a pisco, (erithacus rubecula), numa festa popular de
Transcrição
a pisco, (erithacus rubecula), numa festa popular de
O PISCO. E R I I ' H A C U S RUBECULA, NUMA FESTA POPULAR DE EXUBERANTE SII1fBS)I~ISMO (*) J . R. dos FANTOS JUNIOR Nueleo de Estudos Ornitologicos Faculdade de C~encias, lhiversidad da Porto O pisco é tima avezita da ordem dos Passeriformes, familia Turdidne e espécie Eril/znctrs rwbectbln L. E conhecido em Eipanha pelo nome vulgar de Pelirrojo e em Portugal pelos nomes de Pisco, este o mais corrente, Pisco da peito ri4iv0, Pisco de p i t o vcrmelho (Mindelo), Porco pisco e Porco bispo. Estas últimas designaqóes correntei em Trás-osMontes. A última ouvi-a na freguesia de hleirinhos, do concelho de Mogadouro, qnando me contaram a festa da vtntnnp do porro bispo, que a gente de Meirinhos costnmava fazer todoi os anos na quadra do Natal. No inverno ali se veem porros bispos 5 roda das casas, fraquitos. erfomeados, e, no dizer do povo, «secos como as palhas)). Conta-se na terra que, certo dia, um cacador foi 5 caca e comeu a merenda niima fraga, onde ficaram caídas umas migalhinhar de páo. Veio iim porro bispo, poiisoii na fraga e pos-se a comer as migalhas. No fim, com o papo cheio, sentindo-se reconfortado e valente, deitou-se de costas na fraga com as pernitas esticadas para o ar, e comqon a gritar: - Meii Senhor Jesus Cristo Deitai o céu abaixo. Qite en pego nele com as minhas pernas. ( Cma coiitrihui~30p a n o volume de A n u v o ~ .de ~ Homnpem no Dr. J. A. Valverde. A melra, quando tal ouviu, aflita, com medo que o céu desa>asse, imediatamente rogou em contradita: - Meu Deus náo fayas isso, Que 6 porco birpo, E náo tem pernas p'ra isso. Ao que o porco bispo, arrenegado, ripostou: - Melra cachelra, Pica na merda, Quem te mandou a ti responder? Vejamos como era organizada a festa da mata* do porco dispo, rodeada de exuberante e aparatoso simbolismo. No dia de Natal, logo de manha, fazia-se a montaria ao porco bispo. Os cqadores da terra, de espingardas em bandoleira, reuniam-se n a praqa. Iam dali para as eiras seguidos por um carro de bois puxado pelos rapazes. A frente, presa 5 cavilha do cabewlho, uma corda comprida, a lúrio do carro, j. qual puxavam 20 ou 30 homens em ringoleira (1). Os caqadores dispersavam-se pelos campos e lameiros 1i roda cata i do passarinho. dos palheiros, ? O primeiro porco bispo visto a saltitar ou a esvoayar de silvinha para silvinha era visado pelo cawdor mais próximo e morto pela chumbada. Todos os outros caqadores em grande gritaria, como se se tratasse de montaria ao porco bravo ou javali, desfechavam as suas armas em grande tiroteio. Logo em toda a aldeia se comentava: - Já mataram o porco bispo. Morto o passarhho transportavam-no até as eiras com alarido como se carregassem um porco de muitas arrobas. (1) Ringolriro significa em fila, cm linlia indiana. O I'ISCO NUMA WSTA POPULAR 1166 Colocavam-no em cima do carro no meio de duas grandes "fachas de palhas, como que para amparar a minúscula ave, que mal se via no meio de sobrado do carro. Homens e rapazes puxando e empurrando o carro, seguiam rua abaixo, chiando desabaladamente como faz o carro quando vai muito carregado. Para que, por sua vez, este também chiasse um pouco, fizesse .mgido (2), apectavam-lhe as estreitoiras. E tudo aquilo se dirigia em grande aiiimac50 para a Prafa, frente B igreja. no meio da aldeia. Com as fachas de palha que tinliam viiido no carro a calqar o passarinho. acendinm enorme fogoeira para chamuscar o $orco bisgo. Depois vinham homens com cintaros de água para a Iavagem. que era simulada como se se tratasse de nm anafado suino de muitas arrobas. Feito isto o porco bispo estava pronto para ser esquartejado. Cahia agora a vez a tim dos circtinítantes que, de mental hranco, frente a 11m grande cepo. onde havia espetadas facas, grandes e peqaenas, uma machada e um grande cutelo, iria partir n ave em pedacinhos minúsciilo~e fazer a distribui<áo pela gente grada da terra. Tomando ares de magarefe entendido em seu oficio. empunhando ora a machada ora