CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA NA LEI 12.403/11 RICARDO
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CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA NA LEI 12.403/11 RICARDO
CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA NA LEI 12.403/11 RICARDO PERUCHE RIBEIRO, Advogado Especialista em Direito Público Docente no Curso de Direito da UNILAGO Resumo: O presente artigo expõe a sistemática das medidas cautelares pessoais de acordo com a Lei 12.403/11 e o problema envolvendo o conceito extremamente abrangente de ordem pública quando utilizado como fundamento para a decretação de prisão preventiva. Palavras-chaves: Medidas Cautelares Pessoais. Ordem Pública. Prisão. INTRODUÇÃO Após anos em tramitação pelo Congresso Nacional, a Lei 12.403/11, responsável por inúmeras alterações no Código de Processo Penal, mais especificamente no Título IX - Da Prisão, das Medias Cautelares e da Liberdade Provisória, entrou em vigor em 04 de Julho de 2011. Em seu bojo a nova Lei trouxe novidades como: 1) a criação de medidas cautelares diversas da prisão - disponibilizando ao juiz um maior número de opções ao analisar o auto de prisão em flagrante; 2) uma maior utilização do instituto da fiança tanto pela autoridade policial como pelo magistrado; 3) a modernização do cumprimento de mandados de prisão, entre tantas outras mudanças, mas, sobretudo, estabelece uma nova forma de se utilizar as medidas cautelares de natureza pessoal, baseado no critério da necessidade e da adequação. É a letra da Lei: Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – necessidade para aplicação da lei penal, para investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. O legislador pátrio, alinhando-se com as garantias constitucionais, deixou claro que o encarceramento do acusado é medida excepcional, devendo o magistrado procurar nas medidas cautelares diversas da prisão a solução primária para assegurar a finalidade do processo. 1. MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL É precisa a definição da doutrina processualista: São aquelas medidas restritivas ou privativas da liberdade de locomoção adotadas contra o imputado durante as investigações ou no curso do processo, com o objetivo de assegurar a eficácia do processo, importando algum grau de sacrifício da liberdade do sujeito passivo da cautela, ora em maior grau de intensidade (LIMA (2013, p. 771) v.g. prisão preventiva, temporária), ora, com menor lesividade (v.g., medidas cautelares diversas da prisão do art. 319 do CPP). No atual sistema processual penal existem apenas duas modalidades de medidas cautelares de natureza pessoal denominadas prisões cautelares: a prisão preventiva e a prisão temporária. A prisão em flagrante que outrora era modalidade autônoma de prisão cautelar, deixou de ser a partir das mudanças trazidas pela Lei 12.403/11. Em seu novo regime, a prisão em flagrante se restringirá a um momento inicial de imposição de medida cautelar de prisão. Justamente por isso, tem sido considerada uma pré-cautela. Em outras palavras, a prisão em flagrante somente subsistirá entre a lavratura do auto de prisão em flagrante e a análise judicial da legalidade da prisão e da necessidade de manutenção de prisão cautelar ou de sua substituição por medida diversa da prisão. (BADARÓ, 2014, p. 725). A prisão temporária, modalidade autônoma de prisão cautelar é regulada pela Lei 7960/89 e é admitida apenas em relação aos crimes constantes no rol do artigo 1°, III. Sua função precípua é assegurar a eficácia das investigações criminais por isso sua decretação jamais será possível durante o curso do processo judicial. 2. PRISÃO PREVENTIVA Como já visto, trata-se de modalidade autônoma de prisão cautelar e esta regulada no Livro I, Título IX, Capítulo III, do código de processo penal, mais precisamente dos artigos 311 ao 316. Só pode ser decretada por decisão judicial em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, desde que presentes os requisitos. Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. 2.1 Pressupostos Como qualquer outra medida cautelar a decretação da prisão preventiva exige, necessariamente a conjugação de dois pressupostos fundamentais, quais sejam: fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Ambos os pressupostos encontram amparo legal no artigo 312 do Código de Processo Penal. O fumus comissi delicti deve ser observado pelo binômio: prova da materialidade e indícios de autoria, e o periculum libertatis fundamentado na garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; garantia de aplicação da lei penal; conveniência da instrução criminal. Há de se observar também como possibilidade para a decretação da prisão preventiva o mandamento legal expresso no novo parágrafo único do artigo 312 do Código de Processo Penal: Art. 312. Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4.°). A saber: Garantia da ordem econômica – foi introduzida no artigo 312 do Código de Processo Penal por meio da Lei 8.884/94, conhecida como Lei Antitruste e mantida pela Lei 12.403/11. É uma forma delineada, mais específica do gênero ordem pública, direcionada a crimes contra a ordem econômica (Crimes contra a economia popular Lei 1.521/52; Crimes contra o sistema praticado em detrimentos do patrimônio de instituições financeiras ou de órgãos públicos – conhecidos como crimes do colarinho branco – Lei 7.492/86; Crimes do Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078/90; Crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo Lei 8.137/90; Crimes contra a ordem econômica Lei 8.176/91; Crimes contra a propriedade industrial Lei 9.279/96 e Crimes de lavagem de dinheiro Lei 9.613/98). Sendo a garantia da ordem econômica uma forma de garantia da ordem pública, sua utilização como fundamento para a decretação da prisão preventiva exige mais do que o enquadramento da conduta como um “crime contra a ordem econômica”, nos termos mencionados. É preciso que a gravidade da infração, a repercussão social causada e a probabilidade de reiteração da conduta criminosa imponham a medida como fator de tranquilidade e restabelecimento da paz social (AVENA, 2014, p. 974) Conveniência da instrução criminal – esta relacionada com a livre produção probatória de forma limpa, sem incidentes. Busca impedir que o suspeito ou seus asseclas destrua provas, ameace testemunhas ou de alguma forma comprometa a busca da verdade real. Apesar de o legislador usar a expressão “conveniência da instrução criminal”, a medida cautelar não pode ser decretada com base em mera conveniência, Sua decretação está condicionada, sem, à necessidade ou indispensabilidade da medida a fim de possibilitar o bom andamento da instrução criminal (LIMA, 2013, p. 915) Garantia de aplicação da lei penal – o que se pretende evitar aqui é a fuga do agente do distrito da culpa impedindo seu sumiço e eventual ineficácia da prestação jurisdicional. Há de se observar que para ser fundamentada nessa circunstância, é necessário que seja demonstrada de forma objetiva e concreta a intenção de fuga por parte do acusado, meras conjecturas e possibilidades não podem ser levadas em consideração. A fuga não pode ser presunção judicial, mas sim fruto de elementos nos autos do processo que demonstrem, cabalmente, que o acusado deseja se subtrair à ação da justiça. O simples poder econômico do réu não pode autorizar o juiz a decretar sua prisão preventiva, Mister se faz que haja informações, nos autos, de que pretende fugir para impedir o império da lei. (RANGEL,2014, p. 808) 3. INDEFINIÇÃO DO CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA. A princípio, faz-se necessário explicar que o sistema processual penal não apresenta qualquer definição do que seja ordem pública para fins de decretação da prisão preventiva, deixando por conta da doutrina o fazer. Nesse contexto: A expressão “ordem pública” é vaga e de conteúdo indeterminado. A ausência de um referencial semântico seguro para a “garantia da ordem pública” coloca em risco a liberdade individual. A jurisprudência tem se valido das mais diversas situações reconduzíveis à garantia da ordem pública: “comoção social”, “periculosidade do réu”, “perversão do crime”, “insensibilidade moral do acusado”, “credibilidade da justiça”, “clamor público”, “repercussão na mídia”, “preservação da integridade física do indiciado”... Tudo cabe na prisão para garantia da ordem pública. (BADARÓ, 2014, p. 738) A expressão garantia da ordem pública, todavia, é de dificílima definição. Pode prestar-se a justificar um perigoso controle da vida social no ponto em se arrima na noção de ordem, e pública, sem qualquer referência ao que seja efetivamente desordem (PACELLI, 2011, p. 549) Muitas vezes a prisão preventiva vem fundada na cláusula genérica “garantia da ordem pública”, mas tendo como recheio uma argumentação sobre a necessidade da segregação para o “restabelecimento da credibilidade das instituições”. É uma falácia. Nem as instituições são tão frágeis a ponto de se verem ameaçadas por um delito, nem a prisão é um instrumento apto para esse fim, em caso de eventual necessidade de proteção, Para além disso, tratase de uma função metaprocessual incompatível com a natureza cautelar da medida (OLIVEIRA, 