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UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP
REDE DE ENSINO LUIZ FLÁVIO GOMES
EFEITOS TRIBUTÁRIOS DA ANTECIPAÇÃO DO ICMS ÀS
EMPRESAS OPTANTES DO SIMPLES NACIONAL
Nome do Aluno: Eduardo Hirt
Orientadora: Brena Tamegao Lopes de Noronha
RESUMO
Artigo científico com fulcro nas normas da ABNT. Busca de forma clara e direta
alcançar um tópico conturbado do ICMS: os efeitos da antecipação às empresas
optantes do Simples Nacional. Objetiva de forma crítica elucidar a matéria à luz dos
princípios constitucionais. O trabalho inicia-se com um breve arrazoado do momento
da incidência do ICMS, alcançado o fato gerador e a hipótese de incidência desta
exação. É abarcada também a questão do sujeito passivo do ICMS para dar base à
discussão principal. Ainda de forma introdutória ao tema, o trabalho apresenta um
tópico específico sobre a antecipação do ICMS. O tema é apresentado logo após,
sendo finalizado o trabalho com análise da proteção constitucional às micro e
pequenas empresas.
Palavras-chave: ICMS, Antecipação, Simples Nacional, Constituição Federal.
ABSTRACT
Scientific paper with fulcrum on ABNT rules. Search in a clear and direct reach a
troubled topic of “ICMS” (Brazilian tax): the effects of anticipation of the “ICMS”
for companies opting for “Simples Nacional” (microenterprises tax).It aims to
critically elucidate the matter in the light of constitutional principles. The work begins
with a brief rationale of the time of ICMS, reached the triggering event and the
chance
of incidence
of
the exaction. It also embraced the
issue
of the VAT taxable base to give the main discussion. Even so the introductory theme,
the paper presents a specific topic on the anticipation of the “ICMS”. The theme is
presented soon after, the work being completed with analysis of constitutional
protection to micro and small enterprises.
Keywords: ICMS, Brazilian tax, Simples Nacional, Constitutional Protection.
2
INTRODUÇÃO
Este trabalho acadêmico tem grande relevância social, para o direito
como um todo, mormente para o direito tributário. Inicialmente pela sua
contemporaneidade, porquanto a legislação do Simples Nacional (Lei 123/2006) vem
sendo amplamente debatida no congresso, tendo sido alterada em 2007, 2008, 2009
e 2011.
Por sua vez, a legislação que trata da antecipação dos créditos do ICMS,
embora não seja deveras recente, também continua em grande destaque, seja por
conta da inversão da ordem de arrecadação, que gera grande polêmica, sejam pelas
incongruências que encontra com o Simples Nacional e a supressão do princípio da
não-cumulatividade.
Estudos com enfoques nas microempresas e empresas de pequeno porte
têm significativa importância em um país em desenvolvimento como o Brasil, que
depende sobremaneira das empresas para a criação de novos empregos e para a
ascensão da economia.
Pesquisas revelam os robustos resultados obtidos com a criação do
Simples, posteriormente do Simples Nacional, quando mais agora com o
Empreendedor Individual – EI, na arrecadação fazendária, diante da migração em
massa de empresas da informalidade para a formalidade. Fatos como estes
influenciam diretamente a economia porque desoneram a carga tributária e
possibilitam a criação de inúmeros novos postos de trabalho, fomentando o
consumo e geram investimentos.
Nessa esteira, o trabalho apresenta uma introdução sobre o tópico
destinado ao momento da incidência do ICMS, que possibilitará melhor
compreensão do tema ora discutido.
Mais adiante possibilita ao leitor noções gerais sobre o sujeito passivo do
ICMS, que culminará na discussão principal: efeitos da antecipação do ICMS no
Simples Nacional.
A crítica à política fiscal adotada também está amplamente presente
neste trabalho, mormente quanto aos princípios constitucionais de proteção às micro
e pequenas empresas. Para tanto foi dispensado um tópico exclusivo sobre violação
3
dos
princípios
constitucionais
de
proteção
e
tratamento
favorecido
às
microempresas e empresas de pequeno porte (artigos 179 e 170, da CF).
