Tendências Demográficas: reestruturação produtiva

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Tendências Demográficas: reestruturação produtiva
A dinâmica populacional altera-se na história, sendo que determinadas circunstâncias afetam com maior ou menor
intensidade os aspectos demográficos. Assim, componentes como fecundidade, mortalidade e migração devem ser
cuidadosamente acompanhados e analisados, no sentido não apenas de compreender suas ocorrências conjunturais,
mas também de municiar-se das melhores condições para fundamentar projeções demográficas.
Respondendo a desafios econômicos, sociais e culturais, demógrafos e pesquisadores reavaliam constantemente
técnicas, propostas e hipóteses, para melhor aferir o fenômeno demográfico. A atual fase do desenvolvimento
capitalista vem gerando novas condições de realização do capital e do trabalho, abrindo inusitadas perspectivas tanto
para a sociedade quanto para os seus analistas, que experimentam amplo avanço tecnológico e crescente inserção
internacional.
Neste sentido, o presente número da São Paulo em Perspectiva busca apontar as novas vinculações que estão sendo
estabelecidas entre a reestruturação produtiva e o comportamento das variáveis demográficas, procurando responder
aos novos desafios postos à Demografia. Para tanto, os artigos foram elaborados com base nas participações dos
autores no Seminário "Subsídios para a Construção de Hipóteses de Projeções Demográficas para o Estado de São
Paulo", realizado pela Fundação Seade, em dezembro de 1995, sob coordenação de Felícia Reicher Madeira.
O primeiro artigo apresenta problemáticas e temas debatidos neste número, sintetizando algumas conclusões e
registrando avanços. Em seguida, sucedem-se conjuntos de artigos interligados, que tratam seqüencialmente do cenário
socioeconômico e metodológico (para localizar as atuais questões demográficas), dos componentes específicos da
projeção demográfica (no caso, fecundidade e mortalidade), das variáveis que afetam a migração (trabalho, produção
industrial e agricultura), da migração especificamente e, finalmente, de métodos exclusivos para projeções
populacionais.
file:///C|/RevistaSPP/Volumes_PDF/v10n02/notaed.htm[27/02/2014 10:48:34]
POPULAÇÃO
E
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: NOVOS
ELEMENTOS PARA...
POPULAÇÃO E
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
novos elementos para projeções demográficas
FELÍCIA MADEIRA
Socióloga, Diretora Adjunta de Análise Socioeconômica da Fundação Seade
HAROLDO DA GAMA TORRES
Economista, Consultor da Fundação Seade
P
rojeções demográficas vêm ganhando importância crescente para o planejamento público e privado. Afinal, estimativas da demanda por bens e
serviços, bem como a taxa de crescimento dos mercados,
têm que se referir, em alguma medida, a hipóteses quanto
ao tamanho que a população terá no futuro. Este elemento é tanto mais importante na medida em que as políticas
públicas tendem a se descentralizar (o que faz com que
estimativas populacionais acuradas sejam necessárias no
âmbito municipal) e na proporção em que os governos se
envolvem em processos de privatização, sendo necessário que o próprio preço de uma empresa esteja de acordo
com estimativas minuciosas de seu tamanho de mercado.
Contraditoriamente, este é um momento em que o sistema estatístico nacional encontra-se em crise. O Censo
Demográfico de 1991 foi realizado com um atraso de um
ano, interrompendo uma série de censos decenais que remontava a 1940, e mesmo hoje, maio de 1996, os dados
deste Censo não se encontram inteiramente acessíveis.
Além disso, há mais de 11 anos não são realizados censos econômicos no país. Neste cenário, a Fundação
Seade tem conseguido se constituir numa exceção notável. Na área demográfica, por exemplo, a série de estatísticas vitais é um exemplo de dados produzidos com periodicidade e confiabilidade, que configuram, certamente,
insumos fundamentais para projeções demográficas no
Estado de São Paulo. Na área de estudos regionais, o aprofundamento do conhecimento da dinâmica das várias regiões permite uma melhor fundamentação das hipóteses
para estas projeções quando desagregadas para as diversas áreas do estado e municípios.
Porém, o exercício das projeções, mesmo quando fundamentado em bons dados e em boa técnica demográfi-
ca, sempre implica aspectos delicados, uma vez que diz
respeito à previsão de futuro. De fato, mesmo assumindo
que os componentes da dinâmica demográfica (mortalidade, fecundidade e migrações) apresentam características muito regulares ao longo do tempo, deve sempre se
levar em conta a possibilidade de outros elementos interferirem nas tendências históricas.
Este último aspecto é tanto mais plausível num momento em que se assiste uma grande transformação nas
economias e sociedades mundiais, no sentido de uma
impressionante aceleração no progresso técnico, de uma
maior integração dos mercados e da concomitante constituição de mercados de trabalho crescentemente competitivos e seletivos. Este processo também tem sido chamado de reestruturação produtiva.
Entretanto, os estudos populacionais, de modo geral,
ainda não se detiveram o suficiente nestes fenômenos. Até
recentemente, continuava-se a operar com verdades relativamente consolidadas, baseadas tanto na teoria quanto
na experiência do passado. Imaginava-se que a fecundidade continuaria a cair e se estabilizaria em algum momento, próximo à taxa de reposição.1 Acreditava-se também que a mortalidade cairia para todos os grupos etários
e regiões. Finalmente, muitos estudiosos partilhavam o
pressuposto de que grupos populacionais, principalmente jovens do sexo masculino, tenderiam a se deslocar continuamente para as áreas mais industrializadas até que um
novo “equilíbrio regional” viesse a se estabelecer.
O recente seminário Subsídios para a Construção de
Hipóteses de Projeções Demográficas para o Estado de
São Paulo, realizado pela Fundação Seade em dezembro
de 1995, mostrou que várias destas certezas estão abaladas: a taxa de fecundidade em vários países está abaixo
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dos níveis de reposição; a mortalidade, principalmente
entre jovens do sexo masculino, vem crescendo nos últimos anos na Região Metropolitana de São Paulo. Além
disso, esta metrópole expulsou migrantes na década passada e o emprego industrial manteve-se, entre 1985 e 1995,
em persistente queda, mesmo quando a atividade econômica cresceu, como no período 1991-95.
Em outras palavras, do ponto de vista da linha de argumentação aqui desenvolvida, existem evidências de que
a reestruturação produtiva, aparentemente em curso,
poderia estar afetando também a maneira como estas variáveis demográficas se comportam. Além disso, outras
variáveis demográficas tradicionalmente negligenciadas,
como as migrações internacionais, passariam a merecer
destaque. De fato, imagina-se que a reestruturação produtiva poderia estar na raiz da emergência, como processo demograficamente significativo, da migração de brasileiros para outros países.
Em linhas muito gerais, o desafio colocado pelo seminário implica pensar as tendências demográficas frente à
reestruturação produtiva e a seus impactos nas esferas
social e urbana. Neste artigo, procurar-se-á refletir sobre
este debate, destacando as principais polêmicas despertadas ao longo deste seminário e apontando, em particular, aqueles elementos que mais fortemente podem causar a revisão dos modelos de projeções demográficas.
Trata-se de um artigo especulativo e impressionista, concebido, sobretudo, como estímulo à reflexão e ao debate.
argumentos, Soja (1994) chegou a identificar seis formas
distintas de reestruturação urbana: a urbanística, a social,
a política, a econômica, a cultural (ou simbólica) e a
étnica.
Evidentemente, trata-se de um debate complexo, totalmente voltado para as transformações em curso nas metrópoles dos países desenvolvidos. As cidades de referência para esta reflexão têm sido Los Angeles, Nova York,
Tóquio, Londres, etc. Assim, além das dificuldades inerentes a este debate específico, cabe questionar até que
ponto esta discussão teria sentido para uma metrópole
como São Paulo.
As evidências empíricas acumuladas ao longo das discussões apontam, no entanto, para a adequação da utilização da categoria reestruturação produtiva – caracterizada pela substituição de insumos, automação,
reestruturação administrativa e o surgimento de novos
bens – para o contexto do complexo produtivo instalado
na Região Metropolitana de São Paulo. Existem também
evidências de que a categoria reestruturação social poderia ser utilizada no entendimento dos complexos desdobramentos daquela reestruturação produtiva: o aumento
do desemprego industrial, o crescimento do setor serviços, a maior precarização do mercado de trabalho, o aumento da marginalidade, etc.
De fato, os dados relativos ao mercado de trabalho, por
exemplo, são muito eloqüentes. A análise apresentada por
Paula Montagner e Sandra Brandão, incluída neste número da Revista, mostra que emprego industrial da Região Metropolitana de São Paulo apresentou queda significativa entre 1985 e 1995, com pequenas recuperações
episódicas. Mesmo quando a economia teve maior desempenho (como entre 1993 e 1995), o crescimento do emprego industrial foi baixo ou mesmo negativo. Enquanto
isto, o emprego no setor serviços apresentava crescimento continuado e importante. Neste processo, diminuía o
número de trabalhadores com carteira assinada, caracterizando também a maior precarização deste mercado.2
Além disso, o processo de desconcentração da indústria na Região Metropolitana em relação ao interior do
estado, que se verificou no período compreendido entre
o início dos anos 70 e o começo da década de 90, também
poderia ser incluído entre os elementos que dão forma a
esta reestruturação. Em outras palavras, a reestruturação
industrial, além dos seus aspectos intrafabris e de seus
desdobramentos para o mercado de trabalho, teria também a ver com a reorganização do espaço industrial
brasileiro.
Colocadas desta forma, as articulações entre reestruturação e questões demográficas passam a fazer mais sentido. De fato, este quadro de deterioração do mercado de
trabalho e de reorganização do espaço produtivo impli-
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E A REGIÃO
METROPOLITANA DE SÃO PAULO
A categoria reestruturação tem sido utilizada para
descrever várias das transformações em curso nas sociedades capitalistas deste fim de século. A reestruturação
produtiva tem sido entendida como fruto das novas formas de organização da produção frente à revolução tecnológica e à abertura dos mercados (Feagin e Smith, 1987).
Por outro lado, a categoria reestruturação social tem
sido também mencionada para caracterizar os impactos
das transformações na estrutura ocupacional, caracterizados pela diminuição do emprego industrial, pelo aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e
pelo crescimento do emprego no setor de serviços. Estes
fenômenos seriam associados à precarização do mercado
de trabalho e ao aumento da pobreza (Castells e
Mollenkopf, 1992).
Além disso, a expressão reestruturação urbana também tem sido usada para descrever o impacto destas
transformações sobre as cidades, isto é, caracterizando
os aspectos propriamente urbanísticos desta reestruturação (Soja, 1994). Vale mencionar que, ao desdobrar seus
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POPULAÇÃO
cam, evidentemente, transformações importantes nas formas de se pensar, por exemplo, a questão migratória.
Temas como aumento da mortalidade adulta e a reorganização da estrutura familiar podem também estar associados a esta precarização do mercado de trabalho, que
emerge no contexto desta reestruturação. A seguir, serão
desenvolvidos alguns dos argumentos que permitem aprofundar estas conexões.
E
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: NOVOS
ELEMENTOS PARA...
centração ou concentração produtiva na metrópole paulistana. Entre seus principais argumentos, destacam-se
a evidência de continuidade do dinamismo da Região
do ABC paulista, ao contrário da capital propriamente
dita, e o papel relativamente negligenciado do setor
serviços na atração de indústrias e na geração de emprego e renda.
De qualquer modo, estes dois autores ressaltam o fato
de que, dada a precariedade da informação estatística disponível, os efeitos da abertura comercial, combinados com
a atração de setores industriais de ponta, ainda não permitem conclusões definitivas sobre a dinâmica industrial
metropolitana. Em outras palavras, ainda não se sabe se a
metrópole voltará ou não a concentrar, em termos relativos, a produção industrial nacional.
Num certo sentido, pode-se argumentar que este quadro analítico relativamente organizado, referente aos impactos da reestruturação industrial na metrópole, não parece se encaixar com tanta facilidade à explicação dos
processos em curso no interior paulista. Nos textos dos
autores que discutiram estas questões na perspectiva
desta região, identificam-se elementos que permitiriam relativizar este quadro analítico. De fato, o interior teria apresentado uma dinâmica do emprego relativamente diferenciada segundo regiões, e existem sinais de efetiva
continuidade do processo de desconcentração industrial.
É verdade, segundo Sinésio Pires Ferreira, que o quadro geral é também de redução do emprego industrial e
de crescimento dos setores de serviços, comércio e construção civil. No entanto, segundo os dados da Rais por
ele utilizados, as taxas de desemprego seriam consistentemente mais elevadas na Região Metropolitana, no Litoral e no Vale do Paraíba, enquanto as regiões de São José
do Rio Preto, Central e Barretos teriam apresentado crescimento significativo do emprego, inclusive industrial.
Este quadro do emprego sugere tanto um contexto de
deslocamento da produção industrial quanto de reestruturação produtiva. De fato, os dados apresentados mostram que, atualmente, regiões como Campinas e São José
dos Campos registram uma proporção maior de empregados da indústria, com carteira assinada, do que a própria Região Metropolitana. Embora os valores relativos
sejam pouco eloqüentes diante do peso do emprego industrial (em valores absolutos) da Região Metropolitana,
não se pode deixar de negar que estes elementos são indicadores de processos importantes de desconcentração industrial, principalmente se comparados com indicadores
de uma ou duas décadas atrás. Na realidade, tanto a reestruturação produtiva quanto a desconcentração industrial
podem estar ocorrendo simultaneamente. O mais provável é que cada gênero da indústria tenha um comportamento diferenciado. Assim, apenas uma análise desagre-
A REESTRUTURAÇÃO
E A QUESTÃO MIGRATÓRIA
A análise migratória no Brasil tem enfatizado, desde
os clássicos estudos de Paul Singer nos anos 60, uma clara conexão entre o crescimento do emprego industrial e a
atração de migrantes. Porém, como tratar deste tema, agora
que a principal metrópole industrial deixou de gerar empregos e parece já não atrair migrantes? Estará a população se deslocando para outras localidades onde a indústria apresenta maior dinamismo, ou a conexão entre
emprego industrial e migração já não seria tão significativa? Estes elementos serão discutidos a seguir, tanto no
contexto do debate sobre a reorganização do espaço produtivo, quanto a partir da questão migratória propriamente
dita.
A Reorganização do Espaço Produtivo Paulista
As posições dos diversos autores presentes no Seminário citado, e que aqui se apresentam, parecem ser relativamente contraditórias no que diz respeito à interpretação das tendências principais da dinâmica espacial da
atividade produtiva nas diversas regiões do Estado de São
Paulo. Entretanto, estas interpretações convergem, de certo
modo, para o entendimento de uma possível crise no
mercado nacional de trabalho, derivada do processo de
reestruturação industrial.
Wilson Cano, por exemplo, considera que a reestruturação industrial, no contexto particular da economia brasileira, teria efeitos ambíguos para a dinâmica econômica da Região Metropolitana de São Paulo. Isto ocorreria
porque, por um lado, a reestruturação induziria um efeito
de reconcentração espacial da produção, uma vez que a
presença de serviços, de conhecimentos técnicos e de tecnologia atrairiam setores de ponta, tais como a microeletrônica e a informática. Por outro, a abertura comercial
também em curso poderia ameaçar vários outros setores
industriais atualmente concentrados na metrópole (autopeças, eletroeletrônicos, bens de capital, etc.).
No mesmo sentido, Maria de Fátima Araújo, ao analisar o processo de metropolização, reivindicava uma discussão mais complexa sobre os processos de descon-
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gada das tendências espaciais e setoriais da indústria permitiriam uma compreensão mais efetiva destes processos.
Neste sentido, as observações de Aurílio Caiado, relativas às tendências espaciais da indústria, baseadas nos
dados de Valor Adicionado (ICMS), apontam para a
continuidade do processo de desconcentração relativa da
indústria da capital em direção ao interior. Esta desconcentração ocorreria, agora, num ritmo mais lento, restringindo-se a alguns setores mais importantes (como a agroindústria, por exemplo) e continuando a se estruturar
principalmente num anel de 150km em torno de São Paulo, englobando especialmente as regiões de Sorocaba,
Campinas e São José dos Campos.3
Há consenso, no entanto, de que os processos em curso no interior possuem também alguma conexão com a
dinâmica do complexo agroindustrial. Neste sentido, José
Graziano da Silva chama a atenção para a relativa estabilidade apresentada pela agricultura paulista do ponto de
vista da geração de empregos no período recente. Dessa
forma, os deslocamentos da mão-de-obra rural, por um
lado, já não pressionariam tão intensamente o mercado
de trabalho urbano e, por outro, não exerceriam grande
atração migratória (como foi o caso dos bóias-frias na
década de 70). No entanto, este autor manifesta sua preocupação com os destinos do Pró-álcool, cujo impacto para
geração de renda e emprego, em algumas regiões (Ribeirão Preto, principalmente), teria o potencial de desestabilizar o mercado de trabalho rural.
Apesar da relativa divergência entre este conjunto de
autores, no que diz respeito à eventual continuidade, ou
não, do processo de desconcentração industrial, todos
parecem convergir para a hipótese de constituição, em
algumas áreas do interior, de uma economia mais industrializada, mais sofisticada e com tendências de crescimento econômico e de geração de empregos relativamente
divergentes do principal pólo regional, a Região Metropolitana de São Paulo. No entanto, fica claro – até para
os mais otimistas quanto ao desempenho da metrópole –
a perspectiva de crise no mercado de trabalho que, mesmo na hipótese de reconcentração da produção, não mais
repetiria a trajetória de crescimento acelerado apresentada no passado.
serviços e atuais configurações no sistema de cidades
poderiam redefinir, se não a direção, ao menos a intensidade dos fluxos migratórios.
Deve-se porém admitir que, de certo modo, os dados
migratórios da década passada continuam a se apresentar
como relativamente articulados às tendências de crescimento econômico e do emprego observadas nas várias
regiões do estado. Sonia Perillo mostra que o oeste paulista teria revertido suas tendências históricas de perda demográfica, enquanto as regiões de Campinas e de Ribeirão Preto continuariam a atrair migrantes. As regiões com
perdas migratórias importantes seriam a Metropolitana de
São Paulo, Litoral e São José dos Campos, coincidentemente ou não, as menos dinâmicas do ponto de vista da
geração de emprego formal, segundo os dados apresentados por Sinésio Pires Ferreira.
Em outras palavras, as tendências migratórias observadas no interior paulista parecem consistentes com modelos migratórios que associam geração de emprego a
movimentos populacionais. O que se poderia discutir, a
partir destes dados, é a suposta primazia do emprego industrial como indutor de atração migratória.
No caso da Região Metropolitana, as transformações
sugeridas parecem mais pronunciadas. Embora a metrópole paulistana já não desempenhe o papel de grande pólo
de fixação de migrantes, estariam ocorrendo, segundo
Neide Patarra, novos processos tais como o de “substituição populacional”, em que tanto o número de imigrantes
quanto o de emigrantes seriam expressivos.
Ao mesmo tempo, consagrar-se-iam também novas
tendências, tais como a migração de retorno, as migrações de curta duração e de curta distância. De fato, informações levantadas por José Marcos Pinto da Cunha e
Rosana Baeninger mostram que, em praticamente todas
as regiões de governo, as cidades do chamado entorno
crescem mais rapidamente do que o município-sede, configurando a hipótese de que, mesmo nos municípios do
interior, migrações pendulares e de curta distância passariam também a integrar de maneira importante o cenário
demográfico. Esta informação tem, evidentemente, importância significativa para o exercício de projeções populacionais no âmbito municipal.
Além disso, observar-se-ia a emergência de um novo
elemento – as migrações internacionais. Este aspecto desafia as possibilidades de modelagem das tendências migratórias, como as até hoje produzidas para esta metrópole, uma vez que não se pode contar com informações
relativas aos locais de destino destes migrantes.
A análise apresentada por Valmir Aranha parece, em
parte, reforçar estes argumentos. Ao discutir os processos migratórios recentes na Região Metropolitana de São
Paulo (1990-95), o autor aponta para evidências signifi-
Uma Nova Dinâmica Migratória?
A indústria paulista, como aponta a discussão anterior,
não mais convergiria para um único pólo central, mas sim
para uma área polarizadora. Além disso, existem indicações de que a dinâmica dos fluxos migratórios não necessariamente se articula de forma rígida à localização de
novas plantas industriais. Assim, novos elementos, como
o crescimento desproporcional do emprego no setor de
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POPULAÇÃO
cativas de “substituição de população”, caracterizada pela
continuidade da entrada de migrantes de baixa escolaridade e pela saída (para o interior do estado) de grupos de
idade mais elevada e mais escolarizados. Entre os interessantes elementos observados por Valmir Aranha, está
a coincidência entre os volumes migratórios e os ciclos
de emprego e desemprego, observados por Paula
Montagner e Sandra Brandão, bem como a evidência de
que esta ocorrência de migração de grupos etários mais
elevados (30-35 anos) poderia estar caracterizando padrões de migração familiar para o interior.
Voltado para estes mesmos temas do ponto de vista do
interior do estado, Paulo Jannuzzi aponta a formação, nesta
área, de estruturas ocupacionais mais complexas e sofisticadas. O perfil do migrante com destino a esta região,
apesar das diferenças intra-regionais, seria o de um migrante relativamente escolarizado, com idade média mais
elevada e, talvez, migrando em família. Ao lado dos migrantes de baixa renda que continuariam a chegar ao interior, este migrante mais sofisticado teria, inclusive, rendimentos médios superiores ao das pessoas naturais
daquela região com o mesmo nível de escolaridade.
Em síntese, o exercício de projeções na área migratória, talvez a mais problemática, implica importantes desafios. Já não se pode buscar com tanta segurança hipóteses econômicas para dar sustentação às projeções
migratórias. Por um lado, as tendências econômicas –
como a polêmica entre os especialistas sugere – já não
são tão uniformes, seja espacialmente, seja setorialmente. Por outro, existiria um descolamento relativo entre
crescimento da produção e crescimento do emprego, fazendo com que o impacto demográfico de determinados
processos de crescimento econômico não necessariamente
se fizessem significativos. Finalmente, o crescimento demográfico bastante diferenciado por porte de cidades,
ocorrido na última década, implica significativas dificuldades para projeções desagregadas no âmbito municipal.
E
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: NOVOS
ELEMENTOS PARA...
trariando a hipótese já clássica de queda universal. De fato,
Carlos Eugenio Ferreira mostrou que as áreas onde é mais
dramática a questão do desemprego – a Região Metropolitana de São Paulo e o Litoral – registram uma mortalidade em crescimento entre os homens jovens, principalmente por causas violentas.
Não por acaso, este também é o grupo etário, segundo
os indicadores de emprego, mais afetado pelo processo
de reestruturação. Para 1995, os dados da Pesquisa de
Emprego e Desemprego (PED) indicam que, de um total
de 1.105 mil desempregados, 505 mil eram pessoas de 15
a 24 anos. Esta mesma pesquisa mostra que as taxas de
desemprego são recorrentemente mais elevadas neste grupo etário. Neste sentido, vale também chamar a atenção
para o aumento significativo da proporção de jovens adolescentes matriculados no 2° grau em São Paulo, nos últimos 10 anos, indicando talvez a busca por uma melhor
qualificação como instrumento para uma entrada mais
qualificada no mercado de trabalho.
Mais do que isto, os dados disponíveis mostram que
os jovens, além de encontrarem maior dificuldade do que
os demais no mercado de trabalho, aparentemente não
dispõem de alternativas migratórias significativas e ainda têm que concorrer com os migrantes da mesma faixa
etária que continuam chegando à metrópole. De fato, como
observou Valmir Aranha, o processo de “substituição” de
população implicaria a continuidade da entrada de jovens,
predominantemente de baixa escolaridade, e a saída de
outros grupos populacionais com perfil familiar. Neste
sentido, o destino migratório dos jovens paulistanos é um
dos grande quebra-cabeças que as análises aqui apresentadas sugerem. Sabe-se que eles não são o contingente
mais importante de migrantes para o interior do estado.
Estarão, então, migrando para outras regiões do Brasil e
para o exterior? Ou continuam a viver na metrópole, enfrentando o elevado desemprego e um nível de violência
crescente?
Ao mesmo tempo, doenças como a Aids acrescentam
novas complexidades à modelagem da mortalidade. Embora a mortalidade feminina adulta, por exemplo, continuasse a apresentar ao longo do tempo tendência de queda, o crescimento das mortes por Aids parece ser
praticamente exponencial entre as mulheres. Este elemento
indica que, a partir de agora, seria preciso investir em
modelos de projeção que também entrem no detalhe das
causas de morte.
No que diz respeito aos problemas relativos às projeções para o número de domicílios, Sonia Nahas observou, para Região Metropolitana de São Paulo, que não
apenas o tamanho médio das famílias tem diminuído, mas
que também é crescente o número de indivíduos que atualmente residem sozinhos. Como elemento que reforça este
A REESTRUTURAÇÃO E A
DINÂMICA DEMOGRÁFICA
Num primeiro momento, poder-se-ia se imaginar que
os aspectos migratórios são os únicos fortemente afetados pela reestruturação produtiva. Porém, os dados disponíveis e as hipóteses levantadas ao longo de nossos debates e desta publicação apontam também para o fato de que
tanto a estrutura familiar como as tendências de mortalidade e mesmo de fecundidade poderiam ser afetadas pela
reestruturação produtiva e por seus desdobramentos nas
esferas do mercado de trabalho e das economias urbanas.
As taxas de mortalidade, por exemplo, apresentaram
crescimento para alguns grupos etários importantes, con-
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
NOTAS
quadro de mudança da estrutura familiar e dos domicílios, observa-se o aumento do número de famílias cujos
chefes são mulheres. É provável que este último dado
reflita, em parte, a elevação dos níveis de mortalidade
adulta masculina, discutidos anteriormente.
As mulheres também têm conseguido aumentar sua taxa
de participação, mesmo num mercado de trabalho em crise.
O desemprego e o desalento crescentes entre os jovens,
combinados com este aumento da taxa de participação das
mulheres, talvez estejam sugerindo uma mudança nos
arranjos familiares relativos à participação dos membros
da família no mercado de trabalho.
Finalmente, poder-se-ia afirmar que, do conjunto de
hipóteses demográficas aqui discutidas, apenas aquelas
referentes à fecundidade, tais como as apresentadas por
Paulo Campanário, tenderiam a confirmar os pressupostos clássicos dos modelos de projeção. De fato, a fecundidade continuaria em queda e tenderia a se homogeneizar entre os grupos de renda e entre as regiões do estado.
No entanto, os textos de Ana Amélia Camarano e Neide
Patarra tentam relativizar estes argumentos.
Não apenas o próprio nível de reposição teria deixado
de se constituir num tabu como fecundidade mínima a ser
projetada, como bem sugere Campanário, mas também
seria necessário considerar – principalmente em projeções
de longo prazo – a eventual possibilidade de crescimentos episódicos da fecundidade. Neste sentido, Ana Amélia
Camarano e Neide Patarra, em seus artigos, advertem para
a tese de que a expressiva queda da fecundidade poderia
ter sido acelerada pela crise econômica da década anterior, e apontam a possibilidade de ocorrência de padrões
de fecundidade mais elevados, ao menos sub-regionalmente, num contexto de estabilidade ou de crescimento econômico, de médio e longo prazos.
Em síntese, mesmo as hipóteses mais tradicionais aos
modelos demográficos – as de queda universal da fecundidade e da mortalidade – parecem se relativizar à luz dos
debates aqui apresentados. Estes argumentos são tanto
mais consistentes, quanto mais as projeções se sofisticam,
tornando-se desagregadas regionalmente e organizadas
para domicílios ou para subgrupos etários ou de renda.
1. Número próximo a dois filhos por mulher ou, em outras palavras, o número
de filhos necessário para que uma população se estabilize no longo prazo.
2. No entanto, este fenômeno era diferenciado segundo grupos de sexo e idade.
3. Vale advertir que tanto Aurílio Caiado quanto Sinésio Ferreira são bastante
enfáticos quanto à precariedade das fontes dos dados utilizadas, que não permitiriam conclusões definitivas.
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NOTAS PARA UM CENÁRIO MIGRATÓRIO NO ESTADO DE SÃO PAULO
NOTAS PARA UM CENÁRIO MIGRATÓRIO
NO ESTADO DE SÃO PAULO
WILSON CANO
Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp
N
os últimos 120 anos, o Estado de São Paulo constituiu-se na região brasileira que sofreu maior
impacto quanto à entrada de imigrantes nacionais e estrangeiros, desde os grandes fluxos europeus e
japoneses até os anos 20, aos fluxos nacionais (predominantemente de nordestinos, mineiros e sulinos), que crescem a partir da década de 30.
Em 1980, dos 16,5 milhões de migrantes nacionais,
menos de 1,5 eram paulistas. No entanto, o Estado de São
Paulo acumulava um fluxo de 6,0 milhões de não-paulistas em seu território.
As razões desse grande afluxo líquido imigratório já
foram explicitadas pela literatura contemporânea: expansão cafeeira (1870-1930); diversificação agrícola e industrialização restringida (1930-1955); e industrialização
pesada e intensificação urbana (1955-1980).
Entretanto, à medida que avançavam os anos 80 e que
a crise se afigurava “sem solução a médio prazo”, verificava-se que o ímpeto imigratório para o Estado de São
Paulo diminuía sua velocidade, devido tanto à redução
das oportunidades de expansão do emprego no estado,
quanto ao fato de que na periferia nacional ocorriam
várias situações: expansão do garimpo e da fronteira agrícola amazônica; auge da zona franca de Manaus; maturação dos investimentos periféricos do II PND; desconcentração industrial espacial; expansão agroindustrial em
algumas regiões periféricas; expansão do turismo interno, notadamente no Nordeste; considerável expansão urbana periférica – principalmente nas cidades médias –,
que possibilitou o crescimento de atividades de serviços
mais produtivos; expansão do gasto público (estadual e
municipal) periférico, que resultou em notável aumento
do emprego público; disseminação, por grande parte do
território nacional, da violência (crime, prostituição, droga,
etc.) – que também é vetor “empregatício” –, antes mais
restringida ao Rio de Janeiro.
No plano interno do Estado de São Paulo, as migrações também sofreram mudanças periódicas tanto na sua
origem quanto no seu destino. Assim, o café interiorizou
o imigrante, mas ainda ficaram “sobras” suficientes para
fazer surgir uma cidade como São Paulo. No período inicial da industrialização, que convivia com um moderado
grau de modernização agrícola, a Grande São Paulo era a
região que atraía maior número de migrantes nacionais e
do interior, em busca de emprego e do nível de vida urbano. Ocorriam, portanto, um “esvaziamento” demográfico do interior e a metropolização de São Paulo.
A consolidação da indústria pesada, os problemas decorrentes de uma urbanização descontrolada e o aumento
absoluto das camadas sociais mais pobres constituíramse em fatos negativos para uma continuidade do tipo de
crescimento da metrópole. A isso se associam gestões
diretas e indiretas que resultaram em considerável expansão econômica (agroindustrial, industrial e terciária) e
urbana do interior paulista.
Essa “interiorização do desenvolvimento econômico”
teve, resumidamente, os seguintes determinantes principais: política de incentivos às exportações; instalação de
refinarias da Petrobrás em Paulínia e São José dos Campos; incentivos à expansão da indústria aeronáutica em
São José dos Campos; programa de incentivo à produção
de álcool carburante, de cana-de-açúcar (Pró-Álcool);
investimentos federais e estaduais em infra-estrutura,
notadamente de transportes e telecomunicações; políticas municipais atrativas de investimentos; aumento dos
custos de aglomeração na Grande São Paulo; reorganiza-
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
ção sindical moderna de trabalhadores, na Grande São
Paulo.
Estes fatos acarretaram o aumento da concentração
industrial no interior do estado, reduzindo o efeito provável de uma descentralização e desconcentração ainda
maior para outros estados. Assim, essa “interiorização”
alterou os fluxos migratórios internos entre as várias regiões paulistas, engrossando a urbanização daquelas que
mais se beneficiavam daquele movimento, como Campinas, Sorocaba e Vale do Paraíba. Além disso, com um
crescimento econômico muito à frente do que ocorria na
Grande São Paulo, o interior do estado passou também a
atrair parte substancial de imigrantes não-paulistas, entre
1970 e 1985. Após este período, deu-se início à desaceleração econômica e migratória.
A persistência da crise na década de 80 não deixava
dúvidas quanto à diminuição dos fluxos imigratórios para
o estado e notadamente para a Grande São Paulo, obrigando a revisões, para baixo, da taxa demográfica da
metrópole, depois confirmada pelo Censo de 1991.
O medíocre comportamento econômico da renda e do
emprego no estado, provocado pela abertura iniciada por
Collor, em 1990, e aprofundada por Fernando Henrique,
certamente reduziu ainda mais – em termos relativos –
aqueles fluxos para São Paulo. Tendo em vista que esta
dinâmica afetou mais seriamente o Rio de Janeiro e São
Paulo e dada a situação em que se encontrava o problema
social nessas áreas antes dos anos 90, não é difícil entender as razões básicas que embasam o extraordinário aumento da violência nestes dois estados, agora não mais
radicada apenas nestas duas áreas, mas já espraiada em
quase todas as cidades de grande porte do país.
Infelizmente, a destruição de vários aparelhos do Estado, que vem sendo praticada nestes últimos seis anos e
que atinge a Fundação IBGE, está convertendo a questão
da informação econômica e demográfica em algo raro e
tortuoso para os pesquisadores. Por exemplo, foram feitas somente as tabulações “gerais” do Censo Demográfico de 1991 e, por isso, não se sabe, com certeza e detalhes, o que ocorreu com o fenômeno migratório nacional
quando se confronta 1991 com 1980.
Entretanto, através dos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1993, que
estimou a população residente em 1993 “por lugar de
domicílio e de nascimento”, é possível fazer as seguintes
considerações:
- embora o censo demográfico e a PNAD sejam metodologicamente comparáveis, pode-se constatar algumas divergências decorrentes de amostragem, em vários estados de pequena absorção ou expulsão absoluta de
imigrantes, bem como advertir o leitor para o fato de que
a PNAD não computou a população (e sua migração) ru-
ral da região Norte. Tais fatos, contudo, não comprometem os “grandes números” para o Estado de São Paulo;
- a desconcentração industrial e a expansão urbana melhoraram a situação de Minas Gerais e de Santa Catarina, estados que, até 1980, expulsavam grande número de migrantes;
- ao mesmo tempo, a situação do Rio de Janeiro se agrava,
passando de recebedor a expulsador líquido de migrantes;
- o Estado de São Paulo, que entre 1970 e 1980 recebera
2.821 mil imigrantes nacionais (e expulsara 182 mil), teria recebido entre 1980 e 1993 um fluxo menor (1.712
mil) e expulsado um maior (510 mil);
- dos imigrantes para o Estado de São Paulo entre aqueles períodos, o fluxo de nordestinos diminuiu pouco (de
1.445 na década dos 80 para 1.121 no período recente),
ao passo que a redução relativa maior ocorreu com o dos
mineiros, que passou de 607 mil para 126 mil;
- os problemas econômicos e sociais, apontados anteriormente, fizeram com que a deslocação inter-regional acumulada de brasileiros passasse do total de 7,6 milhões,
em 1960, para 11,2 milhões, em 1970, 16,5 milhões, em
1980, e já teria ultrapassado 20,5 milhões, em 1993.
Como se vê, apesar da diminuição das entradas no
Estado de São Paulo, mais 4 milhões (40% dos quais do
Nordeste) de brasileiros deslocaram-se de suas regiões no
último período, em que pesem o “fechamento” da fronteira agrícola, a diminuição do garimpo e a crise industrial e urbana vivenciada.
Assim sendo, as análises têm que se restringir a essas
estatísticas e às especulações que se podem fazer com a
contra-face econômica do fenômeno, cujos “resultados”
foram apresentados anteriormente. Portanto, indagar sobre o futuro cenário migratório para o Estado de São Paulo
passou a ser uma questão ainda mais difícil de se responder pelas razões antes relatadas e, notadamente, pela certeza de que a política neoliberal de Collor e Fernando
Henrique Cardoso trás, para o desempenho da economia
nacional, uma perigosa via de desestruturação econômica e crescente desemprego.
Por um lado, a quebra a que estão sendo levados o
Estado nacional e os estaduais paralisa quaisquer intenções de planejamento. Por outro, o sacrifício inútil a que
as finanças públicas (notadamente as federais) estão sendo
submetidas, com o explosivo aumento da dívida interna e
dos juros pagos pelo Tesouro Nacional, já desnuda claramente a impossibilidade da retomada do gasto e, principalmente, do investimento público. Adicione-se a isso a escorchante taxa de juros, que afasta o investimento privado.
Essa política neoliberal de abertura, desregulamentação, privatização e estabilização potencializa ainda mais
os efeitos perversos decorrentes da chamada Terceira
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NOTAS PARA UM CENÁRIO MIGRATÓRIO NO ESTADO DE SÃO PAULO
Revolução Industrial (substituição de trabalho e de insumos tradicionais, automação, informatização, concentração privada do capital e outros).
Assim, com a abertura, com a reestruturação empresarial (imposta pelas transnacionais) e com a busca insana
pela diminuição de um suposto “custo Brasil”, assiste-se,
passivamente, a desestruturação parcial de vários setores
produtivos (autopeças, têxtil, confecções e agricultura são
os exemplos mais notados até o momento), a maior precarização do trabalho – aliás, estimulada fortemente pelo
próprio ministro do Trabalho – e um “leilão” nacional (em
quase todos os estados) pela maior doação possível de
incentivos e subsídios para atrair mirabolantes e prometidos investimentos estrangeiros.
A falsa idéia de que, com a abertura, as empresas
tornar-se-iam mais competitivas e eficientes obriga a reflexão sobre os seguintes fatos trazidos da realidade
econômica nas transações comerciais internacionais
contemporâneas:
- as nações de pequeno ou médio porte, que constituem a
maioria dos países subdesenvolvidos, só atingiram baixo
grau de industrialização e, com exceção de alguns produtos primários tradicionais, só exportam manufaturados em
condições excepcionais (nichos, subsídios, mercados preferencialmente concedidos a nível do Gatt-OMC, etc.),
pouco ou nada tendo de especialização ou eficiência competitiva industrial frente às nações desenvolvidas;
Índia, China e Rússia, em geral também apresentam pautas exportadoras diversificadas, porém, sem maiores especializações competitivas em setores de tecnologia avançada. Se “especializam” na produção de bens que utilizam
mão-de-obra barata e recursos naturais (escassos, na maioria de países desenvolvidos) para produzir insumos básicos ou produtos agroindustriais ou ainda produtos de alto
consumo de energéticos e/ou altamente poluidores do meio
ambiente.
Assim, suas eficiências competitivas estão predeterminadas e raramente podem ser ampliadas. Dessa forma, é uma ilusão pensar no “poder transformador” de
modernização e competitividade que uma política neoliberal possa trazer ao mundo subdesenvolvido. Dito de
outra forma, não há nem sombra de se vislumbrar uma
rota de crescimento firme, alto e seguro que pudesse
sustentar o emprego.
Voltando às considerações sobre a economia paulista,
o que se pode no máximo intuir é que, provavelmente, o
desemprego e a precarização do trabalho aumentarão, a
despeito da possível reconcentração local (em algumas
áreas do Estado de São Paulo) de setores industriais e de
serviços de alta tecnologia, ampliando ainda mais a miséria e a violência, inibindo assim maiores fluxos
imigratórios de não-paulistas para São Paulo.
A desconcentração produtiva industrial, no sentido
Grande São Paulo – interior, continuará em marcha mais
reduzida do que no passado recente, implicando maior
importância de fluxos imigratórios de não-paulistas para
o interior do que para a Grande São Paulo. Além disso,
os fluxos de saída das regiões interiores de menor desempenho econômico, de São Paulo, dirigir-se-ão, preferencialmente, para as regiões que têm maior possibilidade
de receber os novos investimentos industriais, como Campinas, Sorocaba e Vale do Paraíba.
- os países desenvolvidos de porte pequeno ou médio, ao
contrário, além de industrializados, contam com estruturas altamente especializadas em suas pautas exportadoras, competindo, então, de forma eficiente, com os países
desenvolvidos de maior porte;
- países desenvolvidos de grande dimensão territorial
e/ou mercado (como os EUA e o Japão) apresentam historicamente pautas exportadoras industriais muito diversificadas, mas que contêm vários itens altamente especializados, como, por exemplo, equipamentos de grande
porte, no caso dos EUA, e eletrônicos, no do Japão;
NOTA
Notas revistas sobre a palestra proferida pelo autor no Seminário “Subsídios para
a construção de hipóteses de projeções demográficas para o Estado de São Paulo”, Fundação Seade, São Paulo, 07/12/95.
- o caso dos países subdesenvolvidos de grande tamanho
territorial ou de mercado interno médio, como Brasil,
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS
velhos desafios, novas necessidades
NEIDE LOPES PATARRA
Socióloga e Demógrafa do Departamento de Sociologia do IFCH e Nepo/Unicamp
N
este artigo, pretende-se contribuir para um debate oportuno sobre o desafio de se construir hipóteses a respeito da dinâmica populacional em períodos intercensitários, com sistemas de informação
existentes e viáveis num contexto socioeconômico que
condiciona rápidas mudanças nos componentes demográficos.
Assim sendo, estas hipóteses, na verdade, constituem
algumas reflexões rápidas e recentes, que refletem muito
mais inquietações, indagações e percepções pontuais da
prática profissional cotidiana do que afirmações documentadas e dados empíricos acabados. Seguramente, mais
dúvidas do que certezas estarão apresentadas. O debate,
que ora se apresenta nesta publicação, e o diálogo contínuo com os colegas são complementos indispensáveis ao
que aqui está exposto.
A exposição, para fins de maior clareza, subdividese em três partes. Na primeira, busca-se tecer algumas
considerações sobre a prática usual de elaboração de
projeções demográficas e os riscos maiores dessa prática numa situação de mudanças sociais rápidas. Na segunda, consideram-se as implicações, para a montagem
dos cenários demográficos futuros, das tendências recentes e da configuração de distintos perfis populacionais frente a uma situação de aumento dos níveis de
pobreza e piora das condições de vida de expressivos
contingentes. Finalmente, na terceira, coloca-se a necessidade de novos arranjos institucionais e novas modalidades de levantamento de informação em face dos
crescentes desafios que cercam o compromisso com a
produção e divulgação de cenários demográficos
prospectivos.
O “CONSERVADORISMO” DA TÉCNICA
O professor Philip Hauser, conhecido demógrafo norte-americano, preparador de muitas gerações de especialistas de países não desenvolvidos, costumava aconselhar
seus alunos a só elaborarem projeções demográficas para
um período bem distante do presente, pois, quando chegasse o momento de cotejar os resultados das projeções
com aqueles obtidos nos levantamentos do período correspondente, eles já estariam mortos. A ironia do professor Hauser, aliada à sua experiência, mesmo num país com
estatísticas oficiais como as dos Estados Unidos, ilustra
os riscos que normalmente estão envolvidos nessa prática profissional.
No contexto brasileiro, o também conhecido demógrafo
professor José Alberto Magno de Carvalho freqüentemente
compara as projeções demográficas da população brasileira para o ano 2000, elaboradas na década de 70, com
projeções mais recentes e com o resultado do Censo Demográfico de l99l: naquela época, previa-se uma população de 212 milhões de pessoas, enquanto as projeções
atuais prevêem um total de apenas 170 milhões, ou seja,
uma diferença de aproximadamente 40 milhões de pessoas.
Esses dois exemplos ilustram as vicissitudes que cercam a elaboração de projeções, tarefa essa que, ao mesmo tempo, constitui-se no grande desafio e na maior legitimação da disciplina científica. Na lógica das projeções,
na verdade, sintetiza-se o conhecimento interdisciplinar
a respeito das características e tendências de todas as dimensões da dinâmica populacional, num determinado
espaço de tempo, para uma determinada área.
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PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS: VELHOS DESAFIOS, NOVAS NECESSIDADES
No chamado “método dos componentes”, em sua versão mais sofisticada, é necessário estabelecer-se hipóteses sobre o comportamento futuro da fecundidade, da
mortalidade e das migrações, cujos níveis e tendências,
como se sabe, obedecem a distintas dimensões e condicionamentos da sociedade. Estabelecer hipótese sobre cada
um dos componentes da dinâmica demográfica significa:
quantificar processos interligados, porém específicos;
observar defasagens entre os condicionantes e seus resultados; pressupor irreversibilidade ou não irreversibilidade de certas tendências; e transformar em números a articulação de fenômenos distintos. Além disso, as tendências
passadas de cada um desses componentes inter-atuam entre
si, conformando distintas estruturas etárias, operando com
velocidades distintas e condicionando, dessa forma, pelo
próprio “metabolismo” demográfico, as estruturas e velocidades das mudanças futuras. O procedimento, em si
já complexo, significa um desafio tanto maior quanto
maior for o espaço de tempo considerado para a projeção
e menor a área geográfica considerada como unidade de
referência.
Frente a essas dificuldades, é compreensível que predomine uma atitude “conservadora” na formulação de
hipóteses, ou seja, diante do risco de errar, reforça-se a
prospecção de tendências passadas, ou fazem-se pequenas alterações de tendências, apenas quando há fortes indícios de mudança. É por isso que a maioria das estimativas e hipóteses relacionadas ao declínio da fecundidade
no Brasil, nas últimas décadas, por exemplo, estiveram
aquém dos resultados diretos obtidos posteriormente, que
registram a rapidez com que se processou seu declínio.
Mesmo no caso da mortalidade – em que o nível de certeza poderia ser relativamente maior dada a irreversibilidade
esperada de certos avanços no processo de combate à
morte e o aumento da longevidade –, certa cautela tem
sido sugerida pelos especialistas. Considerando-se a
vulnerabilidade dos níveis de mortalidade infantil, devido a retrocessos nas políticas sociais, assim como o avanço de novas enfermidades e o retorno de outras julgadas
já controladas, a chamada transição epidemiológica já
não é formulada de maneira tão rígida como foi no passado. Avanços e retrocessos, oscilações de curto prazo,
efeitos conjunturais e o expressivo aumento da mortalidade por causas violentas fazem parte do debate atual a
respeito dos níveis e tendências da mortalidade e, portanto, também devem ser levados em conta nas hipóteses relacionadas às tendências futuras.
Se é verdade que a formulação de hipóteses sobre tendências futuras da mortalidade e da fecundidade requerem cautela, no caso das hipóteses a respeito dos movimentos migratórios seguramente o desafio é maior: de um
lado, trata-se de um fenômeno exclusivamente social e,
portanto, diretamente suscetível aos condicionamentos da
dinâmica global da sociedade e de seus efeitos de curto
e longo prazos; e, de outro, tendo como fonte de informação quase exclusiva o levantamento censitário, com sua
periodicidade decenal, a defasagem já implica procedimentos arriscados, que não captam oscilações de curto
prazo.
O “conservadorismo” da técnica fica ainda mais exposto numa situação de inversão de tendências passadas.
Como prever, por exemplo, que o Estado do Paraná transformar-se-ia de uma área de forte atração populacional,
nos anos 60, para uma área expulsora de população na
década seguinte? Como antecipar o saldo migratório negativo da Região Metropolitana de São Paulo registrado
no Censo Demográfico de l99l?
Essas considerações gerais serão retomadas, posteriormente, a partir do conhecimento que se produziu a respeito da dinâmica demográfica brasileira recente, cujas
características implicam novos desafios à já usualmente
arriscada tarefa de elaboração de projeções demográficas
e sugerem o uso de novas modalidades de informação,
frente ao contexto de rápidas mudanças e inversões de
tendências.
NOVOS DESAFIOS E NOVAS NECESSIDADES
A divulgação dos primeiros resultados do Censo Demográfico de l99l constituiu momento propício a um intenso debate a respeito das características e tendências da
dinâmica demográfica brasileira. Mediante a comparação
possível entre a década de 80 e os resultados obtidos para
os anos 70, verificam-se a inversão de algumas tendências, a configuração de novas questões demográficas, bem
como a continuidade de processos de declínio do crescimento vegetativo, acentuando o envelhecimento da estrutura etária da população. Foi um momento, também,
de cotejamento entre as projeções e estimativas realizadas ao longo da década passada e os resultados censitários.
Em função das taxas de crescimento encontradas, podese confirmar a continuidade do declínio acentuado da fecundidade, que, mediante resultados de surveys, PNADs
e outras informações disponíveis, já se sabia estar ocorrendo em todas as regiões do país, atingindo camadas
urbanas e rurais e englobando também os setores mais
pobres da população. Tem sido ressaltado, a propósito
desse declínio, que a transição demográfica vem se processando em condições rudes e adversas para considerável parcela das mulheres envolvidas, pois, diante da ausência de políticas abrangentes de planejamento familiar,
o declínio vem se processando com alta incidência de
aborto provocado e esterilização. Além disso, o período
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
transcorrido desde o início desse declínio já permite assegurar não ter havido correlação entre diminuição do
número de nascimentos e melhoria nas condições de vida
das famílias, como apregoavam os defensores do controle da natalidade nos países não desenvolvidos até os anos
70. Ao contrário, reforçou-se a idéia de que a pobreza, a
miséria, a crescente incidência de abandono familiar, enfim, as condições gerais de precariedade de amplos e crescentes segmentos da população brasileira teriam levado
um contingente expressivo de mulheres ao controle da
prole mais por premência do que por opção; teria sido fruto
imediato das condições de vida e não de mudanças de
valores e de conhecimento do processo reprodutivo. Além
de sua importância para o fortalecimento de programas
de saúde e outros programas sociais, a retomada dessa
argumentação tem a ver também com a formulação de
hipóteses para as projeções demográficas, à medida que
se pode conjecturar a respeito da própria irreversibilidade
do declínio da fecundidade. Nesse sentido, vale ressaltar
a iniciativa, por parte de alguns especialistas, de tentar
incorporar, nas projeções, a proporção de mulheres esterilizadas, portanto, definitivamente incapacitadas para a
reprodução. Por outro lado, embora não se imagine um
retorno aos altos níveis de fecundidade anteriores, não
seria possível um ligeiro aumento em seus níveis se houvesse uma melhoria nas condições de vida das famílias?
Apesar de a chamada “década perdida” ter provocado efeitos negativos notórios nas condições de vida da
população, os diagnósticos apontavam a tendência geral
à continuidade do declínio da mortalidade iniciado em
décadas anteriores, com significativo aumento da esperança de vida. Essa tendência refletiu-se nitidamente no
envelhecimento da estrutura etária da população em seu
conjunto, embora as desigualdades regionais e sociais
tenham também se refletido nos acentuados e, em alguns
casos, crescentes diferenciais regionais e por grupos sociais. Recentes discussões a respeito do eventual aumento da mortalidade infantil em determinadas localidades,
da permanência de níveis ainda elevados de seus indicadores em alguns setores sociais e em determinadas áreas,
do aumento expressivo da mortalidade por causas violentas e de outras dimensões que cercam os condicionantes
da mortalidade, como já foi mencionado, sugerem a necessidade de revisão contínua das hipóteses relativas a essa
dimensão. Além disso, a questão da terceira idade, que
passou a constituir tema de destaque na agenda governamental, requer monitoramento contínuo para se poder
antecipar o nível de demanda social que esse contingente
populacional irá representar, bem como, especificamente, para a reformulação do sistema providenciário.
A dimensão migratória, no conjunto dos diagnósticos
elaborados sobre a dinâmica demográfica recente, foi a
que causou maior surpresa. Sem pretender aqui sistematizar o conjunto de mudanças, inversões de tendências e
características dos movimentos migratórios que puderam
ser captados com os resultados censitários iniciais, alguns aspectos merecem destaque em função do tipo de
discussão em pauta. Através dos resultados sobre as populações residentes, no âmbito do município, constatam-se: tendência à desconcentração populacional no
país; perda de força de atração das metrópoles – embora com permanência e reforço do crescimento maior
das periferias das grandes cidades –; taxas de crescimento relativamente mais altas nos municípios do entorno dos pólos já existentes; crescimento de cidades
médias e de pequenos aglomerados urbanos, entre outros aspectos. Esses indicadores, por sua vez, sugerem
movimentos de retorno, maior incidência de migração
intra-regional e dispersão dos fatores de atração dos
deslocamentos populacionais.
O caso da Região Metropolitana de São Paulo foi,
como se sabe, o mais surpreendente e discutido, em função do enorme contraste com a década anterior. Num
primeiro momento, o impacto causado pelo saldo migratório negativo suscitou, inclusive, a idéia de desmetropolização. A saída das pessoas da área mais concentrada e dinâmica do país seria a resultante da confluência
de vários fatores, envolvendo não somente os tradicionais determinantes econômicos, mas também outros aspectos, como a busca de melhores condições ambientais
e de maior segurança longe dos grandes aglomerados
urbanos, à semelhança do que vem ocorrendo nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. Para o conjunto do país, a desconcentração dos movimentos populacionais sugerida pelos dados iniciais foi interpretada,
por alguns especialistas, como uma resposta, com defasagem temporal, à desconcentração das atividades econômicas no espaço. Essa desconcentração, ademais, seria benéfica, possivelmente por associarem-na, quem sabe
um tanto mecanicamente, a possibilidades mais favoráveis de melhoria nas condições de vida.
Esse panorama, vale ressaltar, foi montado na ausência de informações completas do Censo Demográfico e
até o presente momento não foram divulgados os resultados da amostra, com dados sobre emprego, educação,
movimentos migratórios, família e outros. Não se tem
informação, portanto, sobre os fluxos migratórios, sobre
o cronograma dos deslocamentos ao longo de onze anos
transcorridos entre um censo e outro, não se sabe quem
são esses migrantes, enfim, não há elementos para se responder à importante questão: estariam essas características realmente configurando um novo padrão de distribuição espacial da população brasileira ou tratar-se-ia apenas
de efeitos de conjuntura?
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PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS: VELHOS DESAFIOS, NOVAS NECESSIDADES
presentes. Inseridos, muitas vezes, em situações de preconceito ou racismo, as dificuldades aparecem, bem como
surgem os casos que requerem proteção das autoridades
brasileiras.
A emigração brasileira ainda não é incorporada ao cálculo das projeções oficiais, que continuam tratando o
contingente populacional total como uma população fechada. Apesar das dificuldades de obtenção de dados fidedignos para sua inclusão nas projeções demográficas,
o volume possivelmente crescente de brasileiros residentes no exterior e as implicações dessa nova modalidade
de movimento populacional justificam um esforço no sentido de que futuras estimativas e projeções reflitam essa
nova realidade da população brasileira.
Entrar na rota dos intensos e diversificados fluxos internacionais significa, também, receber contingentes populacionais estrangeiros. Em estudo recente realizado
sobre emigração e imigração internacionais, no Brasil,
detectou-se, entre outros aspectos, a crescente entrada de
coreanos e latino-americanos, principalmente bolivianos.
Essa modalidade de fluxo imigratório, na verdade, constitui um caso bastante expressivo, pois insere-se no contexto atual da “sociedade global”. Concentrados, principalmente, na região central do município de São Paulo,
esses imigrantes organizaram um sistema fechado de vida
social, com hierarquias e definição interna de poder, em
que se desenvolvem relações de trabalho organizadas com
altos níveis de exploração do trabalho feminino e de menores com o objetivo de produzir mercadorias a níveis
competitivos no contexto internacional.
Em termos de projeções, desagregadas no âmbito do
município, o caso dos coreanos-bolivianos se reveste de
relevância específica; de difícil e perigosa mensuração,
percebe-se já se tratar de contingente expressivo do ponto de vista numérico. A instalação desse grupo de imigrantes em São Paulo põe em questão a idéia de área
expulsora de população que se formou a partir dos resultados censitários. Ao invés de inversão de tendências, ou
de desmetropolização, não se trataria, na verdade, de um
processo de substituição de população? É possível que a
Região Metropolitana de São Paulo não volte a ter taxas
de imigração tão elevadas como no passado, mas que se
configure como uma área de intenso e contínuo movimento
de entrada e saída de população.
Efeitos possíveis sobre os processos de deslocamentos internacionais e internos no Brasil podem advir, ainda, do tratado de livre comércio entre países do Cone Sul,
ou seja, o chamado Mercosul. Além do já antigo movimento de trabalhadores rurais sem terra e proprietários
agrários rumo ao Paraguai, somado aos tênues movimen-
Há indícios de que, no contexto atual, os deslocamentos populacionais estejam se processando com diversidade e intensidade maiores e imprevistas. Longe de configurarem novos padrões estruturados de deslocamentos de
determinadas áreas de origem para certas áreas de destino, os deslocamentos sucessivos e contínuos podem significar a resposta possível às condições vigentes de inserção no mercado de trabalho. A imprensa tem assinalado
e informações advindas de outras fontes indicam uma
chegada considerável de migrantes à Região Metropolitana de São Paulo, a Campinas e outras cidades-pólo do
interior do estado. Recentemente, foram divulgadas informações a respeito do rápido afluxo de imigrantes para
a Região Metropolitana de Curitiba e da permanência da
situação de Brasília como área receptora de novos contingentes, entre outros exemplos. Os efeitos perversos do
avanço tecnológico e da reestruturação do mercado de
trabalho, o expressivo aumento do setor informal, a terceirização das atividades e os crescentes níveis de desemprego e subemprego possivelmente estão gerando distintas estratégias de deslocamentos populacionais. Nestes
casos, outros podem ser os fatores de atração, como, por
exemplo, localidades com algum tipo de política social
mais eficiente.
Outro aspecto que merece destaque é a questão das
migrações internacionais. Ao que tudo indica, o Brasil
também entrou na rota dos intensos, crescentes e diversificados fluxos entre países. Estimativas realizadas pelo
professor José Alberto Magno de Carvalho e por técnicos do IBGE, bem como levantamento recentemente realizado pelo Ministério de Relações Exteriores, convergem
para um contingente de aproximadamente 1.400.000 brasileiros residindo fora do país. Esses deslocamentos, ademais, teriam ocorrido, predominantemente, a partir dos
anos 80. Embora constituindo uma parcela pequena do
total da população brasileira, os números são suficientes
para indicar que se trata de uma nova questão demográfica. Em outras palavras, as estimativas indicam respostas
coletivas, por parte de determinados grupos sociais, frente a condições consideradas mais vantajosas no exterior.
Estudos recentes sobre alguns tipos de movimentos
migratórios internacionais indicam a existência de redes
de comunicação bem organizadas, modalidades de cooperação e solidariedade entre o emigrados, concentração
dos mesmos em determinadas localidades e algumas especificidades na inserção em atividades econômicas, em
geral de baixa qualificação, mas com salários bem mais
elevados do que os correspondentes nacionais. A tentativa de “fazer um pé de meia” ou procedimentos mais regulares de remessas de dinheiro para o país de origem estão
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
tos fronteiriços com os demais países, o tratado comercial
pode propiciar uma intensificação da mobilidade espacial.
Diferenças de oportunidades de emprego e salário, maior
possibilidade de circulação e troca de mercadorias e acesso
mais fácil à documentação para transitar entre os países
signatários são dimensões que podem favorecer deslocamentos temporários ou mais duradouros. Além disso, o
tratado comercial implica também a alocação competitiva de indústrias em determinadas cidades, não só influenciando a formação de uma rede urbana internacional,
como também favorecendo deslocamentos internos de
população em função da atração exercida pelo novo dinamismo dessas localidades. Prenúncios dessa situação
já estão esboçados, por exemplo, no caso das cidades de
Campinas e Curitiba.
O contexto atual, em resumo, suscita a emergência de
novos processos sociais e efeitos conjunturais que, somados às determinações de caráter estrutural, colocam novos e sérios desafios à tentativa de se estabelecer cenários demográficos futuros. Isso, justamente quando o
esforço projetivo torna-se cada vez mais importante, considerando-se a urgência da ação político-institucional do
Estado frente às acirradas condições de pobreza e miséria, à questão do desemprego estrutural e conjuntural e às
implicações adversas do contexto de internacionalização
da economia. Um esforço sério para se retomar o desenvolvimento econômico, para se estabelecer prioridades legítimas e planejar ações compensatórias não pode prescindir
de sistemas de informação desagregadas, contínuas e
eficientes, capazes de detectar, a curto prazo, as transformações, diversificação e emergências de demandas sociais.
de desagregação requerido, quanto maior for o tempo
transcorrido desde o último levantamento censitário,
que é a base fundamental de cálculo. Talvez a utilização mais comprometedora dessas projeções municipais
seja a de constituir a base para a partilha de recursos
federais provenientes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Esse Fundo, cuja partilha é proporcional ao tamanho da população, constitui a base de receitas para um elevado número de municípios, sendo
sua importância decisiva, principalmente, para aqueles de pequeno porte.
Num caso típico de interferência indevida de interesses políticos na produção de indicadores estatísticos, o
Tribunal de Contas da União proibiu que, ao longo da
década, os resultados das projeções apresentassem decréscimos populacionais, o que ocasionou uma superestimação, que foi se acumulando ao longo do período. O cotejamento com os resultados do Censo gerou uma forte,
intensa e acirrada polêmica, amplamente noticiada pela
imprensa, que partia, principalmente, de dirigentes municipais inconformados com a diminuição populacional
de seus municípios.
Esse caso constitui, na verdade, apenas um exemplo
mais visível das vicissitudes que cercam o processo de
produção e divulgação das projeções demográficas oficiais. A necessidade de se realizar estimativas anuais desagregadas por município, no entanto, é indiscutível, mormente quando se considera a tendência descentralizadora
das políticas sociais, como saúde e educação, entre tantas
outras demandas.
Relevante para a pauta de discussão atual, portanto, não
é a produção dessas estatísticas, mas sim o arranjo institucional que cerca essa produção, bem como a oportunidade de se modificar certos procedimentos técnicos, em
face da necessidade de se detectar mudanças rápidas e de
se captar efeitos conjunturais de curto prazo do entorno
social sobre os componentes da dinâmica demográfica.
A experiência da Fundação Seade, nesse sentido, é
bastante importante, uma vez que a prática, já tradicional
nessa instituição, de utilização das estatísticas vitais e
indicadores sintomáticos, permitiu avanços interpretativos expressivos e análises prospectivas importantes, pela
simples oportunidade de se poder trabalhar com saldos
migratórios desagregados. A possibilidade ora apresentada de se trabalhar conjuntamente outros sistemas de informação, como a PED e a PCV, para balizamento das
hipóteses de projeção, também constitui perspectiva estimulante na tarefa de interpretar e monitorar as relações
entre os níveis demográficos e as condições de vida da
população.
O CONTEXTO INSTITUCIONAL DA PRODUÇÃO
DE PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS
A demanda por projeções demográficas inclui um
amplo leque de instituições públicas e privadas, com distintos requisitos de temporalidade e desagregação espacial. Seria redundante listar, neste momento, o grande
elenco de usuários com objetivos tão distintos, como, por
exemplo, o planejamento do público-alvo numa campanha de vacinação, ou a configuração do perfil do eleitorado de uma determinada localidade. No entanto, os dispositivos constitucionais que cercam a produção oficial
das projeções, em si, já constituem tema para debate e
atualização.
