Sustentabilidade corporativa

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Sustentabilidade corporativa
SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA – ALIMENTOS E BEBIDAS
Por Clarissa Lins (FBDS) e Hiroshi C. Ouchi (FBDS)
Revisado por Ulrich Steger (CSM/IMD)
INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto da pesquisa desenvolvida pela Fundação Brasileira para o
Desenvolvimento Sustentável – FBDS, que contou com apoio técnico e metodológico do Forum for
Corporate Sustainability Management – CSM do International Institute for Management
Development – IMD, instituição que havia realizado pesquisa semelhante na Europa, EUA e Ásia
no biênio 2002-2003 em parceria com a World Wide Fund for Nature – WWF. A pesquisa, que
contou também com o apoio de pesquisa do Instituo COPPEAD de Administração da UFRJ e com o
patrocínio das empresas Klabin, Tetra Pak e Banco Real ABN AMRO, utilizou entrevistas,
questionários e informações públicas setoriais e de empresas na busca de avaliar o caso de negócios
para a sustentabilidade corporativa em três setores de negócios do Brasil, quais sejam: Papel e
Celulose, Alimentos e Bebidas e Energia Elétrica.
O setor industrial de Alimentos e Bebidas (A&B) foi escolhido para essa pesquisa por ser
muito relevante para a economia brasileira, bem como muito sensível tanto a questões ambientais,
dada sua interferência e dependência de recursos naturais, quanto a questões de cunho social, vista
sua parte de responsabilidade em aspectos ligados a desnutrição, obesidade e consumo responsável.
No período de agosto a dezembro de 2005, foram entrevistados, individualmente, 22
executivos da alta administração das empresas AmBev, Coca-Cola Brasil, Nestlé Brasil, Perdigão e
Sadia, além de três stakeholders com papel relevante no setor, oriundo de uma empresa varejista e
uma ONG, conforme gráfico 1 a seguir. Adicionalmente, questionários foram respondidos por 30
profissionais 1 da alta e média gerência das empresas do setor.
1
Entre os questionários respondidos, houve um originário da área ligada à sustentabilidade de uma quinta empresa que,
embora não tenha participado das entrevistas, decidiu contribuir com o questionário.
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Gráfico 2 - Entrevistas e questionários
da pesquisa no setor de A&B
Gráfico 1 - Entrevistados no setor de A&B
Stakeho lders
12%
40
35
30
Vicepresidentes /
Direto res
36%
25
20
15
10
5
0
Gerentes
52%
Entrevistas aplicadas
Questionarios
respondidos
A partir das informações obtidas nas entrevistas, nos questionários e na coleta de dados
secundários2, fez-se uma análise setorial, tendo como premissa básica que as empresas selecionadas
estão entre aquelas de vanguarda na visão e gestão de negócios do setor, além de representarem
fatia considerável do mesmo em termos de faturamento.
No primeiro capítulo deste trabalho está apresentada uma análise resumida das
características do setor, com informações que apontam sua relevância no País, bem como uma breve
análise da competição, conforme modelo desenvolvido por Porter (1999). No segundo capítulo, são
identificadas as principais questões do setor de A&B ligadas ao contexto da sustentabilidade, com
ênfase nas interferências econômicas e estratégicas.
O terceiro capítulo apresenta os resultados obtidos nas empresas pesquisadas no tocante ao
seu desempenho em relação à sustentabilidade, especialmente em relação aos aspectos apontados no
capítulo 2, dividindo a análise nos seguintes tópicos: (i) motivação para implementação do conceito,
(ii) capacidade de implementação, (iii) alinhamento das diversas áreas da organização, (iv)
utilização de ferramentas gerenciais e (v) peculiaridades setoriais.
O quarto capítulo aponta as principais conclusões da pesquisa sobre a sustentabilidade no
setor de A&B. Por fim, o quinto e último capítulo apresenta sugestões de ações a serem
implementadas no setor de A&B para o avanço da agenda da sustentabilidade corporativa.
2
Alguns exemplos de dados secundários utilizados são relatórios públicos e websites das empresas pesquisadas e de
instituições que representam o setor.
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1 ANÁLISE DA COMPETITIVIDADE DO SETOR
1.1 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DO SETOR
O setor de A&B tem a capacidade de interferir fortemente em todos os pilares da
sustentabilidade corporativa, dados sua relevância econômica, a interdependência com o meio
ambiente e o impacto que gera em aspectos ligados à saúde e ao bem-estar dos cidadãos.
No tocante à questão econômica, A&B é um setor que representa uma fatia significativa do
PIB brasileiro (conforme apresentado na tabela 1, a seguir) e tem grande vocação para a exportação.
Só as exportações brasileiras de carnes e miudezas comestíveis em 2005, por exemplo, foram
superiores a US$ 7 bilhões.
A indústria de A&B é intrinsecamente ligada ao meio ambiente por ser totalmente
dependente de recursos naturais, seja por causa da necessidade de terras apropriadas para produção
de matéria-prima ou por sua imensa dependência da água. A água é o fator imprescindível para a
indústria de A&B por ser um de seus principais insumos e, no caso específico de bebidas, sua
principal matéria-prima. Portanto, para garantir perenidade e competitividade no setor, as empresas
têm que preservar o acesso e a qualidade da água utilizada no processo produtivo.
Na dimensão social, o setor de A&B interfere diariamente em questões básicas afetas à
saúde da sociedade onde atua, em aspectos como desnutrição, obesidade, alcoolismo e outros
problemas ligados ao consumo (ou não-consumo) de produtos desta indústria. Assim, mesmo que
não acessem diretamente os consumidores finais, as empresas do setor têm um papel fundamental
no tratamento dessas questões.
A tabela a seguir apresenta alguns dados sócio-econômicos do setor de A&B em 2005, de
acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação – ABIA.
