Ler intervenções - Forum Abel Varzim

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Ler intervenções - Forum Abel Varzim
«PRESERVAR a MEMÓRIA»
SESSÃO COMEMORATIVA da difusão das
«CARTAS» de Fevereiro e Março de 1959
 As relações entre a Igreja e o Estado e a liberdade dos católicos,
documento subscrito por 43 cidadãos (Fevereiro de 1959);
 Carta a Salazar sobre os serviços de repressão do regime,
subscrita por 45 cidadãos (1 de Março de 1959);
«507» - OS CATÓLICOS e a POLÍTICA [de 58 a 69] – Sessão Comemorativa realizada em 3 de Abril de 2009
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OS CATÓLICOS e a POLÍTICA [de 58 a 69]
3 de Abril de 2009
SESSÃO COMEMORATIVA da difusão das
«CARTAS» de Fevereiro e Março de 1959
 As relações entre a Igreja e o Estado e a liberdade dos católicos, documento subscrito
por 43 cidadãos (Fevereiro de 1959);
 Carta a Salazar sobre os serviços de repressão do regime, subscrita por 45 cidadãos (1
de Março de 1959);
 «Golpe da Sé» (11 de Março de 1959)
Mesa constituída por:
 Guilherme de Oliveira Martins
 João Miguel Almeida
 Nuno Teotónio Pereira
Saudação de abertura por Manuel Bidarra:
Nós, Centro Nacional de Cultura e Forum Abel Varzim, que nos metemos nesta iniciativa,
achamos que a história não pode ficar escondida debaixo do alqueire. Assim sendo, temos que
aproveitar todas as oportunidades. Como ocorrem agora cinquenta anos das cartas, uma de
Fevereiro e outra de 1 de Março de 1959, e também o “Golpe da Sé”, decidimos levar a cabo este
encontro no qual estão presentes alguns dos seus protagonistas.
E não levem a mal eu citar o Manuel Serra como um dos principais, se não o principal
elemento do movimento da Sé, em 12 de Março de 1959. Porém há ainda entre os presentes várias
pessoas que assinaram os documentos citados. Eu, por acaso, assinei somente a carta a Salazar e,
por tudo isto, seria uma pena se não aproveitássemos esta excelente oportunidade de nos
revermos para homenagear os que já faleceram.
O Nuno Teotónio Pereira vai referir-se a estes acontecimentos, e depois falará o Guilherme.
O João Miguel Almeida, autor de um dos livros, que também aqui estão à venda, falará sobre o
enquadramento histórico dos diversos acontecimentos.
Espero que possa haver depois algumas intervenções da assembleia.
Muito obrigado uma vez mais, por terem vindo!
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Testemunho de Nuno Teotónio Pereira:1
Eu queria começar por saudar esta iniciativa do Forum Abel Varzim, porque de facto, é
fundamental não esquecermos estes acontecimentos que foram, por vezes tão importantes, e estão
a ser bastante esquecidos. Eu pertenço ao movimento “não apaguem a memória” 2, que está a
trabalhar, e tem trabalhado nesse sentido, e penso que todos nós que fomos os protagonistas,
devemos contribuir para que os factos dessa “memória” não sejam apagados.
Quero saudar todos os presentes que foram protagonistas destes acontecimentos, já somos
só os sobreviventes, mas o importante é que trabalhemos para que essa memória não se apague.
Ora bem [a respeito], dos cinquenta anos destes dois documentos dos católicos de 1959, o
nome que me ocorre, em primeiro lugar, é sem dúvida o do Francisco Lino Neto 3, que está muito
esquecido.
O Francisco Lino Neto era engenheiro, trabalhou durante quase toda a vida nas obras do
Metropolitano de Lisboa, engenheiro distinto, o seu pai havia sido dirigente do Centro Católico 4,
mas agora não me vou alongar sobre isso. Foi ele que desencadeou o processo que levou à
redacção dessas cartas que estamos hoje aqui a celebrar. Aliás há este livro muito importante
coligido pelo Pe. Felicidade Alves5, já há bastantes anos, que tem todos estes documentos (uma
série de documentos), começando exactamente pelos de 1958, após a campanha eleitoral do
Humberto Delgado.
E foi de facto a campanha eleitoral de Humberto Delgado que acordou muitos católicos para a
necessidade da intervenção política. O primeiro texto que aparece aqui neste livro, é da iniciativa
do Francisco Lino Neto, [trata-se do] “abaixo-assinado” de protesto ao Jornal Novidades, que era o
jornal da Igreja de Lisboa, uma carta de 19 de Maio de 1958, já com umas quantas assinaturas, 28
assinaturas. Estão aqui quase todos os que assinaram depois as outras duas cartas, que foram
subscritas por várias pessoas. Está o Manuel Serra, o Carlos Portas, felizmente estão aqui, e muitos
outros que já desapareceram, como o António Alçada Baptista. Está também aqui o João Gomes. E
muitos outros assinaram, a Manuela Silva, o Pereira de Moura, o Mário Murteira, Nuno de Bragança
etc.
Foi o primeiro abaixo-assinado ao Jornal Novidades, de protesto pela parcialidade com que
esse jornal, acompanhou e noticiou a campanha eleitoral de Humberto Delgado. Deve dizer-se aqui,
que os subscritores lamentavam que a acção esclarecedora que competia ao jornal impulsionar,
sobre as opções políticas que os católicos deviam tomar, não foi exercida, porque houve um
cinismo do jornal, em relação ao candidato do regime.
E depois, logo a seguir, em Junho há uma carta subscrita pelo próprio Francisco Lino Neto,
«Considerações de um Católico sobre o Período Eleitoral», em que ele é mais contundente, mais
incisivo, protestando contra isso e denunciando [o facto] da Igreja publicamente se comportar
1
Texto retirado de gravação. Editado.
«Movimento Cívico Não Apaguem a Memória».
3
Francisco de Assis de Mendonça Lino Netto, (1918/1997) - Filho de António Lino Neto. Engenheiro electrotécnico, destaca-se
profissionalmente como quadro do Metropolitano de Lisboa. Militante católico da JUC, apoiante de Humberto Delgado em 1958, altura
em que sendo ferido numa manifestação, tem a sua imagem ensanguentada a correr mundo. Escreve então Considerações de um Católico
sobre o Período Eleitoral. Em 1975 ainda aparece como deputado do Partido Socialista na Assembleia Constituinte.
4
«Centro Católico Português».
5
«CATÓLICOS E POLÍTICA – DE HUMBERTO DELGADO A MARCELO CAETANO» - Edição de Pe. José da Felicidade Alves
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ligada ao regime da ditadura, apesar de já se terem até cerceado as liberdades de “movimentos
católicos”, como aconteceu com o jornal «O Trabalhador», dirigido pelo padre Abel Varzim, com os
Congressos da JOC e da Liga dos Homens Católicos, e de outras organizações.
E, penso eu, foram estas tomadas de posição não publicadas, porque a “censura” não
deixava, que estiveram bastante na origem da célebre carta do Bispo do Porto, D. António Ferreira
Gomes a Salazar, que é de 13 de Julho de 1958, a seguir portanto a estas cartas.
