Xintoísmo

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Xintoísmo
O Fenômeno Religioso - Xintoísmo
XINTOÍSMO
Bruno Glaab
Tori: Pórtico de pedra, madeira ou bronze, que precede, no
Japão, a entrada nos templos xintoístas. Tem, geralmente, duas colunas, que sustentam duas peças transversais com as extremidades curvadas para cima. Em alguns portos japoneses, são construídos toris, pois,
para os marinheiros crentes, passar sob um tori antes de embarcar em um navio traz boa sorte
(http://www.dicio.com.br/tori_2/).
Introdução
Com o presente trabalho vamos abordar alguns aspectos do Xintoísmo, religião
japonesa que se formou no século VIII da era cristã, com base em antigas tradições religiosas e crenças milenares. A compilação, ou melhor a codificação se deu no século
VIII, mas as raízes desta prática são, talvez, bem anteriores às religiões chinesas e, até
indianas.
Aqui se verá a origem, os deuses, a doutrina e os livros inspiradores. Desta forma, pretende-se ter uma visão panorâmica deste fenômeno religioso primitivo, que ainda hoje é tão forte no Japão e na cultura japonesa, inclusive no Brasil.
Origem
Xintoísmo, quer dizer Caminho dos deuses (Kami no Michi) e aparece,
pela primeira vez em documentos do imperador do Japão, Yomel, que
viveu entre 519 e 587 d.C. Ao que parece, Xintoísmo é uma compilação de
práticas religiosas antigas, que existiam, antes mesmo da entrada das religiões indianas (Hinduísmo e Budismo) e das chinesas (Confucionismo,
Taoísmo). Os dois mais antigos escritos são Kojiki (712 d.C. e Nionshoki (720 d.C).
Há vestígios de um povo (Jamon) que residia no Japão entre 11.000 e 300 a.C. E
nos seus restos históricos pode haver sinais religiosos do que hoje é o Xintoísmo. Isto,
no entanto não está bem provado, embora os vestígios sejam muitos. Já na cultura yayoi
que viveu neste país entre 300 a.C. E 300 d.C. os vestígios Xintoístas são claros e muitos.
Assim sendo, Xintô é a síntese das práticas antigas, sincréticas do povo japonês, que também é uma mistura de povos. Por isto, não tem uma doutrina fixa.
Trata-se de mistura de conceitos. Ainda hoje, o Xintoísmo convive, quase que
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harmoniosamente com o Budismo. As mesmas pessoas participam das duas crenças. Há
quem considere o Xintoísmo a religião da vida e o Budismo, a religião da morte. Os
casamentos acontecem no Xintoísmo e os funerais, no Budismo. Nos cemitérios há sinais Budistas, apenas.
De modo geral, o xintoísmo se concentra nas questões referentes a este mundo, na procriação, na
promoção da fertilidade, na pureza espiritual e no bem-estar físico. O budismo, por outro lado,
embora não rejeitou o mundo real, sempre enfatizou mais a salvação e a possibilidade da vida
após a morte (COOGAN, 2007, p. 240).
Para entender o Xintoísmo é preciso entender a cultura japonesa. Nela
o indivíduo está completamente inserido na comunidade: “prego que se
destaca será martelado”. Tudo é visto em prol do todo. Esta ausência de
individualismo caracteriza o Xintoísmo. E nesta perspectiva que ainda
hoje, no mundo moderno, os japoneses se esmeram.
Deuses
Embora o Xintoísmo cultue milhares ou até milhões de deuses, o livro Kojiki apresenta, logo no início, três divindades: a) Amenominakanushi, que se
traduz por Senhor do Sublime meio do Céu. b) Takamimusubi, se traduz por
Alto Sublime Criador. c) Kamimusubi, ou seja, Divino Sublime Criador.
Para alguns teóricos, supostamente Amenominakanushi seria o único deus,
enquanto Takamimusubi e Kamimusubi seriam manifestações deste mesmo deus em
outros momentos da história, ou da vida. Outras hipóstese mostram que Amenominakanushi teria conquistado o primeiro lugar entre os demais deuses. Estranha, porém, que
na arqueologia antiga não se encontrou nenhum templo dedicado a ele.