Em função desses dispositivos, como se sabe, o IBGE
se compromete a realizar projeções anuais, para cada um
dos municípios da Federação. Essas projeções tornam-se
mais arriscadas, além das dificuldades inerentes ao nível
16
PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS: VELHOS DESAFIOS, NOVAS NECESSIDADES
Levantamentos contínuos, rápidos e desagregados parecem constituir o caminho mais propício para se enfrentar os novos desafios e as novas necessidades da produção de dados. Experiência recente realizada no Instituto
de Economia da Unicamp, com apoio da Fapesp, sobre
trajetórias migratórias, emprego e condições de vida numa
amostra domiciliar em São Paulo, também reforçou a
convicção de que é viável, com recursos relativamente
modestos, proceder-se a levantamentos periódicos e mais
condizentes com as características atuais da dinâmica
social.
Parcerias institucionais entre órgãos produtores de informação, universidades, centros de pesquisa e outras
instituições podem preencher lacunas, diminuir atrasos,
rebaixar custos e aumentar compromissos conjuntos frente
à tarefa em questão. Com cautela, mas também com firmeza, é necessário que se descentralize o processo de
produção e difusão de informação. Além disso, a oportunidade do debate que ora se realiza permite evidenciar a
necessidade da confluência de saberes oriundos de distintas disciplinas científicas. Afinal, construir hipóteses
sobre os componentes da dinâmica demográfica significa aceitar o desafio de reconstruir o real em seu movimento, e isso só é possível com interdisciplinaridade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERQUÓ, E. “Uma queda (cirúrgica) na fecundidade”. Revista Imprensa (O Brasil
dos Brasileiros – Encarte). São Paulo, ano VII, n. 76, jan. 1994.
CARVALHO, J.A.M. de. “Um Brasil mais velho e mais estável. Revista Imprensa (O Brasil dos Brasileiros – Encarte). São Paulo, ano VII, n. 76, jan.
1994.
MARTINE, G. “Os mitos demográficos e os Censos”. Revista Imprensa (O Brasil dos Brasileiros – Encarte). São Paulo, ano VII, n. 76, jan. 1994.
__________ . Processos recentes de concentração e desconcentração urbana
no Brasil: determinantes e implicações. Brasília, Instituto SPN, Documento de trabalho n. 11.
PATARRA, N.L. “Mudanças na dinâmica demográfica”. In: MONTEIRO, C.A.
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__________ . (coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. Campinas, FNUAP, 1995.
17
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA
DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS
PROJEÇÕES POPULACIONAIS
ANA AMÉLIA CAMARANO
Coordenadora da Área de Estudos Populacionais do Ipea
U
m dos desafios enfrentados por aqueles que lidam com projeções de população diz respeito à
previsão dos níveis de fecundidade. Para este
caso, o instrumental teórico mais utilizado pelos demógrafos é a teoria da transição demográfica. Segundo o
dicionário de demografia, a transição demográfica é definida como a descrição de longo prazo das tendências
de fecundidade e mortalidade baseada na experiência dos
países da Europa Ocidental, constituindo-se num modelo que tenta explicar estas tendências (Pressat, 1985:5253). Embora muito criticada, revisada e emendada, esta
teoria continua sendo o elemento central da demografia.
A versão clássica da teoria da transição demográfica
assume que o desenvolvimento de uma sociedade urbanoindustrial traz melhoramentos no padrão de vida e difunde
o valor de família pequena. Fica implícito, nesta teoria, que
todas as sociedades que atingem esta fase de desenvolvimento convergirão para este padrão de família. Algumas
reformulações desta teoria sugerem uma inversão na relação: a queda da fecundidade pode levar a uma melhoria
nas condições de vida. Neste caso, as condições necessárias ao alcance da redução da fecundidade foram transferidas de melhoria de condições de vida para políticas governamentais de planejamento familiar. Isto, aliado ao rápido
declínio da fecundidade observado no Terceiro Mundo, tem
levantado a questão da emergência, nestes países, de um
mesmo padrão de formação de família observado naqueles
desenvolvidos, o que sugere a convergência das taxas de
fecundidade. Apesar de a teoria não explicitar a que taxa a
fecundidade convergirá, a taxa líquida de reposição tem sido
largamente identificada como tal.1
É fato amplamente conhecido que a fecundidade das
mulheres brasileiras está decrescendo de forma rápida,
em todas as regiões do país e grupos sociais, mas ainda
existem grandes diferenças regionais e por grupos sociais nas taxas de fecundidade. Análises realizadas em
trabalhos anteriores, que utilizaram a padronização, indicam um papel importante exercido pelos diferenciais
regionais de educação, renda e grau de urbanização nos
diferenciais de fecundidade. Entretanto, as características regionais específicas exercem uma forte influência
nas taxas de fecundidade total, através de preferências
reprodutivas e estratégias utilizadas para o alcance destas preferências (Camarano, 1996).
O objetivo deste artigo é especular sobre a possibilidade de convergência nas taxas de fecundidade de três áreas
brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo e Nordeste. A hipótese examinada é a de que, embora a fecundidade esteja
declinando nestas três áreas, não há elementos para assumir homogeneidade ou estabilização nas taxas de fecundidade num futuro próximo. Para tanto, o artigo divide-se
em cinco partes, além desta introdução. A primeira discute
os fundamentos teóricos do terceiro elemento da teoria da
transição demográfica, ou seja, o seu poder preditivo. Na
segunda parte, são apresentadas as tendências de longo prazo
da fecundidade nas três áreas mencionadas. A terceira parte discute as preferências quanto ao tamanho de família e a
quarta as atitudes usadas em relação ao processo reprodutivo. Por atitudes estão sendo considerados o uso (ou não
uso) de métodos anticoncepcionais, a idade da mãe ao ter o
primeiro e o último filho, bem como a idade da mulher no
período em que se submeteu à esterilização. Na quinta parte, analisam-se os diferenciais regionais tanto das taxas de
fecundidade quanto do processo de formação de família,
visando inferir sobre a possibilidade de convergência das
taxas de fecundidade.
18
A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS...
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
dados mostram que nem mesmo as taxas de fecundidade
por coortes são estáveis. Na maioria dos países europeus
e em alguns não europeus, como Japão, Hong Kong,
Coréia do Sul e Cingapura, o nível de fecundidade já
atingiu valores abaixo dos de reposição.
Cleland mostrou que a fecundidade tem declinado na
maioria dos países em desenvolvimento. Embora os países da região Saárica da África tenham sido mais resistentes à mudança, entre os 11 países onde existem dados
levantados pelas Pesquisas de Saúde Materno-Infantil até
1986, só a Uganda não havia apresentado sinais de mudança nos níveis de fecundidade (DHS, 1995:12). A fecundidade já atingiu níveis bem baixos na América Latina, no sul e no leste da Ásia. No final dos anos 80 e
início da década de 90, as taxas de fecundidade total atingiram valores baixos na Tailândia (2,2) e no Sri Lanka
(2,7). Não foram observados sinais de arrefecimento desta
queda, nem mesmo na China, onde a fecundidade ficou
estável na maior parte da década de 80. O que se verificou naquele país foi uma aceleração da queda da fecundidade, em resposta ao endurecimento da política de
controle da natalidade (Freedman e Blanc, 1991:16).
A redução da fecundidade está ocorrendo até em áreas
de baixo nível de desenvolvimento socioeconômico,
como é o caso de Bangladesh. Os países de origem muçulmana também têm sido atingidos por esta transformação: na Turquia, por exemplo, em 1993, observou-se
uma taxa de fecundidade total de 2,7 filhos por mulher.
Entretanto, a continuação da fecundidade nos países do
Terceiro Mundo não implica, necessariamente, que taxas de reposição serão inevitáveis. A taxa de fecundidade da Argentina tem se mostrado estável em torno de
2,6 filhos por mulher nos últimos 30 anos (Cleland,
1994:230). Freedman e Blanc mostraram que o movimento dos países do Terceiro Mundo em direção a taxas
de reposição perdeu intensidade em algumas regiões do
mundo, tais como o sul da África, Caribe e América
Central, durante 1980-85 (Freedman e Blanc, 1991:8-9).
A evidência empírica não parece suficiente para comprovar a hipótese de estabilização e homogeneização das
taxas de fecundidade num nível predeterminado e universal, como por exemplo as taxas de reposição. Já foi
suficientemente demonstrado que não houve estabilidade nas taxas de fecundidade no passado e nem foi o caso
de que, a partir do momento em que a fecundidade começou a cair, este declínio seria irreversível (Watkins,
1986 e Camarano, 1996). A Pesquisa Mundial de Fecundidade para um grupo de países do Terceiro Mundo indicou que, no período 1965-70, o intervalo de variação
das taxas de fecundidade total entre as grandes regiões
continentais não era muito grande, sendo que as taxas
variavam de uma média de 5,0 filhos, na região no Cari-
Uma das mais importantes utilizações da teoria da
transição demográfica tem sido o seu poder preditivo, o
que tem fundamentado, teoricamente, a maioria das projeções populacionais. Em 1944, Kirk já acreditava que a
teoria da transição demográfica tornar-se-ia universal.
Para ele, a tendência da fecundidade seria a alteração de
uma situação de estabilidade a níveis altos para outra
de estabilidade a níveis baixos. “Estes são os elementos
mais previsíveis num mundo imprevisível”. Kirk afirmava que os diferentes países do mundo alocam-se num
único continuum de desenvolvimento econômico e demográfico (Kirk, 1944:28-29). Entretanto, não há menção, nem nos escritos de Kirk nem em outros da teoria
da transição, quanto ao timing e/ou quanto aos padrões
específicos em que estas tendências da fecundidade seriam atingidas. É muito claro que o futuro significa redução sustentada da fecundidade e estabilidade de taxas, mas a que nível e quando estas taxas irão se
estabilizar não são estabelecidos por esta abordagem teórica. A idéia de estabilidade implicitamente conduz à
idéia de níveis homogêneos de fecundidade, de desaparecimento de diferenciais de fecundidade e de um fim
para o processo de transição demográfica.
A evidência empírica mostra que a transição de altos
para baixos níveis de fecundidade está em curso em quase
todo o mundo, mas que, entretanto, é conflitante com a
idéia de fim da transição e mesmo de estabilização das
taxas de fecundidade. Por exemplo, a fecundidade marital declinou, na França, de 1780 até a metade do século
XIX, quando aumentou até 1880, tornando, então, a declinar, conjuntamente com a maioria dos países da Europa Ocidental. Outras evidências empíricas desfavoráveis à idéia de estabilização foram o acréscimo da
fecundidade observado durante o Governo nazista na
Alemanha e o baby boom verificado nos anos 50 e início da década de 60 nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e outros países da Europa Ocidental. Esforços para aumentar a fecundidade têm sido
recentemente promovidos na França, Suécia e Cingapura.
A taxa de fecundidade sueca, entre 1984 e 1990, aumentou de 1,6 para 2,0 filhos por mulher (Pauli, 1992:978).
Para o período mais recente, taxas de fecundidade para
coortes de mulheres nascidas entre 1930 e 1960, estimadas por Sardon para 14 países da Europa Ocidental, indicam um contínuo declínio da fecundidade, com exceção da Suécia. A redução foi regionalmente diferenciada:
as taxas variavam de 2,6 filhos por mulher na França a
2,0 em Luxemburgo, para coortes de mulheres nascidas
em 1930; e de 2,1 na Suécia a 1,6 na Itália, para coortes
de mulheres nascidas em 1960 (Sardon, 1994:7). Estes
19
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
GRÁFICO 1
be, para 6,9, nas regiões leste e oeste da África. Resultados da Pesquisa de Saúde Materno-Infantil, para 198085, apontam para uma expressiva redução na fecundidade e um alargamento no intervalo de variação entre as
taxas: de 2,3, na Ásia ocidental, para 6,9, na África oriental. A queda mais acentuada foi verificada na Ásia ocidental, onde a taxa de fecundidade total caiu de 5,4 filhos por mulher para 2,6 (Freedman e Blanc, 1991:6). A
fecundidade tem continuado a cair, mas esta queda não
foi uniforme entre os vários países cobertos por esta pesquisa. Valores elevados para a taxa de fecundidade ainda foram encontrados, em 1992, no Níger (7,2), na Zâmbia
(6,5) e na Tanzânia (6,3), resultando uma ampliação dos
diferenciais de fecundidade entre os vários países.
É claro que está em curso um movimento em direção
a um tamanho pequeno de família tanto em nível agregado quanto individual, mas a homogeneização das taxas de fecundidade não parece provável. Também não
existe evidência empírica suficiente para sustentar a hipótese de homogeneização no número desejado de filhos.
Por exemplo, Blake (1970) colheu informações sobre o
número ideal de filhos entre mulheres americanas brancas, por meio de 13 surveys levados a cabo entre 1936 e
1961. Em todos os surveys, a grande maioria das respostas estava concentrada em torno de dois a quatro filhos.
O valor modal flutuou em todos os surveys, sem indicar
uma redução na proporção de mulheres que desejavam
quatro filhos. A preferência por nenhum filho não foi
estatisticamente significante.2
Dados colhidos pela Pesquisa Mundial de Fecundidade, durante a segunda metade dos anos 70, e pela Pesquisa de Saúde Materno-Infantil, para a segunda metade
dos anos 80 e início da década de 90, indicam um largo
intervalo de variação na fecundidade desejada qualquer
que seja a medida utilizada. No final dos anos 70, por
exemplo, o tamanho desejado de família variou de 8,3,
no Senegal, a 3,7, na Tailândia (Westoff, 1991:4). Quinze
anos mais tarde, a taxa de fecundidade desejada variou
de 7,4, no Níger, a 1,8, na Tailândia e na Turquia (DHS,
1995:12). Estes dados mostram que, embora a tendência
apresentada seja a de preferência por famílias menores,
não há indícios de homogeneização nem mesmo na fecundidade desejada.
Taxas de Fecundidade Total dos Coortes de
Mulheres Nascidas Entre 1890 e 1970
Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste
Rio de Janeiro
100,0
São Paulo
Nordeste
Em %
7,00
6,00
5,00
4,00
3,00
2,00
1890-95
1900-05
1910-15
1920-25
1930-35
1940-45
1950-55
1960-65
Ano de Nascimento
Fonte: Fundação IBGE. Censos Demográficos.
Nordeste. Acredita-se que estas três áreas representam a
realidade brasileira em termos de diversificação socioeconômica, além de serem responsáveis por 69,5% da população brasileira e 60,5% do Produto Interno Bruto. Isto
pode levar a que as conclusões sejam representativas para
o Brasil como um todo.
O Gráfico 1 mostra as tendências de longo prazo da
fecundidade, nestas três áreas, apresentando as taxas de
fecundidade dos coortes sintéticos de mulheres nascidas
entre 1890 e 1970. Para este cálculo, utilizou-se a técnica de Brass dos coortes sintéticos (1985:69-70). Desde
o começo do período analisado, os diferenciais regionais de fecundidade já eram expressivos. As mulheres
cariocas tinham, em média, 2,5 filhos a mais que as paulistas e/ou as nordestinas. A fecundidade declinou no Rio
em cinco coortes sucessivos de nascimento e em seis
sucessivos coortes em São Paulo, sendo que o declínio
foi mais rápido neste último estado. Os níveis de fecundidade entre estes coortes ficaram aproximadamente
constantes no Nordeste.
Através do Gráfico 1, verifica-se que a fecundidade,
no Rio de Janeiro e em São Paulo, após um período de
declínio, registrou aumento, voltando posteriormente a
declinar. Este acréscimo parece ter sido uma espécie de
baby boom como ocorreu em muitos países europeus e
da América do Norte. Isto contradiz um dos pressupostos básicos da teoria da transição demográfica, o qual
estabelece que uma vez iniciado o processo de queda da
fecundidade, este é irreversível. No Rio de Janeiro e no
Nordeste, o aumento da fecundidade começou com o
coorte das mulheres nascidas entre 1920 e 1925. Em São
Paulo, isto se deu, aproximadamente, dez anos mais tarde, ou seja, com o coorte das mulheres nascidas em 1930
TENDÊNCIAS DA FECUNDIDADE NO BRASIL
Procurar-se-á, a partir daqui, analisar as tendências
de fecundidade em três áreas brasileiras ao longo do século XX, buscando extrair alguma inferência sobre as
tendências futuras da fecundidade e a possibilidade de
convergência destas taxas. As três áreas escolhidas são
os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo e a região
20
A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS...
e 1935. O declínio da fecundidade reiniciou em todas as
áreas entre os coortes das mulheres nascidas entre 1940
e 1945, sendo mais intenso que o anterior e atingindo
também de forma marcante o Nordeste, onde as taxas de
fecundidade ainda estavam bastante elevadas. O decréscimo total observado durante o período foi de 4,7 para
2,0 filhos no Rio de Janeiro; de 6,4 para 2,2 filhos em
São Paulo; e de 6,5 para 3,6 filhos no Nordeste.
GRÁFICO 3
Porcentagem das Mulheres que Desejam
Outro Filho, por Parturição
Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1986
Rio de Janeiro
PREFERÊNCIAS EM RELAÇÃO AO
TAMANHO DE FAMÍLIA
Nesta parte, investiga-se a existência de uma preferência consciente por um determinado tamanho de família nas três áreas em estudo: Rio de Janeiro, São Paulo e Nordeste. Duas medidas diretas de preferência são
apresentadas aqui: o tamanho médio de família e o desejo de mais um filho. Ambas são informações levantadas pela Pesquisa de Saúde Materno-Infantil, empreendida pela Bemfam, em 1986.
O Gráfico 2 apresenta as porcentagens de mulheres
casadas que declararam a preferência por um certo número de filhos. Mulheres estéreis foram excluídas da
análise. Poucas mulheres declararam não ter preferência. É importante salientar que esta informação apresenta
problemas de racionalização a posteriori, ou seja, as
mulheres tendem a declarar, como desejado, o número
de filhos já tidos. A preferência por famílias com dois
filhos é bem clara em todas as três áreas, embora as porcentagens de mulheres que expressaram o desejo de dois
filhos variou de 46,5%, no Rio de Janeiro, a 36,5%, no
Nordeste. Em São Paulo, um número expressivo de
mulheres (28,8%) indicou preferência por três filhos. Por
0
São Paulo
Nordeste
4 5 ,0
4 0 ,0
3 5 ,0
3 0 ,0
2 5 ,0
2 0 ,0
1 5 ,0
1 0 ,0
5 ,0
0 ,0
1
2
3
2
3
4
5
outro lado, mais mulheres no Nordeste do que nas outras
duas áreas desejavam quatro filhos (28%). Já o Rio de
Janeiro foi a área que apresentou a maior proporção de
mulheres que desejavam ter apenas um filho (9,2%). O
tamanho ideal de família variou de 2,4 filhos, no Rio de
Janeiro, a 2,8 em São Paulo e no Nordeste.
Uma outra medida de preferência é analisada no Gráfico 3: a proporção de mulheres casadas, classificadas pelo
número de filhos vivos, que desejam ter um outro filho.
Mulheres grávidas e estéreis foram excluídas da análise.
Esta não é uma medida de preferência pura, pois indica
um ajustamento de preferências à fecundidade observada. Entretanto, esta é considerada a menos viesada das
medidas de preferência, por não ser afetada por racionalização a posteriori. As informações apresentadas referem-se às mulheres que declararam desejar um outro filho em qualquer época, ou não estão seguras quanto a ter
ou não filhos.
Uma proporção significativa de mulheres nordestinas
sem filhos (24%) declarou não querer ter filhos. Por outro lado, entre aquelas que já eram mães, um número
maior de mulheres desejavam continuar tendo filhos,
quando comparado às outras duas áreas, especialmente
ao Rio de Janeiro: cerca de 67,5% das mulheres no Nordeste e em São Paulo, que tinham um filho vivo, declararam querer ter mais outro filho, enquanto entre as cariocas esta porcentagem foi de 51%. Em todas as áreas,
observou-se um efeito grande do número de filhos já tidos sobre o desejo de continuar a vida reprodutiva, principalmente entre as mulheres com dois filhos, ou seja,
quanto maior o número de filhos já tidos menor é a proporção de mulheres que querem continuar a vida
Em %
0
1
Fonte: Bemfam.
GRÁFICO 2
Rio de Janeiro
Nordeste
Parturição
Tamanho Ideal de Família
Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1986
100,0
5 0 ,0
São Paulo
Em %
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
-10,0
4+
No de Filhos Desejados
Fonte: Bemfam.
21
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
reprodutiva. Apesar deste efeito ter sido verificado em
todas as áreas, ele foi mais significativo no Rio de Janeiro. As diferenças regionais quanto ao desejo de continuar
a vida reprodutiva são mais significativas entre as mulheres com dois filhos. Isto sugere um novo padrão de
formação de família, baseado em dois filhos, que estava
mais solidificado no Rio de Janeiro. Sugerem também que
o fato de ter dois filhos funciona como um divisor de águas
entre o novo e o antigo padrão de formação de famílias,
uma vez que não são muito expressivas as diferenças nas
proporções de mulheres com mais de dois filhos que desejam continuar o processo reprodutivo.
TABELA 1
Idade Média da Mulher ao Ter o Primeiro Filho
Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1940-1993
Em anos
Períodos
1940
1950
1960
1970
1980
1993
Rio de Janeiro
23,4
23,2
22,4
24,0
23,7
24,1
São Paulo
23,2
23,2
22,5
23,8
23,5
23,8
Região
Nordeste
22,7
22,6
22,4
23,3
22,3
22,6
Fonte: Fundação IBGE. Censo Demográfico. Rio de Janeiro, 1940 a 1980 e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Rio de Janeiro, 1993.
ATITUDES QUANTO AO
PROCESSO REPRODUTIVO
Contracepção
Vários trabalhos já demonstraram que o principal determinante próximo dos níveis de fecundidade e dos seus
diferenciais regionais é a taxa de prevalência ou de uso
de métodos anticoncepcionais. Por exemplo, em 1986, o
uso de métodos reduziu 68,7% da fecundidade marital
potencial paulista, 65,7% da carioca e 50,6% da nordestina (Camarano, 1996:172). Entre as mulheres casadas,
71,4% usavam anticoncepcionais em São Paulo, 69,2%
no Rio e 47,0% no Nordeste, em 1986. Diferenças nestas
proporções explicam 73% da diferença entre as taxas de
fecundidade do Rio e do Nordeste e 80% daquelas entre
o Nordeste e São Paulo. Contraceptivos têm sido usados
tanto para espaçar quanto para encerrar a vida reprodutiva,
como é o caso da esterilização.
A grande maioria das mulheres que declararam o
desejo de parar de ter filhos em São Paulo e no Rio de
Janeiro estava usando métodos anticoncepcionais. No
Nordeste, 40,9% das mulheres que queriam interromper
a vida reprodutiva não estavam usando métodos, sendo
que 42,3% destas declararam não ter nem intenção de usálos. No Rio, as porcentagens comparáveis foram de, respectivamente, 20,2% e 48,3%. Em São Paulo, embora
aproximadamente 14% das mulheres que expressaram
vontade de interromper a vida reprodutiva não usavam
métodos, todas estas declararam intenção de usar. Esterilização foi o método preferido pelas mulheres que desejavam parar de ter filhos (50,2% em São Paulo, 48,9% no
Rio e 36,5% no Nordeste). A pílula anticoncepcional foi
escolhida pela maioria das mulheres que desejavam espaçar os nascimentos (38,0% das paulistas, 36,6% das
cariocas e 25,2% das nordestinas). Os outros métodos tiveram uma maior aceitação por parte das mulheres paulistas, principalmente entre as que queriam continuar tendo
filhos (20,4% delas).
As taxas de fecundidade são resultados de atitudes tomadas pelas mulheres nas várias fases do processo reprodutivo: o início, o espaçamento e o encerramento. Como
será visto a seguir, as diferenças regionais são grandes
nas várias fases deste processo, o que explica os diferenciais regionais nas taxas de fecundidade.
Diferenças no Início da Vida Reprodutiva
O impacto da idade ao começar a vida reprodutiva nas
taxas de fecundidade e a variável que deve ser usada para
medir o início da vida reprodutiva já foram bastante discutidos na literatura. Considerou-se aqui a idade da mãe
ao ter o primeiro filho, utilizando o procedimento proposto por Hajnal para o cálculo da idade média à primeira união (Hajnal, 1953), que indica o timing do primeiro
filho para diferentes coortes de mulheres num período de
aproximadamente 35 anos. A Tabela 1 mostra idades
médias das mulheres ao ter o primeiro filho, calculadas
com base nos Censos de 1940 a 1980 e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1993. No Rio de
Janeiro, as mulheres começam a vida reprodutiva mais
tarde do que aquelas residentes nas duas outras áreas, sendo que as nordestinas são as que começam mais cedo.
Embora este indicador tenha flutuado ao longo do tempo, está claro que as mulheres do Rio e de São Paulo adiaram o primeiro filho, enquanto as nordestinas mantiverem
este timing aproximadamente constante. Os diferenciais
entre o Rio e São Paulo não são significativos, enquanto
aqueles entre o Nordeste e estas duas áreas ampliaram-se
ao longo do período. As diferenças regionais neste indicador sugerem que uma parte dos diferenciais nas taxas
de fecundidade pode ser explicada pelo início da vida
reprodutiva.
22
A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS...
A aparente inconsistência entre o desejo de terminar a
vida reprodutiva e a não-utilização de métodos parece estar
associada a elevados níveis de fecundidade indesejada.
Estimativas apontam níveis mais altos no Nordeste
(52,8%) do que em São Paulo (32,6%). No Rio, esta porcentagem foi estimada em 34,9%.3 Estes altos níveis levarão necessariamente a uma continuação da queda da
fecundidade em todas as três áreas, independentemente
de mudanças nas preferências reprodutivas.
TABELA 2
Idade Média da Mulher ao Ter o Último
Filho e ao Submeter à Esterilização
Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1986
Em anos
Encerramento da
Vida Reprodutiva
O Encerramento da Vida Reprodutiva
A análise do padrão de encerramento da vida reprodutiva requer a identificação de mulheres que não terão mais
filhos. Na prática, isto significa analisar mulheres mais
velhas, cuja vida reprodutiva começou 30 anos atrás e
estava afetada por circunstâncias diferentes daquelas que
influenciam o comportamento reprodutivo das mulheres
mais jovens. Além disto, a única informação disponível
para estudar este fenômeno nas três áreas é oriunda da
Pesquisa de Saúde Materno-Infantil de 1986, cujo universo é restrito às mulheres em idade reprodutiva (15 a
44 anos). Neste caso, se o último coorte de idade é considerado, não há nenhuma garantia de que todas estas mulheres interromperam a vida reprodutiva. A única variável que definitivamente mede o final da vida reprodutiva
é a esterilização, que é o método anticoncepcional mais
usado nas três áreas. Não há nenhuma garantia de que
variáveis como divórcio e viuvez indiquem o encerramento da vida reprodutiva, sendo que o mesmo se aplica para
a menopausa ou o encerramento da vida sexual. Isto depende basicamente da percepção da mulher se estes fenômenos atingiram (ou não) o ponto de não retorno. Não
há, portanto, nenhuma distinção clara entre espaçamento
e encerramento da vida reprodutiva. Entretanto, uma tentativa é feita aqui no sentido de construir algumas estimativas de encerramento da vida reprodutiva, baseadas
na idade da mulher ao ter o último filho e ao se submeter
à esterilização.
Na Pesquisa de Saúde Materno-Infantil, foi perguntada a todas as mulheres a idade ao ter o último filho. Para
muitas delas que tinham mais de 40 anos no momento da
pesquisa, este será de fato o seu último filho. As idades
medianas ao ter o último filho nascido vivo e ao se submeter à esterilização estão apresentadas na Tabela 2. Como
esperado, é no Nordeste que se verifica a mais alta idade
mediana ao ter o último filho, 5,2 anos mais tarde do que
no Rio de Janeiro, onde se verificou a mais baixa idade.
A adoção da esterilização como método de interromper a
vida reprodutiva registra uma redução dramática nas diferenças regionais quanto ao timing de encerramento da
vida reprodutiva. Na verdade, isto implica a eliminação
Rio de Janeiro
São Paulo
Região
Nordeste
Através de Último Filho
Através de Esterilização
31,3
30,2
33,3
30,1
36,5
30,5
Idade ao Ter o Primeiro Filho
das que Encerraram
a Vida Reprodutiva Através de:
Último Filho
Esterilização
23,3
22,2
22,1
21,7
22,1
20,7
Intervalo Reprodutivo
das que Encerraram
a Vida Reprodutiva Através de:
Último Filho
Esterilização
8,0
8,0
11,2
8,4
14,4
9,8
Fonte: Camarano (1996:287).
destas diferenças, o que poderia contribuir para uma redução dos diferenciais regionais de fecundidade. No entanto, já foi observado que as mulheres que terminam a
vida reprodutiva por meio da esterilização têm uma fecundidade bem mais alta do que as que a encerram por
menopausa (Camarano, 1996:149).
Na Tabela 2 são apresentadas também as idades medianas ao ter o primeiro filho das mulheres que encerraram
a vida reprodutiva, segundo a categoria último filho (mulheres que tinham 40 a 44 anos no momento da pesquisa)
ou esterilização. Além disso, a tabela mostra a amplitude
do intervalo reprodutivo. Quando o encerramento da vida
reprodutiva é dado pela idade da mãe ao ter o último filho, observa-se um maior tempo de exposição ao risco de
ter filho por parte das mulheres nordestinas. Este período
foi de 8,0 anos no Rio de Janeiro, 11,2 em São Paulo e
14,4 no Nordeste. Isto pode explicar parte das diferenças
regionais. No caso do final da vida reprodutiva ser medida pela esterilização, as mulheres de todas as três áreas
experimentam uma redução importante no intervalo
reprodutivo. O impacto é mais significativo no Nordeste.
A comparação da idade média ao ter o primeiro filho,
para os dois grupos de mulheres que encerraram a vida
reprodutiva, mostra que as mulheres esterilizadas começaram mais cedo do que as outras. Esta diferença foi mais
acentuada no Nordeste (1,4 anos) e menor em São Paulo
(l ano). Isto sugere que a esterilização foi usada para
controlar a fecundidade, mas sem outras mudanças significativas no processo reprodutivo, como o início, por
exemplo.
23
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
SÍNTESE DOS DIFERENCIAIS REGIONAIS:
PODE-SE FALAR EM CONVERGÊNCIA DAS
TAXAS DE FECUNDIDADE?
TABELA 3
Indicadores do Processo de Formação de Família
Rio de Janeiro, São Paulo e Região Nordeste – 1986-1991
As tendências mais recentes da fecundidade apontam
para uma aceleração da queda da fecundidade nas três
áreas em estudo, especialmente no Nordeste. Em São
Paulo e no Rio de Janeiro, as taxas de fecundidade já
atingiram níveis próximos ou abaixo daqueles de reposição. A questão aqui levantada é em que medida este
declínio indica convergência nas taxas de fecundidade.
O Gráfico 4 apresenta os coeficientes de variação das taxas de fecundidade dos coortes analisados no item Tendências da Fecundidade no Brasil. Foram consideradas,
como base, as taxas de fecundidade do Rio de Janeiro,
pois, se as taxas de fecundidade iriam convergir, estas
deveriam alcançar os níveis do Rio de Janeiro, que são
mais baixos. A tendência de longo prazo destes diferenciais parece ser de redução relativa, mas esta queda tem
sido oscilante. Pode-se observar que os diferenciais regionais de fecundidade aumentaram quando a fecundidade declinou e diminuíram quando a fecundidade aumentou. A queda mais acelerada da fecundidade nordestina
relativamente às outras provocou uma redução neste indicador no período mais recente, porém, o seu valor ainda era relativamente alto (74%). A sua oscilação faz com
que seja difícil pensar em convergência nos níveis de fecundidade.
Uma outra maneira de se analisar a possibilidade de
convergência nas taxas de fecundidade é através das diferenças (ou semelhanças) no processo de formação de
família nas três áreas. A referência continua a ser o Rio
de Janeiro, no ano de 1986. A comparação feita é com
Nordeste e São Paulo em 1991. A questão é saber se os
Indicadores
Taxa de Fecundidade Total
Idade ao Ter o Primeiro Filho
Idade ao se Submeter à
Esterilização
Prevalência (%)
Espaçadoras (%) (1)
Planejadoras (%) (2)
Controladoras (%) (3)
Mulheres que Querem
Três ou Mais Filhos (%)
Taxa de Fecundidade
Marital Desejada
Fecundidade Indesejada (%)
Em %
120
110
100
90
80
70
60
50
40
1910-15
1920-25
1930-35
1940-45
1950-55
1960-65
2,2
22,9
2,3
-
3,7
21,0
30,2
69,2
51,8
55,9
79,8
77,0
-
28,4
60,7
42,2
22,7
88,6
13,1
-
26,9
2,3
25,7
-
2,7
36,8
diferenciais regionais de fecundidade seriam reduzidos
caso não houvesse mudanças nos níveis de fecundidade
e no padrão de formação da família carioca entre 1986 e
1991. A Tabela 3 apresenta um resumo dos principais
indicadores do processo de formação de família, muitos
já analisados anteriormente. Pode-se observar que os
diferenciais nas taxas de fecundidade total ainda são
bastante elevados; a taxa de fecundidade nordestina em
1991 era 1,5 filho mais alta do que a observada no Rio
em 1986. Diferença semelhante é encontrada quando as
taxas do Nordeste e de São Paulo, para o mesmo período, são comparadas.
Diferenças bem marcadas são encontradas também no
processo de formação de família. Como se viu anteriormente, estas são muito expressivas no começo da vida
reprodutiva e entre as mulheres que encerram a vida reprodutiva por idade (ou último filho). A esterilização
encurta o período reprodutivo e reduz as diferenças regionais no encerramento da vida reprodutiva. As mulheres nordestinas, em 1991, foram esterilizadas mais jovens do que as cariocas em 1986. Embora a taxa de
prevalência tenha aumentado expressivamente no Nordeste, em 1991 esta ainda era bem menor do que a observada no Rio em 1986. Além disto, as diferenças nas estratégias reprodutivas são bem expressivas. Por exemplo,
o crescimento da taxa de prevalência nordestina foi resultado do aumento de uso de métodos entre as mulheres
que querem “controlar“ o processo reprodutivo, ou seja,
entre aquelas que começaram a usá-los depois de terem
GRÁFICO 4
1900-05
Região
Nordeste
1991
Fonte: Camarano (1996:342).
(1) Mulheres que estavam usando métodos, mas querem continuar tendo filhos.
(2) Mulheres que começaram a usar métodos antes do primeiro filho.
(3) Mulheres que começaram a usar métodos depois do segundo filho.
Coeficiente de Variação da Taxa de Fecundidade Total dos Coortes de
Mulheres Nascidas entre 1890 e 1975
1890-95
São Paulo
1991
Rio de Janeiro
1986
1970-75
Fonte: Fundação IBGE. Censos Demográficos.
24
A HIPÓTESE DE CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE FECUNDIDADE NAS...
tido dois filhos ou mais. Esta proporção, em 1991, foi mais
elevada do que a das mulheres cariocas em 1986. Por outro
lado, a proporção de mulheres que usavam métodos para
“planejar” a prole, ou seja, aquelas que começaram a usálos antes do primeiro filho, era muito mais alta no Rio,
em 1986, do que Nordeste, em 1991. Já foi também mostrado que as mulheres que começam a usar métodos antes
do primeiro filho atingem níveis de fecundidade observados e indesejados bem mais baixos do que as demais
(Camarano, 1996:135 e 316).
Outra diferença importante é encontrada na preferência por um determinado tamanho de família. Embora as
diferenças nas taxas de fecundidade desejada não sejam
muito grandes (0,4 filhos), a proporção de mulheres que
desejavam ter o terceiro filho variou de 13,1%, no Rio,
para 26,9%, no Nordeste. Portanto, pode-se considerar que
a tendência para o médio prazo é de aumento no número
de famílias com dois filhos, mas não de forma homogênea.
Há alguma evidência de que as taxas de prevalência
aumentaram substancialmente em São Paulo no último
qüinqüênio da década de 80 (Tabela 3). No entanto, apesar
de a taxa de prevalência paulista ser mais alta do que a
carioca, suas taxas de fecundidade, mesmo em 1991, ainda eram maiores do que as do Rio. Isto sugere que, embora taxas de prevalência sejam um importante determinante da fecundidade, anticoncepção, por si só, não é
suficiente para explicar as suas variações. A fecundidade de uma mulher é o resultado de uma série de eventos
multirrelacionados e experiências.
Concluindo, acredita-se que a fecundidade continuará a cair nestas três áreas num futuro próximo. A existência de uma proporção ainda elevada de fecundidade
indesejada sugere isto, principalmente no Nordeste. A
fecundidade já atingiu níveis próximos ao de reposição
no Rio e em São Paulo, mas não há indicações de convergência e/ou de estabilização nas taxas de fecundidade. Não é improvável que elas aumentem no mais longo
prazo no Rio ou em São Paulo. A fecundidade final é
também resultado de um número de eventos não esperados, como falha de anticoncepcionais, esterilidade, perda fetal, longo tempo de espera para concepção, uma
combinação indesejada de filhos por sexo, divórcio, viuvez ou morte de um dos filhos. O impacto nos níveis de
fecundidade de novos fatores como a Aids e re-casamen-
tos também deve ser levado em conta. Portanto, é difícil
pensar num declínio irreversível, estabilização e homogeneização de taxas de fecundidade em algum ponto no
tempo. É difícil pensar num fim da transição da fecundidade brasileira, até porque transição significa movimento para qualquer direção e não necessariamente redução
da fecundidade.
NOTAS
Parte deste trabalho está baseado nos capítulos 1, 7 e 8 de Camarano (1996). A
autora agradece a colaboração de Marcelo Medeiros na elaboração dos gráficos
e discussão do texto.
1. Veja, por exemplo, as projeções do Banco Mundial, das Nações Unidas, do
próprio IBGE, etc.
2. Exemplo extraído de Souza (1990:41).
3. Estas porcentagens referem-se à razão entre a taxa de fecundidade desejada e
a total. A taxa de fecundidade total foi calculada com base no método de Bongaarts
que usa informações sobre o desejo de continuar tendo mais filhos. Veja Camarano
(1996).
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for estimating fertility and mortality from limited and defective data. Londres, Centre for Population Studies, London School of Hygiene & Tropical
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study of three areas. Tese de Doutorado. Londres, Universidade de Londres, jan. 1996.
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Summit of the world's scientific academies). The Royal Society, 1994, p.22947.
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FREEDMAN, R. e BLANC, A.K. “Fertility transition: an update”. DHS.
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SOUZA, G.A. “A hipótese da convergência: uma ilusão de ótica”. VII Encontro
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WATKINS, S. “Conclusion”. In: COALE, A. e WATKINS, S. Decline of fertility
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WESTOFF, C. Reproductive preferences: a comparative view. Demographic and
Health Surveys Comparative Studies, n.3, 1991.
25
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
FECUNDIDADE
tendências e modelo de projeção
PAULO CAMPANÁRIO
Demógrafo, Analista da Fundação Seade
RUTE GODINHO
Demógrafa, Analista da Fundação Seade
A
dinâmica da população, ou seja, sua variação de
tamanho, seu ritmo de crescimento e sua distribuição por sexo e idades, depende da inter-relação simultânea de três variáveis demográficas: mortalidade, fecundidade e migrações. Estas variáveis, por sua
vez, dependem ou são determinadas por fatores sociais,
econômicos, culturais, etc.
A fecundidade, objeto de análise deste artigo, torna-se
cada vez mais importante para a compreensão dessa dinâmica, principalmente porque tem sofrido abruptos decréscimos a partir dos anos 60, se comparados aos que já
ocorreram em outros países. Por outro lado, houve forte
diminuição das taxas de mortalidade a partir dos anos 40,
com conseqüente estabilização em níveis bastante baixos.
Finalmente, os dados do Censo de 1991 indicam a tendência recente de redução dos fluxos migratórios, em
geral, e mais especificamente os rural-urbanos, no Brasil, e os do Nordeste em direção principalmente a São
Paulo.
O conhecimento desta dinâmica, através de suas tendências passadas e outras características, permite que se
preveja, com certa margem de segurança, a população nas
próximas décadas, o que se torna cada vez mais necessário para o planejamento de políticas públicas de educação, saúde, habitação, transporte, previdência, etc., bem
como para o planejamento de produção e estratégias de
mercado, no caso de empresas privadas.
Os métodos tecnicamente mais sofisticados de projeção de populações exigem a elaboração de hipóteses de
comportamento futuro separadamente para cada uma das
três variáveis citadas. No entanto, como já foi dito, estas
dependem de um emaranhado de fatores, o que dificulta
sua escolha.
Entretanto, a preocupação de políticos e estrategistas
com uma possível “explosão demográfica”, devido ao
rápido crescimento das populações dos países do Terceiro Mundo, principalmente depois da Segunda Guerra
Mundial, provocou uma avalanche de estudos que, ao fim
e ao cabo, aprofundaram o conhecimento de muitas das
peculiaridades e tendências populacionais, antes desconhecidas. Além disso, estas pesquisas mostram, com clareza, a relação entre as variáveis demográficas e outras,
provenientes de diversas áreas do conhecimento.
Esta sólida base de conhecimento possibilita aos demógrafos arriscarem-se, com certa segurança e ousadia,
no sempre polêmico campo das projeções populacionais.
A seguir, apresentam-se alguns fatores que tornam as projeções relativamente científicas e não meros exercícios
de futurologia:
- as variáveis demográficas são facilmente mensuráveis,
devido à existência de boa base de dados disponíveis para
o território nacional, especialmente para o Estado de São
Paulo, e também a uma metodologia de aferição dos indicadores já mundialmente consagrada no meio científico, o que não ocorre necessariamente com muitas outras
variáveis como, por exemplo, o nível socioeconômico das
pessoas, sempre alvo de polêmicas entre pesquisadores;
- as variáveis socioeconômico-culturais, das quais dependem as demográficas, mudam paulatinamente, o que faz
com que alterações nos padrões populacionais sejam também relativamente morosas. A exemplo disto, pode-se
constatar que a escolaridade das pessoas, o grau de industrialização, a porcentagem de mulheres que trabalham
fora de casa, o grau de assalariamento da população, a
urbanização, etc. – que são variáveis explicativas das demográficas – levam algumas décadas para apresentarem
26
FECUNDIDADE: TENDÊNCIAS E
MODELO DE PROJEÇÃO
quase sempre maior nas idades mais avançadas das mães.1
Mais especificamente, quando diminui o número médio
de filhos das mulheres, há uma redução da idade média
das mães no momento do parto, bem como uma concentração dos nascimentos em torno desta idade. Isto quer
dizer que as mulheres, ao diminuírem a fecundidade, passam a ter filhos em idades mais jovens e de forma concentrada, completando suas famílias precocemente.
Tradicionalmente, o nível da fecundidade é medido e
analisado através das Taxas de Fecundidade Totais (TFT).2
Por outro lado, a distribuição das taxas por idades (a denominada estrutura da fecundidade) é medida e analisada
por meio das Taxas Específicas de Fecundidade (fi), ou
de sua distribuição percentual.
Para constatar a existência da relação entre o nível e a
estrutura da fecundidade, no Estado de São Paulo, foram
utilizadas duas medidas estatísticas clássicas: a idade
média da fecundidade e seu desvio-padrão, que descrevem, de forma acurada e resumida, a estrutura da fecundidade, pois a primeira mede a idade média das mães ao
terem seus filhos e a segunda calcula a dispersão ou o
afastamento dos nascimentos em torno desta média.
Esta operação foi aplicada em todas as regiões de governo para 1980 e 1992, período em que houve um declínio significativo dos níveis da fecundidade.
A idade média da fecundidade (IMRG) é a média dos
valores centrais da idade de cada grupo etário (Xi), ponderados pelas Taxas Específicas (fi), com i variando de 1
(grupo de 15 a 19 anos) a 7 (grupo de 45 a 49 anos). Também pode ser interpretada como a idade média das mães
no momento do parto.
O desvio-padrão (DPRG), por outro lado, mede a dispersão dos valores em torno da média, sendo definido
como a raiz quadrada da média do quadrado dos "desvios"
(diferenças) entre os valores centrais dos grupos etários
(Xi) e a idade média (já calculada anteriormente), ponderada pelas fi. Um desvio-padrão pequeno significa que as
crianças estão nascendo concentradamente, ou seja, relativamente perto da idade média em que as mães têm filhos. Já um desvio grande indica que as crianças estão
nascendo de forma mais dispersa (Tabela 1).
Antes de desenvolver o modelo, tentar-se-á demonstrar, empiricamente, a existência da alegada relação entre o nível da fecundidade e a sua estrutura etária, ou seja,
que há uma lei que relaciona estas duas dimensões da fecundidade. Mais concretamente, procurar-se-á mostrar a
correlação linear entre as Taxas de Fecundidade Totais e
as idades médias e os desvios-padrões das Taxas Específicas de Fecundidade.
Houve, no período estudado, mudanças muito importantes no nível da fecundidade no Estado de São Paulo,
que sofreu uma redução de quase 33%, passando de 3,40
mudanças substanciais. No caso dos padrões demográficos, alterações de comportamento em 20 ou 30 anos são
consideradas rápidas;
- no século XX, os níveis das taxas de fecundidade, mortalidade e migrações, além de se alterarem lentamente,
apresentam poucas oscilações, exceto em caso de catástrofes naturais, guerras, epidemias, etc.;
- existe uma tendência à convergência das taxas de mortalidade e de fecundidade em torno de determinados valores, no âmbito mundial, descrita pela “Teoria da Transição Demográfica” (Notestein, 1945), o que permite a
comparação entre países mais e menos adiantados, prevendo com maior segurança quais serão as tendências
futuras, visto que os primeiros já percorreram etapas de
transição ora experimentadas pelos últimos;
- a distribuição da população por sexo e idade depende
diretamente dos níveis de mortalidade e fecundidade e,
portanto, acompanha a evolução destas variáveis, ou seja,
sua mudança é relativamente lenta, o que favorece o conhecimento de seu comportamento futuro;
- a existência da denominada “inércia demográfica” faz
com que as tendências populacionais, num futuro próximo, dependam quase que integralmente da população
existente hoje. A atual população carrega consigo, no que
se refere às variáveis demográficas, um determinado padrão de comportamento já adquirido, que sofrerá alterações lentas, como visto anteriormente. A China, por exemplo, continuará sendo, durante algum tempo, um país
muito populoso, mesmo que a fecundidade das mulheres
hoje já tenha atingido níveis bastante baixos. Devido a
esta inércia, é muito importante o estudo das tendências
passadas.
Este artigo tenta mostrar, de maneira muito sucinta, os
passos seguidos para projetar a fecundidade – uma das
variáveis involucradas na projeção da população de São
Paulo – desagregada por regiões administrativas, regiões
de governo e municípios, segundo sexo e idade, com base
nos dados do Censo Demográfico de 1991.
TENDÊNCIAS DOS NÍVEIS E
DA ESTRUTURA DA FECUNDIDADE
Nesta parte, propõe-se um modelo para projetar a fecundidade, apropriado para o Estado de São Paulo, que
será construído a partir da conhecida relação entre os níveis e a estrutura da fecundidade por idade. Esta relação
já foi exaustivamente comprovada com dados de diferentes países e foram criados modelos que utilizam esta mesma idéia, como por exemplo o de Gompertz. Em outras
palavras, estes modelos partem do fato de que quando há
uma redução geral da fecundidade, este decréscimo é
27
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
filhos por mulher, em 1980, para 2,28, em 1992. Nas regiões de governo, este percentual de queda varia entre
31% (São João da Boa Vista) e 44% (Jales).
Por outro lado, as idades médias das fecundidades,
na maioria das regiões de governo, também sofreram
redução de mais de um ano no período, assim como os
desvios-padrões, o que reforça constatações de outros trabalhos citados anteriormente.
O significado destas diminuições é que a estrutura das
taxas de fecundidade específicas por idade está tornando-se cada vez mais jovem, ou seja, a cúspide da curva3
tornou-se precoce graças à diminuição da idade média da
fecundidade. Ao mesmo tempo, pode-se afirmar, devido
à queda do desvio-padrão, que está ocorrendo uma concentração da curva em torno desta média. Este comportamento, similar em todas as regiões de governo, tornou
possível a elaboração de um modelo que relaciona estas
variáveis, adaptado às especificidades das regiões de governo do Estado de São Paulo.
Resumidamente, e em primeiro lugar, foi feito o estudo das funções lineares aplicadas entre a TFT e a idade média, cujos resultados são coeficientes de correlação de 0,71 para os dados de 1980 e de 0,69 para os de
1992 (Tabela 2). Estas cifras mostram que o nível da fecundidade (TFT) tem uma forte relação com a idade
média da fecundidade, visto que os coeficientes de correlação tornam-se estatisticamente significativos, com
níveis de significância de 1%, quando apresentam valores superiores a 0,3932.4 Devido à similaridade dos resultados em 1980 e 1992, decidiu-se trabalhar com o
conjunto destes dados. Com as taxas assim duplicadas
para cada região de governo, o coeficiente de correlação aumenta ainda mais, alcançando 0,91, como se pode
constatar na Tabela 2.
Por outro lado, os resultados das funções lineares entre o nível da fecundidade (TFT) e o desvio-padrão correspondem a coeficientes de correlação ainda maiores:
0,86 para 1980, 0,89 para 1992 e, para os dados acoplados dos dois anos, 0,86. Isso mostra que a relação entre
estas duas variáveis é altamente relevante.
Um outro tipo de análise partiu da observação dos gráficos construídos com as taxas específicas de fecundidade de cada grupo etário cruzadas com as TFT, em ordem
decrescente, de 1980 e 1992. Estes gráficos acusaram um
comportamento decrescente para todos os grupos, com
exceção para o de 15 a 19 anos, no qual as taxas são praticamente constantes, com ligeira tendência ascendente.
Todas as constatações anteriores permitem gerar um
modelo baseado no ajuste das taxas específicas com a ajuda de uma função matemática. A questão, agora, é encontrar a função de ajuste que mais se adeque ao comportamento destas taxas. Se, por um lado, as taxas
TABELA 1
Taxas de Fecundidade Específicas e Totais (TFT),
Idade Média e Desvio-Padrão das TFT
Estado de São Paulo – 1980-1992
Por mil
Taxas Específicas de Fecundidade
Grupos Etários
15 a 19 Anos
20 a 24 Anos
25 a 29 Anos
30 a 34 Anos
35 a 39 Anos
40 a 44 Anos
45 a 49 Anos
TFT
Idade Média
Desvio-Padrão
1980
1992
73,49
185,64
186,46
129,63
72,37
25,88
4,20
3,39
27,82
6,56
76,82
137,98
120,05
74,26
34,66
10,88
1,71
2,28
26,40
6,33
Fonte: Fundação Seade.
TABELA 2
Coeficiente de Correlação entre TFT e
Idade Média e Desvio-Padrão das TFT
Estado de São Paulo – 1980-1992
Coeficiente de Correlação entre
Anos
1980
1992
1980 e 1992
TFT e Idade Média
TFT e Desvio-Padrão
0,71
0,69
0,91
0,86
0,89
0,86
Fonte: Fundação Seade.
específicas tendem a baixar, por outro, esta queda não
pode ser linear, senão ultrapassariam, em algum momento, o valor zero, alcançando valores negativos. Isto não
é possível, por definição, visto que estas taxas significam número de filhos tidos por mulher. Por este motivo,
optou-se por um ajuste das taxas específicas através de
uma curva exponencial, que possui o requisito de nunca
se anular. Para cumprir estas condições, foram calculados, primeiro, os logaritmos naturais (ln) das taxas específicas das 82 regiões de governo, construindo-se, sobre
estes, as regressões lineares (ln y = a + bx) para cada
grupo etário. Os dados mostraram comportamento linear
decrescente, com exceção dos referentes ao grupo de 15
a 19 anos, que foram ligeiramente crescentes. Encontrada a função para determinado grupo, calcularam-se os
valores ajustados das fi, através da função exponencial
de retorno,5 cujos resultados são exibidos na Tabela 3.
Nesta Tabela, encontram-se os resultados obtidos para
os valores da TFT dentro do intervalo de 4,0 a 1,4 filhos
por mulher. Para efeito de comparação, foram incluídos
28
FECUNDIDADE: TENDÊNCIAS E
MODELO DE PROJEÇÃO
TABELA 3
Taxas Específicas de Fecundidade, Idade Média e Desvio-Padrão, segundo Taxas de Fecundidade Totais entre 4,00 e 1,40
Estado de São Paulo – 1980-1992
Por mil
Taxas de Fecundidade por Grupos Etários (por mil)
TFT
15 a 19
20 a 24
25 a 29
30 a 34
35 a 39
40 a 44
45 a 49
Idade Média
Desvio-Padrão
4,00
79,24
212,11
210,56
153,11
97,81
41,06
3,90
79,40
208,78
205,80
148,14
93,37
38,74
6,11
28,34
6,82
5,78
28,23
3,80
79,57
205,37
200,96
143,13
88,96
6,80
36,46
5,45
28,13
3,70
79,75
201,91
196,09
138,15
6,77
84,63
34,26
5,13
28,02
3,60
79,93
198,42
191,20
6,75
133,20
80,39
32,13
4,82
27,91
3,50
80,12
194,80
6,73
186,19
128,18
76,17
30,03
4,52
27,80
3,40
80,31
6,70
191,11
181,11
123,16
72,00
27,99
4,22
27,68
3,30
6,67
80,52
187,37
176,01
118,18
67,94
26,03
3,94
27,56
6,64
3,20
80,74
183,54
170,83
113,19
63,93
24,13
3,66
27,43
6,61
3,10
80,96
179,62
165,58
108,20
60,00
22,29
3,39
27,30
6,58
3,00
81,20
175,59
160,24
103,19
56,13
20,50
3,13
27,16
6,55
2,90
81,45
171,49
154,86
98,23
52,37
18,80
2,88
27,02
6,51
2,80
81,71
167,26
149,37
93,23
48,66
17,15
2,63
26,88
6,47
2,70
81,99
162,94
143,82
88,28
45,06
15,58
2,40
26,72
6,43
2,60
82,28
158,49
138,18
83,32
41,53
14,07
2,17
26,56
6,39
2,50
82,02
154,05
132,62
78,51
38,20
12,67
1,96
26,41
6,34
2,40
78,77
150,18
127,84
74,46
35,46
11,55
1,80
26,33
6,28
2,30
75,49
146,23
123,00
70,43
32,78
10,47
1,63
26,24
6,22
2,20
72,17
142,17
118,09
66,40
30,18
9,44
1,48
26,16
6,15
2,10
68,88
138,06
113,19
62,45
27,68
8,47
1,33
26,07
6,09
2,00
65,51
133,79
108,17
58,49
25,24
7,55
1,19
25,98
6,02
1,90
62,15
129,44
103,12
54,59
22,91
6,69
1,06
25,88
5,95
1,80
58,77
124,98
98,02
50,73
20,66
5,88
0,94
25,79
5,87
1,70
55,38
120,41
92,88
46,94
18,52
5,13
0,82
25,69
5,79
1,60
51,96
115,68
87,66
43,17
16,46
4,42
0,71
25,59
5,71
1,50
48,49
110,78
82,35
39,44
14,50
3,77
0,61
25,49
5,62
1,40
45,13
105,77
77,01
35,81
12,65
3,18
0,52
25,38
5,52
Fonte: Fundação Seade.
os resultados da idade média e do desvio-padrão, já comentados. Os resultados fornecem, para cada nível que
se escolha de TFT, os valores correspondentes das taxas
específicas de fecundidade.
Cabe aqui fazer alguns comentários a respeito da fecundidade do grupo de 15 a 19 anos. A regressão linear
das taxas, nesta faixa etária, mostra que as mesmas sobem ligeiramente, tendência completamente oposta à das
outras idades, que baixam sempre, acompanhando a queda da TFT. Por este motivo, decidiu-se examinar mais
detidamente as taxas deste grupo.
Para fins comparativos, apresentam-se, na Tabela 4,
os dados de outros países, entre 1970 e 1990. O único
país que, na década de 80, teve taxa crescente no grupo
de 15 a 19 anos foram os EUA, embora tenha havido
queda entre 1970 e 1980 e o nível em 1990 tenha sido
inferior ao de 1970. Porto Rico apresenta taxa levemente ascendente. Nos outros países, nos anos 80, a tendência foi de queda, mas houve incremento, em vários deles, no período 1970-80: Argentina, Costa Rica, Uruguai,
Espanha, Portugal, Grécia e Bulgária. Cinco destes países são católicos e latinos, como o Brasil e o Estado de
São Paulo, e todos ainda pertencem ao Terceiro Mundo
ou deixaram de pertencer há pouco tempo.
Por outro lado, parece haver um padrão diferente entre os países latino-americanos e os europeus, onde as taxas
de fecundidade do grupo de 15 a 19 anos são bem mais
baixas, mesmo quando as TFT também são muito reduzidas. Este é o caso, por exemplo, de Cuba, que, com uma
TFT em 1990 de 1,86 filhos, apresenta taxa específica
29
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
TABELA 4
Taxas de Fecundidade do Grupo de 15 a 19 Anos
Países Selecionados – 1970-1990
Taxas de Fecundidade de
15 a 19 Anos (por mil mulheres)
Países
Tendência
1970
Cuba
Costa Rica
1990
128
84
81
Descendente
1,86
(1) 94
(2) 100
(3) 96
Descendente
(3) 3,54
134
112
(4) 94
Descendente
(4) 2,88
69
65
66
Estável
2,55
(1) 60
66
(5) 57
Descendente
(5) 2,49
Panamá
Chile
Uruguai
1980
Taxas de Fecundidade
Total – 1990
Venezuela
114
104
(6) 101
Descendente
(6) 3,42
Porto Rico
73
(2) 67
(7) 72
Ascendente
(7) 2,42
Argentina
69
82
74
Descendente
3,00
EUA
69
54
81
Ascendente
2,01
1,51
Japão
4
4
4
Estável
Israel
50
35
20
Descendente
3,02
França
26
18
9
Descendente
1,81
Espanha
14
26
17
Descendente
1,54
Suécia
34
16
13
Descendente
2,02
Reino Unido
50
31
33
Estável
1,85
Polônia
30
33
32
Estável
2,04
Portugal
29
40
26
Descendente
1,54
Grécia
36
53
(3) 41
Descendente
(3) 1,82
Bulgária
72
81
70
Descendente
1,73
Fonte: United Nations (1975, 1986 e 1991).
(1) Dados de 1973.
(2) Dados de 1983.
(3) Dados de 1984.
(4) Dados de 1989.
(5) Dados de 1985.
(6) Dados de 1987.
(7) Dados de 1988.
de 81 por mil. Em contraste, os países da Europa ostentam taxas menores que 40 por mil, a metade da cubana,
com exceção da Bulgária (70 por mil). Encontram-se
numa situação similar à cubana (baixas TFT acompanhadas de elevadas taxas no grupo de 15 a 19 anos) outros países como Chile, com 66 por mil, Uruguai, com
57, Porto Rico, com 72, Argentina, com 74, assim como
o Estado de São Paulo, com 77.
A revolução sexual dos anos 60 e o grau de escolaridade das mulheres explicam, de forma bastante plausível, o fenômeno. Com efeito, relações sexuais antes do
casamento ou de uma união estável passaram de prática
condenada e pouco usual a aceita – ou, pelo menos, tolerada – por segmentos cada vez mais abrangentes da sociedade. Provavelmente, como sugerem os dados de vários países, os efeitos mais marcantes desta mudança
ocorreram nos países emergentes, onde o conservadorismo, a religiosidade e a ignorância a respeito do sexo eram
– e são ainda – mais arraigados. Por outro lado, é natural
que tenha sido justamente nas idades adolescentes e préadultas, até os 20 anos, que esta transformação tenha deixado marcas mais profundas, pois a atividade sexual, além
de estar, nestas idades, relativamente mais desvinculada
da procriação, aparece de forma crescente e notória já na
fase do namoro. Em contraposição, nos grupos adultos,
essa atividade sempre esteve, e continua a estar, muito
relacionada ao casamento, a uniões mais estáveis e à procriação. A conseqüência é um número absoluto e relativo
crescente de jovens que têm vida sexual ativa. Caso não
tenham os conhecimentos necessários para evitar os filhos indesejados, as taxas de fecundidade nestas idades
tendem a subir, até que a própria sociedade tome consciência do problema e tome as medidas adequadas para sua
diminuição tais como educação sexual nas escolas, campanhas públicas e privadas, etc. Como já mencionado, os
países que apresentaram aumento nas taxas foram justa-
30
FECUNDIDADE: TENDÊNCIAS E
mente os mais atrasados econômica e culturalmente. Suécia, França, Israel e Japão passaram pela mesma revolução sexual, sem sofrerem aumento nas taxas de fecundidade das adolescentes.
As observações anteriores devem ser confrontadas com
os dados do Estado de São Paulo. Na Tabela 5, verificase que a fecundidade do grupo de 15 a 19 anos das mães
com quatro anos ou menos de instrução é igual a 222 filhos por mil mulheres, cinco vezes mais alta do que a
daquelas com nove e mais anos de estudo, que é de 46.
Por outro lado, a diferença entre as TFT, que representam todas as idades, é de duas vezes apenas. Portanto, as
maiores diferenças de fecundidade, segundo o nível de
instrução, ocorrem no grupo de mulheres adolescentes, o
que mostra que o conhecimento sobre como controlar a
fecundidade, cada vez mais difundido na sociedade, inclusive nas camadas mais pobres e menos instruídas, é,
por si mesmo, um fator determinante da diminuição da
fecundidade nestes grupos etários, o que não significa,
no entanto, que seja o único. Por isto, espera-se que as
taxas diminuam no futuro. O problema é determinar qual
o nível e qual o ritmo desta redução.
A hipótese aqui proposta para projetar as taxas do grupo
de 15 a 19 anos levará em conta os fatos e observações
anteriormente apresentados, a saber:
- tendência de diminuição da fecundidade neste grupo
em quase todos os países, inclusive os da América Latina;
- aumento nas taxas neste grupo durante um certo período, com posterior tendência de queda em muitos países,
inclusive da América Latina;
- diferenças marcantes de fecundidade segundo o grau de
escolaridade das mulheres paulistas nesta faixa etária;
- tendência a ligeiro aumento da fecundidade neste grupo
no Estado de São Paulo, pelo menos até um nível de TFT
igual a 2,5 filhos por mulher.
A hipótese básica é a de que as taxas específicas de fecundidade do grupo de 15 a 19 anos subirão até que a TFT
decline ao nível de 2,5 filhos por mulher. Neste nível, estas taxas específicas sofrerão inflexão e começarão a baixar até o valor de 45 nascidos vivos por mil mulheres,
quando a TFT atingir o nível de 1,4 filhos por mulher.
PROJEÇÃO DO NÍVEL DA FECUNDIDADE
Para fins de análise complementar, foi estudada a relação entre as TFT de 1980 e 1992 e os Índices Socioeconômicos (ISE) correspondentes a 1990, elaborados e utilizados na Secretaria de Planejamento do Estado,6 e as
diferenças percentuais entre as TFT dos dois anos, para
as regiões de governo. A relação entre as TFT de 1992 e
os ISE resultou num alto coeficiente de correlação da ordem de 0,765, demonstrando que o nível de fecundidade
(TFT) das regiões de governo relaciona-se fortemente com
as condições socioeconômicas.7 Paradoxalmente, no entanto, as diminuições das TFT, nas regiões de governo,
na década, giram sempre entre 30% e 35%, independentemente do nível socioeconômico da região. O estudo da
relação entre esta queda da TFT de 1980 a 1992 não aponta
nenhuma participação dos fatores socioeconômicos, uma
vez que o coeficiente de correlação encontrado entre
ambas variáveis é praticamente nulo (0,074). Isto significa que a diminuição do nível da fecundidade no estado,
pelo menos a partir dos anos 80, é universal e acontece
tanto nas regiões mais quanto nas menos desenvolvidas.