1.
ANTECIPAÇÃO DO ICMS ÀS EMPRESAS OPTANTES DO
SIMPLES NACIONAL
1.1.
O momento da incidência do ICMS
O Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadoria e
Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação – ICMS tem sua hipótese de incidência delimitada pelo artigo 155, II,
da Constituição Federal.
A Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, foi instituída para
regulamentar a matéria, a teor do artigo 146 da Carta Maior, e definiu taxativamente
em seu artigo 2º a incidência do mencionado tributo. Não obstante, as inúmeras
alterações da redação legal (vide Lei Complementar 92/97; 99/99; 102/00; 114/02;
116/03; 120/05; 122/06 e 138/10) o cerne manteve-se o mesmo, de forma que é o
texto básico para regulamentação do ICMS.
Por sua vez, para configuração do fato gerador – realização da hipótese
de incidência no mundo fenomênico – é deveras importante a análise do aspecto
temporal deste imposto, ou seja, o momento em que o legislador elegeu como
determinado para a tributação.
Para Geraldo Ataliba1 o aspecto temporal da hipótese de incidência é “a
propriedade que esta tem de designar o momento em que deve se reputar
consumado um fato imponível”. Ora, um critério temporal para identificar quando o
contribuinte passa a ser responsável por uma nova obrigação tributária.
Este critério temporal deve ser definido pelo legislador, e guardar
correlação com o tributo em si, assim sendo, com fulcro no artigo 12, I, da Lei
Complementar 87/96, pode-se verificar que “considera-se ocorrido o fato gerador do
imposto no momento da saída da mercadoria do estabelecimento de contribuinte”
(nosso grifo).
Nítido que o legislador fez a opção como instante predominante do
nascimento da obrigação tributária do ICMS a “saída” da mercadoria visando à
1
Hipótese de Incidência Tributária, Malheiros, São Paulo, 1993, p. 87.
4
transferência de propriedade, o que nos levaria a uma errônea ideia de que seria
irrelevante qualquer evento prévio ao acontecimento “saída”.
Certo que o evento “saída” estará vinculado ao aspecto espacial da
norma o que remete ao termo “estabelecimento” utilizado pelo legislador.
Ocorre que, na medida em que se destrinchar a matéria poder-se-á
verificar que a obrigação tributária de pagar o imposto poderá nascer muito antes da
saída da mercadoria do estabelecimento, mormente quanto da aplicação da
antecipação do ICMS ou da substituição tributária.
1.2.
Sujeito Passivo do ICMS
Uma vez mais, por força do disposto na Carta Magna, em seu artigo 146,
dispor sobre os contribuintes do ICMS – norma geral tributária – trata-se de matéria
reservada à lei complementar.
Sobre este tópico, especificamente, cita-se as palavras de Rubens
Gomes de Souza2, in litteris:
O tributo deve ser cobrado da pessoa que esteja em relação econômica com o ato,
fato ou negócio jurídico que dá origem à tributação; por outras palavras, o tributo
deve ser cobrado da pessoa que tira uma vantagem econômica do ato, fato ou
negócio tributado. Quando o tributo seja cobrado nestas condições, dá-se a sujeição
passiva direta que é a hipótese mais comum na prática.
Por sua vez, Amílcar de Araújo Falcão3 busca simplificar o sujeito passivo,
afirmando que é prescindível a menção expressa do devedor na norma, bastando:
Que o legislador fale em venda, compra, rendimento, propriedade móvel, para se
dizer que os contribuintes dos imposto, que sobre estas operações (na acepção
dada pelo legislador tributário) recaem, são o vendedor, o comprador que aufira
rendimentos, ou quem detenha a propriedade econômica do prédio ou terreno.
Ocorre que a sistemática do ICMS não foi, de longe, simplificada da
maneira intentada por Falcão, tendo sido por vezes alterados os mecanismos de
responsabilização do contribuinte (seja de fato ou de direito) em relação a este
imposto.