Segundo o Kojiki, Amenominakanushi é invisível, assexuado, sem pai, sem esposa. Ele é o criador do céu e da terra. Está em todos os lugares e sua adoração não se
liga e nenhum lugar específico. Seria um deus do céu, sem mitos e sem culto (SCHLESINGER; PORTO. 1995, p.2681).
No livro Kojiki fala-se de 8 milhões de kamis (deuses tutelares de clãs, de aldeias, de bairros, etc.). Alguns são deuses, outros são espíritos de montanhas,
de outros fenômenos da natureza, como os Kamikazes1 (vento divino). Outros
ainda são demônios. Alguns são híbridos do Taoísmo e do Budismo que assumiram feições xintoístas COOGAN, 2007, p.246).
Muitos Kamis (deuses e deusas com aspectos humanos) surgiram na Era dos
deuses2. Existem kamis celestes e terrestres. Existem muitos outros deuses, como Amaterasu (do sol), Inari (deusa do arroz – o mensageiro de Inari é a raposa, que por isto
também é venerada), existem ainda os sete deuses da fortuna
1
Kamikaze eram também chamados os pilotos suicidas japoneses da Segunda Guerra Mundial.
Contam os japoneses que nas batalhas contra os aliado, 2.525 pilotos morreram em ataques Kamikaze,
causando a morte de 4.900 soldados e deixando mais de 4 mil feridos. O número de navios afundados é
controverso. A propaganda japonesa da época divulgava que os ataques conseguiram afundar 81 navios e
danificar outros 195 (Wikipédia).
2
A era dos deuses: quando as divindades estavam aqui na terra, antes de instituir seu domínio no
Japão através de reis e de suas dinastias, e com eles, todo povo do Japão. Depois se retiraram para os
céus.
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Doutrina
a) No Xintoísmo se presta culto aos antepassados. Crê-se que as almas
dos antepassados viram kamis. Assim, os kamis dos antepassados são
cultuados em santuários domésticos e os kamis de imperadores e de
soldados caídos nas guerras, recebem culto especial (COOGAN, 2007,
p.248). Estes antepassados que se tornaram kamis têm tanto poder que foram eles que
criaram o Japão e inclusive, criaram uma deusa dos antepassados. Segundo alguns mitos, os kamis assim se expressam:
‘Já criamos o país de Ohyashima (isto é, o Japão), cheio de montes, rios, plantas e árvores. Por
que não criamos agora Alguém que seja Senhor do mundo?’ E assim criaram Amaterasu, que
destinaram a Senhora do mundo e do país de Ohyashima. Como os Antepassados criaram simultaneamente com as coisas e as manifestações da natureza também todos os deuses, consideravase Amaterasu como a mais elevada de todas as divindades (SCHLESINGER; PORTO, 1995,
p.2681).
Sobre Amaterasu, deusa dos antepassados, se desenvolveu muito mito. Ela
teria dado a Ningi (antepassado dos imperadores) a ordem de que seus descendentes sempre governariam o país das abundâncias (Japão). Com isto legitimou-se a dinastia real, ou seja, os reis eram vistos como predestinados dos
deuses. Rebelar-se contra os reis era rebelar-se contra Amaterasu3.
b) No xintoísmo também se presta culto à natureza. Na mitologia xintô muitos
deuses estão ligados à natureza. Assim, sol, lua, estrelas, rios, montanhas, tempestades,
animais, plantas, etc. são adorados como divindades (kami). Os xintoístas acreditam que
outrora as montanhas, rochedos, pedras e rios falavam. Muitas vezes confundem deuses
e demônios. Tanto uns como outros podiam trazer males ao povo, mas a oração os aplacava.
c) Perspectiva Xintoísta. O Xintoísmo não se enquadra não comum das
religiões conhecidas, tanto no ocidente como no oriente. Parece mesmo que
sua perspectiva é a vivência aqui na terra.
O xintoísmo não cuida de questões escatológicas, não tem escrituras sagradas propriamente ditas, não se ocupa de teologia, não tem uma doutrina de conduta, mandamentos, catecismo, ortodoxia, caminhos de salvação, receituário de preces, sistema de ensino ou de evangelização, organização eclesiástica propriamente dita. Em resumo, parece uma religião sem igreja nem clero,
sem doutrina nem ortodoxia e o que é mais espantoso – sem o espírito de retribuição (recompenas/castigo), sem o exclusivismo e a intolerância característicos de todas as religiões que, falando em nome de um ser supremo, se consideram donas da verdade única, suprema e absoluta
(SCHLESINGER; PORTO, 1995, p. 2682).