Este fenômeno está sendo constatado também nas diferentes regiões do Brasil.
A teoria da difusão pode explicar este comportamento
novo no país. Esta teoria “surgiu nos anos 60. Tenta explicar o fato de que, em muitos países, a fecundidade diminuiu tão rápida e bruscamente que ficou difícil explicar esta queda através do desenvolvimento econômico.
Com efeito, a correlação entre desenvolvimento e nível
de fecundidade não é muito elevada, como ficou demonstrado em vários trabalhos feitos em vários países (...).
Guengant (...) mostra esta situação no Caribe de maneira
muito clara, pois os países aí incluídos têm hoje níveis de
fecundidade considerados de ‘Primeiro Mundo’, mas suas
economias ainda são, sem dúvida, de ‘Terceiro Mundo’.
Esta teoria tenta explicar a diminuição da fecundidade pela
difusão dos valores (ideologias, religiões) de certos segmentos da sociedade, países ou mesmo meios de comunicação para outros setores sociais ou países. Assim sendo,
por influência da TV Globo, por exemplo, as classes menos abastadas tenderiam a adquirir os hábitos e modos de
agir e pensar dos setores médios, dominantes nas teledramatizações dessa empresa de comunicação” (Campanário e Yazaki, 1994:87-88).
TABELA 5
Taxas Específicas de Fecundidade do Grupo Etário de 15 a 19 Anos e
Taxas de Fecundidade Totais e Índices,
segundo Classes de Anos de Estudo
Estado de São Paulo – 1986
Classes de
Anos de
Estudo
Taxas Específicas
de Fecundidade
(por mil mulheres)
Índice (1)
das
f(15-19)
Taxas de
Fecundidade
Totais
Índice (1)
das
TFT
Total
125
2,71
2,70
1,79
Menos de 4 Anos
222
4,83
3,14
2,08
5 a 8 Anos
98
2,13
2,38
1,58
9 Anos e Mais
46
1,00
1,51
1,00
MODELO DE PROJEÇÃO
Fonte: Godinho e Morell (1994).
(1) Base: 9 anos e mais = 1,00.
31
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
TABELA 6
Projeção Logística da Taxa de Fecundidade Total (TFT)
Regiões Administrativas – 1992-2030
Valores Estimados para a TFT (Hip. Média)
Regiões
Administrativas
1992
2000
2005
2010
2015
2020
2025
2030
Estado de São Paulo
2,28
1,878
1,734
1,642
1,586
1,552
1,521
1,519
Região Metropolitana de São Paulo
2,27
1,880
1,737
1,647
1,690
1,555
1,533
1,520
RA de Registro
3,28
2,281
2,094
2,030
2,010
2,003
2,001
2,000
RA de Santos
2,16
1,785
1,663
1,593
1,552
1,529
1,516
1,509
RA de São José dos Campos
2,45
1,943
1,764
1,655
1,590
1,552
1,530
1,517
RA de Sorocaba
2,59
2,022
1,814
1,686
1,608
1,563
1,536
1,521
RA de Campinas
2,22
1,860
1,727
1,642
1,588
1,554
1,533
1,520
RA de Ribeirão Preto
2,31
1,936
1,789
1,689
1,623
1,579
1,551
1,533
RA de Bauru
2,26
1,849
1,708
1,622
1,571
1,541
1,524
1,514
RA de São José do Rio Preto
2,01
1,703
1,611
1,561
1,533
1,518
1,509
1,505
RA de Araçatuba
2,08
1,740
1,634
1,574
1,541
1,523
1,512
1,507
RA de Presidente Prudente
2,18
1,787
1,662
1,591
1,550
1,528
1,515
1,508
RA de Marília
2,28
1,848
1,703
1,617
1,567
1,538
1,521
1,512
Fonte: Fundação Seade.
filhos por mulher); média-alta (1,7); média (1,5); e baixa
(1,3). No entanto, no caso específico da RA de Registro,
onde as TFT são tradicionalmente mais elevadas, tomaram-se valores também mais elevados: 2,4; 2,2; 2,0 e 1,8,
respectivamente. O cálculo foi feito para as 12 regiões
administrativas e o resultado encontra-se na Tabela 6, em
que se apresentam apenas os valores da projeção média.
Uma vez projetadas as TFT, pode-se facilmente encontrar as Taxas Específicas de Fecundidade correspondentes (Tabela 3).
Para efeito comparativo, mostram-se, na Tabela 7, os
valores das taxas específicas de fecundidade obtidos através de três estimativas diferentes: a do modelo proposto;
a obtida por Campanário e Yazaki (1994); e a do método
de Gompertz. Para este exemplo demonstrativo, foi utilizada uma TFT de 1,60 filhos por mulher. Foi encontrada
uma notável semelhança, nos principais grupos etários,
entre o modelo proposto e o calculado com a função de
Gompertz. Apesar de maiores, não são grandes as diferenças com o modelo proposto por Campanário e Yazaki,
construído através de seguimento de coortes. Este último
modelo não pode ser aplicado para as regiões de governo
por falta de uma série histórica de dados, sendo possível
apenas para o total do estado.
Parece que estes valores difundidos sobrepõem-se cada
vez mais aos fatores socioeconômicos na explicação da
queda da fecundidade. O Estado de São Paulo, ao que tudo
indica, estaria entrando numa etapa em que os valores
difundidos a respeito da fecundidade pesam cada vez mais
na explicação do nível e dos padrões da mesma.
As constatações anteriores, aliadas ao fato de que em
todos os países e regiões a fecundidade tende, no futuro,
a um nível baixo e estável, reforçam a idéia de adotar uma
função logística para a previsão das TFT por região de
governo. Com efeito, por um lado, a expressão matemática a ser utilizada deverá estar fortemente influenciada
pelo timing da queda, em torno de 30% ou 35% no período estudado e, por outro, no futuro, a função deverá ter
um valor-limite inferior que represente um nível de TFT
baixo e constante. Ora, a curva logística atende perfeitamente a estas duas condições, desde que se adote como
pontos centrais desta função os valores das TFT de 1980
e de 1992, uma TFT baixa como limite inferior (o k1 da
função), representando o futuro, e uma TFT alta como
limite superior (k1 + k2), representativa do passado.
Desta maneira, as TFT ainda diminuirão rapidamente
nos anos 90, sendo este decrescimento relativo cada vez
mais lento.8
Para o cálculo dos dois parâmetros, considerou-se que
k1 + k2 é sempre igual a 6,00, significando um valor de
TFT alto e representativo do passado, no Estado de São
Paulo. Para a projeção futura dos valores da TFT, foram
admitidas quatro hipóteses de limite mínimo (k1): alta (2,0
CONCLUSÕES
Sendo a fecundidade a variável demográfica que mais
influencia a estrutura etária de uma população, o estudo
32
FECUNDIDADE: TENDÊNCIAS E
4. Ver Levin (1987:362).
TABELA 7
5. fx = . Exp [ln (f i estimados)].
Distribuição das Taxas Específicas
de Fecundidade Projetadas para TFT em Torno
de 1,60 Filho por Mulher e Diferenças Percentuais,
por Três Métodos Diferentes
Em porcentagem
6. Ver Azzoni et alii (1993).
7. Ver Campanário e Yazaki (1994) e Godinho e Morell (1994).
8. A função logística adotada aqui é:
k2
Métodos
Idades
(em anos)
15 a 19
20 a 24
25 a 29
30 a 34
35 a 39
40 a 44
45 a 49
TFT
Modelo Campanário Função de
Proposto
e Yazaki
Gompertz
(a)
(b)
(c)
Diferença
entre
(a) e (b)
Diferença
entre
(a) e (c)
52,0
115,7
87,7
43,2
16,5
4,4
0,7
1,60
-14,9
+10,2
+0,1
+3,3
+7,8
-46,3
-30,0
0,0
+0,2
+2,1
-0,9
-4,6
-1,8
+12,8
+133,3
0,0
61,1
105,0
87,6
41,8
15,3
8,2
1,0
1,60
MODELO DE PROJEÇÃO
51,9
113,3
88,5
45,3
16,8
3,9
0,3
1,60
TFT(t - 80) = k1 + –--------------------------1 + EXP [a + b (t-80)]
onde:
TFT(t - 80) é a Taxa de Fecundidade Total num momento t que tem
como referência o ano 1980,
k1 é a assíntota inferior,
k1 + k2 é a assíntota superior e
a e b são os dois parâmetros da função.
Os parâmetros a e b são assim calculados:
k1 + k2 - TFT(80)
a = ln { ----------------------------}
TFT(80) - k1
Fonte: Campanário e Yazaki (1994); Chackiel (1982).
k1 + k2 - TFT(92)
b = 1 / (92-80) { ln ------------------------ - a }
de sua evolução torna-se condição sine qua non para se
efetuar projeções populacionais.
Embora haja uma série de métodos já propostos na literatura demográfica, optou-se por construir um novo
modelo que partisse da realidade paulista, visto que se
dispõe de uma longa série de dados de registro civil completos e confiáveis para o Estado.
Para a construção desse modelo, partiu-se da conhecida relação entre o nível e a estrutura da fecundidade, já
apontada em vários estudos. Esta relação é constatada
também no presente estudo, em primeiro lugar, através
dos altos coeficientes de correlação encontrados nas funções lineares entre as TFT e as idades médias da fecundidade e os desvios-padrões destas idades, estimados para
todas as regiões de governo, e, em segundo, pelas relações entre as taxas específicas de fecundidade para cada
grupo etário e as TFT das referidas regiões.
Os valores das TFTs são projetados segundo uma função logística e os das taxas específicas segundo as regressões exponenciais resultantes das relações observadas
entre as TFTs e as taxas específicas de cada grupo etário.
TFT(92) - k1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZZONI, C.R. et alii. "Como está a produção paulista? Alguns indicadores econômicos". Como está São Paulo; as pessoas/a produção/os municípios/o
meio ambiente. São Paulo, Secretaria de Planejamento e Gestão, Coordenadoria de Planejamento Regional. Fundação Seade, Fundação Prefeito Faria
Lima, Secretaria de Meio Ambiente, 1993.
CAMPANÁRIO, P. e MORELL, M.G.G. "Hipótese da homogeneização da fecundidade: cotejo com dados de São Paulo". IX Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Anais... Belo Horizonte, v.2, Associação Brasileira
de Estudos Populacionais – Abep, 1994, p.77.
CAMPANÁRIO, P. e YAZAKI, L.M. "A fecundidade em São Paulo e suas regiões de governo: níveis e tendências". A fecundidade da mulher paulista.
São Paulo, Fundação Seade, 1994.
CARVALHO, J.A.M. e WONG, L.R. “La transición de la fecundidad en el Brasil. Causas y consequencias”. Trabalho apresentado no Seminário sobre
Transición de la Fecundidad en America Latina. Buenos Aires. IUSSP, 1990.
CHACKIEL, J. “Proyección de la fecundidad: criterios e procedimientos utilizados en Celade”. Seminario de Proyecciones de Población. Documento de
Discusión. San José, Celade, 1982.
GODINHO, R. e MORELL, M.G.G. "Uma análise diferencial da fecundidade
segundo variáveis socioeconômicas (1980-1986)". A fecundidade da mulher paulista. São Paulo, Fundação Seade, 1994.
LEVIN, J. Estatística aplicada a ciências humanas. São Paulo, Editora Harper
& Row do Brasil Ltda., 1987, p.362.
NOTAS
NOTESTEIN, F.W. “Population: the long view”. Food for the world. Schultz,
T.W. Chicago, University of Chicago Press, 1945.
1. Taxa específica de fecundidade ou taxa de fecundidade por idades é o quociente
entre o número de nascidos vivos de mães de determinado grupo etário pela população feminina deste mesmo grupo etário.
UNITED NATIONS. Demographic Yearbook. New York, Department of
International Economic and Social Affairs, Statistical Office, 1975, 1976 e
1991.
2. A TFT é definida como o número médio de filhos nascidos vivos tidos por
mulher no decorrer de seu período fértil, dos 15 aos 49 anos de idade.
__________ . Manual X; Indirect techniques for demographic estimation. New
York, Department of International Economic and Social Affairs, Population
Studies, n. 81, ST/ESA/SER.A/81, 1983, p.25.
3. Entende-se por cúspide da curva de fecundidade o ponto mais alto que ela
atinge nos intervalos de idade, ou seja, que grupo etário tem mais alta taxa de
fecundidade. Esta cúspide se diz tardia quando atinge este máximo no grupo de
25 a 29 anos, precoce quando no grupo de 20 a 24 anos, e dilatada quando ambos os grupos tem taxas bem semelhantes.
__________ . Patterns of fertility in low-fertility settings. New York, Department
of Economic and Social Development, ST/ESA/SER.A/131, 1992.
WONG, L.R. "Tendência e perspectiva de fecundidade no Estado de São Paulo". Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.19, 1986.
33
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE
DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO
uma trágica tendência
CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA
Demógrafo, Analista da Fundação Seade
LUCIANE LESTIDO CASTIÑEIRAS
Analista da Fundação Seade
A
evolução da esperança de vida ao nascer da população paulista está associada a transformações
profundas na composição das causas de morte e
no padrão etário da mortalidade. A teoria da transição
epidemiológica, tal como foi formulada por Omran
(1983), considera que durante a transição ocorrem mudanças nos padrões de morbidade e mortalidade, verificando-se uma substituição gradual das ocorrências de
doenças infecciosas pelas doenças degenerativas e aquelas provocadas pelo homem. Além disso, esta teoria considera que as mudanças mais intensas nestes padrões são
observadas entre as crianças e mulheres jovens, uma vez
que estes grupos populacionais são mais atingidos pelas
causas infecciosas e parasitárias. Na medida em que a saúde pública e o saneamento básico reduzem a incidência
dessas doenças, acentua-se o diferencial de mortalidade por
sexo, com a esperança de vida elevando-se mais rapidamente entre as mulheres. Mais recentemente, Ruzicka
(1990) propôs uma classificação para os países, dividindoos em quatro grupos de acordo com a etapa da transição
epidemiológica alcançada, baseada em informações sobre
mortalidade, composição das causas de morte e esperança
de vida ao nascer. O Brasil encontrar-se-ia no estágio intermediário da transição epidemiológica, sendo incluído no
segundo grupo dos países em que, apesar das doenças crônico-degenerativas já aparecerem como as principais causas, as infecciosas e parasitárias ainda representam uma
parcela considerável dos óbitos (Laurenti, 1990). Seguindo esta linha de raciocínio, o Estado de São Paulo estaria
mais próximo das características do primeiro grupo, que
engloba os países de baixa mortalidade, onde as doenças
do aparelho circulatório, os neoplasmas e as causas externas são responsáveis pela maior parte dos óbitos.
Nesta última década, os processos da transição vêm
apontando para alterações inesperadas devido ao surgimento de novas doenças, ao reaparecimento de outras do
passado e às variações nas tendências de algumas doenças crônico-degenerativas, que suscitam uma reflexão
mais aprofundada sobre os novos caminhos e perspectivas, tendo em vista as manifestações cada vez mais freqüentes de casos de retrocesso a níveis e características
da mortalidade do passado. A epidemia de Aids, que tem
surpreendido os especialistas em várias partes do mundo,
também surpreende em São Paulo pela velocidade de sua
propagação (Waldvogel, 1992). As estatísticas vitais de São
Paulo revelam, por exemplo, que em 1994 o número de
óbitos provocados pela Aids equivalia à soma de todas as
ocorrências de doenças infecciosas e parasitárias (Camargo,
1996), sendo que a população dos jovens adultos é o grupo
mais atingido. É nesta faixa etária que se concentram também as mortes violentas. A tendência ascendente das taxas de mortalidade por estas causas vem provocando o
aumento progressivo dos riscos de morte entre os jovens
adultos em todo o Estado de São Paulo e mais intensamente na Região Metropolitana de São Paulo. É verdade
que se trata de um fenômeno mundial, mas o que se destaca aqui é a elevada intensidade dos índices registrados. Para
1991, verifica-se que os níveis de mortalidade alcançados
pela população masculina em torno dos 20 anos de idade
haviam retrocedido a patamares de 1950, acarretando uma
mudança inédita no padrão etário da mortalidade paulista. O objetivo deste artigo é apresentar algumas características destas transformações que vêm ocorrendo nos
perfis da mortalidade no Estado de São Paulo, como contribuição para a elaboração de cenários futuros da evolução da mortalidade e projeções de população.
34
O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO...
EVOLUÇÃO DA VIDA MÉDIA PAULISTA:
A QUEDA SELETIVA DA MORTALIDADE
TABELA 1
Evolução da Esperança de Vida ao Nascer
Estado de São Paulo – 1940-1991
Em anos
A esperança de vida ao nascer do Estado de São Paulo, para 1991, foi estimada em 68,85 anos. Este indicador
tem sido muito utilizado pelos demógrafos para sintetizar as condições de mortalidade que prevalecem na população em um determinado momento, uma vez que é de
fácil compreensão e reflete um conceito muito concreto,
ou seja, o tempo de vida médio de um ser humano. Por
outro lado, trata-se de uma construção abstrata desenvolvida a partir de um modelo – a tábua de mortalidade de
momento –, já que nenhuma geração real viveria desde o
nascimento até a sua extinção total sob as mesmas condições de mortalidade.
A principal vantagem deste indicador é a de não sofrer influência da estrutura etária da população e de permitir, portanto, uma comparação adequada no tempo e
no espaço. As estatísticas de mortalidade produzidas pela
Fundação Seade possibilitam a construção periódica de
tábuas de mortalidade de momento e, conseqüentemente, o acompanhamento da esperança de vida e outros indicadores mais detalhados da mortalidade ao longo do tempo. As tábuas disponíveis referem-se ao período 1940-91,
sendo que para 1970, 1980 e 1991 foram também desagregadas por regiões administrativas.
Em 1940, a esperança de vida ao nascer do Estado de
São Paulo era de 44,29 anos para a população masculina
e de 46,68 anos para a feminina. Em 1991, estas cifras passaram a 64,87 e 73,24 anos, respectivamente (Tabela 1).
Isto significa um acréscimo de cerca de vinte anos e meio
de vida média para os homens e vinte e seis anos e meio
para as mulheres. Embora seja um progresso considerável, São Paulo ainda conserva uma distância importante
com relação às sociedades mais desenvolvidas. Como
exemplo, verifica-se que o Estado de São Paulo, em 1991,
situava-se no patamar de esperança de vida alcançado pela
França em torno de 1960. Esta defasagem certamente foi
agravada pelas crises e retrocessos ocorridos durante o
processo evolutivo da mortalidade no estado, como o aumento da mortalidade infantil durante quase dez anos
desde meados da década de 60 e, mais recentemente, a
explosão de mortes por violência na população masculina, causando uma elevação significativa da mortalidade
entre os jovens adultos.
A evolução da esperança de vida no período 1940-91
caracteriza-se por ganhos importantes de anos de vida
média, nas décadas de 40 e 50, e por uma diminuição sistemática desses ganhos ao longo das décadas subseqüentes (Tabela 1).
É conhecido o impacto positivo sobre as condições
de saúde durante as décadas de 40 e 50, causado pelas
Anos
1940
1950
1960
1970
1980
1991
População
Feminina
População
Masculina
e0
incremento
44,29
52,75
59,04
59,32
63,30
64,87
8,46
6,29
0,28
3,98
1,57
e0
46,68
55,89
63,67
65,48
70,02
73,24
incremento
Diferença
Entre os Sexos
e0(fem.) – e0(masc.)
9,21
7,78
1,81
4,54
3,22
2,39
3,14
4,63
6,16
6,72
8,37
Fonte: Ferreira (1980); Ortiz e Yazaki (1984).
medidas adotadas na área da saúde pública e do saneamento básico pela introdução dos antibióticos e pela conseqüente redução da incidência e letalidade, ou mesmo
erradicação, de muitas doenças infecciosas e parasitárias. Desta forma, as mortes precoces foram reduzidas substancialmente com reflexos diretos sobre a vida média da
população. A população infantil, que geralmente representa o setor populacional mais sensível às agressões do
meio ambiente, foi beneficiada pela redução muito rápida dos riscos de morte por doenças infecciosas, que
produziu um impacto decisivo no mecanismo demográfico de elevação da esperança de vida ao nascer, ou seja,
a transferência da morte de uma idade mais jovem para
outra mais avançada.
Durante a década de 60 e a primeira metade da de 70,
os fatores determinantes do processo já não produziam
os mesmos efeitos. Em primeiro lugar, foi alcançada uma
redução importante da incidência das doenças infecciosas, de forma que os ganhos, a partir daí, passaram a ser
sistematicamente menores. Em segundo, o rápido crescimento populacional das cidades não foi acompanhado pela
expansão, no mesmo ritmo, da infra-estrutura urbana de
serviços básicos. Isto acarretou um rápido processo de
deterioração da qualidade de vida nos setores periféricos
das grandes cidades, aumentando sensivelmente os diferenciais de mortalidade entre o centro e a periferia urbana. Como reflexo direto destes fatores e do agravamento
das condições socioeconômicas, a mortalidade infantil
inverteu a tendência histórica e passou a apresentar aumentos sistemáticos desde meados da década de 60 até a
primeira metade dos anos 70. Porém, ainda na década de
70, as intervenções governamentais na área da saúde, com
ênfase na expansão da rede de água e esgoto, da rede de
serviços básicos, de atendimento médico-sanitário, da cobertura de vacinas, etc. resultaram em ganhos estatisticamente mais visíveis através dos indicadores de saúde. Este
novo comportamento interferiu, de forma direta, na di-
35
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
minuição das taxas de mortalidade infanto-juvenil e adulta
e no aumento da esperança de vida calculada para 1980.
A eliminação de mortes tão precoces teve um forte impacto na esperança de vida ao nascer, representando uma
retomada do processo anterior, após um longo período de
retrocesso das condições da mortalidade infantil.
Durante a década de 80, continuou a tendência de redução dos riscos de morte da população infanto-juvenil, o
que representou uma contribuição importante para o crescimento da esperança de vida ao nascer. Nas demais faixas etárias, observa-se o seguinte comportamento: para a
população masculina, houve aumento da mortalidade na
faixa etária de 15 a 39 anos e quase estabilidade naquela
acima dos 40 anos; para a população feminina, registrouse redução da mortalidade em todas as faixas etárias.
Estas tendências diferenciadas por idade e sexo explicam porquê a esperança de vida masculina aumentou bem
menos que a feminina (1,57 anos contra 3,22) no período
1980-91. Enquanto a mortalidade, para as mulheres, diminuiu em praticamente todas as idades, o que representa uma somatória de ganhos em termos de vida média,
para os homens, os ganhos obtidos com a redução da
mortalidade infanto-juvenil foram parcialmente anulados
pelo forte aumento da mortalidade dos jovens adultos.
AMPLIAÇÃO DAS DIFERENÇAS DE
MORTALIDADE ENTRE HOMENS E MULHERES
Uma forte característica da evolução da mortalidade em
São Paulo é a rápida ampliação da diferença entre a esperança de vida feminina e a masculina, que passou de 2,39
anos, em 1940, para 8,37 anos, em 1991 (Tabela 1). Isto
resulta, por sua vez, de diferenças por idade, que também
sofreram modificações ao longo do tempo.
A evolução do padrão etário destas diferenças fica mais
nítida através da construção de curvas que representam a
relação entre o nível da mortalidade masculina e o da feminina para cada faixa etária qüinqüenal, ou seja: qm qf,
5 x 5 x
sendo que qm e qf são as probabilidades de morte mas5 x
5 x
culinas e femininas, respectivamente para cada grupo
qüinqüenal de idade.
É evidente que, quando o valor da relação for igual a 1, o
nível da mortalidade é o mesmo para homens e mulheres.
Este valor unitário da relação está assinalado no Gráfico 1
por uma linha reta correspondente ao valor 1 do eixo das
ordenadas. Desta forma, quanto maior for o deslo-camento
das curvas acima desta reta, maior será a sobremortalidade
masculina, enquanto os deslocamentos para baixo da linha
indicam uma sobremortalidade feminina.
GRÁFICO 1
Índices de Sobremortalidade Masculina, Segundo Faixas Etárias
Estado de São Paulo – 1940-1991
qmx /qfx
Faixas Etárias
(em anos)
Fonte: Ferreira (1980); Ortiz e Yazaki (1984); Ferreira e Castiñeiras (1996).
36
O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO...
Através do Gráfico 1, observa-se a ampliação da sobremortalidade masculina no período 1940-91, sendo que
de 1980 a 1991 o agravamento das diferenças foi muito
rápido. Além disso, verifica-se que as maiores diferenças
localizam-se na faixa etária correspondente aos jovens
adultos. Este fenômeno vem ocorrendo em diversos países, inclusive nos mais desenvolvidos, onde se nota um
aumento dos riscos de morte da população masculina em
uma faixa etária que corresponde aproximadamente às idades acima de 15 anos e abaixo de 40 anos. Este agravamento está associado ao crescimento da mortalidade por
causas externas e da Aids, que atingem com maior intensidade a população masculina.
As curvas representadas no Gráfico 1 também mostram
a transição da sobremortalidade feminina nas idades da
procriação, ainda muito visível na curva de 1940, para
uma situação de sobremortalidade masculina. Esta transição foi marcada por duas tendências que convergiam: a
redução rápida da mortalidade materna e o aumento rápido da mortalidade masculina por causas externas.
GRÁFICO 2
Probabilidades de Morte q(x), por Sexo
Estado de São Paulo – 1940-1991
Homens
qx
1
0,1
0,01
TENDÊNCIAS RECENTES
DA MORTALIDADE POR IDADE
Idade
0,001
1
A origem da concentração das diferenças entre os jovens adultos fica mais nítida quando se observam as tendências dos riscos de morte em cada faixa etária, tanto
para a população masculina como para a feminina, no
período 1940-91. No Gráfico 2, foram representadas as
probabilidades de morte q(x) masculinas e femininas para
todas as faixas etárias qüinqüenais até 75-79 anos, sendo
que as duas primeiras são de 0 a 1 ano e de 1 a 4 anos de
idade.
O conjunto de curvas demonstra as mudanças no padrão etário da mortalidade masculina causadas pela tendência de aumento da mortalidade nas faixas etárias de
15 a 39 anos de idade. Cabe destacar que, nas faixas etárias de 15 a 19 e 20 a 24 anos, as probabilidades de morte
q(x), em 1991, superam os níveis observados 40 anos
antes. Trata-se de um retrocesso muito intenso nos níveis de mortalidade, que distorce o padrão anterior da
mortalidade masculina, diferenciando-o fortemente do
padrão de mortalidade feminina, que mantém aproximadamente a mesma estrutura das décadas anteriores. Esta
tendência também vem ocorrendo em vários outros países, inclusive nos mais desenvolvidos, porém, em geral,
com intensidade inferior à de São Paulo e está diretamente associada à evolução de algumas causas de morte
que serão analisadas em seguida.
Diante da rápida elevação dos níveis de mortalidade
da população masculina, nas idades situadas entre 15 e
39 anos, cabe examinar mais detalhadamente as tendên-
10
20
30
40
50
60
70
Mulheres
qx
1
0,1
0,01
Idade
0,001
1
10
20
30
40
50
60
70
1940
1950
1960
1970
1980
1991
Fonte: Ferreira (1980); Ortiz e Yazaki (1984); Ferreira e Castiñeiras (1996).
37
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
giu o risco máximo observado, seguido por um curto período de decréscimo até 1992; e de 1993 a 1994, quando
foram registrados aumentos sucessivos sem, contudo, alcançar o nível máximo observado em 1989. É importante
salientar que a taxa de mortalidade por causas externas
passou de um patamar da ordem de 150 por 100.000 habitantes, em 1980, para um outro acima de 200 óbitos por
100.000, em 1991. Este aumento da mortalidade por causas externas foi decisivo na tendência geral da mortalidade masculina no grupo etário de 15 a 39 anos. Dentre as
causas externas que atingem a população masculina nesta
faixa etária, os homicídios aparecem em primeiro lugar,
seguidos pelos acidentes de veículo a motor. Com relação
às demais causas de morte agrupadas nos capítulos selecionados, não se verifica uma tendência nítida de aumento, prevalecendo uma certa estabilidade ou um pequeno
decréscimo, como por exemplo, as doenças do aparelho
circulatório, a partir de 1989. Resta então o caso da epidemia de Aids, que se destaca pela rápida ascensão entre 1988
e 1994 e que representa um outro fator de risco crescente
que se soma àqueles associados com as causas externas. É
importante ressaltar que a taxa de mortalidade por Aids, a
partir de 1991, passou a superar todas as taxas calculadas
por capítulo, com exceção daquelas referentes às causas
externas.
Para a população feminina, o panorama é bem diferente do anterior. Primeiramente, os níveis de mortalidade são
cias das principais causas de morte no estado, com o objetivo de uma melhor caracterização do comportamento
evolutivo de cada uma delas, em especial o grupo das
causas externas e a Aids.
As estatísticas de mortalidade produzidas pela Fundação Seade encontram-se disponíveis em uma base de
dados que contempla o conjunto de informações coletadas nas declarações de óbitos. Para o desenvolvimento
desta análise, consideraram-se os óbitos de residentes no
Estado de São Paulo classificados por causa básica, faixa etária e sexo, no período 1980-94, e as estimativas da
população, também por faixa etária e sexo, para o mesmo período.
A partir daí, foram elaboradas as taxas de mortalidade para a faixa etária de 15 a 39 anos, adotando, como
critério de classificação para as causas de morte, os Capítulos da Classificação Internacional de Doenças (9a revisão). Foram selecionados alguns capítulos de maior
peso para efeito de comparação com aquele das causas
externas. A mortalidade por Aids foi considerada isoladamente, mesmo se tratando de uma causa específica (classificação com 4 dígitos), devido à sua elevada incidência e
rápido crescimento nesta faixa etária (Gráfico 3).
No caso da mortalidade masculina, verifica-se o papel predominante das causas externas com relação aos
demais capítulos, sendo que sua tendência de aumento
ocorre em duas etapas: de 1980 a 1989, quando se atin-
GRÁFICO 3
Taxas de Mortalidade da População de 15 a 39 Anos, por Sexo, Segundo Grupos de Causas
Estado de São Paulo – 1980-94
Homens
Mulheres
Por 100.000 hab.
Por 100.000 hab.
Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade.
38
O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO...
Fica evidente, portanto, o caráter determinante das
causas externas e da Aids nas taxas de mortalidade da
população masculina de 15 a 39 anos. Já para as mulheres nesta mesma faixa etária, estas causas têm menor peso
relativo e dividem sua influência com outros capítulos que
se destacam isoladamente, como é o caso das doenças do
aparelho circulatório que apresentaram uma tendência de
decréscimo importante, contribuindo significativamente
para a resultante final.
bem inferiores aos dos homens, tornando necessária uma
adaptação da escala do gráfico para uma melhor visualização das tendências. Em segundo lugar, as taxas por causas externas, além de bem inferiores, oscilam muito ao
longo do período de observação: identifica-se um acréscimo sistemático entre 1980 e 1986 e um posterior decréscimo até 1992, voltando a apresentar taxas crescentes em 1993 e 1994, tal como se verificou para a população
masculina. Dentre as causas externas que atingem a população feminina, as de maior peso são os acidentes de
veículos a motor e os homicídios. Quanto aos demais capítulos selecionados, cabe destacar a nítida tendência de
queda observada nas taxas de mortalidade por doenças do
aparelho circulatório: em 1980, igualavam-se ao nível do
capítulo das causas externas, diminuindo sistematicamente, em seguida, até 1991, quando atingiram um mínimo que
representava cerca de dois terços do nível inicial e mantendo-se estáveis de 1991 a 1994. As taxas por neoplasmas apresentaram uma ligeira tendência de acréscimo e
os demais capítulos registraram pequeno declínio.
As taxas de mortalidade por Aids da população feminina cresceram rapidamente a partir de 1988, superando
os níveis de vários capítulos e se igualaram, em 1994, às
taxas de mortalidade por neoplasmas. Se esta tendência
continuar, em pouco tempo a mortalidade por Aids, na
faixa etária de 15 a 39 anos, será predominante, tal como
já acontece no grupo mais reduzido de 20 a 34 anos.
VIVE-SE MAIS NO INTERIOR DO QUE NA
REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO
As esperanças de vida ao nascer calculadas para a Região Metropolitana de São Paulo e para o interior do estado, com referência ao ano de 1991, indicam diferenças
regionais importantes, com mais vantagem para a população interiorana. Os resultados mostram que a esperança de vida ao nascer da população masculina residente no
interior é 2,6 anos superior àquela dos homens residentes
na Região Metropolitana e 2,3 anos à da capital, significando um risco de morte mais elevado na área metropolitana do que no restante do estado. Com relação à população feminina, as diferenças são pequenas, mas também
favorecem o interior. Ao se desagregar a análise no âmbito das regiões administrativas do estado, constata-se que
o interior também apresenta grandes disparidades dentro
TABELA 2
Esperança de Vida ao Nascer, por Sexo
Regiões Administrativas do Estado de São Paulo – 1980-1991
Homens
Mulheres
Regiões Administrativas
Estado de São Paulo
Região Metropolitana de São Paulo
Município de São Paulo
Interior de São Paulo
RA de Registro
RA de Santos
RA de São José dos Campos
RA de Sorocaba
RA de Campinas
RA de Ribeirão Preto
RA de Bauru
RA de São José do Rio Preto
RA de Araçatuba
RA de Presidente Prudente
RA de Marília
RA Central
RA de Barretos
RA de Franca
1980
1991
Incremento
1980
1991
63,30
62,65
63,58
64,17
60,58
61,88
63,71
61,83
64,62
64,88
63,89
66,45
66,23
66,25
64,06
65,98
63,77
64,24
64,87
63,51
63,90
66,18
64,99
62,66
65,61
64,81
66,29
66,68
66,45
68,06
67,56
68,89
66,69
67,82
66,47
67,44
1,57
0,86
0,32
2,01
4,41
0,78
1,90
2,98
1,67
1,80
2,56
1,61
1,33
2,64
2,63
1,84
2,70
3,20
70,02
69,85
70,83
70,73
69,64
70,51
70,23
67,85
71,68
72,11
70,29
72,45
71,47
71,92
69,90
71,72
70,92
69,93
73,24
72,89
73,64
73,59
72,32
72,20
72,43
71,38
74,32
74,11
74,04
75,00
75,36
74,62
73,95
74,34
73,34
73,96
Fonte: Ferreira e Castiñeiras (1996).
39
Incremento
3,22
3,04
2,81
2,86
2,68
1,69
2,20
3,53
2,64
2,00
3,75
2,55
3,89
2,70
4,05
2,62
2,42
4,03
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
TABELA 3
Probabilidades de Morte q(x), por Sexo, Segundo Grupos de Idade
Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1991
Estado de
São Paulo
Grupos
de Idade
Região Metropolitana de
São Paulo
Interior
Homens
Mulheres
Homens
Mulheres
Homens
Mulheres
0 a 14 Anos
0,04055
0,03203
0,04302
0,03382
0,03810
0,03014
15 a 24 Anos
0,02844
0,00703
0,03752
0,00728
0,01975
0,00677
25 a 39 Anos
0,06219
0,02025
0,07124
0,02074
0,05300
0,01981
40 a 64 Anos
0,29760
0,16467
0,31005
0,16918
0,28662
0,16040
65 a 80 Anos
0,57776
0,42206
0,59569
0,42614
0,56435
0,41840
Fonte: Ferreira e Castiñeiras (1996).
de seu contorno. Os maiores níveis de esperança de vida
ao nascer, para os homens, foram registrados nas regiões
de Presidente Prudente (68,89), São José do Rio Preto
(68,06) e Central (67,82) e, para as mulheres, em Araçatuba (75,36), São José do Rio Preto (75,00) e Presidente
Prudente (74,62). As regiões que apresentaram as menores cifras foram Santos (62,66), Região Metropolitana de
São Paulo (63,51) e Capital (63,90), para os homens, e
Sorocaba (71,38), Santos (72,20) e Registro (72,32), para
as mulheres.
É evidente que estas diferenças regionais não se distribuem homogeneamente em todas as faixas etárias, sendo
que algumas idades contribuem mais que as outras para
este comportamento. Com a finalidade de analisar as diferenças por este ângulo, recorreu-se aos indicadores de
mortalidade por idade q(x) (probabilidade de morte específica por faixa etária), apresentados na Tabela 3.
Através dos dados da Tabela 3, constata-se que o risco
de morte para os habitantes do interior é inferior em relação aos da Região Metropolitana de São Paulo para todas
as faixas etárias, mas de forma muito diferenciada. As
menores diferenças entre estas duas áreas foram registradas na faixa de população mais idosa (65 anos e mais),
seguida da faixa mais jovem (0 a 14 anos). Para os homens, o risco de morte na faixa etária de 15 a 24 anos é
quase duas vezes maior na Região Metropolitana do que
no interior e no grupo de 25 a 39 anos as diferenças são
da ordem de 34%. Já para a população feminina, estas
diferenças são relativamente pequenas. Os riscos de morte
da população acima de 15 anos de idade, agravados pelos
acidentes e violências, sobretudo os homicídios e aciden-
tes de trânsito, atingem com mais intensidade a população
masculina residente na Região Metropolitana e são determinantes na explicação dos diferenciais encontrados entre Região Metropolitana e interior.
COMENTÁRIOS FINAIS
As novas tendências da mortalidade no Estado de São
Paulo estão associadas às transformações importantes na
composição das causas de morte e, conseqüentemente, no
padrão etário dos riscos de morte.
Os resultados das análises aqui realizadas constituem
insumos para o delineamento de cenários futuros da evolução da mortalidade dentro do modelo mais geral, adotado pela Fundação Seade, de projeção da população.
O impacto do rápido aumento da mortalidade dos jovens adultos sobre a esperança de vida ao nascer vem
adquirindo importância e, no futuro próximo, poderá ser
responsável pela estagnação ou mesmo diminuição da
esperança de vida. A velocidade do crescimento das taxas de mortalidade por Aids e o aumento dos riscos de
morte por homicídios adquirem um peso ainda maior ao
atingirem especialmente uma população jovem. A elevada freqüência de mortes precoces, que caracterizava o
passado e respondia pelos níveis baixos de esperança de
vida, está ressurgindo por outra razões, com ênfase em
outras faixas etárias, e já revela as suas conseqüências sobre
a evolução da vida média da população paulista.
Para se ter uma idéia mais concreta sobre este impacto, realizou-se um simples exercício de simulação para
responder à seguinte questão: qual seria a esperança de
40
O RÁPIDO AUMENTO DA MORTALIDADE DOS JOVENS ADULTOS EM SÃO PAULO...
FERREIRA, C.E.C. “Tábuas abreviadas de mortalidade para o Estado de São
Paulo – 1939/41, 1949/51, 1959/61, 1969/71”. Informe Demográfico. São
Paulo, Fundação Seade, n.4, 1980.
vida ao nascer, em 1991, se os níveis de mortalidade da
população masculina na faixa etária de 15 a 39 anos de
idade não tivesse piorado no período 1980-91?
A resposta seria um aumento da esperança de vida ao
nascer, na capital, de 1,66 ano, ou seja, um ganho cinco
vezes maior do que o realmente registrado entre 1980 e
1991. Quanto ao estado, o ganho seria de aproximadamente um ano de vida média.
A importância desse impacto dependerá, em última análise, da tendência futura das causas de morte mencionadas
anteriormente. De qualquer maneira, já se atingiu uma certa
aceleração, cuja inércia poderá realimentar os mecanismos
de deterioração dos ganhos de vida média até provocar uma
reversão total na evolução histórica da esperança de vida da
população paulista. Uma trágica tendência.
FERREIRA, C.E.C. et alii. Reconstrução das tábuas de vida regionais de 1980
para as novas regiões administrativas do Estado de São Paulo. São Paulo,
Fundação Seade, 1995, mimeo.
FERREIRA, C.E.C. e CASTIÑEIRAS, L.L. Novas tábuas de vida regionais para
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CAMARGO, A.B.M. Transição epidemiológica no Brasil: evolução e novos fatos.
(Apresentado em Seminário sobre Previdência Social. Brasília, 1996).
41
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO
NA GRANDE SÃO PAULO
PAULA MONTAGNER
Economista, Analista da Fundação Seade
SANDRA MÁRCIA CHAGAS BRANDÃO
Economista, Analista da Fundação Seade
E
nquanto movimento de deslocamento populacional inter e intra-regional, a migração é usualmente associada à busca, por indivíduos e famílias,
de melhores oportunidades socioeconômicas. Além dos
fatores de expulsão identificáveis na região de origem,
esta motivação pode ser associada a vários fatores de atração, dentre os quais cabe destacar:
- o acesso a bens e serviços de consumo coletivo mais
modernos e/ou adequados, o que, no caso brasileiro, tendeu a significar a migração do campo e de pequenas cidades para os grandes centros urbanos. Na década de 80,
a direção deste movimento sofreu relativa alteração e as
cidades de porte médio adquiriram maior importância
como destino dos fluxos migratórios. Em parte, esta mudança pode ser relacionada aos crescentes custos, em termos de qualidade de vida, de residir em grandes metrópoles;
50 anos precedentes. Deve ser destacado que esta reversão pode ser explicada, em grande medida, pela forte evasão populacional observada na capital paulista, que registrou saldo migratório negativo de 756 mil pessoas no
período 1980-91.
Explicar os determinantes desta reversão de tendência
e identificar as possibilidades de sua continuidade nas
próximas décadas são tarefas instigantes que permitirão
subsidiar o planejamento de múltiplas políticas e ações
na região. Uma das formas de tentar compreender os resultados migratórios da década de 80 e pensar suas características no futuro é a análise do comportamento do
mercado de trabalho regional, visto que um dos determinantes da intensa migração dos anos 70 foi o extraordinário ritmo de criação de postos de trabalho na RMSP.
Trata-se, contudo, de um exercício sujeito a grandes incertezas, devido à instabilidade que ainda caracteriza a
economia brasileira, na qual a idéia de longo prazo persiste como uma referência muito abstrata, e às possibilidades de transformações estruturais colocadas pela crescente abertura ao comércio exterior e pelo atual momento
tecnológico e produtivo internacional.
Consideradas estas questões, o objetivo do presente
artigo é estudar a evolução do mercado de trabalho metropolitano no período 1985-95, buscando discutir as características do processo de demanda e de oferta de postos de trabalho e identificar comportamentos que possam
ter provocado fragilização do potencial de atração de
migrantes pela RMSP. A escolha da segunda metade dos
anos 80 como ponto de partida do estudo decorre do fato
de a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), fonte de
informações utilizada no trabalho, ter sido iniciada em
outubro de 1984.
- a tentativa de obter um posto de trabalho qualitativamente melhor, que viabilize maior renda individual e familiar, propiciando ampliação da cesta de consumo passível de aquisição, e permita a ascensão social, movimento
que, no Brasil, tem sido determinado fundamentalmente
pela forma de inserção no mercado de trabalho.
Considerados estes dois aspectos, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) foi, até os anos 70, o principal pólo de atração populacional no Brasil. No período
1970-80, por exemplo, o saldo migratório superou dois
milhões de pessoas, tornando a migração o principal fator explicativo do crescimento da população na metrópole (Fundação Seade, 1993). Nos anos 80, ao contrário, o
saldo migratório tornou-se negativo e a região perdeu 275
mil habitantes entre 1980 e 1991, movimento inédito nos
42
MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO
O artigo é subdividido em quatro itens. No primeiro,
são descritos os aspectos centrais da evolução do mercado de trabalho da RMSP no período 1985-95, com ênfase
na mudança de patamar da taxa de desemprego e na perda de participação do emprego industrial, fenômenos observados na década de 90. No segundo, são analisadas
as tendências básicas da evolução das taxas de participação e de ocupação por sexo e faixa etária, visando
associar mudanças na possibilidade de obter trabalho
verificadas para determinadas parcelas populacionais e
seus possíveis efeitos sobre os movimentos migratórios.
No terceiro, é estudada a trajetória do nível ocupacional
das diversas atividades desenvolvidas na região, de forma a caracterizar a inserção dos indivíduos no contingente de ocupados e identificar as principais alterações
ocorridas no período em análise. O último item apresenta a evolução do perfil dos desempregados, buscando
enfatizar as transformações ocorridas na primeira metade dos anos 90 e suas conseqüências sobre a situação
socioeconômica de indivíduos e famílias.
a atratividade da região, que o desempenho do nível ocupacional fosse bastante expressivo.
A participação dos ocupados na População em Idade
Ativa (PIA) mostra que o intenso dinamismo do emprego
na década de 70, quando o nível de ocupação chegou a
expandir-se a taxas superiores às de crescimento da população, não se repetiu. Na comparação entre os anos
extremos do período em análise, a parcela ocupada da PIA
era idêntica (53,0%). Isto indica que a maior demanda por
postos de trabalho teve como contrapartida o aumento do
desemprego.
Assim, a parcela desempregada da PIA cresceu de
7,3%, em 1985, para 8,1%, em 1995, após ter atingido
5,3%, em 1989, e 9,4%, em 1992, melhor e pior ano, respectivamente, quanto ao desempenho desta variável na
RMSP. A estimativa do contingente desempregado passou de 777.000 pessoas para 1.085.000 pessoas, nos anos
extremos da série.
Em termos quantitativos, ocorreu, portanto, uma significativa deterioração das condições do mercado de trabalho na RMSP. O distanciamento entre o crescimento
da força de trabalho e o do nível ocupacional, tendo como
conseqüência a elevação do desemprego, tenderia a atuar
– isolados todos os demais fatores – como um desestímulo ao deslocamento inter-regional em busca de oportunidades de trabalho. Como o perfil ocupacional da região
também se alterou, cabe analisar qual o sentido deste
movimento.
A composição setorial da ocupação sofreu acentuadas mudanças, sinalizando um rompimento da imagem
de metrópole industrial, sob o aspecto do emprego. Entre 1985 e 1995, a ocupação na indústria decresceu de
17,4% para 13,2% da PIA. Embora tenha havido ampliação da parcela da PIA ocupada no comércio e nos serviços, 2 estes setores foram incapazes de gerar postos em
volume suficiente de modo a evitar que o ajuste no emprego industrial resultasse em maior desemprego.
Também aumentou a fragilidade das formas de inserção dos ocupados, tendendo a relativizar também a
imagem de predomínio de emprego de maior qualidade na região. As formas regulamentadas de inserção –
assalariamento com carteira de trabalho assinada no
setor privado e emprego no setor público – perderam
participação na PIA, decrescendo de 32,7% para
28,7%, 3 no período 1985-95. Em contraposição, as formas de inserção mais precárias – como o assalariamento
sem carteira assinada e o trabalho do autônomo para o
público – passaram a representar parcela mais substantiva do conjunto de ocupados na PIA, elevando-se de
8% para 12%, no período.
Já a construção civil e o emprego doméstico, usualmente tratados como as principais portas de entrada no
A DINÂMICA DO MERCADO DE
TRABALHO NO PERÍODO 1985-95
Nos onze anos que compõem o período em análise,
ocorreram profundas mudanças no cenário econômico,
determinadas por inúmeras tentativas de estabilização da
economia, por transformações na forma de relacionamento
do país com o setor externo e por ajustes nos padrões produtivos e gerenciais das empresas. No caso da RMSP, os
efeitos deste conjunto de movimentos sobre o mercado
de trabalho foram promovendo alterações em sua estrutura e dinâmica que, em grande medida, relativizaram
características usualmente atribuíveis à região. Ademais,
atenuaram as diferenças existentes frente ao restante do
país, em especial quanto à potencialidade de criação de
postos de trabalho de alta qualidade.
O ritmo de ampliação da força de trabalho regional
pode ser avaliado através da evolução da taxa de participação global 1 que, entre 1985 e 1995, apresentou pequeno crescimento, passando de 60,3% para 61,1%. Este
movimento foi determinado pelo aumento da participação feminina no mercado de trabalho (de 44,7% para
48,8%), pois houve diminuição desta taxa entre a população masculina (de 77,1% para 74,6%).
A elevação da taxa de participação das mulheres, observada também em outras regiões do país, neutralizou,
em parte, os efeitos do menor ritmo do movimento migratório e do crescimento vegetativo da população regional. Como a demanda por postos de trabalho permaneceu
em trajetória ascendente, seria necessário, para se manter
43
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
mercado de trabalho para o migrante recém-chegado,
perderam progressivamente participação entre os ocupados na PIA. Na construção civil, a queda foi de 3,3%, em
1985, para 2,7%, em 1995, e nos serviços domésticos, de
8,2% para 7,7%, no mesmo período.
Estes movimentos não ocorreram, no entanto, de forma contínua ou linear, visto que um dos traços mais característicos do período 1985-95 foi a grande instabilidade das condições de funcionamento do mercado de
trabalho. Podem ser identificadas duas fases distintas,
tomando como marco divisório a política de abertura comercial e de estabilização implementadas em 1990, cuja
combinação resultou em um processo de forte recessão e
em transformações na forma de organização da produção, com reflexos importantes sobre o nível e a composição do emprego, principalmente no setor industrial.
O Período 1990-95
A primeira metade dos anos 90 foi marcada por variações acentuadas na taxa de participação global, que decresceu em 1990, atingindo 60,2%, ampliou-se no biênio
1991-92 e voltou a diminuir nos anos seguintes, alcançando 61,1%, em 1995. Neste período, ocorreu contínua
redução da taxa de participação masculina, que passou
de 76,4% para 74,5%, entre 1990 e 1995, enquanto a feminina manteve-se em ascensão, evoluindo de 45,2% para
48,8%, em 1995.
Como decorrência do comportamento adverso da ocupação, a parcela de ocupados na PIA manteve-se, em todos os anos, inferior ao percentual registrado em 1989,
alcançando os mais baixos patamares de todo o período
analisado. Por esta razão, o contingente de desempregados permaneceu, em todos os anos, acima de um milhão
de pessoas. A parcela em desemprego na PIA cresceu dos
5,3%, em 1989, para 9,4%, em 1992, apresentando leve
tendência de decréscimo nos anos finais do período e alcançando 8,1%, em 1995.
As principais variáveis relativas a este subperíodo
mostram que houve uma redução do espaço ocupacional
na região, não revertida a despeito da recuperação da economia, a partir de 1993. Mesmo tendo ocorrido uma diminuição relativa da taxa de participação global, equivalendo a menor de demanda por postos de trabalho, a
permanência da taxa de desemprego em elevados patamares indica que o ritmo de criação de postos de trabalho
tem sido insuficiente para propiciar o retorno às condições anteriores à crise, situação relativamente inédita na
RMSP.
Além desta deterioração quantitativa, ocorreu também
uma fragilização das condições ocupacionais neste subperíodo, cujo desempenho foi determinante para a alteração da estrutura de emprego regional. Nestes anos, houve redução em termos relativos e absolutos do nível de
ocupação industrial, não compensada pela criação de postos no comércio e em serviços. Foi também nesta primeira metade dos anos 90 que ocorreu o mencionado declínio das formas regulamentadas de inserção ocupacional,
com a contrapartida do aumento da participação de postos de trabalho precários na estrutura ocupacional.
Na medida em que estes movimentos estão associados
a mudanças na configuração da economia, em resposta
ao novo padrão competitivo e de preços, este cenário geral coloca em questão a possibilidade de o mercado de
trabalho da RMSP continuar exercendo atração sobre as
correntes migratórias. Em especial, se considerada a possibilidade de as atividades industriais e de vários ramos
de serviços virem a sofrer transformações mais intensas em
seus processos de trabalho, voltando a excluir mão-de-obra.
O Período 1985-89
Entre 1985 e 1989, a taxa de participação global elevou-se de 60,3% para 61,1%, devido à ampliação das taxas de participação feminina – de 44,7% para 46,1% – e
masculina – 77,1% para 77,3%. A despeito do crescimento
da força de trabalho, foi criado um número de postos suficiente para permitir o aumento da parcela de ocupados
na PIA, que passou de 53,0% para 55,8%, no período.
Como conseqüência deste bom desempenho do emprego, a participação dos desempregados na PIA decresceu
de 7,3%, em 1985, para 5,3%, em 1989, o mais baixo
patamar para todo o período analisado. Em números absolutos, isto significou a diminuição do contingente em
desemprego de 777.000 para 614.000 pessoas.
Neste período teria ocorrido, portanto, um saldo positivo do processo de geração de postos de trabalho na região, em especial se considerada a ampliação da demanda
por trabalho, expressa no aumento da taxa de participação.
Ademais, a Indústria manteve sua participação no total
de postos de trabalho existentes, criando 291.000 novos
postos, entre 1985 e 1989. As formas regulamentadas de
inserção no mercado também adquiriram maior expressão na estrutura ocupacional, com um aumento de 61,8%,
em 1985, para 62,8%, em 1989, da parcela de ocupados
com acesso aos direitos definidos pela legislação trabalhista.
Apesar da instabilidade monetário-financeira e econômica do período, não houve um processo de precarização
do mercado de trabalho regional, que foi capaz de incorporar a crescente oferta de força de trabalho sem ampliação do desemprego ou de formas mais frágeis de inserção. O ajuste incidiu, fundamentalmente, sobre o nível e
a distribuição dos rendimentos do trabalho, cuja deterioração foi acelerada neste período.
44
MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO
patíveis com determinadas faixas etárias, seja por características físicas ou por habilidades atribuídas pelo senso
comum a determinado gênero e/ou faixa etária;
- mudanças na probabilidade de conseguir um posto de
trabalho, dependendo de quais segmentos populacionais
tenham suas chances de obter ocupação alteradas, afetam
de forma distinta o processo de migração. Assim, por
exemplo, a redução da possibilidade de adolescentes obterem emprego não deve ter impacto tão expressivo sobre a decisão familiar de migrar quanto a diminuição do
espaço ocupacional para homens de 25 a 30 anos.
Como o comportamento das taxas de participação específicas, entre 1985 e 1995, foi bastante diferenciado por
gênero, o indicador de taxa de ocupação utilizado na análise equivale à relação4
A EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE
PARTICIPAÇÃO E DE OCUPAÇÃO
Embora no nível agregado a configuração do mercado
de trabalho da RMSP mostre-se, no presente, adversa, é
possível que, para segmentos específicos da população
ativa, existam mais oportunidades ocupacionais que as
vislumbradas para o conjunto. Como as decisões de deslocamento são tomadas por indivíduos ou unidades familiares, considerada a potencialidade específica de obter
um posto de trabalho de maior qualidade, que está determinada por fatores de mercado e por atributos pessoais,
faz-se necessário analisar o impacto dos movimentos antes descritos sobre parcelas específicas da população.
Um recorte que pode oferecer informações mais precisas sobre a alteração das oportunidades ocupacionais na
RMSP pode ser a desagregação das taxas de participação
e de ocupação por sexo e faixa etária, de modo a se identificar tendências de longo prazo e alterações associáveis
aos movimentos conjunturais. A opção por centrar a análise nestes atributos está assentada em três supostos:
- a inserção na força de trabalho tem importância diferenciada para os segmentos populacionais, pois, para alguns, o retorno à inatividade pode ser a alternativa à perda da ocupação. Desta forma, haveria segmentos para os
quais a importância do fluxo inatividade-ocupação-inatividade é maior, enquanto, para outros, predominariam
fluxos desemprego-ocupação-desemprego;
ocupadosgênero i, faixa etária j
população em idade ativa gênero i, faixa etária j
que permite:
- avaliar em que medida o aumento da taxa de participação de segmentos específicos tem resultado em ampliação da parcela ocupada ou daquela em desemprego, ou
seja, se a crescente população economicamente ativa de
determinada parcela populacional tem encontrado maiores oportunidades ocupacionais. Isto é possível porque a
diferença entre a taxa de participação e a taxa de ocupação assim calculada equivale à proporção do segmento
em idade ativa que se encontra desempregada e, portanto, o distanciamento entre os dois indicadores corresponde ao crescimento da taxa de desemprego específica;
- a possibilidade de obtenção de um posto de trabalho é
variável segundo sexo e faixa etária, seja por demandas
mínimas de formação educacional e profissional incom-
TABELA 1
Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação, por Gênero
Região Metropolitana de São Paulo – 1985-95
Em porcentagem
Gênero
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
Total
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
Taxa de Desemprego
60,3
53,0
6,7
61,9
55,9
6,0
61,7
56,0
5,7
61,4
55,5
5,9
61,1
55,8
5,3
60,2
54,0
6,2
61,3
54,1
7,2
61,5
52,1
9,4
61,4
52,5
8,9
60,7
52,1
8,6
61,1
53,0
8,1
Homens
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
Taxa de Desemprego
77,1
69,3
7,8
78,5
72,5
6,0
78,4
72,7
5,7
77,8
71,5
6,3
77,3
71,5
5,8
76,3
69,4
6,9
76,2
68,0
8,2
75,7
65,2
10,5
75,3
65,2
10,1
74,7
65,3
9,4
74,5
65,7
8,8
Mulheres
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
Taxa de Desemprego
44,7
37,8
6,9
46,6
40,6
6,0
45,9
40,3
5,6
46,2
40,6
5,6
46,1
41,2
4,9
45,4
39,9
5,5
47,7
41,5
6,2
48,4
40,1
8,3
48,8
40,9
7,9
47,9
40,1
7,8
48,8
41,4
7,4
Fonte: SEP. Convênio Seade — Dieese.
45
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
- verificar em que medida as evoluções diferenciadas das
taxas de participação masculina e feminina, quando desagregadas por faixas etárias, estão relacionadas a alterações na taxa de ocupação específica ou se podem ser
explicadas como tendências de mais longo prazo, que
apresentam relativa independência da evolução desta variável. Em outras palavras, se as variações nas taxas de
participação respondem às oportunidades ocupacionais
existentes ou são resultado de tendências estruturais.
GRÁFICO 1
Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação
da População em Idade Ativa
Região Metropolitana de São Paulo — 1985-95
Em %
Para exemplificar o significado deste indicador, podese analisar a evolução das taxas de participação e de ocupação para o conjunto da PIA da RMSP no período 198595 (Tabela 1 e Gráfico 1). Como já comentado, houve
um pequeno aumento da participação global entre os anos
extremos, tendo sido registrada, em 1990, a mais baixa
participação de toda a série.
Embora idêntica nos extremos do período, a taxa de
ocupação apresentou comportamento bastante diverso.
Após ter aumentado em 1986, permaneceu relativamente
estável até 1989, sofrendo uma primeira redução em 1990
e novo e mais intenso decréscimo em 1992. Somente em
1995 registraram-se sinais de recuperação do espaço ocupacional na região.
O resultado destes movimentos distintos foi a ampliação da diferença entre os dois indicadores (ou da distância entre as curvas, no caso do gráfico), indicando um
crescente desemprego na região, como já analisado. Em
outras palavras, a crescente população disponível para o
trabalho não encontrou oportunidades ocupacionais em
volume e ritmo necessários à sua demanda.
Anos
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese.
GRÁFICO 2
Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação
da População Masculina em Idade Ativa
Região Metropolitana de São Paulo — 1985-95
Em %
Anos
Evolução das Taxas de Participação e
de Ocupação por Gênero
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese.
No caso da população masculina em idade ativa, verifica-se que, após relativa estabilidade entre 1986 e 1989,
a taxa de ocupação decresceu intensamente até 1992, experimentando uma pequena recuperação, a partir de 1993
(Tabela 1, Gráfico 2). Isto indica que parte substancial
do ajuste do nível ocupacional na RMSP, ocorrido nos
primeiros anos da década de 90, recaiu sobre este segmento populacional, o que pode ser explicado pelo fato
de a indústria, que emprega majoritariamente homens, ter
sido a responsável pelo maior volume de demissões.
Frente à intensidade do declínio das oportunidades ocupacionais para os homens, nem mesmo a contínua redução de sua taxa de participação, indicativa de sua saída
do mercado de trabalho, foi suficiente para impedir acentuado e rápido aumento de sua taxa de desemprego. Assim, a parcela de homens em idade ativa desempregados,
que oscilou em torno de 6% no período 1985-89, saltou
GRÁFICO 3
Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação
da População Feminina em Idade Ativa
Região Metropolitana de São Paulo — 1985-95
Em %
Anos
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese.
46
MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO
para 6,9%, em 1991, passando a variar, nos anos seguintes, entre 8% e 10%.
Em termos relativos, não parece ter-se ampliado, no
período 1985-95, a disponibilidade de postos de trabalho
para as mulheres. Sua taxa de ocupação oscilou entre 40%
e 41% em todos os anos, excetuando 1985, quando estava no mais baixo patamar (Tabela 1).
Com esta relativa estabilidade de sua taxa de ocupação, as variações na parcela de mulheres em idade ativa
desempregadas foram determinadas, nos anos em questão, basicamente pelas mudanças no patamar de sua taxa
de participação, ou seja, no tamanho da oferta de mãode-obra feminina. Esta variou em torno de 46% no período
1986-89 e, após pequeno declínio em 1990, cresceu de
forma mais intensa nos anos seguintes. A parcela em desemprego apresentou evolução muito semelhante e, como
pode ser visto no Gráfico 3, o aumento da distância entre
as duas curvas deveu-se à tendência da taxa de participação.
Assim, do ponto de vista quantitativo, a experiência
de homens e mulheres no mercado de trabalho da RMSP
tem sido bastante diversa, em especial no período mais
recente, a partir de 1990. Ainda que para os dois segmentos tenha havido ampliação da parcela em idade ativa
desempregada, os determinantes foram distintos; no caso
dos homens, isto se explica pela menor disponibilidade
de postos de trabalho e, no das mulheres, pela maior oferta
de mão-de-obra. Além de diferentes do período final da
década de 80, estes movimentos têm importantes implicações quanto à capacidade do mercado de trabalho regional de atrair migrantes, principalmente dependendo de
quais faixas etárias da população masculina tenham sido
mais afetadas pela retração do espaço ocupacional.
anos; a taxa para os homens de 50 anos e mais não sofreu
redução tão brusca a partir de 1990, ainda que também
tenha apresentado ligeira diminuição a partir daquele ano;
- para as mulheres, a tendência ascendente da taxa de
participação, descrita para o conjunto da população, foi
registrada para todas aquelas com 25 anos e mais, com
menor intensidade para aquelas acima de 50 anos (Tabela 2). Para as crianças e adolescentes, houve declínio da
participação e para as jovens de 18 a 24 anos, após mudança para um patamar mais elevado em 1991, a taxa de
participação apresentou leve tendência de declínio. Quanto
à taxa de ocupação, repetiu-se, para as mulheres de 10 a
24 anos, o movimento descrito para a população masculina, enquanto, para as demais, a tendência foi de ampliação desta taxa, ainda que em ritmo inferior ao do aumento da participação, com a conseqüente elevação do
desemprego.
