,3 6 85,7 94,1 Tipo de cardiopatia Arritmia Valor p 0,01 Congênita 1 5,9 16 Adquirida 20 42,5 27 57,5 Outras 0 0,0 2 100,0 Hipertensão arterial 0 0,0 7 100,0 Diabetes 1 100,0 0 0,0 Anemia 3 27,3 8 72,7 Outras 2 20,0 8 80,0 Nenhuma 16 36,4 28 63,6 Amniorrexe prematura 4 44,4 5 55,6 DHEG 2 28,6 5 71,4 CIUR 2 33,3 4 66,7 Oligoâmnio 0 0,0 6 100,0 Óbito fetal 2 100,0 0 0,0 Diabetes gestacional 1 100,0 0 0,0 Nenhuma 11 26,2 31 73,8 Sim 3 23,1 10 76,9 Não 19 31,7 41 68,3 Comorbidades clínicas 0,1 Intercorrências obstétricas 0,3 Complicações maternas 0,7 Fonte: Dados da pesquisa/Serviço de Obstetrícia /Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do HGCC. DHEG: Doença Hipertensiva Específica da Gravidez; CIUR: Crescimento IntraUterino Restrito. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):113-7 115 Cavalcante MS, Guanabara EM, Nadai CP extrauterinos (vias aéreas), edema agudo de pulmão, choque cardiogênico, tromboembolismo pulmonar, endocardite infecciosa, oclusão arterial aguda e morte materna em três casos (dados não apresentados em tabela). Discussão Existem poucos trabalhos na literatura sobre o tema discutido neste estudo, o qual apresenta algumas limitações, dentre as quais se destaca a falta de registro da classe funcional em alguns prontuários, que prediz o prognóstico da gravidez em cardiopatas, o que impossibilitou a avaliação desta variável. Portanto, o fato de este estudo ser retrospectivo e depender de informações registradas em prontuários dificultou uma melhor análise das complicações maternas. As gestantes cardiopatas eram jovens, com baixo nível de escolaridade e com dificuldade de acesso aos serviços de atendimento pré-natal. Este estudo mostra que, de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde, pouco mais de um terço das gestantes frequentaram o serviço de pré-natal e tiveram o número de consultas consideradas adequadas (seis consultas), e quase metade das gestantes iniciaram o pré-natal no segundo trimestre. É importante lembrar que a assistência pré-natal iniciada em fase precoce da gestação desempenha um papel fundamental para o sucesso da condução da gestante cardiopata. Portanto, associando um número de consultas de pré-natal satisfatório com uma atenção de qualidade iniciada no momento certo, pode-se reduzir consideravelmente os riscos de complicações. Também foi observado que boa parte das pacientes tinha apenas o ensino fundamental incompleto (4 a 7 anos de estudo). A este respeito, o Ministério da Saúde9 cita a baixa escolaridade como fator desfavorável à gravidez, implicando na deficiência das gestantes ao entendimento, aceitação e seguimento das orientações prestadas pelos profissionais de saúde. A incidência de cardiopatia no hospital no período analisado foi de 0,5%, semelhante aos resultados apresentados por Avila et al.10. Diante do exposto, conclui-se que o hospital de referência onde se deu a realização deste estudo conseguiu captar parte das gestantes cardiopatas do Estado. Para Reimold e Rutherford11, apesar de a incidência de cardiopatia ser baixa na gravidez, a sua presença aumenta o risco de resultados adversos maternos e perinatais. Observou-se que o parto cesáreo foi empregado para a maioria das pacientes e esteve relacionado à presença de cesárea anterior, intercorrências obstétricas, apresentação pélvica, diagnóstico de cardiopatia congênita e alguns casos que não foram discriminados. O Brasil está entre os países com mais alta taxa de cesárea (alcançando aproximadamente 40%), mas o recomendado pela Organização 116 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):113-7 Mundial da Saúde é de apenas 15%8. A taxa de cesárea entre as mulheres portadoras de doença cardíaca tende a ser mais elevada do que entre as mulheres saudáveis, seja devido a questões clínicas, seja decorrente de repercussões perinatais2. Comparando a taxa obtida com aquelas relatadas em outros estudos, verificou-se que a prevalência de cesáreas nesta população foi alta, mas esteve dentro da faixa esperada para gestantes cardiopatas atendidas em hospital terciário. Quanto à etiologia, os casos foram divididos em: arritmias, cardiopatias adquiridas e congênitas. Dentre as adquiridas, a doença cardíaca reumática foi a mais prevalente, o que confirma os dados encontrados em outros estudos5,10. A cardiopatia reumática predomina nos países em desenvolvimento, enquanto em países como Canadá e Estados Unidos predominam as pacientes com cardiopatia congênita10. O parto cesáreo predominou em todos os tipos de cardiopatia. Quanto à presença de comorbidades clínicas, a anemia foi a mais comumente observada, podendo, assim, precipitar as complicações cardiovasculares. Mais uma vez, ressalta-se aqui a importância de uma assistência pré-natal eficaz para reduzir estes achados adversos. Deve-se atentar, também, que o próprio trabalho de parto induz a paciente grávida a um maior esforço com demanda maior de oxigênio, e em situações de anemia, pode gerar uma situação compensatória de alto débito, mas que esbarraria em situações de débito cardíaco fixo, como as valvopatias reumáticas estenóticas do tipo mitral, com repercussões como edema agudo de pulmão, aumentando o risco de complicações no parto e puerpério. Dentre as intercorrências obstétricas, a amniorrexe prematura foi a mais prevalente. Foram também encontrados neste estudo casos de crescimento intrauterino restrito (CIUR). Borges et al.12 relataram que as modificações hemodinâmicas e cardíacas que ocorrem durante a gestação guardam íntima relação com o resultado perinatal. A maioria dos partos não estavam associados às comorbidades clínicas, intercorrências obstétricas e complicações maternas. Foram observados três casos de morte materna, um no intraparto e dois no puerpério imediato, nas primeiras 72 horas. A mortalidade materna neste estudo foi de 4,1%. De acordo com Viñas Oliva et al.13, em estudo cubano abrangendo 233 gestantes cardiopatas, a taxa de mortalidade materna foi de 1,2%. A frequência de complicações maternas observadas neste estudo não está muito acima dos números referidos na literatura, apesar da alta prevalência de partos cesáreos neste estudo. Os partos cesáreos devem ser realizados com indicação obstétrica por estarem associados a maior perda sanguínea, alto risco de tromboembolismo e risco de infecções2. Complicações maternas associadas à via de parto em gestantes cardiopatas em um hospital terciário de Fortaleza, CE Concluiu-se, neste estudo, que o parto cesáreo foi predominante entre as gestantes cardiopatas, apesar de o parto vaginal com fórceps ser o recomendado. Considerando que este tipo de parto expõe a mulher a maior risco de complicações e morte, torna-se imprescindível melhorar a qualidade do pré-natal, formar equipes multidisciplinares para prestar assistência pré-natal e parto, para acompanhar com maior segurança a gravidez da gestante cardiopata e escolher a melhor via de parto. Referências 1. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia para gravidez na mulher portadora de cardiopatia. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6 Suppl 1):e110e178. 2. Pieper PG. 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Resultados perinatológicos del servicio de Cardiopatía y Embarazo del Hospital Ginecobstétrico” Ramón González Coro” en el bienio 2000-2001, Habana. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2003;3(1):49-60. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):113-7 117 Heleodoro Corrêa Pinto¹ Lutero Koch Jung1 Eliana Wendland² Simone da Cunha Heineck3 Colpotomia no tratamento da gestação ectópica Treating ectopic pregnancy with colpotomy Artigo original Resumo Palavras-chave Gravidez ectópica/terapia Colpotomia/utilização Vagina/cirurgia Laparoscopia Metrotexato/uso terapêutico Keywords Pregnancy, ectopic/therapy Colpotomy/utilization Vagina/surgery Laparoscopy Methotrexate/therapeutic use OBJETIVO: Relatar o uso da colpotomia para o tratamento de gestações ectópicas. MÉTODOS: Estudo transversal retrospectivo. Foram incluídos todos os casos internados com suspeita clínico-laboratorial de gestação ectópica que não preenchiam critérios para tratamento medicamentoso com Methotrexato no período de fevereiro de 2007 a agosto de 2008. Foram analisadas variáveis demográficas, história ginecológica e características associadas ao tratamento foram obtidas através de revisão de prontuário. RESULTADOS: Dezoito mulheres foram incluídas no estudo. A média de idade foi de 27±5,2 anos. Todos os casos apresentavam gestação ectópica rota e todas as pacientes foram submetidas à salpingectomia parcial. O tempo cirúrgico variou de 30 a 120 minutos (média de 64,5 minutos), sendo contabilizado desde o momento de entrada da paciente na sala cirúrgica até o horário da saída. Nenhuma paciente apresentou infecção pós-operatória. O tempo médio de internação foi de 40±14,3 horas. As medicações utilizadas no período pós-operatório foram semelhantes em todos os casos, sendo baseadas em anti-inflamatório não esteroide, dipirona, paracetamol e meperidina, conforme a necessidade. A dieta foi reintroduzida 8 horas após o término da cirurgia. CONCLUSÕES: A utilização da colpotomia no tratamento da gestação ectópica apresentou bons resultados, com ausência de complicações importantes e tempo de internação curto. O instrumental cirúrgico básico para a realização desse procedimento é relativamente comum a todos os hospitais, e a técnica cirúrgica é reprodutível. Abstract PURPOSE: To report the use of colpotomy for the treatment of ectopic pregnancies. METHODS: This was a retrospective cross-sectional study conducted on all women hospitalized with a clinical-laboratory suspicion of ectopic pregnancy who did not fulfill the criteria for drug treatment with methothrexate, during the period from February 2007 to August 2008. Demographic variables, gynecologic history and characteristics associated with treatment were obtained by reviewing the medical records. RESULTS: Eighteen women were included in the study. Mean age was 27±5.2 years. All patients presented ruptured ectopic pregnancy and all were submitted to partial salpingectomy. Surgical time ranged from 30 to 120 minutes (mean: 64.5 minutes) calculated from the moment when the patient entered the operating room to the moment when she left it. No patient presented postoperative infection. Mean time of hospitalization was 40±14.3 hours. The medications used during the postoperative period were similar in all cases, being based on nonsteroid anti-inflammatory drugs, dipyrone, paracetamol and meperidine, as needed. The diet was reintroduced 8 hours after the end of surgery. CONCLUSIONS: The use of colpotomy in the treatment of ectopic pregnancy showed good results, with the absence of important complications and a short hospitalization time. The basic surgical instruments needed for this procedure are relatively common to all hospitals, and the surgical technique is reproducible. Correspondência Heleodoro Corrêa Pinto Hospital Fêmina Rua Mostardeiro 17 – Bairro Moinhos de Vento CEP 91430-001 Porto Alegre (RS), Brasil Recebido 28/09/2011 Aceito com modificações 27/01/2012 Trabalho realizado no Hospital Fêmina – Grupo Hospitalar Conceição – GHC – Porto Alegre (RS), Brasil. ¹Grupo Hospitalar Conceição – GHC – Porto Alegre (RS), Brasil. ²Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA – Porto Alegre (RS), Brasil. 