A Lei Complementar 87/96 dispõe em seu artigo 4º que “contribuinte é
qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume
que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadorias”.
2
3
Compêndio de Legislação Tributária, Resenha Tributária, São Paulo, 1975, edição pós-turma.
Introdução ao Direito tributário, Forense, Rio de Janeiro, 1976, pp. 96 e 97.
5
Neste mesmo norte, tem-se a aplicação da sujeição passiva indireta, de
modo que pode ser responsabilizado pela obrigação tributária referente ao ICMS
pessoa distinta daquela que deu causa à “saída” da mercadoria. Está-se diante de
uma nítida imposição, diga-se legal, com finalidade única de garantir a adimplência
da exação, nada mais, possibilitando ao fisco a cobrança de forma solidária do
contribuinte de fato e de direito.
José Eduardo Soares de Melo4 não vê com bons olhos esta sistemática,
como se segue:
É compreensível que acontecimentos supervenientes ao nascimento da obrigação
tributária podem impedir a liquidação do tributo pelo realizador do fato imponível
(contribuinte).
A transferência da responsabilidade sé deveria ocorrer em situações naturais, em
decorrência de exclusiva sucessão (morte, falência, insolvência ou transmissões
societárias).
Não vejo com nitidez a possibilidade jurídica de contemplar-se a figura do devedor
“solidário” como terceiro, porque, na verdade, sua qualificação é a de um obrigado
original (caso de condomínio), posto na situação de contribuinte.
Reputo estranha a exigência do tributo de terceiro, como é o caso das fontes
pagadoras, pois acabam impossibilitando, ou mesmo eliminando, qualquer tipo de
ação, participação ou ingerência do verdadeiro contribuinte na liquidação do tributo.
A limitação constitucional a esta ação certamente advém do princípio da
capacidade contributiva, que limita a responsabilidade da carga tributária àquele que
tenha ligação direta com o fato imponível.
1.3.
Antecipação do ICMS
Grande parte dos Estados brasileiros e o Distrito Federal visando a
defasa de sua economia local exigem dos contribuintes internos, no momento da
entrada da mercadoria, o pagamento antecipada do ICMS nas aquisições advindas
de outros locais da federação, logo, antes mesmo da ocorrência do fato gerador.
Esta sistemática foi introduzida na Constituição Federal através da
Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, em seu artigo 150, §7º,
possibilitando expressamente que:
§7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de
responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva
ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da
quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.
4
ICMS – Teoria e Prática. 10ª Ed. Dialética, São Paulo, p. 178.
6
Este tema foi enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal em 2007, por
intermédio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3426, momento em que a
Corte Suprema pacificou o entendimento favorável constitucionalidade do citado
parágrafo.
Segundo a legislação esta antecipação do ICMS pode englobar tão
somente a operação seguinte do comprador (dita antecipação sem o encerramento
da tributação), ou ainda todas as demais consecutivas até o consumidor final (dita
antecipação com o encerramento da tributação).
1.4.
Efeitos da Antecipação do ICMS no Simples Nacional
Tanto a Lei 9.317/96, quanto a Lei Complementar 123/06 incluíram em
seu texto legal, de forma a unificar a contribuição, o ICMS devido pelas
microempresas e empresas de pequeno porte.
Entretanto, a Lei Complementar 123/06 em seu artigo 13, §1º, trouxe uma
série de exceções para o recolhimento de tributos “mediante documento único de
arrecadação” (unificado), nos seguintes termos:
§1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes
impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em
relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas
jurídicas:
[...]
XIII - ICMS devido:
[...]
g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do
recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal:
1. com encerramento da tributação, observado o disposto no inciso IV do § 4º do
art. 18 desta Lei Complementar;
Nota-se que o Simples Nacional excluiu expressamente o ICMS a ser
recolhido nas operações interestaduais com mercadorias regidas pela antecipação
tributária, devendo ser sempre respeitada a legislação local. E, sabiamente,
condicionou a antecipação tributária com encerramento ao regramento do inciso IV
do § 4º do art. 18 desta Lei Complementar, criando uma separação na apuração
destas receitas de vendas de mercadorias com as do Simples.
