Do matadouro para poupar o planeta

Transcrição

Do matadouro para poupar o planeta
Do matadouro
ao laboratório
para poupar
o planeta
A produção de carne ocupa 80% dos
terrenos agrícolas do mundo. E se a
solução passar pela carne in vitro?
OS NÚMEROS
~~mmn
DIOGO POWO
ANTONIO PEDRO SANTOS (Fotos)
[email protected]
Para lá da faceta ilegal, o recente e d n dalo da fraude de etiauetaEem
de carne
.
provocou um senümento comum: a repugnância, paralhada pelos Riuhóes que consumiram cavalo sem *quer o saberem.
E se nas prateleiras do supermercado
encontrasse lado a lado embalagens de
carne com origem na criação animal e
embalagenscom carne fabricada em l a t o
ratório? Teria coragem de compraraversão ariificial? O i obteve um náo em quase todas as portas que bateu. A carne artificial no entanto, poderá ser a opgioviável
para reduzir os 278 milhões de toneladas
de carne produzidas por ano no planeta.
Só na Europa, em 2012. cada habitante consumiu em média 200 gramas de
carne por dia. Contas feitas, num ano,
cada europeu comeu a volta de 76 qui10s de carne. No mundo, a média ronda
os 42 quilos. Aqui começam os problemas. Por exemplo, a cada mil gramas de
carne de vaca produzido com destino
exclusivo no estômago humano, são libertados para a atmosfera cerca de 13.3 qui10s de gases com efeitos de estufa (GEE)
- metano e óxido nitroso, ambos mais
nocivos que O dióxido de carbono..A ~ r g a nização para a Comida e Agricultura das
Naçóes Unidas enquadra este valor como
768 MIL EUROS PARA CRIAR
CARNE ARTIFICIAL
milhóes d e toneladas é a
quantidade d e carne que
tera d e ser produzida para
alimentar o s 9 milhares d e
milhões d e habitantes do
planeta previstos para 2050,
segundo estimativas da ONU
peno)
dwgo pombo@wnline pr
PETA A organização das
Pessoas pelo Tratamento
Ético dos Animais ofereceu
ate 1 d e Janeiro d e 2013
um milhão d e dolares d e
recompensa para o cientista
que conseguisse produzir e
tornar comercializavel carne
da frango artificial
18%
o equivalente aos gases que, em média,
são emihdos a cada 160 quùometros per
corridos por Um automovei A lista é
extensa (ver rodapé). e a tendência é para
continuar a aumentar.
"Parece mais do que evidente que o
actual nível de consumo de carne no
mundo náo é sustentável", alertou Anna
Olsson, investigadora do Instituto de Bii
logia Molecular e Celular (IBMC) dauniversidade do Porto. Aespecialista em ética e bem-estar animal insistiu que a listagem dos problemas ligados ao consumo
em massa de carne vai para lá das consequencias ambientais. A tabela inclui
também criticas as condiçks de tratamento dos animais, fomentadas pelo ape
tite humano por carne. "Animais a serem
explorados e maltratados. a viverem
durante muito menos tempo do que o
habitual, galinhas confinadas ao espaço
de uma folha A4, bicos cortados e uso
abusivo de antibióticos e hormonas de
crescimento" foram alguns dos exemplos enumerados por Cristina Rcdrigues,
do Centro Vegetariano Português. que
elevou o problema ao titulo de "maior
catástrofe mundial em curso".
ÇOLUÇÃO ARTIFICIALE se OS matadouros
fossem trocados por laboratórios? Esta
realidade ainda pode demorar mais de
20 anos a ser traduzida em montras de
talhos ou prateleiras de supermercados,
mas já está a ser testada. "ocultivo de
A fatia qlobal d e emissões d e
gases com efeito d e estufa
causada pela industria agro-pecuana Do total destas
emissões, entre 35% e 45%
são metano, com os restantes
45% a 55% d e oxido nitroso
METANO E (
Nil~ROSO
O rnetano é um gá s 25 vezes
ma is wluidor aut? o dióxido
d e carbono Restilta por
=ntnrin ,-nim
exemplo da ferm~.
ocorre no sistema digestivo
dos bovinos O oxido nitroso,
300 vezes mais nocivo que o
C02, e gerado pelos
fertilizantes quimicos
.-,--
carne ein laboratório vai se dissociar
completamente da pecuária. ou seja, vai
deixar de ser necessário abater animais
para produzir carne", simplificou a investipdora do IBMC.