O Bispo do Porto disse a Salazar numa longa missiva, que é mais conhecida, que se ressentia
da linha política do regime salazarista, e dizendo «a grande e trágica realidade que já se conhecia,
mas que a campanha eleitoral revelou de forma irrefragável e escandalosa é que a Igreja em
Portugal está perdendo a confiança dos seus melhores», dizia D. António. Está-se perdendo a causa
da Igreja na alma do povo, dos operários e da juventude.
Esta carta do Bispo do Porto foi enviada a um certo número de pessoas, nomeadamente a
estas que já tinham tomado as suas posições, que ele conhecia. Eu recebi um original dessa carta,
com um pequeno bilhete em que ele pedia reserva, pedia para que não fosse divulgada a carta.
Porque a carta era, enfim, uma proposta de temas que ele gostaria de discutir com Salazar. Ele não
obteve resposta, a resposta foi, como se sabe, o exílio. E a ideia [dele], quando mandou a cópia a
estas pessoas, mas pedindo-lhes reserva, era que não fossem divulgadas. Mas é claro, já não me
lembro como, nem me lembro por quem, mas a carta começou a ser divulgada, passada a “stencil”,
policopiada, e felizmente tornou-se conhecida.
Portanto, este livro organizado pelo padre Felicidade Alves é muito importante porque vai até
aos últimos acontecimentos, até ao caso da ocupação da Igreja de São Domingos 6, numa vigília por
ocasião do «Dia Mundial da Paz» no dia 1 de Janeiro de 1969; tem aqui aquele belo poema da
Sophia de Mello Breyner «A Paz sem Vencedor e sem Vencidos», e o documento que li nessa altura
ao Cardeal Patriarca Cerejeira7 quando acabou a missa da meia-noite, no dia 31. Nessa altura São
Domingos fez de Sé, e o Cardeal Cerejeira foi lá celebrar a missa da meia-noite. Um grupo [de
cristãos] entrou na igreja, tendo entregue ao Cardeal Cerejeira, uma carta, uma exposição,
também está aqui neste livro, a explicar porque é que era preciso fazer aquela vigília. E o motivo
era muito simples, o Papa Paulo VI tinha declarado aquele dia 1 de Janeiro «Dia Mundial da Paz», e
Portugal, o nosso país, estava em guerra, e estando em guerra tinha que discutir esse problema.
Claro, tivemos dificuldades para participar na nossa vigília, [no entanto] estivemos durante a noite,
com testemunhos vários até de companheiros que tinham estado já na Guerra Colonial.
Portanto, eu sugeria aqui ao nosso amigo, [João Miguel Almeida], que se tem dedicado a
estes temas se era possível organizar uma biografia, um livro, ou um documento sobre a acção do
Eng.º Francisco Lino Neto, eu penso que isso seria da maior actualidade.
Depois surge, é claro, o padre Abel Varzim, que aparece sempre como o primeiro signatário,
porque as assinaturas eram por ordem alfabética iam de A a Z, logo ele aparece sempre como o
primeiro signatário. Eu lembro-me do Francisco Lino Neto ter ido [a Cristelo], o Abel Varzim já
estava lá no Norte, exilado na sua terra natal, e ele quis vê-lo, e o Francisco lá foi buscar a
assinatura do Padre Abel Varzim.
E agora, um testemunho mais pessoal, eu conheci o padre Abel Varzim e o Padre Manuel
Rocha, que foram dois jovens sacerdotes que frequentaram um curso em Lovaina, na Universidade
Católica de Lovaina, e que depois regressaram cheios de boas ideias, ideias novas, estimulantes, e
eu lembro-me de uma série de lições que eles, semanalmente davam, já não me lembro em que
instituição, era um primeiro ou segundo andar ali em frente, mais ou menos, a São Julião,
[instalações hoje do Banco de Portugal] ao pé da Praça do Município. Não me lembro qual era a
instituição, eu lá ia ouvir e fiquei fascinado por aquelas ideias.
O padre Manuel Rocha esteve pouco tempo cá, porque foi dos primeiros, talvez, a ser objecto
de um estratagema muito utilizado pelo Cardeal Cerejeira, em relação aos padres incómodos,
mandá-los para o estrangeiro, por vezes até estudar. O padre Manuel Rocha sendo açoriano, foi
mandado, como pároco, para uma comunidade açoriana de emigrantes. Já não me lembro do nome
da cidade, mas era uma cidade nos Estados Unidos8 e lá foi pastorear os emigrantes açorianos.
6
7
8
Vigília de contestação ao regime ditatorial português, promovida por mais de 150 católicos.
Ver anexo I
Ludlow, Ma. [Paróquia de “Nossa Senhora de Fátima de Ludlow”].
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E, de facto, esse estratagema foi usado muitas vezes. O padre Adriano Botelho, Pároco de
Alcântara, e agora aproveito para mostrar a minha alegria pela publicação deste livro 9, que está
aqui, que saiu agora, era Pároco de São Pedro em Alcântara, uma freguesia com muitos operários,
uma zona industrial de Lisboa, e ele apoiava os movimentos de reivindicação desses operários. Por
isso, também foi mandado para o estrangeiro pelo Cardeal Cerejeira, para uma cidade, cujo nome
não me lembro, uma cidade na Patagónia10, no sul da Argentina, para pastorear, não sei se
emigrantes portugueses, e passou lá uns anos. Depois lá regressou e foi nomeado pároco aqui, de
São João de Brito, e lembro-me que depois eu e a minha mulher, a Natália, contactávamos com
ele, morávamos aqui em Alvalade, ali no Bairro São Miguel, contactámos com ele frequentemente.
Depois, em 1963, começou a publicar-se um boletim clandestino chamado «Direito à
Informação» cujo objecto principal era a denúncia da Guerra Colonial, e porquê? porque nós
tomámos um conhecimento mais estreito com os problemas da Guerra Colonial, quando, depois dos
acontecimentos sangrentos em Angola em 1961, no norte de Angola, e da revolta do 4 de
Fevereiro, num assalto às prisões de Luanda para libertação de presos políticos, estiveram
envolvidos vários padres angolanos.
Esses padres foram presos pela PIDE e foram exilados para Portugal, onde estiveram, todos
separados, em geral em residências católicas, e sem autorização da PIDE para saírem da localidade
onde estavam. Entre eles, aquele a quem ficámos mais ligados, foi o padre Joaquim Pinto de
Andrade, irmão do Mário Pinto de Andrade, um dos fundadores do MPLA.
O padre Joaquim Pinto de Andrade, foi por um acaso que soubemos onde ele estava, porque
um deles estava na residência de Santa Zita, ali à Lapa à Estrela, e eu estava a fazer um projecto
[na província] e o pároco (que até morreu há poucos dias) disse-nos, “há um padre Angolano lá na
Residência de Santa Zita”, onde ele se hospedava quando vinha a Lisboa. Então lá fomos nós, falar
com ele, e não era o padre Joaquim Pinto de Andrade, era outro (não me lembro agora o nome),
foram cinco ou seis padres angolanos que foram presos, e não se sabia nada!... não podia vir nada
nos jornais, não se sabia nada.
Têm saído agora uns fascículos, sobre a Guerra Colonial, e num desses fascículos, sobre o
ano de 61 ou 62, vem escrito que foram presos nessa altura pela PIDE, em Angola, uma série de
pastores evangélicos, porque muitos eram estrangeiros, e porque estavam a conspirar contra o
regime colonial português; mas o fascículo não nos dava, sobre isso, que nos toca muito mais,
[notícia do exílio em Portugal de padres angolanos católicos]; o padre Joaquim Pinto de Andrade já
tinha até estado preso na Ilha do Príncipe.