Parecem existir, portanto, comportamentos das taxas
de participação e de ocupação para determinadas faixas
etárias que se reproduzem nas populações masculina e
feminina. Assim, tomando-se a variável faixa etária como
referência, destacam-se as seguintes características da trajetória das taxas de participação e de ocupação ao longo
do período 1985-95 (Tabela 2):
- entre as crianças e adolescentes de 10 a 17 anos, o declínio simultâneo das taxas de participação e de ocupação pode ser observado para homens e mulheres. Apesar
do retorno à inatividade, ocorreu também aumento do
desemprego (medido pela diferença entre os dois indicadores) para esta parcela da população, em maior proporção entre os homens. A diminuição das oportunidades
ocupacionais para os indivíduos desta faixa etária, independente do gênero, parece ser, portanto, o traço básico
da evolução no período em análise;
- para os jovens de 18 a 24 anos, o comportamento da
taxa de ocupação apresenta, por gênero, mais semelhanças que o da taxa de participação. Quanto à primeira, permaneceu relativamente estável, para os homens, até 1989
e, para as mulheres, até 1991, apresentando queda substantiva em 1992 para ambos e estabilidade em novo patamar, mais baixo que o anterior, nos anos seguintes. Quanto
à taxa de participação, ao contrário dos homens, para os
quais a tendência de redução é contínua, entre as mulheres houve diminuição em 1987, nova elevação em 1991
e, a partir de então, declínio suave. A despeito destas diferenças, como marca do período, haveria também uma
dificuldade crescente para indivíduos desta faixa etária
de obter um posto de trabalho, expressa no aumento da
parcela em desemprego nas duas populações;
- as populações de 25 a 30 anos e de 31 a 39 anos registram movimentos semelhantes para as taxas de participa-
Evolução das Taxas de Participação e
de Ocupação por Gênero e Faixa Etária
Ao combinar os atributos gênero e faixa etária, tornase possível identificar se os movimentos observados para
o conjunto das populações masculina e feminina são comuns a todas as idades ou se existem comportamentos para
determinados segmentos etários que independam do gênero. Assumindo, em um primeiro momento, a variável
gênero como referência, observam-se os seguintes traços
na evolução das taxas de participação e de ocupação por
faixa etária:
- o declínio da taxa de participação global dos homens foi
determinado pelo decréscimo registrado para todos aqueles
que têm de 10 a 39 anos (Tabela 2). Somente para os homens com mais de 40 anos não houve decréscimo. Quanto à taxa de ocupação, o comportamento observado para
o total da população masculina é reproduzido, com diferenças muito pequenas, para todos os homens com até 49
47
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
TABELA 2
Evolução das Taxas de Participação e de Ocupação, segundo Gênero e Faixa Etária
Região Metropolitana de São Paulo – 1985-95
Em porcentagem
Gênero e Faixa Etária
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
Homens
10 a 17 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
39,0
26,5
42,4
30,9
39,9
31,1
38,7
28,8
38,5
29,8
35,7
26,4
34,7
25,4
34,4
21,9
33,1
20,7
30,7
19,4
31,7
21,7
18 a 24 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
93,4
80,5
93,7
84,5
93,2
83,1
93,0
82,7
92,6
83,0
91,3
79,2
91,2
78,0
91,2
73,8
90,4
73,4
90,2
73,7
88,7
73,5
25 a 30 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
97,1
89,9
97,1
92,4
96,8
91,3
96,7
90,2
96,3
90,8
96,3
88,9
95,6
86,5
95,8
84,5
95,7
84,9
95,6
85,6
94,8
84,8
31 a 39 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
96,8
91,8
96,6
93,1
97,0
93,4
96,5
92
96,4
91,9
96,2
90,6
96,1
88,6
95,8
86,2
96,0
87,1
95,9
87,5
95,3
88,0
40 a 49 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
91,0
86,4
92,3
89,6
92,3
89,5
92,7
89,5
92,6
89,2
92,9
88,8
93,5
87,1
93,1
85
93,0
85,7
92,7
85,9
93,6
87,1
50 Anos e Mais
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
52,7
50,1
55,7
53,6
57,0
55,3
57,1
55,4
57,0
55,3
55,7
53,5
57,6
54,4
56,6
52,7
56,4
52,9
57,1
53,8
56,4
53,1
Mulheres
10 a 17 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
26,4
17,5
28,5
19,3
26,7
19,2
26,8
18,5
26,3
18,9
23,6
16,3
24,1
16,6
23,7
13,7
23,8
13,9
22,5
12,9
23,0
13,8
18 a 24 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
69,0
56,0
70,3
59,2
67,5
57,0
67,3
57,0
67,8
58,4
67,5
56,8
69,9
57,5
70,1
54,0
69,8
54,6
69,3
53,7
68,7
54,0
25 a 30 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
57,5
49,6
59,2
53,1
58,3
51,9
58,9
52,9
59,7
54,3
58,9
52,3
63,0
55,7
65,3
55,4
67,1
57,3
66,4
56,6
67,2
58,7
31 a 39 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
54,4
48,5
56,0
51,6
55,7
51,2
57,1
52,4
56,9
52,9
57,3
53,0
61,6
56,0
62,6
55,0
63,6
56,0
63,0
55,6
65,0
58,1
40 a 49 Anos
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
45,4
41,7
47,9
45,0
50,1
46,9
51,6
48,8
50,9
48,6
51,3
48,2
55,0
51,3
56,1
50,9
57,3
52,5
55,8
51,5
59,0
54,2
50 Anos e Mais
Taxa de Participação
Taxa de Ocupação
17,6
16,6
20,4
19,4
21,6
20,7
20,9
20,1
21,2
20,6
21,0
20,2
21,8
20,7
22,6
21,1
22,7
21,3
22,3
20,9
22,2
20,8
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese.
48
MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO
peito da diminuição da parcela disponível para o trabalho, conformou-se uma tendência de aumento do desemprego para este segmento, independente do gênero. Isto
parece indicar que, em um momento de menor dinamismo do nível de emprego, esta parcela populacional, possivelmente pela falta e/ou pequena experiência profissional, tem sido preterida nas contratações, mesmo
apresentando, em média, nível de instrução mais elevado
que o do total da população ativa.5 Na análise da relação
entre emprego e migração, este movimento tem importantes implicações, em especial por gerar um cenário desfavorável à obtenção de emprego para uma parcela da população que, pelos vínculos relativamente mais tênues com
suas regiões de origem, tenderia mais à migração motivada por mobilidade ocupacional ascendente.
A segunda questão está relacionada ao crescimento do
desemprego entre a população masculina de 25 a 39 anos,
a despeito da redução, no período, de sua taxa de participação. Diretamente relacionada ao desempenho desfavorável do nível de emprego na indústria e na construção
civil, esta retração do espaço ocupacional para os indivíduos que constituem a chamada força de trabalho primária
sinaliza uma mudança no perfil de mão-de-obra regional.
Este processo produz forte impacto sobre a situação
socioeconômica das famílias, principalmente se se considerar que, na região, cerca de 40% dos domicílios são chefiados por homens nesta faixa etária (Fundação Seade,
1992). Como a estrutura familiar no país ainda tende a
centrar-se no chefe, basicamente do sexo masculino, terse-ia, também sob este aspecto, um fator de desestímulo
à mobilização das famílias para a RMSP.
A terceira questão relaciona-se à população feminina,
para a qual se verificou uma tendência de aumento da participação no mercado de trabalho. Ao desagregar este
movimento por faixa etária, pode-se perceber que, exceto para as mulheres de 50 anos e mais, ele não pode ser
tomado como resposta ao surgimento de oportunidades
ocupacionais, fator tradicionalmente utilizado como explicação para as oscilações da participação feminina simultaneamente às variações do nível de emprego.
Embora venha assumindo, na RMSP, um caráter estrutural, a elevação da taxa de participação das mulheres
no mercado de trabalho não tem sido acompanhada, em
termos relativos, por maior disponibilidade de postos de
trabalho, como demonstra a estabilidade de sua taxa de
ocupação. Esta ausência de resposta do mercado a uma
demanda crescente por emprego pode também atuar como
desestímulo ao movimento migratório, visto que o trabalho das chefes de família, cônjuges e filhas tem se tornado fonte imprescindível de rendimento familiar.
ção e de ocupação, mas que se distinguem por gênero.
Para a população masculina nestas faixas etárias, houve
leve mas contínua tendência de declínio da taxa de participação, enquanto para as mulheres, o movimento foi de
ampliação da parcela economicamente ativa, adquirindo
maior intensidade a partir de 1990. Quanto à taxa de ocupação dos homens de 25 a 39 anos, houve intenso declínio, no triênio 1990-92, e recuperação a partir de 1993.
No caso das mulheres de 25 a 39 anos, o aumento da taxa
de ocupação persistiu ao longo de todo o período 198595, excetuando pequena queda, em 1990, entre as mulheres de 25 a 30 anos. Desta forma, o aumento do desemprego para indivíduos destas duas faixas etárias, observado
na comparação entre os anos extremos da série, teve determinantes bastantes distintos por gênero; no caso dos
homens, explica-se pela redução da parcela que conseguiu obter ocupação e, no das mulheres, pela ampliação
da oferta de força de trabalho;
- para a faixa etária de 40 a 49 anos, ocorreu ampliação
da taxa de participação entre as populações masculina e
feminina, mais expressiva entre as mulheres (de 41,7%,
em 1985, para 54,2%, em 1995). A evolução das taxas de
ocupação por gênero apresenta, contudo, grandes diferenças; entre os homens, verifica-se relativa estabilidade até
1990, queda intensa no biênio 1991-92 e tendência de
recuperação nos anos seguintes; entre as mulheres, o
movimento foi de contínua elevação. Como conseqüência, o aumento da parcela de homens de 40 a 49 anos em
desemprego foi muito mais intenso que entre as mulheres, apesar da ampliação da oferta de mão-de-obra feminina nesta faixa etária;
- para os indivíduos de 50 anos e mais, o comportamento
das duas taxas apresenta mais oscilações que para as demais faixas etárias. No caso dos homens, a taxa de participação, após elevar-se em 1986, passou a oscilar em torno de 57% e a taxa de ocupação, depois do crescimento
no período 1985-87, manteve-se estável até 1989, decresceu em 1990, passando a variar em torno de 53% a partir
de então. No caso das mulheres, chama a atenção a semelhança quanto ao comportamento – ligeira tendência de
crescimento – e à magnitude entre as taxas de participação e de ocupação, parecendo demonstrar que sua inserção no mercado de trabalho supõe basicamente o fluxo
entre inatividade e ocupação, ou seja, que sua entrada na
força de trabalho ocorre se existir oportunidade de trabalho adequada à sua qualificação.
Há três grandes questões que emergem da descrição
anterior. A primeira refere-se à menor disponibilidade de
postos de trabalho para os jovens de 18 a 24 anos. A des-
49
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
sua importância para o conjunto da região não tenha se
alterado substancialmente (passou de 0,9% para 1,1% da
PIA, entre 1985-95). Do ponto de vista quantitativo, a redução mais expressiva de postos de trabalho ocorreu na
cadeia metal-mecânica, cuja participação na PIA declinou de 7,7% para 5,3% no período em análise, movimento de retração que afetou principalmente homens de 25 a
39 anos, segmento populacional predominante entre os
ocupados do setor.
Ainda que devam ser consideradas a redução das atividades eletroeletrônicas e as especificidades das empresas produtoras de máquinas da região, o principal elemento
explicativo do desempenho da cadeia encontra-se nas mudanças em curso nas montadoras de veículos e nas indústrias de autopeças. Também neste caso, a retomada do
volume de produção sem o correspondente crescimento
do emprego parece sinalizar que não deve ocorrer ampliação do número de postos de trabalho nestas indústrias.
Além disso, frente às tendências internacionais, os postos remanescentes tendem a passar por importantes transformações, principalmente no que diz respeito à ampliação de responsabilidades individuais e das equipes de
trabalho, diminuição do retrabalho das peças, supressão
de níveis hierárquicos intermediários e redefinição do tipo
de contato intra-hierarquia, demandando mão-de-obra com
perfil distinto dos momentos anteriores. A ampliação dos
cursos de alfabetização e a maior utilização dos cursos
modulares oferecidos pelo Senai são indicativos das mudanças no tipo de qualificação dos ocupados nestes postos de trabalho.
A eliminação de postos de trabalho na indústria tem
importante papel no movimento de diminuição do assalariamento na RMSP. Em 1985, 52% dos ocupados eram
assalariados com carteira de trabalho assinada no segmento
privado, decrescendo para cerca de 45% em 1995. Na indústria, onde o assalariamento sempre foi predominante,
já em 1995 havia decrescido para 75% o percentual de
seus ocupados que tinham esta forma de inserção, provocando uma forte queda dos rendimentos médios do setor
e do conjunto da região.
O aumento das ocupações nos serviços e no comércio,
cuja participação no conjunto da PIA cresceu de 22% e
8% para 25% e 9%, respectivamente, no período em análise, deve ser visto com atenção, pois a compensação relativa encobre importantes diferenças quanto ao tipo de
inserção, mão-de-obra contratada e rendimentos pagos.
Para efeito de análise, os ramos de serviços podem ser
agrupados segundo a finalidade principal de suas atividades (Fundação Seade/Dieese, 1991), isto é, prestação
de serviços a outras empresas produtivas (serviços ligados à produção), a indivíduos e famílias (serviços ligados ao consumo) e ao conjunto da população (serviços
CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE
GERAÇÃO DE OCUPAÇÕES
O objetivo deste item é identificar as principais alterações ocorridas no dinamismo setorial da criação de postos de trabalho da RMSP, indicando assim as possibilidades de inserção dos indivíduos que buscam atuar neste
mercado de trabalho.
Um primeiro aspecto, já mencionado, diz respeito à
menor intensidade de geração de postos na região, na primeira metade dos anos 90. No período 1986-89, apesar
das oscilações provocadas pelas diversas tentativas de
implementar planos de estabilização, a taxa de ocupação
variou em torno de 56% da população em idade ativa, declinando para 54%, no biênio 1990-91, e para pouco mais
de 52%, no biênio subseqüente. Entre 1994 e 1995, período marcado pelo crescimento do nível de produção, a
taxa de ocupação teve um crescimento relativamente restrito, atingindo, no final do período, 53% da PIA, mesma
taxa observada em 1985.
A fragilidade deste desempenho obedeceu a dois determinantes. De um lado, está associado às medidas restritivas ao crescimento das atividades econômicas, impostas pela política macroeconômica voltada a garantir a
estabilidade dos preços.6 De outro, resulta do tipo de ajuste
realizado por alguns ramos de atividade durante a crise
dos anos 90, dentre os quais se destacam os setores automotivo e bancário.
A racionalização das atividades nas empresas destes
ramos não apenas eliminou um número expressivo de postos de trabalho, como permitiu que estas ampliassem a
produção de bens e serviços com uma demanda menor de
mão-de-obra em comparação com a década passada. Ainda
que esta tendência possa ser entendida como específica
de algumas empresas mais expostas à concorrência externa ou de atividades que vêm passando por importantes
mudanças técnicas e institucionais, os resultados são sugestivos do crescente descolamento entre a capacidade de
geração de produto e de ampliação de empregos estáveis
e bem remunerados.
A combinação destes dois determinantes pode ser avaliada mediante a comparação entre as estruturas ocupacionais de 1985 e 1995, anos em que se observou a mesma taxa de ocupação (53%). A diminuição do emprego
industrial foi notável; sua participação relativa diminuiu
de 33%, em 1985, para 25%, em 1995. Esta perda de participação relativa correspondeu a uma redução do contingente de ocupados, entre estes anos, de cerca de 72.000
postos de trabalho.
Este desempenho setorial desfavorável também se verifica na maior parte dos ramos que o compõem, sendo a
indústria gráfica e papeleira a principal exceção, ainda que
50
MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO
para a coletividade). Considerando esta desagregação,
embora se verifique aumento da ocupação em todos os
segmentos, este foi menor no último, onde se concentram
os serviços públicos.
A ampliação do número de postos de trabalho nos serviços de educação e de saúde (de 3% para 4% da PIA),
nos quais predominam mulheres, mais que contrabalançou a redução da participação do emprego nas atividades
de administração, segurança e utilidade pública (de 2,7%
para 2,4%), nas quais os homens são majoritários. A redução da participação deste último ramo resulta da deterioração da situação financeira do estado e a reposição
destes postos contrasta não apenas com a redefinição das
funções das diferentes esferas do setor público, mas também com as necessidades crescentes de informatização
em muitas destas atividades. Além da tendência apontada, deve-se considerar ainda o impacto representado pela
diminuição do número de postos que exigiam concurso
público e que, mesmo para cargos com baixos rendimentos, permitiam a estabilidade no trabalho, ao contrário da
maior parte dos postos similares no segmento privado.
O aumento das ocupações nos serviços ligados à produção encobre importante declínio do nível ocupacional
do setor bancário, mais que compensadas pela ampliação
ocorridas nos serviços especializados, auxiliares e de transportes. A reestruturação das atividades bancárias – pela
automação crescente de suas atividades, pela fusão de
empresas regionais e pelo rearranjo administrativo permitido pela unificação das carteiras em bancos múltiplos
– tem como reflexo o decréscimo da participação dos ocupados nestas atividades na região de 2,7% para 1,7% da
PIA, apesar da ampliação do número de agências e serviços oferecidos aos clientes ao longo do período. Adicionalmente, vale notar que a redução de postos nestes ramos atingiu de forma mais intensa os homens que as
mulheres, destacando-se também a diminuição da participação de jovens ocupados em atividades bancárias.
O aumento de 2% para 3% da PIA da participação dos
postos de trabalho nos serviços especializados, que agrupam atividades de informática, assessorias e consultorias
técnicas e administrativas, propaganda, pesquisa de mercado e outros serviços predominantemente direcionados
às empresas produtivas, caracteriza as necessidades da
malha produtiva da região e, em parte, os processos de
terceirização. No entanto, por envolverem maior grau de
escolaridade e aquisição de aptidões técnicas mais amplas, em geral demandam maior experiência anterior de
trabalho, o que explica a tendência de os ocupados encontrarem-se em faixas etárias mais elevadas.
Nos serviços destinados a indivíduos e famílias, destaca-se a expansão de ocupações em que predominam
jovens de 18 a 24 anos. No entanto, estas atividades en-
contram-se entre as que apresentam os menores rendimentos médios da RMSP, além de predominar o assalariamento sem carteira assinada e jornadas de trabalho mais extensas, como é o casos dos serviços de alimentação (cuja
participação cresceu de 2% para cerca de 3% da PIA, entre
1985 e 1995).
No comércio, o crescimento do contingente de ocupados de 7,5% para 9% da PIA, no período em análise,
ocorreu com a ampliação do número de ocupados com
idade superior a 31 anos e diminuição na participação
daqueles em faixas etárias mais jovens. Contudo, as oportunidades para indivíduos com menor grau de qualificação, representadas, por exemplo, pelo emprego na construção civil e nos serviços domésticos, também
diminuíram, pois ambos os segmentos apresentaram declínio em sua participação na PIA da RMSP.
Além destas características da situação ocupacional,
há outros elementos que também devem ser considerados ao se avaliar o quadro com que se defrontam aqueles
que buscam inserção no mercado de trabalho na região.
A elevação contínua do nível de escolaridade entre os
ocupados – cerca de 52% haviam concluído pelo menos
a 8a série do 1o grau e cerca de 33% haviam completado
o 2o grau, em 1995 – é um aspecto importante. Embora
esta situação reflita, em parte, maior nível de escolaridade para o conjunto da população, está associada também à busca de trabalhadores com capacidade crescente
de intervir em situações relativamente novas e que precisam de solução imediata, para atender a uma clientela
cada vez mais exigente.
Neste sentido, talvez possa ser encontrada uma explicação para um dos aspectos mais intrigantes das mudanças na estrutura ocupacional ao longo do período em análise. Entre o conjunto dos ocupados, verifica-se uma
tendência à menor participação relativa dos estratos mais
jovens (menos de 30 anos), que declinou de 52% para
pouco menos de 45%, entre 1985 e 1995. Se esta situação pode estar associada, em parte, ao envelhecimento da
população, em alguma medida decorre do tipo e dos requisitos dos novos postos de trabalho na região.
Entre os jovens nas faixas etárias de 18 a 24 e 25 a 30
anos, houve decréscimo da participação no conjunto de
postos na indústria e nos serviços ligados à produção, que
não foram compensados pelo aumento de sua participação no comércio, nos serviços ligados ao consumo e na
construção civil. Para aqueles com idade mais elevada,
verificou-se ampliação da participação nos serviços e no
comércio.
Este quadro sugere, portanto, que o mercado de trabalho regional não tem sido capaz de criar postos de trabalho no volume e no ritmo demandados pela população
ativa disponível para o trabalho. Os ramos dinâmicos ou
51
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
contra 60% no período anterior, principalmente pelo aumento da proporção de pessoas com 40 anos e mais (10%
para 15%) nesta condição.
Considerado o grau de instrução dos desempregados,
observa-se que, embora 53% ainda não possuíssem o 1o
grau completo, sua participação decrescera em 12 pontos
percentuais em relação a 1985. Ampliou-se, neste período, principalmente, o percentual de pessoas com o 2o grau
completo (de 14% para 23%).
Nesta primeira metade dos anos 90, a permanência da
taxa de desemprego em patamar elevado e a longa duração média em desemprego na RMSP mostram que as dificuldades para reinserção são expressivas. Além disto,
este problema não tem se limitado a segmentos com baixa qualificação ou sem experiência, atingindo principalmente pessoas que já tiveram trabalho assalariado e crescentemente aquelas com nível relativamente elevado de
instrução. Estas características parecem configurar o desemprego como decorrência de alterações no modo de
funcionamento do mercado de trabalho regional, não cabendo atribuí-lo a uma inadequação entre os atributos da
força de trabalho e os requisitos demandados pelas empresas.
mais estruturados, por determinantes conjunturais ou por
mudanças na forma de organização de seus processos
produtivos e/ou gerenciais, vêm contribuindo cada vez
menos para o aumento do emprego na região. Ademais,
as alterações na composição do contingente de ocupados
têm sinalizado crescente dificuldade para a inserção de
alguns segmentos, em especial os jovens. Combinados ao
crescimento do desemprego no início dos anos 90, estes
movimentos tendem a desestimular a migração para a região em busca de oportunidades ocupacionais mais adequadas.
O DESEMPREGO CRESCENTE E
O PERFIL DOS DESEMPREGADOS
O conjunto de desempregados na RMSP equivalia, em
1989, a 614.000 pessoas, que despendiam, em média, 15
semanas para obter uma nova ocupação. Durante o período 1992-95, este contingente permaneceu superior a um
milhão de pessoas, oscilando entre 13% e 16% da PEA.7
Entre suas principais características, destacam-se a elevada proporção (85%) dos que possuíam experiência de
trabalho anterior – dos quais aproximadamente dois terços eram assalariados no último emprego – e o fato de
cerca de 63% terem sido demitidos.
O tempo médio utilizado na procura por um novo trabalho cresceu progressivamente entre 1989 e 1993, quando
atingiu seu ponto máximo (26 semanas), diminuindo expressivamente entre 1994 e 1995, quando, em média, representava 22 semanas. No entanto, devido às peculiaridades de um mercado pouco estruturado como o brasileiro,
em que freqüentemente ocorrem interrupções na procura
de trabalho, seja por motivos pessoais (doença, falta de
dinheiro para locomoção, etc.), ou por falta de estímulo
frente à conjuntura difícil, vale destacar o comportamento de um indicador complementar, o tempo em desemprego.
O tempo médio em desemprego na RMSP é, em geral,
cerca de duas vezes maior que o tempo de procura. Entre
1989 e 1993, passou de 36 para 55 semanas, mantendose nesse patamar em 1994 e caindo para 48 semanas em
1995. A mediana atingiu 29 semanas em 1993, seu ponto
máximo, tendo diminuído para 26 semanas em 1994 e para
17 semanas em 1995.
Outro aspecto a ser considerado refere-se às alterações
nas características individuais dos desempregados. Acompanhando o envelhecimento da população, verifica-se o
aumento da participação de desempregados em faixas etárias mais elevadas. Entre 1989 e 1995, os jovens com até
24 anos passaram a representar 53% dos desempregados,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desempenho do mercado de trabalho da RMSP, na
primeira metade dos anos 90, foi muito desfavorável, ao
contrário da década anterior. A ausência de dinamismo
do emprego industrial, os processos de racionalização dos
ramos de atividade dinâmicos e/ou organizados dos serviços, a evolução adversa da ocupação na construção civil, em decorrência das limitações das políticas de obras
públicas e habitacionais, e as mudanças no perfil etário e
educacional da população ocupada são características que
sintetizam este movimento.
Este quadro tende a oferecer menores atrativos à migração para a RMSP, se este deslocamento for determinado pela busca de melhores oportunidades ocupacionais.
Ignorando, em um primeiro momento, todos os demais
fatores e caso se mantivesse a mesma trajetória do nível
ocupacional na segunda metade da década de 90, seria de
se esperar a reprodução de resultado similar ao dos anos
80, quando o saldo migratório regional mostrou-se negativo. Ou seja, a região não voltaria a ser pólo de atração
de migrantes no volume e com o perfil observado em
períodos anteriores.
No entanto, frente às incertezas que ainda cercam a
evolução da economia e do emprego no país nos demais
anos da década de 90, esta conclusão deve ser relativizada.
52
MERCADO DE TRABALHO E MIGRAÇÃO NA GRANDE SÃO PAULO
Como a migração é determinada também pela situação
econômica vigente no lugar de origem, isto é, pelos fatores de expulsão, a evolução dos níveis de produção e de
emprego em outras regiões pode vir a ser mais desfavorável que a registrada na RMSP, contribuindo, desta forma, para incentivar a retomada do fluxo migratório.
Acrescente-se que, diante da precariedade da infra-estrutura urbana e, em especial, dos serviços sociais básicos, é possível que os fluxos migratórios passem a ser
influenciados também pela tentativa de obter acesso a
programas de maior qualidade e amplitude, tipicamente
oferecidos em cidades de médio e grande portes. Caso
venha a se acentuar a diferenciação da RMSP em relação
a outras regiões quanto à implementação deste tipo de
política, pode-se supor a existência de um novo fator de
incentivo à migração.
Embora não deva ser desconsiderada, a influência do
comportamento do mercado de trabalho na RMSP sobre
os movimentos migratórios deve ser redimensionada, não
cabendo atribuir-lhe o mesmo papel da década de 70. Além
de poder atrair (e expulsar) pessoas com perfil distinto
do anteriormente observado, gerando fluxos para segmentos populacionais e ocupacionais específicos, a evolução
deste mercado tende a se combinar crescentemente com
outros fatores, problematizando a elaboração de cenários
sintéticos para subsidiar as projeções demográficas.
3. Isto significa que estes postos regulamentados passaram de cerca de 62% para
54% do total da ocupação regional. Embora ainda pouco mais da metade dos
ocupados disponha de acesso às garantias trabalhistas, trata-se de uma redução
substancial, principalmente por se tratar de um dos mercados de trabalho mais
organizados do país.
4. A opção por utilizar esta relação justifica-se pelo fato de os indicadores usualmente utilizados para acompanhar o comportamento do nível ocupacional – a
distribuição da ocupação por características produtivas ou por atributos pessoais e a construção de séries de índices, tomando um ponto qualquer no tempo
como base – fornecerem informações incompletas ou distorcidas, quando o propósito é avaliar a evolução desta variável para um segmento específico da população. No primeiro caso, isto pode ocorrer devido ao peso diferenciado de cada
parcela na população e à possibilidade de aumentos (diminuições) na participação de um segmento resultarem de comportamentos observados para qualquer
outro, refletindo apenas um ajuste de caráter estatístico na distribuição. No segundo, por não considerar variações no tamanho do segmento em análise que,
embora não afetem o resultado verificado, transferem parte dos movimentos de
ajuste para outras variáveis não analisadas. Ver Seghin (1995).
5. Entre a população ativa de 18 a 24 anos na RMSP, cerca de 53% completaram pelo menos o 1 o grau. No total da PIA metropolitana, a participação de pessoas com, no mínimo, este nível de escolaridade equivale a 38%. Ver Fundação
Seade – Dieese (1994).
6. Apesar das dificuldades de realizar comparações, não deixa de ser ilustrativo
considerar que, entre 1985-86, quando a economia cresceu em ritmo mais intenso, a taxa de ocupação ampliou-se em 1,9 pontos percentuais.
7. Destaque-se que cerca de 67% destes desempregados encontravam-se em desemprego aberto, o que significa não ter nenhum trabalho regular no período de
referência da pesquisa (sete dias) e ter realizado procura efetiva de trabalho nos
30 dias anteriores. Cerca de 25%, em simultâneo à procura de trabalho, realizavam algum tipo de trabalho descontínuo e sem regularidade, que lhes tomava,
em média, uma hora na semana, como forma de obter algum tipo de remuneração, enquanto os demais encontravam-se desestimulados a continuar procurando, apesar de ainda necessitar de trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa de Condições de Vida – definição e mensuração da pobreza na Região Metropolitana de São Paulo: uma abordagem
multissetorial. São Paulo, Fundação Seade, 1992.
__________ . O Novo Retrato de São Paulo – avaliação dos primeiros resultados do Censo Demográfico de 1991. São Paulo, 1993.
FUNDAÇÃO SEADE – DIEESE. O terciário na Região Metropolitana de São
Paulo. Como entender sua evolução. Boletim n. 81 da Pesquisa de Emprego e Desemprego. São Paulo, 1991 p. B21-B26.
__________ . Educação formal e mercado de trabalho. Suplemento do Boletim
n. 112 da Pesquisa de Emprego e Desemprego. São Paulo, 1994.
SEGHIN, A. “Les taux d´occupation en Europe – Le choix des indicateurs
pertinents”. Futuribles. Paris, Sage, maio 1995, p. 17-41.
NOTAS
1. A taxa de participação corresponde ao quociente entre a População Economicamente Ativa e a População em Idade Ativa, a primeira englobando os contingentes de ocupados e desempregados e a segunda, toda a população de 10 anos
e mais. A taxa de participação global fornece esta relação para o conjunto destas
populações, e a específica estabelece esta relação para um determinado segmento populacional, por exemplo, as mulheres ocupadas e desempregadas em relação a todas as mulheres de 10 anos e mais.
2. A participação na PIA dos ocupados pelo comércio cresceu de 7,5% para 9,0%,
entre 1985 e 1995, e a dos serviços, de 21,6% para 25,2%.
53
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
DESENVOLVIMENTO REGIONAL
novos requisitos para a localização
industrial em São Paulo
AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO
Arquiteto, Analista da Fundação Seade
N
os últimos anos tem havido uma verdadeira explosão da literatura na área de estudos urbanos,
todos voltados para a compreensão da problemática da reestruturação socioespacial. Diversas têm sido
as abordagens e justificativas apresentadas para explicar tais transformações: desindustrialização e crise global do capital num suposto sistema mundial; surgimento de uma nova divisão internacional do trabalho a partir
das estratégias das multinacionais de busca de mão-deobra; novas relações de produção; alta tecnologia e reorganização das forças produtivas; e o surgimento de um
novo regime de acumulação de capital, denominado flexível, que tem substituído o regime fordista de produção.1
Em que pese as divergências conceituais entre os diversos autores, os estudiosos da reestruturação têm em
comum a idéia de que as recentes mudanças no capitalismo provocadas pela crise, especialmente a partir de 1970,
são responsáveis pela reorganização das estruturas espaciais urbanas e das relações entre as cidades no sistema
urbano (Gottdiener, 1990). Ou, em outras palavras, "as
realidades territoriais atuais, nacionais e regionais, constituem o terreno onde se dão os conflitos dos novos modelos de desenvolvimento." (Leborgne e Lipietz, 1990:12).
Sem dúvida, o debate sobre a reestruturação socioespacial deve ser inserido numa discussão mais ampla sobre a globalização da economia, a reestruturação produtiva e o surgimento do paradigma tecnológico da terceira
revolução industrial. A globalização da economia, que
segundo Coutinho pode ser entendida como um estágio
mais avançado do processo histórico de internacionalização, tem como características a aceleração intensa e desigual da mudança tecnológica entre as economias centrais,
a reorganização dos padrões de gestão e de produção de
forma a combinar os movimentos de globalização e regionalização, a difusão desigual da revolução tecnológica, reiterando os desequilíbrios comerciais e de balanço
de pagamentos, o significativo aumento do número de
oligopólios globais, de fluxos de capitais e da interpenetração patrimonial dentro da tríade, e a ausência de um
padrão monetário mundial.2
O crescente peso do complexo eletrônico e da utilização de novos materiais, a automação integrada flexível
como novo paradigma industrial, a revolução nos processos de trabalho, a transformação nas estratégias empresariais, as alianças tecnológicas como forma de competição e a globalização são as principais inovações em curso
nas economias capitalistas, apontadas pela bibliografia.
É importante destacar também a unanimidade dos autores quanto à necessidade de constantes e vultosos investimentos em pesquisa e desenvolvimento na busca de
novos processos e produtos e a necessidade de pleno domínio e controle tecnológico dos novos processos produtivos e de gestão para se manter competitivo no mercado
globalizado. Esses requisitos reforçam o caráter concentrador e excludente do novo paradigma, ampliando a desigualdade entre nações e estimulando a organização de
alternativas regionais através da articulação dos países em
blocos, com ampliação da integração produtiva e comercial entre seus membros.
REESTRUTURAÇÃO A BRASILEIRA:
O MENU PRINCIPAL
Os reflexos da globalização e da reestruturação estão
causando impacto na indústria e no conjunto da economia brasileira, apesar de o caráter periférico de seu ca-
54
DESENVOLVIMENTO REGIONAL:
pitalismo. Inclusive, o impacto foi reforçado pelo fato de
os processos de globalização e reestruturação econômica terem surgido, nas economias centrais, num período em que o país estava mergulhado em uma forte crise
– cuja tônica foi o desajuste estrutural da economia expresso pelo desequilíbrio na balança de pagamentos, crise
cambial, déficit fiscal e escalada inflacionária, aliado à
ausência de política industrial e de desenvolvimento regional – fatos que contribuíram para ampliar o gap tecnológico. Além de ter provocado retração no mercado
interno e redução nos níveis de investimento, o longo
período de crise, tristemente conhecido como a década
perdida, exigiu das empresas a busca individualizada de
alternativas à crise, através da inserção no mercado internacional com conseqüente ampliação do coeficiente
de exportação. 3 Assim, as empresas e setores que se
modernizaram e incorporaram novas tecnologias e novos processos produtivos conseguiram inserir-se em nichos de mercado internacional e passaram a se constituir nos segmentos mais modernos, distanciando-se do
padrão tecnológico dos segmentos voltados exclusivamente para o mercado interno.
A interrupção do longo período de estagnação com a
implantação do novo plano de estabilização da economia
veio acompanhada de uma atabalhoada abertura da economia, que expôs a indústria nacional à abrupta concorrência de importados que desembarcavam com preços bem
menores que os praticados pelos nacionais.
A resposta imediata da indústria foi um forte ajuste na
estrutura de custos de produção, concentrado, em grande
parte, na redução dos postos de trabalho, na terceirização
e na redução dos níveis hierárquicos, num movimento que
ficou conhecido como reestruturação espúria.
A reestruturação produtiva e o processo de globalização da economia, aliados ao ajuste neoliberal do início
dos anos 90 expuseram a indústria nacional à concorrência externa, impondo-lhe um forte ajuste. Ou seja, a
necessidade de produzir com uma estrutura de custos de
produção internacionalmente competitivos exigiu fortes
medidas de ajuste patrimonial, nos sistemas produtivos
e gerenciais, e ampliou a importação de bens de capital
e a incorporação de componentes importados aos produtos nacionais. Isso, aliado à importação de produtos
acabados, tem contribuído para a redução dos níveis de
integração na indústria nacional, com alterações na divisão social e espacial do trabalho. Esse movimento, na
ausência de uma política industrial nacional, tem provocado uma fragmentação da economia nacional com esgarçamento da integração produtiva e exigido a busca de
alternativas de linkage regionais ou locais.4
Assim, o processo de reestruturação, mesmo que em
medida e intensidade bem menores que as observadas nas
NOVOS REQUISITOS PARA A LOCALIZAÇÃO...
economias centrais, seja a partir da maior participação
do país no mercado internacional de mercadorias e serviços, seja por determinação das matrizes às filiais brasileiras das grandes empresas multinacionais, mesmo que
paulatinamente e a partir de uma demanda adaptativa à
crise econômica e à competição internacional, tem mudado as feições da indústria brasileira, racionalizando e
modernizando a produção, reduzindo os postos de trabalho e o escopo das atividades, realizando mudanças
organizacionais e tentando flexibilizar os contratos de
trabalho. 5
Esse processo tem levado à eliminação dos segmentos menos competitivos e tecnologicamente mais atrasados, que vêm sendo incorporados ou adquiridos por
grandes grupos transnacionais, à implantação de novas
estratégias empresariais de terceirização de todas as atividades secundárias, à construção de parcerias e à articulação de redes produtivas. Essas novas estratégias de
articulação produtiva e gestão empresariais com estoque
zero, just in time, etc., têm reduzido o número de fornecedores, agora transformados em parceiros, e exigido uma
proximidade física que, em alguns casos como a nova
planta da Volkswagen em Resende, chegam a compartilhar o mesmo espaço físico.6 Isso significa que a necessidade de articulação e integração produtiva interempresarial, associada aos outros requisitos de localização
tratados a seguir, num país estruturalmente heterogêneo
como o Brasil, tende a arrefecer o processo de desconcentração industrial, podendo até mesmo interromper o
processo de redução da participação do Estado de São
Paulo na produção industrial nacional.
Isso equivale a dizer que os efeitos do processo de reestruturação, no caso brasileiro, devem se expressar em
grande medida sobre o território paulista e, por conseguinte, em seu sistema de cidades, pois, como já apontado por
alguns autores, a tendência, num cenário de reestruturação industrial, é de reconcentração de alguns segmentos
ou setores industriais em São Paulo.
Esta peculiaridade do processo brasileiro deixa claro
que aqui ele não estará centrado no surgimento de novos
espaços locacionais, nem a região de localização industrial tradicional – o Estado de São Paulo – entrará em declínio. Como afirma Cano (1991:21), "creio que a flexibilização da 3a revolução industrial não virá acompanhada
de desconcentração espacial em países de dimensão continental e heterogeneidade estrutural como o Brasil".
De fato, o fim da escalada inflacionária e a retomada
do crescimento econômico dos últimos anos têm sido
acompanhados de uma inflexão da desconcentração relativa da produção industrial, com indícios de reconcentração em São Paulo.7 As informações disponíveis, apresentadas na Tabela 1, indicam que deve estar havendo uma
55
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
total e regional. É bem provável, inclusive, que essa seja
uma forte componente na explicação para a recente interrupção do processo de desconcentração industrial e
para o crescimento da participação de São Paulo no valor
de transformação industrial, medido pelo IBGE nas pesquisas industriais anuais.
Além disso, sem dúvida, a estabilização da economia
e a consolidação do processo democrático, associadas à
existência de grande volume de capitais internacionais que
buscam novas oportunidades de investimento e novos
mercados, têm propiciado a retomada do crescimento econômico e ampliado o interesse de grandes empresas transnacionais por se localizarem no Brasil.
Outra face dessa mesma discussão pode ser sintetizada na disputa pela localização industrial. Praticamente
todos os estados da federação montaram programas de
incentivos e subsídios com objetivo de ampliar suas vantagens comparativas e conseguir atrair novas indústrias
para seu território. Os programas de incentivos criados
pelos estados, via de regra, procuram compensar a inexistência de vantagens estruturais ou sistêmicas da competitividade, presentes basicamente em São Paulo, em
algumas regiões de seu entorno e em outros poucos estados.9
Destacam-se, como aspectos centrais nas vantagens
locacionais do Estado de São Paulo frente às demais re-
TABELA 1
Participação do Estado de São Paulo no Valor de
Transformação Industrial do Brasil
1970-1994
Em porcentagem
Anos
1970
1975
1980
1985
1990
1992
1994 (1)
Participação
58,1
55,9
54,4
51,9
52,9
54,1
54,9
Fonte: Fundação IBGE. Censos Industriais de 1970, 1975, 1980 e 1985;
PIA 1990 e 1992 e PIM/PF 1992 e 1994.
(1) Calculado a partir da taxa de crescimento da produção física enre 1992 e 1994.
inflexão na curva da participação de São Paulo no valor
de transformação industrial nacional. Parece que foi interrompida a trajetória declinante observada no período
entre 1970 e 1985, retornando a participação paulista,
em 1994, ao mesmo patamar observado em 1980.
Todavia, isto não quer dizer que a trajetória de desconcentração industrial que tem ocorrido dentro do Estado de São Paulo, nas duas últimas décadas, sofrerá uma
reversão. Pelo contrário, o processo de interiorização do
desenvolvimento, no qual a produção industrial – que até
final dos anos 70 tinha forte concentração na capital –
tem se transferido para a periferia metropolitana e para o
interior, seguirá ocorrendo, mesmo que em menores dimensões. 8 Isso pode ser observado na Tabela 2, que mostra a evolução da participação das diversas regiões na
composição do valor adicionado na indústria de transformação do Estado de São Paulo.
TABELA 2
Participação das Regiões Administrativas no Valor
Adicionado da Indústria de Transformação
Estado de São Paulo e Regiões Administrativas – 1980-1994
Em porcentagem
OS NOVOS REQUISITOS PARA A
LOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL
Tão importante quanto toda essa discussão sobre os
impactos espaciais da reestruturação produtiva da indústria brasileira são as estratégias de localização que estão
sendo adotadas pelas novas empresas transnacionais que
têm tomado a decisão recente de se instalarem no Brasil,
bem como o impacto da retomada do crescimento sobre
o parque produtivo já instalado. Isso porque, no longo
período de recessão, os segmentos industriais mais modernos puderam se proteger através, dentre as diversas
estratégias implementadas, da ampliação da capacidade
ociosa planejada e da manutenção do mark up. Com a
retomada do crescimento, a resposta imediata tem sido
sentida exatamente naqueles segmentos, com crescimento
da participação relativa de alguns gêneros na produção
Regiões Administrativas
1980
1985
1990
1992
1994
ESTADO DE SÃO PAULO
RM de São Paulo
100,0
64,4
100,0
57,6
100,0
57,9
100,0
52,2
100,0
53,5
Interior
35,6
42,4
42,1
47,8
46,5
RA de Araçatuba
RA de Barretos
RA de Bauru
RA de Campinas
RA de Franca
RA de Marília
RA de Presidente Prudente
RA de Registro
RA de Ribeirão Preto
RA de Santos
RA de São José dos Campos
RA de São José do Rio Preto
RA de Sorocaba
RA Central
0,3
0,4
1,1
15,2
0,7
0,5
0,4
0,1
1,1
4,3
5,0
0,6
4,0
1,8
0,5
0,7
1,4
17,5
0,9
0,8
0,4
0,2
1,6
4,1
6,4
0,7
5,0
2,3
0,7
0,5
1,2
19,2
1,2
0,9
0,4
0,1
1,2
2,6
6,4
1,0
5,0
1,8
0,7
0,5
1,2
21,1
0,8
0,7
0,4
0,2
1,2
5,1
8,2
0,8
4,9
2,0
0,7
0,5
1,5
20,1
1,0
0,8
0,4
0,1
1,6
3,4
8,8
0,9
4,8
2,1
Fonte: Secretaria da Fazenda – Dipam; Fundação Seade.
56
DESENVOLVIMENTO REGIONAL:
NOVOS REQUISITOS PARA A LOCALIZAÇÃO...
do sul de Minas Gerais (Varginha, Pouso Alegre, Poços
de Caldas, dentre outros), são exemplos paradigmáticos
desta situação.
Na verdade, além dos centros industriais já consolidados de Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Santos, e seus respectivos entornos, a localização industrial
em São Paulo tem se orientado pelos grandes eixos de
ligação à capital, privilegiando as cidades com melhor
infra-estrutura do seu entorno. Assim, destacamos quatro eixos principais: o primeiro formado pelas rodovias
Bandeirantes e Anhangüera, com uma derivação para a
Washington Luiz, onde se destacam Ribeirão Preto, São
Carlos, Araraquara, Limeira, Piracicaba e Rio Claro. No
eixo formado pelas rodovias Presidente Dutra e Carvalho Pinto, destacam-se Jacareí, Taubaté, Lorena e Guaratinguetá, extrapolando a divisa estadual para algumas
cidades do Rio de Janeiro. Bauru e Botucatu destacamse no eixo Castelo Branco-Marechal Rondon. A peculiaridade está no eixo formado pela rodovia Fernão Dias,
que liga São Paulo a Belo Horizonte, pelo fato de estar
surgindo um novo implante industrial, em grande medida determinado pela proximidade com São Paulo, mas
localizado já em território mineiro, principalmente nos
municípios de Pouso Alegre, Varginha e Poços de Caldas. 12
Observa-se também que tem-se ampliado a disputa
pela localização industrial não só entre estados da federação, mas também entre as localidades, com a generalização de políticas municipais de atração industrial
(Caiado e Vasconcelos, 1994:100 e seg.). Todavia, os incentivos municipais, ainda menos que os estaduais, podem ser necessários, mas não são suficientes para uma
estratégia bem sucedida no longo prazo. Para que haja
um processo de crescimento local bem sucedido, a ação
do poder público deve extrapolar a esfera dos incentivos
– que são ações subjetivas – e atuar na criação ou ampliação das vantagens objetivas que o município possa
oferecer e que podem dar origem a vantagens estruturais, associadas à implantação de uma eficiência coletiva.
Assim, o investimento dos escassos recursos públicos deve ser canalizado para dotar o município de infraestruturas sociais adequadas, notadamente educação e
saúde, e também para formular e implementar políticas
de desenvolvimento urbano que contribuam para a elevação da qualidade de vida, tanto no que diz respeito a
um bom atendimento nos serviços públicos básicos quanto à implantação de um padrão ambiental que privilegie
a natureza. Essas ações, associadas ao empenho político- administrativo pela criação de sinergias entre os agentes do desenvolvimento, consubstanciam-se nas ações
fundamentais para tornar o processo de desenvolvimento mais efetivo. Isso porque, na estratégia empresarial
de localização industrial, cada vez mais, deixam de ser
giões brasileiras, o parque produtivo já instalado, um
mercado de trabalho sem paralelos no país, a infra-estrutura, sobretudo viária, a grande concentração de instituições de ensino e pesquisa de alto nível e uma gama extensa de serviços de apoio à produção. Esses são fatores
fundamentais e que estão substituindo os antigos requisitos de mão-de-obra barata e matéria-prima abundante.
O fato a ser destacado é que esse novo fluxo de investimentos deve privilegiar o interior do estado, pois, na
medida em que se homogeneízam as vantagens de localização entre a Região Metropolitana de São Paulo e parte do interior, pode-se dizer que o processo de localização industrial deverá ocorrer de forma desconcentrada.
Ou seja, não se dirigirá necessariamente para a Região
Metropolitana, podendo abarcar uma área mais ampla,
que contenha diversas regiões do interior paulista.10
Assim, graças às condições estruturais existentes no
interior – infra-estrutura, transportes, comunicações, proximidade do mercado consumidor, existência de mão-deobra qualificada e de centros de pesquisa e ensino, dentre
outras –, esse é o espaço mais adequado ao surgimento
de articulações que levem a uma collective efficiency,
tão procurada pela nova indústria (Schmitz, 1990). Têm
peso também na decisão locacional as deseconomias de
aglomeração, existentes na metrópole e ainda não presentes no interior.
Faz-se necessário, entretanto, lembrar que este processo
não deverá ser homogêneo em todo o estado, mas privilegiará as regiões mais industrializadas, com alguma sinergia entre as instituições públicas de P&D e a iniciativa privada, e contíguas aos grandes eixos de ligação da
metrópole com o restante do país. Assim, as Regiões
Administrativas de Campinas, Vale do Paraíba, Sorocaba, Central (São Carlos e Araraquara) e Ribeirão Preto já
têm sido as mais privilegiadas. As RAs de Bauru e São
José do Rio Preto, por se localizarem em importantes eixos de ligação com o oeste do estado e a região centrooeste do país, deverão ser secundariamente privilegiadas,
enquanto as outras regiões deverão prosseguir tendo sua
dinâmica econômica baseada na agroindústria ou, no caso
da RA de Santos, na indústria e no setor terciário.11
Há que ser destacado, também, que as fronteiras estaduais não constituem limites à localização industrial. Ao
contrário, a concessão de incentivos e benefícios por estados vizinhos pode determinar a migração ou o transbordamento da localização para porções contíguas ao
Estado de São Paulo, também localizadas próximas aos
grandes eixos de transporte que ligam à Região Metropolitana de São Paulo, sem contudo perder as vantagens
advindas dessa proximidade. Casos recentes de decisões
locacionais no município de Resende, no Rio de Janeiro,
bem como o recente implante industrial nos municípios
57
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
NOTAS
preponderantes a existência de mão-de-obra abundante e
barata, os grandes volumes de recursos naturais e os ganhos de escala – tão comuns no regime fordista de produção em massa – e passam a determinar a localização industrial a existência de mão-de-obra qualificada, a
possibilidade de constituição de um network produtivo,
os ganhos de escopo, a proximidade do mercado consumidor, a possibilidade de uma qualidade de vida amena
para seus funcionários, dentre outros.
Esses são os motivos que justificam a escolha da localização da nova indústria estar recaindo nos municípios de médio porte.13 Acredito que num futuro próximo
devam continuar prevalecendo os mesmos critérios e as
cidades que queiram entrar na disputa por localização
industrial, cada vez mais, deverão se preocupar mais com
a criação de vantagens objetivas do que com estruturas
municipais de incentivos fiscais, que, aliás, já são praticamente universais.
Este artigo contou com a colaboração da equipe da Divisão de Estudos Regionais da Diretoria Adjunta de Produção de Dados da Fundação Seade.
1. Ver a respeito Scott e Storper (1987); Castells (1988); Harvey (1992), Gottdiener
(1993); dentre outros.
2. Sobre a natureza do processo de globalização ver Coutinho (1995).
3. Há que ser observado, entretanto, que nos períodos de contração do consumo
e redução da taxa de investimento produtivo a crise não se abateu homogeneamente sobre o conjunto da indústria, foi mais forte nos setores voltados para o
mercado interno e na indústria de bens de capital.
4. A redução nos níveis de integração produtiva e o processo de fragmentação
da economia nacional, aqui sumariados, são temas brilhantemente tratados em
Pacheco (1996).
5. Sobre o processo de reestruturação da indústria brasileira ver Coutinho e Ferraz
(1994).
6. Pacheco aponta que há uma tendência à reaglomeração industrial indicada pela
bibliografia internacional em função da dimensão sistêmica que tem assumido a
competitividade dos modernos sistemas industriais: "... além da dimensão microeconômica da empresa, uma série de externalidades construídas passa a desempenhar papel fundamental nos ganhos de produtividade do conjunto do sistema industrial: a sinergia interna do network produtivo; a capacidade tecnológica e a inter-relação entre os aparatos públicos de C&T e a empresa privada; as
novas relações de trabalho e requisitos de qualificação de mão-de-obra; a infraestrutura de transporte e comunicações, etc. Com isto relativizam-se vantagens
advindas da dotação de recursos naturais ou de baixos salários" (Pacheco et alii,
1994).
7. Deve ser alertado, entretanto, que a interrupção dos censos econômicos em
1985 torna precária qualquer tentativa de análise da dinâmica econômica e requer a composição de indicadores alternativos, sujeitos sempre a uma possibilidade de erro. Assim, a análise aqui desenvolvida, por estar ancorada em proxis,
deve ser observada com precaução.
8. Sobre o processo de interiorização do desenvolvimento ver Cano (1988, 1992a,
1992b e 1994).
9. A discussão sobre as vantagens sistêmicas da competitividade encontra-se em
Coutinho e Ferraz (1994).
10. Não há nenhuma semelhança entre as teses aqui apresentadas e a idéia de
desindustrialização da metrópole paulista. Pelo contrário. Os dados apresentados na Tabela 3 mostram que a perda relativa de participação na produção industrial do estado está restrita basicamente à capital, que, sem dúvida, tem ampliado suas feições de cidade terciária. Mesmo assim, o parque industrial lá instalado a mantém como a cidade brasileira de maior produção industrial. Ou seja,
mesmo relativamente reduzida, a produção industrial do município de São Paulo
é superior à de qualquer outro estado da federação, além do Estado de São Paulo. Esta é uma peculiaridade brasileira, pois aqui o centro financeiro e terciário
de maior importância segue tendo também a maior produção industrial, sem apresentar nenhum sinal de obsolescência em seu parque industrial.
11. Sobre a trajetória econômica das diversas RAs e as novas estratégias de localização industrial, ver Caiado e Vasconcelos (1994).
12. Aqui foram listados os eixos e localidades atualmente privilegiados para a
localização industrial fora dos grandes centros do interior (Campinas, São José
dos Campos, Sorocaba e Santos). Não se pode esquecer, todavia, que a área
metopolitana de Campinas – formada basicamente pela Região de Governo de
Campinas – tem sido o espaço mais privilegiado para a localização industrial no
interior paulista, notadamente pela indústria de alta tecnologia. Além do
tradicional eixo de localização industrial formado pela Anhangüera (onde se
localizam as cidades de Americana, Hortolândia, Sumaré, Valinhos e Vinhedo),
a rodovia Campinas-Mogi-Mirim-Jaguariúna tem recebido grandes investimentos e, na Santos Dumont, Indaiatuba, Salto e Itu tendem a criar um forte eixo
industrial articulando Campinas até Sorocaba.
13. Sobre a rede urbana paulista e a dinâmica socioespacial ver Caiado (1995).
TABELA 3
Participação das Regiões no Valor Adicionado da Indústria
Estado de São Paulo, Regiões Administrativas e
Regiões de Governo – 1980-1994
Em porcentagem
Regiões Administrativas
e de Governo
1980
1985
1990
1994
100,00
100,00
100,00
100,00
RM de São Paulo
Município de São Paulo
Demais Municípios da RMSP
64,40
35,91
28,49
57,57
29,41
28,16
57,95
29,30
28,65
53,51
22,57
30,94
RA de Campinas
RG de Campinas
Demais RGs da RA de
Campinas
15,18
8,82
17,53
10,86
19,22
11,76
20,06
12,03
6,36
6,67
7,46
8,03
RA de São José dos Campos
RG de São José dos Campos
Demais RGs da RA de
São José dos Campos
5,01
3,23
6,35
4,12
6,36
4,66
8,76
7,11
1,78
2,23
1,70
1,65
RA de Sorocaba
RG de Sorocaba
Demais RGs da RA de
Sorocaba
4,00
3,08
4,96
3,94
4,99
3,16
4,77
3,54
0,92
1,02
1,84
1,23
RA de Santos
RG de Santos
4,29
4,29
4,10
4,10
2,63
2,63
3,36
3,36
Total das RGs selecionadas
(RGs de Campinas, Sorocaba,
S. J. dos Campos e Santos)
19,42
23,02
22,20
26,04
Demais RGs do Estado
de São Paulo
16,17
19,40
19,85
20,45
ESTADO DE SÃO PAULO
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59
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
O RURAL PAULISTA
muito além do agrícola e do agrário
JOSÉ GRAZIANO DA SILVA
Professor do Instituto de Economia da Unicamp
OTAVIO VALENTIM BALSADI
Analista da Fundação Seade
FLÁVIO PINTO BOLLIGER
Analista da Fundação Seade
MARIA ROSA BORIN
Analista da Fundação Seade
MARIA REGINA PARO
Analista da Fundação Seade
A
tese a ser desenvolvida neste artigo é a de que
as tradicionais atividades produtivas agrícolas e
pecuárias já não são suficientes para explicar a
dinâmica do emprego e da população rural do Estado de
São Paulo. É preciso incluir outras variáveis, como as atividades rurais não-agrícolas decorrentes da crescente urbanização do meio rural (moradia, turismo, lazer e outros
serviços), as atividades de preservação do meio ambiente, além de um conjunto de atividades intensivas
(olericultura, floricultura, fruticultura de mesa, piscicultura, criação de pequenos animais, como rãs, canários, aves
exóticas) que buscam "nichos de mercado" específicos
para sua inserção econômica.
A atual crise agrícola – que se traduz basicamente na
queda dos preços das principais commodities, como suco
de laranja, café e grãos, e do valor dos imóveis rurais –
impôs limites à expansão das tradicionais atividades agropecuárias. Nesse contexto, ganham importância "novas
atividades rurais" altamente intensivas e de pequena escala, propiciando novas oportunidades para um conjunto de pequenos produtores que já não se pode chamar de
agricultores ou pecuaristas e que muitas vezes nem são
produtores familiares, uma vez que a maioria dos membros da família está ocupada em outras atividades nãoagrícolas e/ou urbanas.
Este trabalho procurará comprovar essa tese. Na primeira parte, mostraremos o desempenho das atividades
agrícolas e pecuárias; na segunda, das atividades agroindustriais; na terceira, as mudanças ocorridas nas propriedades agropecuárias; na quarta, a ocupação rural e a
evolução do emprego agrícola; e na quinta, o crescimento
das atividades não-agrícolas.
DESEMPENHO DAS ATIVIDADES
PECUÁRIAS E AGRÍCOLAS
As informações sobre a área onde se desenvolvem as
atividades agropecuárias foram extraídas do Levantamento Objetivo e do Levantamento Subjetivo, ambos realizados pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) e pela
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati),
cinco vezes no ano-safra: setembro, novembro, fevereiro, abril e junho. O Levantamento Objetivo baseia-se
numa amostra de 3.622 imóveis sorteados do Cadastro
do Incra e fornece, além de outros itens, a previsão de
safra para as principais culturas. Já o Levantamento Subjetivo consta de um questionário por município do estado, aplicado por técnicos das Casas da Agricultura, segundo uma amostragem intencional de imóveis rurais.
Serve para validar os dados do Levantamento Objetivo
e para a previsão de safra das culturas e atividades não
presentes naquele levantamento, como por exemplo as
atividades de olericultura e reflorestamento.
Os dados da Tabela 1 mostram as taxas de crescimento
anual das principais atividades agropecuárias no Estado
de São Paulo nas duas últimas décadas. Nos anos 70, a
área com culturas perenes cresceu mais de 5% ao ano,
graças ao desempenho extraordinário dos preços da laranja no mercado internacional; enquanto a área com pastos naturais diminuiu drasticamente. Na década de 80, o
crescimento das culturas permanentes foi bem menor, mas
ainda expressivo (quase 1% a.a.); e as pastagens plantadas praticamente recuperaram as áreas perdidas no período
anterior. Nos últimos anos, apenas as áreas com florestas
plantadas e com pastos naturais vêm perdendo espaço
na agropecuária paulista.
60
O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO
pastagens) se tornou um fenômeno alarmante, pelo impacto sobre população ocupada na agricultura (Carrer,
1995);
TABELA 1
Taxas Anuais de Crescimento das Principais
Atividades Agropecuárias
Estado de São Paulo – 1969-1992
- segundo, a mudança qualitativa da atividade pecuária,
com a melhoria da qualidade das pastagens, que possibilitou a elevação do padrão genético do gado, destacandose os cruzamentos industriais a partir do uso de
reprodutores de raças melhoradas; o aparecimento de uma
atividade nova, altamente intensiva e tecnologicamente
sofisticada, que é a própria criação e melhoramento de
raças puras; o crescimento da atividade de confinamento,
tanto por parte de pecuaristas tradicionais, como por parte de novos produtores (muitos de origem urbana), aproveitando-se da disponibilidade de subprodutos agroindustriais como a ponta de cana, bagaço de laranja e a cama
de frango;
Em % a.a.
Atividades
1969-1980
1981-1992
TOTAL DA ÁREA
-
(1) 0,4
Total Culturas
Culturas Anuais
Culturas Perenes
(1) 1,0
-0,2
(2) 5,3
0,2
-0,1
(2) 1,0
Total Pastagem
Pastagem Natural
Pastagem Cultivada
(2) -2,0
(2) -4,4
(1) -0,7
0,2
(2) -2,0
(1) 1,0
-
(2) -1,6
Florestas Plantadas(3)
Fonte: Instituto de Economia Agrícola – IEA,1994.
(1) Significativo a 5%.
(2) Significativo a 1%.
(3) As áreas de florestas plantadas só abrangem o período 1978-92.
- terceiro – e talvez a mais importante – a mudança no
padrão de comportamento dos pecuaristas. A grande instabilidade financeira vigente nos anos 80, ancorada na
melhoria das pastagens e do padrão genético dos animais
e no crescimento da atividade de confinamento, praticamente anulou o tradicional comportamento cíclico dos
preços do boi gordo. Com isso, a retenção ou não de animais no pasto passou a ser guiada pelo comportamento
dos ativos financeiros, incluído o próprio mercado de
animais de reposição, o que deu origem a uma atividade
produtiva de caráter fortemente especulativa. É importante
salientar que esse novo padrão de comportamento dos
pecuaristas só foi possível graças às mudanças tecnológicas que propiciaram a base material a essa "especulação
produtiva" (Mielitz, 1994).
É importante salientar que a área total ocupada com
atividades agropecuárias no estado praticamente não sofreu alteração nos últimos anos. Pode-se dizer que as
mudanças na composição das atividades agropecuárias nos
anos 80 e 90 se fizeram através de um processo de substituição de culturas.
Pecuária
Dentre as atividades agropecuárias, a área de pastagem é a mais expressiva, tendo ocupado, em 1995, quase 60% dos 17.823 mil hectares cultivados, segundo os
dados da Tabela 2. Conforme salientado anteriormente,
esta atividade apresentou uma taxa de crescimento significativa a partir de 1981, ocupando 8.316 mil hectares
em 1995. Por outro lado, as pastagens naturais decresceram 30% no período 1983-95, cedendo espaço tanto
para as pastagens cultivadas quanto para as culturas
anuais e perenes, atividades mais rentáveis e intensivas.
O crescimento da área de pastagens plantadas reflete
as profundas mudanças na atividade pecuária bovina no
Estado de São Paulo, nas últimas décadas, entre as quais
se destacam:
- primeiro, o crescimento físico do rebanho que passou
de 11,6 milhões de cabeças, em 1982, para 12,6 milhões,
em 1992, segundo os últimos dados disponíveis da pesquisa Produção da Pecuária Municipal (PPM) do IBGE.
Esse crescimento de 0,8% a.a. foi o maior da região Sudeste e também maior que o da região Sul do país, ficando abaixo do Centro-Oeste, onde o rebanho cresceu a uma
taxa de 3,9% a.a. no mesmo período, e do Nordeste, onde
a pecuarização (substituição de culturas tradicionais por
De acordo ainda com Carrer, "com a instabilidade econômica, os produtos intermediários (bezerro desmamado, garrote, boi magro, novilha) ganharam importância
(...) incentivando um processo de verticalização e fazendo com que as empresas buscassem implantar, pelo menos mais uma fase de produção"(Carrer, 1995:12).
O principal resultado dessas mudanças na atividade
pecuária nos anos 80 foi o tão sonhado encurtamento do
tempo de abate e a melhoria da taxa de desfrute do rebanho paulista. Esta taxa traduz a relação entre o número
de animais anualmente abatidos e o efetivo total do rebanho. No Estado de São Paulo, é superior a 18% (a média
nacional é de 13%), segundo estimativas do Centro Nacional de Gado de Corte da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A pecuária paulista deixou de ser o reduto dos grandes
latifúndios atrasados para converter-se num ramo moderno
do ponto de vista produtivo (ainda que se mantenha como
o bastião do conservadorismo agrário, segundo Pessanha,
1995), com forte presença de segmentos de pequenos e
médios produtores. Esses produtores, muitos dos quais sem
61
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
tradição anterior na atividade pecuária e alguns até mesmo de origem urbana (comerciantes, por exemplo), foram atraídos pela facilidade de entrada e saída que a atividade oferece atualmente. Isso decorre da menor escala
exigida para se ingressar na atividade (pode-se até mesmo alugar vacas de cria ou bois de engorda) em função
da proliferação de mercados secundários mais livres, como
os leilões, por exemplo.