E da Holanda que vem o projecto mais
avançado de carne cultivada em laboratório. Apoiada por um financiados qiie
insiste em manter o anonimato, a equipa liderada por Mark Post, cientista e
investigador da Universidade de Maastricht, vai apresentar nesta Primavera.
em Londres, os resiiltados de um trabalho que já se prolonga há mais de um
ano. Eis o método. As células estaminais
são retiradas de "pedacinhos de tecido
muscular" do animal através de uma
biopsia, segundo Pedro Granja e Ana
Pêgo, investigadores do IBMC que explicaram o processo ao i. As células são cultivadas in vitro, com um gel que "serve
de andaime ao inicio do processo", multiplicando-se rapidamente para alargarem o tecido muscular O tecido é depois
esticado para formar volume. aproveitando a sua tendência de contracção
natural. Ao longo do processo são acres-
Um projecto holandês
prevê apresentar esta
Primavera o primeiro
hambúrguer arhfícial
cultivado em laboratório
-?v
Os litros die áqua necessários
para prodi
rquer,
segundo aI PETA. O Proc n a
do Ambierite da ONU rei ? o
"uso abusivo d e água pc dei''
como um dos problema: a
-..-.4..-zn
A-
.--
centadas vitaminas, gordura e açúcar,
estimulando a construção de três mil
pedaços de tecido, a quantidade necessária para originar iim hambúrgiier de
tamanho convencional. Tudo isto sem
um único animal sacriticado. O i tentou
falar com Mark Post, mas a assessoria
do projecto alegou "constrangimentos
temporais" para adiar a conversa para
depois da apresentação dos resultados.
A WESTÃO N A N Não
~
implicar a mor-
te de animais é a maior vantagem que
pesa a favor da carne artificial, além de
poder ser enriquecida em laboratório
com nutrientes. Facto que não a livra
de enfrentar desafios "determinantes",
como o sabor e o preço. Anna Olsson
prevê que "se os consumidores forem
convencidos que os produtos derivados
de carne in vitro são saborosos e baratos, vão passar a comprá-los". Por outro
lado. a carne cultivada em laboratório
levanta a "questão moral". como sugeriu Cristina Rodrigues. de "nos estarmos a afastar do que é natural". pois "a
nanireza não é manipulável". Já Simão
Azevedo e Castro, investigador do departamento de bioengenharia do Instituto
Superior Técnico, deixou a questão no
ar: é possivel chamar "natural" a carne
hoje consumida no dia-a-dia, "proveniente de animais alimentados com
raçóes desequilibradas para potenciar
o seu anormal crescimento?".
PRODUCAO DE CARNE
DO NIINA AGRICULJURA
A OF4U estima que 80% dos
terrenos agrícolas iio mundo
estejarn neste monoento
. .-,
dedit- qão d e
carn e. O site GlobiI
Agric:ultures aponGi que 60%
sejarn apenas dest tnados a
criaç50de gado (v,atas,
i
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-L.-,.
701
,
01 MARTINHO JÚNIOR,MANOS
O talhante escolheu um termo
pouco convencional para
sublinhar a ideia que carne
artificial fica aquém da conceito d e natural. "Se hoje já
não confio nos outros, muito
menos confiaria nesse caso",
disse, ao abordar a hipótese
d e a vir a consumir.
03 NUNO CUNHA, I 7 ANOS
Para comer carne artificial, o
estudante "teria que esperar
pelos resultados dos testes".
Admitiu "ser estranho imaginar" consumi-la. Nesse dia,
porém. diz que na sua escolha vão pesar a "relação qualidade-preço" e o "factor natural".
04 ROSA MARTINHO, 55 ANOS
05 ANTÓNIOVILLAS-BOAS. 59
ANOS O seu "não" é seguido
06 SORAIA SILVA, 19 ANOS
A jovem recorreu ao termo
comum para descrever este
tipo d e carne. "Sou muito
esquisita com tudo o que
como, especialmente com
carne", afirmou, quando
apontou a estranheza do
método d e produção in vitro
para sustentar o seu não:
"Não conseguiria aceitar esta
came como natural."
A percentage m adicional dt?
carne que vai ser necessaria
em 2050. No:;últimos 50
anos, a ONU revela que o
consumo de came no muni30
aumentou m:iis d e 300% A.-,
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i'? ISABEL TEIXEIRA, 61 ANOS
Uma das poucas pessoas
receptivas a provar a carne,
"se soubesse como foi feita".
Uma técnica que classificou
como "um sinal de evolução".
E revelou ter o objectivo bem
definido: "Não queremos
matar animais, queremos é
deixar d e comer carne."
por uma simples explicação.
"Gosto muito d e alimentos e
coisas frescas", atira, antes
d e afirmar que os milhões d e
animais abatidos para producão d e carne "não pesam" na
sua decisão. "Não penso nisso. Estanos habituados a
comer carne sabendo isso",
rematou.
Tem "medo" de "tudo o que
seja fabricado em laboratório", daí a nega que deu a
possibilidade de vir a comer
esta carne. "Tudo o que
comemos tem de vir da terra.
S e não vier, é porque não é
natural", resumiu. assim, a
sua filosofia alimentar.
O IMPACTO DA CARNE
NA SALIDE
A carnee uma fonte
importainte d e zinco, f erro e
vitamin,3s como a 83, a B 6 e a
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B 1 2 Mas uma aiirneriiaçau
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