Então procurámos contactar com eles, fomos visitar o Pe. Pinto de Andrade ao Seminário em
Valadares, perto do Porto, e depois contactámos com outros, alguns estavam em Lisboa, mas todos
com residência fixa.
O primeiro número desse jornal clandestino «Direito à Informação» denunciava o facto, dizia
o nome desses padres, e foi o tema principal, tema que ocupou sucessivamente vários números. E
está aqui uma pessoa, ah! não está, não pôde vir, a Ana Vicente [que era] quem “batia” à máquina,
emprestada pela Conceição Neuparth, esses boletins, então várias vezes nós viemos aqui à Igreja
de São João de Brito com uma resma desse boletim, aos sábados à noite ter com o Padre Adriano
Botelho, e ele ajudava-nos a espalhar «O Direito à Informação», pelos bancos dos fiéis, como agora
estão aí esses jornais «TRANSFORMAR».
Nas noites de sábado nós enchíamos os bancos da igreja com esse boletim clandestino, com a
ajuda do padre Adriano Botelho11, foi um dos apoios que ele deu a essa denúncia da situação
terrível da guerra colonial.
Entretanto, uma pessoa que também colaborou nesse processo foi um jovem padre que
trabalhava no Seminário de Almada, o padre António Jorge Martins. Este, um dia telefonou-me à
noite aflito, dizendo “oh Nuno, então o que é que aconteceu? então não há nada, não saíram para a
rua?”, e eu que estava fora do processo, fiquei admirado, disse, não eu não sei o que é que se
passa, e ele disse, é que estava tudo preparado para sair uma revolta hoje. Era, «A Revolta da
9
«Centenário do nascimento de Monsenhor Adriano da Silva Pereira Botelho – Uma breve Monografia» - Edição da Paróquia de São
Pedro em Alcântara.
10
«Comodoro Rivadavia».
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Pároco da Freguesia de S. Pedro, em Alcântara, Lisboa.
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Sé»12. Eu não tinha sido contactado para isso, estão aqui o Manuel Bidarra, e o João Gomes pelo
menos, que participaram, eu não sabia de nada, fiquei muito admirado.
Faz agora também 50 anos que houve essa “Revolta da Sé”, em que um dos principais
elementos, o Manuel Serra, que está aí, o Manuel Serra era dirigente da Associação dos Marinheiros
Católicos, oficial da marinha mercante, e o Assistente dessa associação, assistente entusiástico, era
o padre João Perestrelo, que, como sabemos faleceu há poucos dias, está aqui a viúva dele e o
filho. O padre João Perestrelo facultou o acesso aos claustros da Sé, onde estava situada a Sede da
Associação dos Marinheiros Católicos. O golpe, por fim não resultou, a certa altura a PIDE tomou
conhecimento do que se preparava, e a saída das tropas de alguns quartéis de Lisboa, que estavam
preparadas, acabou por não se fazer. Houve uma série de pessoas presas, entre elas justamente o
João Gomes e o Mariano Calado. O Manuel Serra acho que conseguiu escapar, dessa vez.
Portanto, essas coisas estão todas muito ligadas, e em relação a esse jovem Padre que
estava no Seminário de Almada, e que [me] tinha telefonado nessa noite, (o padre Jorge Martins)
também foi, a certa altura, mandado estudar para o estrangeiro, pelo Cardeal Cerejeira. Foi
mandado estudar para Estrasburgo, e também saiu de Portugal.
Recebi uma carta dele há poucos dias, possivelmente algumas pessoas que estão aqui, terão
recebido essa carta, eu já não tinha notícias há mais de um ano, e recebi uma carta de
Estrasburgo, onde ele se instalou, onde deixou de ser padre, casou, carta essa, datada de 28 de
Fevereiro deste ano, e que me impressionou muito.
Ele tem uma casa de férias na Costa de Caparica, onde às vezes me tenho ido encontrar com
ele, e escreve-me agora uma carta, a explicar o que tem sido o silêncio, o facto de não ter entrado
em contacto já há tanto tempo. Manda um grande abraço para todos, isto é uma circular, deve ter
mandado a vários amigos, para todos um grande abraço. [Isto faz-nos] tomar consciência, no que
me diz respeito, por tanta demora e por vezes por tanto silêncio, mas diz, “não é todos os dias que
se vai para o hospital, e que se curte um isolamento que esmaga, que se perde o carro e que não
se tem mesmo vontade de comprar outro, sobretudo se as possibilidades de condução aparecem
diminuídas”.
Ora o que é que aconteceu, aconteceu que lá em Estrasburgo, o carro dele chocou, foi
apanhado por dois camiões suíços, ficou esmagado e ele ficou ferido. Diz que isto foi em Maio do
ano passado, as consequências foram-se agravando, depois veio passar uns tempos à Costa de
Caparica, e teve de ser hospitalizado de urgência em Almada, em Outubro do ano passado, e
“depois apareceu-me aqui uma febre a sério, criada por uma bronco pneumonia, logo a seguir ao
Ano Novo, e que me trouxe outra vez para a cama. E cheguei do hospital na semana passada e cá
vou a fazer tentativas de uma vida normal. Os médicos, querem experimentar [medicamentos]
para o Parkinson, novos caminhos e novos medicamentos. Está tudo dito do passado e vamos ao
futuro”.
E portanto diz que queria discutir o momento presente da Igreja em que se fala à boca cheia
das limitações de um Papa, de quem se diz que é um zero à esquerda, em comunicação, em
diplomacia, em coragem, etc., o tom do Episcopado Francês é francamente duro, são notícias que
ele dá, enfim, e diz que fica assim restabelecido o contacto.
Ele foi evidentemente um dos signatários das cartas que aqui estamos a celebrar hoje.
Tenho aqui uma pequena resenha, que fiz há uns dois ou três anos, e agora actualizei,
intitulada «Padres e Bispos que enfrentaram a Ditadura», acho que era um bom tema para um
livro. São episódios que não são conhecidos da opinião pública, e tiveram enorme importância para
a preparação do «25 de Abril» e para o fortalecimento das correntes que se opuseram à ditadura.
Começo pelo:
 padre Joaquim Alves Correia, missionário do Espírito Santo, que escreveu um livro que ficou
na história, «A Largueza do Reino de Deus», e que também foi mandado para os Estados
Unidos em 1946, onde veio a falecer em 51;
 padre César Teixeira da Fonte, sacerdote madeirense expulso da sua terra por ter apoiado
manifestações de protesto de camponeses explorados, veio residir para o continente, e foi
um dos signatários destas cartas;
 padre Manuel Rocha, originário dos Açores, Assistente da Acção Católica Operária, acusado
pelo Governo de fomentar a revolta, e foi mandado pelo Cardeal Cerejeira, para Ludlow,
Mass., como pastor de uma importante colónia açoriana [nos E.U.A.];
12
11 de Março de 1959.