Tabela 1 – Dados sócio-econômicos do setor de Alimentos e Bebidas, Brasil - 2005
•
Número de empresas: 42,2 mil
•
o 86% micro e pequena
•
Faturamento líquido: R$ 184,2
bilhões
o 3% média
•
Participação no PIB: 9,5%
o 1% grande
•
Exportação: US$ 20,1 bilhões
•
Saldo comercial: US$ 18,6 bilhões
Número de empregos diretos: mais de
7 milhões
Fonte: ABIA – Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação
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1.2 CARACTERÍSTICAS DAS EMPRESAS PESQUISADAS NO SETOR
Os principais critérios de escolha das companhias que deveriam fazer parte da pesquisa
foram: (i) serem empresas de grande porte; (ii) quando possível, empresas de controle nacional e
listadas em bolsa de valores; e (iii) com facilidade de acesso por meio dos contatos da FBDS e de
seus parceiros.
Portanto, as empresas selecionadas são todas empresas de grande porte com atuação em
vários países, seja por meio de suas controladoras (Coca-Cola, Nestlé), ou por meio de suas próprias
matrizes brasileiras (AmBev, Perdigão e Sadia). Além disso, as organizações de controle nacional
são empresas de capital aberto, comprometidas com transparência ao mercado.
Além das empresas citadas acima, outras quatro grandes empresas do setor foram procuradas
para a realização das entrevistas da pesquisa, mas não se dispuseram a participar da mesma.
Alguns dados básicos das empresas que tiveram participação plena na pesquisa foram
selecionados e estão apresentados na tabela a seguir.
Tabela 2 - Indicadores selecionados das empresas pesquisadas - ano-base 2005
Empresa
AmBev
Coca-Cola
Nestlé
Perdigão
Sadia
Receita Líquida Total (R$
milhões)
15.959
Não disponível
10.600 *
5.145
7.318
Receita - Mercado Externo (%)
38%
Não disponível
Não disponível
48%
49%
Patrimônio Líquido (R$ milhões)
19.867
Não disponível
Não disponível
1.223
2.224
EBITDA (R$ milhões)
6.305
Não disponível
Não disponível
656
896
Lucro Líquido (R$ milhões)
1.546
Não disponível
Não disponível
361
657
Empregos diretos
28.214
25.000
16.000 *
35.556
45.381
Controle Societário
Nacional (nãofamiliar)
Estrangeiro
Estrangeiro
Nacional (nãofamiliar)
Nacional
(familiar)
Ações em Free Float (%)
34%
Capital Fechado Capital Fechado
53%
74%
Ações Ordinárias (%)
52%
Capital Fechado Capital Fechado
35%
38%
Governança Corporativa Bovespa
Bovespa - Nível
1
Não
Não
Bolsa de Nova York
ADR - nível
Não
Não
ADR - nível II
ADR - nível II
Integrante do ISE Bovespa
Não
Não
Não
Sim
Não
Relatório Social, Ambiental ou de
Sustentabilidade
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Fonte: Relatórios, websites ou informações cedidas por funcionários das empresas citadas
* Dados de 2004
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Bovespa - Novo Bovespa - Nível
Mercado
1
1.3 COMPETIÇÃO NO SETOR
O setor de A&B conta com um grande número de empresas, especialmente no que diz
respeito ao ramo de alimentos. Em relação a esse segmento, é crescente o número de empresas
brasileiras que competem no mercado global, ao mesmo tempo em que é muito grande a quantidade
de pequenas indústrias que têm como foco atender a mercados regionais. Sendo assim, há forte
competição no setor de alimentos, com várias empresas de grande porte disputando mercado com
empresas menores.
Já no que diz respeito ao segmento de bebidas, o cenário competitivo é um pouco diferente.
Dado o aumento significativo de fusões e incorporações nos últimos anos, o número de empresas
foi reduzido e as de menor porte tiveram sua participação de mercado diminuída. Por outro lado, as
grandes empresas, por atuarem de forma global, sofrem uma competição acirrada em nível
internacional.
Vale destacar, ainda, que as maiores empresas do setor sofrem da concorrência desleal de
pequenas empresas informais, o que distorce de forma significativa o contexto competitivo. A
informalidade permite que empresas coloquem seus produtos em diferentes mercados locais sem
necessariamente atender às exigências legais mínimas, seja em termos tributários, seja no que diz
respeito à legislação sanitária.
1.4 BARREIRAS À ENTRADA
As barreiras à entrada no setor de A&B não parecem ser altas, especialmente se o mercado
alvo for regional. Embora existam custos e morosidade na formalização do negócio e na adequação
a exigências fito-sanitárias, é razoavelmente fácil atuar em alguns segmentos do setor. Além disso,
o setor de alimentos tem uma gama diversificada de produtos e está sempre em busca de inovação,
o que dificulta o monitoramento e domínio de todos os seus segmentos por parte das grandes
empresas.
Todavia, quando se olha especificamente para o segmento de bebidas, a dificuldade de
ingresso é um pouco maior. Os investimentos exigidos são, em geral, mais expressivos e o mercado
é cada vez mais dominado por um pequeno grupo de empresas que detêm tecnologia e escala
suficientes para ter baixos custos e conseqüente alta competitividade.
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1.5 PRODUTOS SUBSTITUTOS
Como o setor A&B está sendo abordado de forma ampla, incluindo todas as suas variações
de produtos, não é possível identificar produtos substitutos. Contudo, é possível atestar que a grande
variedade de itens e a capacidade de inovar e alterar o mix de produtos no setor são aspectos que
apontam para uma crescente ameaça para empresas com baixa flexibilidade, tanto no que diz
respeito a alimentos quanto no tocante a bebidas.