Além da bovinocultura de corte e leite, a avicultura e
a suinocultura têm participação importante na produção
agropecuária do estado. A avicultura consolidou-se como
parte de um importante complexo integrado de granjas,
abatedouros, fábricas de ração e pintos de um dia, atividades impulsionadas tanto pelo aumento do consumo interno da carne de frango quanto pelas exportações. A
suinocultura tem-se consolidado, também, como produtora de matrizes e reprodutores e vem apresentando grande avanço tecnológico, propiciado por investimentos no
setor.
Nos anos recentes, os padrões técnicos de eficiência
nessas atividades têm-se alterado em favor de unidades
de escala cada vez maior. Frente aos novos padrões, a
criação de suínos com poucas matrizes, mesmo com milho próprio, tem-se mostrado cada vez mais inviável. As
novas granjas são integradas à produção de soja e milho
em larga escala e produzem sua própria ração, valendose de máquinas extrusoras de pequeno porte, hoje disponíveis no mercado. Essa tendência questiona o modelo
de integração com pequenos produtores e favorece o deslocamento da atividade para o Centro-Oeste.
TABELA 2
Área Cultivada e Participação Relativa das
Principais Atividades Agropecuárias
Estado de São Paulo – 1983-1995
1983
Principais
Atividades
Total
Culturas Anuais
Culturas Perenes
Olerícolas
Reflorestamento
Pastagem Natural
Pastagem Cultivada
1995
Área Cultivada
(Em 1.000 ha)
%
Área Cultivada
(Em 1.000 ha)
18.017
5.096
1.565
37
1.064
2.883
7.372
100,0
28,3
8,7
0,2
5,9
16,0
40,9
17.823
5.319
1.228
71
879
2.010
8.316
%
100,0
29,8
6,9
0,4
4,9
11,3
46,7
Fonte: Instituto de Economia Agrícola – IEA; Camargo et alii (1995).
cativa da área ocupada pela cultura de café, devido a problemas fitossanitários, geada e queda dos preços internacionais. Também houve redução da área plantada com
culturas de goiaba, mamão e tangerina. Em contrapartida, tiveram expansão as áreas de cultivo perene de banana, laranja, limão, manga e seringueira, com maior destaque para a laranja e a seringueira, impulsionadas pelo
desempenho de suas agroindústrias processadoras.
Nas atividades de reflorestamento, também houve redução da área plantada da ordem de 17,5%, no período
1983-1995. Atualmente, estas atividades respondem por
apenas 5% (879 mil hectares) da área cultivada no estado.
Merece destaque o crescimento da área ocupada com
olerícolas no período 1983-95 (92%). Apesar de responderem por apenas 0,4% da área total, essas culturas caracterizam-se pelo uso intensivo de mão-de-obra em modernos sistemas produtivos (plasticultura e hidroponia) e
constituem uma importante alternativa de renda para os
agricultores paulistas.
Uma característica importante da agricultura paulista, que tem permanecido relativamente inalterada nas últimas duas décadas, é a concentração da área cultivada
e da produção em poucas regiões. As Diras com maior
participação na área cultivada das principais culturas são
Campinas, Ribeirão Preto, Sorocaba, São José do Rio
Preto, São Carlos e Bauru (Camargo et alii, 1995).
Esse comportamento é semelhante também para as olerícolas (que estão concentradas nas regiões de Sorocaba
e Campinas), além das culturas da seringueira, do chá e
de frutíferas como o abacaxi, banana, goiaba, morango
e uva, que apresentam um perfil regional muito significativo.
A concentração da produção tem reflexos importantes
sobre a demanda da força de trabalho agrícola no estado.
Atividade Agrícola
Com uma área cultivada de 5.319 mil hectares, as culturas anuais (temporárias) representavam 30% da área total
do estado, em 1995. Entre 1983 e 1995, as culturas anuais
que cederam área para outros cultivos foram algodão,
amendoim, arroz, feijão, mamona, mandioca, tomate rasteiro e trigo. Como a área total ocupada por culturas anuais
(temporárias) não sofreu mudança tão drástica (até aumentou um pouco), algumas culturas compensaram essas perdas, como é o caso, principalmente, da cana-deaçúcar, além de outras de menor escala, como o abacaxi
e o tomate envarado. Nesse período, as áreas cultivadas com batata, cebola, milho e soja praticamente mantiveram-se constantes, apesar de pequenas oscilações
(Tabela 2).
A área ocupada com culturas perenes totalizou 1.228
mil hectares, cerca de 7% da área total cultivada, participação menor do que a registrada em 1983 (8,7%). O
principal fator responsável por esta retração, nos últimos anos, tem sido uma redução extremamente signifi-
62
O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO
As Diras já mencionadas têm respondido, nos últimos
anos, por cerca de 70% do total do emprego agrícola,
consideradas as 46 principais culturas (Fundação Seade,
1995). Também na distribuição da demanda da força de
trabalho agrícola por cultura, que será analisada posteriormente, pode-se observar uma concentração em poucas
atividades.
Por outro lado, registrou-se uma diminuição importante
do número de estabelecimentos. Contribuem para esse
comportamento principalmente os ramos de beneficiamento de grãos e de fibras têxteis e a fabricação de aguardentes e óleos (Tabela 3).
Esse último resultado é coerente com a diminuição da
produção da maioria dos grãos, trigo (-8,0 a.a.), soja (0,4% a.a.), arroz (-3,3% a.a.), amendoim (-6,3% a.a.) e
algodão (-5,0% a.a.), e do café (-6,6% a.a.).
Observa-se diminuição também na produção da agroindústria do algodão (-1,2% a.a.), da soja (-2,2% a.a.) e de
milho e rações (-0,7% a.a.). Já as agroindústrias do trigo, baseada em matéria-prima importada, e do café cresceram, respectivamente, 1,2% e 0,9% a.a.
Esses dados sugerem o deslocamento de algumas
agroindústrias para fora do estado (algodão e soja), combinado a um processo de concentração da produção agroindustrial (café e trigo). Pequenos estabelecimentos de
atuação local, como os de beneficiamento simples de
grãos e fabricação de aguardente, dão lugar a plantas
maiores e com atuação mais ampla, inclusive valendose de matéria-prima vinda de outros estados.
A agroindústria do café teve de se adaptar às alterações de mercado decorrentes da suspensão das cláusulas
econômicas do Acordo Internacional do Café, em julho
de 1989, o que provocou acentuada queda de preços do
produto nos anos subseqüentes.
As modificações ocorridas redundaram em enormes
perdas para os cafeicultores e exportadores. A aquisição
de café verde pelas grandes torrefadoras vem mudando o
perfil da comercialização do produto no âmbito interno.
A supressão de intermediários no percurso da transformação do produto passa a ser uma condição para que ele
se mantenha competitivo e um fator de oportunidades
(Vegro, 1994).
Segundo Belik (1994:13), “depois da desregulamentação (1990) a indústria moageira de trigo começou a
mudar rapidamente. Muitas ‘trading companies’ estão
agora investindo nesta atividade, substituindo o governo no suprimento do trigo e buscando integrar elos da
cadeia a jusante. Como conseqüência, os preços estão
caindo rapidamente e as companhias tradicionais estão
perto do colapso. Por outro lado, novos capitais entraram nesse setor saturado como companhias independentes ou como resultado de integração para trás.”
Como já foi dito anteriormente, a redução da produção de alguns ramos agroindustriais e da maioria das culturas teve como contrapartida incrementos verificados
na produção das agroindústrias de cana-de-açúcar (1,6%),
laranja (5,4%) e papel e celulose (2,9%) e na produção
agrícola de cana-de-açúcar (5,8%), laranja (4,2%) e látex
(34%).
ATIVIDADES AGROINDUSTRIAIS
As alternativas de séries estatísticas, passíveis de serem organizadas em complexos agroindustriais, são poucas e bastante problemáticas. Negri Neto (1995) faz uma
análise da distribuição regional dos estabelecimentos
agroindustriais no Estado de São Paulo, a partir de dados do Cadastro Geral de Contribuintes de 1978 e do Cadastro da Cetesb de 1989. Procedimento similar foi adotado aqui para obtenção de informação para 1995,
usando-se dados do Cadastro de Empresas Empregadoras do Ministério do Trabalho. Essas informações estão
reunidas na Tabela 4, porém, numa categorização mais
restrita e agregada.1
A Tabela 4 mostra as taxas anuais de crescimento da
produção de segmentos agroindustriais selecionados e de
suas principais matérias-primas, calculadas a partir dos
índices de produção física da agroindústria derivados da
PIM-PF/IBGE; as taxas relativas à produção agropecuária tiveram como base os dados do IEA e da PAM/IBGE.
A mesma tabela incorpora ainda informações sobre o valor da produção agropecuária, o que permite a comparação da importância relativa de cada um dos ramos considerados.
A comparação de informações de cadastros distintos
deve ser tomada com restrições em decorrência das diferenças dos critérios de levantamento e método de atualização dos dados. Por outro lado, o levantamento PIM/PF
baseia-se num painel fixo, construído a partir do levantamento censitário de 1980, para o qual não houve uma
atualização sistemática. Isto pode ter levado a distorções
nos indicadores agroindustriais, dependendo do nível de
reestruturação empresarial do setor considerado. Por esses motivos, a análise será restrita ao conjunto dos dados disponíveis para o Estado de São Paulo e, sempre
que possível, buscará referências em estudos setoriais.
Vista como um todo, a produção agroindustrial paulista apresentou crescimento entre 1981 e 1993. O processamento de produtos da agricultura expandiu-se a uma
taxa de 0,9% a.a. e o de produtos pecuários a 1,3% a.a.
Esse desempenho decorreu do peso e comportamento de
algumas de suas principais atividades: açúcar e álcool,
suco de laranja, café, papel e celulose, leite e laticínios
e aves (Tabela 4).
63
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
TABELA 3
Número de Agroindústrias, por Divisões Regionais Agrícolas (DIRAs), segundo Atividades Selecionadas
Estado de São Paulo – 1978-1995
DIRAs (1)
Agroindústrias
Anos(2)
Total
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
Total A (3)
1978
1989
1995
128
131
231
384
329
619
426
329
347
1.836
1.736
1.258
406
184
361
246
222
232
853
276
310
343
227
159
376
280
246
174
187
128
200
103
107
189
60
69
268
136
202
5.829
4.200
4.269
Total B (4)
1989
1995
136
243
440
665
414
407
2.038
1.450
252
412
278
282
315
352
250
179
298
276
208
141
125
129
88
88
162
234
5.004
4.858
Beneficiamento
de Borracha
1989
1995
0
2
3
3
3
1
6
7
1
1
0
0
5
7
1
1
0
0
1
1
0
0
5
0
0
0
25
23
Couros
1978
1989
1995
2
1
4
9
5
20
18
1
20
66
31
46
37
30
40
13
18
18
9
2
10
10
6
11
12
8
13
4
6
6
3
1
1
3
2
2
4
2
10
190
113
201
Óleos e
Gorduras
1989
1995
2
2
3
8
7
3
25
13
2
1
7
5
5
3
2
0
1
2
0
1
0
0
0
1
3
2
57
41
Beneficiamento
de Fibras
Têxteis
1978
1989
1995
1
0
9
37
21
55
10
10
17
266
144
115
6
10
18
3
4
14
6
13
4
7
2
1
13
10
9
2
0
3
1
0
2
1
3
3
3
5
6
356
222
256
Beneficiamento,
Moagem
e Torrefação
1978
1989
1995
50
42
73
115
84
156
256
127
129
550
442
318
246
51
114
146
93
73
711
173
156
252
134
81
258
135
110
121
115
58
159
69
68
135
21
35
173
61
83
3.172
1.547
1.454
Conservas
1978
1989
1995
25
25
32
31
29
37
13
25
22
152
124
96
19
14
25
6
12
17
13
14
14
8
6
8
10
6
10
4
11
2
2
5
2
6
4
0
10
14
11
299
289
276
Abate e
Frigoríficos
1978
1989
1995
4
12
29
58
59
101
43
52
50
218
253
213
32
17
72
26
36
40
55
26
40
18
20
19
24
39
30
5
12
11
10
8
14
10
8
2
13
16
41
516
558
662
Leite e
Laticínios
1978
1989
1995
1
3
13
22
27
43
18
42
29
54
83
60
14
14
15
9
7
9
14
23
23
13
26
14
19
19
21
9
15
12
9
6
9
10
9
10
7
12
6
199
286
264
Açúcar
1978
1989
1995
2
2
5
0
0
30
3
3
13
43
30
76
20
18
11
8
6
9
3
4
14
1
0
4
0
1
8
1
1
8
4
4
3
2
2
2
13
9
5
100
80
188
Alimentos
Diversos
(Inclusive Rações)
1978
1989
1995
43
46
66
112
104
177
65
69
67
487
629
334
32
30
66
35
46
52
42
21
49
34
33
21
40
62
45
28
27
28
12
10
8
22
11
15
45
17
40
997
1.105
968
Bebidas
1989
1995
3
8
105
35
75
56
271
172
65
49
49
45
29
32
20
19
17
28
20
11
22
22
23
18
23
30
722
525
Fonte: Fundação Seade; Ministério da Fazenda. Cadastro Geral de Contribuinte; Companhia de Tecnologia Saneamento Ambiental - Cetesb; Ministério do Trabalho. Cadastro de Empresas
Empregadoras; Negri Neto (1995).
(1) Relação das DIRAs: 2- Registro; 3- São José dos Campos; 4- Sorocaba; 5- Campinas; 6- Ribeirão Preto; 7- Bauru; 8- São José do Rio Preto; 9- Araçatuba; 10- Presidente Prudente; 11- Marília;
12- Vale do Paranapanema; 13- Barretos; 14- São Carlos.
(2) Para 1995, os dados referem-se a fevereiro.
(3) Inclui apenas as Agroindústrias para as quais há possibilidade de dados para os três anos considerados:1978, 1989 e 1995.
(4) Inclui todas as Agroindútrias analisadas.
64
O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO
partir da PIM/PF é fortemente negativa (-6%), enquanto
a taxa de abate de suínos no levantamento subjetivo do
IEA é fortemente positiva (4%). Especialistas consultados confirmam a expansão dessa atividade no estado (Tabela 4). Observa-se, ainda, decréscimos na produção agroindustrial e na produção de carne bovina (-2,5% e -0,4%).
Já os desempenhos da agroindústria de aves e da avicultura são positivos (3,1% e 2,7%, respectivamente).
Os dados da Tabela 3 registram o crescimento do número de estabelecimentos de abate e frigoríficos. Assim,
não refletem a migração da agroindústria de carne por
motivos fiscais. Note-se que essa migração tem sido mais
vinculada ao abate e processamento bovino do que ao de
aves e suínos.
Nos anos 80, a indústria processadora de carne bovina
iniciou o fluxo migratório para o Centro-Oeste, seguindo
o avanço da atividade agropecuária na região e aproveitando os benefícios e incentivos fiscais de programas estaduais, como mostra Carrer (1995):
“A produção dessas regiões começou a concorrer com
as mais tradicionais do Estado de São Paulo, tanto no
momento da compra do boi como na venda da carne, ocasionando uma queda no diferencial de preços paulistas
em relação aos dos outros Estados. Tal competição acirrou a disputa pelos Estados pela manutenção das suas
empresas instaladas ou em fase de implantação, tornando
a questão da tributação e a conseqüente ‘guerra fiscal’, o
grande debate no setor para o final dos anos 80 e início
dos 90.”(Carrer, 1995:15).
“A aparente estabilidade do real tirou a rede protetora
que a inflação propiciava e costumava ser suficiente para
amortecer as ineficiências de toda a ordem. Analistas do
setor indicam um alto grau de obsolescência dos grandes
abatedouros, sendo que começam a ser suplantados por
unidades menores e mais ágeis, distribuídas regionalmente.” (Carrer, 1995:27).
Os dados das Tabelas 3 e 4 indicam ainda um crescimento importante da pecuária leiteira (5,8% a.a.) no estado, assim como da indústria processadora, seja na produção (1,6 %), seja no número de estabelecimentos.
Segundo Vegro e Sato (1995), antes de 1990, predominavam na agroindústria de leite e laticínios processadores
atomizados de atuação regional. A partir da desregulamentação do setor e do surgimento do Mercosul, intensificou-se um processo de fusões e aquisições capitaneado
por empresas transnacionais. A expansão do domínio de
mercado das grandes empresas e cooperativas deve ter
impacto na organização e localização dessa atividade.
Em relação à distribuição das agroindústrias nas Diras,
verifica-se que alguns setores tiveram alterações significativas. Por um lado, houve redução do número de unidades de beneficiamento, moagem e torrefação, com re-
TABELA 4
Taxa Anual de Crescimento da Produção Física
Agroindustrial e Agropecuária (Matérias-Primas Principais)
e Valor da Produção Agropecuária
Estado de São Paulo – 1980 -1995
Agroindústria/
Produto
Agropecuário
TOTAL
Produção
Agroindustrial
Taxa (1)
% a.a.
Produção Agropecuária
Valor (1994)
Taxa (2)
% a.a.
US$ milhões
%
...
...
4.095
100,0
Derivados da
Agricultura (3)
Cana-de-Açúcar
Laranja
Café
Milho
Soja
Papel e Celulose/
Silvicultura
Algodão
Arroz
Amendoim
Trigo
Borracha
Uva
Fumo
0,9
1,6
5,4
0,9
-0,7
-2,1
...
5,8
4,2
-6,6
1,9
-0,5
3.456
1.575
657
573
222
174
84,4
38,5
16,04
14,0
5,4
4,3
2,9
-1,1
...
...
1,2
...
-2,3
-3,1
...
-5,0
-3,3
-6,3
-8,0
34,1
-6,8
-10,3
137
70
28
18
2
...
...
...
3,3
1,7
0,7
0,4
0,1
...
...
...
Derivados da
Pecuária (3)
Carne Bovina
Leite e Laticínios
Aves
Carne Suína
Lã
1,3
-2,4
2,3
3,1
-6,0
4,6
...
-0,4
0,9
2,7
4,3
...
639
397
242
221
78
...
15,6
9,7
5,9
5,4
1,9
...
Fonte: Instituto de Economia Agrícola – IEA; Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE; Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade.
(1) Variação entre os triênios 81/82/83 e 91/92/93.
(2) Variação entre os triênios 80/81/82 e 93/94/95.
(3) A taxa de crescimento da produção agroindustrial considera outros ramos de menor importância, além dos aqui relacionados.
Observa-se um aumento significativo das unidades
agroindustriais dedicadas à produção de açúcar e, em
menor grau, daquelas que produzem álcool etílico. A variação do número de estabelecimentos de beneficiamento de borracha foi pouco expressiva e o dado da atividade
de conservas não é adequado para qualquer indicação a
respeito do ramo de suco de laranja nele incluído.
A análise da agroindústria de carnes é particularmente
prejudicada pela precariedade das estatísticas disponíveis.
Afora os problemas metodológicos, conta para isso o nível de sonegação fiscal em que opera o setor, que resulta
no caráter parcial das informações por ele prestadas.
Medidas para praticamente o mesmo período, a taxa de
crescimento anual da agroindústria de suínos apurada a
65
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
MUDANÇAS NAS PROPRIEDADES
AGROPECUÁRIAS
flexo em quase todas as Diras; de fibras têxteis, especialmente na Dira de Campinas; e de bebidas, em Campinas,
São José dos Campos, Sorocaba, Ribeirão Preto e Marília. Por outro lado, houve aumento nos setores de leite e
laticínios, com destaque para São José dos Campos, Sorocaba e São José do Rio Preto; e de açúcar, em Campinas e São José dos Campos.
As Diras com grande variação negativa foram Campinas, São José do Rio Preto, Araçatuba, Marília, Vale do
Paranapanema, Barretos e São Carlos. Apresentaram aumento do número de agroindústrias as Diras de São José
dos Campos e Registro, ambas nos setores de beneficiamento e moagem e torrefação, abate, leite e laticínios,
açúcar e alimentos diversos. Na Dira de Bauru a perda
em beneficiamento, moagem e torrefação foi compensada por ganhos na maioria das outras agroindústrias.
Conforme assinala Negri Neto (1995:69), “a variável
número de agroindústrias não é suficiente para caracterizar a importância entre as Diras ... (e sua redução) não
significa enfraquecimento do setor.” Como vimos anteriormente, o processo de reestruturação dos setores com
ganhos de eficiência pode se dar ou com a concentração
em um número menor de plantas (café e trigo), ou com
dispersão em unidades menores e mais ágeis (abate e frigoríficos). Se esses dados de cadastros refletem, em alguma medida, um movimento efetivo, este se traduz no
grande dinamismo experimentado pela agroindústria paulista, nos últimos 15 anos.
A emergência dos complexos agroindustriais para a
articulação de interesses de inúmeros ramos agropecuários, industriais e comerciais é uma das marcas do desenvolvimento paulista do período. O desenvolvimento da
agroindústria orientou o reordenamento das atividades
agropecuárias e induziu mudanças de grande impacto no
padrão tecnológico agropecuário e na organização da produção no meio rural. O fenômeno da industrialização e
desenvolvimento urbano do interior do estado pode, inclusive, ser creditado, em grande medida, ao crescimento
do setor agroindustrial.
Hoje o setor está consolidado e já não encontra uma
base de crescimento extensivo na produção agropecuária
do estado. Em que pese a importância da agroindústria
de São Paulo, outras regiões do país são hoje mais atrativas para muitos dos novos investimentos e para expansão do setor agroindustrial. Pelo menos num horizonte de
médio prazo, não são previstos movimentos importantes
de realocação de seus diversos ramos nas fronteiras do
estado, nem impactos significativos de reestruturação
agropecuária. Assim, nada indica que venha a desempenhar o mesmo papel que teve no passado, na dinâmica
futura da população rural do estado.
No final de 1994, a Fundação IBGE começou a divulgar alguns resultados preliminares da amostra em que se
baseia a Pesquisa de Previsão e Acompanhamento de
Safras (Prevs) para os estados de São Paulo, Paraná e Santa
Catarina. Essas informações econômicas foram obtidas
com a mesma metodologia utilizada para as estimativas
de previsão de safras,2 cuja coleta de dados é baseada em
um sistema de amostras probabilísticas.3
Os dados da Tabela 5 mostram a participação relativa
das despesas e receitas totais nos estabelecimentos agropecuários. Antes de mais nada, é preciso destacar a surpreendente queda do valor total das despesas pagas no
período 1985-93. Consulta realizada junto a técnicos do
próprio IBGE sobre os dados socioeconômicos da Prevs
nos leva a tratá-los com bastante cautela, mas uma possível explicação para o fato é a diferença do patamar inflacionário. Em 1985, os preços subiram cerca de 200% ao
longo do ano, enquanto em 1993 tinham subido quase oito
vezes até setembro, época do levantamento da Prevs.
Como os informantes não necessariamente atualizam
monetariamente as informações prestadas, pode-se supor
que os dados de 1993 estão subestimados relativamente
aos de 1985, o que poderia explicar a queda generalizada
das despesas dos estabelecimentos agropecuários. Por isso,
a cautela nos faz ressaltar apenas os dados que apresentaram crescimento ou queda muito fortes no período 198593.
Os itens que mais cresceram foram os juros e despesas
bancárias – que passaram de 5% para 15,3%, no período
1985-93 – e os que mais diminuíram relativamente foram as despesas com o arrendamento e a parceria (que
denominamos pagamento da renda da terra), impostos e
taxas e o pagamento dos serviços de empreitada que, no
caso, engloba mão-de-obra, máquinas e equipamentos.4
O crescimento das despesas bancárias já era esperado
diante da grande instabilidade financeira do período considerado. Ainda que a magnitude do crescimento seja assustadora, nunca é demais lembrar que os dados de 1993
podem estar subestimados em relação aos de 1985. Ou
seja, o crescimento das despesas bancárias deve ter dobrado no período 1985-93.
A queda no valor das empreitadas está, sem a menor
dúvida, associada à brutal redução dos salários pagos aos
trabalhadores rurais (Tabela 6) no Estado de São Paulo
como um todo. Para todas as categorias de trabalhadores
rurais houve significativa redução salarial, no período
1985-94. Nos anos de 1993 e 1994, houve uma pequena
recuperação dos salários, que chegaram próximos aos
66
O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO
valores de 1990, com exceção das categorias tratorista e
mensalista, mas num patamar ainda muito inferior ao registrado no ano de 1985.
É interessante ressaltar que as despesas com salários
pagos aumentaram em termos relativos no período 1985-93,
ainda que o salário de todas as categorias de trabalhadores rurais tenha se reduzido. Isso significa que cresceu
muito o assalariamento na agricultura paulista, confirmando as mesmas tendências para o Brasil.5
Nos dados da Tabela 5 é surpreendente a grande redução dos pagamentos relativos à renda da terra. Essa indicação – acrescida da despesa com pagamento de parceiros (incluído no item Outros), que permaneceu
praticamente a mesma no período (2%) – contradiz as
notícias de um grande aumento nos contratos de arrendamento nas áreas de cana-de-açúcar em todo o estado, especialmente com pequenos e médios produtores. Esse tipo
de contrato, considerado juridicamente como uma "falsa
parceria", tornou-se na verdade uma "alternativa" de sobrevivência da pequena produção nas regiões canavieiras,
uma vez que os pequenos proprietários arrendam as melhores terras para a expansão das usinas e retêm as terras
consideradas impróprias para o plantio da cana para outras atividades, como a pecuária de corte intensiva (confinamento a céu aberto).
A queda das rendas pagas reflete-se no item referente
a outras receitas do produtor rural, as quais reduziramse, assim como a venda de produtos vegetais, dada a queda de preços reais para a maioria dos principais produtos
da agricultura paulista no período 1985-93 (Tabela 5).
Outro fato muito importante para a estrutura dos estabelecimentos agropecuários paulistas é que o único item
das receitas que cresceu em termos absolutos, no período
1985-93, foi o de prestação de serviços para terceiros. Ou
seja: reduziu-se a importância das receitas oriundas das
atividades agrícolas, pecuárias e outras fontes e cresceu a
das realizadas fora do estabelecimento. Os serviços prestados a terceiros representavam, em 1993, quase 10% das
receitas dos estabelecimentos agropecuários paulistas.6
Isso nada mais é, na nossa opinião, que o reflexo da
crescente importância dos produtores part-time na agricultura do Estado de São Paulo, tema que não é possível
desenvolver aqui.7
TABELA 5
Participação Relativa das Despesas e Receitas Totais
dos Estabelecimentos Agropecuários
Estado de São Paulo – 1985-1993
%
US$ 1.000 (1)
%
Variação
Real
%
2.756
510
100,0
18,5
1.756
362
100,0
20,6
-36,3
-29,1
Renda da Terra
Adubos e Corretivos
Sementes e Mudas
198
364
85
7,2
13,2
3,1
42
254
42
2,4
14,5
2,4
-78,8
-30,0
-50,7
Defensivos Agrícolas
Medicamentos
Animais
163
5,9
100
5,7
-38,5
50
1,8
63
3,6
27,4
Alimentação Animal
Serviços de
Empreitada
259
9,4
107
6,1
-58,7
1985
Despesas e
Receitas
1993
US$ 1.000 (1)
Despesas
Salários Pagos
201
7,3
49
2,8
-75,6
Juros e Despesas
Bancárias
Impostos e Taxas
138
94
5,0
3,4
268
21
15,3
1,2
94,9
-77,5
Combustíveis e
Lubrificantes
Outras
218
477
7,9
17,3
147
298
8,4
17,0
-32,3
-37,4
Receitas
Venda de
4.668
100,0
2.354
100,0
-49,6
Produtos Vegetais
Venda de
Produtos Animais
3.394
72,7
1.534
65,2
-54,8
1.092
23,4
593
25,2
-45,7
23
159
0,5
3,4
195
30
8,3
1,3
736,9
-80,7
Serviços Prestados
Outras
Fonte: Fundação IBGE. Censo Agropecuário de 1985 e Prevs de 1993.
(1) Valores constantes de 1993, deflacionados pelo índice de preços ao consumidor nos EUA.
TABELA 6
Salários Rurais, segundo Categoria do Trabalhador
Estado de São Paulo – 1985-1994
Categorias
1985
1990
1993
1994
Administrador (1)
391
281
267
280
Tratorista (1)
257
178
158
162
Capataz (1)
256
183
184
183
Mensalista (1)
195
125
118
114
Diarista a Seco (2)
7
5
4
5
Volante (2)
8
6
5
6
OCUPAÇÃO E EMPREGO RURAL
Os dados da Prevs também permitem uma comparação com os dados do Censo Agropecuário de 1985 sobre
a mão-de-obra ocupada nos estabelecimentos agropecuários. Vale a pena ressaltar que o conceito de ocupação
utilizado nos Censos e na Prevs refere-se a todas as pessoas que tenham prestado qualquer tipo de trabalho nas
Fonte: Instituto de Economia Agrícola – IEA.
(1) Em reais/mês.
(2) Em reais/dia.
Nota: Os dados referem-se ao mês de novembro e foram corrigidos para abril de 1995, utilizando-se o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas.
67
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
propriedades rurais, independentemente da idade e do
tempo que permaneceram na atividade.
Verifica-se na Tabela 7 que a categoria dos trabalhadores familiares (incluindo o produtor ou administrador
e os membros não-remunerados da família que prestam
algum tipo de serviço no estabelecimento) foi a que mais
perdeu, tanto em termos absolutos como relativos. A que
mais ganhou foi a dos trabalhadores temporários – aliás,
foi praticamente a única que teve um aumento tanto absoluto quanto relativo, porque entre as outras categorias,
na verdade, aumentam os que não tiveram sua condição
bem definida.
Essas mudanças no perfil da população ocupada na
agricultura paulista, no período 1985-93, mostram que está
havendo uma redução das unidades "familiares puras" e
um forte crescimento de uma categoria híbrida que combina o trabalho familiar com o de assalariados temporários, o nosso farmer caboclo, parcialmente mecanizado
(Graziano da Silva, 1995).
TABELA 7
Participação Relativa do Pessoal Ocupado na Agropecuária
Estado de São Paulo – 1985-1993
Categorias
1985
Total (Nos Absolutos)
Familiares (%)
Empregados Permanentes (%)
Empregados Temporários (%)
Outras (%)
1.357.113
48,2
30,3
17,7
3,8
1993
Variação
1.314.100
28,9
25,6
39,5
6,0
-43.013
-42,0
-18,0
116,0
53,0
Fonte: Fundação IBGE. Censo Agropecuário de 1985 e Prevs de 1993.
TABELA 8
Área Cultivada e Demanda da Força de Trabalho
Agrícola Anual, segundo Produto
Estado de São Paulo – 1990-95
Área
Produtos
1995
Em
1.000 ha
EVOLUÇÃO DO EMPREGO
AGRÍCOLA NOS ANOS 90
Total
Cana-de-Açúcar
Café
Olerícolas(1)
Laranja
Algodão
Eucalipto
Feijão
Milho
Banana
Uva
Cebola
Arroz
Mandioca
Soja
Batata
Amendoim
Seringueira
Pinus
Chá
Maracujá
Goiaba
Melancia
Pêssego
Tomate Rasteiro
Abacaxi
Figo
Trigo
Mamona
A Tabela 8 mostra que no período 1990-95, apesar de
algumas oscilações, houve um pequeno aumento (1,5%)
da demanda da força de trabalho agrícola para as 46 principais culturas no Estado de São Paulo. O pior desempenho ocorreu no ano de 1993, como conseqüência da maior
retração de área cultivada dos anos 90.
Esse comportamento foi possível em função, principalmente, dos desempenhos da cana-de-açúcar, da laranja
(especialmente no começo da década) e das olerícolas, que
apresentaram aumentos de, respectivamente, 25%, 15% e
95% de demanda de força de trabalho. Também contribuíram as culturas de eucalipto (4%), mandioca (97%), seringueira (172%) e algumas frutíferas, como maracujá
(134%), abacaxi (514%) e uva (6%). Destaque-se que algumas dessas culturas, apesar do enorme crescimento relativo, geraram, em termos absolutos, um número de empregos bem menor do que as citadas inicialmente.
As culturas que apresentaram as maiores quedas na
ocupação da força de trabalho agrícola foram café (42%),
algodão (44%), feijão (35%), banana (19%), arroz (27%),
soja (7%) e pinus (16%), seguidas por outras de menor
expressão quanto à extensão da área cultivada e à demanda absoluta da força de trabalho, como de pêssego, tomate rasteiro, figo, trigo e mamona.
Chama a atenção que apenas seis culturas (cana-deaçúcar, café, laranja, algodão, eucalipto e feijão) respondam por mais de 70% da demanda total de força de trabalho agrícola no estado. Se acrescentarmos as olerícolas, o
milho, a banana e a uva atingimos 80% desse total.
7.274,40
2.707,50
268,54
70,71
763,47
179,65
696,39
237,12
1.200,04
40,14
10,17
14,39
132,13
49,34
530,74
27,86
79,08
31,68
181,47
4,44
4,80
3,24
5,10
2,09
5,56
3,81
0,39
23,88
0,67
EHA
Variação
90-95
Rel.
(%)
(%)
100,00
37,22
3,69
0,97
10,50
2,47
9,57
3,26
16,50
0,55
0,14
0,20
1,82
0,68
7,30
0,38
1,09
0,44
2,49
0,06
0,07
0,04
0,07
0,03
0,08
0,05
0,01
0,33
0,01
0,12
28,25
-46,72
95,60
9,76
-40,28
8,79
-35,50
4,25
-6,98
6,49
-3,75
-39,69
36,87
-5,43
9,17
15,38
28,57
-21,80
-23,45
172,73
43,36
8,97
12,37
-32,69
486,15
-77,46
-87,12
-94,42
1995
Em
1.000 ha
Rel.
(%)
814,34
360,82
96,07
73,07
62,03
30,19
29,61
21,07
18,20
18,15
17,89
15,03
11,28
9,75
9,31
9,22
7,45
6,67
5,59
2,46
2,32
2,32
1,78
1,61
0,90
0,86
0,39
0,21
0,09
100,00
44,31
11,80
8,97
7,62
3,71
3,64
2,59
2,23
2,23
2,20
1,85
1,39
1,20
1,14
1,13
0,91
0,82
0,69
0,30
0,28
0,28
0,22
0,20
0,11
0,11
0,05
0,03
0,01
Variação
90-95
(%)
1,45
25,41
-41,57
94,44
14,45
-43,64
4,11
-35,43
2,13
-19,12
6,36
-4,39
-27,41
96,57
-7,55
9,76
10,53
172,24
-16,57
-20,39
134,34
0,87
8,54
-12,97
-32,84
514,29
-77,06
-86,88
-95,14
Fonte: Fundação Seade.
(1) Incluem abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cenoura,
chuchu, couve, couve-flor, milho verde, mandioquinha, pepino, pimentão, quiabo, repolho, tomate envarado e vagem.
68
O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO
deve) ser acompanhada por uma redução do número de
empregos, haja vista o caráter poupador de mão-de-obra
das modernas tecnologias (biológicas, mecânicas e químicas) em importantes culturas como a cana-de-açúcar,
algodão, café, laranja, entre outras. Seria uma “estabilização perversa” da demanda da força de trabalho, com
um padrão de sazonalidade mais homogêneo e um nível
de emprego agrícola significativamente mais baixo.
Salienta-se, finalmente, que para captar o impacto das
mudanças ocorridas no meio rural paulista é fundamental
avançarmos na estimativa do emprego não-agrícola, com
vistas a uma melhor compreensão do emprego rural como
um todo. Mesmo porque, como dito anteriormente, as
inovações tecnológicas disponíveis, principalmente relacionadas com a quimificação e mecanização dos tratos
culturais e colheita, devem influenciar significativamente o nível de emprego agrícola nas principais atividades
agropecuárias, tornando premente a neces-sidade de alternativas de ocupação para os trabalhadores rurais.
GRÁFICO 1
Sazonalidade da Demanda da Força de Trabalho Agrícola
Estado de São Paulo – 1993-95
1993
1993
11994
994
1995
1995
Em %
14
12
10
8
6
4
Jan
Fev
Mar
Abr
Maio
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Fonte: Fundação Seade.
Sobre as olerícolas é importante destacar que, apesar
de representarem 1% da área cultivada das 46 culturas
analisadas, elas respondem por 9% do total da força de
trabalho. Isso evidencia o caráter labor intensive dessa
atividade, que demanda cerca de dez vezes mais mão-deobra por hectare do que as culturas temporárias e permanentes (Fundação Seade, 1995).
Com relação à variação sazonal da demanda da força
de trabalho agrícola no estado, pode-se dizer que ela intensifica-se no segundo semestre do ano, a partir de junho. Configura-se uma distribuição bimodal da força de
trabalho, com um pico menor nos primeiros meses do ano
(fevereiro, março) e um maior no segundo semestre (setembro), que pode ser observada no Gráfico 1.
Esse padrão de sazonalidade, com pico da demanda no
segundo semestre, é muito influenciado pelas culturas da
cana-de-açúcar, café e laranja, que apresentam maior necessidade de mão-de-obra nesse período e, como visto
anteriormente, têm um peso significativo na demanda total
da força de trabalho no estado.
As atividades de reflorestamento, fruticultura e
olericultura, dados seus perfis de ocupação da força de
trabalho durante o ano, juntamente com a utilização de
modernas tecnologias em quase todas as operações de
cultivo das principais culturas, têm contribuído para uma
aparente diminuição da sazonalidade da demanda da força de trabalho agrícola, principalmente nos sistemas de
produção mais modernizados (Fundação Seade, 1995).
Um agravante é que, na ausência de outras oportunidades de ocupação (agrícolas e não-agrícolas), essa maior
estabilidade na demanda da força de trabalho pode (ou
CRESCIMENTO DAS ATIVIDADES
NÃO-AGRÍCOLAS
Nesta rápida caracterização das atividades não-agrícolas no meio rural paulista, é preciso destacar a proliferação dos sítios de recreio, ou simplesmente chácaras, como
são chamadas no interior. São pequenas áreas de terra
destinadas ao lazer de famílias de classe média urbana,
geralmente variando de 0,1 a 1 hectare, localizadas nas
periferias dos grandes centros urbanos, na orla marítima
ainda não densamente povoada ou em áreas próximas a
rios, lagos, represas ou reservas florestais, ou com fácil
acesso através das principais rodovias do estado.
As Estatísticas Cadastrais do Incra de 1978 revelam a
existência de inexpressivos 18.482 sítios de recreio, ocupando uma área total de 896.586 hectares, num total de
mais de 3 milhões de imóveis e quase 420 milhões de
hectares em todo o país. No Estado de São Paulo, somam
apenas 9.094 imóveis, com uma área de 306.954 hectares, num total de mais de 258 mil imóveis e 20 milhões
de hectares recadastrados naquela data. Ocorre que o Incra
classifica como sítios de recreio apenas os imóveis sem
declaração de qualquer exploração agropecuária, ou seja,
apenas aqueles com áreas de lazer. Embora uma parte significativa das chácaras de recreio seja destinada exclusivamente ao lazer, como é o caso dos "ranchos de pescaria", é comum encontrar também – e provavelmente são
muito mais representativas – unidades que combinam as
atividades de fim de semana do proprietário e seus familiares com alguma atividade produtiva – agropecuária ou
não – do seu morador, geralmente chamado de "caseiro".
69
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
antigas colônias das fazendas e disponibilizando meios
de transporte público para os trabalhadores urbanos que
aí vierem a residir. Terceiro: o uso menos intensivo do
solo, de água e de outros recursos naturais tem favorecido um tipo de povoamento rural até então desconhecido
num país que se caracteriza por grandes conglomerados
urbanos.
Recente trabalho de Abramovay et alii (1996) reforça
nossas considerações anteriores. Com dados obtidos a
partir de questões sobre o uso de trabalho assalariado,
introduzidas no questionário de 1991 na mesma amostra
do IEA utilizada para a previsão de safras, os autores concluíram que:
- "a agricultura paulista é predominantemente patronal.
Embora conte com dois terços dos imóveis, as unidades
familiares entram com um terço do valor da produção
agropecuária do estado;
- o desempenho econômico da agricultura familiar aproxima-se daquele verificado na média do estado, com exceção dos imóveis com menos de 20 hectares que não
empregam qualquer tipo de trabalho assalariado(...);
- estes pequenos imóveis que não empregam assalariados
e que possuem menos de 20ha têm renda agrícola baixa,
mas intensificam o uso de mão-de-obra por unidade de
área; como costuma ocorrer em situações tipicamente
camponesas.(...) seus habitantes conseguem compensar
sua baixa renda agrícola com outras ocupações pelas quais
acabam evitando a pobreza rural" (Abramovay et alii,
1996:17).
Os autores citados assinalam ainda que nas propriedades em que não há contratação de trabalho assalariado
"muitos membros da família trabalham fora do imóvel,
inclusive em ocupações não-agrícolas. É importante lembrar que são muito freqüentes os casos de pequenos sitiantes que moram na cidade e deslocam-se para o sítio
diariamente.
"As famílias agrícolas no Estado de São Paulo são
menores que a média nacional, o que (...) limita a unidade produtiva como “refúgio” de mão-de-obra. Em outras
palavras, a hipótese aqui levantada é de que a precariedade da situação agrícola dos menores imóveis (que não
contratam nenhum trabalho assalariado) não é provavelmente sinal de que aí existe uma grande concentração de
pobreza rural" (Abramovay et alii, 1996:16).
Evidentemente, isso somente é possível se a renda das
ocupações não-agrícolas for suficientemente elevada para
compensar a baixa renda dos membros das famílias que
permanecem ocupados nas poucas atividades agropecuárias que ainda existem nesses pequenos imóveis, tema que
trataremos adiante.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1981 e 1990, apresentados na Tabela 9,
Muitas dessas chácaras de recreio apresentam atividades produtivas de considerável valor comercial, ultrapassando até mesmo a idéia corrente de "abater parte das
despesas de sua manutenção". Em 1995, uma exposição
desses pequenos imóveis rurais, realizada em São Paulo,
estimou em cerca de 70 mil os pequenos chacareiros com
atividades comerciais no Estado de São Paulo. Estes se
dedicam principalmente à criação de abelhas, peixes, aves
e outros pequenos animais, produção de flores e plantas
ornamentais, frutas e hortaliças, atividades de recreação
e turismo (pesque-pague, hotel fazenda, pousadas, restaurantes, spas). O impacto da proliferação das chácaras de
fim de semana tem sido notável sobre a paisagem rural.
Primeiro, elas contribuem para elevar ou para manter elevado o preço da terra, mesmo nos piores momentos de
crise de preços dos produtos agrícolas. Segundo, expulsam as culturas intensivas que, em geral, utilizam-se de
grandes quantidades de químicos, como as hortas e a fruticultura comercial das periferias dos grandes centros. Em
lugar destas proliferam os pomares domésticos, mantêmse as áreas de preservação/conservação do que restou da
flora local e inicia-se um processo de reflorestamento,
mesclando espécies exóticas e nativas. Terceiro, dão novo
uso a terras antes ocupadas com pequena agricultura familiar, inclusive assalariando antigos posseiros e moradores do local, como "caseiros" e jardineiros e estimulam
outras práticas de preservação, principalmente a de guardiões do patrimônio, imobilizado na ausência dos proprietários.
As chácaras de fim de semana representam, em nossa
opinião, uma versão “terceiro-mundista” da política européia das "duas velocidades", atribuindo-se aos pequenos produtores das regiões desfavorecidas a tarefa de
guardiões da natureza e reservando às grandes explorações o papel produtivo clássico. Infelizmente, até agora,
pouco tem sido feito para coibir os aspectos negativos
desse importante fenômeno, como por exemplo, a especulação imobiliária, a sonegação fiscal e trabalhista e o
desvio de recursos do crédito rural, que ocorrem com muita
freqüência.
Há, porém, aspectos positivos que, se devidamente
direcionados, poderiam vir a ser objeto de novas políticas públicas. O primeiro é o do emprego: bem ou mal, o
contingente de caseiros representa hoje um segmento expressivo dos trabalhadores domésticos que está por merecer uma atenção específica da legislação trabalhista
brasileira. Segundo: a cessão da casa de moradia (e por
vezes também do direito de manter uma horta doméstica
e criações) que, em geral, acompanha o vínculo empregatício. Prefeituras do interior do Estado de São Paulo,
por exemplo, têm desenvolvido verdadeiros programas
habitacionais, visando recuperar casas abandonadas nas
70
O RURAL PAULISTA: MUITO ALÉM DO AGRÍCOLA E DO AGRÁRIO
TABELA 9
crescimento das atividades não-agrícolas da população
economicamente ativa com domicílio rural. Os dados das
PNADs mostram que a taxa de crescimento do contingente
de pessoas ocupadas em atividades agrícolas com domicílio urbano (os trabalhadores rurais volantes), para o
Estado de São Paulo, foi fortemente negativa: -2,81% a.a.
Isso acarretou uma redução na proporção da PEA agrícola com domicílio urbano de 41,5%, em 1981, para 37,9%,
em 1990.
A Tabela 10 aponta a atividade agrícola como a que
proporciona a menor renda relativa das pessoas economicamente ativas com domicílio rural. No caso das pessoas com domicílio urbano, as atividades de serviços e
da indústria da construção civil são as que oferecem renda inferior.
Verifica-se ainda que a relação entre a renda média das
pessoas com domicílio urbano é sempre superior – e quase sempre muito superior – à renda média das pessoas
residentes no meio rural num mesmo ramo de ocupação.
Isso significa que as pessoas com domicílio rural ocupadas em atividades agrícolas receberam as menores rendas no ano de 1990, fato que se repetiu nos anos de 1981
e 1986, com base nas mesmas informações da PNAD.
Taxa de Crescimento Anual da PEA, por Situação do
Domicílio, segundo Ramos de Atividade
Estado de São Paulo – 1981-1990
Em porcentagem
Domicílio
Ramos de Atividade
Total
Agrícola
Indústria de Transformação
Indústria da Construção
Outras Indústrias
Comércio
Serviços
Serviços Auxiliares
Transporte e Comunicação
Social
Administração Pública
Outros
Procurando Emprego
Urbano
Rural
Total
3,3
-2,6
2,6
1,8
0,9
4,9
3,9
6,5
3,3
5,0
5,2
2,2
1,5
4,3
-1,0
9,8
11,1
-0,2
12,7
11,9
20,2
16,1
13,6
8,8
7,1
7,3
3,4
-1,7
3,0
2,4
0,8
5,1
4,4
6,8
3,8
5,2
5,4
2,3
1,7
Fonte: Fundação IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.
permitem inferir um grande crescimento das atividades
não-agrícolas no meio rural brasileiro, em especial no
Estado de São Paulo. Note-se que enquanto o número de
pessoas ocupadas em atividades agropecuárias no Estado
de São Paulo reduziu-se a uma taxa anual de 1,0%a.a., no
período 1981-90 (em número absoluto diminuiu de 681
mil pessoas para 616 mil), o total de pessoas residindo no
meio rural paulista aumentou 4,3% a.a., passando de 1
milhão para quase 1,5 milhão de pessoas, no mesmo período. Em 1990, de cada cinco pessoas residindo nos campos paulistas, apenas duas estavam ocupadas em atividades agropecuárias; as outras três tinham um emprego rural
em atividades não-agrícolas. São cifras surpreendentes
para quem está acostumado a ouvir falar de redução do
emprego no campo, em função da crescente mecanização
das nossas principais culturas.
Os principais ramos de atividades não-agrícolas em que
estavam ocupadas as pessoas que residiam na zona rural
paulista eram: indústria de transformação e agroindústrias (17,8%); prestação de serviços pessoais (15,5%); construção civil (5,7%); comércio (5,0%); e prestação de serviços sociais (3,9%) .
Todos os ramos de atividades não-agrícolas apontaram
um crescimento do emprego substancialmente elevado
para o período, considerando-se a taxa média das pessoas
ocupadas no meio rural, de 2,5% a.a.
É preciso dizer também que a urbanização da agricultura paulista vem-se acelerando não mais pelo crescimento
da população economicamente ativa com domicílio urbano – os trabalhadores rurais volantes –, mas sim pelo
TABELA 10
Distribuição Relativa e Renda Média Relativa da PEA,
por Situação do Domicílio, segundo Ramos de Atividade
Estado de São Paulo – 1990
Domicílio Urbano
Ramos de
Atividade
Total
Agrícola
Indústria de
Transformação
Indústria da
Construção
Outras Indústrias
Comércio
Serviços
Serviços Auxiliares
Transporte e
Comunicação
Social
Administração
Pública
Outros
Procurando
Emprego
Domicílio Rural
Relação
Distribuição Renda Renda
(%)
Relativa Urbano/
Rural
(1)
Distribuição
(%)
Renda
Relativa
(1)
100,0
2,7
98
100
100,0
41,2
145
100
2,1
3,1
26,5
103
17,8
214
1,5
6,5
0,9
14,1
18,0
4,9
79
138
102
61
165
5,7
0,9
4,9
15,6
1,8
202
196
184
125
182
1,2
2,2
1,7
1,5
2,8
4,6
8,8
134
116
2,6
3,9
259
136
1,6
2,6
4,3
3,8
132
158
2,1
1,2
259
236
1,6
2,1
5,0
-
2,2
-
-
Fonte: Fundação IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.
(1) Índice simples considerando a renda média da atividade agrícola = 100.
71
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
3. Isso significa que, ao contrário do que ocorre com os dados censitários, há um
erro associado a cada uma das estimativas. Os coeficientes de variação (que nesse caso medem o erro amostral) das variáveis aqui utilizadas (pessoal ocupado,
receita e despesa total) variaram entre 44,4% e 49,7% no caso de São Paulo.
Pode-se dizer, então, que as pessoas residentes no meio
rural ocupadas em atividades agrícolas têm basicamente
"dois caminhos" distintos para aumentar sua renda: mudar para a cidade – o mecanismo clássico que alimentou
o êxodo rural – ou mudar de ramo de atividade e continuar residindo no próprio meio rural, alternativa que parece
desenhar-se como importante, a partir dos anos 80.8
Em função disso, o meio rural paulista não pode mais
ser tomado apenas como o conjunto das atividades agropecuárias e agroindustriais. O meio rural ganhou, por assim dizer, novas funções e "novos" tipos de ocupações:
- propiciar lazer aos paulistanos nos feriados e fins de
semana através dos pesque-pague (especialmente as famílias de renda média/baixa que têm transporte próprio),
hotéis-fazenda, chácaras de fins de semana;
- oferecer moradia a um segmento crescente da classe
média alta (condomínios rurais fechados nas zonas suburbanas);
- estimular atividades de preservação e conservação que
propiciam o surgimento do eco-turismo, além da criação
de parques estaduais e estações ecológicas, como já ocorre
com a Juréia (Vale do Ribeira) e a Serra do Japi, por exemplo.
- abrigar um conjunto de atividades tipicamente urbanas
que estão se proliferando no meio rural, em função da
urbanização do trabalho rural assegurada com a igualdade trabalhista obtida na Constituição de 1988 (motoristas
de ônibus para transporte de trabalhadores rurais, mecânicos, contadores, secretárias, digitadores, trabalhadores
domésticos).
Em resumo, já não se pode caracterizar o meio rural
brasileiro somente como agrário; muito menos o paulista. E mais: o comportamento do emprego rural, principalmente dos movimentos da população residente nas
zonas rurais do estado, já não pode ser explicado apenas
pelo calendário agrícola e pela expansão/retração das áreas
e/ou produção agropecuárias. Há um conjunto de atividades não-agrícolas – como a prestação de serviços,
o comércio e a indústria – que, cada vez mais, respondem pela nova dinâmica populacional do meio rural
paulista.
4. A Prevs permite separar essas despesas, ficando aproximadamente metade do
valor para mão-de-obra e metade para máquinas e equipamentos, no ano de 1993.
5. É possível que parte desse crescimento dos salários pagos se deva a uma maior
contratação direta dos trabalhadores volantes pelos proprietários rurais depois dos
movimentos grevistas de 1984-86. A esse respeito, ver Graziano da Silva (1993).
As informações disponíveis não permitem, todavia, quantificar essa possibilidade.
6. Se considerarmos apenas os estabelecimentos cuja atividade principal é a
agricultura, a participação dos serviços prestados a terceiros é ainda maior: 15,6%.
7. Ver a respeito Schneider (1995).
8. É oportuno salientar que somente a renda média das pessoas residentes no
meio rural ocupadas em serviços pessoais era inferior às ocupadas em atividades
agrícolas nas PNADs de 1981 e 1986.
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PESSANHA, D. “O pecuarista-expositor e a distinção ostentatória”. XXXIII
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v.2, 1995, p.1.265-1.282.
NOTAS
SCHNEIDER, S. “As transformações recentes da agricultura familiar no Rio
Grande do Sul: o caso da agricultura em tempo parcial”. Ensaios FEE. Porto Alegre, v.16, n.1, 1995, p.105-129.
1. Adotando um conceito mais estrito de agroindústria, excluimos da presente
análise atividades como fabricação de laminados, fios, espumas e artefatos de
borracha, preparação e fabrico de conservas de pescado, fabricação de balas,
chocolates, gomas de mascar, produtos de padaria, confeitaria, massas alimentícias, biscoitos, sorvetes, cigarros e outros.
SCHWARTZMAN, S. O presente e o futuro do IBGE. Rio de Janeiro, Fundação
IBGE, 1995.
VEGRO, C.L.R. “Competitividade da indústria brasileira de café”. Informações
Econômicas. São Paulo, IEA, v.25, n.2, fev. 1994, p.65-72.
2. É basicamente a mesma metodologia utilizada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos nas suas pesquisas agrícolas. Ver a respeito Schwartzman
(1995). A coleta foi realizada nos meses de outubro e novembro de 1993, tendo
como data de referência o dia 30/09/93 para pessoal ocupado e o período de 01/
01/93 a 30/09/93 para os valores de receita e despesa total.
VEGRO, C.L.R. e SATO, G.S. “Fusões e aquisições no setor de produtos alimentares”. Informações Econômicas. São Paulo, IEA, v.25, n.5, maio 1995,
p.9-21.
72
NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO
NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO
ESTADO DE SÃO PAULO
SONIA REGINA PERILLO
Demógrafa, Analista da Fundação Seade
O
s anos 80 foram marcados por transformações
socioeconômicas e políticas profundas, tanto em
âmbito mundial como nacional (Martine, 1993;
Cano e Semeghini, 1992). Estas mudanças tiveram desdobramentos importantes alterando os padrões de redistribuição espacial da população.
No contexto nacional, a década de 80 mostrou novas e
importantes tendências. A taxa de crescimento da população brasileira que, entre 1950 e 1980, era da ordem de
2,8% a.a., caiu para 1,9% a.a., entre 1980 e 1991. O ritmo de crescimento urbano também diminuiu: de 4,9% a.a.,
em 1970-80, para 2,6% a.a., em 1980-91. Esta tendência
também se verificou para o conjunto das regiões metropolitanas brasileiras: a taxa de crescimento destas áreas
diminuiu sensivelmente, de 3,8% a.a. para 1,9% a.a., entre 1970 e 1991. Nesta direção, Martine (1992) destacou
que o crescimento das metrópoles brasileiras acabou ocorrendo cada vez mais distante de seus respectivos núcleos,
desencadeando um processo de "periferização" das áreas
metropolitanas.
O Estado de São Paulo que, desde a década de 40,
desempenhou papel de relevância na dinâmica demográfica nacional, também experimentou mudanças significativas. Seguindo a mesma tendência verificada nas metrópoles, apresentou sensível redução no ritmo de
crescimento populacional nos anos 80. Ressalte-se, inclusive, que, para o Estado de São Paulo, a desaceleração em 20 anos foi ainda mais acentuada: de 3,5% a.a.,
em 1970-80, para 2,1% a.a., em 1980-91.
As mudanças na dinâmica populacional paulista podem ser evidenciadas, em grande medida, pela análise
dos componentes vegetativo e migratório. O componente vegetativo teve papel importante no crescimento da
população estadual. A migração também teve peso relevante, contribuindo para a manutenção das altas taxas
de crescimento verificadas no estado até 1980. Na década de 40, a migração respondia por 24,8% do crescimento
populacional do estado; em 1970-80, essa participação
evoluiu para 42,4%.
No período seguinte, os papéis dos componentes vegetativo e migratório se inverteram. Os resultados da Sinopse Preliminar do Censo Demográfico de 1991, combinados com as Estatísticas do Registro Civil do Estado
de São Paulo, mostraram que o componente vegetativo
passou a responder por 91% do crescimento populacional do estado no período 1980-91; à migração coube uma
participação de apenas 9%.
Em função destas alterações, o Estado de São Paulo
passou a exibir um novo padrão demográfico. Em que
pese a importância do crescimento vegetativo, a contribuição da migração neste novo cenário foi notável. A
desaceleração do ritmo de migração no/para o Estado de
São Paulo nos anos 80 implicou uma sensível redução
no ritmo de crescimento da população estadual.
Considerando-se a relevância da migração para o entendimento da dinâmica demográfica paulista, este artigo pretende examinar a trajetória dos deslocamentos populacionais no/para o Estado de São Paulo desde os anos
40, bem como apontar os novos rumos da migração nesta área nos anos 80.
Vale destacar que as dificuldades inerentes à análise
dos deslocamentos populacionais têm origem na própria
definição do fenômeno. De fato, a migração comporta
várias interpretações, que têm como única idéia comum
a dimensão temporal e espacial. Acresça-se a dificuldade
de mensuração e/ou interpretação desta variável, bem
73
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
TABELA 1
Evolução da População, por Componentes
Estado de São Paulo – 1940-1991
Anos
População
1940
7.180.316
1950
9.134.423
1960
12.974.699
1970
17.771.948
1980
25.040.712
1991
31.546.473
Crescimento
Absoluto
Decenal
Saldo
Vegetativo
Decenal
Saldo
Migratório
Decenal
Proporção dos Componentes (%)
Vegetativo
Migratório
Taxa de
Crescimento
Anual (%)
1.954.107
1.469.600
484.507
75,21
24,79
2,44
3.840.276
2.691.489
1.148.787
70,09
29,91
3,57
4.797.249
3.372.211
1.425.038
70,29
29,71
3,20
7.268.764
4.185.591
3.083.173
57,58
42,42
3,49
6.505.761
5.919.097
586.664
90,98
9,02
2,12
Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE. Sinopse preliminar do Censo Demográfico de 1991.
como uma série de restrições quanto à disponibilidade dos
dados e metodologias de análise. Além disso, a falta de
registros contínuos dos movimentos populacionais faz com
que a análise da migração fique praticamente dependente
dos dados publicados nos censos demográficos.
Atualmente, os estudiosos deste tema ainda enfrentam
uma dificuldade adicional: até o momento, ainda não se
encontram disponíveis os resultados sobre migração referentes ao Censo Demográfico de 1991. Estas informações contribuiriam para o entendimento das novas
tendências da redistribuição espacial da população paulista, bem como de suas repercussões na dinâmica demográfica metropolitana estadual e até mesmo nacional
(Fundação Seade, 1992; Perillo e Aranha, 1994; Araújo
e Pacheco, 1992; Martine, 1994).
Em que pesem estas limitações, este artigo procurará
indicar, com base nas informações disponíveis, os possíveis caminhos da migração no Estado de São Paulo no
período 1980-91.
determinados produtos, como cítricos e soja para exportação, cana para o Proálcool, entre outros.
A região Sudeste se sobressai, quando comparada às
demais regiões brasileiras. Em 1940, esta área respondia sozinha por 44,5% da população do país; em 1991,
manteve uma participação expressiva de 42,7%. Tem um
papel decisivo na dinâmica demográfica desta área o
Estado de São Paulo. Localizado no chamado "núcleo
industrial", passou a contar com setores de comércio e
serviços urbanos altamente diversificados e com o setor
agrícola mais moderno e desenvolvido do país. Estas
características contribuíram bastante para o dinamismo
desta área. Assim, em 1991, São Paulo concentrava 21,5%
da população nacional em seus limites geográficos e
50,3% da população da região Sudeste. Ao longo das décadas, o estado fortaleceu-se cada vez mais, consolidando-se como um importante pólo de atração da população
que emigrava de outras partes do país.
Grande parte da dinâmica demográfica paulista devese, sem dúvida, ao peso da fecundidade e da mortalidade no crescimento populacional. Ressalte-se, no entanto, a importância da migração, que chegou a representar
42% do acréscimo populacional registrado no estado nos
anos de 70. A intensidade dos movimentos migratórios
no/para o Estado de São Paulo pode ser dimensionada
pelo volume de migração registrado no período 1970-80,
da ordem de três milhões de pessoas, praticamente o dobro daquele apresentado no período 1960-70 (Tabela 1).
Já no período 1980-91, verificaram-se mudanças surpreendentes. A taxa de crescimento do Estado de São Paulo,
que se mantinha superior a 3% a.a., desde a década de 50,
passou a ser de apenas 2% a.a., no período 1980-91.
TRAJETÓRIA DA MIGRAÇÃO EM SÃO PAULO
A redistribuição espacial da população pode ser entendida como reflexo das transformações econômicosociais ocorridas no bojo do desenvolvimento do país.
Tais transformações, muitas vezes induzidas por políticas governamentais, ao definirem o modelo econômico,
não só favoreceram a concentração do parque industrial
em determinadas regiões brasileiras – como é o caso das
regiões Sul e, mais especificamente, Sudeste –, como
estimularam o surgimento de fronteiras internas e transformações na estrutura produtiva, mediante incentivos a
74
NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO
A desaceleração no ritmo de crescimento populacional já era esperada face à expectativa de queda nas taxas
de fecundidade: de 3,4 filhos por mulher no início dos
anos 80, a fecundidade atingiu 2,5 no final, ou seja, houve
uma redução de, em média, um filho por mulher neste
período. Por outro lado, a migração contribuiu para reforçar esta tendência. Enquanto o peso do componente
vegetativo no crescimento populacional elevou-se de
57,6% para 91%, a participação da migração reduziu-se
de 42,4% para 9% entre 1970 e 1991. O saldo migratório
do estado, que superava três milhões de pessoas nos anos
70, passou a ser de apenas 586 mil pessoas em 1980-91.1
Chama a atenção não apenas a brusca mudança de comportamento da migração nos anos 80, como também a
alteração significativa do papel desempenhado, há várias
décadas, pelo Estado de São Paulo, enquanto pólo de intensa atração e concentração da população do país.
Considerando-se as profundas alterações na dinâmica
demográfica, notadamente na redistribuição populacional em todo o território paulista, é interessante avaliar o
impacto diferenciado destas mudanças no contexto intraestadual.
GRÁFICO 1
Evolução dos Saldos Migratórios
Região Metropolitana de São Paulo e
Município de São Paulo – 1940-1991
Fonte: Fundação Seade.
e das atividades econômicas em direção ao interior paulista (Fundação Seade, 1990 e 1993).
Em que pesem estas mudanças, a migração desempenhou papel de grande expressão na metrópole ao longo
das décadas. Em 1970-80, o saldo migratório desta área
já superava dois milhões de pessoas (Araújo e Pacheco,
1992; Perillo, 1993).
Contrariamente ao esperado, verificou-se, nos anos 80,
uma importante reversão das tendências migratórias desta
área. A metrópole passou a contar com um saldo migratório negativo, da ordem de 275 mil pessoas no período
1980-91, decorrente de uma variação brusca e de difícil
previsão. O Gráfico 1 ilustra o pronunciado êxodo populacional desta área no período 1980-91.