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 padre Abel Varzim, esse felizmente a acção dele é mais conhecida e há diversos livros sobre
ele;
 padre Adriano Botelho, pároco de Alcântara, enviado para a Patagónia, e nomeado depois
pároco em São João de Brito, em Lisboa;
 padre João Perestrelo de Vasconcelos, nomeado capelão do Arsenal do Alfeite, onde o pai
tinha sido Administrador, por sinal um engenheiro de grande competência, que era
conhecido do meu pai, pois moravam perto, na Estrela. O padre João Perestrelo de
Vasconcelos, oriundo de famílias da alta burguesia, mas que no Arsenal do Alfeite, assume
os problemas da classe operária, também subscritor destas cartas, esteve na Alemanha e
no Brasil, e faleceu como todos sabemos há poucos dias;
 padre António Jorge Martins, de que eu já falei, de quem recebi esta carta;
 padre José da Costa Pio, coadjutor da Freguesia de Arroios, em Lisboa, que foi demitido e
perseguido;
 padre José Narino de Campos, pároco em Évora, acusado de inimigo da Pátria, e da Igreja, e
que foi também mandado para o Brasil;
 padre José Maria da Cruz Dinis, de Coimbra, de que não tenho grandes informações;
 padre Joaquim Pinto de Andrade, de que já falei, Vigário Geral da Diocese de Luanda,
deportado para Lisboa e transferido para a Ilha do Príncipe, foi preso oito vezes, porque
acabava um período de prisão preventiva, e não sendo julgado, davam-lhe ordem de
soltura, e era imediatamente preso à saída da prisão. Presidente Honorário do M.P.L.A.
durante anos, faleceu fez agora há pouco tempo, um ano. A Viúva dele a Maria Vitória é
que esteve agora há alguns meses em Portugal, e quando lhe falei desta sessão ela disseme, “ai que pena, nesse dia, dia 3, é que eu vou regressar a Angola”, por isso não pode
aqui estar;
 padre Franklin da Costa, angolano, professor do Seminário de Luanda, foi logo a seguir ao 25
de Abril, e após a descolonização, nomeado Arcebispo de Lubango;
 padre Alexandre Nascimento, também preso na mesma altura, deportado para Lisboa, com
residência fixa, depois de regressado a Angola, foi Arcebispo de Luanda, e mais tarde
Cardeal;
 padre Manuel Joaquim das Neves, Vigário Geral de Luanda, acusado de preparar o assalto à
prisão da PIDE, de 4 de Fevereiro, também deportado para Lisboa, para Braga, para uma
casa Religiosa, onde morreu, e para não haver manifestações nem burburinho, o enterro
dele em Braga, foi feito durante a noite;
 padres Vicente Rafael, Domingos, Alfredo Gaspar, Martinho Bamba e Lino Guimarães, afinal
eram mais do que os que eu já aqui enunciei, foram também presos em Luanda, a seguir
ao 4 de Fevereiro, e também deportados para Portugal;
 padre Mário de Oliveira, já bastante conhecido, nomeado capelão militar na Guiné, em 67, foi
depois expulso, por indesejável, e nomeado pároco em Macieira da Lixa, no Norte, preso
várias vezes pela PIDE;
 padre José da Felicidade Alves, que é mais conhecido, também foi mandado pelo Cardeal
Cerejeira, estudar para Paris, depois de ter feito umas homilias denunciando a Guerra
Colonial, na Igreja dos Jerónimos, onde era pároco. Fundou os «Cadernos GEDOC» depois
do seu regresso, «Grupo de Estudo e Documentação», que foram muito importantes, foi ele
que organizou o livro Católicos e Politica – atrás citado;
 e depois, padres holandeses [João Dekker e Adriano], alguns deles da Congregação dos
Sagrados Corações, trabalhando na freguesia do Couço (Ribatejo), perto do Alentejo, onde
houve muitas revoltas de camponeses, e eles solidarizaram-se com eles, [e ainda] o padre
Bartolomeu Recker, que foram presos pela PIDE e levados para a fronteira de Badajoz;
 padre Ismael Nabais Gonçalves, pároco da freguesia de Igreja Nova, em Mafra, preso em
1973; era uma das Igrejas onde eram policopiados documentos clandestinos; as paróquias
tinham duplicadores a “stencil” e então, numerosos grupos usavam essas máquinas para
fazer a edição dos documentos clandestinos.
Portanto, aqui está, não serão todos, mas estão aqui uns tantos padres que lutaram contra a
ditadura, houve [também] Bispos, como se sabe, um deles, António Ferreira Gomes, Bispo do
Porto, o Bispo da Beira, Sebastião Soares de Resende, o Bispo Manuel Vieira Pinto, de Nampula,
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que também, a certa altura, foi exilado para a Metrópole, foi mandado pela PIDE aqui para
Portugal, pouco antes do 25 de Abril, o Bispo Altino Ribeiro de Santana13, também em Angola.
Portanto temos muita matéria, que eu penso que era muito bom que fosse compilada e
divulgada, para se ficar a saber, para que a nossa memória não ficasse perdida. Porque o que
aconteceu, duma forma geral, para além das ligações com o movimento operário, onde houve
assim um começo destes movimentos, a partir da campanha do General Humberto Delgado, foi
também a pressão da Guerra Colonial, que levou muitos cristãos a lutar contra a Ditadura e contra
a Guerra Colonial.
Aqui está o meu testemunho, resumido, e eu gostava de poder mandar um relato desta
sessão, ao nosso amigo António Jorge Martins, que pelos vistos está bastante doente, para ele
tomar conhecimento do que aqui se passou, e da comemoração que fizemos aqui neste momento.
Muito obrigado!
Aplausos!
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Bispo de Sá da Bandeira.
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Intervenção de Guilherme de Oliveira Martins:
Gostaria de vos dizer duas palavras apenas. Quando sugeri ao Manuel Bidarra, que
começássemos por ouvir o testemunho do Arqt.º Nuno Teotónio Pereira, estava na razão, uma vez
que nada melhor do que começar por um testemunho vivo de alguém que muito admiramos, e que é
um exemplo de coragem e determinação, símbolo de um conjunto de valores que estiveram bem
presentes nos acontecimentos que hoje assinalamos.
Como Nuno Teotónio Pereira disse, os anos 58 e 59 são anos extraordinariamente
importantes. São anos de viragem. E é verdade que, houve uma grande esperança no fim da
Guerra, e em 1945, que não podemos deixar de referir, quem já foi aqui citado, o padre Joaquim
Alves Correia.
Mas é em 1958/59 que há uma alteração clara de circunstâncias, com a candidatura
presidencial do General Humberto Delgado, como foi investigado pelo nosso amigo Dr. João Miguel
Almeida, que iremos ouvir a seguir.
Eu serei muito breve porque estamos interessados sobretudo em reflectir e debater sobre
uma significativa evocação da memória. A verdade e que a candidatura do General Delgado foi
acompanhada pela criação de condições, para que, no seio da Igreja, tivessem surgido vozes
inconformistas, que comeram a fazer-se ouvir.