Contudo, vale lembrar que no momento da criação do Simples Nacional,
leia-se o primeiro modelo legal em vigor, sequer havia qualquer possibilidade de
ajuste desta incoerência às microempresas e empresas de pequeno porte.
Simplesmente os valores auferidos subsequentemente nas vendas de mercadorias,
7
mesmo que destinadas ao consumidor final, eram tributados também pelo Simples
Nacional, ou seja, duas vezes.
Estava-se diante da mais nítida e clara bitributação porquanto o
contribuinte recolhia o imposto no momento da entrada da mercadoria no Estado de
domicílio (ICMS antecipado), assim como também pelo faturamento da venda
posterior (Simples Nacional). Ora, a Lei Complementar 128, ao determinar a alíquota
única incidente já levou em consideração o ICMS:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento
único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
[...]
VII - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação - ICMS;
Por sua vez, tem-se a latente violação ao princípio constitucional da nãocumulatividade tributária, previsto expressamente na Carta Constitucional de 1988
no artigo 155 §2º, I, e que parte do texto vale ser reproduzido: “compensando-se o
que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias [...] pelo
montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado”.
Carrazza5 lecionou sobre esta norma cogente com propriedade e coloca a
sua importância tendo em vista que o artigo 155, §2º, I, não é “mera sugestão, que o
legislador ou a Fazenda Pública poderão, ou não, acatar”, mas sim um princípio
constitucional em pleno vigor.
Na mesma toada, Paulo de Barros Carvalho6:
O primado da não-cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser
cumprida, assim por aqueles que dela se beneficiam, como pelos próprios agentes
da Administração Pública.
A falta de harmonia das normas infraconstitucionais com a Carta Magna
caminha para o esvaziamento de suas regras e princípios e leva ao constante
questionamento da real existência do Estado democrático de direito.
A violação ao princípio da não-cumulatividade tem uma implicação
negativa a toda economia visto que seus efeitos serão suportados por toda cadeia,
5
6
CARRAZZA, Roque Antônio, in, ICMS. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 87.
CARVALHO, Paulo de Barros, “A Regra-Matriz do ICM”, inédita, 1981.
8
especialmente pelo consumidor final. Daí sua relevância e o porquê da previsão
constitucional.
Somente em 2008, ou seja, mais de dois anos depois, é que o Poder
Legislativo resolveu rever esta situação e editou a Lei Complementar 128/2008, de
19 de dezembro de 2008, trazendo novos critérios para minimizar os efeitos do
recolhimento antecipado do ICMS às empresas regidas pelo regime simplificado.
Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa e empresa de pequeno
porte comercial, optante pelo Simples Nacional, será determinado mediante
aplicação da tabela do Anexo I desta Lei Complementar.
[...]
§ 4º O contribuinte deverá considerar, destacadamente, para fim de pagamento:
[...]
IV - as receitas decorrentes da venda de mercadorias sujeitas a substituição
tributária e tributação concentrada em uma única etapa (monofásica), bem como,
em relação ao ICMS, antecipação tributária com encerramento de tributação;
Certamente que com esta modificação houve uma evolução em relação à
sobrecarga do contribuinte de modo que a Lei Complementar em comento passou a
prever expressamente que a receita proveniente das vendas posteriores deverá ser
destacada, para fins de pagamento mensal, visando à dedução do ICMS, o que
implicou ao menos em encerramento da aberta bitributação havida até então.
Ao menos, porque criaram-se novas exigências que continuam a onerar
demasiadamente aqueles que precisam de um verdadeiro regime simplificado, seja
pela diferença da alíquota, seja pelo excesso de obrigações assessórias. A bem da
verdade, os optantes pelo Simples Nacional não estão inseridos em um contexto
simplificado (agora especialmente em relação às obrigações acessórias), da forma
que deveria ser, muito pelo contrário, estão obrigados a aderir a uma forma híbrida
da tributação que revela-se excessiva à contabilidade e, ainda, contraditória.
