Estudo de design: a moral nos jogos

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Estudo de design: a moral nos jogos
Estudo de design: a moral nos jogos
Escrito por Arthur Bobany - Última atualização Qua, 11 de Novembro de 2009 23:35
Moral é a mensagem que uma história ou evento pretende passar para seu espectador. Com
base na sua interatividade, os jogos são inicialmente isentos de moral, pois ela depende
inteiramente da presença de uma história para se concretizar. Porém, a forma como
dependemos intrinsecamente da narrativa, mesmo quando ela seria dispensável como nos
puros games de quebra-cabeça, nos faz sempre encontrar uma mensagem entremeada na
jogabilidade de quaisquer videogames.
Tetris é um exemplo já batido neste aspecto, pois representa o ápice da falta de narrativa,
porém, é normal que o jogador imagine uma história por trás da atividade, e consequentemente
uma moral desta história. Poderíamos argumentar que Tetris representa a vontade do ser
humano de organizar o mundo, construir coisas que o melhorem com as ferramentas que
encontra à sua frente. Ao mesmo tempo, podemos argumentar que Tetris representa o
inevitável caos e degradação que os erros do homem causam ao alavancar o avanço da
sociedade, finalmente trazendo este avanço a um fim. Alexey Pajitnov, criador de Tetris, não
intencionava contar nenhuma história, ou passar nenhuma lição de moral com seu jogo. Porém
o jogador usa sua imaginação para “completar” a obra, interpretando mensagens e criando
mitologias a partir de formas geométricas pelo simples fato de as estar manipulando, da
mesma forma que atribuímos valores estéticos e significados às pinturas de Abstratas de
Mondrian, muitas vezes longe do sentido original da obra.
De fato, esta capacidade interpretativa foi a base para alguns dos primeiros ataques aos
videogames como obras inapropriadas para crianças e jovens. Em 1976 um jogo chamado Dea
th Race
colocava os jogadores no controle de um carro para destruir esqueletos que haviam levantado
de um cemitério para assolar os vivos. Os gráficos da época não permitiam uma representação
exata da ação na tela, e os esqueletos poderiam ser facilmente confundidos com pessoas por
espectadores alienados à totalidade do jogo. M~es preocupadas com a influência dos jogos
sobre seus filhos levaram o protesto para a corte americana, repetindo o feito com o
lançamento de Mortal Kombat. Mais recentemente a tragédia de Columbine reacendeu a
discussão sobre a violência nos games. Infelizmente, nem todos os lados da questão são
analisados como deveriam, no fim deixando os games com uma uma imagem negativa perante
pais preocupados e a sociedade em geral. Agravando o turbulento desenvolvimento desta
mídia como forma genuína de expressão artística e cultural.
A maneira com que os jogos permitem ao jogador mergulhar em realidades alternativas é o
ponto chave destas discussões. De um lado temos os entusiastas e a indústria do videogame
defendendo que um jogo não é um fator decisivo que influencia o desvio de comportamento
dos jogadores, além de garantir que jogos não são mais para crianças e que a indústria criou
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ferramentas de auto-controle sobre o conteúdo dos mesmos, deixando a culpa com a perversa
“sociedade”. Do outro lado temos os defensores da idéia que os games são perniciosos à
crianças e jovens (quando não à sociedade em geral), que não querem realmente entender o
que é um bom game. Resta, por ambas as partes, um entendimento de como controlar a
situação. Muito disso vem do interesse intrínseco de crianças e adolescentes por jogos de
temática adulta, e por falta de controle dos pais e das lojas, crianças adquirem títulos que não
deveriam. A natureza dos jogos, do qual a fruição deriva principalmente da sua jogabilidade,
agrava a situação. Um jogo agrada tanto a um adulto quanto a uma criança por conta de sua
jogabilidade, sem ter diretamente relacionamento com o tema ou os gráficos exibidos na tela.