1.6 PODER DE BARGANHA DOS FORNECEDORES
As principais matérias-primas das empresas de alimentos são itens produzidos por uma
grande gama de pequenos produtores, sujeitos a riscos de mercado tais como intempéries do clima,
pragas e doenças, descentralização da oferta, falta de informações e pesquisas, entre outros. Toda
essa imprevisibilidade gera aos produtores uma instabilidade financeira que, em parte, tem que ser
absorvida pelas indústrias de alimentos, sob pena de ocorrer falta de abastecimento às mesmas em
algum momento.
Já no segmento de bebidas, a principal matéria-prima, como destacado anteriormente, é a
água, cujo uso ainda está sendo plenamente regulado pelo poder público. A principal preocupação
no tocante ao uso da água é garantir seu acesso e sua qualidade, sabendo que as indústrias
competem com demais usuários – comunidades, cidadãos, energia, etc. Assim, devem exercer sua
cidadania corporativa quando se fazem representar nos Comitês de Bacias Hidrográficas e
participam, de alguma forma, da melhor repartição do uso da água.
Quanto aos fornecedores de outras matérias-primas, pode-se afirmar que, dado o peso das
indústrias de bebidas e sua capacidade de verticalização, não conseguem ter relevante poder de
negociação.
1.7 PODER DE BARGANHA DOS CLIENTES
A análise também é diferente para as indústrias de alimentos frente às de bebidas quanto ao
poder de barganha dos clientes. No segmento de bebidas, as empresas de pequeno porte têm poder
de barganha bem reduzido diante de seus clientes, já que seus produtos não costumam ter marcas
conhecidas, consumidores fiéis ou qualquer outro diferencial além do preço. Além disso, boa parte
dos seus clientes é formada por redes varejistas com significativo poder de compra.
Quando se trata das grandes indústrias deste segmento, estas têm significativo poder de
negociação frente aos seus clientes, ainda que esses sejam grandes redes varejistas ou atacadistas.
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Isso se dá, principalmente, porque essas empresas têm em seus produtos marcas conhecidas que são
constantemente fortalecidas com campanhas maciças de marketing, fidelizando os consumidores
finais que, por sua vez, passam a exigir dos pontos de venda a presença de tais itens. Um aspecto
importante dessas campanhas é que elas, em geral, conseguem transmitir a mensagem de que existe
um diferencial de qualidade, sabor e status em seus produtos.
Já as indústrias de alimentos encontram uma situação um pouco diferente. Embora para as
empresas de pequeno porte a análise seja semelhante à das pequenas indústrias de bebidas, as
grandes empresas de alimentos têm o poder um pouco reduzido quando analisada a questão da
fidelização de clientes. Embora essas empresas também façam um grande esforço de marketing, o
que se percebe é que existe no consumidor uma forte sensibilidade a preços. É possível que isso
ocorra por várias razões, entre as quais a inovação e a regionalização, com baixa percepção quanto a
diferenciais de qualidade. Na questão da inovação, nota-se que o mercado está constantemente
alterando o mix de produtos que consome. Já no aspecto da regionalização, é possível que a
população ainda se apegue à idéia de que, por exemplo, os produtos de açougues, padarias, feiras do
bairro ou, até mesmo, de pequenas indústrias regionais tenham tanta qualidade quanto os produtos
industrializados por grandes empresas.
A figura 1 a seguir busca apresentar um resumo da análise da competição no setor de A&B,
utilizando o modelo de Porter (1999), que avalia como as forças competitivas moldam a estratégia.
No capítulo seguinte, serão apresentadas as principais questões do setor diretamente relacionadas ao
tema da sustentabilidade corporativa, bem como seus aspectos ligados à estratégia de negócios.
Figura 1 – Competição no setor de Alimentos e Bebidas no Brasil
Alimentos: cadeia de
fornecedores com muitos
pequenos produtores
Bebidas: matéria prima
fundamental é recurso
natural; outros materiais são
de grandes fornecedores
Poder de barganha
diferenciado de
fornecedores
Barreiras à entrada
relativamente baixas
Questão da formalidade
Exigências fito-sanitárias
Número crescente de empresas globais
Alta competição
no setor
Grande número de empresas regionais
Grande gama de produtos
Busca de inovação e
fortalecimento de marca
Ameaça crescente de
produtos substitutos
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Mercados regionais
Poder de barganha
dos clientes
relativamente alto
Alimentos: consumidores
sensíveis a preço
Bebidas: grandes marcas com
fidelidade dos clientes, mas
alguma sensibilidade a preço
2 QUESTÕES ECONÔMICAS E ASPECTOS RELEVANTES DA SUSTENTABILIDADE
Entender a inserção da sustentabilidade passa pela compreensão de questões-chave do setor
que abordam e integram fortemente duas ou as três dimensões da sustentabilidade, quais sejam a
econômico-financeira, a social e a ambiental.
Ao analisar as questões no setor com maior impacto para o resultado dos negócios, algumas
foram identificadas como mais relevantes e divididas em três grupos: upstream, produção e
aspectos downstream. No primeiro grupo destacam-se aqueles que dizem respeito ao início da
cadeia produtiva, quais sejam: uso eficiente de recursos naturais; impactos socioambientais na
geração da matéria-prima; e integração da cadeia produtiva. Já no segundo grupo, os principais são:
disponibilidade e qualidade da água; e informalidade. Por fim, no terceiro grupo são itens de
destaque aqueles mais ligados à ponta do consumo final, isto é: transparência de questões sanitárias
e rastreabilidade; embalagens e reciclagem pós-consumo; e consumo responsável. Estas questões
encontram-se mais detalhadas a seguir.