o cutelo, brandidos de alto, cravava-os -no cepo, e, afadigado na repartifáo de tanta carne, gritava: - Aí váo sete arrobas do bico, Para o Senhor Padre Francisco. Numa grande canastra com alva toalha de linho enfeitada de .rendas. um homem. fingindo-se derreado, como se transportasse As costas muitas arrobas, levava iim pedacinho do bico a casa do P.Trancisco. Dois rapazes, com capacetes de papel e armados de espingarda, acompanhavam a canastra como sentinelas vigilantes. No regresso a canastra trazia fumeiro, páo trigo. vinho. noees, amendoas, figos secos, etc. Em regra todos primavam em hem (2) Rrqido, eorrupSo de ruido. sortir a canastra, mandando coisas que pudessem servir para a. jantarada, em que, no fim da festa, toda a gente comia e bebia. Nova cutilada, despedida com f o r g e as máos ambas, enterrava fundo o cutelo no cepo. A algazarra suspendia-se por uns instantes e o magarefe gritava : - Ai va0 vinte arrobas da.cachola (3). Para o Sr. José Maria Roca. E outro homem de canastra i s costas, levava o pequenino estómago do pomo bispo embriilhado em alva toalha de linho, cujas franjas rendadas caiam por fora das abas do grande cesto. E o Sr. Roca metia na canastra um páo (4), uma o11 duas: alheiras, chour@s, uma cabaca de vinho, nores, etc. E a distribuiqáo prossegnia. - Ai váo quatro arrobas de costelas e o rabo Para o - Ai V ~ Para a - Aí váo Para a - Aí váo Para o - Ai váo Para o Senhor Serafim Salgado. O sete arrobas de peitaca Senhora Maria José da Praca. catorze arrobas da perna Senhora Maria José Governa. der arrobas da barriga Sr. José Joaquim Bernardes X7aci;i. seis arrobas da pá de dentro Sr. António Augusto Nascimento. De cada ver um homem partia ajoujado por enorme canastra, que i ida transportava dois ou tr& gramas de carne do passarinho, mas no regresso trazis coisas varias para serem comidas na jantarada. Era quasi certo vir em cada canastra urna cabav de vinho, e havia-as que levavam um cintaro (5). (3) Cochoh o11 moela. (4) [?m páo. ou sirnea. 6 grande. pesando mais ou menos doir quilos. a. que os espanhois, fronteiri$o. de Tris-os-Montes, chamam jogap. (5) 1)lm cantar0 equivale a meto almude. Como 4 sah:do. o almude náo tem o mesmo nbmero de litros em todas os concelhos e o mesmo sucede com o. a!ipeire. O almude no concelho de hlogñdowo. a que pertence Meirinhos, Deste modo conseguiam boas alheiras, lingui~as, salsichoEs, -muito pao de trigo e de centeio, nozes, amendoas, figos, maGas .e vinho em abundancia. Mas a {estanca ainda náo estava acabada. O que ficou descrito era da parte de manha. Da parte de tarde fazia-se o tribunal, no qual haviam de ser 'jnlgadas todas as pessoas de fora da terra que passavam em Meirinhos naquele dia. Soldados, com capacetes de papel e correame também de papel, vigiavam atentamente os caminhos de entrada na povoaqáo. Ahstenho-me de descrever as cenas mais o11 menos movimentadas em qne os de fora da terra eram presos e levados ao trihnnal armado na P r a ~ a . Em cima da mesa do juiz alguns livros. papel, um grande tinteiro feito da parte bojuda de uma cabaqa cortada pelo colo. As canetas para escrever eram primas (011 seja penas) da cauda de abertarda (6). Ao lado da mesa um carro de bois com urn grande cortiqo das harrelas siispenso de tima eorda amarrada as in'.prelns (7). Servia de badalo do c o r t i ~ ouma maca das de maGar o linlio. Abria-se a audiencia dando umas tantas badaladas de som cavo e sotnrno. Encostada roda do carro e presa i ingorcia uma escada das mais altas que houvesse na aldeia. Pendente do Último degrau um 'laqo de corda. Era a forca, onde se simulava supliciar aqueles presos que se recusassem a ctimprir a sentenqa ditada pelo tribunal. Aberta a audiencia e no meio do silencio que todos guardavam. tem 32 litros. Xo viziiiho conce!I~o de Moncorvo. já o almude 6 de ?3 litros. -como sucede ni1 maioria dos concelhos do !mis. A quarta parte de nm almude. ou meio cintaro. chamani vojiieia ou rrmeia, a qual lem. em Mogadouro. a capacidad? de R litros. (O) Abrtarda 4. o nomc com que na regia0 dcsignm