Alguns trabalhos já apontavam uma tendência de desaceleração no ritmo da migração da área metropolitana
(Rodrigues e Perillo, 1986; Cunha, 1987). Nesta linha
de discussão, inclusive, Cunha destacou um fenômeno
interessante, ocorrido na metrópole na década de 70.
Segundo o autor, a RMSP vinha experimentando perdas
populacionais importantes nas trocas migratórias efetuadas com outras regiões do Estado de São Paulo nos anos
70. O autor mostra que, apesar do grande poder de atração populacional da metrópole, cerca de 450 mil pessoas haviam deixado esta área em direção a regiões circunvizinhas, como Campinas, Litoral, Vale do Paraíba e
Sorocaba na década de 70 (Cunha, 1987).
Mesmo considerando as tendências assinaladas, seria
difícil prever uma mudança tão acentuada a ponto de reverter, nos anos 80, a característica inerente à RMSP de
área de atração e concentração, não só da população estadual como também nacional.
REVERSÃO DAS TENDÊNCIAS MIGRATÓRIAS
As heterogeneidades presentes no Estado de São Paulo
são visíveis e bastante acentuadas. Ao lado de regiões industrializadas e com grande dinamismo populacional, coexistiam outras, praticamente dependentes das atividades
agrícolas, nitidamente caracterizadas como áreas de evasão de população. Assim, contando com dinâmicas econômicas diferenciadas, as regiões paulistas assumiram papéis distintos quanto à redistribuição espacial da população.
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), maior
centro econômico e populacional do país, vem se configurando há várias décadas como o grande pólo de atração populacional do estado. A migração mostrou-se como
a variável determinante do crescimento desta área. Ressalte-se, porém, que desde os anos 60 e, mais especificamente, no período 1970-80, houve diminuição no ritmo
de crescimento da população desta região. A taxa de crescimento passou de 5,6% a.a. em 1960-70 para 4,5% a.a.,
em 1970-80.
A participação do componente migratório, que alcançava 59,7% na década de 60, reduziu-se para 51,6% em
1970-80. A queda relativa da migração no crescimento
da metrópole associou-se não só a fatores demográficos,
como às transformações ocorridas na estrutura produtiva
do Estado de São Paulo pós-1956. Esses processos tiveram repercussões no mercado de trabalho, nos movimentos populacionais e no processo de urbanização, criando
condições para a descentralização relativa da população
75
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
EVASÃO POPULACIONAL NA
CAPITAL PAULISTA
bindo para 29 entre 1980 e 1991. Por outro lado, onze áreas
registravam altas taxas de crescimento populacional, superiores a 4%, na primeira década analisada. Esse número
reduziu-se para quatro no período seguinte (Mapa 1).
A tendência diferenciada de crescimento populacional
nos diversos distritos e subdistritos, nos períodos considerados, definiu três áreas homogêneas na capital quanto
a esta característica. A área central ficou composta pelos
subdistritos com taxas negativas de crescimento. Na área
intermediária, as taxas de crescimento variaram entre 0 e
4% a.a. A periferia da capital exibia as maiores taxas superiores a 4% a.a. (Fundação Seade, 1992).
A participação relativa das três áreas na população da
capital mostrou que tanto a parte central como a intermediária perderam peso. A participação da área central no
crescimento da população da capital diminuiu de 16,4%,
em 1980, para 12,7%, em 1991; na área intermediária,
passou de 51,6% para 48,1%. Na área periférica, porém,
ocorreu um aumento significativo da participação da população, de 32% para 39,2%.
Em síntese, verificou-se que a população está tendendo a se afastar cada vez mais do centro para a periferia,
extrapolando, inclusive, os limites geográficos da capital
paulista (Fundação Seade, 1992).
O município de São Paulo contribuiu sobremaneira para
as mudanças ocorridas na metrópole. Historicamente, a
capital paulista registrava elevadas taxas de crescimento.
A taxa média de crescimento no período 1900-80, por
exemplo, foi da ordem de 4,5% a.a., face à intensidade
das migrações, em associação com os elevados níveis de
fecundidade e com o declínio da mortalidade.
Vale destacar, inclusive, que os movimentos migratórios favoreceram o crescimento populacional da capital
ao longo das décadas, ainda que a diminuição da fecundidade tenha contribuído para desacelerar o ritmo de crescimento desta área. Nos anos 70, porém, a queda da fecundidade, aliada à expectativa de redução da migração,
tornou bastante provável a diminuição do ritmo de crescimento da população. Apesar desta tendência, seria muito
difícil prever que a taxa de crescimento da capital apresentasse uma redução tão pronunciada: de 3,7% a.a., em
1970-80, para 1,2% a.a., em 1980-91.
Para avaliar o impacto desta mudança, vale observar
que, "apenas com o crescimento vegetativo ocorrido no
município de São Paulo (diferença entre os nascimentos
e os óbitos), no período 1980-91, a população paulistana
já chegaria a 10,4 milhões de habitantes, perfazendo uma
taxa de crescimento de 1,8% a.a., contra os 9,6 milhões
contados pelo Censo em 1991" (Fundação Seade, 1992).
A tendência do crescimento da população da capital
guarda estreita relação com a pronunciada redução da
migração nesta área. A diferença entre a entrada e a saída
da população passou do patamar de um milhão, durante
as décadas de 60 e 70, para um saldo migratório negativo
de 755 mil pessoas entre 1980 e 1991, indicando uma forte
evasão populacional (Gráfico 1). Neste sentido, é importante destacar que, concomitantemente à elevação do saldo migratório, a participação relativa da migração no
crescimento populacional já vinha seguindo uma tendência de acentuado declínio, de 72,2%, em 1940-50, para
44,5%, em 1970-80. Assim, o crescimento populacional,
antes fortemente influenciado pela migração, passou a ter
no componente vegetativo seu principal responsável,
44,5% contra 55,5%, respectivamente, na década de 70.
A própria taxa de crescimento da capital vinha diminuindo ao longo das décadas: de 4,9% a.a., em 1960-70, para
3,7% a.a., em 1970-80.
Outro aspecto que merece destaque refere-se às mudanças no ritmo de crescimento dos distritos e subdistritos da
capital paulista nas últimas décadas. Considerando-se a
divisão administrativa que contempla 48 subdistritos e 8
distritos, observa-se que apenas 5 subdistritos apresentavam taxas negativas de crescimento na década de 70, su-
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO NO
CONTEXTO INTRAMETROPOLITANO
Nos anos 80, além do município de São Paulo, outras
áreas predominantemente industriais e que concentravam
grande parcela da população da metrópole, como Osasco, Santo André e Diadema, passaram a contar com taxas
de migração negativas. Segundo Cunha (1987), estes
municípios tinham absorvido fluxos migratórios importantes, originários principalmente do município de São
Paulo na década de 70. Também neste grupo, encontravam-se os municípios de São Caetano do Sul e Salesópolis,
onde persistiu a tendência de taxas de migração negativas, já evidenciada na década anterior (Mapas 2 e 3).
Apenas seis municípios aumentaram as taxas de migração em relação à década de 70: Arujá, Barueri, Franco
da Rocha, Mairiporã, Pirapora do Bom Jesus e Santana
de Parnaíba. Estes municípios que, em 1980, concentravam as menores parcelas da população metropolitana,
tiveram um crescimento populacional acelerado no período 1980-91. Ressalte-se que o município de Santana
de Parnaíba teve sua população praticamente quadruplicada; a migração foi responsável por 89,8% do crescimento populacional desta área em 1980-91.
Os demais municípios metropolitanos mantiveram taxas de migração positivas no período 1980-91, porém, com
menor intensidade que na década de 70. Neste grupo, in-
76
São Paulo em Perspectiva - Errata
São Paulo em Perspectiva
TENDÊNCIAS DEMOGRÁFICAS: reestruturação produtiva
v.10/ nº.2/ Abr-Jun 1996
Errata
Pág. 77, Mapa 1
- No mapa:
onde se lê: 1970-80; leia-se: 1980-91;
onde se lê: 1980-91; leia-se: 1970-80.
Pág. 78, Mapa 2
- No título:
onde se lê: Mapa 2; leia-se: Mapa 3;
onde se lê: 1970-80; leia-se: 1980-91.
Pág. 79, Mapa 3
- No título:
onde se lê: Mapa 3; leia-se: Mapa 2;
onde se lê: 1980-91; leia-se: 1970-80.
file:///C|/RevistaSPP/Volumes_PDF/v10n02/errata.htm[27/02/2014 10:49:13]
NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO
MAPA 1
Taxas Líquidas de Migração
Região Metropolitana de São Paulo – 1970-1991
1970-80
Negativa
0 — 40%
40 — 100%
Mais de 100%
1980-91
1-Arujá
2-Barueri
3-Biritiba-Mirim
4-Caieiras
5-Cajamar
6-Carapicuíba
7-Cotia
8-Diadema
9-Embu
Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE.
77
10-Embu-Guaçu
11-Ferraz de Vasconcelos
12-Francisco Morato
13-Franco da Rocha
14-Guararema
15-Guarulhos
16-Itapecerica da Serra
17-Itapevi
18-Itaquaquecetuba
19-Jandira
20-Juquitiba
21-Mairiporã
22-Mauá
23-Mogi das Cruzes
24-Osasco
25-Pirapora do Bom Jesus
26-Poá
27-Ribeirão Pires
28-Rio Grande da Serra
29-Salesópolis
30-Santa Isabel
31-Santana de Parnaíba
32-Santo André
33-São Bernardo do Campo
34-São Caetano do Sul
35-São Paulo
36-Suzano
37-Taboão da Serra
38-Vargem Grande Paulista
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
MAPA 2
Taxas de Crescimento Populacional
Distritos e Subdistritos do Município de São Paulo – 1970-80
Negativa
De 0 a 2%
De 2 a 4%
Perus
Mais de 4%
22
Jaraguá
40
48
31
4
44
43
8
41
23
47
14
19
39
45
13
20
35 15 25
11 5
6
10
1
7
16
34 17 2
33
12
28
9
21
30
São Miguel
Paulista
3
27
38
46
37
24
29
36
Ermelino
Matarazzo
Guaianases
26
18
Itaquera
42
1o Sé
2o Liberdade
3o Penha
4o Nossa Senhora do Ó
5o Santa Ifigênia
6o Brás
7o Consolação
8o Santana
9o Vila Mariana
10o Belenzinho
11o Santa Cecília
12o Cambuci
13o Butantã
14o Lapa
15o Bom Retiro
16o Mooca
17o Bela Vista
18o Ipiranga
19o Perdizes
20o Jardim América
21o Saúde
22o Tucuruvi
23o Casa Verde
24o Indianópolis
32
Parelheiros
Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE.
78
25o Pari
26o Vila Prudente
27o Tatuapé
28o Jardim Paulista
29o Santo Amaro
30o Ibirapuera
31o Pirituba
32o Capela do Socorro
33o Alto da Mooca
34o Cerqueira César
35o Barra Funda
36o Vila Maria
37o Aclimação
38o Vila Matilde
39o Vila Madalena
40o Brasilândia
41o Cangaíba
42o Jabaquara
43o Jaguara
44o Limão
45o Pinheiros
46o Vila Formosa
47o Vila Guilherme
48o Vila Nova Cachoeirinha
NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO
MAPA 3
Taxas de Crescimento Populacional
Distritos e Subdistritos do Município de São Paulo – 1980-91
Negativa
De 0 a 2%
De 2 a 4%
Perus
Mais de 4%
22
Jaraguá
40
48
31
4
44
43
8
41
23
47
35 15
14
19
39
1
7
20
28
16
21
30
18
São Miguel Paulista
3
27
10
9
24
29
25
6
34 17 2
12
37
45
13
5
11
36
Ermelino
Matarazzo
33
38
46
Guaianases
26
Itaquera
42
1o Sé
2o Liberdade
3o Penha
4o Nossa Senhora do Ó
5o Santa Ifigênia
6o Brás
7o Consolação
8o Santana
9o Vila Mariana
10o Belenzinho
11o Santa Cecília
12o Cambuci
13o Butantã
14o Lapa
15o Bom Retiro
16o Mooca
17o Bela Vista
18o Ipiranga
19o Perdizes
20o Jardim América
21o Saúde
22o Tucuruvi
23o Casa Verde
24o Indianópolis
32
Parelheiros
Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE.
79
25o Pari
26o Vila Prudente
27o Tatuapé
28o Jardim Paulista
29o Santo Amaro
30o Ibirapuera
31o Pirituba
32o Capela do Socorro
33o Alto da Mooca
34o Cerqueira César
35o Barra Funda
36o Vila Maria
37o Aclimação
38o Vila Matilde
39o Vila Madalena
40o Brasilândia
41o Cangaíba
42o Jabaquara
43o Jaguara
44o Limão
45o Pinheiros
46o Vila Formosa
47o Vila Guilherme
48o Vila Nova Cachoeirinha
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
área vinha se transformando num ponto de passagem para
parcela significativa da população migrante, principalmente para os migrantes originários de outros estados brasileiros (Cunha, 1987). Assim, a RMSP, notadamente o
município de São Paulo, seria o primeiro ponto de referência do estado, a partir do qual ocorreriam movimentos
migratórios de caráter mais definitivo. Vale ressalvar que,
até o momento, os determinantes deste processo não puderam ser devidamente sistematizados. Procurou-se, no
entanto, apontar as principais alterações ocorridas na dinâmica populacional desta área e identificar elementos
relevantes para o entendimento desta nova realidade demográfica.
cluem-se os municípios "dormitórios": Carapicuíba, Ferraz
de Vasconcelos, Itapevi, Jandira, Poá e Taboão da Serra.
O município de Carapicuíba apresentou taxa de migração positiva, embora com uma queda acentuada da participação da migração, de 82,8%, em 1970-80, para 39,9%,
em 1980-91.
As profundas alterações registradas na metrópole nos
anos 80 abrem um amplo espaço de reflexão, principalmente quando se faz necessário traçar cenários futuros
da dinâmica demográfica desta área.
Nesta linha de discussão, alguns estudos (Araújo e
Pacheco, 1992) revelam que uma das hipóteses plausíveis para o entendimento destas mudanças seria a própria
redução absoluta da migração interestadual para o Estado de São Paulo neste período, afetando, conseqüentemente, o ritmo de migração para a metrópole nos anos
80. Outros estudos destacaram a importância da redistribuição populacional em direção ao interior do Estado de
São Paulo a partir da RMSP. Segundo Perillo e Aranha
(1992), é interessante observar o peso crescente do interior do Estado em relação à metrópole quando se analisam os deslocamentos populacionais nas últimas décadas.
O fortalecimento do interior relacionou-se, principalmente, ao grande dinamismo da produção industrial para o
mercado externo, à agricultura e à agroindústria, em que
também se desenvolveram as estruturas do setor de comércio e serviços. Esses fatores, em conjunto, contribuíram tanto para a aceleração dos movimentos migratórios
em direção ao interior quanto para a retenção da população do interior em suas regiões de origem. Dessa forma,
contrariamente ao ocorrido na RMSP, o saldo migratório
do interior apresentou ligeiro acréscimo: de 787 mil pessoas, em 1970-80, para 861 mil pessoas, em 1980-91.
Tal fenômeno estaria refletindo o processo de interiorização do desenvolvimento econômico, notadamente da
indústria, no Estado de São Paulo. Neste sentido, Cano e
Semeghini (1992) destacaram que "os efeitos da profunda recessão dos anos 80 foram bem mais fortes sobre a
RMSP quando comparado ao interior do Estado de São
Paulo". Entre outros fatores, os autores mostram que a
produção industrial da metrópole diminuiu 1,5%, entre
1980 e 1987, enquanto a do interior cresceu 6,3%, no
mesmo período.
A RMSP continuou concentrando a mais expressiva
parcela da indústria do país, mesmo a partir de meados
da década de 70, com o redirecionamento das atividades
industriais para o interior do estado e outras regiões do
país – movimento que se traduziu no declínio de sua participação de 43,5%, em 1970, para 33,6%, em 1980, e
30,6%, em 1987 (Araújo e Pacheco, 1992.).
Outra hipótese plausível para explicar as mudanças
ocorridas na metrópole nos anos 80 seria a de que esta
NOVAS TENDÊNCIAS MIGRATÓRIAS
NO INTERIOR DO ESTADO
As transformações recentes na dinâmica econômica e
populacional da metrópole paulista repercutiram significativamente no interior do Estado de São Paulo,2 que se
tornou a segunda concentração industrial do país, só perdendo para a RMSP. Além disso, o interior apresentou
uma mobilidade espacial de grande magnitude, evoluindo de um saldo migratório negativo de 454 mil pessoas,
na década de 60, para um saldo positivo de 787 mil pessoas, em 1970-80. No período 1980-91, esta tendência
persistiu, de tal modo que a migração alcançou um volume de 861 mil pessoas (Perillo e Aranha, 1992).
Nos anos 70, alternavam-se num mesmo espaço regiões
com elevadas taxas de migração negativas e outras com
taxas positivas superiores a 20 por mil habitantes. As regiões situadas a oeste do estado, como Presidente Prudente, Araçatuba e Marília, caracterizavam-se como áreas
de acentuada evasão de população do Estado de São Paulo. Em contrapartida, as regiões situadas a leste, notadamente aquelas circunvizinhas à metrópole, registravam
taxas de migração superiores a 15 por mil habitantes, como
Campinas, Santos, São José dos Campos e Ribeirão Preto.
Nesse período, algumas regiões consolidaram-se enquanto importantes pólos de atração populacional no Estado de São Paulo – como Região Metropolitana de São
Paulo, Campinas, Sorocaba, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Bauru e São José do Rio Preto.
Nos anos 80, assistiu-se a mudanças importantes nas
tendências migratórias.
Nas regiões a leste do estado, o ritmo da migração, neste
período, sofreu forte redução. Ao mesmo tempo, a Região Metropolitana, além de Registro, mais ao sul do estado, e outras regiões reverteram o sinal de seus saldos
migratórios em 1990-91. Pela primeira vez na história, a
RMSP passou a fazer parte do grupo de regiões com saldos migratórios negativos (Mapa 4).
80
NOVOS CAMINHOS DA MIGRAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO
MAPA 4
Taxas Líquidas de Migração
Regiões Administrativas do Estado de São Paulo – 1970-1991
1970-80
1980-91
RA de São
José do Rio Preto
RA de
Barretos
RA de Franca
RA de
Ribeirão
Preto
RA de Araçatuba
RA de Presidente
Prudente
RA Central
RA de Marília
RA de Bauru
RA de Campinas
RA de São José
dos Campos
RA de Sorocaba
RMSP
RA de
Santos
RA de Registro
Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE.
listas. Na década de 70, 62% dos municípios caracterizavam-se como áreas de evasão populacional (Fundação
Seade, 1992). Em outras palavras, a saída de pessoas
mostrou-se maior do que a entrada em 352 municípios.
No período 1980-91, a situação foi mais equilibrada: 53%
apresentaram taxas negativas de migração e 47%, taxas
positivas.
Verificou-se uma redução no número de municípios
com altas taxas negativas de migração, de 196, em 1970-80,
para 99 no período seguinte. Também diminuiu o número daqueles com altas taxas positivas neste período, passando de 90 para 63.
Outro dado interessante é que em 21% dos municípios
registrou-se, entre 1970 e 1991, uma inversão de sinais
As regiões a oeste e norte do estado, com taxas de migração negativas na década de 70, reduziram a intensidade da evasão populacional, destacando-se, sobremaneira,
as regiões de Araçatuba, Presidente Prudente e Marília.
A região de São José do Rio Preto chegou, inclusive, a
apresentar uma reversão da tendência migratória, passando
a contar com taxa de migração positiva nos anos 80. As
áreas centrais do estado registraram manutenção dos níveis migratórios, como é o caso das regiões de Sorocaba,
Bauru e Central. Destacaram-se também Barretos e Franca, que passaram a contar com taxas de migração positivas no período 1980-91.
Vale destacar também algumas alterações importantes
em termos da dinâmica populacional dos municípios pau-
81
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
no movimento migratório: 85 deles, caracterizados até
então como áreas de evasão de população, tornaram-se
áreas de atração. Situação oposta ocorreu em 36 outros
municípios.
NOTAS
Este trabalho contou com a colaboração de Magaly de Losso Perdigão.
1. As estimativas dos saldos migratórios para o período 1980-91 foram obtidos
pelo Método das Estatísticas Vitais, mediante a utilização das Estatísticas do
Registro Civil do Estado de São Paulo e das informações da Sinopse Preliminar
do Censo Demográfico de 1991.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
2. O interior é definido aqui como o conjunto de todas as regiões paulistas, excluída a Região Metropolitana de São Paulo.
A análise das informações censitárias disponíveis até
o momento permitiu a identificação de novas tendências
migratórias no Estado de São Paulo nos anos recentes.
Contrariando uma tendência predominante há várias
décadas no país, de concentração da população em cidades cada vez maiores, especialmente nas grandes metrópoles, os dados censitários revelaram uma reversão significativa nos padrões de redistribuição populacional. No
Estado de São Paulo, verificou-se que a área metropolitana, notadamente a capital paulista, que se consolidavam
como os grandes pólos de atração e concentração da população nacional, passaram a se caracterizar como áreas
de evasão de população nos anos 80.
Outro aspecto marcante da reorganização espacial paulista foi o rápido crescimento dos municípios periféricos.
Esse processo de "periferização" generalizou-se no país,
confirmando a tendência de transferência da população
das áreas centrais para as áreas mais distantes.
No interior do estado, a recuperação econômica e populacional, constatada na década anterior, teve prosseguimento. O processo de interiorização do desenvolvimento
econômico paulista contribuiu, em grande medida, não
apenas para a aceleração dos movimentos migratórios
partindo da metrópole paulista em direção ao interior,
como também para uma maior retenção da população do
interior em suas regiões de origem. Verificou-se uma tendência à concentração populacional menos intensa em
áreas que, até os anos 70 se caracterizavam como bastante atrativas e, ao mesmo tempo, um crescimento acelerado de áreas que antes perdiam população. Em síntese, as
regiões do interior do Estado de São Paulo passaram a
apresentar comportamentos migratórios menos díspares
nos anos recentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, M.F.I. e PACHECO, C.A. "A trajetória econômica e demográfica da
Metrópole nas décadas de 70-80". São Paulo no limiar do século XXI. São
Paulo, Fundação Seade, n.6, mar. 1992.
CANO, W. e SEMEGHINI, V.C. "Urbanização, crise social e o perfil das entidades regionais em São Paulo".VIII Encontro de Estudos Populacionais.
Anais... Brasília, Abep, out. 1992.
CUNHA, J.M.P. da."As correntes migratórias na Grande São Paulo". São Paulo
em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.1, n.2, jul.-set. 1987.
FUNDAÇÃO SEADE. "Migrações no Interior do Estado de São Paulo". Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.23, 1990.
__________ . O novo retrato de São Paulo: avaliação dos primeiros resultados
do Censo Demográfico de 1991. São Paulo, Fundação Seade, 1992.
__________ . "Onde estão e aonde vão os paulistas?" In: Como está São Paulo?
Secretaria de Planejamento e Gestão, Coordenadoria de Planejamento Regional. São Paulo, 1993.
MARTINE, G. Processos recentes de concentração e desconcentração urbana
no Brasil: determinantes e implicações.Brasília, ISPN 1992, mimeo.
__________ . A resdistribuição espacial da população brasileira durante a década de 80. Brasília, IPEA 1994, mimeo.
__________ . A mobilidade geográfica da população brasileira: tendências recentes e perspectivas. Brasília, ISPN 1993, mimeo.
PERILLO, S.R. "O que muda na dinâmica migratória do Estado de São Paulo
nos anos oitenta?". VIII Encontro de Estudos Populacionais. Anais... Brasília, Abep. out. 1992.
__________ ."Migração e mudanças: uma análise das tendências migratórias na
Região Metropolitana de São Paulo no período 1980-1991". Conjuntura
Demográfica. São Paulo, Fundação Seade, n.22, jan.-mar. 1993.
PERILLO, S.R. e ARANHA, V.J. "Tendências recentes da migração no Estado
de São Paulo". São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.6,
n.3, jul.-set. 1992.
__________ . "Novos padrões de reorganização espacial da população paulista". Conjuntura Demográfica. São Paulo, Fundação Seade, n.26, jan.-mar.
1994.
PERILLO, S.R. e RODRIGUES, R. do N."Aplicações metodológicas para estimar a migração no Estado de São Paulo no período intercensitário 1970-80".
Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.16, 1985.
RODRIGUES, R. do N. e PERILLO, S.R. "Perspectivas da migração no Estado
de São Paulo e nas 11 Regiões Administrativas para o período 1980-2000".
Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.19, 1986.
82
MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA
MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA
VALMIR ARANHA
Sociólogo, Analista da Fundação Seade
A
falta de informação sobre a dinâmica migratória recente no Brasil, bem como o atraso na divulgação dos dados relativos ao questionário da
amostra do Censo Demográfico de 1991, confere importância fundamental à análise de fontes alternativas de informação sobre migração.
Em que pese esta falta de dados, a Fundação IBGE divulgou, em 1992, uma versão preliminar do último Censo que, entre outras contribuições, permitiu identificar o
ritmo do crescimento e a distribuição da população nas
diversas cidades e regiões do país. Estes dados, indiretamente, indicaram mudanças nas tendências migratórias
recentes e subsidiaram a elaboração de vários estudos que
procuraram interpretar o sentido dessas mudanças.1
De modo geral, o Censo de 1991 revelou uma sensível
redução do crescimento populacional em todo o território brasileiro: a taxa do país, que era de 2,5% a.a. em 197080, passou para 1,9% a.a., em 1980-91. O declínio da fecundidade é, sem dúvida, o principal responsável por esta
mudança. Entretanto, a moderação no processo de metropolização também conforma outra transformação importante na dinâmica demográfica recente.
De fato, se no início da década de 80 a fecundidade já
vinha apresentando uma tendência decrescente, os dados
preliminares do Censo não somente confirmaram esta
queda, como também indicaram o acelerado ritmo em que
ela se processou. Por outro lado, a redução da concentração populacional, sobretudo nas principais metrópoles do
país, mostrou uma tendência diferenciada de crescimento populacional segundo o tamanho das cidades: nos anos
80, as maiores cresceram proporcionalmente menos em
benefício das médias e pequenas.
Do ponto de vista migratório, estas mudanças poderiam
sugerir uma diminuição na intensidade e/ou um redirecionamento dos fluxos migratórios, sobretudo nas regiões
que tradicionalmente apresentavam elevadas taxas de crescimento e uma grande concentração de população.
Os efeitos destes processos indicariam um certo "imobilismo populacional" ou um arrefecimento do processo
migratório, assim como um redirecionamento dos fluxos
migratórios, que teriam se tornado predominantemente de
curta distância, ou de caráter intra-regional, em detrimento
dos tradicionais fluxos de longa distância.
Ressalte-se que estas mudanças ocorreram em um contexto bastante complexo, em que os efeitos da desconcentração industrial, mudanças na composição do emprego,
flexibilização, automação e abertura da economia, concomitantemente à alternância entre períodos de estabilização e momentos de crises, teriam incidido diretamente e
diferencialmente sobre os movimentos migratórios.
A principal expressão destas mudanças foi, sem dúvida, o processo ocorrido na Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP). Historicamente a principal área de concentração de população e de recepção de migrantes do
país, a metrópole paulista passou a registrar uma taxa de
crescimento populacional de apenas 1,9%a.a., no período 1980-91, contra os 4,5% a.a. registrados em 1970-80.
Na mesma direção, os dados preliminares do Censo de
1991, associados às Estatísticas Vitais do Estado de São
Paulo, reunidas pela Fundação Seade, indicaram um saldo migratório negativo de 274 mil pessoas para a RMSP
no período 1980-91. Este resultado não representa apenas uma simples diminuição da intensidade da imigração
rumo a São Paulo. Mais do que isso, revela um importan-
83
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
te êxodo de população, que estaria emigrando para outras regiões do país.2
É nesse contexto de falta de informação e de indicações sobre as tendências migratórias recentes que este trabalho pretende contribuir, apresentando novos resultados
a partir de duas fontes alternativas: a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pela Fundação Seade
e pelo Dieese, e a Pesquisa de Condições de Vida (PCV),
também da Fundação Seade. A análise destas fontes conduz a indicações interessantes, já que a PED acumula mais
de uma década de pesquisa sobre a RMSP, chegando até 1995
com resultados bastante atualizados, enquanto a PCV, na
versão de 1994, é representativa para a área urbana do Estado de São Paulo e contém informações relevantes sobre a
dinâmica migratória do interior do Estado de São Paulo.
Nosso objetivo é bastante simples. Os dados relativos à
migração contidos nessas pesquisas serão apresentados aqui
de forma a se poder identificar as tendências, tanto em
relação à intensidade quanto aos sentidos, dos fluxos de
migrantes para a RMSP. Na medida do possível, procurar-se-á também acompanhar algumas mudanças no perfil socioeconômico e demográfico dos migrantes. Pretende-se, dessa forma, indicar outras possibilidades de
interpretação da dinâmica migratória recente, sobretudo
na metrópole paulista.
grantes segundo tempo de residência na RMSP. Os dados
relativos a ocupação, educação e local de residência anterior dos migrantes foram agrupados em períodos bianuais, compatibilizando estas informações com as características do plano amostral. Vale ressaltar ainda que a
PED é uma pesquisa restrita à RMSP e reflete somente o
comportamento da entrada de migrantes na região, sem
se referir, evidentemente, ao volume de saídas, ou seja,
de emigração.
São apresentados também alguns resultados da tendência migratória metropolitana levantados pela PCV de 1994.
Esta pesquisa consiste em um levantamento sobre emprego, habitação, acesso a serviços de saúde, instrução e rendimentos, visando dimensionar o grau de pobreza que
atinge a população paulistana. É orientada pela noção de
pobreza enquanto um fenômeno multifacetado e combina diversos indicadores de carências que atingem as famílias no Estado de São Paulo (Fundação Seade, 1992).
A PCV define como migrantes aqueles que declararem como último local de residência um município diferente daquele em que residiam no momento da entrevista. Esta definição possibilita uma melhor captação das
diversas tendências migratórias no espaço paulista que
a da PED. Procurou-se aqui compatibilizar os dois conceitos a partir da PED para mapear fluxos distintos de
entrada e de saída de migrantes na RMSP.
A partir da PCV, considerou-se os migrantes residentes na RMSP e os do interior do Estado de São Paulo que
declararam como local de residência anterior algum município da RMSP. Estas informações retratam não só a
tendência migratória em direção à RMSP, como também
um movimento específico de saída de população da RMSP
rumo ao interior. Optou-se por definir os migrantes da
PCV como aqueles que declararam residir há menos de
quatro anos no interior ou na RMSP, indicando o provável comportamento da migração no período pós-censitário.
Vale ressaltar que a PCV de 1994 é uma pesquisa restrita
ao Estado de São Paulo, não possibilitando a identificação dos fluxos migratórios com origem na RMSP e destino para outras localidades fora do estado.
Com base nos conceitos e nas possibilidades de mapeamento da dinâmica migratória assim definidas, acredita-se ter uma importante indicação sobre a mobilidade
populacional recente na RMSP. As fontes alternativas são
utilizadas como complemento das informações censitárias
ou como indicativas de novas características migratórias.
CONCEITOS, POTENCIALIDADES E
LIMITAÇÕES DAS FONTES ALTERNATIVAS
PARA O ESTUDO DAS MIGRAÇÕES
A PED, que teve início em 1984, é um sistema permanente de pesquisa domiciliar na RMSP que permite
quantificar a evolução conjuntural da mão-de-obra e caracterizar os diferentes tipos de desemprego, especificando
os setores mais afetados pelas oscilações e modificações
ocorridas no mercado de trabalho (Haga,1987).
Através desta pesquisa, é possível acompanhar a participação dos migrantes residentes na RMSP (local de
residência anterior, tempo de residência, sexo, idade, escolaridade, etc.), os impactos dos movimentos migratórios
sobre a população economicamente ativa e o desemprego e as especificidades da inserção setorial do migrante
no mercado de trabalho.
Segundo a metodologia da PED, são definidos como
migrantes aqueles que declararem como último local de
residência outros municípios do Estado de São Paulo,
exceto a RMSP, outros estados e outros países. Por exclusão, os que sempre residiram na RMSP e os que migraram de um município para outro dentro da própria região são considerados não-migrantes.
As informações referentes à PED, apresentadas aqui,
correspondem ao período 1988-953 e consideram os mi-
OS IMIGRANTES RESIDENTES
NA RMSP SEGUNDO A PED
Contrariando as tendências apontadas pela análise das
taxas de crescimento e dos saldos migratórios calculados
84
MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA
TABELA 1
Distribuição de Migrantes, segundo Tempo de Residência
Região Metropolitana de São Paulo – 1988-95
Em porcentagem
Tempo de Residência
Total
1988 (1)
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Não-Migrante
52,7
53,4
54,0
54,3
52,8
53,0
52,8
52,9
Migrante
47,3
46,6
46,0
45,7
47,2
47,0
47,2
47,1
6,2
5,9
5,6
5,2
5,7
5,7
5,7
6,3
Menos de 1 Ano
2,7
2,7
2,3
2,1
2,3
2,5
2,6
2,9
De 1 a Menos de 2 Anos
1,8
1,6
1,7
1,5
1,6
1,5
1,6
1,7
De 2 a Menos de 3 Anos
1,8
1,7
1,6
1,6
1,8
1,7
1,6
1,6
14,8
14,0
13,7
13,4
14,6
14,7
15,3
15,9
Menos de 3 Anos
Menos de 10 Anos
De 3 a Menos de 10 Anos
Mais de 10 Anos
8,6
8,0
8,0
8,2
8,9
9,1
9,6
9,6
32,4
32,6
32,4
32,3
32,6
32,3
31,9
31,2
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese.
(1) Refere-se ao período fev./dez.
Se estas informações da PED parecem ratificar, num
primeiro momento, a tendência ao menor crescimento
populacional e, conseqüentemente, a diminuição de intensidade dos fluxos migratórios rumo à RMSP, os dados
sobre os migrantes segundo tempo de residência apontam em outra direção.
O Gráfico 1 resume algumas informações da tabela
anterior, tomando apenas os migrantes com menos de três
anos de residência,4 e mostra que continua ocorrendo uma
entrada significativa de migrantes durante todo o período 1988-95. Ainda que apresentando o mesmo movimento de inflexão no ano de 1991, a participação deste grupo de migrantes recentes foi diferenciada ao longo do
período considerado, sobretudo aqueles com menos de
um ano de residência.
Estes migrantes, que poderiam ser considerados como
recém-chegados a São Paulo, representavam 2,7% da população total em 1988, passando a 2,1% no ano de 1991,
aparentemente o momento de menor entrada de migrantes na RMSP. Após esse ano, verificou-se um aumento
pequeno, mas nitidamente crescente, da participação deste
grupo de migrantes, que chegaram a representar quase 3%
da população total no ano de 1995 – em termos absolutos, aproximadamente 480 mil pessoas da população estimada para este ano.
Esta participação diferenciada dos migrantes recentes
ao longo do período analisado revela um movimento de
chegada de migrantes na RMSP que parece ter sido relativamente menor no momento mais agudo da crise, se
comparado àquela ocorrida em outros anos.
O que aparentemente é válido para este contexto de
"atração de migrantes" não se aplica à situação de permanência destes migrantes na RMSP. Apesar do aumento sis-
a partir das informações do Registro Civil do Estado de
São Paulo, as informações da PED sobre os migrantes,
segundo tempo de residência, indicam que continua
ocorrendo uma entrada bastante intensa de migrantes na
RMSP no período recente. Os dados da Tabela 1 mostram
que a participação dos migrantes no total da população
metropolitana no período 1988-95 apresenta dois movimentos distintos.
Num primeiro momento (1988-91), verifica-se uma
pequena diminuição da participação dos migrantes no
total da população e, conseqüentemente, um aumento
relativo da participação dos não-migrantes. Dentre a
população residente na RMSP no ano de 1988, 52,7%
eram não-migrantes e 47,3,%, migrantes; em 1991, estes valores alteraram-se para 45,7% e 54,3%, respectivamente. Ressalte-se que o ano de 1991 registrou a maior
diferença entre migrantes e não-migrantes de todo o período, da ordem de 8,6%.
A partir de 1991, ocorre uma pequena alteração desta
tendência, mas no sentido contrário, fazendo com que a
participação relativa dos migrantes aumentasse gradativamente até o final do período. No ano de 1995, os migrantes representavam 47,1% da população e os não-migrantes 52,9%, atingindo praticamente o mesmo patamar
registrado em 1988.
Percebe-se nitidamente um movimento de diminuição
e crescimento, tendo o ano de 1991 como um possível
ponto inflexão na dinâmica migratória recente rumo à
RMSP. Dessa forma, a menor participação de migrantes
em 1991, em comparação com os demais anos aqui considerados, pode ser um indicativo de porquê o resultado do
Censo de 1991 indica um aparente "imobilismo" da população ou um arrefecimento nos movimentos migratórios.
85
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
GRÁFICO 1
representatividade destes em termos populacionais? Como
interpretar o saldo migratório negativo e a pequena taxa
de crescimento populacional registrada na região no período 1980-91?
Algumas pistas são fornecidas pelos dados dos migrantes por tempo de residência. Do total da população residente na RMSP no ano de 1991, aproximadamente 13,4%
era constituída por migrantes com menos de dez anos de
residência. Este percentual representa uma cifra bastante
expressiva de cerca de 2 milhões de migrantes que permaneceram residindo na RMSP durante os anos que compreendem praticamente todo o período intercensitário.
O volume migratório registrado pela PED equivale
aproximadamente ao de entrada de migrantes na RMSP
registrado pelo Censo, durante o período 1970-80, da ordem de 2,4 milhões de pessoas.6 Isto mostra que a RMSP
continua recebendo um fluxo significativo de população
e que, contrariamente ao que indicavam as taxas de crescimento populacional e os saldos migratórios, esta região
continua sendo importante em termos da mobilidade de
população, não apenas para o Estado de São Paulo, mas
também nacionalmente.
Estas informações poderiam revelar que a diminuição
da migração para a RMSP realmente ocorreu, mas não
com a intensidade sugerida pelos dados preliminares do
Censo. Na verdade, o grupo de migrantes residentes há
menos de dez anos aumentou sistematicamente sua participação na população total da RMSP a partir de 1991,
chegando a representar 15,9% em 1995.
Uma hipótese, que só poderá ser verificada através das
informações censitárias sobre os fluxos migratórios, é que,
concomitantemente à entrada expressiva de migrantes na
RMSP na década de 80, deve ter ocorrido também uma
evasão bastante significativa rumo a outras regiões do país
ou do Estado de São Paulo, ou até mesmo ao exterior,
que mais do que compensou a expressiva entrada de migrantes registrada pela PED.7
Uma tal interpretação da dinâmica migratória recente
da RMSP – mais fundamentada em hipóteses que enfatizam predominantemente a mobilidade populacional contínua, de circulação permanente ou mesmo de substituição de população – contrapõe-se a modelos interpretativos
bastante sedimentados nos estudos migratórios pautados em tendências de maior ou menor crescimento ou
em fatores que atraem ou expulsam população.
Há de se perguntar se, dentro da tendência recente da
migração na metrópole paulista, atração e expulsão não
são processos que coexistem no mesmo tempo/espaço regional e que afetam grupos e dinâmicas populacionais distintos. Neste caso, quais seriam os migrantes que continuariam chegando na RMSP? Quem estaria deixando a
RMSP? Para onde? Por quê?
Distribuição de Migrantes com Menos de Três Anos de Residência
Região Metropolitana de São Paulo – 1988-95
Menos de 1 Ano
De 1 a Menos
de 2 Anos
De 2 a Menos
de 3 Anos
%
Anos
1988(1)
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
Fonte: SEP e Convênio Seade – Dieese.
(1) Refere-se ao período fev./dez.
temático da participação dos migrantes no total da população metropolitana, não se verificou, no período pós-91,
uma ampliação no processo de absorção dos migrantes
recentes.
Mesmo estes dados não sendo de coortes e sim de períodos, se considerarmos que os migrantes com menos de
um ano, por exemplo, de 1988, seriam potencialmente os
migrantes residentes de um a menos de dois anos de residência no ano de 1989, e assim sucessivamente, aparentemente a capacidade de retenção dos migrantes na RMSP
permaneceu estável. Girando sempre em torno de 1,5% e
2%, a participação dos migrantes residentes na RMSP de
um a menos de dois, e de dois a menos de três anos de
residência parece indicar que este foi o limite da capacidade de absorção dos migrantes durante todos esses anos,
independentemente de ser um período de crise, como em
1990-91, ou de estabilização como em 1995.
Sob este ângulo, estas informações podem ser um indicativo de que o processo migratório na RMSP continua
apresentando características de nítida seletividade. Se, por
um lado, verifica-se que somente uma parte dos migrantes que chegaram à RMSP durante o período permaneceram na região após um ano de residência, por outro, continua ocorrendo um processo de reemigração de um
segmento da população migrante que, passando pela Região Metropolitana e não se fixando, parte novamente em
busca de novas possibilidades de sobrevivência em outras regiões.5 Estes fluxos de reemigrados poderiam, inclusive, estar engrossando um provável movimento de
migração de retorno, hipótese bastante plausível para este
contexto de saída de população da RMSP.
Se os dados da PED indicam que continua ocorrendo
uma entrada sistemática de migrantes na RMSP, qual a
86
MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA
paulista, sendo responsáveis por mais da metade dos migrantes residentes há menos de três anos. Em 1994-95, respondiam por praticamente 59% da migração para a RMSP.
Os migrantes com último local de residência nos estados das regiões Norte, Centro-Oeste e Sul tiveram uma
pequena redução em sua participação relativa durante o
período. Do total dos migrantes residentes há menos de
três anos na RMSP, estes representavam 10,9% nos anos
1988-89, passando para 9,7% em 1994-95.
Aparentemente, as migrações internacionais, no contexto da mobilidade populacional contemporânea brasileira, são muito mais significativas enquanto processo
de saída de população para outras partes do mundo.8 Os
dados da PED, entretanto, indicam uma participação relativa ascendente destes migrantes na RMSP. Em 1988-89,
os migrantes de outros países representavam 1,3% do total
dos migrantes com menos de três anos de residência na
RMSP, passando, em 1994-95, a 2,5%.
Embora os migrantes de outros países não sejam tão
representativos quanto os nacionais, muitos estudos já
vinham indicando a presença cada vez mais significativa de algumas nacionalidades na população metropolitana de São Paulo, sobretudo de bolivianos e coreanos.
Para alguns setores da economia metropolitana, a inserção destes estrangeiros é fundamental, constituindo uma
das alavancas dos processos de terceirização das tarefas
que exigem utilização mais intensiva de mão-de-obra das
indústrias de confecções (BID, 1995 e Silva, 1995).
A inserção do migrante no trabalho é outra informação que a PED possibilita analisar. Neste artigo, porém,
só indicaremos de modo bastante genérico algumas tendências da ocupação destes migrantes em comparação
com o total dos ocupados da RMSP. Deve ficar para um
trabalho específico analisar com maior grau de detalhamento as especificidades da recente inserção dos migrantes no mercado metropolitano.
De modo geral, as mudanças na inserção dos migrantes segundo os setores de atividades acompanham a evolução e a tendência do total da população em idade ativa
(PIA) metropolitana. Os dados da Tabela 3 mostram que
a menor participação da PIA na indústria, com um aumento proporcional nas atividades de comércio e serviços, é um processo comum tanto para o total dos ocupados como para os migrantes com menos de três anos de
residência.
O total da PIA ocupada na indústria da RMSP representava 18,1% do total dos ocupados em 1988-89, passando para 14,1% em 1994-95. Esta diminuição ocorreu
também, e foi ainda ainda maior entre os migrantes com
menos de três anos de residência (de 18,3% em 1988-89
para 10,8% em 1994-95).
TABELA 2
Distribuição da População Migrante Residente
Há Menos de 3 Anos, segundo Último Local de Residência
Região Metropolitana de São Paulo – 1988-1995
Em porcentagem
Migrante com Menos
de Três Anos de Residência
Último Local
de Residência
Total
Interior do Estado
de São Paulo
Regiões NO, CO e Sul
Sudeste Menos Estado
de São Paulo
Nordeste
Outro País
1988(1)/89
1990/91
1992/93
1994/95
100,0
100,0
100,0
100,0
13,5
10,9
14,4
10,6
17,9
11,6
16,3
9,7
15,0
59,4
1,3
15,3
58,0
1,8
13,7
54,8
2,1
12,9
58,6
2,5
Fonte: SEP e Convênio Seade – Dieese.
(1) As informações relativas ao ano de 1988 referem-se ao período fev./dez.
É bastante difícil responder a estas perguntas e, com
certeza, não são as fontes alternativas que vão abarcá-las
em sua totalidade. Ainda assim, na quarta parte deste artigo
procurou-se explorar dados da PCV que indiquem algumas tendências deste processo.
Outro aspecto importante apontado pelas informações da
PED é que, diferentemente do que os dados preliminares
vinham sugerindo, não ocorreram mudanças muito significativas quanto ao local de residência anterior dos migrantes
que se dirigiram para a RMSP nos anos recentes. Verificase através da Tabela 2 que, apesar de os migrantes de âmbito regional ou de curta distância – caracterizados aqui como
aqueles procedentes do interior do Estado de São Paulo ou
dos outros estados da região Sudeste – apresentarem uma
participação significativa, continuam predominando os migrantes originários na região Nordeste.
Os migrantes com último local de residência no interior do estado que se dirigiram para São Paulo representaram ainda uma importante parcela do processo migratório metropolitano. No biênio 1988-89, correspondiam
a 13,5% do total dos migrantes na RMSP com menos de
três anos de residência; em 1994-95, essa participação
elevou-se para 16,3%.
Também os migrantes com local de residência anterior nos estados do Sudeste, excetuado São Paulo, representam uma parcela expressiva, embora tenham apresentado a maior diminuição relativa dos migrantes
residentes há menos de três anos na metrópole paulista.
Se, nos anos 1988-89, eram 15,0%, no biênio 1994-95
passaram a ser 12,9%.
Os estados do Nordeste ainda se caracterizam como
os grandes "exportadores" de migrantes para a metrópole
87
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
Os setores de comércio e serviços apresentaram um
aumento relativo na participação dos ocupados, tanto para
o total da PIA metropolitana como também para a PIA
migrante. A proporção da PIA inserida no comércio e nos
serviços elevou-se de 8,1% para 9% em 1994-95. No setor serviços, estes percentuais passaram de 23,1% para
20,2%, respectivamente. A proporção de migrantes com
menos de três anos de residência ocupados em cada um
desses setores também aumentou de 7,2% e 20,2% para
8,4% e 21,3% no mesmo período.
Vale ressaltar que os setores que tradicionalmente
constituíam portas de entrada para os migrantes recentes no mercado de trabalho metropolitano apresentaram
tendências distintas. A construção civil, atividade predominantemente masculina, apresentou uma nítida diminuição na participação da PIA ocupada; os serviços
domésticos, atividade predominantemente feminina, apresentou um pequeno aumento relativo. Enquanto a PIA
migrante ocupada na construção civil passou de 6,8% para
3,9%, durante todo o período analisado, os serviços domésticos apresentaram um aumento de 1,0%.
Verificam-se também algumas características interessantes relacionadas aos desempregados e inativos da metrópole paulista. Ao se considerar a PIA total, verifica-se
que, enquanto os inativos mantiveram uma participação
praticamente estável durante o período, em torno de aproximadamente 38% e 39%, os desempregados apresentaram um aumento proporcional significativo, que teve no
período 1992-93 sua maior expressão, cerca de 8,0% da
PIA.
Com relação aos migrantes, apesar destes estarem proporcionalmente em maior condição de atividade em comparação com a PIA total, a participação dos inativos
migrantes aumentou sistematicamente, chegando a representar 32,8% da PIA migrante em 1994-95. Já os desempregados migrantes apresentaram uma participação
crescente, chegando a representar 13,3% da PIA em 1992-93.
TABELA 3
Distribuição da População em Idade Ativa, segundo
Condição de Migração e Setor de Atividade
Região Metropolitana de São Paulo – 1988-1995
Em porcentagem
Condição de Migração
e Setor de Atividade
População Total
1988(1)/89
1990/91
1992/93
1994/95
100,0
100,0
100,0
100,0
18,1
16,6
14,5
14,1
Construção Civil
2,3
1,7
1,6
1,7
Comércio
8,1
8,6
8,6
9,0
Serviços
23,1
23,3
24,2
25,0
Serviços Domésticos
3,6
3,5
3,7
4,4
Outros
0,5
0,5
0,4
0,2
Desempregado
5,6
6,3
8,0
7,6
38,8
39,3
38,9
38,1
100,0
100,0
100,0
100,0
16,2
15,8
14,5
13,9
Construção Civil
1,1
1,0
0,9
0,9
Comércio
8,2
8,5
8,7
8,9
Serviços
23,0
22,8
23,5
24,2
Serviços Domésticos
1,7
1,6
1,5
1,6
Outros
0,5
0,5
0,4
0,4
Desempregado
6,6
6,8
7,6
8,0
42,7
43,0
42,8
42,3
100,0
100,0
100,0
100,0
18,3
15,7
11,2
10,8
Construção Civil
6,8
4,2
4,6
3,9
Comércio
7,2
8,5
8,3
8,4
Serviços
20,2
20,3
21,3
21,3
Serviços Domésticos
8,6
9,4
10,1
9,6
Outros
0,5
0,6
0,4
0,2
Desempregado
9,0
10,1
13,3
13,0
29,5
31,2
30,8
32,8
100,0
100,0
100,0
100,0
Indústria
Inativo
Não-Migrante
Indústria
Inativo
Migrante com Menos de
3 Anos de Residência
Indústria
Inativo
A MIGRAÇÃO NA RMSP SEGUNDO A PCV
Migrante com Mais de
3 Anos de Residência
Indústria
19,7
17,5
14,8
14,6
Construção Civil
2,6
2,1
2,0
1,8
Comércio
8,0
8,7
8,6
9,1
Serviços
23,5
24,1
25,2
25,8
Serviços Domésticos
4,5
4,5
4,8
5,2
Outros
0,5
0,5
0,4
0,2
Desempregado
4,3
5,5
7,7
6,7
36,8
37,1
36,4
36,6
Inativo
Se os dados da PED indicam características importantes quanto ao volume e à direção da dinâmica migratória
recente na RMSP, as informações da PCV de 1994 também apontam importantes diferenciais socioeconômicos
segundo condição de migração da população na metrópole paulista. A PCV é atualmente a única fonte de informação disponível capaz de mapear a população que
deixou de residir na RMSP no período recente, ainda que
estes dados se limitem ao fluxo migratório específico entre
RMSP e interior.
A migração rumo ao interior do Estado de São Paulo é
um processo migratório sinificativo desde a década de 70
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese.
(1) As informações relativas ao ano de 1988 referem-se ao período fev./dez.
88
MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA
Esta diferença no perfil etário entre imigrantes e emigrantes da RMSP também pode ser observada através da
idade média ao migrar. Os migrantes que chegaram na
RMSP caracterizam-se por uma estrutura etária mais jovem, com a média em torno de 21,3 anos; para os emigrantes, a média foi de aproximadamente cinco anos a
mais, chegando a 26,9 anos.
Em um primeiro momento, a comparação destas duas
estruturas poderia indicar um diferencial importante no
processo migratório com um fluxo predominantemente
"individual" para a RMSP e a saída de um fluxo predominantemente "familiar" para o interior do estado. Parece mais interessante apostar que as estruturas etárias
dos fluxos que chegam e que saem da RMSP são diferentes, em grande medida, por estarem relacionadas com
distintos ciclos familiares. Assim, provavelmente estariam chegando na RMSP famílias com diferentes arranjos, mas predominantemente jovens com poucos ou
sem filhos e, é claro, migrantes sozinhos, enquanto estariam saindo famílias também com diferentes arranjos, mas predominantemente mais envelhecidas, para
o interior.
Ressalte-se ainda duas características relacionadas
com a idade dos migrantes. A primeira diz respeito à
intensa concentração de migrantes jovens que chegaram
à RMSP. De fato, o grupo etário de 15-19 anos concentrava mais de 20% de todos os migrantes que residiam
há menos de quatro anos na metrópole no ano de 1994.
Por outro lado, as informações de saída de migrantes indicam também características importantes relacionadas
com os grupos etários mais avançados; no ano de 1994
os emigrantes com mais de 50 anos da RMSP que passaram a residir no interior do Estado de São Paulo representavam aproximadamente 13% do total de emigrantes. A constituição de um fluxo migratório específico
formado por "idosos" é destacada em quase todos os trabalhos sobre tendências recentes, constituindo uma das
manifestações das diversidades dos movimentos migratórios, sobretudo no Estado de São Paulo.
Com relação ao sexo, observa-se que a "razão de sexo",
indicador que reflete o equilíbrio entre homens e mulheres, é praticamente igual, considerando-se tanto a população imigrante como os emigrantes da metrópole paulista. Percebe-se apenas um pequeno predomínio de homens
quando se consideram os emigrantes da RMSP com residência no interior, o que se traduz por uma razão da ordem de l04,5% no ano de 1994 (Tabela 5).
Os dados relativos à escolaridade são uma indicação
de que, provavelmente, trata-se de fluxos distintos que
chegaram e que saíram da RMSP nos anos recentes. De
modo geral, observa-se uma maior escolaridade no grupo de migrantes que deixaram a RMSP em comparação
e, aparentemente, continua representando importante parcela da dinâmica migratória estadual. De fato, a PCV indica que continua ocorrendo um processo de saída da
metrópole rumo ao interior; dos migrantes recentes do
interior paulista ano de 1994, aproximadamente 19% tinham como local de residência anterior algum município
da RMSP (Jannuzzi, 1996).
Mesmo com as limitações e as possibilidades de cruzamento do plano amostral da PCV, é possível comparar alguns indicadores dos migrantes que chegam e que saem
da RMSP. Essas informações mostram que a migração para
a RMSP vem se tornando, aparentemente, cada vez menos
um processo de atração e fixação, passando a ser, predominantemente, um processo de substituição de população.
A análise da estrutura etária da população que entrou
e que saiu da metrópole nos últimos anos aponta neste
sentido (Gráfico 2). A distribuição por idade dos imigrantes com menos de quatro anos de residência na RMSP é
bastante distinta daquela dos emigrantes que saíram da
RMSP e residiam há menos de quatro anos no interior
do Estado de São Paulo.
Enquanto para os migrantes que chegaram na RMSP
a curva etária possui um formato bastante tradicional,
concentrando a maior parte dos migrantes nas idades produtivas, com menor participação dos grupos de crianças
e nas idades mais avançadas, para os migrantes que saíram, a estrutura é quase de uma linha contínua, mostrando uma emigração distribuída em todos os grupos etários,
destacando uma pequena, embora maior, participação
proporcional nas primeiras e nas últimas faixas etárias.
GRÁFICO 2
Estrutura Etária dos Migrantes (Idade ao Migrar)
Região Metropolitana de São Paulo – 1994
Im igrantes com até 4 anos de Residência na R M SP
Em igrantes com até 4 anos de Residência no Interior do
Estado de São Paulo e R esidência Anterior na RM SP
%
Grupos
de Idade
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV 1994.
89
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
imigrantes da RMSP. Os imigrantes que chegaram na
RMSP apresentavam um rendimento médio mensal de
aproximadamente 400 reais, enquanto os emigrantes da
RMSP com residência no interior do Estado de São Paulo
apresentavam um rendimento praticamente 30% superior ao da população imigrante (Tabela 5).
TABELA 4
Distribuição dos Migrantes com 10 Anos e Mais
que Residiam Há Menos de 4 Anos, segundo Instrução
Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1994
Em porcentagem
Instrução
Total
Analfabeto e Primário Incompleto
1o Grau Incompleto
2o Grau Incompleto
2o Grau Completo
3o Grau Incompleto/Completo
Imigrantes
da RMSP
100,0
31,6
39,4
12,7
10,3
6,0
Emigrantes da
RMSP com
Residência no
Interior doESP
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As possibilidades de exploração das fontes alternativas, com certeza, não se esgotam nas informações aqui
apresentadas; este estudo reflete apenas um momento específico de uma etapa de trabalho. Foram indicadas, contudo, algumas informações que, somadas aos dados censitários, abrem novas possibilidades para a interpretação
da dinâmica migratória recente da metrópole paulista.
As características da migração na RMSP, no período
mais recente, com certeza não são decisivas para confirmar as hipóteses aqui levantadas, mas, sem dúvida, indicam que o processo migratório vem apresentando mudanças importantes.
Diferentemente das hipóteses anteriores, as fontes de
informações alternativas revelam uma significativa mobilidade de população. Verificaram-se uma intensa entrada e uma grande saída de população da RMSP nos anos recentes. É somente a partir desse movimento de entradas e
saídas que se pode avaliar o que representou, recentemente,
o fato migratório para a metrópole paulista. Dessa forma,
nem o imobilismo nem a mobilidade de curta distância ou
intra-regional caracterizam a dinâmica migratória recente.
O aumento na circularidade dos movimentos migratórios e, até mesmo, um provável processo de substituição
de população da RMSP são características que podem refletir melhor o momento migratório metropolitano. Se,
aparentemente, esta mobilidade recente não ocorreu somente pela busca de novas oportunidades de sobrevivência, com certeza reflete a impossibilidade ou a dificuldade não de migrar, mas sim de permanecer na maior
metrópole do país.
100,0
18,9
37,1
(14,9)
(13,5)
(15,7)
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV 1994.
Nota: Os valores entre parênteses estão sujeitos a erro amostral relativo superior a 30%.
com os que chegam à metrópole; esta diferença chega a
aproximadamente um ano em termos de escolaridade média (Tabela 5).
Considerando os migrantes analfabetos e aqueles que
possuíam somente o primário incompleto, ou seja, o mais
baixo patamar de escolaridade formal, os imigrantes da
RMSP com menos de quatro anos de residência representavam 31,6%, enquanto emigrantes que deixaram a região com
idêntica escolaridade no mesmo período representavam apenas 18,9%. Para aqueles que possuíam somente o 1o grau
incompleto, verifica-se também uma diferença, mas não tão
acentuada, de respectivamente 39,4% e 37,1% (Tabela 4).
Os migrantes que possuíam pelo menos o 1o grau completo são muito mais significativos quando se consideram os que deixaram a RMSP, aproximadamente 44,1%.
Para os imigrantes da RMSP com esta mesma escolaridade, esta participação era de 29%.
O rendimento médio também é outro indicador que
revela diferenciais significativos entre os emigrantes e
TABELA 5
Caracterização Sintética dos Migrantes, segundo Condição de Migração
Região Metropolitana de São Paulo – 1994
Condição de
Migração
Idade
Média
Razão
de Sexo
Média de Pessoas
por Família
Rendimento Médio
(em reais)(1)
Escolaridade
Média(em anos)(1)
Imigrantes da RMSP
21,3
100,5
3,4
405,5
6,5
Emigrantes da RMSP
com Residência no
Interior do ESP
26,9
104,5
3,5
526,0
7,2
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV 1994.
(1) Informações padronizadas considerando-se a estrutura etária da população metropolitana.
90
MIGRAÇÃO NA METRÓPOLE PAULISTA
NOTAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Ver a respeito Martine (1992 e 1994), Perillo e Aranha (1992) e Pacheco (1992).
Não se pretende aqui reconstruir toda argumentação destes trabalhos, mas somente ressaltar, em linhas gerais, suas principais contribuições para o entendimento das tendências migratórias recentes.
BID. "Migraciones laborales". Programa de Apóio Técnico BID para o Mercosul. Relatório n.3, 1995, mimeo.
CUNHA, J.M.P.da."Migrações nas regiões administrativas do Estado de São Paulo
segundo o Censo de 1980". Revista Brasileira de Estudos Populacionais.
Campinas, v.4, n.2, jul.-dez. 1987.
FUNDAÇÃO SEADE. "O impacto da migração recente e a inserção do migrante
no mercado de trabalho da Grande São Paulo". Pesquisa de Emprego e
Desemprego: Grande São Paulo, Estudos Especiais, n.15, 1986, p.23-34.
2. Apesar de vários trabalhos indicarem a diminuição da intensidade dos deslocamentos populacionais rumo à RMSP e, até mesmo, de saída de migrantes para
outras regiões (Rodrigues e Perillo, 1986; Cunha, 1987), o que surpreende nos
dados preliminares de 1991 é a intensidade deste processo, que chegou, inclusive, a inverter a tendência migratória da metrópole paulista.
__________ . "Definição e mensuração da pobreza na Região Metropolitana de
São Paulo: uma abordagem multissetorial". Pesquisa de Condições de Vida
na Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo, 1992.
HAGA, A."Pesquisa de Emprego e Desemprego na Grande São Paulo". São Paulo
em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.1, n.3, out.-dez. 1987, p.86-87.
JANNUZZI, P.de M."Aspectos da dinâmica migratória recente no interior paulista: contribuições da PCV 94 para delineamento de hipóteses para as projeções populacionais no Estado de São Paulo". São Paulo, 1996, mimeo.
3. Neste trabalho, optou-se por utilizar as informações de migração da PED a
partir de fevereiro de 1988 devido a mudanças do questionário no quesito relativo a tempo de residência e local de residência anterior, que tornaram possível
especificar o estado de última residência dos migrantes e o tempo de residência
em anos completos.
4. Em outro estudo desenvolvido pela Fundação Seade (1986), constatou-se que
este grupo de migrantes recentes é bastante singular no que diz respeito à sua
inserção no mercado de trabalho: estavam ocupados de forma mais representativa nos setores da construção civil e dos serviços domésticos, recebiam salários
menores e cumpriam uma jornada de trabalho maior do que os demais trabalhadores, a maior parte deles não possuía formalização nos contratos de trabalho,
apresentavam a maior participação dos analfabetos e daqueles com o 1o grau ou
então engrossavam as taxas de desemprego.
MARTINE, G."Adaptação dos migrantes ou sobrevivência dos mais fortes?" In:
MOURA, H.A.(coord.). Migrações internas: textos selecionados. Fortaleza, BNB, t.2, 1980, p.949-74.
__________ . Processos recentes de concentração e desconcentração urbana
no Brasil: determinantes e implicações. Brasília, Instituto SPN, Documento de Trabalho n.11, 1992.
__________ . A distribuição espacial da população brasileira durante a década de 80. Brasília, IPEA, Texto para Discussão n. 329, 1994.
5. Esta argumentação foi desenvolvida por Martine (1980). Aparentemente, o
processo de seletividade e reemigração ainda é uma das características presentes
na dinâmica migratória da metrópole paulista.
PACHECO, C.A."Dinâmica econômica regional dos anos 80: notas para uma
discussão dos resultados do Censo de 91". In: VIII Encontro Nacional de
Estudos Populacionais. Anais... São Paulo, Abep, 1992, p.145-159.
PATARRA, N.L.(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. Campinas, Funuap, v.1, 1995.
PERILLO, S.R. e ARANHA, V. "Tendências recentes da migração. Conjuntura
demográfica". São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.6,
n.3, jul-set. 1992, p. 109-115.
6. Para comparar a PED com o Censo de 1980, foram excluídos dos resultados
censitários 920 mil migrantes que realizaram movimentos intrametropolitanos
na RMSP, segundo Cunha (1987).