Os documentos que Nuno Teotónio Pereira referiu, são extraordinariamente importantes, a
começar pelos de 1958: a carta ao jornal «Novidades», que e no fundo a denuncia da inexistência
de condições para umas eleições livres; e a carta do engenheiro Francisco Lino Neto,
extraordinariamente corajosa, porque é subscrita individualmente. Todos sabemos, os que
conhecemos bem o eng.º Francisco Lino Neto, que era uma pessoa de grande modéstia mas duma
extraordinária coragem. E o certo é que o eng.º Lino Neto foi tristemente celebrizado pela
fotografia distribuída pelas das agencias internacionais como vítima da repressão que se abateu
sobre a manifestação de apoio ao General Humberto Delgado, em Lisboa, em Santa Apolónia. A
fotografia, censurada em Portugal, é a de um homem, com a cabeça aberta, ensanguentada, o
nosso pacifico eng.º Francisco Lino Neto.
Essas duas tomadas de posição são muito importantes, mas hoje assinalamos sobretudo os
acontecimentos de Fevereiro e Março de 1959. Trata-se da divulgação de duas cartas, já
aqui referenciadas, uma assinada por 43 subscritores, sobre a limitação da liberdade da
Igreja, que se insere no contexto de documentos oficiais que tinham tido grande
expressão pública. Estamos a falar de um discurso de Oliveira Salazar, denunciado por
apresentar uma visão paternalista relativamente à Igreja Católica e da Mensagem Natalícia
do Cardeal Cerejeira e de uma Carta Pastoral entretanto publicada. Estes são os motivos,
próximos, que levaram à tomada de posição de 43 subscritores sobre a limitação da liberdade da
Igreja.
Nuno Teotónio Pereira já referiu o texto, que está publicado integralmente na colectânea
organizada pelo padre Felicidade Alves, a que se seguiu a carta dos «45». E se a primeira era
inconformista e crítica, esta é explosiva, tratando do melindroso tema dos métodos da "polícia
política".
Estas duas cartas, a dos 43 e a dos 45, são dois documentos fundamentais, uma vez que são
alertas relativamente à situação de limitação da liberdade da Igreja. Depois da Carta do Bispo do
Porto e das tomadas de posição de 1958, estamos perante uma manifestação da crise da frente
nacional, que era invocada como base do Estado Novo. Afinal trata-se da afirmação inequívoca de
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que a Igreja Católica estava condicionada e limitada pelo poder politico ditatorial.
As duas cartas, como já foi bastamente referido, foram subscritas por seis sacerdotes,
Abel Varzim, Adriano Botelho, António Jorge Martins, César Teixeira da Fonte, João Perestrelo
de Vasconcelos e José da Costa Pio, e por vários leigos, como António Alçada Baptista, Francisco
Lino Neto, Francisco Sousa Tavares, Gonçalo Ribeiro Telles, João Bénard da Costa, João Gomes,
Manuel Serra, Nuno Teotónio Pereira, Orlando Carvalho, Sophia de Mello Breyner, etc. Trata-se
de pessoas que assumiram uma extraordinária coragem e um sentido profético. Estamos, afinal,
perante tomadas de posição que apontam os caminhos que vão anunciar a democratização.
De facto, o 25 de Abril de 1974 começa a ser anunciado nestes dois importantíssimos
documentos. E, obviamente, como já foi referido, não são expressão teórica ou abstracta,
uma vez que estão intimamente ligados à ocorrência da tentativa de golpe que ficou
conhecida como «Golpe da Sé». E esta designação deve-se ao papel extraordinariamente
importante desempenhado, quer pelo padre João Perestrelo de Vasconcelos, quer por Manuel
Serra, aqui presente. Foi na Sé que tiveram lugar as reuniões preparatórias dessa tentativa,
que envolveu Francisco Sousa Tavares, Jorge de Sena, Alçada Baptista e outros.
Como momentos de viragem 1958 e 1959 vão constituir-se em circunstâncias
extraordinariamente importantes de consciencialização cívica, que levarão a que os católicos,
passem a ter influência na abertura das fronteiras da tradicional oposição ao regime. E não
podemos esquecer que estes acontecimentos não podem deixar de ser associados com o que
se passava no seio da Igreja. O novo pontificado de João XXIII abria novos horizontes, que
culminariam na convocatória do Concílio Vaticano II. Em Portugal o “aggiornamento” vai ter
várias manifestações, a começar na Livraria Moraes, e no lançamento de um novo projecto
editorial por Alçada Baptista, que foi muito mais do que isso, inspirado por Emmanuel Mounier
e pela Revista “Esprit”. E temos de lembrar que, no final dos anos cinquenta, a revista Esprit
dirigida por Jean-Marie Domenach singulariza-se pelas posições de crítica à situação argelina
e de defesa da autodeterminação das colónias em África. Recordo o livro, que foi
proibidíssimo, mas que teve uma influência muito grande, «L'Eveil de l'Afrique noire», da
autoria de Emmanuel Mounier, na sequência de uma viagem deste a África, e que vai
constituir-se em base teórica extraordinariamente importante, designadamente em relação a
muitos padres e religiosas missionários, que tomam consciência de que não é possível pensar a
questão africana sem o tema da independência e da auto-determinação, com todas as suas
consequências.
A Revista «O Tempo e o Modo» surgirá em 1963, sendo antecedida pela colecção «O
Tempo e o Modo», na Livraria Moraes, baptizada com muita felicidade por Pedro Tamen.
Note-se que a polícia política proibiu a circulação em Portugal da revista “Esprit”, sendo “O
Tempo e o Modo” a maior vítima da censura entre as revistas culturais e literárias. Metade
de tudo o que foi produzido foi cortado pela censura. Uma revista que envolvia católicos e
não católicos, era muito mais incómoda do que outras da oposição tradicional, além de que a
redacção procurava arriscar ao máximo, na tentativa de fazer uma revista legível e
interessante.
Devo falar ainda do Centro Nacional de Cultura, uma vez que há vários episódios ligados
às intervenções da PIDE, designadamente o célebre caso dos exemplares do "Direito à
Informação” deixados pelo Nuno Teotónio Pereira no Centro. Os agentes da PIDE,
solicitaram a Francisco Sousa Tavares que os conduzisse onde se encontravam esses
documentos que tinham sido distribuídos. No entanto, a PIDE não os descobriu porque o
Francisco Sousa Tavares à última da hora pôs todos os documentos no congelador do
frigorífico, e a imaginação dos agentes da PIDE não foi tão longe que lhes permitisse
suspeitar desse recôndito lugar.
Estes episódios demonstram fundamentalmente o seguinte: que há a partir desta altura,
a tomada de consciência de que os católicos inconformistas tinham o dever de se empenhar,
de se comprometer na abertura da sociedade, e na criação de condições para a liberdade e
para o respeito dos direitos fundamentais. Naturalmente que o espírito conciliar, a
constituição pastoral "Gaudium et Spes” e a exigência da liberdade religiosa foram elementos
essenciais que favoreceram este espírito. Estes cristãos passaram assim a somar-se as
outras vozes oposicionistas. António Sérgio em 1958 foi aliás, dos primeiros a compreender a
importância dessa abertura, como expressão da crise da “frente nacional” em que o
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salazarismo se baseava.
Nuno Teotónio Pereira já referiu o exemplo de D. Sebastião Soares de Resende, Bispo
da Beira e é preciso dizer que os dois portugueses que mais intervieram nas sessões do
Concílio foram os Bispos do Porto e da Beira, o que corresponde a cerca de dois terços das
intervenções dos portugueses no Concílio Vaticano II, onde a nossa participação foi, com
estas excepções, bastante modesta. Mas D. António Ferreira Gomes e D. Sebastião Soares de
Resende produziram intervenções extraordinariamente significativas, suscitando questões de
enorme actualidade.