2.1 ASPECTOS UPSTREAM: USO EFICIENTE DE RECURSOS NATURAIS
O setor de A&B, quando analisado nas etapas anteriores à produção industrial, apresenta
questões ambientais de grande relevância para sua produtividade e sustentabilidade. Essas questões
estão relacionadas diretamente ao uso racional e eficiente de recursos naturais, como o solo e a
água, imprescindíveis para a própria perenidade do setor. Dada a possibilidade de esgotamento
destes recursos, faz-se fundamental o aumento de produtividade e da capacidade de renovação dos
mesmos, bem como seu uso sustentável. Nesse contexto, entende-se a importância crescente da
conscientização acerca da escassez de recursos naturais junto aos produtores de matéria-prima.
2.2 ASPECTOS UPSTREAM: IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NA GERAÇÃO DA
MATÉRIA-PRIMA
Seguindo à idéia de que é necessário ter racionalidade na utilização de recursos naturais, o
setor necessita gerar o menor impacto ambiental possível na obtenção de matérias-primas, já que
depende fundamentalmente do meio ambiente para a continuidade dos negócios. Logo, questões
como poluição de mananciais, assoreamento de rios, desmatamento, erosão do solo, geração de
resíduos e utilização de fertilizantes e defensivos agrícolas, precisam ser tratadas de forma adequada
e em uma visão integrada da cadeia produtiva do setor de A&B.
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Além disso, por ser intensivo em mão-de-obra e ter a geração de sua matéria-prima
predominantemente em áreas rurais, o setor de A&B precisa estar atento às suas práticas sociais,
trabalhistas e de direitos humanos, banindo de forma definitiva e transparente o trabalho infantil ou
escravo e buscando gerar apenas externalidades positivas nas localidades onde atua.
2.3 ASPECTOS UPSTREAM: INTEGRAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA
Diante do exposto, nota-se que a integração da cadeia de fornecimento apresenta-se como
fator crítico no setor de A&B, especialmente nas indústrias de alimentos, já que essas sofrem com a
grande volatilidade dos preços das matérias-primas e com o risco de desabastecimento.
Como já foi ressaltado, a indústria de alimentos depende fundamentalmente de produtos
agrícolas ou de animais oriundos de criações, sendo essas atividades sujeitas a percalços de
produção provenientes de imprevistos ligados ao clima, pragas e doenças, ou ainda de catástrofes
ambientais. Além disso, estão sujeitas a oscilações de oferta, devido a uma espécie de “efeito
manada” da produção rural, quando a maioria dos produtores alterna suas produções orientando-as
para aqueles mais rentáveis.
Frente a esse conjunto de variáveis, a solução encontrada pelas empresas líderes do setor foi
a de integrar a estrutura de fornecimento à cadeia produtiva da empresa, transformando assim o
produtor de matéria prima em um parceiro que deve garantir um fornecimento mínimo por meio de
contratos futuros de compra e venda. Nesse caso, o fornecedor ganha também com a garantia de
preços mínimos e fluxo de caixa futuro para os seus negócios, além de assistência técnica e
estímulo à pesquisa.
Todavia, ao estabelecer esse laço mais forte de parceria com os fornecedores, os chamados
“integrados”, a empresa traz para si, com mais ênfase, toda a questão socioambiental da cadeia. A
empresa líder passa a ter uma responsabilidade ainda maior com relação às práticas de seus
fornecedores, em seus diversos aspectos, o que as estimula a estender suas políticas e práticas
sustentáveis aos fomentados, cobrando e verificando seu desempenho até mesmo em cláusulas
contratuais.
2.4 ASPECTOS DA PRODUÇÃO PRÓPRIA: DISPONIBILIDADE E QUALIDADE DA
ÁGUA
Como anteriormente ressaltado, as indústrias de A&B são absolutamente dependentes do
abastecimento contínuo e de qualidade da água. Embora esta seja um recurso renovável, a oferta de
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recursos hídricos é limitada e depende da preservação ambiental e de uso sustentável para sua
renovação. Portanto, duas questões são essenciais para a manutenção do abastecimento de água: a
preservação do meio ambiente, em especial dos mananciais e seu entorno; e a maior eficiência do
consumo, reduzindo o volume necessário por unidade produzida.
Para isso, não basta que apenas a indústria de alimentos e/ou bebidas atue internamente
sobre essas questões. É preciso que toda a sociedade o faça, já que a água é um bem comum a
todos. Porém, como as indústrias de A&B são mais sensíveis a esse fator, acabam assumindo a
responsabilidade de levantar essas questões e apresentar possíveis soluções para um conjunto maior
de interessados, agindo como impulsionador da mudança de atitude, de forma a minimizar os
possíveis riscos ligados ao uso não sustentável.
2.5 ASPECTOS DA PRODUÇÃO PRÓPRIA: INFORMALIDADE
Uma questão muito relevante para o tema da sustentabilidade no setor de A&B é a
informalidade de várias pequenas indústrias. Essa informalidade se traduz, basicamente, em
sonegação fiscal e em meios irregulares de produção.
Estima-se que a sonegação de impostos seja grande no setor, em especial em parte das
muitas indústrias de pequeno porte. Essa sonegação pode indicar, ainda, o risco de descumprimento
de questões ligadas ao meio ambiente, à vigilância sanitária e à qualidade mínima de produtos.
Portanto, reduzir a informalidade do setor é um grande desafio no caminho da
sustentabilidade, já que isso não afeta a perenidade apenas das empresas que atuam na
informalidade, mas de todo o setor.
2.6
ASPECTOS DOWNTREAM: TRANSPARÊNCIA DE QUESTÕES SANITÁRIAS E
RASTREABILIDADE
Um aspecto de grande relevância para a sustentabilidade do setor de A&B é o da
transparência de exigências fito-sanitárias e da rastreabilidade dos produtos. Alimentos e bebidas
contaminados podem gerar graves problemas de saúde pública, inclusive com a disseminação de
vírus e bactérias que podem levar à morte. Logo, tal risco deve ser evitado por práticas sustentáveis
na cadeia de produção do setor.