Dois jogos de aventura podem ter exatamente a mesma jogabilidade, mas em um o
protagonista é um animal colorido com um martelo de plástico caçando insetos, e no outro um
demônio vermelho com um facão de aço caçando as almas das pessoas: diferentemente de
um livro adulto, que a criança possivelmente não conseguirá ler por muito tempo, ou um filme
de drama, que possivelmente levará as crianças a dormir durante a exibição, os games nos
atraem pela sua jogabilidade, que é universal.
Deixando essa discussão de lado, nos fica o fato de os games oferecerem um espaço para a
mente do jogador tentar simular uma realidade alternativa e explorar suas possibilidades.
Nosso alter-ego dentro do jogo pode confrontar diversas situações, ao mesmo tempo que está
livre da conseqüêncialidade do mundo real. Estas características permitem aos games
tornarem-se poderosas ferramentas para veicular uma moral, ou permitir que o jogador crie sua
própria moral e a confronte com sua realidade. O fato de poder simplesmente desligar o
console se algo der errado libera-o de qualquer verdadeira repressão. A moral pode ser usada
como foco principal de um jogo, como na série Final Fantasy, e conter uma jogabilidade que
sustente esta decisão. Também temos a moralidade usada para prover o jogador com um
entendimento melhor e uma maneira de explorar o universo de jogo, geralmente oferecendo
lados opostos sobre uma mesma questão como em Command & Conquer ou Bioshock.
Moral como foco
Quando um jogo adota uma mensagem moral como foco de sua jogabilidade, o designer deve
ficar atento para não permitir que o jogador questione ou derive deste pensamento. Um jogo
focado em uma mensagem moralista não deve oferecer espaço para o jogador questionar sua
motivação, pois assim o jogo deverá oferecer a possibilidade do jogador seguir a linha de
pensamento contrária ao foco do jogo. Jogos focados em uma moral estarão intimamente
ligados à seu enredo, levando o jogador a vivenciar uma história a ser contada pelo jogo, que
culminará em um grandioso clímax onde a moral será evidente, e o jogador não questionará
sua validez, seja para o universo do jogo em específico ou uma mensagem para o nosso
mundo atual.
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Moral como ferramenta de exploração
A representação da moral de um jogo, usada como ferramenta de exploração do universo, é
uma grande evolução do ponto de vista da jogabilidade se comparado à moral como foco. O
uso da moral para exploração providencia o jogador com dois ou mais pontos de vista sobre
um mesmo tema ou situação, e fundamentalmente depende da não-linearidade do enredo por
deixar à cargo do jogador tomar a decisão do que é certo ou errado em cada situação. Como a
não-linearidade é um dos fatores que empurram os videogames como obras de arte
expressivas, o uso da moral para evidenciá-la é um bom caminho a ser seguido. Jogos como F
able, Bioshock e Neverwinter Nights
exploram de diferentes maneiras a liberdade do jogador de fazer suas próprias experiências
morais dentro do jogo. Para dar suporte à liberdade de escolha do jogador o universo do jogo
deve ser expandido, bem como a jogabilidade, para que possa comportar ao menos uma
escolha moral para o jogador.
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Muitas vezes a escolha da moral a ser passada pelo jogo é nítida, como decidir entre o
caminho bom ou mal em Fable. Você irá delatar o marido traidor para sua esposa, e ganhar
uma boa ação, ou irá acobertá-lo em troca de ouro? De fato, nos jogos onde as escolhas
morais são tão obviamente dissonantes o jogador vê diretamente o efeito de seus atos ao
longo do jogo. Seja pela mudança de aparência do protagonista, pela forma de ser tratado
pelos outros personagens ou pelas consequências de suas ações no universo do jogo.