2011, p. 1324) Em contrapartida, alguns doutrinadores tentam concretizar o conceito de “garantia da ordem pública” usando critérios que merecem ser observados: A garantia da ordem pública pode ser visualizada por vários fatores, dentre os quais: gravidade concreta da infração + repercussão social + periculosidade do agente (NUCCI, 2014, p. 1263) Entende-se justificável a prisão para a garantia da ordem pública quando a permanência do acusado em liberdade, pela sua elevada periculosidade, importar intranqulidade social em razão do justificado receio de que volte a delinquir. Não bastam, para que seja decretada a preventiva com base neste motivo, ilações abstratas sobre a possibilidade de que venha o agente delinquir, isto é, sem a indicação concreta da existência do periculum in mora. É preciso, pois, que sejam apresentados fundamentos que demonstrem a efetiva necessidade da restrição cautelar para evitar a reiteração na prática delitiva (AVENA, 2014, p. 972) 4. A FALTA DE OBJETIVIDADE DA EXPRESSÃO ORDEM PÚBLICA. Como visto, a expressão “garantia da ordem pública” encontrada no artigo 312 do Código de Processo Penal e que serve como requisito fundamentador da prisão preventiva é vaga demais e por mais que a doutrina se esforce, sua conceituação sempre acaba de forma genérica, servindo para justificar a prisão dos mais diversos casos (gravidade do crime cometido, perigo de reiteração criminosa, credibilidade do Poder Judiciário, repercussão social, clamor público). Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os casos de vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois a única presunção que a Constituição permite é a da inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros (OLIVEIRA, 2011, p. 1325) Nesse Sentido: Quinta Câmara Criminal do TJRS, HC 7000614093, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho,j. 23/04/203. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS LEGAIS, PRESUNÇÃO DE PERICULOSIDADE PELA PROBABILIDADE DE REINCIDÊNCIA. INADMISSIBILIDADE. - A futurologia perigosa, reflexo da absorção do aparato teórico da Escola Positiva – que, desde muito, tem demonstrado seus efeitos nefastos: excessos punitivos de regimes políticos totalitários, estigmatização e marginalização de determinadas classes sociais (alvo do controle punitivo) – tem acarretado a proliferação de regras e técnicas vagas e ilegítimas de controle social no sistema punitivo, onde o sujeito – considerado como portador de uma periculosidade social da qual não pode subtrairse torna-se presa fácil ao aniquilante sistema de exclusão social. - A ordem pública, requisito legal amplo, aberto e carente de sólidos critérios de constatação (fruto desta ideologia perigosista) – portanto antidemocrático – facilmente enquadravel a qualquer situação, é aqui genérico e abstratamente invocada – mera repetição da lei – kA que nenhum dado fático, objetivo e concreto há a sustentá-la, Fundamento prisional genérico, antigarantista, insuficiente, portanto! - A gravidade do delito, por si só, também não sustenta o cárcere, extemporâneo: ausente previsão constitucional e legal de prisão automática por qualquer espécie delitiva. Necessária, e sempre, a presença dos requisitos legais (Apelação-Crime 70006140693, j. 12/03/3003). - À unanimidade, concederam a ordem. 5. CONCLUSÃO. De tudo quanto exposto fica claro que por se tratar de uma medida destinada a restrição da liberdade do individuo, fazem-se necessários critérios mais objetivos possíveis. O legislador teve a chance de assim o fazer quando da elaboração do Projeto de Lei n° 4.208/01, que deu origem à Lei 12.403/11 foi proposta a seguinte redação: “A prisão preventiva poderá ser decretada quando verificados a existência de crime e indícios suficientes de autoria e ocorrerem fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença ou venha praticar infrações penas relativas aos crimes organizados, à probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira consideradas graves, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa” Infelizmente o Congresso Nacional optou por deixar imutável o artigo 312 caput e dentro dele a vaga expressão “garantia da ordem pública” causadora de tanta celeuma. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. 1. ed. Niterói,RJ: Impetus, 2013. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.Processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosemar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 6. ed. Salvador, BA: Juspodivm, 2011. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
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