3 Programa de Residência em Ginecologia/Obstetrícia do Hospital Fêmina – Grupo Hospitalar Conceição – GHC – Porto Alegre (RS), Brasil. Colpotomia no Tratamento da Gestação Ectópica Introdução A gestação ectópica é definida como a gestação que ocorre fora da cavidade uterina¹. Em 97% dos casos está localizada na tuba uterina e, dessas, aproximadamente 55% ocorrem na região da ampola, 25% no istmo, 17% na fímbria e 3% na cavidade abdominal, ovário e cérvice². A incidência global da prenhez ectópica tem aumentado ao longo do tempo, associado ao aumento da incidência de doença inflamatória pélvica³. No Reino Unido, estima-se uma incidência de 11,1 a cada 1000 gestações; nos Estados Unidos são descritos cerca de 100.000 casos por ano4,5. No Brasil, a mortalidade materna por gestação ectópica insere-se entre as causas hemorrágicas e não há dados sobre sua prevalência no país6. Em estudo realizado num hospital público de São Paulo, a prevalência de gestações ectópicas submetidas à laparotomia se manteve estável durante os 6 anos levantados, respondendo por 11,2% do total de laparotomias realizadas em mulheres no período estudado6. É uma condição que, quando retardado seu diagnóstico, apresenta grande morbidade e mortalidade no primeiro trimestre da gestação7, evoluindo com sangramento, choque e morte. Qualquer mulher em idade fértil pode desenvolver uma gestação ectópica. Entretanto, considera-se como de alto risco pacientes com gestação ectópica prévia, história de cirurgia pélvica prévia incluindo ligadura tubária, história de doença sexualmente transmissível, concepção resultante de reprodução assistida, uso prolongado de dispositivo intrauterino, tabagismo, múltiplos parceiros sexuais e história de exposição ao dietilbestrol5,8. Geralmente as pacientes apresentam-se com dor abdominal, atraso menstrual e sangramento vaginal não compatível com menstruação5. O uso de medidas seriadas de gonadotrofina coriônica humana (HCG), porção beta e ultrassonografia facilitam o diagnóstico inicial5,8. Um aumento irregular do β-HCG (≤66% em 48 h) e/ou um β-HCG quantitativo maior que 1500 mIU/mL sem imagem ecográfica intrauterina de gestação, mas com uma imagem complexa em anexo, sugerem diagnóstico de prenhez ectópica5. A conduta expectante é uma das opções de tratamento, com bons resultados em 47 a 82% dos casos, em pacientes com níveis de β-HCG menores que 1000 mUI/mL e com massa ectópica menor que 4 cm, sem batimentos cardíacos, e que concordem com a forma expectante2. Em pacientes hemodinamicamente estáveis, com imagem menor que 4 cm e com quadro clínico compatível com gestação ectópica íntegra, β-HCG menor que 5000 mIU/mL e sem atividade cardíaca fetal, pode-se optar por tratamento medicamentoso, e deve ser a primeira escolha para as pacientes desejosas de uma futura gestação, uma vez que preserva a tuba uterina, mantendo a capacidade reprodutiva9-11. O metotrexato é uma droga antagonista do ácido fólico que compete com os receptores dihidrofólico ácido redutase, que converte o dihidrofolato em tetrahidrofolato. Na ausência do tetrahidofolato a síntese de DNA é impossibilitada, impedindo a replicação celular2,12. Em pacientes hemodinamicamente instáveis, a laparotomia é o tratamento indicado, sendo a salpingectomia indicada nas pacientes com prole constituída, nos casos de lesão tubárea irreparável, nas tentativas de salpingostomia com sangramento persistente, quando ocorre recidiva de gravidez ectópica na mesma tuba e quando os títulos de β-HCG são muito elevados9. Diversos estudos compararam a eficácia da salpingectomia ou da salpingostomia em relação ao futuro reprodutivo13,14, não existindo consenso sobre qual seria o procedimento mais adequado15. Quando a imagem ultrassonográfica da trompa é maior do que 5 cm no diâmetro transverso ou quando existem sinais clínicos compatíveis com gestação ectópica rota, mas em presença de estabilidade hemodinâmica, indica-se o tratamento cirúrgico laparoscópico9,16. O tratamento da gestação ectópica por via vaginal foi usado pela primeira vez em 1896 quando Huward Kelly descreveu dez casos17. A colpotomia, assim como a laparoscopia, é uma técnica menos invasiva do que a laparotomia; ambas apresentam menor perda sanguínea, menor dor no pós-operatório, menor tempo de internação e retorno mais rápido às atividades rotineiras18,19. O objetivo do presente estudo foi descrever uma série de casos de gestação ectópica tratadas com a técnica cirúrgica por via vaginal (colpotomia) em um hospital público de Porto Alegre. Métodos Foram analisados, retrospectivamente, através de revisão de prontuário, todos os procedimentos realizados via colpotomia no período de fevereiro de 2007 a agosto de 2008, no Hospital Fêmina de Porto Alegre, referência em atendimento de urgência ginecológica no estado do Rio Grande do Sul. Foram incluídos todos os casos internados por um dos autores (HCP), internados com suspeita clínico-laboratorial de gestação ectópica, que não preenchiam critérios para tratamento medicamentoso com metotrexato A colpotomia foi a técnica escolhida tendo em vista a experiência com cirurgia vaginal e por ser a via cirúrgica de preferência dos membros da equipe. Os prontuários foram revisados para a coleta de informações referentes à idade, paridade, raça, tempo cirúrgico, complicações no pós-operatório e medicação analgésica utilizada no pós-operatório. As pacientes foram submetidas à colpotomia sob anestesia condutiva, após jejum de 8 horas para sólidos Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):118-21 119 Pinto HC, Jung LK, Wendland E, Heineck SC e 6 horas para líquidos, tendo sido desconsiderado nos casos de urgência. O procedimento foi realizado com as pacientes em posição ginecológica forçada, com coxas flexionadas com aproximadamente 45° a 60° em relação ao abdômen, para melhor exposição da pelve. Foi realizada sondagem vesical de demora e utilizada a válvula de peso longa, apoiando-a na parede vaginal posterior. O afastamento da parede vesical anterior e a exposição do colo uterino foram feitos usando-se a válvula de Breiski, sendo o lábio posterior do colo fixado e tracionado na sequência. A incisão foi realizada na transição da mucosa vaginal posterior e colo uterino, utilizando-se eletrocautério monopolar com 40 W de potência, com posterior dissecção da parede vaginal. Após a abertura do peritônio parietal a mesa cirúrgica foi inclinada anteriormente para propiciar o escoamento do sangue livre na cavidade. Algumas vezes, a trompa afetada apresentou-se espontaneamente. Quando isso não ocorreu, ela foi identificada usando-se gaze montada e pinça de Babcock e a tuba foi clampeada com pinça de Satinsky e realizada a salpingectomia parcial da extremidade proximal à massa. Sempre que possível, a tuba foi mantida, utilizando-se a técnica de salpingostomia conforme a técnica laparotômica, através da borda antimesentérica. Após lavagem da cavidade pélvica com soro fisiológico a cavidade foi fechada com fio absorvível em pontos separados e em uma única camada. O projeto deste trabalho foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa do Hospital Nossa Senhora da Conceição – GHC (n° 081/08). Resultados No período analisado, foram submetidas ao procedimento vaginal 21 pacientes, das quais 18 foram incluídas no trabalho. Dois prontuários não foram localizados. Uma paciente operada não apresentava gestação ectópica, mas sim cisto ovariano. Características demográficas e obstétricas podem ser observadas na Tabela 1. Tabela 1. Características das 18 pacientes com gestação ectópica submetidas a colpotomia (fevereiro de 2007 a agosto de 2008) Característica Média±DP Idade 27±5,2 Tempo de internação (horas) 40±14,3 n (%) Cor da pele Branca 14 (77,8) Preta 4 (22,2) Paridade Nulíparas 6 (33,3) Multíparas 12 (66,7) DP: desvio padrão. 120 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):118-21 Todos os casos apresentavam gestação ectópica tubária rota e todas as pacientes foram submetidas à salpingectomia parcial. Oito casos apresentaram gestação ectópica à direita e dez casos à esquerda. O tempo cirúrgico variou de 30 a 120 minutos (média 64,5 minutos), sendo contabilizado do momento de entrada da paciente na sala até o horário da saída da sala cirúrgica. Nenhuma paciente apresentou infecção pós-operatória. Dezessete pacientes receberam alta em até 48 horas (94,4%) e uma paciente permaneceu 72 horas. A medicação utilizada no período pós-operatório foi semelhante em todos os casos, sendo utilizados anti-inflamatórios não esteroides, dipirona, paracetamol e meperidina conforme necessidade. A dieta foi reintroduzida 8 horas após o término da cirurgia, conforme rotina do Hospital. Após a alta hospitalar, a paciente retornou para consulta médica em 30 dias para revisão cirúrgica e conhecimento do resultado do exame anatomopatológico. Discussão A videolaparoscopia é o tratamento cirúrgico de escolha nos casos de gestação ectópica, sendo que, nos países desenvolvidos, 80% dos casos são tratados por essa via9,11,20. A laparoscopia permite o diagnóstico da patologia e o tratamento no mesmo tempo cirúrgico, proporcionando uma redução significativa nos índices de complicações referentes ao atraso no diagnóstico, somadas às vantagens de uma abordagem minimamente invasiva20,21. Além disso, a laparoscopia é considerada a via preferencial por apresentar inúmeras vantagens, como menor tempo de internação, retorno mais rápido às atividades e custos mais baixos devido ao menor tempo de hospitalização9,22. No entanto, a instalação do instrumental laparoscópico tem um alto custo e requer treinamento especializado20,21. Em muitos hospitais brasileiros, existe dificuldade para a realização da laparoscopia, seja por limitação da equipe ou do instrumental endoscópico6. O tratamento da gestação ectópica usando-se a abordagem vaginal pela colpotomia tem sido preterido como segunda ou terceira opção cirúrgica, mesmo havendo relatos de experiências que evidenciam ser um método seguro, rápido e efetivo23. A via vaginal tem sido usada na abordagem de diversas outras lesões pélvicas, como abscesso tubovariano e ligadura tubária, e histerectomia. Os benefícios em relação à abordagem laparoscópica e laparotômica já foram relatados em recente revisão da Cochrane24. Vantagens significativas foram comprovadas em relação à via abdominal, como retorno mais rápido às atividades, menor tempo de internação e pós-operatório menos doloroso23,24. A via vaginal ainda evita incisões abdominais, apresentando, portanto, melhor resultado cosmético para a paciente17. O instrumental cirúrgico básico para a realização desse procedimento é encontrado rotineiramente em todos os hospitais. Isso faz da abordagem vaginal uma técnica facilmente reprodutível, ao contrário Colpotomia no Tratamento da Gestação Ectópica da laparoscopia, cujo instrumental não está disponível em todos os hospitais brasileiros, além de requerer maior treinamento cirúrgico. O presente estudo possui limitação por ser um relato de um número relativamente pequeno de casos e por não ter acompanhamento a longo prazo. Além disso, não houve comparação desses casos com as demais pacientes tratadas por outra via cirúrgica (laparotomia ou laparoscopia). No entanto, os resultados observados em relação à cirurgia vaginal foram muito bons, com tempo reduzido de internação e ausência de complicações importantes. Conforme os prontuários analisados, nenhuma das 18 pacientes necessitou de reinternação. O período máximo para alta hospitalar próximo a 48 horas (94,4% das pacientes) é semelhante à cirurgia laparoscópica. Pouca medicação no período pós-operatório foi necessária, confirmando ser um procedimento minimamente invasivo, de baixa lesão de tecidos e com pequeno custo ao sistema de saúde. O tratamento da gestação ectópica via colpotomia, já instituído, mas talvez esquecido ao longo do tempo, pode ser utilizado nessas situações, quando a videolaparoscopia não está disponível, oferecendo uma melhor recuperação às pacientes, quando comparado à laparotomia. Existe a necessidade da realização de estudos prospectivos, para comparar as diferentes técnicas cirúrgicas no tratamento desta patologia, com tempo maior de seguimento23. 