Por sua vez, no regime de antecipação, concernente às operações sem
encerramento de tributação, a Lei Complementar apresentou a seguinte novidade,
seu artigo 13, §1º, XIII, “g”, in verbis:
9
XIII - ICMS devido:
[...]
g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do
recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal:
[...]
2. sem encerramento da tributação, hipótese em que será cobrada a diferença entre
a alíquota interna e a interestadual, sendo vedada a agregação de qualquer valor;
Para elucidar adequadamente esta hipótese, transcreve-se:
Destaca-se ainda que a diferença entre a alíquota interna e a interestadual será
calculada tomando-se por base as alíquotas aplicáveis às pessoas jurídicas não
optantes pelo Simples Nacional. Ou seja o adquirente (ME ou EPP), para cálculo do
imposto antecipado, deverá sempre considerar a alíquota interestadual aplicável à
operação, mesmo que o remetente (fornecedor) seja optante pelo Simples Nacional
e não tenha destacado o imposto correspondente a essa alíquota no documento
7
fiscal .
Neste norte, tendo como base uma empresa do Simples Nacional que
realizou uma venda interestadual, onde o contribuinte comprador, também optante
do Simples Nacional, está sediado em um estado com alíquota interna de 18%
(dezoito por cento), e levando em consideração a alíquota interestadual de 12%,
tem-se que o comprador deverá incidir 6% (seis por cento) sobre a base de cálculo
do ICMS para fins de apurar o valor da antecipação, não obstante o primeiro
recolhimento não tenha suportado a carga de 18%, mas sim aquela prevista na
tabela do regime simplificado.
Esta mostra-se outra grande incoerência da norma, porquanto a
nomenclatura utilizada “diferencial de alíquota” não se presta a apurar o que se
propõe. Ora, muitas vezes na negociação interestadual entre duas empresas
optantes pelo Simples Nacional sequer vai haver diferença às alíquotas, haja vista
que recolheram o tributo pelo mesmo regime, entretanto, o legislador mais uma vez
buscou uma forma de garantir a receita em detrimento dos contribuintes.
E mais, a Constituição Federal foi taxativa ao prever a possibilidade de
exigência do diferencial de alíquota nas circulações de mercadorias entre Estados e
o Distrito Federal no artigo 155, §2º, VII, “a” e VIII. Assim sendo, qualquer hipótese
que não estas, padece de latente inconstitucionalidade e torna a exigência um novo
tributo às avessas.
7
ONO, Juliana M. O.; GEOVANINI, Daniela; OLIVEIRA, Fábio Rodrigues. Manual Prático do Simples
Nacional – “Super Simples”. 3ª Ed., FISCOSOFT Editora: São Paulo, 2010, p.115.
10
A conhecida lição de Paulo de Barros Carvalho8, pautado nas palavras de
Alfredo Augusto Becker, assevera que a apuração da base de cálculo (critério
quantitativo) da hipótese de incidência do tributo permite identificar o verdadeiro
critério material (fato gerador) da exação. Ou seja, possibilita a real identificação da
natureza da obrigação imposta.
No caso trazido à baila, a nomenclatura aplicada “antecipação de
pagamento”, deixa claro que existirá a concomitância dos pagamentos do ICMS na
forma do Simples Nacional e do ICMS na forma da diferença entre as alíquotas
interna e a interestadual. Nota-se, portanto, que a chamada “antecipação” tem uma
função apenas de maquilar a exigência de uma nova exação não autorizada pela
Carta Magna.
Esta tese foi levada ao Supremo Tribunal Federal em 2010 pela
Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, através da Ação Direta de
Inconstitucionalidade - ADI nº 4.384, sob relatoria do então ministro Eros Grau, hoje
ministro Luiz Fux, enfatizando a oposição constitucional à cobrança do diferencial de
alíquota das empresas inscritas no Simples Nacional.