7. Para se ter uma dimensão da magnitude desta provável evasão de população
da RMSP, se for considerado que o número de migrantes foi cerca de 2 milhões
no período 1981-91, como apontam os dados da PED, seria necessária a saída de
aproximadamente 2,2 milhões de pessoas para que o saldo migratório neste período se tornasse negativo, da ordem de 270 mil pessoas, como registrado pela
Fundação Seade. Se a relação estiver correta, teriam deixado a RMSP, nos anos
80, o equivalente a aproximadamente duas vezes a população de Campinas, o
maior município do interior do estado.
RODRIGUES, R.do N. e PERILLO,S.R. "Perspectiva da migração no Estado de
São Paulo e nas 11 regiões administrativas para o período 1980-2000". Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.19, 1986, p.1-78
SILVA, S.A.da. Costurando sonhos: etnografia de um grupo de bolivianos que
trabalham no ramo de costura em São Paulo. Dissertação de Mestrado.
São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1995.
8. Ver os artigos publicados sobre fluxos migratórios de brasileiros para o exterior em Patarra (1995).
91
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO
INTERIOR PAULISTA
PAULO DE MARTINO JANNUZZI
Demógrafo, Analista da Fundação Seade, Professor da PUCCAMP
A
migração vem se tornando, já há algumas décadas, a componente demográfica mais importante para a explicação da redistribuição espacial da
população pelo Estado de São Paulo. Nos anos 80, com a
progressiva redução dos diferenciais de fecundidade e
mortalidade pelo estado, os fluxos migratórios interestaduais, inter-regionais e intra-regionais passaram a ter um
peso ainda maior na dinâmica populacional dos municípios e regiões paulistas. Na presente década, não há evidências empíricas que se contraponham a essa tendência.
Se, por um lado, tal fato vem colocando o campo de
estudos da migração em posição de destaque na agenda
da pesquisa demográfica no estado – o que, em si, é um
aspecto positivo –, por outro, introduz dificuldades adicionais na já complexa atividade de elaborar projeções
populacionais – temática para a qual este artigo visa contribuir. Se persistirem as tendências apontadas anteriormente, a qualidade das estimativas populacionais futuras
dependerá, cada vez mais, da consistência das hipóteses
sobre os níveis e padrões etários da migração no estado.
Antecipar cenários futuros consistentes para a migração
– ou para qualquer outra componente demográfica – é uma
atividade de extrema complexidade, dada a natureza multifacetada dos processos demográficos. Dimensões econômicas, sociais e culturais concorrem, simultânea e independentemente, para a conformação dos níveis e padrões
de fecundidade, mortalidade e migração. Entre as condições ditadas pela estrutura econômica e a manifestação
demográfica há uma interface de mediação extremamente complexa, que pode amenizar, potencializar ou mesmo
inverter os efeitos primários das condições estruturais.
A crise paradigmática em que se encontra a teoria explicativa da migração é outro fator que dificulta a tarefa
de delineamento de hipóteses para a dinâmica migratória
futura. Nas palavras de Simmons (1987:1) “... a diversidade de padrões migratórios que têm sido descobertos e
de modelos conceituais que têm sido desenvolvidos para
analisá-los conduziu-nos a uma crise teórica. Os modelos explicativos existentes são muito específicos para contextos ou preocupações particulares. Eles parecem ser
incapazes de integrar os diversos padrões de mobilidade,
contextos históricos e tradições de pesquisa das várias disciplinas científicas”. Além disso, a progressiva desvinculação entre produção econômica e emprego na sociedade contemporânea vem colocar em xeque abordagens
teórico-metodológicas que pressupõem uma relação mecânica entre mobilidade populacional e emprego industrial. Manifestações mais recentes do processo de urbanização no Brasil – em especial a contra-metropolização
aludida por Martine (1994) e o acirramento da polarização do crescimento demográfico em direção a alguns centros urbanos no interior do estado (Bógus e Baeninger,
1995) – também introduzem elementos novos na discussão dos níveis e padrões migratórios futuros da população paulista.
Por fim, e não menos importante para o estabelecimento de hipóteses para a migração, destaca-se a lacuna
de informações estatísticas – atuais e passadas – sobre a
realidade social, econômica e demográfica em nível
microrregional. O desprestígio das atividades relacionadas ao planejamento público, neste final de século, tem
se refletido de forma desastrosa sobre as agências oficiais
de coleta, processamento e disseminação de dados estatísticos, em especial sobre o IBGE. Portanto, não é de se
estranhar que, transcorridos mais de quatro anos da realização do Censo Demográfico, não se disponha de quais-
92
DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO INTERIOR PAULISTA
quer informações públicas sobre os quesitos investigados
especificamente no questionário da amostra do Censo.
Acrescente-se a isto o fato de que a migração tem sido
historicamente o componente demográfico menos visado
nos levantamentos amostrais intercensitários (Patarra e
Cunha, 1987).
Para o Estado de São Paulo, felizmente, esta lacuna
de informações censitárias sobre migração e outros aspectos da realidade socioeconômica vem sendo contornada pelo uso de outras fontes alternativas. Graças à confiabilidade das Estatísticas Vitais no Estado (Waldwogel
et alii, 1994; Paes, 1994), algumas questões sobre a dinâmica migratória já vêm sendo respondidas. Vários trabalhos têm contribuído para descrever o novo quadro
redistributivo da população no estado e os diferenciais
regionais de migração líquida nos anos 80, bem como
para avançar no entendimento dos determinantes do processo.1 Para regozijo dos pesquisadores da migração no
estado e alívio dos formuladores de hipóteses de projeções, é possível ainda complementar o quadro da dinâmica migratória estadual com os resultados de dois
surveys realizados nos anos 90: a pesquisa de campo do
Projeto “Migrações, Emprego e Projeções Populacionais”2 e a Pesquisa de Condições de Vida (PCV) da Fundação Seade.
Assim, com o objetivo de contribuir para o entendimento da dinâmica recente da mobilidade populacional
no interior paulista e fornecer subsídios para a elaboração de hipóteses acerca dos níveis e padrões migratórios
a serem incorporadas nas projeções demográficas para o
Estado de São Paulo, este artigo apresenta um painel descritivo do perfil sociodemográfico dos migrantes e dos
diferenciais regionais da migração recente no interior
paulista, na forma possibilitada pela PCV Interior de 1994.
ANÁLISE DA MIGRAÇÃO PELA PCV 1994:
POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES
A Pesquisa de Condições de Vida é um survey domiciliar voltado à caracterização da situação socioeconômica das famílias a partir do levantamento de informações
em cinco áreas temáticas: renda, inserção no mercado de
trabalho, acesso a serviços de saúde, instrução e habitação. Esta pesquisa foi realizada, pela primeira vez, na
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), em 1990.
Em 1994, o levantamento contemplou, além da RMSP,
os 37 municípios do estado que possuíam, em 1991, mais
de 80 mil habitantes na zona urbana.
Ainda que não se trate de uma pesquisa voltada à avaliação de tendências demográficas, o questionário levanta algumas informações de interesse para pesquisadores
da área: idade, sexo, etnia, nupcialidade, estrutura familiar, parturição, mês e ano do último filho nascido vivo,
natureza do parto e quesitos relacionados à migração.
Sobre estes últimos, o questionário coletou dados, para
todos os membros da família, sobre o estado de nascimento
(quesito aberto), local de procedência migratória (categorizado em seis alternativas: o mesmo município, do
município de São Paulo, de outros municípios da RMSP,
de outros municípios do interior, de outros estados e de
outros países), tempo de residência no estado, tempo de
residência na RMSP (só para moradores desta região),
tempo de residência no município atual, tempo de resi-
QUADRO 1
Quesitos com Informação Intrinsecamente Demográfica da PCV 94
Variável
Idade
Sexo
Etnia
Posição na Família
Situação Conjugal
Parturição
Mês/Ano do Último Filho Nascido Vivo
Natureza do Parto
Estado de Nascimento
Tempo de Residência no Estado
Tempo de Residência no Município Atual
Tempo de Residência na RMSP
Tempo de Residência no Domicílio Atual
Município de Residência Anterior
Município onde Trabalha
Tipo de Quesito
aberto
categórico – 2 cat.
categórico – 4 cat.
categórico – 13 cat.
categórico – 7 cat.
aberto
aberto
categórico – 4 cat.
aberto
aberto
aberto
aberto
aberto
categórico – 6 cat.
categórico – 2 cat.
Fonte: Fundação Seade.
93
População-Alvo
todos membros da família
todos membros da família
todos membros da família
todos membros da família
todos membros da família
mulheres de 10 anos ou mais
mulheres de 10 anos ou mais
mulheres de 10 anos ou mais
todos membros da família
todos membros da família
todos membros da família
todos, só p/ PCV/RMSP
todos membros da família
todos membros da família
Ocupados de 10 anos ou mais
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
1994; Cunha e Baeninger, 1994), não foi passível de ser
captada pela PCV.
Os limites metodológicos e interpretativos da PCV na
compreensão da dinâmica migratória no estado não devem se constituir em obstáculo para sua utilização como
fonte alternativa para a análise do fenômeno.3 Na realidade, ao estudioso da migração não resta outra opção
senão trilhar por outros caminhos menos convencionais
para entender aspectos da dinâmica migratória no estado, enquanto não se publicam resultados mais abrangentes. Vale observar que, para a RMSP, a PCV pode ser
usada com maior potencialidade. Através desta pesquisa é possível estudar aspectos da migração para a região
em dois momentos (1990 e 1994), além da migração intrametropolitana e da mobilidade pendular para o trabalho e escola dentro da RMSP. Além disso, pode-se ter
uma indicação da parcela da emigração que se deslocou
para o interior do estado.
dência no domicílio atual e local de exercício do trabalho
(categorizado em duas alternativas: mesmo município de
residência ou outro diferente).
Tais informações, ainda que muito úteis e insubstituíveis em sua atualidade, apresentam algumas limitações
para a compreensão da dinâmica migratória regional passada. Estas limitações referem-se ao tipo de delineamento de pesquisa, à forma de coleta das informações e ao
plano amostral implementado.
Como toda pesquisa amostral de delineamento sincrônico, o migrante identificado em uma região é aquele
residente no momento da realização da entrevista. Muitas pessoas podem ter passado pela região e se deslocado ou falecido antes do momento da pesquisa. Movimentos sazonais de mão-de-obra podem não ser captados
dependendo dos meses em que se realizou a coleta de
dados. As características demográficas e socioeconômicas do migrante referem-se ao momento da entrevista,
não ao período em que ele migrou.
A categorização adotada quanto ao local de última procedência não permite reestabelecer a origem microrregional dos fluxos captados, nem avaliar a proximidade dos
mesmos em relação ao local de residência atual do
migrante, algo que tem se tornado cada vez mais importante na análise da dinâmica migratória no país, e em
particular no estado (Baeninger, 1994). Não é possível,
assim, diferenciar fluxos inter-regionais daqueles de natureza intra-regional. Também não é possível identificar a origem rural/urbana do movimento, o que, em certa medida, não traz grandes conseqüências para a análise,
já que os fluxos do tipo urbano-urbano tornaram-se predominantes já nos anos 70 (Bógus e Baeninger, 1995). A
impossibilidade de reestabelecer a origem microrregional
do fluxo no interior paulista não permite o estudo da parcela provavelmente mais numerosa e dinâmica da migração no estado, pois, se de fato houve o arrefecimento de
fluxos migratórios de longa distância como aponta Martine
(1994), é de se esperar que os migrantes com mobilidade
intra-estadual tenham aumentado sua participação no contingente total de migrantes no estado. Já nos anos 70, a
mobilidade intra-estadual respondia por 58% dos fluxos
de migrantes residentes no estado (Jardim et alii, 1991).
Em função dos objetivos gerais da pesquisa, privilegiou-se a coleta de dados nos municípios com perfil urbano-industrial e de médio/grande porte do interior paulista. Assim, se é possível captar a migração para cidades
mais industrializadas, de maior dinamismo econômicoregional e com maior oferta de serviços públicos, o mesmo não se pode dizer com relação à migração para cidades pequenas e médias ou para aquelas com estrutura
econômica mais voltada à produção agropecuária. Neste
sentido, a intensa atividade imigratória para municípios
de pequeno porte, estâncias hidrominerais e balneários
do litoral, antecipada na bibliografia corrente (Martine,
DEFINIÇÕES OPERACIONAIS
A definição operacional do conceito de migrante não
é uma decisão metodológica trivial. Está relacionada com
a natureza espacial da unidade de análise (migração intramunicipal, intrametropolitana, inter-regional, internacional, etc.), com a temporalidade do processo migratório em estudo e com o contexto histórico associado ao
mesmo. A adoção de uma unidade de análise mais abrangente ou cortes temporais mais elásticos levam, em geral, a resultados muito distintos e, possivelmente, divergentes com relação a outros trabalhos, como bem
observam – em contextos distintos – Martine (1980) e
Simmons (1987).
A adoção de uma definição de migrante apresenta ainda algumas dificuldades adicionais quando a fonte dos
dados é uma pesquisa amostral, como o caso em questão, pois, às considerações metodológicas da unidade
espacial de análise e da temporalidade, deve-se juntar o
pragmatismo operacional ditado pela possibilidade de desagregação da amostra. Por fim, deve-se ter em conta
que a qualidade da declaração do tempo de residência é
outro fator condicionador da definição operacional. De
fato, a análise descritiva do tempo de residência das pessoas que declararam vir de outras localidades revelou a
forte atratividade digital a que esta informação está sujeita na PCV. Identificou-se uma preferência sistemática por anos de residência finalizados em 0 e 5, como
pode ser visto no Gráfico 1. O Índice de Myers relativo
aos anos de residência de migrantes é de 29,3 contra 3,0
dos naturais.
Depois de diversas tentativas de definição operacional, buscando compatibilizar os vários aspectos anteriormente mencionados, decidiu-se que:
94
DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO INTERIOR PAULISTA
hinterlândia dos municípios compreendidos. Como já se
observou anteriormente, a migração captada pela PCV é
aquela que se processa nos centros urbanos médios, de
maior porte ou de maior dinamismo econômico regional.
De fato, a taxa líquida de migração centrada em 1985,
derivada das Estatísticas Vitais e Censo Demográfico de
1991, é de 100 migrantes por mil pessoas no conjunto das
Acurs, valor substantivamente maior que a verificada para
a totalidade do interior (22 por mil).
- migrante é toda pessoa cujo município de residência
anterior tenha sido diferente do atual há menos de 14 anos;
- para atender às demandas específicas do trabalho e às
perspectivas futuras de análise, a população migrante foi
segmentada em três grupos: migrantes recentes (tempo de
residência de 0 a 3 anos), migrantes com tempo de residência de 4 a 8 anos; e migrantes com tempo de residência
de 9 a 13 anos. Vale lembrar que, entre os não-migrantes,
estão incluídos os indivíduos que, mesmo não sendo originários do município atual, lá residem por 14 anos ou mais.
Tendo em vista a necessidade de avaliar, tanto quanto
possível, manifestações espacializadas do processo migratório no interior paulista, promoveu-se uma desagregação dos dados da PCV Interior em seis conjuntos de
municípios, segundo critérios de homogeneidade do comportamento demográfico e econômico das Regiões Administrativas que os englobam. Assim, Americana, Bragança Paulista, Campinas, Indaiatuba, Jundiaí, Limeira,
Mogi-Guaçu, Piracicaba, Rio Claro, Santa Bárbara
d’Oeste e Sumaré compõem um único conjunto: a Agregação de Centros Urbanos da Região Leste (Acur Leste). A Acur Oeste congrega Araçatuba, Catanduva, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto. A Acur
Norte reúne os municípios de Araraquara, Barretos, Franca, Ribeirão Preto e São Carlos. A Acur Central é composta por Bauru, Botucatu, Itapetininga, Itu, Jaú e Sorocaba; a Acur Litoral, por Cubatão, Guarujá, Praia Grande,
Santos e São Vicente e, finalmente, a Acur Vale do Paraíba, por Guaratinguetá, Jacareí, Pindamonhangaba, São
José dos Campos e Taubaté.
Não se pode esperar, naturalmente, que a migração
captada em cada agregado de centros urbanos regionais
seja representativa do que se passa na totalidade da
CARACTERÍSTICAS DO MIGRANTE
RECENTE DO INTERIOR
A população migrante representa cerca de 31% da população das cidades onde se realizou a pesquisa e dividese em proporções muito próximas entre as três classes de
tempo de residência: migrantes com tempo de residência
de 9 a 13 anos perfazem 9,2% da população pesquisada;
aqueles com 4 a 8 anos de residência correspondem a
10,8% da amostra; e os recentes, com até 3 anos de residência, compreendem 11,1% da população.
Dado o interesse prioritário nas tendências recentes
da migração, toma-se como objeto de análise principal,
nesta seção, o conjunto de migrantes com tempo de residência de 0 a 3 anos. Com o objetivo de eliminar o
efeito composicional exercido pelos filhos de migrantes
nascidos no município de residência atual sobre as características da população não-migrante, excluiu-se do
conjunto em análise a população de 0 a 14 anos.
A seletividade por idade é uma característica da migração recente no interior, tal como em outros movimentos populacionais no país de modo geral. Dentre estes
migrantes recentes, cerca de 50% são jovens entre 15 a
29 anos . A classe modal dos migrantes recentes é a de 20
a 24 anos, com freqüência relativa de 18%. Tal distribuição etária apresenta-se bastante distinta em relação à da
população natural (Tabela 1), em que os jovens entre 15
e 29 anos totalizam 34%. Nas principais faixas etárias da
população ativa (de 20 a 44 anos), há um predomínio de
homens entre os migrantes recentes, algo que não ocorre
entre os naturais. No balanço geral, juntando-se todas as
classes de idade, há um equilíbrio numérico entre homens
e mulheres na população de migrantes recentes.
Parecem pouco significativos os traços de seletividade migratória por etnia. A população classificada como
branca compõe a grande maioria entre migrantes e naturais (mais de 77% nos dois casos). Negros e amarelos
aparecem com uma participação relativa ligeiramente
superior entre os migrantes recentes.
A distribuição da população de 15 anos e mais por status
conjugal revela uma proporção maior de solteiros e de
pessoas em união consensual entre os migrantes recen-
GRÁFICO 1
Distribuição da População, por Tempo de Residência
Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994
Em %
Anos de residência no município atual
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994.
(1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou
de médio e grande portes do interior paulista.
95
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
TABELA 1
TABELA 2
Estrutura Etária e Razão de Sexo da População de 15 ou Mais,
Naturais e Migrantes Recentes, segundo a Faixa Etária
Interior do Estado de São Paulo(1) – 1994
Parturição Média das Mulheres Casadas ou em União,
Naturais e Migrantes Recentes, segundo a Faixa Etária
Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994
Estrutura Etária
Razão de Sexo
Faixa Etária
Natural
Migrante Recente
Faixa Etária
Natural
Total
Migrante
Natural
Recente
Migrante
Recente
100,0
100,0
95
15 a 19 Anos
12,9
15,2
104
97
20 a 24 Anos
11,1
18,2
104
106
25 a 29 Anos
11,2
15,1
100
117
30 a 34 Anos
10,3
13,3
94
115
35 a 39 Anos
10,1
11,3
95
101
40 a 44 Anos
9,4
8,1
96
111
45 a 49 Anos
7,9
4,6
78
71
50 a 54 Anos
6,7
4,8
91
118
55 a 59 Anos
5,5
2,7
89
115
60 a 64 Anos
4,6
1,9
83
99
65 a 69 Anos
3,9
1,8
70
75
70 Anos ou Mais
6,3
2,9
76
70
15 a 24 Anos
25 a 34 Anos
35 a 44 Anos
45 a 50 Anos
Média
Média pd(2)
104
1,4
2,1
2,8
3,3
2,5
2,5
1,6
2,1
3,3
4,1
2,6
2,9
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994.
(1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou
de médio e grande portes do interior paulista.
(2) Baseada na estrutura etária de mulheres naturais.
ração das projeções populacionais para o estado nos anos
80, os diferenciais de nível de fecundidade entre mulheres migrantes e não-migrantes são menores hoje do que
já foram no passado. Esses resultados parecem dispensar
a necessidade de projetar separadamente as populações
migrante e natural.
A análise da escolaridade média da população de 15
anos e mais revela que os migrantes recentes são, em
média, mais instruídos que a população natural, mesmo
controlando-se o efeito da estrutura etária mais jovem do
primeiro grupo. Em todas as faixas etárias analisadas, a
proporção de migrantes recentes com pelo menos o 2o grau
completo é mais elevada que entre os naturais. A escolaridade padronizada de migrantes é de 7,1 anos contra 6,8
dos naturais. O estereótipo comumente associado aos
migrantes como indivíduos de baixa qualificação é, pois,
no mínimo simplista demais para caracterizar os migrantes encontrados no interior paulista.
Migrantes ocupados com pelo menos o 2o grau completo auferem rendimento total cerca de 20% maior que
os naturais ocupados com o mesmo nível de instrução
(Tabela 3). Controlando-se o efeito composicional da estrutura etária mais velha dos naturais ocupados, verificase que as diferenças de rendimento entre os dois grupos
de ocupados se amplificam: se as estruturas etárias fossem iguais, os migrantes receberiam 34% mais que os
naturais. Considerando-se os indivíduos ocupados que
completaram, na melhor das hipóteses, o 1o grau, a relação não se mantém, já que os naturais passam a apresentar rendimentos um pouco mais elevados que os migrantes recentes, a despeito da estrutura etária mais jovem
destes últimos. A julgar por estes dados, a desigualdade
na percepção de rendimentos para os migrantes é maior
do que para os naturais.
Em termos de situação ocupacional, a população migrante de 15 anos ou mais apresenta taxa de ocupação mais
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994.
(1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou
de médio e grande portes do interior paulista.
tes: enquanto entre estes cerca de 36% são solteiros e 12%
estão em união consensual, entre os naturais tais categorias perfazem 31% e 7%, respectivamente. Em contrapartida, viúvos e casados apresentam maior incidência entre
os naturais. Observe-se que tais características devem-se,
em grande parte, às diferenças entre as estruturas etárias
das duas populações. Vale observar também que, agrupando-se os casados e as pessoas unidas consensualmente em uma única categoria conjugal, as diferenças entre
migrantes e naturais deixam de ser expressivas: 55% dos
migrantes são casados/unidos e 58% dos naturais estão
nesta categoria. Esses fatos sugerem que, controlados os
efeitos das diferenças nas estruturas etárias, o padrão conjugal entre as duas populações é muito semelhante e que,
portanto, parcela significativa da migração recente é de
natureza familiar.
Mulheres migrantes há até 3 anos apresentam um nível de fecundidade um pouco maior que as naturais em
todas as faixas etárias. A parturição média, padronizada
segundo a estrutura etária das mulheres naturais, é de 2,9
filhos para as migrantes recentes e de 2,5 para as naturais, fato explicado pela fecundidade mais alta das mulheres migrantes provenientes de outros estados. Mulheres migrantes há mais de 3 anos apresentam parturição
muito próxima às naturais. Comparativamente ao quadro
analisado por Rodriguez Wong (1986), quando da elabo-
96
DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO INTERIOR PAULISTA
elevada e menor taxa de inatividade comparativamente à
população natural. Controlando-se, no entanto, o efeito
composicional da estrutura etária mais jovem dos migrantes recentes, as relações se invertem: se os migrantes tivessem a mesma estrutura etária que os naturais, eles apresentariam taxas de ocupação mais baixas (54,8% contra
56,8% dos naturais) e taxas de inatividade mais altas
(38,2% contra 36,4%). O desemprego entre migrantes
recentes é mais alto que entre os naturais em idade ativa
de 15 anos ou mais, característica que se mantém – e até
se acentua – se as diferenças entre as estruturas etárias
das PIAs forem consideradas.
Com relação ao setor de atividade, as diferenças nas
participações relativas entre migrantes recentes e naturais são mais expressivas nos serviços domésticos/construção civil e serviços sociais (educação, saúde, utilidade pública, etc.). Cerca de 20% dos migrantes recentes
ocupados trabalham no setor serviços domésticos/construção civil e 11,1% nos serviços sociais. Para os naturais, as participações relativas nestes setores são de 13,5%
e 17,8%, respectivamente. Observe-se que na indústria
de transformação, onde os requerimentos de qualificação profissional são maiores, as diferenças nas participações relativas de migrantes e naturais são inferiores a
2,5 pontos percentuais.
TABELA 3
Nível de Instrução, Escolaridade e Renda Média Mensal Total
da População de 15 Anos ou Mais, Naturais e Migrantes Recentes
Interior do Estado de São Paulo(1) – 1994
Instrução,
Escolaridade e Renda
Natural
Nível de Instrução (%)
Com Até 1o Grau Completo
Com 2o Grau Completo ou Mais
Migrantes
Recentes
75,0
25,0
69,7
30,3
Escolaridade (em anos)
Média
Média Padronizada (2)
6,8
6,8
7,5
7,1
Renda Média dos Ocupados
(em reais)
Total
Com Até 1o Grau Completo
Com 2o Grau Completo ou Mais
Com Até 1o Grau Completo pd (3)
Com 2o Grau Completo ou Mais pd (3)
439
298
740
298
740
460
252
897
273
990
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994.
(1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou
de médio e grande portes do interior paulista.
(2) Baseada na estrutura etária da população natural de 15 anos ou mais.
(3) Baseada na estrutura etária da população natural ocupada de 15 anos ou mais.
TABELA 4
DIFERENCIAIS REGIONAIS
Distribuição dos Ocupados, segundo Setor de Atividade Econômica
e Situação Ocupacional da População de 15 Anos ou Mais,
Naturais e Migrantes Recentes
Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994
Em porcentagem
Setor de Atividade e
Situação Ocupacional
Naturais
Migrantes
Recentes
Total
100,0
100,0
56,8
23,1
57,8
20,8
13,5
17,0
18,0
9,0
17,8
1,6
20,0
16,9
17,9
11,1
11,1
2,2
6,8
8,8
36,4
33,4
100,0
56,8
6,8
36,4
100,0
54,8
9,4
38,2
Ocupados
Indústria de Transformação
Serviços Domésticos/
Construção Civil
Comércio
Serviços para Produção
Serviços para Consumo
Serviços Sociais
Outras Atividades
Desempregados
Inativos
Taxas Padronizadas (2)
Ocupados pd
Desempregados pd
Inativos pd
O conjunto de municípios situados a leste do estado
reúne o maior contingente de migrantes recentes dentre
todos. Cerca de um terço dos migrantes levantados residiam nestes municípios (Acur Leste) por ocasião da pesquisa. As Acurs Norte e Vale do Paraíba apresentaram os
menores volumes de migrantes recentes. Considerandose o impacto do fluxo migratório sobre a população residente dos municípios receptores, as Acurs Litoral e Oeste
foram as que apresentaram as maiores intensidades de
migração recente, com taxas de 141 e 130 migrantes por
mil habitantes.4 Embora não se disponha de informação
sobre a proximidade ou não destes fluxos, a intensificação da migração na Acur Oeste deve decorrer da migração proveniente dos pequenos e médios municípios da
própria região em direção aos principais centros urbanos
pesquisados no Oeste. Nos municípios da Acur Central, o
fenômeno migratório parece ter as mesmas características.
A julgar pela distribuição de migrantes por coorte de
chegada (ou, equivalentemente, por classe de tempo de
residência), os municípios das Acurs Norte e Central parecem ter apresentado uma redução da intensidade migratória a partir de 1991 comparativamente ao período anterior. Estas duas Acurs foram as únicas que apresentaram
proporções de migrantes recentes menores do que a de
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994.
(1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou
de médio e grande portes do interior paulista.
(2) Média padronizada baseada na estrutura etária da população natural de 15 anos e mais.
97
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
Litoral, ao contrário, a participação dos migrantes de outros estados é um pouco maior que a média. Na Acur Norte,
a participação de migrantes de outros estados/países é bem
mais elevada (43%), em detrimento da participação daqueles provenientes da RMSP (9%).
A maior parte dos migrantes recentes do interior não
naturais do Estado de São Paulo provêm da região Norte/
Nordeste e dos estados limítrofes Minas Gerais e Paraná.
Para a Acur Litoral, destaca-se a elevada proporção de
migrantes recentes nascidos no Norte/Nordeste. Na Acur
Norte e em menor medida nas Acurs Vale do Paraíba e
Leste há uma participação significativa de migrantes nascidos em Minas Gerais.
A mobilidade pendular para o trabalho parece ser significativa pelas Acurs. Cerca de 13% da população ocupada de 15 anos ou mais do interior trabalha em município diferente daquele onde reside. Para os migrantes
recentes, este percentual sobe para 19%. Nas Acurs Leste
e Oeste, 30% e 40%, respectivamente, dos migrantes ocupados deslocam-se para trabalhar em outro município,
enquanto entre os naturais ocupados das mesmas localidades as proporções correspondentes são de 11% e 7%.
Há diferenças significativas entre os perfis etários da
população migrante recente pelo interior paulista, como
ilustra o Gráfico 2. A faixa de maior concentração de migrantes, nas Acurs, é a de 20 a 29 anos, com exceção da
Acur Vale do Paraíba, onde 40% da população migrante
tem até 19 anos. Na Acur Litoral, os migrantes recentes
apresentam-se mais dispersos entre as faixas etárias mais
avançadas em relação às outras regiões, fazendo com que
a idade média dos migrantes seja de 28,6 anos, 2,3 anos a
mais que a médias das Acurs. A Acur Norte tem sua população migrante concentrada nas faixas etárias mais jovens e adultas, o que faz com que apresente a menor idade
média entre os grupos analisados (24,3 anos). A maior
carga de dependência (52%) é verificada na Acur Leste.
Em termos da distribuição por sexo, com exceção da
Acur Oeste, todas as outras apresentam maior proporção
de homens entre os migrantes recentes na faixa de maior
intensidade migratória (de 15 a 29 anos). Considerandose a totalidade das faixas etárias, o balanço migratório
masculino prevalece mais intensamente apenas nas Acurs
Vale do Paraíba e Norte. Em todas as Acurs, o tamanho
médio das famílias de chefes migrantes recentes é de, no
mínimo, 3,4 membros, atingindo o valor máximo de 4,0
pessoas na Acur Vale do Paraíba. Todos estes perfis demográficos dos migrantes recentes, embora distintos regionalmente, indicam a importância da migração familiar na composição dos fluxos regionais recentes.
A população migrante recente também mostra diferenciais regionais significativos em termos de níveis de escolaridade e rendimento médio mensal dos ocupados,
TABELA 5
Distribuição e Intensidade da Migração Recente,
segundo a Acur de Residência Atual
Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994
Em porcentagem
Distribuição Migrantes por
Coorte de Chegada
Migrantes Recentes
Acur
Leste
Oeste
Norte
Central
Litoral
Vale
do Paraíba
Distribuição
Taxa
Migratória
0a3
Anos
4a8
Anos
9 a 13
Anos
Total
33,0
14,0
11,0
14,0
16,0
10,7
13,0
8,8
11,2
14,1
36,9
43,9
36,9
38,0
39,5
35,1
32,1
39,2
38,2
34,0
28,0
24,0
23,9
23,8
26,5
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
12,0
9,9
38,0
33,9
28,1
100,0
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 94.
(1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou
de médio e grande portes do interior paulista.
migrantes com tempo de residência entre 4 e 8 anos. A
elevada proporção (44%) de migrantes recentes na Acur
Oeste em relação aos migrantes com 4 a 8 anos de residência (32%) é outro indício da intensificação da migração para os centros urbanos nesta região, algo que a análise dos saldos migratórios relativo à década passada já
parecia indicar.5
Metade dos migrantes recentes nas Acurs provêm de
cidades do próprio interior paulista, seguidos por aqueles provenientes de outros estados e/ou países (31% dos
migrantes) e da RMSP (19%). Tal padrão é, no entanto,
diferenciado pelas Acurs, especialmente em relação à
participação de migrantes do interior e de outros estados/países. Nas Acurs Central e Oeste, a migração intraestadual tem peso maior que a média das Acurs. Na Acur
TABELA 6
Composição dos Fluxos Imigratórios, por Origem,
segundo a Acur de Residência Atual
Interior do Estado de São Paulo(1) – 1994
Em porcentagem
Origem
Acur
Leste
Oeste
Norte
Central
Litoral
Vale do Paraíba
Interior
Municípios
da RMSP
Municípios
do Interior
20,0
20,0
9,0
21,0
21,0
19,0
19,0
48,0
55,0
48,0
58,0
44,0
53,0
50,0
Outros
Estados/Países
32,0
25,0
43,0
21,0
35,0
28,0
31,0
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 94.
(1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou
de médio e grande portes do interior paulista.
98
DINÂMICA MIGRATÓRIA RECENTE NO INTERIOR PAULISTA
GRÁFICO 2
riormente. Os migrantes ocupados residentes na Acur
Norte possuem os maiores níveis de rendimento, seguidos daqueles das Acurs Oeste e Central. O rendimento
médio mensal dos migrantes da Acur Litoral é o mais baixo
dentre as demais. Eliminando-se o efeito composicional
da estrutura etária, a maior taxa de desemprego entre os
migrantes recentes foi a verificada na Acur Vale do Paraíba. A Acur Litoral tem os menores níveis de desemprego e os maiores índices de ocupação da população em
idade ativa. A Acur Leste registra a menor taxa de ocupação da PIA, comparativamente às demais.
Distribuição dos Migrantes Recentes, por
Faixas Etárias, segundo as Acurs
Acur/Interior do Estado de São Paulo (1) – 1994
Em %
35,0
25,0
30,0
Acur
20,0
Norte
15,0
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vale do Paraíba
10,0
Central
Oeste
5,0
0a9
Anos
Com o objetivo de levantar subsídios para o estabelecimento de hipóteses de níveis e padrões migratórios a
serem incorporadas nas projeções populacionais para o
Estado de São Paulo, apresentou-se neste artigo um quadro descritivo da migração recente pelo interior do estado, de acordo com as informações coletadas pela PCV
1994.
Um dos aspectos importantes levantados através dos
dados da PCV diz respeito às características demográficas da população migrante. Jovens entre 15 e 29 anos, de
ambos os sexos, provenientes de localidades do próprio
estado compõem o contingente principal de migrantes
recentes identificados nos municípios pesquisados. A
migração “inter-interiorana” é predominante, mas também
são expressivos os fluxos migratórios oriundos da Região
Metropolitana e de outros estados. Há fortes indicações
da predominância de migração de natureza familiar. A
Leste
0,0
20 a 29
Anos
Litoral
40 a 49
Anos
60 Anos
ou Mais
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 94.
(1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou
de médio e grande portes do interior paulista.
como revelam os indicadores padronizados.6 Retirandose o efeito composicional da estrutura etária, as Acurs
Norte, Central e Oeste apresentam proporção de migrantes recentes com 2o grau completo ou mais muito superior
à observada nas Acurs Leste, Litoral e Vale do Paraíba.
Migrantes residentes na Acur Litoral apresentam, comparativamente às demais, a menor escolaridade média.
O comportamento do rendimento médio mensal padronizado dos ocupados segue a mesma lógica descrita ante-
TABELA 7
Caracterização Sintética dos Migrantes Recentes,
segundo a Acur de Residência Atual
Interior do Estado de São Paulo(1) – 1994
15 Anos e Mais Pd (2)
Acur
Interior
Leste
Oeste
Norte
Central
Litoral
Vale do
Paraíba
Razão de Sexo
Razão
População
Dependência
de 15 a 39
População População
Total
Anos
Total
Idade
Média
População
Total
Migrantes
Recentes
de 15 a 39
Anos (%)
26,3
26,2
26,2
24,3
25,8
28,6
53,0
51,0
54,0
59,0
57,0
49,0
45
52
39
38
39
43
101
99
91
112
104
99
26,0
55,0
47
113
Tamanho
da Família
População
Total
Migrantes
com
2o Grau
e Mais (%)
Escolaridade
Média
Renda
Média dos
Ocupados
(em reais)
107
104
92
113
116
105
3,4
3,6
3,4
3,6
3,6
3,5
30,0
26,0
35,0
37,0
36,0
25,0
7,5
7,0
7,8
7,9
8,0
6,9
460
440
497
511
484
385
8,8
9,6
9,1
6,7
7,9
6,5
57,8
55,9
57,1
57,7
56,1
66,3
120
4,0
26,0
8,0
438
12,8
58,1
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida – PCV Interior 1994.
(1) Corresponde às Acurs, que são conjuntos de municípios com perfil urbano-industrial e/ou de médio e grande portes do interior paulista.
(2) Padronizações pela estrutura etária verificada no conjunto das Acurs.
99
Taxa de
Desemprego
(%)
Taxa de
Ocupação
(%)
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
fecundidade de mulheres migrantes é mais elevada do que
a das naturais, algo que não se mantém para mulheres de
coortes de migração mais antigas.
O estereótipo do migrante pobre, semi-alfabetizado e
subempregado não corresponde ao daquele encontrado no
interior paulista. Na realidade, a população migrante parece poder ser segmentada em pelo menos dois contingentes, de acordo com suas características socioeconômicas: há um grupo menos escolarizado, que aufere
rendimentos mais baixos que a população natural e que,
provavelmente, está empregado em ocupações no setor
de serviços domésticos/construção civil; e outro segmento
composto por indivíduos de escolaridade mais elevada,
com rendimentos maiores do que a população natural e
alocados em setores mais modernos da economia. Ao que
parece, este segundo segmento é relativamente mais numeroso entre os migrantes do que entre os naturais.
Há indicações de diferenças regionais significativas
tanto na intensidade migratória quanto nos perfis demográficos e socioeconômicos dos migrantes recentes. Os
municípios mais populosos do Litoral e do Oeste do estado parecem estar apresentando taxas de migração elevadas, comparativamente à sua população residente. Os
fluxos dirigidos aos municípios do Norte e Centro do
estado parecem estar se arrefecendo em relação ao que
já foram há quatro anos. Campinas e outros municípios
da região leste constituem-se, em termos de volume, no
destino final do maior número de migrantes recentes identificados na pesquisa. Em todas as Acurs, em especial
nas Litoral e Leste, a mobilidade pendular para o trabalho é expressiva.
O migrante que se dirigiu aos centros urbanos mais
populosos da região norte do estado é mais novo, com
escolaridade mais elevada, maior rendimento, proveniente de outros municípios do próprio interior ou de outros
estados e, com maior freqüência, do sexo masculino. Nas
Acurs Leste e Vale do Paraíba, as famílias de migrantes
são um pouco maiores e os indivíduos possuem escolaridade mais baixa, com rendimentos menores e sujeitos a
taxas de desemprego e carga de dependência mais elevadas. Migrantes residentes nos centros urbanos do Litoral
têm idade média mais elevada e maiores taxas de ocupação no mercado de trabalho. As Acurs Central e Oeste
destacam-se por apresentar migrantes com níveis médios
de instrução mais elevados, provenientes em larga medida de municípios do interior do estado – provavelmente
da própria hinterlândia dos municípios pesquisados.
A análise descritiva aqui apresentada tem utilidade intrinsecamente qualitativa no estabelecimento de hipóteses
de migração para as regiões do estado, decorrente das limitações inerentes ao uso de uma fonte de dados não es-
pecífica para análise da dinâmica migratória. São insuficientes para estabelecimento de níveis quantitativos de
migração líquida por sexo e idade – uma das informações
básicas na metodologia adotada para as projeções demográficas no estado. No entanto, tais apontamentos são úteis
– e até o momento insubstituíveis7 – para o balizamento
qualitativo das hipóteses alternativas quanto aos padrões
e tendências da migração pelo estado, na presente década.
NOTAS
Agradeço as sugestões e comentários de colegas pesquisadores do Projeto “Migrações, Emprego e Projeções Populacionais”, do Nepo e da Fundação Seade
para a elaboração deste artigo. À professora Neide Patarra agradeço também pela
minha iniciação nos estudos de migração e incentivos pessoais e materiais à minha formação acadêmica.
1. Para tanto ver: Perillo (1992), Fundação Seade (1992), Baeninger (1994),
Patarra e Baeninger (1994), Cunha e Baeninger (1994), Jannuzzi (1994), Bizelli
(1995), Caiado (1995) e Bógus e Baeninger (1995) .
2. Conduzida pelo Nepo e Nesur/Unicamp, em 1993.
3. Em uma eventual reaplicação da pesquisa, talvez se pudesse modificar a forma de coleta de alguns quesitos, assim como acrescentar alguns novos, nos moldes recomendados pelas Nações Unidas (1972) e Carvalho e Machado (1994).
4. Taxas calculadas como a razão entre a proporção de migrantes recentes na Acur
em relação ao total do interior e proporção de pessoas da Acur (também relativa ao
total do interior). Conceitualmente são medidas similares às taxas líquidas de migração derivadas de saldos migratórios, fornecendo, pois, uma indicação da intensidade do fluxo migratório em direção aos municípios considerados.
5. Naturalmente, estas indicações supõem, de forma implícita, que as taxas de
re-migração de migrantes é a mesma em todas as Acurs.
6. As padronizações das medidas apresentadas na Tabela 7 tomaram por base a
distribuição etária do conjunto das Acurs do interior em cada variável avaliada.
Vale ressaltar que taxas padronizadas são valores hipotéticos que só assumem
significado em uma perspectiva comparativa.
7. Os resultados da PNAD 1993 tornaram-se disponíveis após a elaboração da
análise aqui apresentada. Uma avaliação preliminar da incidência de não-naturais do estado residentes no interior paulista pela PNAD é muito próxima, em
nível e padrão etário, ao levantado pela PCV. Na PCV, há uma incidência ligeiramente maior de não-naturais (2 pontos percentuais maior) nas faixas etárias
de 15 a 59 anos.
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101
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
MIGRAÇÃO, DINÂMICA REGIONAL
E PROJEÇÕES POPULACIONAIS
ROSANA BAENINGER
Socióloga, Pesquisadora no Núcleo de Estudos de População da Unicamp
JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA
Demógrafo no Núcleo de Estudos de População da Unicamp
A
s transformações ocorridas mais recentemente
no processo de urbanização e de redistribuição
espacial da população no Estado de São Paulo
colocam importantes desafios para as projeções populacionais a serem elaboradas neste final de século. Dentre
as mudanças a serem incorporadas, as hipóteses das projeções devem considerar as novas formas de reestruturação dos espaços regionais, cuja compreensão, mais do
que nunca, passa pelo entendimento do novo comportamento dos movimentos migratórios nos âmbitos nacional, intra-estadual e, particularmente, intra-regional.
Até os anos 70, a dinâmica e a localização das atividades industriais pautavam, em grande medida, os possíveis caminhos da população no território paulista. De
fato, estava-se vivenciando um processo em que era bastante evidente e direta a relação entre movimentos populacionais e estruturação das atividades e oportunidades econômicas, especialmente aquelas oriundas dos
investimentos governamentais em direção ao interior
paulista (Cano, 1988). Nesse contexto, emergiram importantes pólos regionais, que já indicavam, embora de
maneira incipiente, novas formas de redistribuição espacial da população, mapeando novos contornos ao espaço paulista (Patarra e Baeninger, 1989).
Na década de 80, o poder de atração exercido pela indústria diminuiu consideravelmente, em função do “esgotamento dos ciclos de investimentos dos anos 70, que
fez a economia do interior paulista tender a apresentar um
comportamento similar ao da metrópole” (Cano et alii,
1994:5). Porém, o novo patamar alcançado pelo processo de urbanização nas áreas, com a diversificação de atividades e do consumo urbano, contribuiu para uma certa
continuidade do dinamismo regional e, provavelmente,
102
para uma redistribuição espacial da população muito mais
intensa em termos intra-regionais. Assim, “a nova configuração espacial da migração e da urbanização aponta
agora para novas inter-relações entre os sistemas urbanos, a rede de cidades, as cidades e seu entorno e os fenômenos sociais” (Baeninger, 1994:490).
Nesse novo cenário urbano, as grandes metrópoles e
os maiores centros assistiram uma desaceleração em seus
ritmos de crescimento populacionais, evidenciando um
processo de desconcentração demográfica. O pano de
fundo deste cenário está associado, de um lado, ao processo de interiorização da indústria, deslanchado nos anos
70 e, de outro, às transformações advindas, nos anos 80,
do novo processo de reestruturação da indústria em âmbito internacional. Tais mudanças refletem-se de maneira acentuada na estrutura urbana e no papel das cidades e
metrópoles no cenário mundial,1 uma vez que a dispersão
da produção reforça contextos regionais específicos, ao
mesmo tempo em que promove a competitividade entre
as localidades urbanas.
Assim, o menor crescimento populacional da Região
Metropolitana de São Paulo está associado, de um lado, à
continuidade da queda da fecundidade, bem como ao
menor saldo migratório verificado nos anos 80, e, de outro, ao novo cenário econômico que começa a se impor
no caso brasileiro, onde a Região Metropolitana de São
Paulo se consolida como grande centro financeiro e de
serviços sofisticados, não mais absorvendo expressivos
contingentes populacionais em seu mercado de trabalho,
como ocorreu em outras décadas. Nesse sentido, projetar
população para o Estado de São Paulo requer que se considere o papel da metrópole paulista nos contextos nacional e internacional, bem como as especificidades de uma
MIGRAÇÃO, DINÂMICA REGIONAL E PROJEÇÕES POPULACIONAIS
nova territorialidade, com a formação de pólos inter e
intra-regionais.
A consolidação de novas formas de redistribuição espacial da população – em que, muito provavelmente, pesará a menor participação da migração externa e a crescente mobilidade intra-regional – bem como a emergência
dessa realidade em outras regiões, mais distantes do principal eixo de desenvolvimento do Estado, representam
desafios para a adequação de hipóteses de projeções populacionais, particularmente no que se refere à unidade
geográfica de referência a ser adotada.
O presente artigo pretende contribuir no sentido de
apresentar algumas reflexões sobre essa nova dinâmica
espacial no estado vis-à-vis a necessidade de elaboração
de estimativas de população em níveis cada vez mais reduzidos, tais como o municipal.
respondiam, em 1980, a 6,92 óbitos por mil habitantes e
a 51,21 óbitos infantis por mil nascidos vivos, passando
a 6,3 óbitos por mil habitantes e a 26,78 óbitos infantis
por mil nascidos vivos em 1992, com poucas diferenças
inter-regionais (Fundação Seade, 1993a).
Diante dessas evidências – em que o crescimento vegetativo tende a ser cada vez mais homogêneo entre as
várias regiões do estado – poder-se-ia supor que, na década de 80 e no futuro, o componente migratório seria
aquele que daria o rumo da redistribuição espacial e do
crescimento populacional das regiões e municípios do
Estado de São Paulo.2
Contudo, como já se adiantou, os anos 80 revelaram
uma nova e inusitada face da migração que, grosso modo,
se resumiria no arrefecimento, sem precedentes, da migração líquida tanto para o total do Estado de São Paulo
quanto para as regiões tradicionalmente mais atrativas,
como é o caso da Região Metropolitana de São Paulo.
Embora se possa prever que a persistência dessa situação
terá efeitos inibidores no crescimento demográfico futuro das regiões, é preciso levar em conta as conseqüências, para o estado e sobretudo para a dinâmica de várias
regiões e seus respectivos municípios, causadas pela forte imigração durante mais de três décadas.
De qualquer maneira, para a elaboração de hipóteses
de migração, seria necessário considerar que:
- mesmo tendo sido notada uma diminuição da migração
nos âmbitos estadual e metropolitano, a população continuou se redistribuindo em direção ao interior – para o que
contribuiu sobremaneira os fluxos inter-regionais, principalmente aqueles oriundos da Região Metropolitana de
São Paulo;
REPENSANDO AS PROJEÇÕES MUNICIPAIS
Ao considerar alguns indicadores demográficos, podese dizer, em termos gerais, que houve, especialmente na
última década, uma relativa diminuição das heterogeneidades regionais no Estado de São Paulo. De fato, como
mostram os dados mais recentes, a diminuição das taxas
de migração líquida – para grande parte das regiões paulistas – não apenas contribuiu para reduzir substancialmente suas taxas de crescimento, mas também para diminuir a distância relativa entre as regiões, particularmente
no que se refere aos patamares de crescimento demográfico. Assim, muito embora não se trate de considerar uma
homogeneização de tendência em termos migratórios, as
discrepâncias observadas, em relação a períodos passados, caíram significativamente.
No caso das taxas de fecundidade, a tendência relativa
à homogeneização manifestou-se fortemente nos anos 80
e início dos 90, apesar das distintas trajetórias regionais.
Para se ter uma idéia da intensa queda da fecundidade
paulista, observa-se que, em 1980, a média estadual era
de 3,39 filhos por mulher, com apenas três regiões do
estado registrando taxas inferiores a três filhos por mulher (regiões de governo de Rio Claro, de São José do
Rio Preto e de Fernandópolis). Já em 1992, a taxa média
estadual passou para 2,28 filhos por mulher, sendo que
em todas as regiões, inclusive a metropolitana, a taxa de
fecundidade não ultrapassava três filhos por mulher (Campanário e Yasaki, 1994).
Com relação aos indicadores de mortalidade, estes já
vêm há mais tempo apontando para uma homogeneização de tendências. Em 1985, a esperança de vida no interior do Estado de São Paulo era de 68,5 anos e na Região
Metropolitana de 67,9 anos (Ferreira e Perini, 1989). As
taxas de mortalidade geral e infantil, para o estado, cor-
- nas maiores concentrações urbanas do estado, evidencia-se uma dinâmica, em que as trocas populacionais, no
âmbito intra-regional, têm contribuído para o crescimento elevado de uma série de municípios, particularmente
aqueles limítrofes ou muito próximos aos pólos regionais.
De fato, os dados do Censo de 1991 são reveladores desse crescente padrão no estado, o qual se manifestava claramente em algumas áreas já na década de 70 (Tabela 1). O
maior ritmo de crescimento da população residente no entorno regional e o arrefecimento do crescimento dos núcleos
constituem as características mais marcantes do processo de
urbanização em curso no Estado de São Paulo.
Considerando as regiões administrativas3 – unidades
geográficas tradicionalmente utilizadas para a elaboração
das projeções estaduais – nota-se que, comparando as taxas de crescimento das sedes regionais nos períodos 197080 e 1980-91, as regiões localizadas na porção centroleste do estado4 apresentaram uma significativa diminuição
nos ritmos de crescimento populacional de suas sedes (re-
103
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
população) sem, contudo, terem conseguido atingir um
patamar de desenvolvimento urbano capaz de absorver
expressivos contingentes populacionais. É mais provável
que essas áreas tenham, na verdade, apenas aumentado o
seu poder de retenção da população residente.
De modo geral, pode-se dizer que parte considerável
desse crescimento no entorno das regiões deveu-se ao
próprio processo de redistribuição espacial interna, o que
impõe, portanto, novos desafios para a elaboração de projeções populacionais no âmbito dos municípios. Ou seja,
tais municípios, em muitas regiões de São Paulo, poderão eventualmente seguir crescendo, até mesmo independente da manutenção ou não dos fluxos migratórios inter-regionais ou interestaduais, uma vez que estariam
sendo também alavancados por transferências intra-regionais de população. Esse fenômeno reflete, por um
lado, a concentração demográfica e a intensa urbanização em diversos subespaços e, por outro, a influência de
tais processos na forma de estruturação da rede de cidades no âmbito regional.
TABELA 1
Taxas de Crescimento da População,
por Sedes e Entornos Regionais
Regiões Administrativas do Estado de São Paulo – 1970-1991
Em porcentagem
Taxas de Crescimento
Regiões
Administrativas
1970/80
Sedes(1) Entornos
Estado de São Paulo
RM de São Paulo
RA de Registro
RA de Santos
RA de São José dos Campos
RA de Sorocaba
RA de Campinas
RA de Ribeirão Preto
RA de Bauru
RA de São José do Rio Preto
RA de Araçatuba
RA de Presidente Prudente
RA de Marília
RA Central
RA de Barretos
RA de Franca
3,52
3,49
4,88
1,89
5,01
3,46
4,67
4,11
2,92
2,99
1,00
1,71
1,74
2,91
1,05
4,21
3,45
6,34
2,57
5,87
2,80
2,53
4,17
2,62
1,36
-0,65
-0,51
-1,10
-0,78
2,86
0,89
0,01
1980/91
Sedes(1) Entornos
1,86
1,15
2,06
0,25
2,95
2,76
2,14
2,90
2,62
2,86
1,65
1,34
2,11
2,50
3,58
3,80
2,63
3,2
1,81
3,45
2,58
2,59
3,57
2,86
1,44
0,55
1,33
-0,50
0,68
2,87
2,70
1,42
Regionalização, Migração e Tamanho de Município
Como mencionado anteriormente, nos anos 80 houve
uma diminuição da migração na participação do crescimento populacional das regiões. Porém, a análise das taxas médias anuais de migração líquida regional, segundo categoria de tamanho de municípios, possibilita
verificar o impacto diferenciado desse componente demográfico na rede urbana das regiões (Tabela 2).
Considerando as regiões administrativas com rede urbana mais adensada,5 verifica-se um decréscimo acentuado em suas taxas médias anuais de migração líquida de
1970-80 para 1980-91. Nesse conjunto de áreas, as taxas de migração líquida para os municípios com menos
de 20 mil habitantes mostraram-se mais elevadas no período 1980-91, em relação à década anterior, sendo que
para a RA de Santos já se evidenciava, nos anos 70, taxas de migração líquida nesta categoria de municípios
superiores às demais. Ressalte-se, ainda, que para tais
regiões as taxas de migração líquida nos municípios com
mais de 100 mil habitantes registraram decréscimos significativos.
Desse modo, em contextos regionais, como os anteriormente mencionados, poder-se-ia trabalhar com hipóteses de migração considerando o novo papel dos municípios pequenos e intermediários na configuração da
região e, em contrapartida, o arrefecimento da migração
líquida para os grandes centros urbanos.
Em um outro grupo de regiões administrativas (Bauru, São José do Rio Preto, Araçatuba, Presidente Prudente, Franca, Marília e Barretos), embora se observe tendência a uma certa recuperação nos municípios com menos
Fonte: Fundação IBGE. Censo Demográfico de 1970, 1980 e 1991.
(1) Considerou-se não apenas a sede da região administrativa, mas também todas as sedes
das regiões de governo que compõem as RAs.
giões administrativas de Santos, São José dos Campos,
Sorocaba, Campinas e Ribeirão Preto). No caso do entorno regional dessas áreas, verificou-se, nos anos 80, uma
continuidade da tendência a um maior crescimento –
embora, em alguns casos, em níveis menores do que na
década de 70 –, porém com regiões onde o entorno registrou taxas de crescimento populacional superiores às dos
núcleos, como são os casos de Santos e Campinas.
Nas regiões de Bauru, São José do Rio Preto, Barretos, Franca e Central, observa-se, em geral, um crescimento maior das sedes regionais nas duas décadas – com
poucas oscilações na taxa de crescimento de 1970-80 para
1980-91 –, embora o entorno regional apresente um aumento em suas taxas de crescimento de uma década para
outra. Para a RA de São José do Rio Preto, o entorno
passou de uma taxa negativa de 0,65% a.a., na década
de 70, para uma taxa positiva de 0,55% a.a., no período
1980-91. No caso da RA de Registro, observou-se um
menor crescimento da sede e do entorno regional.
A década de 80 apontou um crescimento maior das
sedes nas regiões de Araçatuba e Marília e a passagem
para taxas de crescimento positivas de seus entornos, bem
como a redução do crescimento negativo do entorno da
RA de Presidente Prudente. Vale lembrar que tais regiões
diminuíram significativamente suas perdas populacionais
(refletidas na recuperação das taxas de crescimento da
104
MIGRAÇÃO, DINÂMICA REGIONAL E PROJEÇÕES POPULACIONAIS
TABELA 2
População Residente, Taxas de Crescimento e Saldo Migratório, segundo Categorias de
Tamanho de Município e Eixos Econômicos-Populacionais
Estado de São Paulo – 1970-1991
Áreas
Número de
Municípios
(1)
Taxas de
Crescimento
(%)
População
1970
1980
1991
1970-80
Taxa Média
Anual de Migração
Líquida (%)
Saldo
Migratório
1980-91
1970-80
1.164.269
806.070
1,86
Eixo Consolidado(2)
211
5.186.388
7.558.013
10.177.939
3,84
2,74
Menos de 20.000 Habitantes
1980-91
1970-80
1980-91
0,84
133
1.040.226
1.228.693
1.627.205
1,68
2,59
-21.791
109.158
-0,19
0,7
20.000-50.000 Habitantes
41
964.447
1.350.904
1.856.919
3,43
2,93
164.704
174.138
1,44
1,01
50.000-100.000 Habitantes
22
961.052
1.434.500
2.016.397
4,09
3,14
245.270
217.978
2,09
1,17
100.000-300.000 Habitantes
12
1.286.290
2.144.180
2.966.350
5,24
2,99
516.874
274.817
3,11
0,99
300.000-500.000 Habitantes
2
558.509
735.177
864.634
2,79
1,49
70.616
-846
1,1
-0,01
500.000-1.000.000 Habitantes
1
375.864
664.559
846.434
5,86
2,22
188.596
30.825
3,77
0,37
Eixo em Formação Recente(3)
310
4.297.964
4.699.309
5.715.335
0,9
1,8
-378.407
62.377
-0,84
0,11
Menos de 20.000 Habitantes
249
1.836.260
1.685.572
1.827.603
-0,85
0,74
-441.200
-166.554
-2,51
-0,86
20.000-50.000 Habitantes
44
1.156.660
1.296.373
1.593.223
1,15
1,89
-83.639
20.086
-0,68
0,13
50.000-100.000 Habitantes
10
559.516
685.636
873.565
2,05
2,23
17.772
47.884
0,29
0,56
100.000-300.000 Habitantes
7
745.528
1.031.728
1.420.944
3,3
2,95
128.660
160.961
1,47
1,21
300.000-500.000 Habitantes
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
500.000-1.000.000 Habitantes
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
12
137.893
185.562
227.266
3,01
1,86
7.441
-13.012
0,47
-0,58
Menos de 20.000 Habitantes
9
78.131
94.524
111.337
1,92
1,5
-4.553
-10.765
-0,53
-0,95
20.000-50.000 Habitantes
3
59.762
91.038
115.929
4,3
2,22
11.994
-2.247
1,63
-0,2
50.000-100.000 Habitantes
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
100.000-300.000 Habitantes
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
300.000-500.000 Habitantes
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
500.000-1.000.000 Habitantes
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
(4)533
9.622.245
12.442.884
16.120.540
2,6
2,38
793.303
855.435
0,73
0,55
391
2.954.617
3.008.789
3.566.145
0,18
1,56
-467.544
-68.161
-1,57
-0,19
20.000-50.000 Habitantes
88
2.180.869
2.738.315
3.566.071
2,3
2,43
93.059
191.977
0,38
0,56
50.000-100.000 Habitantes
32
1.520.568
2.120.136
2.889.962
3,38
2,86
263.042
265.862
1,47
0,98
100-300 mil Habitantes
19
2.031.818
3.175.908
4.387.294
4,57
2,98
645.534
435.778
2,54
1,06
100.000-300.000 Habitantes
2
558.509
735.177
864.634
2,79
1,49
70.616
-846
1,1
-0,01
500.000-1.000.000 Habitantes
1
375.864
664.559
846.434
5,86
2,22
188.596
30.825
3,77
0,37
RA de Registro
Interior
Menos de 20.000 Habitantes
Fonte: Fundação IBGE. Censo Demográfico de 1970, 1980 e 1991; Fundação Seade.
(1) Fixou-se o tamanho do município segundo o volume populacional em 1980.
(2) Compreende as RAs de Santos, São José dos Campos, Sorocaba, Campinas e Ribeirão Preto.
(3) Compreende as RAs de Bauru, São José do Rio Preto, Araçatuba, Presidente Prudente, Marília, Central, Barretos e Franca.
(4) O município de Serra Azul não está contemplado, uma vez que seu saldo migratório não consta na fonte de dados de referência (Fundação Seade, 1993b).
105
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
paulistas. Este comportamento deve-se ao fato de que parte
considerável do território desta região constitui-se área
de conservação ambiental, o que, além de ter restringido
historicamente seu crescimento, será cada vez mais um
elemento de tensão para qualquer projeto que não leve
em conta a questão do desenvolvimento sustentável.8
de 20 mil habitantes e naqueles com 20 a 50 mil no sentido de uma diminuição de suas taxas negativas, nota-se
que estas regiões ainda se encontram em fase de estruturação de seus próprios núcleos regionais, onde os municípios de porte médio – portanto, as sedes regionais – foram responsáveis pelas maiores taxas de migração líquida.
Nestes casos, poderiam ser consideradas hipóteses de
migração que contemplassem, em um horizonte de médio prazo, a consolidação das sedes regionais, ao mesmo
tempo em que, levando em conta os distintos processos
de desenvolvimento, se apostasse em crescentes participações dos municípios pequenos e intermediários nas dinâmicas das áreas. Contudo, não se pode deixar de resgatar os nítidos diferenciais em termos de perspectivas
regionais,6 considerando-se áreas como São José do Rio
Preto e Bauru – que já despontavam nos anos 70 como
importantes regiões no contexto estadual – ou como Presidente Prudente e Marília, onde o processo de desenvolvimento econômico é bem menos acentuado. Este aspecto, aliás, é de fundamental importância para se pensar o
comportamento futuro da população dos municípios de
cada área.
Assim, para efeito das projeções, estes dois grandes
conjuntos de regiões administrativas – agrupadas segundo as taxas líquidas de migração por tamanho de municípios – constituiriam ponto de partida para se pensar o
futuro da população paulista em âmbito municipal. Destaque-se que o primeiro grupo de regiões figura como o
eixo econômico-populacional consolidado de São Paulo,
onde a redistribuição espacial da população e seus condicionantes já estão mais bem delineados, facilitando projetar cenários demográficos e econômicos alternativos. No
caso do segundo grupo, as características apresentadas,
nos anos 80, pelos processos de urbanização e de desconcentração populacional nessas áreas configuram um eixo
em formação recente. Esta área, além de apresentar realidades diferenciadas, podem ser bastante suscetíveis à
implantação de projetos locais, necessitando, portanto, de
um esforço maior de apreensão das especificidades e seus
desdobramentos futuros como, por exemplo, a viabilidade de certos empreendimentos, tais como a expansão da
agroindústria (em regiões como São José do Rio Preto e
Bauru) ou a implantação da Hidrovia Tietê-Paraná7 (como
nos casos de Araçatuba, Fernandópolis e Votuporanga).
Torna-se necessário ainda destacar a região administrativa de Registro, que não contempla nenhum dos perfis apresentados pelo comportamento da taxa líquida de
migração segundo categoria de tamanho de município. No
caso desta região, a taxa de migração líquida mostrou-se
negativa para todos os tamanhos de cidades, em especial,
para aquelas com menos de 20 mil habitantes, indicando,
portanto, uma tendência contrária à das demais regiões
Desafios Metodológicos
Do lado da demanda, há muito tempo, a necessidade
de projeções de pequenas áreas vem sendo ditada pela
crescente procura por parte dos planejadores e administradores, razão pela qual tem sido constante motivo de
investimento e interesse de especialistas da área
(Waldvogel, 1987). Além disso, o atual contexto demográfico do Estado de São Paulo agrega um novo elemento à necessidade já existente por projeções ainda mais
refinadas, ou seja, a consideração das especifidades intraregionais e mesmo inter-regionais.