Nos últimos anos, a maior incidência de doenças como febre aftosa e gripe aviária têm
causado temores em todo o mundo, já que, com a globalização, os alimentos são comercializados no
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mercado internacional e as doenças ligadas a eles podem não mais ficar confinadas em uma
determinada região.
Além disso, é cada vez maior a utilização de mecanismos de modificação genética em
alimentos, que proporcionam características diferenciadas nos mesmos. Entretanto, ainda não estão
claros os impactos de tais manipulações sobre a saúde do ser humano. Dessa forma, a
rastreabilidade é aspecto chave na efetividade da sustentabilidade das empresas do setor.
2.7 ASPECTOS DOWNTREAM: EMBALAGENS E RECICLAGEM PÓS-CONSUMO
O descarte do lixo tem se tornado um problema crítico para a sociedade de consumo. A cada
ano que passa, o ser humano passa a produzir uma quantidade maior de lixo e cria dificuldade
crescente em solucionar a seguinte questão: O que fazer com todo esse lixo que, além de ocupar
cada vez mais espaço, pode gerar graves problemas ambientais e de saúde pública?
Várias alternativas têm sido criadas para os diversos tipos de lixo e todas elas buscam, em
algum estágio, atuar sobre os princípios da reutilização, da reciclagem ou da redução de sua
produção. Para o setor de A&B, o maior problema de produção de lixo é o das embalagens, que
utilizam materiais poluentes e que precisam ser reduzidas e recicladas, ainda que, a partir da
reciclagem, se transformem em outros produtos e passem a atender a outros setores de negócios.
As iniciativas de reciclagem de suas embalagens demonstram o direcionamento das
indústrias para a solução de problemas ambientais e sociais e podem apresentar-se ainda como uma
atraente oportunidade de negócio.
Os principais itens a serem reciclados após o consumo dos produtos são papel, plástico,
alumínio e vidro, para os quais já existem técnicas e ferramentas de reciclagem disponíveis.
Contudo, as empresas precisam ainda investir em conscientização de boa parte da população e,
fundamentalmente, em soluções de coleta e sistematização do processo.
2.8 ASPECTOS DOWNTREAM: CONSUMO RESPONSÁVEL
Quando as pessoas ouvem falar em responsabilidade no consumo, facilmente se remetem ao
consumo excessivo de bebidas alcoólicas, o que de fato é um problema ligado ao tema. Contudo,
responsabilidade no consumo é um tema ainda mais abrangente, que envolve não apenas as
questões ligadas às bebidas alcoólicas, mas também ao consumo desmedido e desapropriado de
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quaisquer outros alimentos e bebidas, podendo gerar problemas de saúde como desnutrição e
obesidade, mesmo em classes sociais mais escolarizadas.
2.8.1 OBESIDADE, DESNUTRIÇÃO E SAÚDE
As questões de A&B ligadas à saúde pública vão desde intoxicação até obesidade, passando
por desnutrição e favorecimento ao aparecimento de doenças como diabetes e problemas cardíacos.
Por isso, as indústrias de A&B têm um papel importante no esclarecimento da sociedade
sobre os aspectos ligados ao consumo de cada produto. Por outro lado, é possível compreender que
a indústria não se sinta diretamente responsável pelo consumo inadequado, já que essa
responsabilidade é do próprio consumidor, supondo-se que esteja devidamente informado e seja
capaz de entender a informação conforme ela é apresentada. Portanto, já não basta à indústria o
papel de informar. Ela precisa fazer com que o consumidor compreenda perfeitamente a informação
por ele recebida e possa tomar sua decisão de consumo conhecendo os riscos e os benefícios do
consumo de cada produto.
2.8.2 CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS E RESTRIÇÕES DE PROPAGANDAS
PARA CRIANÇAS (BEBIDAS REFRIGERANTES E ALCOÓLICAS)
Uma preocupação que tem ganhado força é a veiculação de campanhas publicitárias que
incitem o consumo inapropriado de bebidas refrigerantes e alcoólicas, especialmente por crianças e
adolescentes. No tocante às bebidas alcoólicas, já existe uma rigorosa legislação neste sentido,
legislação essa que freqüentemente recebe sugestões para ter aumentado seu nível de restrições. Já
para os refrigerantes, a legislação não é tão restritiva, embora haja uma preocupação crescente em
evitar direcionar campanhas publicitárias a crianças.
No que diz respeito ao consumo de bebidas alcoólicas, o principal desafio é aumentar as
vendas sem gerar em contrapartida problemas sociais como alcoolismo, acidentes de trânsito
causados pela mistura de álcool com a direção de veículos, aumento da violência e doenças diversas
originadas ou potencializadas pelo consumo excessivo de álcool.
Após conhecer algumas características do setor e de entender como questões
socioambientais podem gerar grande impacto nas empresas de A&B, o capítulo 3, a seguir, busca
trazer uma avaliação mais estruturada da sustentabilidade corporativa em um conjunto de
significativas empresas do setor.
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3 AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE NAS EMPRESAS PESQUISADAS
Conforme já mencionado, as empresas analisadas no setor de A&B foram AmBev, CocaCola Brasil, Nestlé Brasil, Perdigão e Sadia. Para a avaliação das referidas empresas, além das
entrevistas realizadas com seus principais executivos e dos questionários aplicados, também foram
consultados seus relatórios públicos e seus websites.
Desse conjunto de informações foram extraídos cinco temas de análise, seguindo a
metodologia do CSM/IMD, quais sejam: (i) motivação para construir o caso para a sustentabilidade;
(ii) capacidade de implementação do mesmo; (iii) alinhamento das diversas áreas da organização;
(iv) utilização de ferramentas ligadas ao tema; e (v) peculiaridades do setor que interferem na
sustentabilidade.