Diante da indiscutível relevância da matéria, o ministro Eros Grau, em
despacho em março de 2010, aplicou “o preceito veiculado pelo artigo 12 da Lei n.
9.868, de 10 de novembro de 1.999, a fim de que a decisão venha a ser tomada em
caráter definitivo e não nesta fase de análise cautelar”. A ADI ainda está pendente
de julgamento.
Salta aos olhos, então, a violação conjunta ao princípio da legalidade
tributária, que se impõe de forma expressa ao direto tributário (artigos 150, I e 5º, II,
da CF).”ao exigir a edição de lei para a criação de tributo e impor a invalidade como
sanção para o não-atendimento dessa exigência, a legalidade mostra-se como
regra9” e princípio.
Por derradeiro, faz-se mister arrazoar acerca dos efeitos da antecipação
nos caixas das microempresas e empresas de pequeno porte.
Antecipar quer dizer pagar antes do momento adequado, ou mesmo antes
do “vencimento”; para o ICMS é pagar antes da ocorrência do fato gerador. Não é de
difícil percepção o quanto isto onera o caixa dos contribuintes que, por mero
8
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 341 e 342
ÁVILA, Humberto Bergmann. Legalidade Tributária Multidimensional., em Princípios e Limites da
Tributação, coord. Roberto Ferraz, Quartier Latin: São Paulo, 2005.
9
11
capricho do Governo, com finalidade arrecadatória, impõe aos contribuintes um
chamado “empréstimo compulsório”.
As microempresas e empresas de pequeno porte têm o caixa limitado,
vendem em um dia para pagar as contas no outro, não podendo se dar ao luxo de
antecipar nada; quando mais ao Governo que as deveria proteger.
Dentro de um cenário nacional voraz e aterrador, onde as mega
empresas atuam de forma indiscriminada para derrubar a concorrência, a única
saída para as microempresas seria se apoiar na lei, a qual deveria garantir a sua
sobrevivência. Sobrevivência esta que mantém o equilíbrio social, garantido
empregos, renda, acesso a informações, bens de serviço etc.
Assim, explica o renomado doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira
Filho10:
Numa era de gigantismo empresarial, a sobrevivência das empresas de pequeno
porte é extremamente difícil. São elas, porém, um elemento de equilíbrio e,
consequentemente, merecem um tratamento especial.
Para tanto, far-se-ia necessário o real tratamento diferenciado entre as
empresas de micro e pequeno porte, cumprindo-se os ditames constitucionais do
artigo 179, e assegurando a aplicação efetiva do princípio constitucional da
isonomia.
1.5.
Violação dos princípios constitucionais de proteção e tratamento
favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte
A adoção de uma sistemática de tributação simplificada (tanto o
Supersimples - 9.317/96, quanto o Simples Nacional – Lei 123/2006) foram criadas
com intenção primordial de fazer valer os princípios constitucionais de proteção e
tratamento favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte.
O artigo 1º da Lei 9.317/96 fazia ligação direta ao artigo 179,
demonstrando que a norma infralegal não era uma benesse do legislativo, mas sim
uma tentativa de cumprir o princípio constitucional:
Art. 1º Esta Lei regula, em conformidade com o disposto no art. 179 da
Constituição, o tratamento diferenciado, simplificado e favorecido, aplicável às
10
Curso de Direito Constitucional, 30ª Ed., Editora Saraiva, p. 358
12
microempresas e as empresas de pequeno porte, relativo aos impostos e às
contribuições que menciona.
Então, veja-se o que dispõe o texto constitucional, em seu artigo 179, in
verbis:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às
microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento
jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações
administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou
redução destas por meio de lei.
Neste mesmo norte dispõe o artigo 170, da Carta Magna:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Nosso
grifo).
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei.
Ora, é justamente isto que se busca, uma ordem econômica que
realmente esteja fundada na valorização da livre iniciativa e da garantia de uma
existência digna a todos, com o fim de reduzir a desigualdade. Embora não seja
tarefa fácil assegurar a todos uma existência digna, inclusive às microempresas,
este objetivo não pode ser esquecido.