a zrande ave dc rapina d a familia b'iiliiiridne. o Q p s f u h w Gray. que noutras regioes C canliecido pelos nomcs de grifo. nbutre loiro. ave, ave carniceira e hrita ossos. (7) As iwnardas ou ci~~orelas. s i 0 urna es!Gcic de canrelas dos carros <le bois. formadas cada um:i rle1.w por dois esladulhos ou fueiros. que cntram em bois hnracos das varas que marginam o sobrado. Os estadulhos, os banaos, e S t h ligndos por quarro Ii.az~cr.ws. refnrqadas po: nutras d m s paralelas aor banzor r postns oo nlrn. ch:im;l<las trorirsscirl>o, para náo perder pitada do discurso acusatório, o preso era identificado noma inquiri@o rápida e depois acusado. A acusa$o incidia sempre por atribuir ao delinquente um crime estapafúrdio, o que provocava gargalhada geral na asBstencia. Um exemplo só para náo me alongar. Nesse dia os ricacos de Lagoaqa costumavam passar para S. Pedro, e para além do rio, onde iam fazer a colheita da azeitona e a feitoria do azeite nos seus casais, quer da Quinta de S. Pedro, em termo de Meirinhos, quer do Cerejais, Sendim da Ribeira e Ferradosa, no vizinhot concelho de Alfindega da Fé, além-Sabor. A entrada do povo eram presos pelos soldados. O preso era levado j. Praqa onde estava a m a d o o tribunal. O jiiiz de cartola, vestido com tima saia preta a fingir de toga, estava sentado numa grande cadeira de assento de sola e costas altas. O preso, homem rico e grande proprietário era acusado de t e r roubado os sinos na catedral do Medal. A condenaqáo tem graqa sabiendo-se que no Medal, lugar do termo de Meirinhos. Iiá urna pequenina capela que nem sequer tem. sineta. E assim aquele preso de categoría, proprietário rico, era condenado a pagar quinze totoes ou dois mil reis, quantia importante naquele tempo, quando urna libra valia quatro mil e quinhentos reis. Registe-se que a festa de matan- do porro ¿&Po há 60 para 70 anos deixou de se fazer em Meirinhos. Mas nao eram só os ricacos que eram presos. Prendiam também um ou outro dos jornaleiros ou criados q u e os proprietários levavam consigo. Quando om destes trabalhadorrs aparecia para ser julgado a audiencia era agitada. O desgraqado praguejava, levava-se dos diábos quando lhe. diziam ter rouhado nns pimentos o11 um pepino em determinada horta do povo. De pouco lhe valiam negativas e imprecaqoes. - Náo quer pagar os dois tostoes Pois entáo que vá A forca! 0x1 doze vintens da multa? Arrastavam-no até h escada, dirigindo-llie chufas de toda a ordem. O PISCO NUMA FESTA POPGLAH 1169. Quase sempre aquilo era remédio seguro. O pobre do jornaleiro, espoliado do dinheirinlio correspondente a nm dia de trabalho, pagava B má cara, só para se ver lirre daqueles diabos. Alguns presos, mais tímidos, chegavam a assustar-se a valer, tremiam medrosos e pagavam logo. Porém no fim de contas, cada um pagava se queria. O dinlieiro das multas era para as despesas da f e s t a n ~ .com qne nesse dia, em jantarada animada, toda a gente do poyo comia e bebia a fartar. .9festa do parco bispo tamhém se fazia em Valverde, freguesia confinante pelo norte com Meirinhos e, como esta também pertencente ao concelho de Mogadouro. Realizava-sc porém no dia 20 de Dezembro, dia de Santo Est2váo. T,ogo pela manhá cedo os cacadores reuniam-se um grande niimero para farerem a montaria ao ?orco bispo. Nas suas linlias gerais a festa tinha a mesma feic-ao e as mesmas fases da de Meirinhos, aparte tima on oiitra particiilaridade. Assim, por exemplo, na festa de Valverde intervinha sempre a diabo, o11 careta, mascarado que, com fardeta especial e a cara coherta com feia e corniidn máscara de pau. costumava sair n a quadra do Natal em peditório para o Menino Jesus (81. Para fazer pela gente grada da terra a distribiiiqáo em arrohas (!) das escassas 20 gramas da carne do passarinho faziam cima enorme Manca cujos pratos eram cariicos dos carros de hois. A carne era distribnida por homens vestidos de innlheres. con1 pnnnis, o11 seja. com aventais brancos. Para receber o vinho iam mais dois homeiis com lima padiola que levava em cima iim boto, feito de pele de cahra. Do mesmo modo que siicedia em Meirinhos tam1)éiii ein V d (R) Sobre este assunto publiquri na revista i v e k a dn 1.adra.. T.ishna. 