É importante ter em mente o quanto as escolhas morais do jogador influenciarão na
jogabilidade. Em Black & White 2, por exemplo, a decisão de ser um deus maligno ou bondoso
pode prover ao jogador uma jogabilidade mais próxima de um RTS ou de um simulador de
cidades. Esta decisão afeta profundamente a jogabilidade e portanto oferece um grande grau
de repetição do jogo. Um jogador que tenha seguido por um caminho bondoso certamente
sentirá a necessidade de experimentar os poderes e estilo de jogo do lado maligno apenas
para aproveitar as novas experiências de jogabilidade. Já em Neverwinter Nights 2 a
jogabilidade é basicamente a mesma, mas o que muda é a trama do jogo, e o jogador pode se
interessar por saber o que mudaria na história se tivesse ajudado os bandidos ao invés de
ajudar a guarda da cidade. Em Bioshock a decisão é ainda mais sutil, pois executar as Little
Sisters ou não apenas provém o jogador com mais ou menos recursos para encarar os
desafios do jogo. É bastante provável que um jogador de Bioshock não sinta a mesma
necessidade de jogar novamente o jogo quanto um jogador de Black & White 2. Isso porque
em um dos jogos a escolha moral do jogador teve reflexões profundas na jogabilidade, e no
outro não.
Não é errado ou certo atrelar as escolhas morais à jogabilidade de um jogo, mas na verdade
cada aproximação oferece vantagens e desvantagens. Quando as escolhas morais não afetam
significativamente a jogabilidade elas se tornam mais preciosas para o jogador, pois ele não
estará seguindo determinada linha moral para obter vantagens que lhe facilitem o caminho até
o final do jogo. Suas escolhas serão puramente baseadas em sua reflexão sobre a situação de
seu protagonista, ao mesmo tempo que será um reflexo de suas próprias posições morais. Em
determinado ponto de Guild Wars: Factions os jogadores devem escolher entre duas facções
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inimigas para se aliarem, mas ambas oferecem as mesmas possibilidades de tesouros,
missões especiais e habilidades. Fica a cargo do jogador decidir se prefere apoiar os nômades
Luxons ou os religiosos Kurzics baseado apenas em valores morais e estéticos.
Porém, quando as escolhas do jogador determinam de maneira significativa a sua capacidade
de terminar o jogo, ou limitam suas opções de jogabilidade, sua decisão moral dentro do jogo
pode ser influenciada. Isso pode servir tanto para enfraquecer a ligação do jogador com a
moral da história ou criar um vínculo ainda mais forte com ela. Um jogador que decide jogar
novamente um videogame para experimentar as habilidades ou explorar a narrativa por outra
perspectiva não terá a mesma ligação com nenhuma das possibilidades morais dentro do jogo.
Ao final, ele terá vivenciado o jogo pelo lado bom e pelo lado mal também, e apesar de poder
ter uma preferência geral, não terá uma ligação tão forte com um ou outro aspecto. Neste caso
o jogador decide vivenciar as diversas linhas de moral do jogo para ter sua experiência
completa.
Já um jogador de World of Warcraft que decide jogar apenas e exclusivamente pela Horda
decide, ativamente, tomar o partido de uma moral específica. Mesmo sabendo que certas
magias, classes e áreas do jogo exclusivas para a Aliança estarão permanentemente
bloqueadas para seus personagens, o jogador adota uma moral e a defende. A ligação que se
sente com a moral do jogo é muito mais forte, pois sacrifica-se sua fruição plena em nome
dela. O fortalecimento da relação do jogador com o universo de jogo ao assumir este
posicionamento é tão forte que compensa a impossibilidade de explorá-lo completamente.
Oferecer a possibilidade do jogador escolher sua própria moral dentro do jogo é uma poderosa
ferramenta para enriquecer o universo de jogo. Imagine um jogo onde todas as missões,
magias e habilidades do personagem estejam entremeadas entre duas escolhas morais
diferentes. Basicamente este jogo oferece duas vezes mais conteúdo que se possuísse uma
moral definida pelo designer. Ao mesmo tempo que usar a moral desta forma enriquece o
universo de jogo, dar ao jogador as escolhas pode lhe conferir uma parcela de autoria sobre a
história de seu personagem. No fim, dar ao jogador esta escolha enriquece sua experiência ao
passo que oferece diferentes visões sobre o universo do jogo, lhe permite expressar-se pelas
suas decisões ou explorar ativamente seus próprios conceitos.
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