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Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):118-21 121 João Rocha Vilela1 Maria Teresinha de Oliveira Cardoso2 José Gonçalves Franco Júnior3 Anaglória Pontes4 Acurácia da histerossonografia versus ultrassonografia transvaginal em mulheres inférteis candidatas às técnicas de reprodução assistida Sonohysterography accuracy versus transvaginal ultrasound in infertile women candidate to assisted reproduction techniques. Artigo original Resumo Palavras-chave Ultrassonografia/métodos Histeroscopia/métodos Endométrio/patologia Pólipos Infertilidade Keywords Ultrasonography/methods Hysteroscopy/methods Polyps Endometrium/pathology Infertility OBJETIVO: Comparar a acurácia diagnóstica da histerossonografia (HSN) com a da ultrassonografia transvaginal convencional (USG) na avaliação da cavidade uterina de mulheres inférteis candidatas às técnicas de reprodução assistida (TRA). MÉTODOS: Realizou-se estudo transversal comparativo com 120 mulheres inférteis candidatas à TRA, acompanhadas no Centro de Reprodução Assistida (CRA) do Hospital Regional da Asa Sul (HRAS), Brasília – DF, no período compreendido entre agosto de 2009 e novembro de 2010. A HSN foi realizada com infusão de soro fisiológico em sistema fechado. Comparou-se o achado da HSN com o resultado da USG prévia. A cavidade uterina foi considerada anormal quando se visualizava: endométrio com espessura superior à esperada para a fase do ciclo; pólipo endometrial; mioma submucoso e alteração do formato da cavidade do útero. A análise estatística foi feita utilizando-se frequências absolutas, valores percentuais e o teste χ2 com nível de significância de 5%. RESULTADOS: Observamos que 92 (76,7%) mulheres inférteis, candidatas à TRA, apresentavam cavidade uterina normal pela HSN e em 28 (23,3%) foram detectadas as seguintes alterações: 15 pólipos (12,5%), nove alterações no formato da cavidade uterina (7,5%), 6 miomas submucosos (5%), 4 espessura endometrial anormal (3,3%) para a fase do ciclo menstrual e 2 septos uterinos (1,7%); 5 mulheres apresentavam mais de uma alteração (4,2%). Enquanto a USG observou alterações da cavidade uterina apenas em 5 (4,2%) mulheres, a HSN confirmou 4 das 5 alterações detectadas pela USG e detectou alterações na cavidade uterina em outras 24 mulheres que não tinham sido detectadas na USG, ou seja, a HSN foi capaz de detectar mais alterações na cavidade uterina do que a USG, com diferença significativa (p=0,002). CONCLUSÃO: A HSN tem maior acurácia que a USG na avaliação da cavidade uterina, neste grupo de mulheres inférteis candidatas às TRA. A HSN poderá ser facilmente incorporada à propedêutica das candidatas às TRA e contribuir para reduzir as falhas de implantação embrionária. Abstract PURPOSE: To compare the diagnostic accuracy of sonohysterography (HSN) and conventional transvaginal ultrasound (USG) in assessing the uterine cavity of infertile women candidate to assisted reproduction techniques (ART). METHODS: Comparative cross-sectional study with 120 infertile women candidate to ART, assisted at Centro de Reprodução Assistida (CRA) of Hospital Regional da Asa Sul (HRAS), Brasília – DF, from August 2009 to November 2010. Sonohysterography was performed with saline solution infusion in a close system. The sonohysterography finding was compared to previous USG results. The uterine cavity was considered abnormal when the endometrium was found to be thicker than expected during the menstrual cycle and when an endometrial polyp, a submucous myoma and an abnormal shape of the uterine cavity were observed. The statistical analysis was done using absolute frequencies, percentage values and the χ2, with the level of significance set at 5%. RESULTS: HSN revealed that 92 (76.7%) infertile women candidate to ART had a normal uterine cavity, while 28 (23.3%) had the following abnormalities: 15 polyps (12.5%), Correspondência João Rocha Vilela Serviço de Reprodução Humana – SRH, Hospital Regional da Asa Sul – HRAS Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – SES/DF – Brasília (DF), Brasil Avenida L2 Sul SGAS Quadra 608 – Asa Sul CEP 70203-900 Brasília (DF), Brasil Recebido 28/07/2011 Aceito com modificações 24/01/2012 Trabalho realizado no Serviço de Reprodução Humana – SRH, Hospital Regional da Asa Sul – HRAS, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – SES/DF – Brasília (DF), Brasil. 1 Serviço de Reprodução Humana da Unidade de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional da Asa Sul – HRAS, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – SES/DF – Brasília (DF), Brasil. 2 Curso de Medicina da Universidade Católica de Brasília – UCB – Brasília (DF), Brasil. 3 Programa de Pós-Graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. 4 Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. Fonte de financiamento: Esta pesquisa foi desenvolvida com apoio financeiro da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde mantidas pela FEPECS – Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – SES/DF, processo nº 04/34 2009. Acurácia da histerossonografia versus ultrassonografia transvaginal em mulheres inférteis candidatas às técnicas de reprodução assistida 9 cases of abnormal shape of the uterine cavity (7.5%), 6 submucous myomas (5%), 4 cases of inadequate endometrial thickness for the menstrual cycle phase (3.3%), and 2 cases of uterine septum (1.7%); 5 women presented more than one abnormality (4.2%). While USG showed alteration in the cavity only in 5 (4.2%) women, the sonohysterography confirmed 4 out of the 5 abnormalities shown by USG and detected an abnormal uterine cavity in 24 other women, who had not been detected by USG. This means that sonohysterography was able to detect more abnormalities in the uterine cavity than USG, with a statistically significant difference (p=0.002). CONCLUSION: The sonohysterography was more accurate than USG in the assessment of the uterine cavity of this cohort of infertile women candidate to ART. The sonohysterography can be easily incorporated into the investigation of these women and contribute to reducing embryo implantation failures. Introdução A histerossonografia (HSN) é um procedimento ambulatorial que teve sua acurácia testada por ensaios clínicos1,2. Mostrou-se como método útil e confiável para avaliação da cavidade uterina com elevadas taxas de sensibilidade, especificidade e reprodutibilidade1-6. É equivalente à histeroscopia na detecção de alterações ou anormalidades da cavidade uterina1,7. É mais bem tolerada, de baixo custo, rápida e causa desconforto mínimo2,5-10. Está indicada como método de avaliação da cavidade uterina antes de indicar outro método mais invasivo como a histeroscopia diagnóstica (HTDx)11. Para não haver surpresas com alterações, a avaliação prévia da cavidade uterina nos ciclos das técnicas de reprodução assistida (TRA) é muito importante. Tem como objetivo diminuir cancelamentos de ciclos ou falha de implantação embrionária, devido a pólipo endometrial ou outra alteração da cavidade uterina, não detectada pela ultrassonografia transvaginal convencional (USG), e com isso, melhorar as taxas de sucesso do tratamento e evitar prejuízo material e emocional a esse grupo de mulheres9,12. Alterações endometriais e/ou da cavidade uterina, não detectadas pela USG, estão presentes em uma parcela de 10 a 30% das mulheres inférteis e assintomáticas1,8,9,13. A avaliação do útero com USG iniciou-se há mais de quatro décadas e é utilizada rotineiramente como propedêutica complementar em Ginecologia. Já nos primeiros estudos, foi observada superioridade na qualidade de imagem obtida pela HSN quando comparada àquelas da USG, proporcionando melhor localização, detalhamento da ecotextura e dimensões das alterações da cavidade uterina2,5,9,14. Segundo a Associação Americana de Ginecologia e Obstetrícia (ACOG 2008)15, a HSN está indicada para avaliação da cavidade uterina de mulheres com: sangramento uterino anormal pré e pós-menopausa; infertilidade e abortamento habitual; suspeita de anormalidade na cavidade uterina, mioma, pólipo e sinéquia; anormalidade detectada na USG, incluindo alteração endometrial focal ou difusa; e imagem endometrial mal definida pela USG. Alguns autores sugerem que a HSN seja usada rotineiramente para a avaliação da cavidade uterina em mulheres inférteis10. Outros a indicam em casos selecionados quando a USG é anormal16. Em relação às TRA, a HSN é recomendada antes do tratamento de fertilização in vitro (FIV)9,17, enquanto outros a utilizam como opção em todas as mulheres com falha de implantação12,18. Embora a HSN seja uma ferramenta útil na propedêutica de avaliação da cavidade uterina de mulheres sintomáticas, com sangramento uterino anormal1,2,8,11, ainda não estão bem estabelecidas as vantagens quando se pretende avaliar a cavidade uterina de mulheres inférteis que serão submetidas a tratamento com TRA7,13,16-19. Portanto, o objetivo do presente trabalho é comparar a acurácia da HSN com a USG na avaliação da cavidade uterina em mulheres inférteis candidatas às técnicas de reprodução assistida. Métodos Estudo transversal comparativo entre USG e HSN em mulheres inférteis candidatas à TRA. As pacientes foram acompanhadas no Centro de Reprodução Assistida (CRA) do Serviço de Reprodução Humana (SRH) da Unidade de Ginecologia e Obstetrícia (UGO) do Hospital Regional da Asa Sul (HRAS) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/DF), Brasília – DF, no período compreendido entre agosto de 2009 e novembro de 2010. Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal, processo nº 283/09. As mulheres inférteis, inscritas e convocadas para tratamento com TRA foram convidadas a participar do estudo e incluídas, após concordância e assinatura aposta em “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”. Foram selecionadas, por conveniência, 122 mulheres entre os casais inférteis previamente inscritos e candidatos às TRA, independente da causa da infertilidade. As mulheres incluídas neste estudo não foram atendidas por queixas de sangramento uterino anormal, não eram portadoras de doença clínica ou psicológica que contraindicasse o tratamento e gravidez, nem tinham sinais clínicos de infecção genital ou doença inflamatória pélvica aguda. Todas as mulheres foram previamente submetidas à USG entre o 3º e o 5º dia do ciclo menstrual para avaliação dos ovários, do útero e do endométrio, por diferentes observadores e equipamentos. Em outra oportunidade, foi realizada HSN como propedêutica semiológica complementar, para avaliação da cavidade uterina na primeira metade do ciclo menstrual, Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):122-7 123 Vilela JR, Cardoso MTO, Franco Júnior JG , Pontes A entre o 5º e o 14º dia do ciclo menstrual espontâneo ou após o sangramento de privação por interrupção do progestogênio ou anticoncepcional hormonal oral combinado. O exame foi realizado por um único observador com equipamento Aloka, modelo SSD500, com transdutor transvaginal de 5 MHz. Para a HSN, a mulher foi colocada em posição ginecológica para exposição do colo do útero, com espéculo vaginal biválvula tipo Collin. Após a limpeza do colo do útero com gaze e soro fisiológico a 0,9%, o cateter de HSN previamente preenchido com soro fisiológico para evitar a infusão de bolhas de ar na cavidade uterina foi introduzido pelo orifício externo no canal cervical até ultrapassar o orifício interno e atingir a cavidade uterina. Após a retirada cuidadosa do espéculo vaginal, o transdutor transvaginal revestido com preservativo, não lubrificado, foi introduzido na vagina da mulher para, inicialmente, realizar USG. Em seguida, realizava-se a HSN com a infusão de soro fisiológico a 0,9%, através de sistema de infusão fechado idealizado por nós. Neste sistema, o frasco com 100 ou 250 mL de soro fisiológico a 0,9% é conectado com equipo de infusão diretamente ao cateter de HSN, calibre 5, 6 ou 7 FR e 30 cm de comprimento. Os critérios definidos como normalidade e anormalidade da cavidade uterina pela HSN e USG foram: exame normal quando o útero e a cavidade uterina foram normais e o endométrio com espessura compatível com a fase do ciclo. A cavidade uterina foi considerada anormal quando se visualizava: endométrio com espessura superior à esperada para a fase do ciclo; pólipo endometrial; mioma submucoso e alteração do formato da cavidade do útero. Mioma intramural e mioma subseroso não são alterações da cavidade. Para a análise estatística dos dados, foram realizados procedimentos estatísticos por meio dos programas PASW® Statistics for Microsoft Windows® (SPSS) versão 18 e OpenEpi® versão 2. Devido à interdependência das variáveis principais, a análise dos dados foi feita com cálculo de frequências absolutas do tipo diferenças e percentuais e o teste χ2, considerando-se nível de significância com intervalo de confiança de 95%, p<0,05. 124 As causas de infertilidade observadas nos 120 casais inférteis estão representadas na Tabela 1. Em setenta e três (60,8%) a infertilidade tinha como etiologia o fator feminino e desses, 54 (45,0%) tinham fator tubário, dos quais 19 (15,8%) foram por laqueadura tubária; 62 (51,7%) apresentavam o fator masculino como causa da infertilidade, dos quais 14 (11,7%) foram por vasectomia e 15 (12,5%) casais tinham associação de fatores, a esterilização cirúrgica representa 27,5% das causas. O padrão menstrual dessas 120 mulheres distribuía-se da seguinte forma: 1 (0,8%) estava em amenorreia; 9 (7,5%) relataram fluxo menstrual escasso; 88 (73,3%), fluxo normal e 22 (18,4%), fluxo excessivo. A duração média do fluxo menstrual observada foi de 4,2 dias e intervalo médio de 28,6 dias. Setenta e três (60,8%) eram nuligestas, ou seja, tinham infertilidade primária; 18 (15,0%) eram primíparas; 17 (14,2%) secundíparas; 9 (7,5%) tercíparas e 3 (2,5%) quartíparas. Oito (6,6%) mulheres já tinham tido de uma a três gestações ectópicas. As alterações da cavidade uterina, observadas na USG e na HSN, estão sumarizadas na Tabela 2. Na avaliação prévia da USG, 115 (95,8%) mulheres não mostravam alterações na cavidade uterina, e 5 (4,2%) apresentavam as seguintes anormalidades: 4 (3,3%) miomas submucosos, todos confirmados pela HSN e em 1 (0,8%) caso o pólipo não foi visualizado pela HSN. Entretanto, a HSN observou que 92 (76,7%) mulheres apresentavam cavidade uterina sem alterações, e em 28 (23,3%) foram detectadas 36 alterações, 5 mulheres apresentavam mais de uma alteração na cavidade uterina. As anormalidades visualizadas na HSN foram: 15 (12,5%) pólipos, 9 (7,5%) alterações do Tabela 1. Características clínicas dos casais candidatos às técnicas de reprodução assistida Características n Idade (anos) (média±DP) Fator feminino % 35,9±4,2 73 60,8 Tubária 54 45,0 Laqueadura* 19 15,8 Resultados Ovulatório 17 14,2 Peritoneal 9 7,50 A HSN foi realizada em 120 mulheres, das 122 selecionadas para o estudo. Apesar da dificuldade para introduzir o cateter em seis mulheres (4,9%), só em duas (1,6%) não foi possível realizar o procedimento, sendo então excluídas do estudo. As 120 mulheres apresentavam média de idade de 35,9±4,2 anos, variando de 25,8 a 46,8 anos, 82,5% tinham 40,0 anos ou menos. Durante a realização da HSN não ocorreu nenhuma complicação maior. Houve apenas um episódio de hipotensão postural em uma mulher com histórico de síndrome do pânico. Uterino 8 6,70 ISCA 3 2,50 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):122-7 Fator masculino 62 51,7 Vasectomia* 14 11,7 Fator feminino + masculino 15 12,5 Infertilidade primária 73 60,8 Infertilidade secundária 47 39,2 *A esterilização cirúrgica representa 27,5% das causas; ISCA: Infertilidade sem causa aparente; DP: desvio padrão. Acurácia da histerossonografia versus ultrassonografia transvaginal em mulheres inférteis candidatas às técnicas de reprodução assistida Tabela 2. Comparação entre os resultados observados pela ultrassonografia transvaginal e histerossonografia em mulheres inférteis candidatas às técnicas de reprodução assistida Cavidade uterina USG HSN n % n % 115 95,8 92 76,7 Alterada* 5 4,2 28 23,3 Pólipo endometrial 1 0,8 15 12,5 Formato alterado da cavidade uterina 0 0,0 9 7,5 Mioma submucoso 4 3,3 6 5,0 Espessura endometrial anormal para a fase do ciclo 1 0,8 4 3,3 Septo uterino 0 0,0 2 1,7 Normal *Cinco mulheres apresentavam mais de uma alteração na cavidade uterina; USG: Ultrassonografia transvaginal, HSN: Histerossonografia. formato da cavidade uterina, 6 (5,0%) miomas submucosos, 4 (3,3%) espessamento endometrial anormal para a fase do ciclo menstrual e 2 (1,7%) septos uterinos. A HSN mostrou alterações na cavidade uterina de 24 mulheres inférteis candidatas à TRA, as quais não tinham sido observadas previamente pela USG e confirmou os 4 casos de mioma submucoso visualizados pela USG, o pólipo visto pela USG não foi observado pela HSN (Tabela 2). Portanto, a HSN foi capaz de detectar mais alterações na cavidade uterina do que a USG, diferença significativa (p=0,002). Discussão A avaliação da cavidade uterina, para a detecção de anormalidades que possam interferir na implantação embrionária ou na evolução da gravidez, é uma importante etapa na preparação das mulheres que serão submetidas a tratamento com as TRA, justificada pela incidência relativamente alta dessas anormalidades. Não há dúvida que a HSN é um procedimento que fornece melhor avaliação da cavidade uterina quando comparada à ultrassonografia. Contribui com informações adicionais, em mulheres inférteis, quanto à profundidade da alteração, morfologia da cavidade uterina, do útero e dos ovários, o que não é possível avaliar pela histeroscopia6,8,12,20. Na análise das características clínicas dos casais estudados, candidatos às TRA, chama-nos a atenção o elevado percentual da infertilidade decorrente de vasectomia (11,7%) e laqueadura tubária (15,8%). Esse é um dado preocupante, visto que 27,5% dos casais no presente estudo foram submetidos a tratamento de alta complexidade pós-esterilização cirúrgica. E é um alerta para que a contracepção definitiva seja muito bem avaliada antes da sua realização. Os resultados do presente estudo demonstram que a HSN é superior à USG para detectar alterações na cavidade endometrial. O elevado percentual de alterações da cavidade uterina detectadas pela HSN (23,3%) em relação à USG (4,2%) mostra a importância e a necessidade de realizar a HSN, rotineiramente, em todas as mulheres candidatas à TRA, pois trata-se de procedimento de alta complexidade e custo elevado. Apesar de nosso estudo apresentar limitações que não podem deixar de ser levadas em consideração, visto que a USG prévia foi realizada por diferentes observadores e equipamentos, mostra, entretanto, que este resultado traduz a realidade da nossa prática clínica diária; justifica a diferença estatisticamente significante observada entre a USG e HSN e reforça que HSN deve ser realizada antes de um procedimento de alto custo como a TRA. Esses nossos resultados estão de acordo com estudos prévios que mostram que a HSN tem mais acurácia que a USG para identificar alterações intracavitárias, como mioma e pólipo20, e revela a alta precisão da HSN em detectar anormalidades da cavidade uterina em mulheres inférteis8,19. Entretanto, esses resultados diferem dos observados em outro estudo, o qual conclui que a HSN não contribui com achados adicionais quando a USG é normal, mas é benéfica se a USG é anormal em mulheres inférteis16. Dentre as alterações da cavidade uterina, observadas pela HSN nas mulheres no nosso estudo, o pólipo endometrial foi o achado mais prevalente, com percentual de 12,5%. Esse resultado é coerente com outros estudos que mostram maior frequência de pólipo endometrial em mulheres submetidas à TRA com falha de implantação embrionária12,18. A realização da polipectomia antes da TRA diminui o cancelamento da TRA9 e melhora a taxa de gravidez quando comparada às que não realizaram esse procedimento9,12. As alterações da cavidade uterina são consideradas causas tanto de falha de implantação quanto de perda gestacional precoce e abortamento. A presença de pólipo endometrial tem sido relatada em mais de 10% das mulheres assintomáticas no menacme e em até 32% das mulheres inférteis que se submetem à FIV8. Apesar de controverso e de não estar bem claro, o mecanismo pelo qual o pólipo é responsável por parte do insucesso dos procedimentos de TRA seria decorrente da diminuição da área de implantação, alteração do volume da cavidade uterina ou produção significativamente aumentada de glicoproteínas e citocinas21. A alteração do formato da cavidade uterina, visualizada nas mulheres do nosso estudo, é um resultado interessante que não tem sido descrito em estudos anteriores, mas é possível que essa alteração possa influenciar na implantação embrionária e justificar a infertilidade desse grupo de mulheres inférteis. No presente estudo, a HSN detectou 5% de miomas submucosos, enquanto o USG, 3,3%. Esse dado é compatível com o trabalho de Grimbizis et al.20, que mostrou que HSN tem mais valor que a USG no diagnóstico de mioma e pólipo endometrial. Miomas são frequentemente Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):122-7 125 Vilela JR, Cardoso MTO, Franco Júnior JG , Pontes A encontrados em mulheres em idade reprodutiva. Sua localização e o tamanho interferem diretamente nas taxas de gravidez e podem acarretar um aumento de complicações durante a gestação, como perda gestacional precoce e parto prematuro22. A falha de implantação em mulher com mioma deve-se à alteração da vascularização e à reação inflamatória local devido à produção de substâncias vasoativas