3.1 MOTIVAÇÃO
As empresas pesquisadas apresentaram forte ou média motivação para a implementação do
caso para a sustentabilidade. No entanto, um aspecto pode sugerir que essa motivação não seja real
em outras grandes empresas do setor, uma vez que quatro das nove empresas procuradas para a
realização da pesquisa se negaram a participar das entrevistas. Isso quer dizer que os resultados
encontrados devem ser vistos com muito cuidado quando se pensa em uma possível generalização
para o universo de grandes empresas do setor, especialmente quando se trata de resultados
positivos.
Outra constatação importante é que nem todas as empresas procuradas têm a
sustentabilidade corporativa fortemente inserida em suas estratégias de negócios, planejamento e
avaliações de desempenho.
A motivação para a implementação do caso para a sustentabilidade no setor de A&B,
quando existente, passa por uma série de fatores, ligados tanto à pressão exercida pelos diversos
stakeholders das companhias quanto aos seus direcionadores internos de valor.
Quando analisada a pressão exercida por diversos stakeholders, constata-se que os
consumidores ainda não apresentam um viés muito forte no Brasil para aspectos da
sustentabilidade. Entretanto, alguns nichos de mercado já contam com consumidores mais atentos a
essa questão (ex: alimentos e bebidas orgânicas) e, como o setor é muito sensível à pressão exercida
do lado do consumo, pequenos grupos de stakeholders já conseguem espaço para exigir boas
atuações éticas, ambientais e sociais, reforçando a motivação das organizações no caminho da
sustentabilidade. Em geral, as demandas desses grupos chegam às indústrias por meio de canais
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diretos como serviços de atendimento ao consumidor, ou por meio de seus clientes, atacadistas e
varejistas, já que são esses que sofrem a pressão mais direta da ponta do consumo.
Formadores de opinião, ONGs e comunidades do entorno das indústrias parecem ser, após
os consumidores finais, os principais stakeholders externos cuja pressão motiva as empresas do
setor de A&B. Cobram por uma atuação mais responsável, evidenciam pontos a serem melhorados
nas empresas e, muitas vezes, expõem todas essas questões a um grande público de consumidores e
clientes, atuais e potenciais. Essa cobrança se torna ainda mais forte nas empresas pesquisadas
devido ao fato de serem companhias internacionalizadas e de grande porte, mais em evidência e
alvos preferenciais.
Aparentemente, os acionistas e demais investidores de A&B têm tido uma postura ainda
pouco pró-ativa no tocante à sustentabilidade, com o foco ainda sendo o retorno financeiro de curto
prazo.
Os reguladores também não parecem ser grandes promotores da sustentabilidade, chegando
a serem vistos como potencial barreira ao tema. Portanto, quando questionados sobre as principais
barreiras à implementação do conceito nas empresas, os respondentes ao questionário apontaram
prioritariamente a cultura organizacional e a regulação, conforme demonstrado no gráfico a seguir.
Gráfico 3 - Principais barreiras à implantação da Sustentabilidade
Corporativa
mentalidade
gerencial
11%
desinteresse dos outras
clientes
5%
11%
falta de
conhecimento
14%
oposição ou
desinteresse dos
investidores
11%
cultura
organizacional
19%
regulação
18%
ausência de
ferramentas e
processos
11%
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N = 37
Além da influência dos stakeholders citados, fatores internos são muito importantes na
motivação para a sustentabilidade em A&B, quais sejam: reputação (marca e imagem), atração e
retenção de talentos, foco em resultados econômicos advindos das questões ambientais e sociais e
busca pela perenidade do negócio.
Talvez o principal fator motivador, presente em todas as companhias entrevistadas e bastante
enfatizado nas entrevistas, seja a reputação das empresas e o valor de suas marcas. As corporações
se preocupam cada vez mais com o juízo que é feito pela opinião pública sobre seu comportamento
nas áreas sociais, ambientais e de governança, dado o seu efeito crescente sobre a demanda dos
consumidores, que procuram pautar sua demanda também pelos princípios do consumo consciente.
A reputação apresenta-se como fator chave na orientação para a busca da sustentabilidade
corporativa em A&B. Isso fica evidente nas fontes de divulgação de informações das companhias,
dado que todas destacam suas ações de sustentabilidade em seus websites e em seus relatórios
anuais (AmBev, Perdigão e Sadia) ou relatórios específicos para o tema (AmBev, Coca-Cola Brasil
e Nestlé Brasil).
Outro aspecto evidenciado nas entrevistas é a relação percebida pelos executivos entre a
atuação no caminho da sustentabilidade e a atração e retenção de talentos. Em geral, os executivos
entrevistados entendem que os bons colaboradores são sensíveis ao direcionamento das empresas
em questões ligadas ao tema e têm preferência por aquelas que julgam ser mais sustentáveis.
Finalmente, um fator que chamou bastante atenção na motivação para a sustentabilidade foi
o da busca pela redução de custos e aumento de eficiência de recursos por meio da inovação em
processos e produtos. Alguns exemplos claros são os projetos de reutilização de dejetos, a redução e
reciclagem de materiais de embalagens e os projetos para redução no consumo de água na produção
de bebidas, com impacto direto sobre os custos de produção. Neste sentido, chama atenção o caso
da AmBev, que chegou a reduzir em cerca de 25% seu consumo de água por litro produzido ao
longo dos últimos cinco anos.