Termino, porque é importante que oiçamos o Dr. João Miguel Almeida, dizendo o seguinte:
como Nuno Teotónio Pereira referiu, logo a começar, “a memória é absolutamente fundamental”.
Não devemos esquecer a experiência de quem nos antecedeu. É indispensável que recordemos
quem, de uma forma pioneira, de um modo profético, corajosamente lançou as bases do que hoje
não pode deixar de ser devidamente lembrado. A liberdade é sempre resultado de luta e de
coragem. O papel de cristãos e não cristãos, porque numa sociedade aberta é sempre necessário
promover a colaboração activa entre cidadãos com diferentes posições no campo religioso, deve
ser de fermento na massa em prol da dignidade da pessoa humana. A laicidade, a liberdade
religiosa, o respeito mútuo são factores de emancipação e de desenvolvimento. Por isso, estes
documentos hoje invocados, cinquenta anos depois de terem sido divulgados, constituem
importantes desafios - para que não esqueçamos que o exercício da liberdade cristã por alguns foi
fundamental para a defesa do bem comum.
Naturalmente que, a minha homenagem neste momento, é para todos aqueles que ainda estão
felizmente connosco (e que vejo, felizmente, na assistência) e para os que já nos deixaram. Todos
lançaram as sementes da liberdade, de dignidade e do desenvolvimento. Não podemos deixar de os
lembrar, seguindo fielmente o seu exemplo.
Muito obrigado!
Aplausos!
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Comunicação de João Miguel Almeida:
Depois de agradecer ter sido convidado para integrar a mesa desta sessão comemorativa, a
introdução feita por Guilherme de Oliveira Martins e o testemunho de Nuno Teotónio Pereira,
pessoa que é sempre um gosto ouvir, e que foi uma das primeiras pessoas com quem falou, quando
iniciou o seu trabalho de investigação, o orador disse que ia ler o texto que a seguir se apresenta:
As palavras escritas dos padres e leigos católicos contra a situação em 1959
O quê
Esta sessão comemorativa do cinquentenário de dois documentos assinados por padres e leigos
católicos criticando a «situação» em Portugal exige um exercício de memória ou de reconstituição
histórica. Em 2009 as críticas assinadas em nome próprio ou sob pseudónimo proliferam na
Internet ou são impressas em jornais gratuitos distribuídos no metro e nas filas de carros. Em
1959 a assinatura de um ou dois documentos críticos do regime significou para algumas pessoas a
abertura de um processo na PIDE/DGS. Para compreender a relevância dos dois documentos
assinados por católicos em 1959, vou focar quatro pontos na minha exposição: a conjuntura, as
ideias dos documentos, as pessoas que os assinaram e a sua representatividade, as consequências.
A conjuntura
No início de 1959 os católicos signatários dos dois documentos procuram reflectir e clarificar a
sua posição face aos acontecimentos ocorridos durante e após a campanha eleitoral de Humberto
Delgado que Salazar caracterizou como uma «ruptura com a frente nacional». Esta definição do
ditador era, em si mesma, um acontecimento político. Antes de 1958 outros católicos tinham
criticado o Estado Novo, como o padre Alves Correia, forçado ao exílio nos Estados Unidos em
1946, ou o padre Abel Varzim, director do jornal O Trabalhador suspenso também em 1946. Mas a
imagem de um regime apoiado pelas Forças Armadas e pela Igreja Católica permanecia incólume.
Em 1958 um general que servira na NATO, Humberto Delgado, declarou ser óbvio que demitiria
Salazar se fosse eleito e um bispo, D. António Ferreira Gomes, reivindicou a liberdade política
para os católicos no pro memoria conhecido como a Carta a Salazar, datado de 13 de Julho. Este
texto não dava apenas forma de letra às inquietações do bispo do Porto, procurava também
responder a interpelações e tomadas de posição de leigos católicos. A 19 de Maio de 1958 uma
carta assinada por 28 católicos pedia ao Novidades, jornal oficioso da Igreja Católica, que se
descomprometesse da candidatura de Américo Tomás, abstendo-se de tomar posições partidárias.
Em Julho, Francisco Lino Neto distribui pelos colegas do metro, membros da Acção Católica,
familiares e personalidades, como o cardeal patriarca ou o Bispo do Porto, um texto intitulado
«Considerações de um católico sobre o período eleitoral». Neste texto, o Eng.º Lino Neto
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esboçava uma História das relações entre Igreja Católica e Estado Novo e denunciava ataques às
liberdades dos movimentos católicos, apontando os casos concretos do jornal O Trabalhador, os
congressos da JOC, a Liga dos Homens Católicos. Criticava os métodos de repressão policial e
económica para concluir: «a doutrina e a prática do Estado Novo não podem considerar-se, de
qualquer maneira, inspiradas nos princípios cristãos» 14.
Estes actos contestatários são alvo de alguma repressão e retaliação: Francisco Lino Neto é
chamado à PIDE e interrogado; o Secretariado Nacional de Informação lança uma campanha
contra o bispo do Porto enviando ao clero uma brochura de Manuel Anselmo que atacava a «carta
vermelha» de D. António Ferreira Gomes. A maior parte das brochuras são devolvidas pelos
padres à procedência.
Salazar sente que não consegue controlar as posições críticas dos católicos em relação ao regime
e decide tomar a iniciativa de subir a escalada do confronto. A 6 de Dezembro, no dia em que
denuncia publicamente as graves consequências do afastamento de alguns católicos da «frente
nacional», envia uma carta ao núncio que corta com qualquer hipótese de reconciliação com o bispo
do Porto, considerando-o um «prestigioso chefe das forças oposicionistas». Ao núncio, Salazar
afirma claramente o que só insinua na tomada de posse da nova Comissão Executiva da União
Nacional: que o regime se encontrava ameaçado por uma hipotética vontade e plano de
partidarizar a Acção Católica e que se o Vaticano ou o episcopado não travassem este processo a
existência da Acção Católica se encontrava em risco.
No discurso de Natal de 1958, Cerejeira evita abordar directamente o problema da relação entre
Estado e Igreja Católica. Ao aviso de Salazar responde com uma advertência ambígua: «é legítimo
dizer que é a ordem espiritual que julga a temporal e não vice-versa». A 15 de Janeiro de 1959
todos os bispos portugueses, incluindo o do Porto assinam uma carta pastoral que foca, entre
outros assuntos, a Acção Católica. Sublinham que o seu fim é espiritual e não terrestre, que não
se pode identificar com um partido político, embora os seus membros possam actuar no terreno
político a título pessoal, sem invocar a condição de católicos.