Assim sendo, a precisão de uma projeção para os municípios do Estado de São Paulo, principalmente aqueles
localizados em áreas de maior concentração demográfica, dependerá, em grande medida, do grau com que se
logre considerar a nova forma como se estruturam as cidades. Neste sentido, pode-se dizer que os modelos matemáticos tradicionalmente utilizados – como o ai bi (Madeira e Simões, 1972) – ou mesmo aqueles mais complexos
– como o “método quase-componente” (Hakkert, 1985)
– por suas próprias formulações não são capazes de captar a inter-relação existente, no âmbito regional, entre
áreas, sobretudo as urbanas.9
Na verdade, o ideal seria uma abordagem multirregional do tipo daquela introduzida por Rogers (1966) e
aplicada, nos estados brasileiros, por Machado (1993).
Segundo Hakkert (1987:135), “em circunstâncias onde
existam condições mínimas para definir os fluxos migratórios inter-regionais, esta metodologia seria preferível”.
Como se sabe, o Censo de 1991 oferece condições de gerar
um rico conjunto de dados, que poderiam espelhar as especificidades das trocas populacionais interestaduais, inter-regionais e, particularmente, intra-regional.
Contudo, Hakkert (1987:134) considera tal metodologia pouco apropriada para a projeção ao nível municipal
“devido à grande quantidade de informações necessárias
(...) e complexidade analítica”. Fica, portanto, um desafio para os especialistas desta área, ou seja, o de adaptar
este instrumental através de simplificações ou supostos,
de forma que o mesmo possa ser viabilizado, não apenas
para as grandes regiões, como fez Machado (1993), mas
também para as sub-regiões e seus municípios.
Diante da dificuldade em modelar o comportamento
demográfico futuro dos municípios, tendo em vista as es-
106
MIGRAÇÃO, DINÂMICA REGIONAL E PROJEÇÕES POPULACIONAIS
pecificidades regionais e intra-regionais, o presente artigo apresenta algumas considerações que buscam sugerir
possíveis critérios para a projeção populacional nos municípios.
A proposta baseia-se em um enfoque ancorado no tamanho dos municípios. De fato, como se mostrou, o comportamento demográfico dos municípios – e em especial
o migratório – apresentou uma relação muito estreita com
o volume populacional dos mesmos, apesar desta relação
variar de acordo com o patamar de desenvolvimento urbano e econômico das regiões em que estão inseridos. Tal
regularidade sugere, portanto, um caminho metodológico que projete a trajetória migratória do município, considerando tanto o contexto e as perspectivas regionais
específicas, como o tamanho do mesmo, que, como se
sabe, são informações normalmente requeridas pelas projeções tradicionalmente realizadas.
As soluções técnicas para tal procedimento não fazem
parte do escopo deste artigo, contudo, a combinação desta lógica – migração-contexto regional-tamanho de municípios – com métodos como o do “quase-componentes”
(Hakkert, 1987), por exemplo, poderia ser uma alternativa, à medida que se teria um novo parâmetro – talvez mais
próximo da realidade – para a distribuição da migração
líquida regional dentre os vários municípios.
- ligeira diminuição ou, no máximo, manutenção dos saldo migratórios nos níveis da década de 80;
- retomada da posição de principal pólo de atração migratória do país e, portanto, aumento nos saldos migratórios.
Decidir por uma das alternativas não é tarefa das mais
simples. Há a possibilidade, bastante viável, de que o
comportamento do saldo migratório do estado seja decorrência da crise econômica que assolou o país na década
de 80 e, portanto, espelhe um fenômeno conjuntural; ainda mais quando se considera o quadro de estabilidade e
retomada de crescimento econômico dos anos 90.
Neste caso, poder-se-ia pensar que, na presente década bem como nas próximas, ocorreria um crescimento da
migração líquida, muito embora nunca nos patamares das
décadas de 60 e 70, porque, além da descentralização
econômica do estado, está-se, como já se mencionou, diante de um novo perfil da produção que traz, de imediato,
novas dimensões na relação capital-trabalho, a qual provavelmente terá menores impactos sobre os deslocamentos populacionais.
Outro elemento a ser considerado, pois certamente terá
implicações importantes nas regiões paulistas, refere-se
à natureza do saldo migratório da década de 80. De fato,
levando-se em conta que os fluxos interestaduais poderão contribuir para o aumento da mobilidade intra-estadual – e que esta, sabidamente, tem importância no crescimento das regiões do interior do estado –, é fundamental,
para se projetar a população por regiões, saber a respeito
do comportamento dos fluxos migratórios oriundos de
outros estados; informação esta impossível de ser captada pelos saldos migratórios.
Se, por um lado, se considera que a diminuição do saldo migratório estadual esteja realmente refletindo um arrefecimento da migração interestadual em direção a São
Paulo, por outro, dados da Pesquisa de Condição de Vida
da Fundação Seade mostram que 13,79% dos residentes
na Área Metropolitana (cerca de 2 milhões de pessoas)
eram, em 1990, migrantes com menos de 10 anos de residência, o que coloca em cheque aquela hipótese. Cabe
lembrar que essa evidência não necessariamente estaria
em contradição com o saldo negativo registrado para a
Região Metropolitana – já que a mesma, desde os anos
70, caracterizava-se como uma área de distribuição de
população para o interior do estado (Cunha, 1987) –, mas
surpreende à medida que estaria dando indícios de que,
ao nível do conjunto do estado, tivesse havido uma emigração sem precedentes.10
Como se percebe, as distintas alternativas – arrefecimento ou manutenção da imigração interestadual –
teriam diferentes implicações para se pensar as trajetórias futuras da população das regiões paulistas. Con-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não há dúvidas de que a década de 80 foi, para o Brasil, um período de grandes transformações demográficas.
No contexto nacional, observou-se uma diminuição generalizada das taxas de crescimento populacional nos âmbitos estadual e regional, fruto não apenas da importante
queda da fecundidade, mas também da suposta diminuição dos fluxos migratórios inter-regionais. Neste contexto, apesar da urbanização ainda crescente, registrou-se uma
desaceleração da concentração demográfica nas grandes
aglomerações urbana e, dentro destas, um crescimento maior
das áreas periféricas em detrimento da cidade central.
Particularmente no Estado de São Paulo, os anos 80
constituíram um marco de transformações que surpreenderam muito mais pela intensidade do que pela natureza
das mesmas. De fato, não se esperava uma redução tão
importante da migração líquida neste estado e, muito menos, um saldo migratório negativo para sua mais importante aglomeração urbana – a Região Metropolitana de
São Paulo –, apesar de que já se apostava em uma redução do ímpeto de atração populacional desta área, uma
vez que era um processo que já se delineava nos anos 70.
Assim, pensar o futuro da população no conjunto do
Estado de São Paulo exige, neste momento, refletir sobre
os seguintes cenários:
107
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
NOTAS
tudo, apenas os dados do Censo de 1991, prestes a serem divulgados, poderão trazer maiores subsídios para
esta questão.
De qualquer forma, o equacionamento das hipóteses
sobre a migração no âmbito interestadual, embora seja
decisiva para o futuro da população localizada na região
de polarização do desenvolvimento paulista (Região Metropolitana de São Paulo, e seus entornos, Santos, São José
dos Campos e Campinas), não teria a mesma importância
para as demais regiões; não obstante, como se mencionou acima, se deva reconhecer que várias delas, principalmente as agroindústrias localizadas no principal eixo
econômico do estado (Ribeirão Preto, São José do Rio
Preto e Bauru), também se beneficiariam.
É fundamental considerar, no caso destas regiões mais
interioranas, a importância que terá o comportamento
futuro das trocas migratórias intra-estaduais e, em algumas áreas, os intercâmbios fronteiriços – como aqueles
que ocorrem, por exemplo, nas regiões de Presidente Prudente e Andradina com os seus estados limítrofes (Paraná e Mato Grosso do Sul). Pode-se pensar que as perspectivas para estes tipos de deslocamentos populacionais
são de uma continuidade, o que daria um certo fôlego ao
crescimento de regiões inteiras como Ribeirão Preto ou
São José do Rio Preto, independentemente da intensidade e volumes dos fluxos migratórios interestaduais de
maneira geral. No caso das regiões do oeste, ou mesmo
Registro, tais processos possivelmente ainda continuariam tendo implicações apenas para as sedes e subsedes
regionais.
Do ponto de vista das projeções populacionais, ao nível municipal, a análise apresentada apontou o potencial
da adoção de um caminho metodológico enfocando, ao
mesmo tempo, o contexto regional e o tamanho dos municípios. Como se destacou, em contextos urbanos mais
dinâmicos, é bastante provável que ocorra um crescimento
maior dos municípios de portes pequeno e intermediário,
tendo em vista o processo de expansão e adensamento
urbano dessas áreas. Em contrapartida, nas áreas menos
dinâmicas do estado, o que poder-se-ia prever é que qualquer recuperação demográfica – que, de fato, se espera
observar – seja ainda, por algum tempo, em favor dos
municípios de maior porte, o que implicaria a manutenção de um processo de crescimento demográfico mais
concentrado do que aquele observado nas áreas mais desenvolvidas.
Finalmente, cabe mencionar que, para a elaboração desses cenários demográficos, é fundamental que se considerem os rumos das atividades econômicas em São Paulo, sobretudo diante do quadro de desconcentração e
reestruturação da indústria e da agroindústria em âmbito
nacional.11
1. Veja-se, a respeito desse novo padrão da produção e seus impactos territoriais: Sassen (1988), Harvey (1992), Coutinho (1995), Panizi (1995), Cano (1995),
entre outros.
2. A importância da migração no processo de redistribuição espacial da população no Estado de São Paulo é discutida em maior detalhe em Cunha (1986).
3. É importante destacar que, no âmbito das regiões de governo, esse fenômeno
urbano torna-se muito mais evidente. Considerando a RG de Sorocaba, por exemplo, a sede regional cresceu a uma taxa de 3,12%a.a. e o entorno a 3,41% a.a.,
enquanto para a RA de Sorocaba estas taxas de crescimento da população foram
de 2,76% a.a. e de 2,59% a.a., respectivamente(Baeninger, 1994).
4. Regiões que já fazem parte, há várias décadas, do eixo de desenvolvimento econômico estadual e consideradas pólos regionais consolidados (Baeninger, 1995).
5. Refere-se às regiões de Santos, São José dos Campos, Sorocaba, Campinas e
Ribeirão Preto e, inclusive, à RA Central, as quais respondem por 34% da população do estado e 66,5% da do interior.
6. Para uma melhor compreensão das distintas especificidades regionais, veja-se
a Série Migração em São Paulo – Textos Nepo/Unicamp e os relatórios do Projeto “Urbanização e Metropolização no Estado de São Paulo: desafios da política urbana”. Nesur-IE/Unicamp, 1992.
7. Sobre este aspecto, veja-se Vidal e Baeninger (1994).
8. Alguns dos elementos dessa questão encontram-se em Rodrigues (1995).
9. O método ai bi, assim chamado por ajustar a população futura de um município ou região i a partir de uma regressão linear com parâmetros ai e bi, baseia-se
na relação existente entre a população do município e população total do país,
sendo os parâmetros calculados com base na tendência passada. Já o método
quase-componente, considerando que os níveis e padrões da fecundidade e mortalidade do município seriam aproximadamente os mesmos de suas respectivas
regiões (que teriam suas populações estimadas pelo método dos componentes
tradicional), modela apenas a migração, supondo a manutenção da relação entre
a taxa de migração líquida municipal e a taxa regional.
10. Considerando o fato de que o Estado de São Paulo registrou, na década de
80, um ganho líquido populacional de 500 mil pessoas e somente a Região Metropolitana recebeu, segundo a PCV 90, mais de 2 milhões de imigrantes, ter-seia, no mínimo, que cerca de 1,5 milhão de pessoas deixaram o Estado de São
Paulo, fenômeno com implicações importantes no âmbito nacional.
11. A respeito do comportamento da economia paulista no contexto nacional nos
anos 80 e 90, veja-se Pacheco (1996).
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109
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
PROJEÇÃO POPULACIONAL
PARA SÃO PAULO
um método analítico como alternativa
BERNADETTE WALDVOGEL
Estatística e Demógrafa, Gerente de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade
O
~
uantos somos hoje e quantos seremos amanhã?
Esta é uma questão sempre presente na agenda
de pesquisadores e planejadores da administração pública e privada, para uma adequada previsão de futuras demandas em todos os setores e campos de atuação,
nos âmbitos nacional, estadual ou regional.
Considerando-se que na maioria dos países, e no nosso também, a realização dos recenseamentos gerais da população só ocorre em intervalos aproximados de dez anos,
surge a necessidade de utilizar e desenvolver metodologias que permitam, entre outras finalidades, estimar o volume e a composição da população nos períodos inter e
pós-censitários.
O Brasil e suas unidades geográficas vêm passando por
transformações demográficas profundas, com impactos
crescentes sobre todas as demandas sociais. A queda rápida, generalizada e dificilmente reversível da fecundidade, o redirecionamento dos grandes fluxos migratórios
e as mudanças nos padrões epidemiológicos com suas
conseqüências na mortalidade e na vida média da população atribuem à transição demográfica um papel estratégico dentro do planejamento.
Assim sendo, a construção de cenários demográficos
passa a se constituir um importante instrumento de planejamento, a partir da elaboração de projeções baseadas
tanto nas transformações populacionais recentes quanto
na realização de simulações para as tendências da dinâmica demográfica futura.
Neste sentido, o método demográfico de projeção representa um procedimento mais adequado nesta conjuntura de transição, pois se baseia em uma análise detalhada dos componentes demográficos: mortalidade,
fecundidade e migração, bem como na construção de hipóteses de comportamento futuro para estas variáveis. Por
outro lado, os métodos matemáticos de extrapolação de
séries históricas tornam-se limitados em tempo de transição, uma vez que as quebras de tendência verificadas são
incompatíveis com o pressuposto desta classe de modelos, que consiste na manutenção da tendência observada
no passado.
PROJEÇÕES PARA O ESTADO DE SÃO PAULO
A Fundação Seade, órgão vinculado à Secretaria de
Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, tem
como uma de suas funções fornecer, aos mais diferentes
usuários, informações relativas ao movimento anual da
população, como as Estatísticas Vitais do Registro Civil
e as projeções de população. O procedimento metodológico utilizado por esta instituição para a projeção de população para o Estado de São Paulo e suas regiões administrativas é o método dos componentes demográficos,
ou método de projeção dos componentes por coorte. Foi
aplicado pela primeira vez ainda com os resultados do
Censo de 1970 e tem sido renovado com os sucessivos
Censos (Fundação Seade, 1980 e 1986).
Este método possui caráter analítico, deixando explícitas as hipóteses consideradas sobre o comportamento
futuro das variáveis demográficas: fecundidade, mortalidade e migração. A partir destas hipóteses são estabelecidas todas as combinações possíveis, de modo a obter um
conjunto de projeções em que estão contidos os cenários
populacionais mais prováveis, fornecendo aos usuários
uma maior flexibilidade de escolha e utilização das projeções.
Segundo Pittenger (1975), “uma projeção é uma medida exata de uma condição futura que existiria se as regras e suposições intrínsecas ao método de projeção
110
PROJEÇÃO POPULACIONAL PARA SÃO PAULO: UM MÉTODO
ANALÍTICO...
de Población” (Granados), onde foram discutidos os problemas mais importantes referentes à realização de projeções para subáreas e as metodologias existentes e propostas para sua efetivação. Dentre os problemas assinalados
nesta ocasião, é possível destacar os seguintes:
- os reduzidos tamanhos populacionais das subáreas têm,
como conseqüência, a ocorrência de um número limitado
de eventos demográficos (nascimentos, óbitos e migrações). Isto dificulta o uso de metodologias tradicionais
para analisar a tendência histórica das respectivas dinâmicas demográficas;
- a qualidade da informação básica – das fontes de dados
para o total da população, provenientes dos recenseamentos demográficos, e daquelas para as variáveis demográficas, oriundas do Registro Civil – nem sempre é satisfatória para as áreas menores, existindo muitas vezes um
grau de subnumeração que, na falta de correção, acarretará erros nas estimativas;
- as áreas geográficas de um país constituem populações
abertas, geralmente expostas a fortes movimentos migratórios internos, com efeitos significativos nas tendências
de crescimento que alteram, a curto prazo, a dinâmica
demográfica destas regiões;
- o período de tempo contemplado pela projeção é um fator
determinante nas probabilidades de erro, pois, devido aos
fatores já mencionados anteriormente, quanto maior for
a extensão temporal, menores serão as chances de acerto
com a realidade;
- outro fator determinante nas probabilidades de erro é o
tamanho da população, sendo que quanto menor for a área,
maiores serão as incertezas nos resultados;
- por último, cabe assinalar que, ao se considerar um número elevado de áreas geográficas, a quantidade de informações envolvidas é muito grande, sendo difícil obter
o mesmo grau de detalhamento para todas as suas partes.
É importante ressaltar a conveniência de as projeções
dos municípios de cada região, ou país, serem realizadas
como parte de um plano mais global, a fim de assegurar a
comparabilidade dos resultados com as cifras do total do
país, como recomendam Garcia e Rincón (1989). Devem
ser feitas, preferencialmente, por uma metodologia comum, no sentido de reduzir as possibilidades de distorção que possam ser provocadas por procedimentos muito
distintos.
Quando o demógrafo se incumbe da tarefa de projetar
populações de municípios, depara-se, em geral, com um
dilema: por um lado, há o fato de que, demograficamente, as estimativas das variáveis populacionais destas áreas
não são muito precisas, onde o maior problema resulta da
volatibilidade dos componentes, principalmente da migração, o que torna difícil a formulação de tendências espe-
considerado provassem ser empiricamente válidas no futuro”. Ou seja, as projeções são condicionais, como observou Irwin (1976), pois indicam o comportamento futuro da população caso realmente se verifiquem as
tendências assumidas na ocasião da realização das projeções.
Uma característica importante do método dos componentes é o acompanhamento da tendência das distintas
gerações que constituem a população de base para as projeções. O método dos componentes parte da decomposição da população em coortes, sendo que a cada coorte
são aplicadas as taxas específicas de mortalidade, fecundidade e migração durante todo o período de projeção. A
projeção é, portanto, o resultado da evolução do volume
e da estrutura etária de uma população, segundo as diversas hipóteses de tendência futura das variáveis demográficas e suas inter-relações.
Outra característica desta metodologia é permitir a simulação de cenários populacionais futuros, viabilizando
a análise prospectiva dos possíveis impactos demográficos na sociedade em geral. Assim, estas projeções permitem, por exemplo, simular o processo de envelhecimento
de uma população em função da queda da fecundidade e
das alterações no padrão da mortalidade ou quantificar o
aumento da proporção de pessoas em idade de se aposentar.
Este papel mais analítico das projeções permite caracterizar os processos demográficos que levam aos diversos futuros possíveis, fornecendo importantes subsídios
para as tomadas de decisão nas atividades de planejamento
e de direcionamento de políticas públicas.
As vantagens desta metodologia vêm sendo demonstradas pelos usuários dos setores público e privado, que
encontram nesta multiplicidade de projeções uma alternativa para superar as limitações da fatalidade de uma
única previsão.
A PROBLEMÁTICA DAS PROJEÇÕES
PARA ÁREAS MENORES
A necessidade de dados populacionais atualizados é
crescente em todos os níveis geográficos, devido tanto ao
processo de informatização da informação que vem democratizando cada vez mais o uso de bancos de dados,
quanto à importância da utilização destas informações para
todas as atividades de planejamento regional e municipal.
A questão da informação no âmbito das pequenas áreas
traz consigo a problemática das projeções populacionais,
cuja elaboração é mais complexa do que aquelas feitas
para o total do país ou do estado.
Em 1988, foi realizado em Girardot, Colômbia, o “Seminário Internacional sobre Proyecciones Subnacionales
111
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
radas para o crescimento populacional futuro; por outro
lado, entretanto, existe a premência em responder a uma
demanda por projeções municipais que, de todas as formas, necessita ser atendida.
Ao se realizar uma projeção de população não é possível obter 100% de precisão no estabelecimento das tendências demográficas futuras. Como destaca Keilman
(1985), “a incerteza joga um papel importante, sendo
possível fazer apenas uma previsão, ou seja, uma estimativa plausível e realista do futuro baseado em nosso conhecimento do presente”.
permitir um alto grau de desagregação sem prejuízo de
sua precisão. Primeiro, porque seria necessário um estudo exaustivo da dinâmica demográfica e da situação socioeconômica em cada um dos municípios paulistas, para
fundamentar as hipóteses de comportamento no período
da projeção. Segundo, porque estas hipóteses formuladas
para cada município não poderiam ser consideradas isoladamente, dada a grande influência que as áreas limítrofes e regionais exercem no comportamento de cada população, sendo necessário, também, considerarem-se as
interações entre as diversas áreas.
Na tentativa de equacionar esta questão, propõe-se
estimar os parâmetros demográficos municipais a partir
das estimativas encontradas para as regiões e das respectivas hipóteses formuladas até o final do período a ser
projetado. Em outras palavras, calcula-se a participação
proporcional dos municípios nas funções de fecundidade, de mortalidade e de migração, estimadas para a região correspondente, e encontram-se os componentes proporcionais para os municípios, o que permite utilizar o
método dos componentes demográficos para projetar a
população municipal.
O suposto básico deste procedimento é o de que a tendência esperada para a região como um todo seria resultante das tendências específicas de cada município, de
modo que cada um deles contribuiria com uma parcela
de participação na dinâmica demográfica da região. Assim, as tendências populacionais de cada município seriam coerentes com o comportamento regional, tanto no
período de base quanto no período da projeção, além de
conservar as especificidades particulares de cada um.
A lógica desta sistemática pressupõe um ajuste final,
ficando implícito a interação entre o crescimento das populações municipais, pois as hipóteses formuladas para a
região são transferidas indiretamente para o conjunto dos
municípios. Desta forma, após serem projetadas, pelo método demográfico, as populações municipais separadamente, promove-se uma compatibilização entre estas projeções e a da população regional, de modo a garantir a
coincidência entre a soma das projeções municipais e a
correspondente projeção para a região administrativa específica.
QUAL A ALTERNATIVA UTILIZADA PELA
FUNDAÇÃO SEADE PARA PROJETAR A
POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS?
A experiência acumulada na Fundação Seade, no que
se refere às projeções de população municipal, caminhou
no sentido de aprimorar e desenvolver os métodos utilizados para este fim, dando prioridade aos métodos demográficos. Como não é prudente extrapolar a população baseando-se em uma função matemática para um
período muito longo, sem uma formulação de hipótese
de comportamento futuro, optou-se pela elaboração de
procedimentos metodológicos que possibilitassem dimensionar a ordem de grandeza dos municípios tendo controle do resultado final.
Contando-se, no âmbito da Fundação Seade, com estudos detalhados e aprofundados dos componentes da dinâmica demográfica regional, no passado e no presente,
e com a formulação de hipóteses necessárias à aplicação
do modelo demográfico de projeções para o Estado de
São Paulo e suas regiões administrativas, foi desenvolvido um procedimento metodológico que possibilitasse aplicar, também para os municípios paulistas, o método dos
componentes demográficos para projetar a população por
idade.
Como o mais difícil nesta aplicação é obter estimativas municipais para as variáveis populacionais, utilizouse a alternativa proposta pelo procedimento “Parâmetros
Demográficos Proporcionais” (Waldvogel Giraldelli,
1989), que permite projetar as populações municipais pelo
método dos componentes demográficos.
O desenvolvimento deste procedimento metodológico
procurou solucionar duas grandes dificuldades na aplicação do método dos componentes demográficos para projetar a população municipal: estimar as funções de mortalidade, fecundidade e migração; e formular hipóteses
para os municípios, acerca do futuro destas variáveis.
Estas duas atividades são, em geral, impraticáveis no
âmbito das áreas pequenas, nas quais os dados costumam
ser incompletos ou de volume reduzido, de modo a não
AVALIAÇÃO DAS PROJEÇÕES
POPULACIONAIS COM OS RESULTADOS
DO CENSO DEMOGRÁFICO DE 1991
Quando os resultados preliminares do Censo Demográfico de 1991 foram publicados, a Fundação Seade divulgou uma Nota Técnica, apresentando uma comparação entre as projeções realizadas anteriormente e os dados
censitários. A principal conclusão foi de que os resulta-
112
PROJEÇÃO POPULACIONAL PARA SÃO PAULO: UM MÉTODO
ções em relação aos dados censitários considerou esta
divisão estadual.
A grande convergência verificada no interior paulista,
cuja diferença foi de apenas 1,8%, mantém-se no âmbito
mais desagregado das regiões administrativas, como demonstrou a Nota Técnica citada. Atualizando os dados
com aqueles já definitivos do Censo Demográfico de 1991,
observa-se que com exceção da Região do Litoral, onde
há uma diferença de 11,10%, entre as projeções da Fundação Seade e os dados do Censo, todas as demais regiões
apresentavam diferenças muito pequenas, considerando
os limites aceitáveis para as previsões de longo prazo,
conforme mostra a Tabela 2.
Esses resultados confirmam plenamente as hipóteses
adotadas na projeção. Na elaboração das hipóteses sobre
a fecundidade e a mortalidade, como citado na Nota Técnica, foram considerados os dados do Sistema de Estatísticas Vitais da Fundação Seade, que permite acompanhar
anualmente o crescimento vegetativo da população (diferença entre nascimentos e óbitos). Estas hipóteses são,
portanto, mais próximas da realidade.
Quanto às hipóteses sobre os saldos migratórios (diferença entre entradas e saídas), a sua elaboração mostrase mais complexa, dada a dificuldade em quantificá-las.
Elas dependem, até o momento, de informações censitárias disponíveis a cada dez anos. As hipóteses variaram
segundo o comportamento econômico de cada região.
Conforme descrito na Nota Técnica, “Para as regiões
que tradicionalmente perdiam população, considerou-se
uma sensível recuperação decorrente do processo de interiorização do desenvolvimento paulista. Já nas áreas típicas de maior atração de migrantes, optou-se pela hipótese de desaceleração do crescimento migratório, tendo
presente o comportamento recessivo desta década. No caso
da Região da Grande São Paulo, a avaliação realizada
evidencia que as tendências consideradas nas hipóteses
da projeção estavam corretas. O fato surpreendente foi a
velocidade da queda, que ocorreu brusca e de muito difícil previsão”.
TABELA 1
Diferença entre a População Censitária e a População Projetada
Estado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1991
Áreas
Censo
Seade
Projeção
Relativa
Estado de São Paulo
31.436.273
Região
Metropolitana
Interior
Diferença
(%)
34.207.957
8,8
15.369.305
17.853.254
16,2
16.066.968
16.354.703
1,8
Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE.
TABELA 2
Diferença entre a População Censitária e a População Projetada
Regiões Administrativas – 1991
População
Seade
Diferença
Relativa
entre
Populações
(%)
1.580.962
1.756.412
11,10
1.495.974
1.589.181
6,23
RA de Sorocaba
1.969.723
1.961.145
-0,44
RA de Campinas
4.402.048
4.600.324
4,50
RA de Ribeirão Preto
2.400.841
2.309.493
-3,80
825.404
858.816
4,05
Regiões
Administrativas
População
Censo
RA do Litoral
RA do Vale do Paraíba
RA de Bauru
RA de São José
do Rio Preto
1.196.741
1.143.909
-4,41
RA de Araçatuba
617.624
585.973
-5,12
RA de Presidente Prudente
758.501
769.677
1,47
RA de Marília
819.150
779.773
-4,81
ANALÍTICO...
Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE.
dos censitários identificavam-se bastante com as projeções da Fundação Seade para o interior do estado, sendo
que as diferenças concentravam-se na Região Metropolitana.
Na Nota Técnica, destacava-se: “Alterando uma tendência histórica, os dados preliminares do Censo de 1991,
para a Grande São Paulo, resultam num saldo migratório
negativo para o período 1980/91, decorrente de uma variação de difícil previsão” (Fundação Seade, 1992a).
A base operacional das projeções foi a divisão administrativa vigente na década de 80, pela qual o estado era
constituído por 11 regiões administrativas. A análise da
dinâmica demográfica e a formulação das hipóteses de
comportamento futuro levaram em consideração esta agregação, de modo que as projeções de população para as
maiores áreas do estado obedeceram a este critério regional. Assim sendo, a investigação da precisão das proje-
TABELA 3
Média dos Desvios para os Municípios Paulistas,
segundo Classes de Tamanho Populacional
Estado de São Paulo – 1991
Classes de
Tamanho
Número de
Municípios
Média dos
Desvios (%)
Total dos Municípios
572
-3,33
Menos de 10.000 Habitantes
245
-5,29
De 10.000 a 50.000 Habitantes
231
-3,75
96
2,47
Mais de 50.000 Habitantes
Fonte: Fundação Seade.
113
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
TABELA 4
QUAL O RESULTADO DA AVALIAÇÃO DAS
PROJEÇÕES MUNICIPAIS?
Distribuição de Freqüência dos Municípios, segundo as
Classes de Erro Médio para a Estrutura Etária
Estado de São Paulo – 1991
Quanto às projeções populacionais para as 42 regiões
de governo e no âmbito municipal, os resultados obtidos
pelo procedimento “Parâmetros Demográficos Proporcionais” (Waldvogel Giraldelli, 1989), que permite aplicar
o método dos componentes demográficos para projetar a
população por idade e sexo para as áreas menores, apresentou um bom desempenho no sentido de aproximar a
população projetada à real observada no Censo Demográfico de 1991, em termos tanto absolutos quanto de estrutura etária final.
Considerando o desvio médio relativo de cada população projetada em relação às censitárias, observa-se que
50% das regiões de governo do Estado de São Paulo apresentaram erros entre -5% e +5%, e 76% delas entre -10%
e +10%, indicando uma boa precisão para este nível de
desagregação. O Gráfico 1 descreve bem a aderência do
modelo de projeção utilizado com os resultados definitivos do Censo, para as Regiões de Governo.
Quantos aos municípios, observa-se que praticamente
a metade (48%) apresentou medidas de erro inferiores a
10%, o que representa um grau de precisão bastante aceitável em se tratando de projeções de áreas pequenas e de
longo prazo. Apenas 45 dos 572 municípios paulistas apresentaram desvios superiores a mais ou menos 30%. Também foi possível verificar que quanto menores os municípios, maiores foram os desvios médios esperados para
Classes de
Erro Médio
Inferior a -10
De -10 a -5
De -5 a 5
De 5 a 10
Mais de 10
População Projetada
(em mil pessoas)
1.000
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
300
400
500
600
700
800
900
3
51
451
50
17
0,5
8,9
78,9
8,7
3,0
as projeções quando comparadas às populações censitárias.
A avaliação da precisão das projeções municipais considerou também dois outros aspectos, além da convergência/divergência em relação aos totais populacionais. O
primeiro refere-se à ordenação dos municípios dentro do
estado como um todo, ou seja, a distribuição dos municípios por tamanho de população. O segundo diz respeito à
estrutura por idade e sexo de cada município.
Para averiguar se o método de projeção utilizado para
os municípios alterou ou não a ordem dos municípios
dentro do Estado de São Paulo, em relação ao número de
habitantes, considerou-se o coeficiente de correlação de
Spearman. Este coeficiente é calculado a partir das diferenças entre os postos associados aos municípios, em ordem crescente, tanto para a população projetada quanto
para a censitária. Quanto mais próximo de 1,00 estiver
este coeficiente, melhor será a correlação entre os pontos.
O coeficiente de correlação de Spearman encontrado
para os municípios paulistas em 1991 foi de 0,99, o que
representa uma correlação perfeita, ou seja, a projeção
considerada para os municípios paulistas garantiu, de forma bastante precisa, a distribuição dos municípios segundo
o tamanho populacional dentro do Estado de São Paulo.
Quanto à estrutura etária, a média encontrada para os
erros relativos à precisão da composição por idade e sexo,
para cada município, foi de apenas 0,33%. A Tabela 4
apresenta a distribuição dos erros médios para a estrutura
etária para os municípios, sendo que 79% apresentaram
erros inferiores a mais ou menos 5%. Isto demonstra a
adequação do método dos componentes no sentido de
aproximar a distribuição por idade e sexo da população
projetada à população censitária.
O procedimento metodológico adotado reproduziu de
maneira bastante satisfatória a dinâmica das diversas gerações que compõem a população no período da projeção.
GRÁFICO 1
200
Proporção dos
Municípios (%)
Fonte: Fundação Seade.
População Censitária e População Projetada
Regiões de Governo do Estado de São Paulo – 1991
100
Número de
Municípios
1.000
População Censitária(em mil pessoas)
Fonte: Fundação Seade.
Nota: As regiões de governo de Campinas e Santos não aparecem no gráfico devido à
dimensão de suas populações, maiores que 1.000.000 de habitantes.
114
PROJEÇÃO POPULACIONAL PARA SÃO PAULO: UM MÉTODO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ANALÍTICO...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A dinâmica demográfica tem se alterado expressivamente em nosso país e no Estado de São Paulo. Este novo perfil
populacional constitui elemento fundamental na realização
das projeções de população, devido a todas as conseqüências sentidas nas tendências de crescimento esperadas no futuro e na composição por idade e sexo da população.
Como foi exposto neste artigo, os métodos demográficos considerados para as projeções de população no Estado de São Paulo, nos âmbitos regional e municipal, apresentaram resultados bastante adequados quando comparados
às populações do Censo Demográfico de 1991.
A elaboração das hipóteses de comportamento futuro
para as variáveis demográficas representa a parte mais
complexa e importante na aplicação desta metodologia
de projeção. Esta etapa tem sido objeto de muita reflexão
e de desenvolvimento de metodologias específicas no
âmbito da Fundação Seade, na tentativa de que as hipóteses futuras reflitam, da maneira mais fidedigna, as diversas transformações demográficas que têm ocorrido e poderão ocorrer na população paulista.
Procurando levantar subsídios para a elaboração destas
hipóteses, a Fundação Seade promoveu um Seminário, em
dezembro de 1995, contando com a participação de diversos especialistas que, durante dois dias, levantaram questões
importantes e abordaram relevantes aspectos que deverão
ser incorporados nas projeções a serem realizadas para o
início do século XXI. Os técnicos do Seade estão procurando “quantificar” as questões levantadas, para que representem elementos práticos na elaboração das hipóteses de comportamento futuro para cada componente da dinâmica
demográfica. Desta forma, procurar-se-á mais uma vez “dimensionar o futuro da população paulista”.
FERREIRA, C.E. de C. “Projeções demográficas para São Paulo”. São Paulo
em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.1, n.2, jul./set. 1987, p.4549.
FERREIRA, C.E. de C. e WALDVOGEL, B. "Os novos cenários da população
paulista". Conjuntura Demográfica. São Paulo, Fundação Seade, n.26,
jan./mar. 1994.
FUNDAÇÃO IBGE. Censo Demográfico de 1991 – Estado de São Paulo. Rio
de Janeiro, 1994.
FUNDAÇÃO SEADE. "Projeções de população para as 11 regiões administrativas do Estado de São Paulo – 1970-1990 (Um Estudo Demográfico)". Informe Demográfico. São Paulo, n.2, 1980.
__________ . “Perspectivas de população para o Estado de São Paulo e suas
regiões administrativas (1980-2000)”. Informe Demográfico. São Paulo,
n.18, 1986.
__________ . “Resultados do Censo para Grande São Paulo alteram tendência
histórica”. (Nota Técnica n.4). Pesquisa de Emprego e Desemprego: Grande São Paulo. São Paulo, n.87, 1992a.
__________ . O novo retrato de São Paulo. São Paulo, 1992b.
GARCIA, A. e RINCON, M. "Sistema para elaborar proyecciones
subnacionales de areas intermedias y pequenas, por sexo y grupos de
edades". (Celade, Série 0I, n.42). In: GRANADOS, M. del P. (comp.)
Métodos para proyecciones subnacionales de población. Bogotá, Dane,
1989, p.253-276.
GRANADOS, M. del P. (comp.) Métodos para proyecciones subnacionales de
población. Bogotá, Dane, 1988, 313 p. (Celade. Série 0I, 42).
IRWIN, R. "Utilização do método dos componentes por coorte nas projeções
para pequenas áreas”. Revista Brasileira de Estatística. Rio de Janeiro, v.37,
n.146, abr./jun. 1976, p.215-238.
KEILMAN, N. "The unpredictability of population trends". Trabalho apresentado na Annual Conference of the International. Association for Impact
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PITTENGER, D.B. Projecting state and local populations. Ballinger Publishing
Company, 1975.
WALDVOGEL GIRALDELLI, B. (coord.). Projeção de população dos municípios e distritos pertencentes à Região II de planejamento da Sabesp. São
Paulo, dez. 1988. (Contrato de prestação de serviço Seade/Sabesp. Relatório Síntese).
__________ . "Parâmetros demográficos proporcionais: uma alternativa para
aplicar o método dos componentes para projetar a população de áreas
pequenas". Informe Demográfico. São Paulo, Fundação Seade, n.22,
1989.
115
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES
ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO
DO BRASIL: 1980-2020
JUAREZ DE CASTRO OLIVEIRA.
Demógrafo, Pesquisador do IBGE
FERNANDO FERNANDES
Demógrafo, Consultor no IBGE
A
Demografia é uma ciência eminentemente empírica. Os acontecimentos que marcam o ciclo vital dos indivíduos não seriam passíveis de investigação se não fossem devidamente registrados. Por isso,
a Demografia extrai dos registros de pesquisas e de levantamentos específicos seu material de estudo.
Do momento em que ocorre um determinado evento
(nascimento, ingresso à escola, entrada no mercado de
trabalho, mudança no estado conjugal, movimento migratório, morte, etc.) até o instante em que o demógrafo dispõe da informação para interpretá-la, há que se levar em
conta uma defasagem temporal. Um levantamento
censitário ou uma pesquisa por amostragem pode levar
meses para a conclusão das atividades de coleta e apuração, devendo-se agregar mais um tempo para que as informações prestadas sejam analisadas em sua consistência. Assim, ao cumprir todas as etapas, de forma a garantir
a melhor qualidade possível dos dados, os estudiosos em
população tomam posse de resultados correspondentes a
um passado relativamente recente. Esta é uma característica intrínseca da Demografia que, por não possuir a propriedade de realizar experimentos controlados em laboratório, desenvolve-se mediante a observação das etapas
do ciclo de vida das pessoas.
Contudo, na medida em que se ampliaram as investigações no âmbito dos fenômenos demográficos, diversas
leis comuns aos distintos grupos de pessoas que habitam
o planeta foram determinadas, fato que as consagraram
como de características universais. O desenvolvimento de
modelos aplicáveis na Demografia teve como ponto de
partida o simples registro das respostas de várias populações frente a certos estímulos, como, por exemplo, o ingresso ao estado matrimonial, o padrão etário da
fecundidade feminina, os riscos de morte por idade e sexo,
entre outros.
Sempre recaiu sobre o demógrafo uma grande cobrança com relação aos fatos que estariam ocorrendo no presente. Geralmente, e até mesmo por recomendação da
Organização das Nações Unidas, o maior dos levantamentos populacionais, o Censo Demográfico, é realizado a cada
dez anos. Numa parcela considerável dos países, os registros dos fatos vitais são incompletos e, quando muito,
são divulgados seis meses ou mais após o término do ano
civil.
Por estes motivos, a demografia não conhece outra forma de descrever ou se aproximar do presente que não seja
através de uma projeção. Em particular, a projeção
populacional é um instrumento muito útil quando se trata
de anos pós-censitários. Ela busca descrever as alterações
que se processarão na dinâmica da população, em função
de observações das tendências passadas das componentes demográficas.
São três as variáveis que intervêm na dinâmica demográfica: a fecundidade, gerando entrada de pessoas através dos nascimentos; a mortalidade, contabilizando saída
de indivíduos por morte; e a migração, que poderá atuar
nos sentidos positivo ou negativo, segundo predomine a
imigração ou a emigração.
Uma projeção de população cumpre vários propósitos,
mas o principal refere-se aos subsídios que ela proporciona aos planejadores na formulação de políticas públicas
de curto e médio prazos destinadas a segmentos
populacionais específicos, sejam crianças e adolescentes,
sejam adultos e/ou idosos.
Na verdade, os resultados obtidos a partir da elaboração de uma projeção populacional são, em última análise,
116
METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO...
Embora seja consensual que, durante os anos 80, tenha
ocorrido no país uma considerável saída de brasileiros para
o exterior, adotou-se o suposto de população às migrações internacionais, dado que não se dispõe de valores
suficientemente precisos que permitam estabelecer cenários relativos aos saldos migratórios líquidos internacionais por sexo e idade.
Considerou-se, também, a razão de sexos ao nascimento
como sendo igual a 1,04, segundo observado nas estatísticas vitais.
Tendo feito estes comentários, descreve-se, a seguir, a
metodologia adotada na projeção com relação aos seguintes pontos:
- ajuste da população-base (de partida) para 1O de julho
de 1980;
decorrentes das hipóteses implícitas acerca do comportamento futuro das componentes da dinâmica demográfica.
Esta constitui-se na mais delicada etapa do processo como
um todo, pois a formulação das hipóteses sobre as perspectivas futuras da fecundidade, da mortalidade e da migração requer o empreendimento de um esforço cuidadoso, no sentido de garantir a coerência entre os parâmetros
disponíveis, descritivos das tendências passadas, e aqueles que resultarão da projeção.
No contexto nacional, as projeções oficiais de população são realizadas no âmbito da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo seu atual
Departamento de População e Indicadores Sociais (Depis).
Tradicionalmente, elabora-se uma projeção populacional
imediatamente após a divulgação dos resultados censitários concernentes à estrutura por sexo e idade, à fecundidade, à mortalidade e à migração. Além do caráter oficial
da projeção da população brasileira, para que haja reconhecimento internacional, o IBGE executa esta tarefa em parceria com o Centro Latino-Americano de
Demografia (Celade/Nações Unidas), cumprindo as
recomendações metodológicas da Divisão de População da ONU.
Durante o intervalo de tempo que separa a última projeção realizada conjuntamente pelo IBGE e pelo Celade
(IBGE/Celade, 1984) e a que será apresentada neste documento, diversas mudanças ocorreram nos componentes
da dinâmica demográfica brasileira.
Os níveis de fecundidade continuaram a diminuir acentuadamente, contrariando previsões de que estes declinariam de forma mais suave durante os anos 80.
A mortalidade, por sua vez, passou a apresentar um
padrão diferente do contido no conjunto de Tábuas-Modelo Brasil (IBGE, 1981), que é adotado e aceito como
representativo do experimentado pela população brasileira
durante as décadas anteriores.
Vale ressaltar que uma característica importante
introduzida pelos autores nesta projeção é a utilização de
fontes de dados combinadas, como as Estatísticas Vitais
derivadas do Registro Civil, os Censos Demográficos, a
partir de 1940, as Pesquisas Nacionais por Amostra de
Domicílios (PNADs), das décadas de 70 e de 80, e o Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef) realizado no
período 1974-75, para derivar níveis e padrões de fecundidade e mortalidade.
- estimativa e projeção da fecundidade;
- estimativa e projeção da mortalidade.
Ajuste da população-base para 1O de julho de 1980
A população do Brasil utilizada como base para a projeção tem como data de referência 1O de julho de 1980,
uma vez que metodologicamente os totais projetados devem referir-se à metade de cada ano considerado.
Esta população foi obtida a partir da população residente por sexo e idade em 1O de setembro de 1980, dada
pelo Censo Demográfico, de taxas específicas de mortalidade por sexo e idade e de taxas específicas de fecundidade para 1980.
A população censitária e as taxas de mortalidade e de
fecundidade foram utilizadas para estimar o número anual de mortes e nascimentos e, a partir destes, a taxa de
crescimento populacional para 1980.
Assim, de posse desta taxa de crescimento populacional, pôde-se estimar a população total na data desejada,
1o de julho de 1980. Esta população total estimada foi,
então, distribuída proporcionalmente por sexo e idade de
acordo com a distribuição dada pelo Censo Demográfico
de 1980.
Estimativa e projeção da fecundidade
A estimativa do comportamento da fecundidade brasileira para os anos posteriores a 1980 consistiu, primeiramente, em modelar a tendência do nível da fecundidade
para cada ano, calculando a taxa de fecundidade total
(TFT).
A evolução do nível da fecundidade foi modelada a
partir do ajuste de uma função logística, com um limite
inferior predeterminado, a diversas estimativas iniciais da
taxa de fecundidade total para o período entre 1933 e 1990.
As estimativas iniciais apresentaram pouca variabilidade
PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO DO BRASIL
A projeção da população do Brasil por sexo e grupos
qüinqüenais de idade, com data de referência em 1O de
julho, para o período 1980-2020, foi realizada a partir da
população residente estimada para 1O de julho de 1980.
117
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
do de Relé, com base no grupo etário de 0 a 4 anos, o mesmo
método de Relé apoiado no grupo etário de 5 a 9 anos
(Relé, 1967), a técnica de Arriaga (Arriaga, 1983), o conjunto de equações modelo desenvolvidas por Frias e Oliveira (Frias e Oliveira, 1990) e uma Projeção Reversa com
base na população de 0 a 11 anos de idade, em 1980 e
1991.
Além destes métodos, que utilizam como fontes de
dados os Censos Demográficos, as Pesquisas Nacionais
por Amostra de Domicílios (PNADs) e o Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef), foram utilizadas também informações do Registro Civil acerca do número de
nascimentos por idade da mãe, corrigidos do sub-registro, para a estimativa direta da fecundidade.
Com relação à estrutura da fecundidade, utilizou-se,
para 1980, a distribuição relativa das taxas específicas de
fecundidade dada pelo Censo Demográfico deste mesmo
ano, enquanto para 1985 e 1991 adotaram-se as estruturas derivadas das Estatísticas Vitais. Vale esclarecer que
a distribuição relativa derivada das Estatísticas Vitais era
semelhante, em 1980, à observada no Censo Demográfico.
As taxas específicas de fecundidade, para os anos entre 1980, 1985 e 1991, foram obtidas a partir da
interpolação das taxas específicas de fecundidade destes
anos. Para os anos posteriores a 1991, procedeu-se a uma
interpolação entre as taxas específicas de fecundidade de
1991 e as taxas específicas de fecundidade limite adotadas para o ano de 2050.
Em um segundo momento, estas taxas específicas de
fecundidade interpoladas foram conciliadas às taxas de fecundidade totais obtidas para estes anos a partir do ajuste
logístico.
GRÁFICO 1
Projeção da Taxa de Fecundidade Total
Brasil – 1920-2050
Ajustada
Ajustada
Brass
Brass
RRelé
Rele
RegistroCivil
Civil
Registro
F&O
F&O
Arriaga
Arriaga
PProjeção
ProjeçãoReversa
Reversa
Registro
RegistroTardio
Tardio
Anos
Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais.
entre si, ao longo de todo o período considerado, particularmente a partir dos anos 60, demonstrando a paulatina
melhora da qualidade das pesquisas, o que viabilizou um
completo ajuste logístico como pode ser constatado no
Gráfico 1.
Neste sentido, foram traçados três cenários (hipóteses)
descritivos das possíveis tendências futuras da fecundidade. No primeiro, a fecundidade apresentará uma trajetória de declínios não muito acentuados, até que alcance,
no limite, uma TFT correspondente a 2,01 filhos por mulher (hipótese alta). Em contraposição, na segunda hipótese (considerada baixa), os valores projetados são compatíveis com uma TFT limite de 1,5 filho por mulher, nível
já observado em muitos países europeus. Por último, a hipótese média, ou recomendada (e utilizada para fins de
análise dos resultados finais da projeção), nada mais é que
uma tendência intermediária entre as duas hipóteses anteriores, na qual a previsão do comportamento da fecundidade acarretará, em 2050, uma TFT de 1,8 filho por mulher.
Considerando-se a TFT(t) como a taxa de fecundidade
total no período t, k1 como a assíntota inferior, k1+k2
como a assíntota superior, a e b como parâmetros e t como
o tempo, a função logística adotada para a modelagem da
taxa de fecundidade total pode ser expressa da seguinte
forma:
Estimativa e projeção da mortalidade
A estimativa do comportamento da mortalidade brasileira, para a década de 80, foi realizada em três etapas.
Inicialmente, foi feita uma estimativa da cobertura dos
dados sobre óbitos do Registro Civil para os referidos anos,
utilizando-se a técnica de Preston e Coale (Preston, Coale,
Trussell, Weinstein, 1980).
A segunda etapa consistiu em modelar a tendência de
estimativas iniciais da mortalidade infantil, obtidas mediante a aplicação da técnica dos filhos sobreviventes (Brass
et alii, 1968; Brass, 1975 e Brass e Bamgboye, 1981) às
informações provenientes dos Censos Demográficos de
1940 a 1980, das Pesquisas Nacionais por Amostra de
Domicílios (PNADs) das décadas de 70 e 80 e do Estudo
Nacional da Despesa Familiar (Endef), realizado no período 1974-75.
A modelagem da evolução do nível da mortalidade infantil foi realizada a partir do ajuste de uma função lo-
Os métodos utilizados para a obtenção destas estimativas
iniciais da taxa de fecundidade total foram o método da razão P/F de Brass (Brass et alii, 1968 e Brass, 1975), o méto-
118
METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO...
gística às diversas estimativas iniciais da mortalidade infantil, para o período entre 1957 e 1985. Embora tenhamse derivado estimativas da mortalidade infantil desde 1926,
a grande variabilidade entre as estimativas iniciais não permitiu um ajuste logístico satisfatório, sendo o melhor ajuste
obtido a partir das estimativas para o período 1957-85.
Finalmente, foram construídas tábuas de mortalidade
para os anos de 1980, 1985 e 1990 por sexo, através da
conciliação das estimativas da mortalidade infantil obtidas para estes anos com os óbitos do Registro Civil corrigidos na primeira etapa.
As tábuas de mortalidade para os anos posteriores a
1990 foram obtidas a partir da interpolação linear dos
logaritmos das taxas específicas de mortalidade de 1990
e de uma tábua limite de mortalidade fornecida pelo US
Bureau of the Census (com esperança de vida ao nascer
igual a 75,51 anos e uma mortalidade infantil igual a 17,6
por mil) adotada para o ano de 2020.
GRÁFICO 2
Nascimentos, Óbitos e Crescimento Vegetativo
Brasil – 1980-2020
Crescimento Vegetativo
4.000
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
1980
Projeções Populacionais Preliminares, segundo Sexo
Brasil – 1980-2020
Incremento
118.562.549
144.723.897
165.715.411
200.306.313
26.161.348
20.991.514
34.590.902
2,01
1,36
0,95
Homens
1980
1990
2000
2020
58.904.681
71.625.007
81.677.251
98.321.727
12.720.326
10.052.244
16.644.476
1,97
1,32
0,93
Mulheres
1980
1990
2000
2020
59.657.868
73.098.890
84.038.160
101.984.586
13.441.022
10.939.270
17.946.426
2,05
1,40
0,97
Total
1980
1990
2000
2020
1990
1995
2000
Períodos
2005
2010
2015
2020
No que tange ao crescimento populacional, no período
1980-90, a população brasileira aumentou em 26.161.348
habitantes, valor este que corresponde a uma taxa geométrica de crescimento anual de 2,01% para a década. Nos
dez anos seguintes, o aumento populacional será de
20.991.514 pessoas, representando uma taxa geométrica
de crescimento anual de 1,36%.
De acordo com as hipóteses sobre o comportamento
da fecundidade e da mortalidade, a população do Brasil,
no período 2000-2020, aumentará seu efetivo em
34.590.902 pessoas, significando uma taxa geométrica de
crescimento anual de 0,95% para estes 20 anos.
Em função da sobremortalidade masculina, persistirá a
maior participação relativa das mulheres na população total e, da mesma forma, sua maior taxa de crescimento. Se,
por um lado, as projeções indicam um aumento da participação relativa da população feminina nos 40 anos englobados pela projeção, passando de 50,32% em 1980 para
50,91% em 2020, por outro, apontam para uma queda no
diferencial da taxa de crescimento, passando de 0,08% em
1980 (1,97% e 2,05% para homens e mulheres, respectivamente) para 0,04% no ano 2020 (0,93% e 0,97%, respectivamente, para homens e mulheres). A Tabela 1 apresenta estes resultados e o Gráfico 2 ilustra as tendências
do número de nascimentos e mortes anuais no período
considerado, bem como o crescimento vegetativo.
A evolução da taxa de fecundidade total, da esperança
de vida ao nascer e da taxa de mortalidade infantil encontra-se nas Tabelas 2 e 3. No tocante à fecundidade, podese notar uma acentuada tendência de declínio nos níveis
desta variável demográfica. A estimativa de 4,01 filhos
por mulher referente ao ano de 1980 reduziu-se para 2,66,
TABELA 1
Anos
1985
Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais.
A julgar pelos resultados da projeção preliminar da
população brasileira para o período 1980-2020, alguns
aspectos acerca das tendências do crescimento da população podem ser ressaltados.
Taxa
Geométrica de
Crescimento
Anual (%)
Óbitos
3.500
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE OS
RESULTADOS DA PROJEÇÃO
População
(em 1o de julho)
Nascimentos
Em 1.000
Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais.
119
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
TABELA 2
População e Indicadores Demográficos Implícitos na Projeção Preliminar
Brasil – 1980-2000
Indicadores Demográficos
1980
1985
1990
1995
2000
118.562.549
131.978.412
144.723.897
155.822.440
165.715.411
Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%)
38,2
36,6
34,7
31,8
28,3
Proporção no Grupo de 15 a 64 anos (%)
57,7
59,4
61,1
63,5
66,5
4,0
4,0
4,2
4,7
5,2
Ambos os Sexos
Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%)
Homens
58.904.681
65.456.545
71.625.007
76.948.360
81.677.251
Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%)
38,9
37,3
35,5
32,6
29,1
Proporção no Grupo de 15 a 64 Anos (%)
57,4
59,0
60,6
63,1
66,3
3,8
3,7
3,9
4,3
4,6
Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%)
Mulheres
59.657.868
66.521.867
73.098.890
78.874.080
84.038.160
Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%)
37,6
35,8
34,0
31,0
27,6
Proporção no Grupo de 15 a 64 Anos (%)
58,1
59,9
61,5
63,9
66,8
4,3
4,3
4,5
5,1
5,7
73,2
68,2
63,8
57,5
50,3
Nascimentos Anuais
3.702.250
3.721.516
3.420.711
3.137.754
3.021.696
Óbitos Anuais
1.066.834
1.017.651
1.041.045
1.070.370
1.108.819
Crescimento Vegetativo
2.635.416
2.703.865
2.379.666
2.067.384
1.912.877
Taxa Bruta de Natalidade (por mil)
31,23
28,20
23,64
20,14
18,23
Taxa Bruta de Mortalidade (por mil)
9,00
7,71
7,19
6,87
6,69
2,223
2,049
1,645
1,327
1,154
Taxa de Fecundidade Total
4,01
3,27
2,66
2,26
2,04
Taxa Bruta de Reprodução
1,96
1,59
1,30
1,10
0,99
Taxa Líquida de Reprodução
1,75
1,47
1,21
1,04
0,94
Ambos os sexos
61,76
64,34
65,62
67,03
68,51
Homens
58,95
61,17
62,28
63,81
65,41
Mulheres
64,68
67,65
69,09
70,38
71,74
69,10
57,30
49,70
44,40
39,20
Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%)
Razão de Dependência
Taxa de Crescimento (%)
Esperança de Vida ao Nascer (em anos)
Taxa de Mortalidade Infantil (por mil nascidos vivos)
Ambos os sexos
Homens
76,30
64,40
56,80
50,50
44,30
Mulheres
61,70
50,00
42,30
38,10
33,90
Fonte: Fundação IBGE.
120
METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO...
TABELA 3
População e Indicadores Demográficos Implícitos na Projeção Preliminar
Brasil – 2000-2020
Indicadores Demográficos
2000
2005
2010
2015
2020
165.715.411
175.077.284
184.157.039
192.695.701
200.306.313
Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%)
28,3
25,4
23,6
22,4
21,2
Proporção no Grupo de 15 a 64 anos (%)
66,5
68,7
69,8
70,0
69,8
5,2
5,9
6,5
7,5
9,0
Ambos os Sexos
Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%)
Homens
81.677.251
86.156.943
90.522.164
94.643.677
98.321.727
Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%)
29,1
26,2
24,4
23,2
22,0
Proporção no Grupo de 15 a 64 Anos (%)
66,3
68,6
69,9
70,2
70,3
4,6
5,2
5,8
6,6
7,8
Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%)
Mulheres
84.038.160
88.920.341
93.634.875
98.052.024
101.984.586
Proporção no Grupo de 0 a 14 Anos (%)
27,6
24,7
22,9
21,7
20,5
Proporção no Grupo de 15 a 64 Anos (%)
66,8
68,8
69,8
69,9
69,4
5,7
6,5
7,3
8,5
10,1
50,3
45,5
43,2
42,8
43,2
Nascimentos Anuais
3.021.696
3.013.796
2.985.572
2.885.285
2.742.984
Óbitos Anuais
1.108.819
1.160.690
1.216.546
1.266.322
1.321.893
Crescimento Vegetativo
1.912.877
1.853.106
1.769.026
1.618.963
1.421.091
Taxa Bruta de Natalidade (por mil)
18,23
17,21
16,21
14,97
13,69
Taxa Bruta de Mortalidade (por mil)
6,69
6,63
6,61
6,57
6,60
1,154
1,058
0,960
0,840
0,709
Taxa de Fecundidade Total
2,04
1,92
1,85
1,82
1,81
Taxa Bruta de Reprodução
0,99
0,94
0,90
0,89
0,88
Taxa Líquida de Reprodução
0,94
0,89
0,87
0,86
0,86
Ambos os sexos
68,51
70,09
71,77
73,57
75,51
Homens
65,41
67,10
68,90
70,80
72,82
Mulheres
71,74
73,20
74,77
76,46
78,31
39,20
33,80
28,50
23,10
17,60
Proporção no Grupo de 65 Anos e Mais (%)
Razão de Dependência
Taxa de Crescimento (%)
Esperança de Vida ao Nascer (em anos)
Taxa de Mortalidade Infantil (por mil nascidos vivos)
Ambos os sexos
Homens
44,30
37,90
31,50
25,10
18,50
Mulheres
33,90
29,60
25,30
21,00
16,60
Fonte: Fundação IBGE.
121
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996
GRÁFICO 3
em 1990, refletindo uma queda de 33,7%. No período seguinte, a taxa de fecundidade total atingirá a média de 2,04
filhos, o que representará um declínio de 23,3%. Entre
2000 e 2020, quando os níveis da fecundidade já se encontrarem em patamares bastante baixos, o declínio será
de apenas 11,3%.
No caso particular da esperança de vida ao nascer (Gráfico 3), observam-se ganhos de 3,86 e 3,74 anos, respectivamente, ao longo dos períodos 1980-1990 e 2010-2020.
Em termos relativos, estes ganhos representam acréscimos
de 6,3% e 5,2%.
A sobremortalidade masculina indica uma esperança de
vida ao nascer, para os homens, inferior em 5,73 anos quando comparada à das mulheres, em 1980 (58,95 para os
homens e 64,68 para as mulheres) e em 6,81 anos em 1990
(62,28 e 69,09, respectivamente). Entretanto, a partir deste
ano, a diferença passará a declinar, atingindo 5,73 anos em
2020 (72,82 para os homens e 78,31 para as mulheres).
A taxa de mortalidade infantil experimentará reduções
proporcionais mais expressivas (Gráfico 4). Somente no
período 1980-1990, estimou-se um declínio de 28,1%.
Entre 1990 e o ano 2000, a queda será de 21,1% e, nos
primeiros 20 anos do próximo século, de 55,0%.
Ademais, o diferencial da taxa de mortalidade infantil
entre homens e mulheres também declinará acentuadamente. Enquanto em 1980 este era da ordem de 14,6 por mil
nascidos vivos (76,3 para os homens e 61,7 para as mulheres), no ano 2000 será de 10,4 (44,3 para os homens e
33,9 para as mulheres) e, em 2020, de apenas 1,9 (18,5
para os homens e 16,6 para as mulheres).
Finalmente, é importante destacar as alterações processadas na estrutura etária da população brasileira nos 40
anos de horizonte da projeção (Tabelas 2 e 3).
Os resultados tornam evidente a necessidade de empenho por parte dos organismos nacionais de planejamento
no sentido de formularem políticas públicas voltadas para
atender às demandas específicas da população da “terceira
idade”, uma vez que a população experimentará um processo contínuo de envelhecimento de sua estrutura etária. Através do Gráfico 5, observa-se que a proporção de jovens de 0
a 14 anos diminuirá de 38,2% para 21,2%, entre 1980 e 2020.
Por sua vez, neste mesmo período, a população com 65 anos
e mais elevar-se-á de 4,0%, em 1980, para 9,0%, em 2020.
De acordo com esta projeção preliminar, em 1980 os idosos
correspondiam a 4,8 milhões de pessoas. Já em 2020, este
segmento englobará 17,9 milhões de pessoas.
Neste contexto, e em função da sobremortalidade masculina, a população feminina possuirá uma estrutura etária proporcionalmente mais velha que a masculina. Em
1980, enquanto 3,8% dos homens possuíam 65 anos e mais,
Esperança de Vida ao Nascer, por Sexo
Brasil – 1980-2020
80
Em anos
75
70
65
60
55
Períodos
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2015
2020
Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais.
GRÁFICO 4
Taxa de Mortalidade Infantil, por Sexo
Brasil – 1980-2020
Por mil
nascidos vivos
80
70
60
50
40
30
20
10
Períodos
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2015
2020
Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais.
GRÁFICO 5
Proporção de Crianças (0 a 14 Anos) e de Idosos (65 Anos e Mais)
Brasil – 1980-2020
40
0 a 14 anos
65 anos e mais
10
35
8
30
6
25
4
20
2
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2015
Períodos
Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais.
122
2020
METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO...
GRÁFICO 6
Pirâmide Estária Relativa
Brasil – 1980-2020
1980
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1990
2000
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
2020
2010
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Fonte: Fundação IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais.
as mulheres nesta faixa etária representavam 4,3% de sua
população. Ao final do período da projeção (2020), estas participações relativas terão evoluído para, respectivamente, 7,8% e 10,1%.
Por último, é importante destacar o caráter preliminar
desta projeção, que será atualizada com as informações sobre fecundidade e mortalidade oriundas do Censo Demográfico de 1991 e das PNADs de 1992 e 1993, bem como
será passível de correção a estrutura inicial por sexo e idade.
De qualquer forma, os resultados desta projeção são
bastante expressivos por revelarem que o Brasil encontra-se em uma nova etapa de sua transição demográfica,
caracterizada, por um lado, pela pressão exercida pelo
segmento adulto da população sobre o mercado de trabalho e, por outro, por um aumento de demandas nas áreas
de saúde e previdenciária por parte de um contingente
cada vez maior de idosos.
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CPS, London School of Hygiene and Tropical Medicine, 1981, mimeo.
FRIAS, L.A.M. e OLIVEIRA, J.C. Um modelo para estimar o nível e o padrão da
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IBGE/CELADE. Brasil, estimaciones y proyecciones de población 1950-2025.
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PRESTON, S.; COALE, A. J.; TRUSSELL, J. e WEINSTEIN, M. “Estimating the
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RELÉ, J.R. Fertility analysis through extension of stable population concepts.
Berkeley, University of California at Berkeley, 1967.
123

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