e à presença excessiva de androgênios no endométrio23,24. No nosso estudo, a presença de dois septos intrauterinos não observados pela USG enfatiza a importância da HSN em identificar anomalias uterinas como útero septado19. As malformações mulerianas também comprometem a implantação embrionária e são causa de perda gestacional, abortamento precoce, tardio e parto prematuro. A maioria dessas malformações não é passível de correção ou não há comprovação científica da eficácia dessa correção; exceção para o septo uterino, que deve ser tratado antes de qualquer tentativa de gravidez, assim como outras malformações menos frequentes. O diagnóstico do septo uterino, bem como o da sinéquia, é difícil, e pouco provável que sejam feitos por USG; porém, são facilmente detectados por HSN. O procedimento indicou sensibilidade de 77,8 e 75% para detecção destas malformações, contra 44,4 e 0% observados pela HSG e a USG, respectivamente. No entanto, esse estudo mostrou um elevado índice de falso-positivo25. A taxa elevada de falso-positivo na HSN pode ser explicada pela facilidade de as sinéquias mucosas serem desfeitas, tanto pela ação mecânica direta da camisa da ótica, quanto indireta pela maior distensão da cavidade (com gás ou líquido) necessária para a HTDx. A HSN é procedimento ambulatorial, “menos invasivo”, de melhor custo-benefício, com melhor acurácia e especificidade na identificação de anomalias da cavidade uterina, como útero septado e bicorno, quando comparada à HSG ou HTDx em mulheres com história de perda gestacional recorrente, infertilidade ou diagnóstico prévio de anomalia uterina19. Qualquer exame diagnóstico é passível de falha ou impossibilidade de execução. A estenose cervical pode ser causa impeditiva para a realização tanto da HSN quanto da HTDx, pela impossibilidade de adentrar a cavidade uterina. Portanto, a estenose cervical não é diagnóstico da HSN e sim causa de impossibilidade de realização do exame. Em nosso estudo, houve dificuldade para introduzir o cateter em 4,9% das mulheres. Quando comparada com a HTDx, considerada padrão ouro para avaliação da cavidade uterina, a HSN é mais bem tolerada, menos invasiva e menos onerosa5,10. É superior à HSG para a detecção de anormalidades da cavidade uterina, além de não haver exposição à radiação e nem utilizar contraste iodado, o que diminui os risco do exame25,26. O baixo índice de complicações é uma de outras vantagens da HSN. Em uma revisão foram relatadas apenas 5 complicações em 2.278 procedimentos. É extremamente difícil avaliar o valor da HSN em mulheres inférteis através das taxas de gravidez, devido às inúmeras variáveis envolvidas na infertilidade como: causa de infertilidade, idade da mulher e do casal, doenças concorrentes, qualidade embrionária, estrutura do laboratório e protocolos de tratamento. E não se pode afirmar que todas as alterações encontradas causariam prejuízo à receptividade endometrial e à implantação embrionária se não fossem tratadas. Os resultados do presente estudo confirmam dados da literatura em que a HSN é mais efetiva que a USG na detecção de alterações intracavitárias, em mulheres inférteis, e que este exame deveria ser realizado rotineiramente antes das TRA. A HSN poderá ser facilmente incorporada na propedêutica das candidatas às TRA e contribuir para reduzir as falhas de implantação embrionária e, consequentemente, diminuir custos financeiros e emocionais a casais que irão se submeter à TRA. Referências 1. de Kroon CD, de Bock GH, Dieben SW, Jansen FW. Saline contrast hysterosonography in abnormal uterine bleeding: a systematic review and meta-analysis. BJOG. 2003;110(10):938-47. 2. Farquhar C, Ekeroma A, Furness S, Arroll B. 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Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):122-7 127 Ana Gabriela Pontes1 Marta Francis Benevides Rehme² Maria Thereza Albuquerque Barbosa Cabral Micussi3 Técia Maria de Oliveira Maranhão4 Walkyria de Paula Pimenta5 Lídia Raquel de Carvalho6 Anaglória Pontes7 Artigo original A importância do teste de tolerância à glicose oral no diagnóstico da intolerância à glicose e diabetes mellitus do tipo 2 em mulheres com síndrome dos ovários policísticos The importance of oral glucose tolerance test in diagnosis of glucose intolerance and type 2 diabetes mellitus in women with polycystic ovary syndrome Resumo Palavras-chave Diabetes mellitus Intolerância à glucose/diagnóstico Obesidade Síndrome do ovário policístico Keywords Diabetes mellitus Glucose intolerance/diagnosis Obesity Polycystic ovary syndrome OBJETIVO: Avaliar a importância do teste de tolerância à glicose oral (TTGO) no diagnóstico da intolerância à glicose (IG) e diabetes mellitus do tipo 2 (DM-2) em mulheres com SOP. MÉTODOS: Estudo retrospectivo em que foram incluídas 247 pacientes portadoras de SOP, selecionadas de forma aleatória. O diagnóstico de IG foi obtido por meio do TTGO de duas horas com 75 gramas de glicose de acordo com os critérios do World Health Organization (WHO) (IG: glicemia plasmática aos 120 minutos ≥140 mg/dL e <200 mg/dL); e o de DM-2 tanto pelo TTGO (DM: glicemia plasmática aos 120 minutos ≥200 mg/dL) quanto pela glicemia de jejum segundo os critérios da American Diabetes Association (glicemia de jejum alterada: glicemia plasmática ≥100 e <126 mg/dL; DM: glicemia de jejum ≥126 mg/dL). Para comparar o TTGO com a glicemia de jejum foi aplicado o modelo de regressão logística para medidas repetidas. Para a análise das características clínicas e bioquímicas das pacientes com e sem IG e/ou DM-2 foi utilizada a ANOVA seguida do teste de Tukey. O valor p<0,05 foi considerado estatisticamente significante. RESULTADOS: As pacientes com SOP apresentaram média etária de 24,8±6,3 e índice de massa corpórea (IMC) entre 18,3 e 54,9 kg/m² (32,5±7,6). O percentual de pacientes obesas foi de 64%, de sobrepeso 18,6%, e peso saudável 17,4%. O TTGO identificou 14 casos de DM-2 (5,7%), enquanto a glicemia de jejum detectou somente três casos (1,2%), sendo que a frequência destes distúrbios foi maior com o aumento da idade e IMC. CONCLUSÕES: Os resultados do presente estudo demonstram a superioridade do TTGO em relação à glicemia de jejum em diagnosticar DM-2 em mulheres jovens com SOP e deve ser realizado neste grupo de pacientes. Abstract PURPOSE: To evaluate the importance of the oral glucose tolerance test for the diagnosis of glucose intolerance (GI) and type 2 diabetes mellitus (DM-2) in women with PCOS. METHODS: A retrospective study was conducted on 247 patients with PCOS selected at random. The diagnosis of GI was obtained from the two-hour oral glucose tolerance test with 75 g of glucose according to the criteria of the World Health Organization (WHO) (GI: 120 minutes for plasma glucose ≥140 mg/dL and <200 mg/dL), and the diagnosis of DM-2 was obtained by both the oral glucose tolerance test (DM: 120 minutes for plasma glucose ≥200 mg/dL) and fasting glucose using the criteria of the American Diabetes Association (impaired fasting glucose: fasting plasma glucose ≥100 and <126 mg/dL; DM: fasting glucose ≥126 mg/dL). A logistic regression model for repeated measures was applied to compare the oral glucose tolerance test with fasting plasma glucose. ANOVA followed by the Tukey test was used for the analysis of the clinical and biochemical characteristics of patients with and without GI and/or DM-2. A p<0.05 was considered statistically significant. RESULTS: PCOS patients had a mean age of 24.8±6.3, and body mass index (BMI) of 18.3 to 54.9 kg/m2 (32.5±7.6). The percentage of obese patients was 64%, the percentage of overweight patients was 18.6% and 17.4% had healthy weight. The oral glucose tolerance test identified 14 cases of DM-2 (5.7%), while fasting glucose detected only three cases (1.2%), and the frequency of these disorders was higher with increasing age and BMI. CONCLUSIONS: The results of this study demonstrate the superiority of the oral glucose tolerance test in relation to fasting glucose in diagnosing DM-2 in young women with PCOS and should be performed in these patients. Correspondência Ana Gabriela Pontes Santos Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu Distrito de Rubião Júnior s/n CEP 18618-970 Botucatu (SP), Brasil Recebido 24/10/2011 Aceito com modificações 20/01/2012 Trabalho realizado no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. 1 Programa de Pós-graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. 2 Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná – UFPR – Curitiba (PR), Brasil. 3 Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil. 4 Departamento de Tocoginecologia e Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil. 5 Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. 6 Departamento de Bioestatística do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. 7 Programa de Pós-graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil. A importância do teste de tolerância à glicose oral no diagnóstico da intolerância à glicose e diabetes mellitus do tipo 2 em mulheres com síndrome dos ovários policísticos Introdução A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma endocrinopatia comum durante o menacme, caracterizada pela anovulação crônica (oligomenorreia ou amenorreia), hiperandrogenismo e morfologia ovariana policística1. Mulheres com SOP apresentam risco elevado para intolerância à glicose (IG) e diabetes mellitus do tipo 2 (DM-2)2-4. Por este motivo, o rastreamento para as alterações do metabolismo da glicose é recomendado para todas as pacientes com SOP5,6. O DM é um problema de saúde pública, sendo que a SOP é considerada um fator predisponente para o desenvolvimento do DM-27. A American Diabetes Association (ADA)8 recomenda a glicemia de jejum para o rastreamento do DM na população geral, embora este exame não se aplique a mulheres com SOP, que subdiagnostica os casos de DM-22,8. O exame padrão utilizado para o rastreamento do DM-2 na SOP é o teste de tolerância à glicose oral (TTGO) de duas horas6. Controvérsias existem quanto à utilização do TTGO no rastreamento do DM-2 na SOP, ou seja, se este deve ser realizado em todas as pacientes5, somente nas obesas9, ou na presença de fatores de risco como a idade ≥45 anos, obesidade, adiposidade abdominal, resistência à insulina e história familiar de DM10. Levando-se em consideração estes dados, o objetivo do presente estudo foi avaliar a importância da utilização do TTGO para o diagnóstico da IG e DM-2 em mulheres com SOP. Métodos Foram analisadas, retrospectivamente, 247 mulheres selecionadas de forma aleatória, portadoras de SOP, seguidas no Ambulatório de Ginecologia Endócrina do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, no período de 1997 a 2007. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do referido hospital sob n° 639/2006. Foram incluídas mulheres com idade compreendida entre 12 e 40 anos, que apresentavam menarca há pelo menos dois anos, e com o diagnóstico de SOP pelos critérios estabelecidos pelo consenso de Rotterdam1, que compreende a presença de pelo menos dois dos três critérios seguintes: oligomenorreia e/ou amenorreia, sinais clínicos (hirsutismo e/ou acne) e/ou bioquímicos (elevação dos níveis séricos de testosterona); e morfologia ovariana policística (presença de 12 ou mais folículos em cada ovário medindo entre 2 e 9 mm de diâmetro e/ou volume ovariano ≥10 mm3. Foram excluídas pacientes que apresentassem outras doenças que cursavam com anovulação crônica e/ou hiperandrogenismo (hiperprolactinemia, distúrbios da tireoide, hiperplasia adrenal congênita de início tardio, síndrome de Cushing e tumores produtores de androgênios de origem adrenal ou ovariana), e as que estivessem em uso de qualquer medicação que interferisse no eixo hipotálamo-hipófise-ovário há menos de 90 dias. Em todas as pacientes foram avaliados: o padrão menstrual (a amenorreia foi definida por ausência de menstruação por no mínimo três meses e a oligomenorreia, menstruações com intervalo menor que 35 dias e inferior a 90 dias); o histórico familiar de diabetes; o índice de Ferriman-Gallwey modificado11 (a paciente foi considerada hirsuta quando o somatório das áreas foi maior ou igual a 8); a acantosis nigricans foi pesquisada em regiões de dobras como a nuca, axila, região inframamária e raiz de coxas12; na presença de acne, a paciente foi classificada em três graus13. Para circunferência da cintura (CC), foi considerada a medida da cintura na menor circunferência entre o rebordo costal e a crista ilíaca com limite de corte de 80 cm14; o Índice de Massa Corpórea (IMC) foi calculado por meio do índice de Quetelet15, cujo valor é obtido pela razão peso/estatura2, considerando peso normal nos valores entre 18,5 e 24,9, sobrepeso entre 25 e 29,9 e obesidade acima de 30 kg/m2. A Testosterona total e a dehidroepiandrosterona sulfato (DHEA-S) foram dosadas pelo método de quimioluminescência no equipamento Immulite 2000® (Diagnostic Products Corporation – Los Angeles CA, EUA) e com valor de normalidade de até 80 ng/dL e 600 µ/dL, respectivamente, para testosterona total e DHEA-S. O diagnóstico de IG e DM tipo 2 foi realizado pelo teste de tolerância à glicose com 75 gramas de glicose anidra, sem restrição calórica, por via oral, dissolvida em 300 mL de água, entre 8 e 9 horas da manhã, após jejum noturno de 12 horas. A solução foi ingerida em um tempo máximo de cinco minutos. Amostras de sangue para dosagem de glicemia foram obtidas imediatamente, antes e após 120 minutos da ingestão de glicose por via oral. A concentração plasmática de glicose foi determinada pelo teste enzimático calorimétrico da glicose – oxidase no equipamento Vitrus modelo 950 (Johnson e Johnson®), e o resultado expresso em mg/dL. Os distúrbios do metabolismo da glicose foram classificados de acordo com critérios do World Health Organization (WHO)16 (IG: glicemia plasmática aos 120 minutos ≥140 e <200 mg/dL; DM: glicemia plasmática aos 120 minutos ≥200 mg/dL) e de acordo com as recomendações da American Diabetes Association (ADA)8, que utiliza a glicemia de jejum (glicemia de jejum alterada: glicemia plasmática ≥100 e <126 mg/dL; DM: glicemia plasmática de jejum ≥126 mg/dL). Dentre as dosagens bioquímicas, foi investigado o colesterol total (CT), HDL-colesterol (HDL-C), LDL-colesterol (LDL-C) e triglicerídeos (TG), realizados pelo método de química seca, no Vitrus 950. Considerou-se como valores Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):128-32 129 Pontes AG, Rehme MFB, Micussi MTABC, Maranhão TMO, Pimenta WP, Carvalho LR, Pontes A normais, CT igual ou abaixo a 200 mg/dL, HDL-C maior ou igual a 50 mg/dL, LDL-C abaixo de 100 mg/dL e TG abaixo de 150 mg/dL17. As variáveis que apresentaram distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnov foram expressas em médias, desvio-padrão (±), e em frequências (%), e o triglicerídeo (TG) que não teve distribuição normal foi apresentado em mediana e quartis. Para comparar o TTGO com a glicemia de jejum foi aplicado o modelo de regressão logística para medidas repetidas. Para análise das características clínicas e bioquímicas das pacientes com e sem IG e/ou DM-2 foi utilizada a análise de variância (ANOVA) seguida do teste de Tukey para as variáveis normais, e para o TG foi ajustado um modelo linear generalizado assumindo distribuição gama e função de ligação logarítmica, seguido de teste de comparações múltiplas (LSmeans test). O p<0,05 foi considerado estatisticamente significante. Foi utilizado o programa Statistical Analysis System (SAS), for Windows, versão 9.2 (SAS, Inc.North-Caroline-Cary). Resultados Tabela 1. Características epidemiológicas, clínicas e bioquímicas em 247 mulheres com SOP Parâmetro Valores n (%) 24,8±6,3 Amenorreia 189 (76,5) Oligomenorreia 53 (21,5) Hirsutismo 185 (75,0) Acantosis nigricans 123 (49,6) IMC 32,5±7,6 Circunferência da cintura (cm) 191 (77,3) Obesidade 158 (64,0) Sobrepeso 46 (16,6) Peso saudável 43 (17,4) História familiar de diabetes 141 (57,0) Testosterona total (ng/dL) 162 (65,6) DHEA-S (µg/dL) 192,4±99,0 IMC: índice de massa corporal; DHEA-S: dehidroepiandrosterona sulfato; DP: desvio padrão As pacientes apresentaram mais de um sinal e/ou sintoma. Tabela 2. Frequência de glicemia de jejum alterada, intolerância à glicose e diabetes mellitus tipo 2 em pacientes com SOP, de acordo com a glicemia de jejum e TTGO Glicemia de Jejum 130 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):128-32 TTGO n % n % Valor p Normal 221 89,5 208 84,2 0,002 Glicemia de jejum alterada - Categoria As características clínicas e bioquímicas das pacientes com SOP estão apresentadas na Tabela 1. A média de idade das 247 mulheres com SOP foi de 24,8±6,3 (12–40 anos) e do IMC de 32,5±7,6 kg/m2 (18,3–54,9). Destas, 64% (158/247) eram obesas, 18,6% (46/247) tinham sobrepeso e 17,4% (43/247) apresentavam peso saudável. A história familiar de diabetes mellitus foi relatada em 57% (141/247) dos casos, e este percentual foi maior nas pacientes com IG (60,0%) e DM-2 (71,4%) do que nas euglicêmicas (30,4%). O TTGO mostrou significativamente maior frequência de DM-2 (5,7%) do que a glicemia plasmática de jejum (1,2%), e diagnosticou 10,1% de IG. A glicemia de jejum detectou 89,5% (221/247) de mulheres euglicêmicas, enquanto o TTGO diagnosticou 84,2% (208/247), ou seja, maior número de alterações do metabolismo da glicose nestas pacientes com SOP (Tabela 2). Entre as pacientes obesas (158/247) observou-se 23 casos de IG e 13 de DM-2. Uma com sobrepeso (46/247) apresentou IG, e outra, DM-2. Em uma paciente com peso saudável (43/247) detectou-se IG. As características clínicas e bioquímicas analisadas em relação à ausência ou presença de anormalidades do metabolismo da glicose, de acordo com o TTGO, estão representadas na Tabela 3. As mulheres com IG e DM-2 apresentaram maior idade, IMC e circunferência da cintura e valores de triglicerídeos significativamente maiores (p<0,0001) do que aquelas com tolerância normal à glicose. Não houve diferença significativa entre as pacientes com ou sem IG e/ou DM-2 quanto aos valores de testosterona total, CT e LDL-C. média±DP Idade 23 9,3 - - IG - - 25 10,1 - DM-2 3 1,2 14 5,7 0,002 247 100 247 100 Total das pacientes avaliadas IG: Intolerância à glicose; DM-2: diabetes mellitus tipo 2; Nota: *p significativo <0,05 com aplicação do modelo de regressão logística para medidas repetidas. (valores de referência: glicemia de jejum: glicemia de jejum alterada ≥100 e <126 mg/dL e DM-2: ≥126 mg/d;TTGO: glicemia aos 120 minutos ≥140 e <200 mg/dL; DM-2: glicemia aos 120 minutos ≥200 mg/dL). Tabela 3. Características clínicas e bioquímicas das 247 pacientes com SOP com o diagnóstico de tolerância normal à glicose, intolerância à glicose e diabetes mellitus tipo 2 de acordo com o teste de tolerância à glicose oral Parâmetro Nº de pacientes Tolerância à glicose normal Intolerância à glicose Diabetes mellitus Valor p 208 25 14 Idade (anos) 23,8±5,9b 29,4±6,6a 31,8±5,84a IMC (kg/m2) 31,7±7,53b 36,3±6,3a 38,2±6,0a 0,0002 CC (cm) 92,6±15,9b 106,2±13,8a 107,4±12,4a <0,0001 Testosterona total (ng/dL) 98,5±48,0a 125,1±111,2a 116,5±46,7a 0,06 Colesterol total (mg/dL) 180,6±34,9 191,8±52,7 203,6±37,0 0,06 HDL-C (mg/dL) 46,6±13,1b 38,1±11,2a 34,7±10,9a 0,0001 a Triglicerídeos (mg/dL)* 108,0 (77,0;156,0)b LDL-C (mg/dL) 111,3±30,0a a <0,0001 a 167,0 242,0 <0,0001 (108,0;279,0)a (172,0;361,0)a 116,5±49,5a 133,0±39,9a 0,09 *para o triglicerídeo foi ajustado um modelo linear generalizado assumindo distribuição gama e função de ligação logarítmica seguido de teste de comparações múltiplas (LSmeans test); a,bMédias com mesma letra não diferem estatisticamente. IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência cintura; HDL-C: High-densit lipoprotein cholesterol; LDL-C: Low-density lipoprotein cholesterol; ISI: Índice de sensibilidade à insulina. p<0,05 com aplicação de análise de variância (ANOVA) seguida do teste de Tukey para variáveis com distribuição normal. A importância do teste de tolerância à glicose oral no diagnóstico da intolerância à glicose e diabetes mellitus do tipo 2 em mulheres com síndrome dos ovários policísticos Discussão Os resultados do presente estudo demonstram a superioridade do TTGO em relação à glicemia de jejum em detectar IG e DM-2 em mulheres jovens com SOP. Estes dados são consistentes com estudos prévios que mostram a necessidade de realização do TTGO em mulheres com SOP2,5,18,19, e demonstram que a glicemia de jejum subdiagnóstica e é relativamente insensível na SOP, pois as pacientes com SOP e IG podem apresentar glicemia de jejum normal2,8. Apesar de observarmos que as mulheres obesas com SOP apresentaram maior frequência de IG 14,5% (23/158) e DM-2 8,2% (13/158), não podemos deixar de levar em consideração um caso de IG detectado em uma paciente com peso saudável, e em outra, com sobrepeso, além de um caso de DM-2 em uma mulher com sobrepeso. Estes dados ressaltam a importância de se realizar o TTGO em mulheres com SOP, uma vez que a IG é considerada um importante preditor de DM-220. As frequências de IG (10,1%) e DM-2 (5,7%) utilizando-se o TTGO observada no presente estudo, são superiores às encontradas para a população geral (2,7 e 3,0%) em mulheres brasileiras da mesma faixa etária21,22. Porém, são inferiores à descrita em um grupo de pacientes com SOP obesas que apresentaram 30,5% de IG e 13,3% de DM-2 versus SOP não obesas (12,2x4,4%) de Ribeirão Preto – (SP)23, mas comparáveis à frequência de DM-2 (4,8%) em mulheres com SOP na cidade de São Paulo18, e também as verificadas em pacientes australianas com SOP (15,6% IG e 4,0% de DM-2)3. As alterações do metabolismo da glicose na SOP variam de acordo com a população estudada e com o critério utilizado para realizar o diagnóstico de diabetes. É conhecida a influência dos fatores genéticos, ambientais e estilo de vida na frequência destes distúrbios 24,25. Nossos resultados também mostram que a IG e DM-2 aumentam com a idade e o IMC, conforme descritos anteriormente em populações com SOP de origem americana, australiana, brasileira, italiana e espanhola2,3,23,26,27. É conhecido que a obesidade e o aumento da idade são fatores clássicos para o desenvolvimento do DM-2, decorrente da exacerbação da resistência à insulina que predispõe ao aparecimento das anormalidades do metabolismo da glicose28. A história familiar de DM elevada neste grupo de mulheres jovens com SOP demonstra a relevância deste fator no desenvolvimento do DM. O aumento do TG e a diminuição do HDL-C verificada neste estudo, associada ao aumento do IMC, são consonantes com outros autores29,30. A obesidade e a resistência à insulina presente na maioria das portadoras de SOP está associada à disfunção endotelial, que apresenta como um dos mecanismos fisiopatogênicos, a elevação dos ácidos graxos livres e dos triglicerídeos, predispondo estas mulheres a um aumento de risco cardiovascular31. É importante salientar que a maioria das pacientes incluídas no presente estudo apresentaram a forma clássica da SOP (oligoanovulação e hiperandrogenismo) e eram obesas, e estas características podem ter influenciado no aparecimento precoce da IG e DM-2 neste grupo de pacientes com SOP. Apesar das divergências sobre o TTGO ser realizado em todas mulheres com SOP 9,10,19, o presente estudo demonstra que o TTGO identifica maior número de anormalidades do metabolismo da glicose do que a glicemia de jejum, e deve ser realizado em pacientes com SOP. A oportunidade de se diagnosticar IG e DM-2 em pacientes jovens com SOP pode beneficiar estas mulheres com modificações do estilo de vida e intervenções médicas e contribuir para a prevenção do DM a longo prazo. Referências 1. Rotterdam ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS Consensus Workshop Group. Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and longterm health risks related to polycystic ovary syndrome. Fertil Steril. 2004;81(1):19-25. 5. 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Mariana de Almeida Pinto Borges1 Maria Lucia Elias Pires2 Denise Leite Maia Monteiro3 Suely Rodrigues dos Santos4 Forma atípica da síndrome de Mayer-RokitanskyKuster-Hauser com malformação renal e displasia cervicotorácica (associação de MURCS) Atipical form of Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser syndrome with renal malformation and skeletal abnormalities (MURCS association) Relato de caso Resumo Palavras-chave Útero/anormalidades Vagina/anormalidades Rim/anormalidades Aberrações cromossômicas Anormalidades múltiplas/genética Amenorréia Ductos de Muller/anormalidades Relatos de casos Keywords Uterus/abnormalities Vagina/abnormalities Kidney/abnormalities Chromosome aberrations Abnormalities, multiple/genetics Amenorrhea Mullerian ducts/abnormalities Case reports Correspondência Mariana de Almeida Pinto Borges Rua Mariz e Barros 775 – Tijuca CEP: 20270-004 Rio de Janeiro (RJ), Brasil Recebido 19/10/2010 Aceito com modificações 12/12/2011 A forma atípica e mais severa da síndrome Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (MRKH) ou MRKH tipo II é também conhecida como associação de MURCS, cujo mnemônico significa aplasia/hipoplasia mülleriana (MU), malformação renal (R) e displasia cervicotorácica (CS). Acomete pacientes do sexo feminino com cariótipo e função ovariana normais, acarretando amenorreia primária. Apresenta incidência de 1:50.000, subestimada pelo diagnóstico tardio e etiologia mal definida. Descrevemos um caso em criança e outro em adolescente, com o objetivo de predizer o diagnóstico ainda na infância, antes da instalação do quadro de amenorreia; as pacientes apresentavam em comum malformação renal, agenesia ou hipoplasia de derivados müllerianos e anomalias vertebrais, configurando o diagnóstico de MURCS. A relevância do estudo é mostrar a necessidade de prosseguir a investigação na presença de algum dos sinais da doença, pesquisando anormalidades correlatas, a fim de se estabelecer o diagnóstico precocemente e, consequentemente, orientar pacientes e seus familiares quanto à melhor forma de condução do caso, incluindo aconselhamento genético. Abstract The atypical and more severe form of Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser syndrome (MRKH) or MRKH type II is also known as MURCS association, an acronym meaning aplasia/hypoplasia of Müllerian ducts (MU), congenital renal dysplasia (R) and cervico-thoracic dysplasia (CS). It affects female patients with normal karyotype and ovarian function, evolving to primary amenorrhea. It has an incidence of 1:50,000, but it is underestimated due to late diagnosis and undefined etiology. We describe the cases of a child and an adolescent in order to predict the diagnosis even in childhood, before the onset of amenorrhea. Patients had in common renal malformation, agenesis or hypoplasia of Müllerian derivatives and vertebral anomalies, establishing the diagnosis of MURCS. The relevance of this paper is to show the importance of further investigation when some of pathologic signs are present, researching correlated abnormalities in order to establish an early diagnosis and consequently to provide guidance to the patients and their families about the best way to conduct the case, including genetic counseling. Trabalho realizado no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 1 Programa de Pós-graduação do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 2 Escola de Medicina e Cirurgia, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 3 Centro Universitário Serra dos Órgãos – UNIFESO – Teresópolis (RJ), Brasil; Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 4 Curso de Pós-graduação em Endocrinologia do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – Rio de Janeiro (RJ), Brasil; Ambulatório de Genética do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Borges MAP, Pires MLE, Monteiro DLM, Santos SRD Introdução A síndrome Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (MRKH) é caracterizada por aplasia congênita do útero e dois terços superiores da vagina em mulheres com cariótipo e características sexuais secundárias normais, apresentando incidência de 1:4.500 meninas1. A MRKH pode ocorrer de forma isolada (tipo I) ou associada à malformação renal, vertebral e, em alguns casos, defeitos cardíacos ou auditivos2,3, configurando a MRKH tipo II ou associação de MURCS, com incidência de 1:50.000 meninas4. A ausência de dois terços proximais da vagina e ausência ou hipoplasia uterina ocorre em 96% dos casos, agenesia unilateral ou ectopia de um ou ambos os rins (88% dos casos); hidronefrose e rim em ferradura também podem ser encontrados. Já as anomalias de esqueleto, como defeito vertebral, envolvendo segmento cervical e/ou torácico, especialmente entre C5-T1, ocorrem em 80% dos casos, assim como assimetria, fusão de vértebras ou vértebra em cunha, escoliose e anomalia de Klippel-Feil (fusão de vértebras cervicais). Há relato na literatura da malformação da junção occipito-atlanto-axial, causando hiperostose anquilosante senil vertebral em adolescente com MURCS, com início precoce de limitações na mobilidade da cabeça associadas à rigidez significativa ao longo da coluna vertebral5. Entre os defeitos menos frequentes, estão os auditivos e as anomalias cardíacas, cuja severidade é variável6. A constituição cromossômica é 46,XX, embora tenham sido descritos casos de disgenesia gonadal XY ou monossomia X com os defeitos congênitos anteriormente descritos6. A associação de MURCS/MRKH parece ocorrer de forma esporádica, mas há relatos de casos familiais7, com herança autossômica dominante, penetrância incompleta e expressividade variável6,8. Apesar da etiologia ainda ser mal definida, as malformações encontradas sugerem defeitos no campo de desenvolvimento, durante a embriogênese dos órgãos afetados, a partir da quarta semana de gestação9-11. A patogênese está intimamente associada à regressão dos ductos de Müller (paramesonéfricos), não tendo sido encontradas mutações ou polimorfismos no gene codificador do hormônio antimülleriano (HAM) e em seu receptor, como também não foi demonstrado aumento na concentração sérica e na expressão de HAM3,7. O diagnóstico é tardio na maioria dos casos, sendo a amenorreia primária o principal motivo pela procura do atendimento, o que posterga a detecção da patologia para a época em que, geralmente, ocorre a menarca ou mesmo para a fase adulta. Apesar disso, existem casos descritos na 134 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):133-8 literatura com diagnóstico intraútero, em recém-nascida e aos 7 meses de vida2,12-14. O objetivo do estudo foi relatar dois casos de associação de MURCS, ressaltando a possibilidade de se predizer o diagnóstico ainda na infância, antes da instalação do quadro de amenorreia, principalmente quando outras malformações estiverem associadas, e chamar a atenção dos profissionais envolvidos no atendimento a essas pacientes, que, diante da presença de um dos sinais da doença, impõe-se a realização de procedimentos que identifiquem anormalidades correlatas, a fim de se estabelecer o diagnóstico precocemente, possibilitando traçar a melhor forma de condução do caso. Métodos Foi realizada ampla revisão da literatura médica disponível por meio de pesquisa na mídia digital, utilizando-se as bases de dados: MEDLINE (por meio do PubMed), Google acadêmico, SciELO e LILACS. Para identificação de publicações no MEDLINE, foi utilizada a seguinte estratégia de busca: (murcs [All Fields] AND (“association”[MeSH Terms] OR “association”[All Fields])) AND (“humans”[MeSH Terms] AND (“women”[MeSH Terms] OR “female”[MeSH Terms])), sendo encontrados 45 artigos. Para a busca em outras bases, foram utilizados os termos “MURCS association” e “associação de MURCS”. A busca resultou no total de 54 artigos, publicados entre 1979 e 2011, que foram avaliados por dois revisores, sendo selecionados 17 artigos além de três livros-textos para a confecção desse estudo, visando à discussão dos casos relatados. Todas as informações descritas no relato dos casos foram obtidas após consentimento informado e assinado pelas mães das pacientes, seguindo as orientações do Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina do Brasil (2009) e observando os princípios éticos para pesquisa médica envolvendo seres humanos, compilados na Declaração de Helsinki e corrigida pela 52ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Edimburgo (2009). Relato dos casos Primeiro caso Paciente é filha de pais saudáveis, jovens e não consanguíneos, nascida de parto vaginal, a termo, com peso e estatura compatíveis com a idade gestacional, foi encaminhada ao nosso serviço aos 6 anos de idade, para investigar anomalia de Klippel-Feil. Ultrassonografia (USG) realizada com 22 semanas de gestação revelou imagem cística anexial à esquerda, que, no curso da Forma atípica da síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser com malformação renal e displasia cervicotorácica (associação de MURCS) investigação, aos 6 anos, demonstrou tratar-se de rim único ectópico, localizado em fossa ilíaca esquerda, vincariante, mas com função normal e topografia comprovada em USG posterior (Figura 1C). Os dois achados fundamentaram a solicitação da USG (Figura 1B) e tomografia computadorizada (TC) pélvicas, que não evidenciaram estruturas müllerianas (útero e trompas). Ao exame físico, apresentava desenvolvimento intelectual normal, epicanto, telecanto, hipertelorismo ocular, nariz pequeno, aletas hipoplásicas, palato alto e estreito, pescoço curto e alado, gradil costal a esquerda saliente, tórax largo e curto, polegares largos, unhas em vidro de relógio, clinodactilia no quartoquirodáctilo esquerdo e mancha “café com leite” em região axilar posterior direita. Atualmente, aos 11 anos, desenvolvimento puberal M3P2G2 pelos critérios de Tanner15, estatura de 1,40 m (P25)16 e peso de 40,8 kg (P50-75)16. Radiografia de coluna (Figura 