Não troque o doce pela embalagem
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Não troque o doce pela embalagem
Não troque o doce pela embalagem1 Luís Henrique Marques2 A liturgia cristã católica dedica o mês de setembro à Bíblia. Gostaria, pois, de refletir algo sobre o significado deste livro (na realidade, deste conjunto de livros). Um significado que transcende o tempo e o espaço se formos capazes de assim compreendê-lo. Com efeito, desprovidos deste sentido, como quando permanecemos em leituras literais ou superficiais da Bíblia, realizamos a infrutífera experiência a que se refere o biblista Mauro Strabeli: não colhemos o que de mais precioso este livro nos reserva. É como se lambêssemos o papel e jogássemos o doce fora, diz Strabeli. A Bíblia revela-se como uma obra maravilhosa cujos autores – gente como a gente – foram capazes de se deixar inspirar por Deus ao narrar fatos históricos, deixar ensinamentos e fazer profecias que determinaram não só a vida de um povo ou de uma cultura, mas, por seu conteúdo universal, transformaram a história da Humanidade. Aqui, existe um aspecto importante a ser considerado sobre este livro: no que se refere à contribuição divina, esta obra traz um olhar para a vida humana a ponto de fazer dela algo preciosíssimo, o centro da criação. No que se refere à contribuição humana, como não poderia deixar de ser, o texto bíblico possui limitações próprias de uma visão de mundo particular dentro da história. Daí a necessidade da devida interpretação. Nesse sentido, não cabe, portanto, na leitura bíblica um absolutismo às suas palavras. Estas não traduzem uma visão científica da realidade, tal qual uma leitura literal assim o permitiria. Nem tampouco poderiam ser encaradas como esoterismo, uma vez que os relatos e ensinamentos deste livro relacionam-se, numa medida bastante próxima, à realidade e não a uma fantasia da realidade. Insisto: não se deve tomar as palavras bíblicas de forma absoluta. A fé cristã não é endereçada a elas, mas a Deus. Ou seja: se alguém merece ser razão de nossa fé incondicional é Deus e não a Bíblia. Por outro lado, a Bíblia enquanto instrumento de estudo e reflexão, exige uma leitura e interpretação compromissada com a causa de Deus. Foi escrita assim e deve ser lida assim. Fora desse compromisso, esse livro é mais um livro entre tantos. Tudo que está ali escrito tem como ponto de partida uma visão de fé em Deus e seu projeto para a realidade humana. Ao contrário, quem não tem ou procura ter essa mesma visão sobre as Escrituras, “permanece com o papel e despreza o doce”. 1 Artigo originalmente publicado no jornal Folha Popular, Lençóis Paulista (SP), 9/9/2000, p. 2. 2 O autor é jornalista e professor universitário em Introdução à Teologia e Comunicação.