3.2 CAPACIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO
De forma geral, encontra-se um razoável alinhamento das dimensões da sustentabilidade
com as estratégias de negócios nas empresas entrevistadas. Há também a prática de levar em conta
critérios sociais e ambientais em suas principais decisões (investimentos, P&D). Contudo, ainda
encontra-se em estágio inicial a disseminação do conceito da sustentabilidade corporativa, o que faz
com que diferentes áreas organizacionais ou níveis gerenciais não tenham o mesmo entendimento
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sobre o conceito. A exceção pareceu ser a Nestlé Brasil que, graças à orientação de sua matriz e boa
aplicação no Brasil, tem na sustentabilidade um de seus pilares de gestão, inclusive na formação de
executivos.
Assim, tanto o entendimento do conceito quanto a inserção da sustentabilidade na estratégia
encontram-se em estágio desigual de implementação entre as empresas pesquisadas. Além disso,
ainda é difícil identificar responsáveis específicos pela construção do business case para a
sustentabilidade, o que pode ser decorrência da disseminação do conceito estar em estágio muito
incipiente e de não haver consciência quanto aos benefícios de uma estrutura exclusiva voltada ao
tema ou, no caso oposto, pelo fato de já estar bem disseminado e implementado, como parece ser o
caso da Nestlé.
Alguns fatores são decisivos no que diz respeito à capacidade de implementação da
sustentabilidade nas indústrias de A&B, quais sejam: o grau de exposição internacional da empresa,
os programas de qualidade e de gestão integrada e o comprometimento da alta administração para
com o tema.
Em resumo, pôde-se perceber que as companhias pesquisadas já contemplam as diversas
dimensões da sustentabilidade há muito tempo em suas práticas industriais (ex: qualidade, meio
ambiente), têm um conhecimento geral sobre o tema, querem incluí-lo de forma mais definitiva na
estratégia de negócios, mas ainda não têm uma coordenação central com força e capilaridade
necessárias à implantação efetiva do caso para a sustentabilidade.
3.3 ALINHAMENTO DA ORGANIZAÇÃO
Em geral, as empresas não demonstraram sofrer internamente grandes resistências ao
assunto, o que não significa dizer que há um alinhamento das áreas organizacionais com relação ao
tema da sustentabilidade. Dessa forma, despontam as áreas ou unidades de negócios de algumas das
empresas, onde os colaboradores conseguem ter melhor percepção dos benefícios advindos da
sustentabilidade, como é o caso de unidades industriais localizadas em cidades de menor porte. Isso
se dá, segundo os entrevistados, pelo fato dos gestores conseguirem, nessas localidades, verificar e
mensurar mais facilmente o impacto das externalidades geradas pelas indústrias.
A seguir, o gráfico 4 apresenta o resultado das respostas aos questionários que evidenciaram
que, embora baixa, a resistência está mais concentrada na área financeira.
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Gráfico 4 - Áreas com maior resistência ao tema
outros P&D
0%
0%
Produção
23%
Finanças
47%
RH e áreas
corporativas
15%
N = 13
Mkt / Vendas
15%
Assim como foi difícil identificar nas empresas um responsável específico pela construção
do business case para a sustentabilidade, também foi difícil encontrar um líder promotor do tema. É
possível concluir que, dada a pouca maturidade das empresas para com o tema, a existência e
identificação de liderança é importante e fator de diferenciação em organizações com forte estrutura
de comando. Por outro lado, o conceito é de fácil assimilação e aceitação por parte dos executivos
de diversas áreas. O gráfico a seguir evidencia as áreas que, na visão dos respondentes, têm maior
capacidade de promover o progresso da sustentabilidade corporativa.
Gráfico 5 - Áreas que mais podem promover a sustentabilidade
outros
10%
Finanças
5%
P&D
23%
Mkt / Vendas
12%
Produção
21%
RH e áreas
corporativas
29%
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N = 81
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3.4 UTILIZAÇÃO DE FERRAMENTAS GERENCIAIS
No tocante à utilização de ferramentas gerenciais voltadas ao tema da sustentabilidade
corporativa, ela ainda é incipiente na maioria das empresas e há muito espaço para melhoria nesse
quesito.
Para incluir a sustentabilidade na estratégia corporativa, as empresas fazem uso de
ferramentas como Planejamento Estratégico, Balanced Scorecard, Sistema Integrado de Gestão ou
instrumentos desenvolvidos nas próprias empresas para esse fim, como o Nestlé Management
Principles (Princípios Nestlé de Gestão Empresarial) ou o sistema de 5Ps da Coca-Cola (Profit,
Planet, People, Partners e Portfolio), ou Lucro, Planeta, Pessoas, Parceiros e Portfólio, em
português. Além disso, a Nestlé também assume compromissos internacionais voluntários como o
Pacto Global e as Metas do Milênio, ambos iniciativas promovidas pela ONU, fazendo de tais
compromissos instrumentos de gestão interna.
No que diz respeito à Gestão de Riscos, algumas das empresas têm avançado na análise de
riscos ambientais e sociais, embora falte em geral um processo bem estruturado de identificação e
monitoramento dessas categorias de riscos.
Em relação especificamente às questões ambientais, existem iniciativas operacionais,
especialmente nas questões ligadas à água e aos dejetos. Destacam-se as iniciativas de redução de
consumo de água da AmBev, da Coca-Cola Brasil e da Nestlé Brasil, além das iniciativas de melhor
destinação de dejetos da Perdigão, que realiza um projeto em conjunto com universidades, e da
Sadia, que utiliza a tecnologia de biodigestores e comercializa créditos de carbono. Outras
iniciativas a serem destacadas e que incorporam também as questões sociais, são aquelas ligadas à
reciclagem de embalagens da Coca-Cola Brasil e da AmBev. Tais iniciativas podem ser verificadas
nos websites e relatórios anuais das referidas empresas.