Humberto Ávila11 leciona acerca do tratamento diferenciado, in verbis:
A diferenciação em razão do porte da empresa visa anteder dois objetivos. Em
primeiro lugar, implementar a justiça tributária por meio da consideração da
capacidade contributiva, presumidamente menor quando se trata de microempresas
e de empresas de pequeno porte. Por isso que a lei complementar deverá dispensar
a elas um tratamento diferenciado “e favorecido”. Em segundo lugar, implementar
finalidades extrafiscais de desenvolvimento de setores e atividades não devidamente
desenvolvidas
por
meio
do
estímulo
ao
crescimento
das
atividades
de
microempresas e de empresas de pequeno porte.
As proteções constitucionais das micro e pequenas empresas estão
justamente apontando para este fim, de garantir uma existência digna a todos e um
11
Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p.140.
13
crescimento nacional ordenado. Não se trata de esmola, muito pelo contrário, tratase de uma estratégia adotada pela Carta Maior para impulsionar este país e forçar a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a recordarem diuturnamente
de suas obrigações perante as microempresas.
Nota-se que todo este amparo dispensado às microempresas tem uma
função ainda com maior extensão do que apenas garantir o fiel cumprimento dos
princípios da ordem econômica, são comandos dedicados a abraçar todos os
valores constitucionais.
Assim, nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, quando tece
comentários sobre a violação de princípios:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a
todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a ser arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra12.
Tratam-se de normas positivas constitucionais, dedicadas a regulamentar
toda a estrutura do país, acima do regramento ordinário, que acaba por se confundir
com os próprios interesses do Estado ou da soberania popular. Negar a aplicação
de um princípio constitucional ao caso em apreço é apagar a história de luta da
Constituição, é negar todo o sistema.
Ocorre que as várias exceções aplicadas ao Simples Nacional, em
especial aquelas relativas ao ICMS, como também a incoerência do contribuinte ter
que conviver com um sistema híbrido de tributação, acarreta a supressão, ou ao
menos a minimização, destas garantias pétreas.
E mais, assim como em qualquer Estado democrático de direito, as
normas basilares tem função mais ampla do que simplesmente a proteção individual,
elas objetivam a prevalência do Estado, ou seja, da soberania popular. A vista disto,
pode-se dizer que a antecipação do ICMS afronta diretamente o interesse do Estado
brasileiro, e não apenas dos constituintes de 1988, que viviam no afã de proteger as
micro e pequenas empresa e repudiam a comutatividade tributária.
Fica no ar, ainda, que o sistema único de tributação destinado às micro e
pequenas empresas foi criado, além de tardiamente, como uma obrigação e de
12
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 1ª ed., p. 230
14
qualquer jeito, apenas para existir e não para solucionar efetivamente os problemas
e cumprir seu papel constitucional.
Corrobora este ponto de vista as acertadas palavras de MELCHOR 13, ao
referir à substituição tributária das empresas do Simples Nacional, contudo, que se
amolda plenamente ao contexto da antecipação do ICMS:
Na prática temos observado que tais institutos têm elevado significativamente a
tributação das microempresas e das empresas de pequeno porte tributadas pela
sistemática do Simples Nacional, em total descompasso com o espírito da Lei Geral
das MPEs (Micro e Pequenas Empresas) e dos princípios tributários, econômicos e
sociais que tutelam as pequenas empresas.
Por conta disso, o que mais impressiona é que quanto menor for o porte da
empresa, isto é, quanto menor for a receita bruta anual acumulada da empresa,
maior será a sua tributação; com efeito evidentemente regressivo, em total
descompasso com nossa Constituição Federal, conforme buscaremos demonstrar.
Reflexo semelhante ocorria em relação ao parcelamento de débitos
oriundos do recolhimento único do Simples Nacional, ao passo que era vedado pela
Receita Federal do Brasil e, conjuntamente, por maioria esmagadora da
jurisprudência nacional, entretanto, expressamente previsto para empresas não
optantes ex vi Parcelamento Ordinário Federal - Lei 10.522/2002.