O Xintoísmo não tem um deus específico, nem uma doutrina definida. Nunca fez
combates nem condenou infiéis. O Xintoísmo é uma tradição e não tem livros de doutrina escritos. Mesmo assim, o Japão está cheio de templos xintós. Quem exerce o papel
de sacerdote não faz parte de uma hierarquia, apenas são pessoas de outras profissões
que o exercem. Rejeitam a verbalização doutrinária, principalmente a escrita.
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Até a Segunda Guerra Mundial os imperadores japoneses eram vistos como divinos. Conta um
general norte-americano que esteve na corte para tratados diplomáticos, que os servos do rei japonês eram
obrigados a se prostrar e adorar o imperador. Em 1946 o Imperador Hiroíto renunciou ao título de divino,
que o xintoísmo lhe conferia.
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Seu culto é basicamente recitar preces antigas e fórmulas mágicas. Apresentam
arroz, legumes, frutas e peixes aos deuses. Estes cultos são também animados por danças.
A informalidade é a nota predominante. Assim só se pode estudar o xintoísmo
pela convivência e nunca pelos seus livros sagrados, ou corpo de doutrina, que na realidade, inexiste.
Livros
Os dois livros básicos do Xintoísmo são o Kojiki e o Nihonshoki (séc. VIII
d.C.). Mas estes livros não são vistos como sagrados, ou inspirados. Antes,
são crônicas do passado e dão pistas, mas neles não se encontram verdades
reveladas, como é o caso da Bíblia para os judeus e cristãos, ou o Alcorão
para o Islã. Kojiki se traduz por Registro de Questões Antigas. O livro nasceu por solicitação do imperador japonês, no ano 712, para fazer frente à grande influência chinesa no Japão. Para evitar que a cultura chinesa tomasse conta, o imperador
do Japão encarregou um erudito japonês (Ono Yasumaro) para compilar antigas tradições japonesas e fazer frente ao avanço chinês. O livro quer mostrar a supremacia japonesa.
A primeira parte do texto de Ono contém o principal registro da cosmologia e da teogonia 4 xintoísta: a criação das ilhas do Japão pelas divindades primordiais Izanagi e Izanami, o nascimento
da deusa do sol Amaterasu, a extensão de sua autoridade à planície de Junco (o Japão) e o aparecimento de jimmu, o primeiro imperador, descendente de Amaterasu (COOGAN, 2007, p.250).
Como se pode perceber, Kojiki é um livro que compila tradições, mitos e genealogias antigas em vista de barrar o avanço da cultura chinesa e de suas religiões: budismo, confucionismo, taoísmo. O livro é uma compilação das tradições antigas, de práticas religiosas e culturais anteriores à invasão chinesa.
O Nihonshoki foi escrito em 720 d.C. para corrigir o Kojiki. Acontece que o
Kojiki exalta demais a genealogia do cã imperial. Outros clãs se viram preteridas e quiseram também ter o seu lugar ao sol. A corte, vendo o perigo desta insatisfação, mandou
uma comissão de cortesãos elaborar o Nihonshoki que pode ser traduzido como Crônicas do Japão.
Existem ainda outros livros: Hokeyo - Sutra do Lotus (provavelmente uma cópia
de um documento de Buda, com este mesmo nome), Dainichikyo – Sutra do Sol, etc.
Conclusão
Ao concluirmos este trabalho, percebemos que o fenômeno religioso é mais amplo do que o imaginamos. Em todos os povos e em todas as culturas, em todos os tempos e em todas as ocasiões, o SH se manifesta religioso.
No Brasil, onde temos imigrantes de quase todas as nações do mundo, encontram-se, desde 1908, os imigrantes japoneses e entre eles encontramos, também as manifestações xintoístas.
4
Teogonia: Genealogia e filiação dos deuses. Conjunto de divindades cujo culto constitui o sistema religioso de um povo politeísta (Dicionário Priberam).
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