1A) revelou hemivértebras e blocos vertebrais com lordose e escoliose lombar discreta de convexidade para a direita. Ecocardiograma identificou prolapso de valva mitral com fração de ejeção de 80% e insuficiência mitral leve. Avaliação otorrinolaringológica foi normal. Exames laboratoriais: FSH: 2,88 mUI/mL; LH: 1,84mUI/mL; relação LH/FSH: 0,64; TSH: 2,1 µUI/mL; T4livre: 1,02 ng/dL; Estradiol(E2): 10pg/mL. Cariótipo em banda G: 50 metáfases 46,XX. Rim esquerdo Bexiga Segundo caso Paciente filha de pais saudáveis, jovens e não consanguíneos iniciou investigação em nosso serviço aos 14 anos por apresentar amenorreia primária. Nasceu de parto vaginal, a termo, com parâmetros antropométricos compatíveis com a idade gestacional. Rim policístico à esquerda, visualizado à USG durante pré-natal, aos 7 meses de gestação, evoluindo para nefrectomia aos 10 anos de idade. Ecocardiograma, aos 8 anos, revelou discreta persistência de canal arterial, valva mitral rudimentar com prolapso do folheto anterior e tendão justo-septal. Ausência de alterações auditivas. Radiografia de coluna demonstrava fusão parcial de C2-C3, hemivértebra em T2, escoliose torácica angular para direita, fusão de arco posterior C6-C7, redução da altura das metades esquerdas entre T1-T2 e T2-T3 (escoliose), ângulo de Cobb na 15a vértebra torácica. Ao exame físico, apresentava dismorfias faciais discretas e pescoço curto, não caracterizando síndrome genética conhecida. Aos 14 anos, desenvolvimento puberal M-5/G-5, conforme os critérios de Tanner15, estatura de 1,54 m (P25)16 e peso de 58 kg (P80)16, ausência de hipertrofia de clitóris, clinodactilia no quinto quirodáctilo de ambas as mãos. Nessa época, constatou-se: testosterona: 351pg/mL; FSH: 4,9 mUI/ mL; LH: 5,0 mUI/mL; E2: 87 pg/mL; estrona (E1): 109 pg/ mL; prolactina: 24 ng/mL; TSH: 5,04 µUI/mL; T4 livre: 8,1 ng/dL; anti-TPO: 6,7 UI/mL. USG de pelve: revelou útero rudimentar (2,0x1,5x0,5 cm) (Figura 2D), presença dos ovários (Figura 2A), rim único à direita (Figura 2C); foi complementada pela ressonância magnética (RM) de pelve (Figura 2B), que revelou útero rudimentar. Posterior à uretra, observa-se pequeno canal de 2,5 cm de comprimento (canal vaginal rudimentar); endométrio não visualizado. TC de crânio sem alterações. Cariótipo: 50 metáfases 46,XX. OvE A B OvD A B Rim direito C C Figura 1. (A) Radiografia de coluna cervical; (B) ultrassonografia pélvica que não evidenciou estruturas müllerianas (útero e trompas); (C) ultrassonografia visualizando rim esquerdo em fossa ilíaca Útero à USG US D USG: ultrassonografia. Figura 2. (A) Visualização dos ovários à ultrassonografia pélvica; (B) visualização do útero rudimentar à ressonância magnética pélvica (C) evidenciado ausência do rim esquerdo e visualização do rim direito à ultrassonografia abdominal; (D) visualização do útero rudimentar (2,0x1,5x0,5 cm) pela ultrassonografia pélvica Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):133-8 135 Borges MAP, Pires MLE, Monteiro DLM, Santos SRD Discussão É de suma importância que MURCS faça parte da avaliação diagnóstica diferencial em pacientes do sexo feminino com malformações renais, genitais e/ou de coluna, que apresentem amenorreia primária, tendo em vista que quanto mais precoce o diagnóstico, mais adequada será a conduta2,6,9. No primeiro caso relatado, foi possível estabelecer o diagnóstico precoce da associação de MURCS, pois a paciente foi encaminhada ao ambulatório de genética aos 6 anos de idade, apresentando deformidades na coluna cervical, tipo Klippel-Feil e história de malformação renal, sendo solicitada e realizada a USG pélvica, que não evidenciou estruturas müllerianas (Figura 1B). A confirmação diagnóstica foi realizada pelo cariótipo normal e pelo fato de também não terem sido encontradas outras comorbidades associadas. A paciente adolescente já poderia ter tido esse diagnóstico confirmado anteriormente, pois apresentou malformação renal, sendo submetida à nefrectomia aos 10 anos, mas a investigação não prosseguiu. Foi encaminhada à endocrinologia somente aos 14 anos, por apresentar amenorreia primária, apesar do desenvolvimento normal dos caracteres sexuais secundários. Foi, então, solicitada investigação do esqueleto, que mostrou fusão de vértebras e RM pélvica (Figura 2B), que detectou útero rudimentar com agenesia de vagina. O cariótipo também foi normal. Anomalias ocasionais incluem baixa estatura, defeitos nas costelas, defeitos em membros superiores, assim como anomalia escapular de Sprengel. Nossas pacientes, porém, não apresentavam nenhum desses defeitos. Achados incomuns incluem surdez, cisto cerebelar, defeitos de ouvido externo, assimetria facial, lábio leporino, fenda palatina, micrognatia, defeito gastrintestinal e defeitos de lateralidade17. Ambas foram submetidas às avaliações auditivas e ecocardiográficas e, apesar de não apresentarem déficit auditivo, havia em comum prolapso de válvula mitral. Não há relato na literatura sobre a frequência de determinados defeitos cardíacos mais comuns ou específicos à associação de MURCS18. Para o ginecologista e o endocrinologista, a amenorreia primária será o aspecto preponderante, e a integridade da genitália interna e externa deve fazer parte da investigação inicial. Confirmada a ausência ou hipoplasia de útero e vagina, deve ser realizada a dosagem hormonal, a fim de se estabelecer o diagnóstico diferencial de MURCS2,6,9 com as disgenesias gonadais, cujos resultados são anormais quando comparados àqueles encontrados na portadora da associação de MURCS. Outro aspecto a ser levado em conta é a história familiar, na qual a presença de outros casos semelhantes9, e a existência 136 Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34(3):133-8 de malformações renais e de esqueleto em parentes de primeiro e segundo graus deve ser investigada, para confirmar ou excluir as formas herdadas8,19 e, com isso, possibilitar a investigação molecular, a fim de estabelecer qual é a mutação gênica envolvida e propiciar o aconselhamento genético quando pertinente. A história gestacional também deve ser considerada, pois há correlação entre MURCS e diabetes gestacional6, assim como por uso de talidomida na gravidez6,9; ambos são fatores de risco para várias outras doenças. Não foi evidenciada a associação desses fatores em nossas pacientes. Uma vez identificada a hipoplasia ou agenesia de estruturas müllerianas, a USG abdominal total deve ser realizada a fim de identificar anomalias renais10,18. No entanto, a detecção de estrutura quadrangular retrovesical pode, erroneamente, ser identificada como útero hipoplásico ou juvenil, o que, na verdade, corresponde a vestígio laminar, localizado embaixo do peritônio e transversalmente ao lado posterior da bexiga, no qual se fixam os ligamentos uterossacrais6. A USG morfológica pode ser útil no diagnóstico pré-natal, se deformidades esqueléticas, renais ou cardíacas forem detectadas19. Nossas pacientes apresentaram alterações renais à USG pré-natal, sem evidência de outras malformações. Na fase pós-natal, confirmou-se, por esse exame, rim único e pélvico em uma paciente, e rim cístico com refluxo urétero-renal, que culminou em nefrectomia, na adolescente. A avaliação da morfologia da genitália interna foi consequência da deformidade de Klippel-Feil e da presença de rim único e ectópico na criança, hoje ciente de não apresentar menarca; a RM foi fundamental para definir o aspecto morfológico interno da paciente adolescente6, o que não foi possível à USG, porém a RM, por ser exame não invasivo, prepondera sobre a celioscopia, procedimento invasivo e, por vezes, necessário, quando, por exemplo, houver suspeita de disgenesia gonadal XY, na qual a retirada das gônadas se impõe6. O diagnóstico diferencial depende da idade e da presença do achado clínico. Na infância, as síndromes de Turner e Noonan devem ser descartadas, pois ambas levam a alterações cardíacas, esqueléticas e renais, mas a primeira condição apresenta cariótipo anormal, enquanto o hipogonadismo é encontrado em ambas as patologias. Na adolescência, o espectro de patologias é mais amplo e requer exame físico cuidadoso e a constatação de amenorreia primária, a fim de excluir disgenesias gonadais puras XX ou XY, assim como insensibilidade a androgênios; nesses dois últimos casos, o cariótipo estabelece o diagnóstico e a conduta terapêutica é cirúrgica2,9. Em geral, o tratamento depende da gravidade das malformações8. Do ponto de vista ginecológico, o tratamento é conservador e adiado até que a paciente esteja Forma atípica da síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser com malformação renal e displasia cervicotorácica (associação de MURCS) pronta para iniciar a atividade sexual. O método usado deve ser avaliado individualmente, levando sempre em consideração a escolha da paciente, podendo incluir intervenção cirúrgica ou não. Quando a paciente descobre a presença de malformação congênita envolvendo seus órgãos reprodutores, é comum o desenvolvimento de ansiedade e angústia sobre sua feminilidade, aparência física6,9 e capacidade reprodutora, sendo fundamental apoio psicoterápico para a paciente, assim como para seus familiares. A associação de MURCS pode ser atribuída a alterações no blastema, que dão origem aos somitos cervicotorácicos e o ducto paramesonéfrico, cujas relações espaciais já estão determinadas na embriogênese até a quarta semana1. A possibilidade de heterogeneidade genética na etiologia da associação de MURCS levou os pesquisadores a buscarem o gene ou genes nela envolvidos, assim como a região cromossômica onde estes se localizam. Alguns estudos têm se mostrado promissores quanto a isso, por exemplo, o gene WNT4, localizado no braço curto do cromossomo 1, expresso precocemente no mesonéfron em desenvolvimento, que está envolvido no desenvolvimento das trompas de Falópio, útero, ovários e glândulas mamárias. Mutações do gene WNT4 têm sido associadas à malformação dos ductos de Müller e virilização (hiperandrogenismo) em mulheres com cariótipo 46,XX20, ao contrário de mutações localizadas no braço longo do cromossomo 22, cujos resultados são controversos quanto à sua associação com MURCS1,20. Apesar da pesquisa molecular do gene ou genes envolvidos não ter sido realizada no presente estudo, a documentação e o relato de casos contribuem para o conhecimento de sua frequência em nosso meio. Portanto, quanto maior o número de casos descritos, mais possibilidades de se identificar a etiologia da associação de MURCS, inclusive com melhor definição do papel da mutação no desenvolvimento dos órgãos afetados e, a partir daí, poderá ser possível estabelecer o risco de recorrência e, consequentemente, propiciar o aconselhamento genético para as pacientes e suas famílias. Concluímos que o diagnóstico precoce da associação de MURCS é possível, desde que se investiguem outras malformações na vigência de fusão de vértebras ou malformação renal, sabendo que a amenorreia primária pode estar associada e, consequentemente, proporcionar apoio e orientação para pacientes e seus familiares, além de traçar a melhor forma de condução do caso e propiciar o aconselhamento genético. Referências 1. Morcel K, Watrin T, Pasquier L, Rochard L, Le Caignec C, Dubourg C, et al. 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