Levaram-se anos à correção desta incoerência jurídica que flagelava as
micro e pequenas empresas, na contramão dos princípios em comento, até a
promulgação da Lei Complementar 139/2011, que vigora apenas a partir 02 de
janeiro de 2012.
Os empresários brasileiros, em especial os microempresários, são na
verdade grandes heróis ao ter que conviver com cargas tributárias altíssimas,
somada a uma legislação fiscal descompassada e, ainda, normas trabalhistas cada
vez mais protecionistas.
2.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O regramento da antecipação do ICMS às empresas optantes do Simples
mostra-se, em vista de todo arrazoado, frágil quando confrontado com princípios
nacionais elencados na Carta Magna, ao passo que a sua constitucionalidade resta
deveras questionável.
13
MELCHOR, Paulo, Substituição Tributária das Empresas no Simples Nacional – ICMS e ISS
inconstitucionalidades. Disponível em : http://www.apet.org.br/artigos/ver.asp?art_id=557. Acesso em: 12 de
dezembro de 2011.
15
Desse modo, embora seja dever dos Poderes Administrativo e Legislativo
promover a defesa das micro e pequenas empresas, muitas vezes restará a estas a
defesa de seus interesses somente perante o Poder Judiciário.
Ocorre que grande parte destas matérias afetas às empresas optantes
pelo Simples Nacional tem contorno constitucional que para sua resolução definitiva
dependerá de acesso ao Supremo Tribunal Federal.
Trata-se, destarte, de mais uma barreira às micro e pequenas empresas
que na grande maioria dos casos dependerão das associações para representá-los,
como no caso Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, pois ao revés estarão
fadas a acatar as intransigências legislativas por impossibilidade de acesso à corte
suprema.
Por todo o exposto, afirma-se que as regras da antecipação do ICMS às
empresas optantes do Simples Nacional prescindem de urgente reformulação, haja
vista que tendem a abafar os benefícios criados pelo sistema simplificado, quando
não a onerar ainda mais estas empresas e relação àquelas optantes por outros
regimes de tributação.
16
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997.
ÁVILA. HUMBERTO. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.
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e Limites da Tributação, coord. Roberto Ferraz, Quartier Latin: São Paulo, 2005.
CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995.
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__________. Curso de direito tributário. 18ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
FABRETTI, Láudio Camargo. Prática Tributária da Micro, Pequena e Média Empresa
– Legislações Tributárias e Empresarial Simples Federal, Paulista e Municipal Lei de
Falências e Concordatas. 6ª Ed., São Paulo: Atlas, 2006.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 30ª Ed.,
Editora Saraiva.
MACHADO, Hugo de Brito Machado. Aspectos Fundamentais do ICMS. 1ª Ed. São
Paulo: Dialética, 1997.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Princípio da Não-cumulatividade para Bens do
Ativo Permanente em face da Lei Complementar 102/2000. O ICMS e a LC 102. São
Paulo: Dialética, 2000.
MELCHOR, Paulo, Substituição Tributária das Empresas no Simples Nacional –
ICMS
e
ISS
inconstitucionalidades.
Disponível
em
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http://www.apet.org.br/artigos/ver.asp?art_id=557. Acesso em: 12 de dezembro de
2011.
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS – Teoria e Prática. 10ª Ed. São Paulo:
Dialética, 2008.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 1ª Ed. São
Paulo: RTs, 1981.
ONO, Juliana M. O.; GEOVANINI, Daniela; OLIVEIRA, Fábio Rodrigues. Manual
Prático do Simples Nacional – “Super Simples”. 3ª Ed. São Paulo: FISCOSOFT
Editora, 2010.
17
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que isento
completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede de Ensino Luiz Flávio
Gomes e o professor orientador de toda e qualquer responsabilidade pelo conteúdo
e ideias expressas no presente Trabalho de Conclusão de Curso.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso
de plágio comprovado.
Blumenau, 15 de dezembro de 2011.

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