1%W. prqucno ñrtigo que intitulei O rarrto de Valrwdc. Depois ñpresentci um:r comunica@o ro Congresso dar CiEncias da Popiiloczío (Porla. 1!?40) que intitulei O rorrto de Vah'erdr E o rhorolheiro de 1'01 de Porrn e rir suas m6sroror de #o!!. ns qual fia o estudo comparado destes doir arcaicos marcarados de. Tris-os-3fontcs. c ilm svar mirearar r!e p i i . itm verde, no dia da festa do porco bispo, prendiam todas as pessoas de fora da tema que ali passassem. O tribunal era armado no adro da igreja. Sobre uma grande mesa, tal como em Meirinhos, livros, papel, o grande tinteiro de cabaqa e cima grande pruma de abetarda. O juiz, delegado e escrivais constituiam o tribunal e julgavam os presos, condenando cada um deles na respectiva multa. Há cerca de 130 anos que em Valverde também deixou de se fazer a festa do porco bispo. Por tudo o que acabamos de ver é licito admitir que o passarinho, ali chamado porco bispo e noutras terras trasmontanas porco pisco, representaria simbolicamente iim porco, devendo, na feicao primitiva e remota deste curioso costume, ter sido o porco bravo ou javali, outrora abundante em Trás-os-Montes, o animal cacado em montaria, e a sua carne comida em jantarada festiva e colectiva. A matanca do porco bispo era festa notável que se relacionava com a Iiturgia mitica da sohsticio a o inverno. Problema que será interessante esclarecer, é o de apurar a razáo pela qual o pisco foi a ave escolhida para representar simholicamente o porco, e dai o nome vulgar de porco pisco. Mas porqué o nome de porco bispo? Outro problema que fica em suspenso. La jierta del "porro-bispo": <'no curiosa facero del folklore tusitano con tema onritold~o. Relati aqui al autor un antiguo y curioso festeja popular que hasta no hace mucha^ Eécadas aitn se celebraba cn un par de aldeas, Meirinhos y Valverde. ambas del concejo de Mogadouro, en Trás-os-Montes, al Nos-Este de Portugal y no lejos de a¡ frontera con España. El festejo se describe con toda clase de detalles y entraña ante todo un interér etnográfico o lolklórico. Pero se da la circunstancia de que el objeto esencial del festejo es el pequeño pajarilla que en espafiol llamamos petirrojo (Enthucus rubc'rula) y que en muchas regiones de Portugal designan con el nombre de apiscor. O PISCO NUYA FESTA POPULAR 1171 En la comarca de referencia de Tras-os-Montes el petirrojo se conoce con el nombre de porro bkpo. literalmente ipuerco (jabali) obispo*, aunque en d caso presumiblc de que .bispos sea una ctimologh popu'ar de .pisco., podría también significar sjabali petirrojo.. El acentuado simbolismo del festejo es evidente. Determinado día de diciembre los vccinos organizan una aparatosa caceria para matar un petirrojo. avecilla que viene a sustituir a un verdadero jabali. animal ya extinguido o difícil de conseguir. Todo transcurre como si el petirrojo fuera la voluminosa pieza de caza mayor: la organización dc la batida, el transporte y la preparación del cuerpo para un imaginario banquete de cochino. En la comitiva de caza los hombres salen provistos de escopetas y llcvan un carro, tirado por los moros. cargado de haces de paja, sobre la cual depositan y transportan el diminuto cuerpo del inlclh eporco obispo.. Durante el regreso al pueblo Los hombres imitan con cliillidos el gemido de las ruedas de la carreta para dar mayor sensación de carga, Una ver en la p!aza, el petirrojo es chamuscado, desplumado y descuartizado. Luego. uno de los hombres verilic~ el reparto o asi~nación de las minúsculas tajadas. Cada trocito de petirrojo es metido en grandes cestos que se envian como regalos a los pudientes del lugar. Los cestos vuelven colmados de comida y vino, y todo se consume en un ambiente de incesante chanza y general jolgorio. La fiesta continúa por la tarde con la actuación de un tribunal popular que acusa, juzga y condena a cualquier íorastcro que en este día visite o pase por la población.