As ideias
«As relações entre a Igreja e o Estado e a liberdade dos católicos» 15 é uma carta aberta a
Salazar subscrita por católicos e difundida em Fevereiro de 1959. Os autores do texto fazem
suas as palavras do cardeal-patriarca «é legítimo dizer que é a ordem espiritual que julga a
temporal e não vice-versa, acrescentando que de outro modo se abriria «caminho inevitável para o
totalitarismo»16. Solidarizam-se com o bispo do Porto que no pro memoria «não saiu do domínio
que lhe competia como autoridade da Igreja»17. Criticam os católicos que pretendem negar o
direito e a autoridade da intervenção de D. António Ferreira Gomes. Demarcam-se das fórmulas
escolhidas pelos bispos para exporem na Carta Pastoral a tradicional doutrina da Igreja Católica
acerca do Poder. Nomeadamente, chamam a atenção para as repercussões políticas, num momento
em que muitos se interrogam sobre a autenticidade das eleições presidenciais, dos bispos
iniciarem a carta pastoral prestando homenagem ao Chefe de Estado, de acordo com a doutrina de
S. Paulo de que os cristãos devem obediência às autoridades legítimas. Sublinham que se os bispos
afirmassem o «princípio cristão, não menos solidamente estabelecido, de que compete aos
ALVES, Pe. José da Felicidade (Edição e apresentação), Católicos e Política de Humberto Delgado a Marcello Caetano, 2.ª Edição, Lisboa, Edição de
Autor, s/d, p. 24.
15
Op. Cit., p. 65-88.
16
Op. Cit. p. 71.
17
Op. Cit. p. 74.
14
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governantes respeitar as liberdades fundamentais de todos os cidadãos, esse facto teria também
repercussões políticas de sentido inverso.» 18
Quanto à Acção Católica, defendem que ela não deve ser reduzida a funções de culto, pois para
desempenhar a sua missão tem de tratar de problemas sociais e culturais, interessar-se pelo
cinema, a vida das associações académicas, o problema das greves e da organização operária. É o
Governo que considera políticos todos os pontos de vista que não sejam os seus. A Acção Católica
como tal não deve fazer política, mas os católicos devem poder agir politicamente, escolhendo
entre diferentes soluções para conciliar autoridade e liberdade, ordem e justiça. Um regime que
sacrifique «em elevado grau, a justiça e a liberdade é necessariamente anti-cristão». Chegado a
este ponto, a carta aberta considera que o discurso de Salazar de 6 de Dezembro «é a negação
total destes princípios». Dirigindo-se directamente ao ditador, os signatários sustentam: «Sua
Ex.ª não admite que alguém possa discordar da linha que traçou, não dá aos católicos o direito de
terem opiniões políticas diferentes das que fixou, mas por outro lado, quer que façam política,
com a condição de ser a da sua “frente nacional”, para que as “consciências” não possam deixar de
ficar “tranquilas acerca da legitimidade das suas posições religiosas e políticas”»19.
Os signatários terminam com a exposição de dez conclusões em forma de teses. Destaco quatro
dessas teses:
«4 – Têm sérias razões para julgar que o actual regime descura aquele mínimo de respeito pela
justiça e pelas liberdades fundamentais dos cidadãos, sem o qual se deve pôr em dúvida o seu
acordo com a doutrina cristã.
5- Têm ainda sérias razões para julgar que, embora o actual regime proteja exteriormente a
Igreja Católica, é de recear que essa protecção envolva uma limitação da liberdade da actividade
docente e do apostolado que não é compatível com os interesses sobrenaturais da mesma Igreja.
(…)
8 – Lamentam que a eles e muitos outros portugueses honestos sejam negados os meios legítimos,
aliás reconhecidos na Constituição, para um debate ideológico e construtivo; e consideram este
facto atentatório da personalidade humana e portanto contrário à doutrina cristã.
(…)
10 – Ao fazerem esta declaração, não pretendem defender uma unidade total de posições políticas
de todos os católicos, como tais, e, muito menos, constituir o embrião dum partido
confessional.»20
O segundo documento, datado de 1 de Março, pede esclarecimentos sobre os métodos da PIDE
aludindo a casos concretos: os massacres de mais de um milhar de pessoas em S. Tomé referidos
pela revista Presence Africaine em 1955; a morte de dois prisioneiros da PIDE denunciada em
Outubro de 1957 no Boletim da «Comissão Internacional dos Juristas» com sede em Haia; a
prática de tortura nos interrogatórios da polícia política; as violências denunciadas pelo capitão
Queiroga em Portugal Oprimido, publicado em 1958; as suspeitas levantadas acerca da morte de
um prisioneiro da PIDE, que o Diário de Notícias relatou em Agosto de 1958 como suicídio. Depois
de apresentar casos concretos, o documento adopta um tom reflexivo, citando a entrevista de
Salazar a António Ferro, em 1933, para recusar a legitimação da violência na expressão
18
19
20
Op. Cit., p. 78.
Op. Cit. p. 83-84.
Op. Cit.. p. 85-87.
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eufemística dos «meia dúzia de safanões a tempo» e afirmar claramente que «Nem contra um
criminoso se podem usar os métodos que se denunciaram atrás» 21.
Deste texto são tiradas duzentas a trezentas cópias dactilografadas e copiografadas, algumas
das quais são enviadas a membros do episcopado. O Avante publica o texto na íntegra.
As pessoas e o que elas representam
O primeiro texto foi subscrito por 43 signatários e o segundo por 45. A maioria eram leigos, mas
seis padres assinavam ambos os documentos: Abel Varzim, Adriano Botelho, António Jorge
Martins, César Teixeira da Fonte, João Perestrelo de Vasconcelos e José da Costa Pio. O padre
Abel Varzim, cujo nome encabeçava as duas listas era uma referência do catolicismo social que,
uma década depois de ter sido levado a deixar todos os lugares que ocupava na Acção Católica,
ressurgia no espaço público associado a uma nova geração de católicos que contestavam agora os
fundamentos políticos do Estado Novo. Entre os leigos encontravam-se dirigentes dos dois ramos
mais activos da Acção Católica: a Juventude Universitária Católica (Alberto Vaz da Silva, João
Bénard da Costa, Manuel de Lucena, Victor Wengorovius) e a Juventude Operária Católica (João
Gomes, Manuel Serra, Manuel Bidarra de Almeida). Quer a JUC, quer a JOC tinham antecedentes
de atritos com o regime, anteriores às eleições de Humberto Delgado: no caso na JUC, a
contestação ao decreto 40 900, em 1956, que punha em causa a autonomia universitária; no caso
da JOC, a censura à Juventude Operária e ao I Congresso da JOC em 1955. Um antigo presidente
da Juventude Agrária Católica, Gonçalo Ribeiro Teles, subscreveu os dois textos. Outros
signatários, não sendo nesse momento militantes activos da Acção Católica, ou nunca tendo sido,
constituíam por razões diversas, personalidades de referência do catolicismo português: António
Alçada Baptista, Eng.º Francisco Lino Neto, Francisco Sousa Tavares, Nuno Teotónio Pereira,
Orlando de Carvalho, Sophia de Mello Breyner.
Uma assinatura particularmente incómoda para o regime era a do Eng.º Francisco Lino Neto, um
dos redactores de ambos os documentos. Não só por causa da sua capacidade para tecer críticas
certeiras às relações entre Estado Novo e Igreja Católica, mas também por causa do lugar
simbólico em que as produzia. Tratava-se do filho mais novo de António Lino Neto, o Presidente do
Centro Católico Português de 1919 a 1934, organização formada para defender os direitos da
Igreja Católica durante a I República e que teve representação parlamentar. Salazar foi dirigente
do Centro Católico durante a I República e defendeu a sua extinção após a instauração do Estado
Novo, argumentando que o novo regime resolvia o problema dos católicos. António Lino Neto, que
assumira o cargo a convite expresso do cardeal-patriarca, demitiu-se da Presidência do Centro
Católico em 1934, em discordância com o projecto de Salazar, e ingressou na Acção Católica sem
aderir à União Nacional. Protagonizou um trajecto que seria abusivo classificar de oposição ao
Estado Novo, mas que impedia o regime de Salazar de monopolizar a memória de defesa dos
interesses da Igreja Católica durante a I República. As considerações de Francisco Lino Neto
abriam novas perspectivas à postura dos católicos perante a política e, ao mesmo, tempo
implicavam uma crítica da narrativa oficial do Estado Novo sobre o seu processo de legitimação
perante os católicos.