Adicionalmente, uma importante ferramenta para a implantação dos conceitos da
sustentabilidade corporativa começa a ser inserida nas empresas analisadas, qual seja: a inclusão de
critérios ligados à sustentabilidade influenciando a remuneração variável de executivos. Embora
isso ainda aconteça de forma um pouco tímida, não há dúvida de que sua utilização para os níveis
gerenciais mais altos da organização impulsionaria o assunto de forma decisiva nas companhias.
Por fim, dentre os instrumentos cuja utilização está muito aquém do desejável no setor está a
mensuração de resultados advindos de ações relacionadas à sustentabilidade. As empresas
demonstraram grande dificuldade em avaliar economicamente os benefícios gerados pela atuação
no caminho da sustentabilidade. Isso se mostra mais evidente no gráfico a seguir, que aponta o
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entendimento dos respondentes à inserção do conceito da sustentabilidade na empresa por meio das
ferramentas gerenciais apresentadas. Conforme pode ser visto no gráfico, das nove ferramentas
gerenciais apresentadas no questionamento às companhias, apenas três foram citadas em mais de
50% dos casos, com destaque para aquelas de caráter normativo.
Gráfico 6 - Utilização de ferramentas gerenciais com foco em
Sustentabilidade Corporativa
políticas, práticas e valores corporativos
comitês em nível corporativo
ferramentas para aumentar a transparência
ferramentas para alocação de recursos
forças-tarefa para conflitos e melhorias
desenvolvimento de executivos
planejamento estratégico e procedimentos contábeis
sistemas de premiação e punição
outras
0%
N = 31
50%
100%
Nesse sentido, os esforços acadêmicos e gerenciais que contribuam para aprimorar tais
ferramentas e sua utilização são bem-vindos, sobretudo nas instituições que ainda questionam o
valor de uma gestão sustentável.
3.5 PECULIARIDADES DO SETOR DE ALIMENTOS E BEBIDAS
Dentre as peculiaridades do setor já apresentadas na seção 2, os executivos entrevistados
destacaram algumas, como: o alto volume de sonegação de impostos; os conflitos éticos ligados a
problemas de saúde pública gerados pelo consumo inadequado de bebidas alcoólicas, bebidas
refrigerantes ou alimentos; a destinação de dejetos; o consumo de embalagens; o consumo da água e
a preservação de bacias hidrográficas.
Além disso, os entrevistados ressaltaram que, pelo seu posicionamento no meio da cadeia
produtiva e pela força de suas empresas líderes, a indústria é instada a assumir parte da
responsabilidade de fornecedores e clientes em relação a questões socioambientais. Nesse contexto,
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a rastreabilidade passa a ser fator cada vez mais crucial na efetividade da sustentabilidade,
reforçando a necessidade de envolver a cadeia produtiva no esforço de melhorias de práticas
socioambientais.
Por fim, há ainda algumas outras particularidades que estão relacionadas à ponta do
consumo. O Brasil é um país com sérias desigualdades sociais e com muitas deficiências ligadas à
educação e à saúde pública, fatores que dificultam o entendimento da população sobre o que
exatamente é uma empresa ética e responsável, dificultam o processo de educação alimentar e
consumo responsável, fazendo com que as grandes empresas se sintam compelidas a preencherem
alguns espaços naturais do poder público, de forma a manterem um bom relacionamento com
comunidades e obterem mão-de-obra minimamente qualificada.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A SUSTENTABILIDADE NO SETOR
O setor de A&B tem se movimentado de forma tímida na adoção dos conceitos da
sustentabilidade corporativa. Mesmo nas empresas líderes do setor, as etapas de entendimento e
disseminação do tema estão em estágio inicial. Existem sim projetos que incorporam um olhar para
as dimensões da sustentabilidade, mas são restritos e específicos a algumas empresas, não
configurando, portanto, uma percepção mais completa do conceito de sustentabilidade setorial.
Assim, pode-se dizer que o setor ainda carece de uma dedicação maior ao tema, levando
inclusive o conceito às empresas de menor porte, além de se voltar à implementação de ferramentas
e processos que garantam não apenas a inserção do conceito na gestão e na estratégia de negócios,
mas também a mensuração sistematizada de seus resultados econômicos.
Tal conclusão carrega preocupação com o setor, altamente dependente de recursos naturais
finitos. Por conseguinte, acredita-se que fortes impulsionadores da agenda da sustentabilidade
corporativa no setor de A&B podem ser fatores externos às corporações, tais como a possibilidade
de escassez de recursos naturais e maior cobrança por parte da sociedade civil.
Por fim, pode-se concluir que o setor de A&B ainda não tem um business case setorial para
a sustentabilidade corporativa e que ainda há a necessidade de fortes avanços neste sentido.
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5 PROPOSTAS PARA UMA AGENDA DA SUSTENTABILIDADE NO SETOR
Com o objetivo de promover um maior avanço da sustentabilidade corporativa no setor de
alimentos e bebidas, são apresentadas quatro propostas de ação.
A primeira é promover uma melhor disseminação do conceito, tanto interna quanto
externamente, o que pressupõe atuar tanto com os colaboradores quanto com outros stakeholders,
especialmente fornecedores, levando-se em conta a grande relevância da cadeia produtiva.
Como segunda proposta tem-se: buscar maior movimentação de pequenas empresas do setor
para o tema, por meio de exemplos de casos de sucesso de sustentabilidade corporativa em
empresas líderes no setor no País, bem como das melhores práticas internacionais.
A terceira é estimular nos stakeholders, especialmente consumidores, maior consciência,
cobrança e valorização do conceito da sustentabilidade corporativa, gerando assim premiação para
as empresas que se diferenciam por uma forte atuação sob este conceito.
Por fim, a quarta proposta consiste em incorporar de forma mais efetiva e expressiva o
conceito da sustentabilidade aos instrumentos de gestão das companhias, com ênfase na
implementação de ferramentas que busquem a quantificação racional dos benefícios da
sustentabilidade.
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