Outro nome bastante incómodo para o regime era o de Nuno Teotónio Pereira, sobrinho de Pedro
Teotónio Pereira, um braço direito de Salazar na construção da ordem corporativa e da política
externa do Estado Novo durante os anos 30 e a Segunda Guerra Mundial. Fora subsecretário de
Estado das Corporações e da Previdência Social e recebera a pasta ministerial do Comércio e
21
Op. Cit. p. 106.
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16 (18)
Indústria em 1936. Em Espanha representou o Governo português primeiro como «agente
especial» durante a guerra civil e depois como Embaixador durante a Segunda Guerra Mundial. Em
1958, após as eleições presidenciais, voltara ao Governo como ministro da Presidência.
Nas listas de assinaturas emergia uma geração que chegara à vida adulta em grande parte no
período do segundo pós guerra. Alguns dos signatários por razões sociais, familiares, de formação
ou profissionais podiam ser vistos como elementos que continuariam o regime e, pelo contrário,
contestavam-no nos seus alicerces e fundamentavam-se nos valores católicos para fazê-lo.
As consequências
Os documentos analisados contribuem para alargar e consolidar a oposição católica ao Estado
Novo. Constituem um conjunto de razões de intervenção política às quais o regime não pode
responder senão através do recurso à força repressiva. O seu impacto não se circunscreve à
conjuntura de 1958-1962, pois serão mais tarde incluídos no livro Católicos e Política de
Humberto Delgado a Marcello Caetano, organizado pelo Pe. Felicidade Alves, tornando-se o claro o
seu papel inspirador e de referência para outros textos de intervenção de católicos publicados ao
longo dos anos 60.
O período entre 1958 e 1962 tem no entanto características específicas: o regime vê abalados os
seus alicerces e ameaçada a sua continuação, sem que a guerra colonial, que se inicia em 1961, pese
ainda na questão política.
As duas cartas abertas de 1959 expõem as razões de contestação de católicos que justificarão
outras formas de intervenção, levadas a cabo em parte pelas mesmas pessoas. Logo a 12 de Março
de 1959 estava previsto desencadear a chamada Revolta da Sé, que começara a ser preparada em
Julho de 1958, quando é constituído o Movimento Militar Independente, tendo como referência o
general Humberto Delgado. A revolta seria comandada por uma Junta Militar Nacional, integrada
pelo major Pastor Fernandes e pelo capitão Almeida Santos. O principal activista do «Gabinete
civil» da revolta era o ex-jocista Manuel Serra. Outros católicos estavam envolvidos ou a par das
movimentações: Francisco Sousa Tavares, João Gomes, o padre João Perestrello, Eng.º Francisco
Lino Neto, Alçada Baptista, Pedro Tamen e João Bénard da Costa. Os objectivos do movimento
com uma base de apoio muito heterogénea eram derrubar o regime com um golpe militar, formar
um Governo Provisório e realizar eleições livres no prazo de 18 meses. A preparação do golpe é
detectada pela PIDE e os seus organizadores são presos. Em 10 de Fevereiro de 1960, Manuel
Serra evade-se do Hospital Curry Cabral e pede asilo primeiro na Embaixada de Cuba e depois na
do Brasil, abalando mais uma vez a imagem de tranquilidade que o regime quer preservar.
Nas eleições legislativas de 1961, Francisco Lino Neto e António Alçada Baptista são os primeiros
católicos a apresentarem-se como candidatos pelas listas da oposição.
A 1 de Janeiro de 1962 fracassa o golpe de Beja, realizado em nome do General Humberto
Delgado e cujo organizador civil é, mais uma vez, Manuel Serra, que entrara clandestinamente em
Portugal com o objectivo de preparar a revolta. O comando militar da operação pertence ao
comandante Varela Gomes. Apesar de vencer a insurreição, o regime mostra fragilidades ao
revelar-se incapaz de impedir a entrada clandestina de Humberto Delgado em Portugal,
ludibriando a PIDE. Uma falha que é focada em jornais estrangeiros, para regozijo dos meios
oposicionistas.
Após a repressão do golpe de Beja, o Estado Novo parece afastar do horizonte político as
possibilidades de uma queda iminente. A guerra colonial serve-lhe de argumento para encontrar
novos apoios. Mas os pilares do poder estabilizado encontram-se corroídos. É cada vez mais difícil
reivindicar o apoio da Igreja Católica. A ruptura pública de grupos católicos com o regime é
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irreversível. O bispo do Porto permanece no exílio. A contestação católica vai alargar-se e
radicalizar-se perante a questão colonial.
Aplausos!
Peço desculpa, só quero dizer mais uma coisa que eu devia ter dito antes da minha comunicação,
mas esqueci-me, e é sobre o apelo do Nuno Teotónio Pereira sobre a oportunidade de difundir e
cultivar a memória do eng.º Francisco Lino Neto:
- O Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica, à qual estou ligado, tem um
projecto que é “Católicos e Política no Século XX - duas gerações de católicos: António Lino Neto e
Francisco Lino Neto». Cujo objectivo é justamente organizar e divulgar o espólio de António Lino
Neto e Francisco Lino Neto.
Portanto aproveito desta ocasião para dar esta notícia. 22
22
Retirado de Gravação. Editado
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«PRESERVAR a MEMÓRIA»
DOCUMENTOS DISPONÍVEIS no «PORTAL» do FORUM
OS CATÓLICOS e a POLÍTICA [de 58 a 69]
◙ Carta Ao jornal «N O V I D A D E S»: desgosto pela sua actuação (19 Maio 1958)
◙ CONSIDERAÇÕES DE UM CATÓLICO SOBRE O PERÍODO ELEITORAL – Eng.º
Francisco Lino Neto (Junho de 1958)
◙ AS RELAÇÕES entre A IGREJA E O ESTADO e A LIBERDADE dos CATÓLICOS Documento divulgado em Fevereiro de 1959 [circulação clandestina]
◙ CARTA A SALAZAR: «Os serviços de repressão do regime empregam métodos
que uma consciência humana bem formada não pode tolerar e um espírito cristão
tem necessariamente de repudiar» - (1 de Março de 1959)
◙ DOCUMENTO LIDO ao SR. CARDEAL PATRIARCA e DISTRIBUÍDO à ASSEMBLEIA
na IGREJA de S. DOMINGOS, na VIGÍLIA do DIA da PAZ – (1 de Janeiro de 1969)
◙ NOTA da VIGARARIA GERAL do PATRIARCADO – (8 de Janeiro de 1969)
◙ NOTA CORRIGIDA pelos ANIMADORES da VELADA – (9 de Janeiro de 1969)

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